Sessão 2

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Sessão 2
Trabalhos de Conclusão de Curso
Sessão II
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Foto: André Pastore-” Sur-ta-peau”
Uma Lente de Aumento no Conteúdo dos Tecidos 1 :
Dança-teatro, Fragmentos e Afetos Dançantes.
Mariana de Mesquita*
Resumo
Privilegia-se neste artigo uma reflexão acerca de aspectos do processo de criação da coreógrafa Pina Bausch e dos espetáculos do Wuppertal Tanztheater (Alemanha) e o relato
da experimentação desses elementos no processo de composição do espetáculo “Sur ta
peau” 2 . O espetáculo teve como ponto de partida o livro: Fragmentos de um discurso
amoroso de Roland Barthes e aborda o território ambivalente dos afetos humanos.
Palavras-chave: Dança-teatro. Pina Bausch. Processo de criação. Roland Barthes.
1. INTRODUÇÃO: OS ELEMENTOS...
Este artigo nasce de um diálogo entre três pilares importantes no processo de construção
do espetáculo “Sur ta peau”, a saber: a dança-teatro de Pina Bausch, o texto Fragmentos
de um discurso amoroso de Barthes e minhas reflexões sobre os territórios do corpo e do
afeto. Caracteriza-se principalmente como um relato das tentativas de aplicação destes
aspectos no processo criativo de todos os envolvidos e na reflexão sobre as implicações
dessas experimentações na elaboração do trabalho.
No trabalho original 3 , na busca desse movimento “grávido de sentido” buscamos o
diálogo entre a obra barthesiana e fundamentos psicanalíticos contemporâneos.
* Bacharelanda do Curso de Graduação em Teatro. Orientadora: Profª Msª Carla Andréa Silva Lima
1 O Priberam (dicionário de língua portuguesa): “4 Biol Reunião de células com a mesma estrutura, exercendo determinada função.” “6. Parte sólida dos corpos organizados.” Em nosso trabalho nos referimos ao
conteúdo emocional presente na pele, nos órgãos, nos tecidos fisiológicos.
2 Sobre tua pele. (tradução nossa). Espetáculo de Conclusão de Curso de Bacharelado em Teatro pela
Escola de Belas Artes da UFMG no primeiro semestre de 2009.
3 O que está apresentado aqui é um resumo expandido. O artigo está disponível na íntegra, incluindo
os tópicos referentes às abordagens psicanalíticas contemporâneas e um breve tópico sobre a obra de
Roland Barthes. Solicite através do e-mail: [email protected].
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Para esta versão reduzida, elegemos tratar de alguns aspectos do trabalho de Pina Bausch e a reflexão sobre sua experimentação prática.
2. “UMA DRAMATURGIA DE DESEJOS NÃO SATISFEITOS 4 ”:
A COMPOSIÇÃO INTER-RELACIONAL DE PINA BAUSCH
Philippine Bausch, a coreógrafa Pina Bausch, nasceu em 1940, na cidade de Solingen, Alemanha, e se formou na Escola Folkwang, em Essen. Seu trabalho, juntamente
com seus bailarinos do Wuppertal Tanztheater, reconhecidamente colabora para a afirmação da dança-teatro como linha de encenação. Antes dela, Laban, Mary Wigman,
Kurt Jooss entre outros, atravessaram as barreiras que subdividiam, dentro das artes
cênicas, a dança e o teatro, unindo aspectos semelhantes, derrubando dogmas, produzindo espetáculos e métodos artisticamente abrangentes. Pavis, por Fabvre, ao definir
dança-teatro em seu Dicionário de Teatro, diz que os representantes desta arte eram/
são denominados “coreógrafos abertos à teatralidade e favoráveis à descompartimentação das artes cênicas” (FABVRE apud PAVIS, 1999, p. 83).
Pina Bausch atribui os elementos fortes em sua composição espetacular à sua história
pessoal. Declara que o fato de compartilhar, na Escola Folkwang, o mesmo prédio com
os cursos de música, ópera, fotografia, teatro, design de tecidos e escultura, contribuiu para que conhecesse de tudo um pouco. Bausch diz: “Desde então, não consigo ver sem espaço. Vejo também como um pintor ou um fotógrafo”. (FERNANDES,
2000, p. 11). Creio que o mesmo ocorre com os elementos cênicos usados por ela nos
espetáculos do Wuppertal Tanztheater como, por exemplo: a água em Vollmond, as
cadeiras em Café Müller, o microfone em Mazurca Fogo e Valsas, a chuva de flores em
Cravos e em O limpador de vidraças. O que diferencia a utilização destes elementos
por Pina Bausch é o contexto em que são trazidos por seus bailarinos à cena: partem de suas histórias. A utilização cotidiana de tais objetos é subvertida, para que sua
presença evoque em cena não a funcionalidade daquele objeto, mas sim aquilo que,
marcado pela ausência, faz desse objeto metáfora, corpo perdido, sinal de um tempo
que se esvai. Imagens. Em Sur ta peau, estes objetos surgiram de forma bastante orgânica ao processo. Os primeiros foram: pele e papel. Sobre a pele: escuto uma seleção
de músicas que fiz no computador para quando estivesse trabalhando no espetáculo.
Escrevo o projeto sobre a montagem, penso sobre a pele como fronteira que separa
o ser do mundo externo. O ser apaixonado do objeto de amor. O que confere prazer e
4 Norberto Servos, sobre os espetáculos do Wuppertal, para a revista BRAVO!
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contém o sofrimento. As músicas são românticas, sarcásticas, a voz do ser apaixonado.
Escuto repetidamente Julie Delpy cantando “Je t’aime tant”. São tantas sensações. Ela
fala de alguém que odeia, e ama, e que quer, ao mesmo tempo quebrar-lhe o pescoço,
quer ser “a luz sobre tua pele!”. Sur ta peau. Estava consolidado. A pele seria, não só
objeto a ser explorado, mas nomearia o espetáculo. Sobre o papel: um dos primeiros
exercícios foi a escritura de uma carta de amor. Desde a primeira leitura, não conseguimos mais excluir os papeis. Cartas, origamis, chuva de papeis em branco. Papel
dobrado, rasgado, molhado com o suor. Para Chevalier/Gheerbrant, o papel está sempre associado à escrita e, sendo portador de imagens “é o substituto frágil da realidade”
(CHEVALIER/GHEERBRANT, 2009). Outro aspecto que surge após constatar que, ao
fim do espetáculo, tínhamos o chão coberto de papel, é sua composição: assim como
nós, assim como a pele, o papel é constituído por células, é o processamento da celulose. Fibras vivas, células. O papel em cena é em branco, vazio. Rasgado, amassado. O
papel assume aqui uma representação simbólica do eu. “De alguém que fala, apaixonadamente, diante do outro, (objeto amado) que não fala”(BARTHES, 1990, p.01). Todas
estas reflexões a cerca do papel/pele/eu só nos foram possíveis em uma fase bastante
avançada do processo. Abrimos as portas desta possibilidade e nos deixamos afetar por
suas múltiplas facetas.
Voltemos ao “método de Bausch” e sua relação com o processo de criação do espetáculo.
É sabido que se trata de um processo de criação que tem como base a memória dos atores-bailarinos: suas culpas, medos e fantasias. Pina Bausch nos apresentou espetáculos
repletos de imagens intensas, imbuídas de autenticidade. Mas, quais são as medidas
exatas de cada ingrediente? Qual é o caminho através do qual Pina Bausch guiava seus
bailarinos? Alguns elementos são exatamente esses: perguntas e improvisações. Mas
o foco, o estratagema, está justamente no inexato, na insistência, na não aceitação de
apenas uma resposta. É justamente a costura destes retalhos de diferentes texturas, cores e fios, presente na composição, no processo, que o público presencia em cena. É a
colagem de “instantes verticais” 5 (BARTHES, 1990. p. 86), e principalmente o hiato entre
eles, mais do que o tecido-resposta, a matéria prima destes espetáculos.
Voltemos às perguntas de Bausch, que são inúmeras. É um trabalho de paciência, repleto de
idas e vindas, de retrocessos. Segundo a artista: “Nunca se pode perguntar de maneira muito
direta (...) Seria grosseiro demais e as respostas demasiado banais” (FERNANDES, 2000. p.
12). Como declara um de seus bailarinos: “Às vezes não respondemos porque a pergunta nos
5 “ERRÂNCIA:(…) ele (o enamorado) compreende que está designado a errar até a morte de amor em
amor (…) de amor em amor vivo instantes verticais”(BARTHES, 1971. p. 86)
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toca demasiado, perturba-nos, emociona-nos.”(MERCY apud BENTIVOGLIO, segundo
LIMA, 2007)
É preciso dar-se tempo para o cessar deste primeiro impacto. Se permitir navegar nas
águas da perturbação, desistir da fuga, pela via da queda das resistências. As perguntas são relativas a intimidades, mas, antes de tudo, tratam do que há de essencial, cotidiano, como: “o que você fez no mercado?”, ou simplesmente são enunciados: “Querer
ferir”, “Buscar o que se perdeu, a proximidade”. (LIMA apud BENTIVOGLIO, 2007. p.
82). Em nosso processo, um exercício bastante desenvolvido, inspirado no “método de
perguntas” de Bausch, foi o seguinte: cada um deveria eleger um trecho do texto ou uma
figura (forma como Barthes nomeia, no livro, cada ação do ser apaixonado) e elaborar
uma seqüência por meio de improvisações com as seguintes diretivas: “É quase uma
mímica.” “Quase LIBRAS (linguagem brasileira de sinais)”. “Tem que surgir das tendências de movimento do seu corpo quando você lê e se põe em contato com o conteúdo.”
Muitas das seqüências apresentadas durante o espetáculo surgiram deste exercício.
Assim, enquanto lia sobre Bausch, via o quanto é difícil chegar a respostas genuínas. É
a dificuldade de realmente estar presente, se desnudar, tocar a vida, em cena. As perguntas que chegavam, levavam a uma gama de novas perguntas. Era, realmente, um
processo de investigação. Como se cada imagem a que chegávamos mostrasse lá no
canto do quadro outra luz e outra cor, evidenciando que ainda havia uma paisagem além.
Outra característica experimentada na criação ou composição do trabalh,o numa relação
investigativa direta com os processos de criação na dança-teatro de Bausch na composição e que visita freqüentemente as peças do Wuppertal, é a repetição. A imagem, a
princípio, é a de um disco de vinil riscado: o susto, a estranheza. Algo que nos incita a
correr e levantar a agulha. A repetição encontra lugar em várias áreas de aplicação, seja
na música, na psicologia ou em experimentos em áreas da biologia e ciências exatas,
até mesmo no estudo de algum fundamento técnico para a dança, como no ballet clássico. O que buscamos aqui é compreender o seu papel durante o processo de criação,
e no palco como recurso cênico. É neste lugar onde o incômodo se anuncia. Ciane Fernandes nos diz que a repetição nos trabalhos de Bausch “é usada precisamente para
desarranjar tais construções gestuais da técnica ou da sociedade” (FERNANDES, 2000.
p.42). Considerando o fato de se tratarem de improvisações quase autobiográficas, estas
seqüências, ou gestos, passam a ter caráter simbólico. Então, ao repetir inúmeras vezes as mesmas seqüências, durante todo um espetáculo, às vezes em dupla, às vezes
um único movimento, ou por vezes em vários momentos, emergem as perguntas: que
lugar pretende-se visitar? Que sensações emergem ao contermos a ânsia de levantar
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a agulha da vitrola, ao revisitarmos o início, o trajeto e o fim de cada movimento ou seqüência, seguidas vezes?
Ao se referir às repetições e gestos que não encontram correspondência nos padrões
fundamentais da dança, Sônia Machado de Azevedo nos diz: “Esse gestual que há muito
se distanciou dos artificialismos, quer apenas mostrar os aspectos contraditórios do ser
humano, entre eles a eterna e incontrolável sede de amor e a violenta rejeição a esse
mesmo amor” (AZEVEDO, 2002, p.86). Ao expor a transformação da personagem/bailarino em cena, Bausch não somente desestrutura o lugar de conforto, mas oferece, tanto
aos seus bailarinos como ao público, uma oportunidade de interação com a obra, “quebrando já as noções clássicas de continuidade da ação” (MARFUZ, 1999. p. 32).
Além da experimentação da repetição, neste momento do processo, começamos a encaixar as peças numa tentativa de compor a cena pelo viés da justaposição. Neste período revisava o livro de Ciane Fernandes sobre o Wuppertal, que me foi de grande ajuda,
pois traz uma análise do espetáculo Café Müller por meio de um codificação. É possível
então compreender a estrutura formada pelas seqüências e a intersecção entre elas,
seja pela sobreposição ou pela realização simultânea das cenas. Surpreendi-me, pois
era exatamente o que tínhamos. Todo o material poderia ser visualizado e ordenado a
partir de um processo de simplificação matemática. Foi isso que fizemos: testamos. Um
exemplo: temos as seqüências A, B, C, D, sendo cada letra criada e trabalhada por um
interprete. Estas cenas podem se desdobrar em outras distintas, porém, mantêm a sua
estrutura original como referência, mesmo que esta esteja praticamente irreconhecível
ao final. Assim sendo, temos: A’, A’’ e A’’’. Além destas novas seqüências de cada participante, temos os encontros de seqüências individuais: AB (A+B), AB’(A+B’), A’’E(A’’+E)
e assim por diante.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
“ASSIM SENDO É UM ENAMORADO QUE FALA E DIZ:6”
Sinto, ao refletir sobre eses eventos, como se houvesse um caminho natural já experimentado por muitos artistas que se identificam com o trabalho de Pina Bausch. O que ressalto
aqui é a abordagem de um afeto que busca ser expresso de alguma forma. Transbordante
porque vasa às tentativas de contenção, e que, nem por isso, se torna satisfeito. Penso ter
sido este o aspecto de maior desafio durante o processo: além do contato com estes afetos,
6 (BARTHES, 1990, p. 07)
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a busca de formas, as diferentes ressonâncias usadas na expressão e caminhos destes
fluxos.Fica evidente para mim a necessidade da continuidade desta pesquisa. Necessidade esta que se estabelece desde a minha identificação com uma abordagem ampla
e repleta de possibilidades no que pretendo como artista, e no “enamoramento” pela
riqueza do trabalho de Pina Bausch e pela dança-teatro. Tive a oportunidade, apesar
das dificuldades, de atravessar barreiras com as quais não teria me deparado em outras
situações. De transformar meu posicionamento artístico e flexibilizar minha ótica sobre
movimento e criação.
4. REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Sônia Machado. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002.
BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso – tradução: Hortência dos
Santos. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves, 1990.
Dicionário virtual: Priberam. Disponível em: http://www.priberam.pt – Acessado entre
01/09/2008 a 25/06/2009.
CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números)/ Jean Chevalier, Alain Greerbrant, com a colaboração de: André
Barbault... [et al.]; coordenação Carlos Sussekind; tradução Vera da Costa e Silva... [et
al.]. - 23ª edição – Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
FERNANDES, Ciane. A dança teatro de Pina Bausch: redançando a história corporal. 2000. Disponível em: http://www.unirio.br/opercevejoonline/7/artigos/4/artigo4.htm
– Acesso em: 08/10/2008.
LIMA, Carla Andréa Silva. Dança-Teatro: a falta que baila – A tessitura dos afetos nos
espetáculos do Wuppertal Tanztheater. 2007, 111 f.. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais – Escola de Belas Artes, 2007.
MARFUZ, Luiz Cesar Alves. O paradoxo da construção da personagem na dança: teatro
de Pina Bausch. Repertório, Teatro & Dança. Salvador, ano 2, nº2, p. 30-36, 1999.
MALUFE, Annita Costa., Ana C. A crítica por trás da poesia. Revista Letras, Curitiba, n.
62, p.27-40.2004.EditoraUFPR. http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/viewFile/2903/2385 - acessado em : 25/6/2009
NESTROSKY, Arthur & BOGÉA, Inês. O gesto essencial. Folha de São Paulo. Caderno
Mais! São Paulo, 27 de Agosto, 2000.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro – tradução: sob a direção de J. Guinsburg e Maria
Lúcia Pereira, 1ª edição – São Paulo: Perspectiva, 1999.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro – tradução: sob a direção de J. Guinsburg e Maria
45
Lúcia Pereira, 1ª edição – São Paulo: Perspectiva, 1999.
PORTINARI, Maribel. História da Dança. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1989.
SERVOS, Norbert. Entre a alegria e a perfídia. Tradução: Peter Naumann. Revista BRAVO, nº 40, São Paulo, 2000.
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A INCRÍVEL E TRISTE HISTÓRIA DA CÂNDIDA ERÊNDIRA
E SUA AVÓ DESALMADA
ADAPTAÇÃO TEATRAL DO CONTO
DE GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
Beatriz Campos Faria*
Resumo
Apoiado no conceito de Adaptação, proposto por Patrice Pavis, e nos princípios do
Realismo Maravilhoso, este artigo aborda o processo de adaptação do conto de Gabriel
García Márquez A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada
para o teatro.
Palavras-chave: Adaptação. Realismo Maravilhoso.
INTRODUÇÃO
Do interesse em adaptar o conto de Gabriel García Márquez A Incrível e Triste História
da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada para o teatro nasceram este artigo e o
espetáculo que compuseram o meu Trabalho de Conclusão de Curso 1.
Gabriel Garcia Márquez, escritor e jornalista colombiano, nascido na aldeia de Aracataca em 1928, é também, autor do aclamado Cem Anos de Solidão e recebeu, em
1982, o Prêmio Nobel de Literatura. Considerado um dos mais significativos escritores
da América Latina, é o maior representante do Realismo Maravilhoso – ou do Realismo Mágico, como também é conhecido – no âmbito da literatura latino-americana.
O conto, de 1972, narra a trajetória de Erêndira e de sua avó pelo deserto. Depois de
perder a casa e a maioria de seus bens em um incêndio provocado acidentalmente
*(Bia Campos) Licenciada em Teatro pela UFMG.Concluiu o bacharelado em interpretação teatral com o
espetáculo homônimo a este artigo.Orientador: Prof. Dr. Antonio Hildebrando. EBA-UFMG
1 Disciplina obrigatória da Graduação em Teatro da Universidade Federal de Minas Gerais, para os formandos do bacharelado em interpretação teatral.
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por Erêndira, sua avó decide vender seu corpo como pagamento pelos prejuízos que
causou. Neste percurso, deslocam-se por vários povoados no deserto, onde a fama de
Erêndira atinge grandes proporções e muitos homens conhecem o seu amor. Muitos
anos se passam até que Erêndira consegue, de maneira drástica, libertar-se da opressão da avó.
Gabriel García Márquez, em uma entrevista ao jornal “El País”, de Madrid, diz que este
conto se originou de uma experiência real e relata que, em uma noite de festejos em um
remoto povoado do Caribe, conheceu uma menina de onze anos prostituída por uma
matrona. Elas viajavam, como um bordel ambulante, de povoado em povoado, seguindo o itinerário das festas dos padroeiros e levando com elas sua própria barraca, sua
própria banda de músicos e suas barraquinhas de comidas e bebidas. O conto trata de
temas recorrentes nos países latino-americanos, como a exploração sexual de crianças,
o contrabando, a banalização dos costumes, as superstições, a submissão feminina, entre outros. Um exemplo disso ocorre quando o pai de Ulisses 2, na narrativa, transporta
diamantes escondidos em laranjas que, por sua vez, estão escondidas dentro da camioneta que, teoricamente, carrega pássaros, lembrando-nos das jovens colombianas que
vemos nos jornais diários, transportando papelotes de cocaína em seus estômagos.
Para Patrice Pavis (2007, p.10) adaptação significa “transposição ou transformação de
uma obra, de um gênero em outro” e para realizá-la
Todas as manobras textuais imagináveis são permitidas: cortes,
reorganização da narrativa, “abrandamentos” estilísticos, redução
do número de personagens ou dos lugares, concentração dramática em alguns momentos fortes, acréscimos e textos externos, montagem e colagem de elementos alheios, modificação da conclusão,
modificação da fábula em função do discurso da encenação.
Como veremos no decorrer deste trabalho, muitas “manobras textuais”, como a reorganização da narrativa, os acréscimos e textos externos, além de recursos para a necessária concentração dramática, foram realizadas na nossa adaptação do conto de Gabriel
García Márquez.
2 Personagem que se apaixona por Erêndira no conto e que é o responsável pela morte da avó.
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O REALISMO MARAVILHOSO
Antes de prosseguir, ressaltemos que, tratando-se de arte, é preciso ter cuidado com
as categorizações, pois as linhas de separação de um estilo para outro são geralmente
tênues.
De acordo com Irlemar Chiampi “o termo Realismo Mágico surgiu pela primeira vez em
1925, quando o historiador e crítico de arte alemão Franz Roh quis caracterizar como
realista mágica a produção pictórica do pós-expressionismo alemão” (CHIAMPI, 1980.
p. 21), pois os princípios do Realismo, movimento que se iniciou em meados do século
XIX, não eram suficientes para definir a produção artística abordada por Franz Roh. O
Realismo Mágico integrava um conjunto de tendências na arte figurativa alemã, conhecido como Neue Sachlichkeit 3, e representava um desdobramento do Realismo, mas,
enquanto no Realismo “os artistas deveriam representar o mundo como ele é, mesmo
que tal exigisse o corte com as convenções artísticas e sociais” (LITTLE, 2007, p. 80), o
Realismo Mágico, por sua vez, buscava ir além da representação mimética da realidade
para produzir representações densamente codificadas, e foi justamente esta outra forma
de retratar a realidade que gerou a atmosfera de irrealidade característica da pintura
pós-expressionista alemã.
Também na literatura hispano-americana, entre os anos de 1940 e 1955, houve um fenômeno complexo e vigoroso de renovação ficcional que se confrontava com o esquema
tradicional do discurso realista. Para classificar esta nova produção ficcional Arturo Uslar
Pietri, jornalista e escritor venezuelano, em Letras y Hombres de Venezuela (1948), incorporou a expressão Realismo Mágico à crítica do romance hispano-americano.
Segundo Chiampi, “a adoção do termo Realismo Mágico revelava a preocupação elementar de constatar uma ‘nova atitude’ do narrador diante do real”, sem se aprofundar
em outros quesitos que poderiam caracterizar a obra e que se a tinham apenas ao modo
de ver a realidade, “estranho, complexo, muitas vezes esotérico e lúcido, foi identificado
genericamente com a magia” (CHIAMPI, 1980, p.21).
3 Neue Sachlichkeit – nova objetividade – era um termo utilizado para caracterizar uma tendência variada, ou um conjunto de tendências, na arte figurativa alemã a partir da década de 1920, e seu próprio
significado era impreciso. Outros termos que eram empregados na literatura da época incluíam “neo-naturalismo”, “novo naturalismo”, “novo realismo”, “realismo mágico” e “verismo”. (LITTLE, 2007, p. 80)
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Aqui utilizaremos o termo Realismo Maravilhoso 4, pois, como defende CHIAMPI (1980,
p.50) “maravilhoso é termo já consagrado pela Poética e pelos estudos crítico-literários
em geral”, argumento ao qual acrescenta razões históricas que “legitima[m] o maravilhoso como identificador da cultura americana”, pois os Europeus, ao se confrontarem
com o novo mundo, na época da colonização, utilizaram o termo maravilhoso como
designador das características naturais e culturais existentes no continente americano.
É importante destacar, ainda, que o termo maravilhoso não deve ser restrito à acepção
de “belo”, pois “também a crueldade, a violência, a deformação dos valores e o exercício
tirânico do poder integram a noção dos prodígios americanos.” (CHIAMPI 1980, p.38).
Em A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, o prodígio
principal consiste na cruel relação existente entre Erêndira e sua avó. Lânguida e silenciosa, Erêndira vive os seus dias a cuidar sozinha da mansão em que vive com a avó
e a satisfazer os caprichos da mesma. Depois de provocar acidentalmente um incêndio
em sua casa, Erêndira adquire uma dívida absurdamente alta que deverá ser paga em
aproximadamente oito anos – segundo os cálculos da avó – e inicia a sua trajetória de
prostituição pelo deserto, como forma de pagamento, também imposta pela avó. Se, de
um lado, temos a exploração da avó desalmada, de outro temos a passividade instigante
de Erêndira, figura que “nunca falava a não ser por motivos indiscutíveis” (MÁRQUEZ,
1972, p. 94) e obedecia, incondicionalmente, a todos os comandos de sua avó.
Entre os muitos exemplos típicos do Realismo Maravilhoso, no conto, podemos ressaltar: a fila interminável de homens sedentos pelo amor de Erêndira e as mesas de
jogos e bebedeira formadas enquanto esperam sua vez; o contrabando de diamantes
escondidos em laranjas; as premonições da mãe de Ulisses; a lógica perversa da avó
com aqueles com os quais mantêm algum tipo de vínculo financeiro; o prefeito que fazia
chover e a morte escatológica da avó, quando de seu corpo, ao ser esfaqueada por Ulisses, jorra um líquido verde.
Antes de partirmos para questões pontuais relativas à adaptação do conto, é necessário
ressaltar algumas características do Realismo Maravilhoso, destacadas por Chiampi, e
que foram importantes para nortear o próprio processo de transposição do texto adaptado para a cena, tais como:
4 O termo mágico, utilizado por Arturo Uslar Pietri em Letras y Hombres de Venezuela, diferente do maravilhoso, é tomado de outra série cultural e a prática mágica difere do conhecimento científico, comprometendo a clareza da definição literária.
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A desintegração da lógica linear de consecução e conseqüência do relato, através de cortes na cronologia fabular; a
multiplicação e simultaneidade dos espaços da ação; a caracterização polissêmica dos personagens e atenuação da
qualificação diferencial do herói. (CHIAMPI, 1980, p.21)
Estes procedimentos técnicos, que já caracterizavam o conto, continuaram fecundos no
processo de atualização cênica do texto adaptado.
A ADAPTAÇÃO PARA A CENA TEATRAL
Lembrando Pavis, no caso da nossa adaptação teatral do conto de García Márquez, a
reorganização da narrativa se deu, principalmente, a partir dos cortes e dos acréscimos
que foram feitos no texto literário e do reordenamento dos acontecimentos. Neste movimento, personagens, espaços e acontecimentos foram excluídos, não só em função da
duração do espetáculo, mas, principalmente, pela necessidade de organizar e condensar a narrativa, a fim de propiciar ao espectador clareza e entendimento do espetáculo.
O convento, a casa de Ulisses, os pais de Ulisses, o fotógrafo, as prostitutas, entre outros, são alguns dos exemplos presentes no conto e que não foram abordados em nossa
adaptação teatral.
Por outro lado, os acréscimos de textos, servem, por exemplo, para situar o espectador
no espaço de ficção do conto, que foi mantido na adaptação para o teatro – no caso, o
deserto – e, ainda, para dar informações que complementam a cena. É o caso do Homem do Correio, personagem existente no conto original, mas que assumiu a função
extra de narrador ao longo do espetáculo.
Muitos dos diálogos presentes no conto foram levados na íntegra para a cena teatral
devido à força poética que a escrita do autor possui. Em outros momentos, por acreditarmos que os diálogos da obra original não seriam suficientes para o entendimento do
espectador e “endureceriam” a cena, fazendo com que ela ficasse sem ação e sem vida,
criamos novos diálogos, baseados no texto original, que explicitassem melhor os personagens e suas relações. Houve ainda a dramatização de trechos narrados. É o caso do
momento em que a avó avalia os clientes para ver quem entra na barraca de Erêndira
e que, narrado no conto, transforma-se em um diálogo da avó com a platéia/clientes de
Erêndira.
O Realismo Maravilhoso promove uma contigüidade entre o real e o sobrenatural e
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por isso, nele, histórias aparentemente impossíveis (ou pelo menos improváveis) de se
passarem na realidade tornam-se críveis, provocando no leitor um fenômeno conhecido
como efeito de encantamento, propiciado pela interpretação não-antagônica entre o real
e o prodígio. Os acontecimentos prodigiosos, ao invés de provocarem medo ou terror,
aproximam e envolvem o leitor. O desejo de provocar este mesmo efeito de encantamento, agora no espectador, fundamentou muitas das escolhas feitas durante todo o
processo de trabalho.
Para promover a já mencionada contigüidade entre o real e o sobrenatural, um procedimento muito importante, e que foi fundamental no que diz respeito ao trabalho dos atores
nesta nossa adaptação, foi a neutralização da censura. Como afirma CHIAMPI: “Os personagens do Realismo Maravilhoso não se desconcertam jamais diante do sobrenatural,
nem modalizam a natureza do acontecimento insólito” (1980, p. 61).
As indicações espaciais e as descrições dos ambientes presentes no conto de García Márquez funcionaram como estimuladores para a criação da cena teatral como, por
exemplo, a informação de que a alcova era “arrumada com um gosto exagerado e um
pouco absurdo, como toda a casa” (MÁRQUEZ, 1972, p. 94), foi determinante para o primeiro aspecto privilegiado na composição visual da cena, que é a opulência decadente
presente na casa da avó. Assim, objetos antigos e de valor, como a “poltrona que tinha
a base e a estirpe de um trono” (p. 95), os numerosos relógios, o “báculo que parecia
de bispo” (p.94), as colunas gregas e o sino dourado, foram levados para a cena como
representantes desta opulência, emprestando aos objetos e figurinos uma aparência
exagerada e de mau gosto, como nas sobreposições de roupas floridas que a avó veste
e nas flores artificiais que decoram sua casa.
Também a superstição é uma característica marcante no conto, claramente representada
pelo “vento da desgraça”, signo que perpassa todo o texto e que traz má sorte para os
personagens, sempre que sopra. Por isso, elementos relacionados à superstição foram
incluídos no espetáculo, como os alhos utilizados na trança da avó e os olhos-de-boi
(objeto descoberto nas lojas do Mercado Central, uma semente que serve para espantar
o mau-olhado).
O Mercado Central foi o espaço escolhido para a realização das apresentações, ele
consiste num mercado diversificado e tradicional, como uma feira fechada com portões.
A vastidão espacial do Mercado Central à noite, com as portas cinzentas e fechadas das
lojas e seus corredores com pouca luminosidade, foi eleita com o intuito de remeter o
espectador a um espaço desértico, situando o público na atmosfera do conto que passa
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pelo universo da solidão, da crueldade, do submundo e do contrabando, como também
se relaciona com o fato do Mercado ser um espaço de venda e comércio, pois, como
já dito, Erêndira é vendida pela avó como um produto, como objeto para a satisfação
sexual dos seus clientes. O deslocamento de Erêndira e de sua avó por vários povoados
no deserto, concretiza-se com o deslocamento do público pelos ambientes em que os
personagens transitam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de adaptação de um texto literário, no caso uma narrativa, para o teatro
abrange diferentes etapas, que vão desde a adaptação textual (reorganização da narrativa, cortes, acréscimos de textos externos, reordenamento dos acontecimentos, criação
de diálogos e a utilização de diálogos do texto original), passando pela adaptação cênica (figurino, objetos, cenário, sonoplastia) e pelo trabalho dos atores na construção
de seus personagens e de cenas. Neste complexo processo, os princípios do Realismo
Maravilhoso nortearam muitas das nossas escolhas, estivessem elas relacionadas ao
texto, quando da desintegração da lógica linear de consecução e conseqüência do relato, através de cortes na cronologia fabular; à atuação, pela via da neutralização da
censura e do efeito de encantamento; e à encenação, principalmente pela multiplicação
e simultaneidade dos espaços da ação, além da concretização cênica da fila de clientes
de Erêndira e de sua barraca.
A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, agora como
espetáculo teatral, possui muitos desafios a serem enfrentados para que a força poética
das palavras de García Márquez se concretize no aqui e agora da cena e nas ações,
sejam elas verbais ou corporais, base do trabalho atoral.
REFERÊNCIAS:
CHIAMPI, Irlemar. O Realismo Maravilhoso. São Paulo: Perspectiva, 1980.
FER, Briony; BATCHELOR, David; WOOD, Paul. Realismo, Racionalismo, SurrealismoA arte no entre-guerras. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1998.
FRANÇA, Junia Lessa; VASCONCELLOS, Ana Cristina de. Manual para normalização
de publicações técnico-científicas. 8. ed. Belo Horizonte/MG: Editora da UFMG, 2007.
LITTLE, Stephen. “...Ismos”. Lisboa: Editora Lisma, 2007.
MÁRQUEZ, Gabriel García. A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó
Desalmada. Rio de Janeiro: Record, 1972.
53
______. Oficina de Roteiro de Gabriel García Márquez: Como Contar um Conto. Rio de
janeiro: Casa Jorge, 1995.
______. Oficina de Roteiro de Gabriel García Márquez: Me Alugo para Sonhar. Niterói:
Casa Jorge Editorial, 1997.
MENDOZA, Plínio Apuleyo. Cheiro de Goiaba: Conversas com Plínio Apuleyo Mendoza.
Rio de Janeiro: Record, 1993.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
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A VOZ NA CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM:
Um estudo sobre Ação Vocal no texto “Uma mulher só” de Dario Fo
Denise Iozzi Sperandelli *
RESUMO
Neste artigo proponho estudar elementos para construção de uma personagem por intermédio da voz. São trabalhados os conceitos de ação vocal, ação verbal e psicodinâmica vocal no texto Uma mulher só, de Dario Fo. As construções sugeridas pelo texto,
bem como, as analises de elementos que constituem a voz foram fatores funcionais na
construção da voz da personagem Maria.
Palavras-chave: Ação vocal, ação verbal. Psicodinâmica vocal. Voz. Fala. Palavra.
Personagem.
INTRODUÇÃO
Este artigo explora os conceitos de ação vocal e ação verbal, que aqui, são estudados
como conceitos diferenciados. Segundo MALETTA (2009) 1 , a ação vocal é toda emissão vocal que produz sentido cênico. Vinculados a ela encontramos os conceitos de
ação verbal e psicodinâmica vocal que criam interseções entre si. A ação verbal é uma
ação vocal que está vinculada ao texto, ao verbal. Utiliza-se de elementos do próprio
texto como fortes indicadores da intenção da fala, como por exemplo, o subtexto, as
pontuação, as pausas, etc. Já a psicodinâmica vocal refere-se aos elementos constituintes da voz que permitem que identifiquemos as características do falante (abrangendo sua biologia, psicologia e fatores socioeducacionais), sendo um procedimento
que utiliza dos parâmetros vocais para melhor análise da emissão vocal. Todos esses
fatores são fundamentais na construção da voz de uma personagem e são esmiuçados
ao longo deste texto e trabalhados de forma diferenciada, buscando apresentar as especificidades de cada um e suas interseções.
* Bacharelanda em Interpretação Teatral. Orientador: Prof. Dr. Ernani Maletta EBA/UFMG
1 Entrevista concedida no dia 14 de abril de 2009.
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No meu trabalho prático 2 , que foi construído, paralelamente a este artigo, utilizei o texto Uma mulher só 3 , do escritor italiano Dario Fo, em forma de monólogo. Dario Fo foi
ganhador do prêmio Nobel de literatura em 1997. Entre seus trabalhos mais conhecidos
na área teatral está o livro “Manual mínimo do ator” (Ed. Senac. 2004). Fo, além de ator,
mímico e palhaço, é também cenógrafo, figurinista, dramaturgo, arquiteto e militante
político 4 . Ao lado de sua mulher Franca Rame, escreve e encena vários monólogos.
Nesse monólogo de autoria de Dario Fo pretendi trabalhar aspectos do texto que me
ajudassem na construção da personagem Maria, focalizando a forma pela qual esses
aspectos estivessem refletidos na fala e na voz da mesma. Além disso, foram investigadas diferentes nuances de voz de acordo com cada circunstância inusitada que surgia
enquanto Maria descrevia sua história para sua vizinha. Tentei, também, com base na
psicodinâmica vocal, caracterizar Maria através de sua voz, dando-lhe uma idade aproximada, uma feição e estados emocionais diferenciados 5.
1. Ação vocal
A ação vocal, como já foi dito anteriormente, é toda emissão vocal que produz sentido
cênico. É um conceito que abrange a ação verbal e a psicodinâmica vocal e está diretamente relacionado aos parâmetros vocais. Esses parâmetros são elementos formadores
da voz e da fala de um indivíduo, que podem ser trabalhados para serem elementos formadores da voz de uma personagem. Lucia Helena Gayotto informa como se configura
a ação vocal no espetáculo cênico:
Quando na emissão da voz cênica se fundem as forças vitais e
os recursos vocais, tem-se o que será chamado de ação vocal: a
voz interferindo decisivamente na situação cênica e, conseqüentemente, afetando os rumos do espetáculo e atando o espectador.
(GAYOTTO, 2002, p.22)
2 Refiro-me ao Trabalho de Conclusão de Curso no Bacharelado em Interpretação Teatral do Curso de
Teatro da EBA/UFMG.
3 Texto original em italiano, Uma Donna Sola. Versão traduzida por Julianete Azevedo, ex-aluna do curso
de Teatro da UFMG.
4 Informações retiradas dos sites: UOL Educação <www.educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u477.
jhtm>. Acesso em: 11/05/2009; e, “Palestra sobre Dário Fo” <www.overmundo.com.br/agenda/palestrasobre-dario-fo>. Acesso em: 11/05/2009.
5 Neste pesquisa não me refiro ao trabalho corporal. O que não significa que, na prática, ele não será
realizado.
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Dessa forma, a autora explica como a voz se transforma em ação, a partir da combinação de elementos que a constituem – recursos vocais: respiração, articulação, intensidade, etc. – e certas situações geralmente sugeridas pelo próprio texto – forças vitais:
estímulos, sensações, intenções –, tornando a voz um instrumento ativo na criação do
espetáculo.
A ação vocal envolve vários parâmetros vocais, que trabalhados de diferentes formas
caracterizam diferentes tipos de voz (tipos de personagens). Cabe ao ator identificar, em
cada parâmetro, elementos que reforcem a estruturação de sua personagem. Por exemplo, o ator que quer representar o líder de um povo, pode se utilizar de uma voz mais
grave, com intensidade adequada, cuja articulação é bem definida, onde a respiração
seja regular. Esses parâmetros demonstram um indivíduo, equilibrado, objetivo, que faz
suas idéias serem compreendidas 6.
Desse modo, um ator que quer se fazer compreendido trabalha elementos em sua voz
que permitam maior projeção, maior clareza, além de instigar quem assiste a se manter
atento à sua fala. Essas características devem ser levadas em conta no momento de
estruturação da personagem, no trabalho com o texto e com a voz. A respeito disso,
Gayotto vem nos dizer:
A trajetória da construção vocal do personagem vai se delimitando por intermédio de um estudo aprofundado feito pelo
ator. Este estudo se dá em vários níveis, em práticas corporais
e vocais e na investigação das emoções e intenções do personagem que o ator quer encarnar. Quanto mais instrumentalizado o ator estiver para revelá-las por meio da voz, mais potencializado estará para manifestá-las naquele personagem
específico. (GAYOTTO, 2002, p.23)
Assim, o estudo tanto bibliográfico quanto o prático, se faz necessário nessa descoberta
da voz ideal para personagem. Vale lembrar que cada corpo traz uma fisiologia diferente, sendo importante conhecer sua constituição e se aproveitar dela para construir uma
voz. Idealizo, assim, um ator que, por meio de sua voz, demonstre objetividade, clareza
e personalidade na criação e apresentação de sua personagem.
6 A respeito disso, cabe ressaltar o conceito de Psicodinâmica Vocal, que trata diretamente dessa questão e que será trabalhado no próximo item.
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1. 1 Psicodinâmica vocal
No livro “Avaliação e tratamento das disfonias” (1995), Mara Behlau e Paulo Pontes,
apesar de exporem trabalhos relacionados com várias técnicas vocais voltadas para
tratamento médico de disfonias da voz, contribuem significativamente com propostas de
grande possibilidade de aplicação no trabalho do ator. Entre essas propostas, encontrase a psicodinâmica vocal, procedimento que utiliza a voz do falante para identificar suas
características, desde a estrutura biológica até aspectos psicológicos e socioeducacionais.
Ao se apropriar desse conceito, o ator entra em contato, de forma mais sistemática, com
informações sobre os tipos existentes de voz, analisando ressonadores, intensidade,
ritmo, velocidade, respiração, articulação, timbre, entre outros parâmetros que começam
a fornecer para o ator os primeiros sinais de estruturação da personagem, como traços
de sua personalidade. Segundo BEHLAU e PONTES,
O padrão básico de emissão de um indivíduo define o chamado
tipo de voz e está relacionado com a seleção de ajustes motores
empregados, quer ao nível de pregas vocais e laringe, quer ao
nível do sistema de ressonância, o que diz respeito principalmente
à dimensão biológica da voz. Porém, além dos dados relativos às
escolhas anatômicas e mecânicas, o tipo de voz carrega elementos de outras duas dimensões, psicológica e sócio-educacional.
(BEHLAU; PONTES, 1995, p.71)
Na criação cênica, com base nesse procedimento, as vozes podem ser construídas a
partir das características da personagem, seu tipo físico, sua idade, sua posição social,
etc. Por exemplo, “a não ser que se queira fugir do senso comum, vozes agudas, claras,
intensas e com ressonância na região da testa são geralmente relacionadas aos heróis, assim como vozes mais graves, escuras e com ressonância faríngea muitas vezes
caracterizam os vilões” (MALETTA, 2009) 7. Respirações diferenciadas podem denotar
ansiedade, cansaço, leveza, e influenciam diretamente na escolha por um tipo vocal e
em sua classificação.
7 Entrevista concedida no dia 14 de abril de 2009.
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Nós classificamos e padronizamos vozes a todo o momento, como por exemplo, quando
conversamos com um desconhecido ao telefone, imaginamos como ele é fisicamente a
partir de sua voz – qual sua idade, se é homem ou mulher, qual a sua cor, sua altura, etc.
Fazemos isso inconscientemente, pois esses padrões já nos foram estabelecidos pela
nossa sociedade, e quando alguma voz foge ao padrão estabelecido, estranhamos. Por
exemplo, a cantora Amy Winehouse tem voz de afro-descendente, mas é branca. Isso
porque, no senso comum, existe a expectativa de que os afro-descendentes tenham
a voz mais grave, um pouco enrouquecida e uma expressividade peculiar no modo de
cantar.
Dessa forma, quando construímos a voz de uma personagem pensamos, em sua idade
(se for bem velha pode ter a voz meio rouca 8); em sua estrutura física (se for homem
pode ter uma voz mais grave, uma voz virilizada 9); em sua personalidade (se for preguiçosa, uma voz arrastada; se for brava, uma voz áspera 10 e forte). Assim, a psicodinâmica vocal nos ajuda a definir uma voz adequada para a personagem que estamos
construindo.
2. Ação verbal
A ação verbal 11, como já foi mencionado neste artigo, trata de elementos verbais do
próprio texto e de como esses elementos auxiliam o ator na construção da fala cênica.
Por exemplo, a variação de pontuação dentro de uma frase pode denotar vários estados
emocionais de uma personagem. Assim, o trabalho realizado por Constantin Stanislavski com o texto, com as pausas, entonações, acentuações, pontuação, etc, propicia
que a palavra seja trabalhada mais expressivamente, tentando fugir ao modo como a
palavra é utilizada na vida cotidiana.
8 Segundo BEHLAU e PONTES (1995, p.129), a “voz rouca – passa cansaço ao ouvinte, quando em grau
transmite a sensação de estresse e esgotamento, mas dificilmente chega a ser desagradável.”
9 Também segundo BEHLAU e PONTES (1995, p.130), a “voz virilizada – confere características de
masculinidade.”
10 Ainda segundo BEHLAU e PONTES (1995, p.131), a “voz áspera – transmite agressividade, incômodo, aflição e é sempre desagradável.
11 É importante lembrar que aqui nesta pesquisa ação vocal e ação verbal são tratados como conceitos
diferenciados. A ação vocal é mais abrangente e contêm os conceitos de ação verbal e psicodinâmica
vocal, esses dois, por sua vez, criam relações entre si. Neste trabalho a fonte da pesquisa de ação verbal
se ateve aos trabalhos realizados por Stanislavski, ainda que muitos pesquisadores tenham contribuído
para a elaboração desse conceito.
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No livro A construção da personagem, de Stanislavski, é apresentada a função do subtexto como um dos elementos constituintes da ação verbal:
Ouvir é ver aquilo de que se fala; falar é desenhar imagens visuais.
Para o ator uma palavra não é apenas um som, é uma evocação de
imagens. Portanto, quando estiver em intercâmbio verbal em cena, fale
menos para o ouvido do que para a vista. (STANISLAVSKI, 2006, p. 169)
A visualização dessas imagens é um dos pontos importantes para tornar a fala cênica
mais expressiva, e até mesmo crível. Se o ator cria essas imagens em sua mente fica
mais fácil para o espectador visualizar o que ele realmente está querendo dizer, e por
meio de sua voz o ator deve passar com credibilidade as imagens criadas em sua mente.
Por exemplo, se o ator quer falar de uma cadeira que havia na casa de sua avó quando
ele era pequeno, ele deve descrever, e até mesmo se sentir voltando a sentar naquela
cadeira, inclusive se perguntar que cheiro ela tinha. Desse modo, vai construindo imagens mais claras em sua mente, sendo mais fácil de transmiti-las a quem o ouve, assim
como diz Stanislavski na seguinte citação:
Façam uma pintura com a palavra, de modo que o indivíduo que
vocês estão desenhando, que vocês tem na visão mental, e estão
descrevendo para a personagem para quem contracenam, se torne claro para ela. Ela poderá sentir se a pessoa por trás da palavra
é bela ou disforme, alta ou baixa, agradável ou repelente, bondosa
ou cruel. (STANISLAVSKI, 2006, p. 209)
Podemos perceber nessa citação de Stanislavski que o subtexto está relacionado com
a psicodinâmica vocal, identificando uma interseção desta com a ação verbal. Aqui, o
modo como é dito o texto, não só cria a história da personagem, como também, cria
traços visíveis de suas características (sejam físicas ou psicológicas) para quem assiste
ou contracena.
Ainda visando ao trabalho de ação verbal, Stanislavski dedica um extenso capítulo à
noção de “acentuação” em seu livro A construção da personagem. Aqui, Stanislavski
trabalha com a correta acentuação 12 das palavras, para que transmitam ao público o
12 O termo “acentuação” não é usado aqui no sentido gramatical, mas sim no sentido de ênfase na cena.
60
sentido que foi empregado nelas, isto é, elas devem passar seus significados na cena.
Nesse trabalho, Stanislavski descreve a dificuldade dos atores para a utilização adequada da acentuação, mostrando que a vontade deles era tão grande em dar ênfase às
palavras que acabavam acentuando todas elas. Desse modo, não se conseguia extrair
do texto a palavra mais importante, ou o ponto-chave do assunto, pois todas as palavras
eram enfatizadas. Stanislavski percebe, então, que deve ser feito o caminho contrário:
retirar esse excesso de acentuação de palavras para escolher as que realmente são de
grande importância no texto.
Stanislavski desenvolve também com as noções de entonações 13 e pausas. As entonações, a variação dos graves e agudos, nos ajudam a criar diferentes intenções e, até
mesmo, utilizar a correta pontuação em uma frase. Já as pausas podem ser trabalhadas
como pausas reais (segundo a pontuação) e como pausas psicológicas (que estão relacionadas com o subtexto). Esses fatores, que são apresentados a cada capítulo, são
seguidos de exemplos práticos que ajudam a visualizar como a ação verbal se concretiza, auxiliando no momento de falar o texto.
3. Maria, uma mulher só
Maria é a personagem do monólogo Uma mulher só, de Dario Fo. A história se passa
dentro do apartamento de Maria, e outros personagens são sugeridos na trama, como a
vizinha, o marido, o cunhado tarado, o neném, o rapaz, o vizinho sem-vergonha, o porco
safado que conversa com ela pelo telefone. A princípio, pela denominação das personagens, já percebemos a conotação sexual que irá permear toda a história.
A peça começa com Maria descobrindo a presença de uma nova vizinha. Isso passa
a ser fantástico para ela que fica trancada dentro de casa. Com a descoberta dessa
vizinha, Maria começa a contar toda sua história de vida. Conta que se sente só, e por
isso liga todos os aparelhos de som bem alto, para que lhe façam companhia, pois seu
neném apenas faz cocô, come e ronca; conta de seu cunhado tarado, de quem ela deve
cuidar, pois sofreu um acidente de carro; conta do porco safado que liga falando besteiras; do vizinho sem-vergonha que a observa de binóculos enquanto ela passa roupa
13 Podemos relacionar entonação com o parâmetro vocal altura. Diferentes entonações são criadas de
acordo com as alturas vocais (graves e agudos) empregadas em uma fala. Dessa forma, podemos notar,
mais uma vez, a interseção da ação verbal com a psicodinâmica vocal. Estas auxiliando no trabalho da
fala cênica.
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mais à vontade; conta do rapaz quinze anos mais novo com quem teve um caso e, por
seu marido ter descoberto, a mantém trancada dentro de casa. Esses são alguns fios
condutores da história de Maria.
A princípio, já conseguimos identificar algumas características da personagem Maria.
A partir da análise do texto consigo definir alguns aspectos psicológicos e físicos dessa
personagem. Maria parece ter pouco mais de 40 anos de idade, carrega um corpo mais
vivido, mais experiente. Seus estados emocionais oscilam muito durante o texto, é forte
e fraca ao mesmo tempo. Sente raiva, ternura, nojo, prazer, felicidade, tristeza. Todos
esses aspectos de Maria começam a formar uma identidade para ela, que vai desde seu
modo de se vestir até seu modo de falar. Identificamos aqui os primeiros pontos para
construção da voz dessa personagem, de modo que, através da palavra e da voz, Maria
demonstre todos esses sentimentos que a envolvem e tudo que ela precisa contar para
essa nova vizinha.
No decorrer do processo de montagem e com base em tudo o que foi exposto, a voz de
Maria foi construída da seguinte forma: marcada por vários ataques de agudo, principalmente no final de frases; trazendo muitas vezes, uma fala rápida e ofegante, demonstrando a necessidade de comunicação com outra pessoa, ao mesmo tempo em que
realiza vários afazeres domésticos. Maria muda bruscamente o tom de voz sempre que
sua conversa com a vizinha é interrompida, seja pelo telefone que toca, pelo cunhado
chamando-a com uma corneta, pela presença do vizinho, pelo neném que chora. Nesses
momentos de raiva e tensão, a voz de Maria é áspera e agressiva. Em seguida, destaca-se um trecho do texto onde são trabalhadas algumas dessas construções na voz de
Maria.
[...] como a senhora faz para ter companhia? Ah, a senhora tem
um filho!↑ Que felizarda!... (cai em si) Que estúpida que eu sou,
também tenho um filho...Quer dizer, tenho dois. Desculpa, eu estou
tão /٧٨٧٨٧٧٨ emocionada de falar com a senhora que me esqueci
de um deles [...]14
14 Fragmento retirado do texto Uma mulher só de Dario Fo. As sinalizações são minhas. Fazem parte
de um pequeno exemplo de partitura vocal. A palavra sublinhada sugere ênfase. A seta depois da palavra
“filho” é uma sinalização de altura vocal, quando a seta aponta para cima indica tons agudos. A sugestão
entre parênteses refere-se ao estado da personagem. A barra significa pausa e o “zig-zag” sugere uma fala
meio trêmula da seguinte palavra.
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Aqui, Maria demonstra todo seu interesse e felicidade pela presença da vizinha utilizando-se de tons agudos na voz, respirações ofegantes e, até mesmo, uma voz trêmula,
num momento de grande emoção. Ainda não sabemos se essa vizinha realmente existe,
ou se é fruto da imaginação de Maria, mas o texto indica várias interlocuções. A proposta
foi usar essas interlocuções de duas formas, ora respondendo a alguém, ora falando
consigo mesma. A seguir dois fragmentos retirados do texto Uma mulher só ilustram
essa idéia.
[...] Como?...Não, não é por minha causa...(sem graça) é por
causa do meu cunhado...Hum...ele passava a mão nelas! Passava a mão em todas elas! Bem ali....É doente...Tarado? Se
ele é tarado e não sei, só sei que ele queria uma certa coisa
com as moça....e elas recusavam.
[...] (à vizinha) A polícia? Não, não vou chamar. Sabe o que
acontece se eu chamar? Eles chegam, fazem uma bela duma
ocorrência, vão querer saber o quanto eu estava vestida ou
não, na minha própria casa... Se eu provoquei o tarado do prédio com dança erótica... E pra terminar, eu, somente eu, sou
processada por ato obsceno em local privado, porém exposto
ao público! Não, não, é uma perda de tempo!15
O primeiro trecho foi trabalhado como resposta a um interlocutor que não estava presente em cena, nesse caso, trata-se da vizinha. No segundo trecho, mesmo o texto fazendo
referência à vizinha, optamos (o diretor e eu) por trabalhar o conflito de Maria, em uma
interlocução onde ela fala consigo mesma, ainda que faça isso em voz alta para que o
vizinho tarado a escute.
No texto foi feito também o trabalho de acentuação das palavras, com intenção de dar
maior importância e melhor sentido para algumas frases. Um exemplo dessa aplicação
acontece no seguinte fragmento de texto abaixo.
[...] A polícia? [...] Não posso chamar a polícia... Eles vêm
aqui, a história do rapaz vem à tona... daí, com certeza, vem o
divórcio... e, com certeza, o meu marido me tira as crianças e,
em troca, com certeza me deixa o cunhado mão-boba! [...]16
15 Fragmento retirado do texto Uma mulher só de Dario Fo.
16 Idem 16. Grifo meu.
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Nesse trecho, a acentuação foi dada ao termo “com certeza”, enfatizando as três vezes
que o termo é mencionado na frase, para que assim, pudesse ser criada uma “gag”, passando todo o receio que Maria tem de ficar sozinha com seu cunhado mão-boba.
Esses são alguns exemplos de como foi trabalhada a voz e fala da Maria, utilizando-se
de todos os conceitos aqui estudados. A ação vocal auxiliou em todo o trabalho com a
fala de Maria, primeiramente, na busca de passar com clareza o texto para o público, segundo, para compreender toda a história dessa personagem através do texto, e terceiro,
para transmitir, por intermédio da voz todos os estados emocionais vividos por Maria. A
ação verbal teve relação direta com o trabalho com o texto, onde foi focada a busca pelas
palavras-chaves da história, um trabalho de acentuação das palavras; a preocupação
com o subtexto, onde a todo o momento eram pesquisados os verdadeiros sentidos
que eu buscava dar à determinada frase através da fala da personagem; e na utilização
de pausas, ora para criar tensões na cena, ora para explicitar as mudanças do estado
emocional da personagem. Já a psicodinâmica vocal contribuiu para reforçar a busca
pela voz que identificasse essa personagem, voz que oscila de acordo com as diferentes
situações (sugeridas pelo texto e pela encenação) e cujas características marcam cada
acontecimento vivido pela personagem, bem como características físicas da mesma,
utilizando-se de diferentes respirações, articulações, altura vocal, etc..
As singularidades da personagem Maria tornaram possíveis diferentes caminhos na construção de sua voz, partindo de um texto que pode ser adaptado segundo as necessidades de expressão vocal dessa personagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, buscaram-se meios de analisar como a construção de uma personagem
pode ser feita por intermédio da voz. Foram pesquisados conceitos que auxiliam nessa
construção, como a ação vocal, a ação verbal e a psicodinâmica vocal.
Acredito que, ao longo da pesquisa, foram sugeridas possíveis formas de se trabalhar o
texto, a fala e a voz da personagem Maria do monólogo Uma mulher só, de Dario Fo. O
estudo analítico desse texto foi primordial, para que assim fossem construídos todos os
seus significados e possibilidades cênicas. O trabalho com a fala ofereceu uma oportunidade para ricas descobertas como atriz, tanto para que um texto seja compreensível
para o espectador, quanto para realizar diferentes nuances vocais ao dizê-lo. Juntamente à fala e ao texto, os estudos com a voz ajudaram na busca de uma construção que se
apropriasse das qualidades vocais, na qual fosse possível identificar Maria por meio de
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sua voz.
Em especial, tentou-se contribuir, com este trabalho, para as pesquisas no âmbito vocal
em teatro.
REFERÊNCIAS
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65