Democracia e webjornalismo
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Democracia e webjornalismo
Democracia e webjornalismo Uma reflexão sobre o potencial democratizador da internet e seu impacto sobre a prática jornalística Georgia Jordan Novembro 2010 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Curso de Jornalismo Monografia lato sensu Democracia e webjornalismo Uma reflexão sobre o conceito de democracia aplicado ao jornalismo e o uso das novas mídias na profissão Autor Georgia Jordan Agradecimentos Prof. Silvio Mieli Prof. Urbano Nojosa Prof. Milton Pelegrini Prof. Pollyana Ferrari Prof. Sérgio Amadeu André Deak Orientação Acadêmica Prof. Luiz Carlos Ramos Orientação Gráfica Prof. Valdir Mengardo Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes Índice Introdução......................................................................................................... 5 Democracia e sociedade da informação ............................................. 8 Webjornalismo e midiativismo .............................................................15 Casos de estudo: Iniciativas de webjornalismo independente ..............................................................................................................................22 Twitter .........................................................................................................26 Global Voices .............................................................................................29 Wikileaks ....................................................................................................33 ProPublica ..................................................................................................35 Spot.Us .........................................................................................................37 Conclusão.........................................................................................................41 Bibliografia .....................................................................................................45 Introdução Introdução Os críticos da apologia às tecnologias, e mais especificamente, do que chamam de “evangelismo das mídias sociais”, dizem, enfaticamente: a revolução não será tuitada. (Gladwell 2010) De fato, não é a tecnologia que é revolucionária, mas o uso que se faz dessa ferramenta. Meu objetivo aqui não é escrever um evangelho, mas apresentar as raras formas de uso da tecnologia pelo jornalismo que quebram com os modelos hegemônicos. Afinal, o furor e os mitos gerados pelas novas tecnologias de comunicação (NTC), especialmente o da revolução democrático-socialista da Web 2.0 e da morte do jornal(ismo), devem ser questionados. Não deixamos de acreditar, no entanto, ou ao menos ter esperanças, de que há formas alternativas de uso dessas NTC, que vão na contramão do que muitos pensadores já detectaram como os efeitos negativos da tecnologia sobre o humano. Cheguei a esse tema após escrever uma reflexão sobre dois textos: “Sobre a passagem de um grupo de pessoas por um breve período da História e Breve cronologia do movimento”, de Pablo Ortellado, em que descreve a história e práticas do movimento anti-globalização no mundo e no Brasil, aplicáveis ao jornalismo alternativo; e “The New Socialism: Global Collectivist Society Is Coming Online”, do editor da revista Wired, Kevin Kelly, que faz uma análise (um tanto otimista) da evolução da internet para uma ferramenta que promove um novo ‘socialismo da informação’. Admito que meu interesse pelo assunto parte de uma motivação um tanto egoísta: minha frustração com o jornalismo tradicional das mídias hegemônicas e minha esperança de que um outro jornalismo é, sim, possível. Um jornalismo de maior relevância social, dissociado de interesses econômicos – tanto o jornalismo que visa somente o lucro, o maior público, como 5 Democracia e webjornalismo a difusão de discursos que defendem o status quo, as elites das quais os donos dos jornais fazem parte e seus anunciantes. “It’s more the business model that limits participation and disenfranchises the public than the technology itself” 1, diz um comentário em um blog 2 que critica a ‘cruzada’ do jornalista Malcolm Gladwell contra esse “evangelismo das mídias sociais”, sobre o desenvolvimento atual das novas tecnologias de comunicação. O mesmo comentário vale para o jornalismo. Como afirma o publicista alemão conservador Paul Sethe: “Como a produção de jornais e revistas requer cada vez mais capital, o grupo de pessoas com capacidade de publicar os órgãos de imprensa está se reduzindo constantemente. A liberdade de imprensa é a liberdade para duzentas pessoas endinheiradas difundirem suas opiniões. Mas aquelas que por acaso pensam de maneira diferente não têm porventura o direito de expressar suas opiniões? A constituição lhes confere esse direito, mas a realidade econômica o destrói. Livres são os ricos e, como jornalistas não são ricos, não são livres.” (p.41, Martinez 2003) Apesar disso, é hoje cada vez mais frequente ouvirmos falar da “morte do jornalismo”, afirmação na maioria das vezes seguida de dados sobre a queda na circulação de jornais e atribuída à informação gratuita da internet. Isso não aponta para nada mais além da morte desse modelo de negócios do “É mais o modelo de negócios que limita a participação e cassa os direitos do público que a tecnologia de fato.” (todas as traduções apresentadas neste trabalho serão traduções livres da própria autora) 1 laniwurm, comentário em Russwurm, Laurel L. “Tie Theory”, no blog Oh! Canada http://whoacanada.wordpress.com/2010/09/30/tietheory/#comment-333 2 6 Introdução jornalismo, que não está conseguindo se adaptar às NTC e ao novo tipo de público que estas estão criando. É um público – pequeno, mas crescente – que busca uma informação menos superficial, mais plural, abrangente e contextualizada. Um modelo mais participativo, independente, ativista e abertamente subjetivo, de maior relevância social. Como afirma a professora da PUC-SP, Pollyana Ferrari, “a imprensa precisa reconhecer que os meios mudaram e, com eles, a produção e recepção da comunicação” (p.24, Ferrari 2010). Mas a mídia de massas tradicional está caminhando em uma direção diametralmente contrária, usando as NTC para extrapolar um mesmo modelo falho de jornalismo, de infotainment, press releases, textos curtos e superficiais, em nome da notícia em tempo real e da curta capacidade de concentração do público. O desafio (meu, de jornalistas, de ativistas) é adaptar a profissão, as técnicas e as ferramentas tecnológicas para quebrar com o modelo de negócios e a ideologia liberal nas quais o jornalismo se desenvolveu e está inscrito, de forma a não limitar a participação e o envolvimento do público, que é o maior interessado nas consequências deste jornalismo na sociedade. Mas o jornalismo não é, por excelência, uma das pilares da democracia? E a ampliação do acesso às novas tecnologias não faz parte do progresso desenvolvimentista desencadeado pelo sistema democrático? A base de minha tese é a resposta a essas duas perguntas: não. Nada disso é inerente ao jornalismo e muito menos à tecnologia. Mas não é impossível retomar esses ideais na prática jornalística, e sim, a tecnologia pode ajudar nisso. 7 Democracia e webjornalismo Democracia e sociedade da informação Dizem que vivemos na era da sociedade da informação. Um termo utópico difundido pelo senso comum do discurso neoliberal da globalização, sob o que o sociólogo francês Armand Mattelart chama de “mito da tecnologia salvadora”, que se apropria e muda o “sentido dos conceitos de liberdade e de democracia” em nome de um “determinismo tecnocomercial”. Para este, “as apologias da ‘sociedade da informação’ [a promovem] a paradigma dominante da mudança e caução de um mundo ‘mais solidário, transparente, livre, igualitário’.” “Grande parte dos teorizadores da ‘sociedade da informação’- que partilha, com os iluministas, da crença de que o conhecimento tem um carácter auto-formador e emancipatório – tende a pensar que mais informação leva, necessariamente, a um acréscimo no conhecimento.” (Serra 1999) É do mesmo pensamento, com suas bases iluministas, que se origina a noção recentemente exposta pelo ministro Carlos Ayres Britto, do STF: “A imprensa cumpre o papel de buscar a essência das coisas, tem uma função emancipadora, é irmã siamesa da democracia”. 3 O potencial emancipatório do conhecimento que as informações do jornalismo permitem está no cerne de nossa concepção de democracia, onde o acesso ao conhecimento é um direito inalienável do cidadão. Pelo menos na teoria. É preciso lembrar que o ideal democrático que conhecemos hoje é fruto de todo um desenvolvimento histórico do Stangler, Jair. “Judiciário é a maior ameaça à liberdade de imprensa hoje, diz Ayres Britto.” O Estado de S. Paulo. 26 de novembro de 2010. http://blogs.estadao.com.br/radarpolitico/2010/11/26/judiciario-e-a-maior-ameaca-a-liberdade-deimprensa-hoje-diz-. 3 8 Webjornalismo e midiativismo termo, intimamente ligado à construção do liberalismo, que nos leva à democracia liberal atual. Dentro desta mesma tradição liberal, foram se desenvolvendo teorias sobre as comunicações ao longo dos séculos XIX e XX, que hoje formam nosso conceito do significado do jornalismo. Partindo da linha positivista dos “sistemas de comunicação como agentes de desenvolvimento e civilização” (p.21, Mattelart 1999), foi se criando um senso comum sobre o poder emancipatório da informação. Ao longo do século XX, teóricos voltavam à esta mesma linha de raciocínio, como os difusionistas dos anos 50 e 60, que concebiam o desenvolvimento (ou modernização) como um “tipo de mudança social no qual novas ideias são introduzidas em um sistema social tendo em vista um aumento de renda per capita e dos níveis de vida mediande métodos de produção mais modernos e de uma organização social aperfeiçoada” (Everett Rogers, p.50, Mattelart 1999,). “A mídia converteu-se sem mais nem menos em agente da modernização por excelência, irradiando e difundindo as atitudes modernas da mobilidade”, diz o sociólogo francês sobre a linha teórica, que vê a difusão da cultura moderna pela tecnologia como agente do desenvolvimento das sociedades. As primeiras teorias do século XX – que influenciariam os difusionistas – visam portanto estudar formas mais eficientes, funcionais de comunicar, partindo de uma visão mais racionalista, técnica de informação e comunicação. “A linha funcionalista [das teorias de comunicação de massa] vinda principalmente dos Estados Unidos – preocupada com uma análise ‘científica’ ou estrutural dos fenômenos de comunicação e os seus impactos sob o viés da compilação de dados, dos estudos de massa ou psicologia cognitiva. Tal abordagem tem resultados às vezes entusiastas da tecnologia pela tecnologia, ou traz recortes limitantes ao não inserir uma visão mais ampla no campo ideológico ou cultural.” (p.11, Martinez 2003) 9 Democracia e webjornalismo Um dos principais nomes dessa sociologia funcionalista da mídia foi Paul F. Lazarsfeld, entre outros, que no comentário de Mattelart demonstra uma das grandes falhas destas linhas de pensamento, no entanto: “Insinua-se a ideia de que uma ciência da sociedade não pode ter por objetivo a construção de uma sociedade melhor, uma vez que o sistema de democracia realmente existente, representado pelos Estados Unidos, já está feito.” (p.45, Mattelart 1999) A base dessa “sociedade melhor” vem do ideal iluminista, ignorando as imperfeições que hoje vemos claramente após séculos de vivência desse modelo ocidental de democracia: “O ideal do ‘nivelamento’ igualitário, da igualização cidadã, inspira a proclamação dos direitos humanos, a unificação da língua pela supressão dos dialetos, a adoção do código civil, a instauração de dispositivos estatísticos.” (p.26, Mattelart 2002) Nem todos, no entanto, concordam com essa concepção da comunicação, que prioriza técnica sobre sentido: “A sociologia funcionalista concebia mídias, novas ferramentas da democracia moderna, como mecanismos decisivos de regulação da sociedade e, nesse contexto, só podia advogar uma teoria voltada para a reprodução dos valores do sistema social, do estado de coisas existente. Escolas de pensamento crítico irão se interrogar sobre as consequências do desenvolvimento desses novos meios de produção e transmissão cultural, recusando-se a tomar como evidente a ideia de que, dessas inovações técnicas, a democracia sai necessariamente fortalecida. Descritos e aceitos pela análise funcional como mecanismos de ajuste, os meios de comunicação tornam-se suspeitos de violência simbólica, e são encarados como meios de poder e dominação.” (p.73, Mattelart 1999) E de fato, percebe-se que esse modelo tem como objetivo a defesa e manutenção do status quo econômico através do determinismo tecnológico. 10 Webjornalismo e midiativismo “o verdadeiro objetivo da First Ammendment da Constituição americana [que protege a liberdade de expressão e de imprensa] foi garantir a proteção do ‘monopólio do saber’ exercido pela imprensa. Ao consagrar a liberdade de imprensa, a Constituição sacrificou o direito de as pessoas falarem umas com as outras e de se informarem mutuamente. Ela substituiu isso pelo direito de ser informado pelo outros, particularmente pelos profissionais.” (p.72, Mattelart 2002) Esta visão está diretamente ligada ao modelo liberal de sociedade e de economia, em uma lógica que transforma a cidadania em uma questão de consumo, ao valorizar o método da livre concorrência sobre qualquer outro valor democrático humanista (Mattelart 1999, p.84). “No âmbito simbólico, a imprensa cristaliza o ideário da ‘opinião pública’ das sociedades democráticas ocidentais pósRevolução Francesa, onde surge a noção de que o homem, governado pela razão, é livre para pensar, opinar e, na sociedade de massas capitalista, também comprar.” (p.40, Martinez 2003) A própria democracia é uma forma de livre comércio – há inclusive setores da teoria política que postulam isso, como a os pensadores da linha minimalista, para os quais são as regras de garantia da livre competição por votos que determinam um regime democrático e portanto, garantem a democracia plena e todos os ideais que esta implica (Schumpeter 1984, Dahl 1997). O tecnicismo desta definição de democracia é sintomática de todo uma conjuntura na academia ao longo do século XX de determinismo técnico e tecnológico, em que a democratização de um Estado-nação se torna sinônima ao seu desenvolvimento econômico, modernização tecnológica e cultural, enfim, sua ocidentalização. A transformação da informação em mercadoria segue essa evolução, que o sociólogo brasileiro Laymert dos Santos chama de ‘virada cibernética’, e o que permite isso é a “alcance e abrangência da noção tecnocientífica de informação”. 11 Democracia e webjornalismo “A imprecisão que envolve a noção de informação coroará a de ‘sociedade da informação’. (...) A tendência a assimilar a informação a um termo proveniente da estatística (data/dados) e ver informação somente onde há dispositivos técnicos se acentuará. Assim, instalar-se-á um conceito puramente instrumental de sociedade da informação.” (p.71, Mattelart 2002) Essa conceituação funciona dentro do discurso da globalização, no entanto, por caber nos ideais de igualdade citados antes. Laymert dos Santos denuncia esta inversão de valores, ao afirmar que a sociedade ocidental contemporânea opta “pela estratégia da aceleração tecnológica e econômica total, pela colonização do virtual e pela capitalização da informação genética e digital” em nome do progresso, do futuro, condenando “todas as outras sociedades à integração ao seu paradigma ou ao desaparecimento”. “Discussões como a democratização da informática e da internet não podem se limitar à exaltação ou à crítica dos novos meios. Isso porque as tecnologias da informação extrapolam imensamente o campo de atuação da mídia e das novas mídias, pois operam – em todos os campos – a codificação e digitalização do mundo ao manipularem a realidade informacional que permeia a matéria inerte, o ser vivo e o objeto técnico.” (dos Santos 2003) O que Laymert defende aqui é uma mudança de paradigma nos modos de ver e pensar as tecnologias. Ele concebe a globalização como “fruto de uma aliança entre o capital e a tecnociência”. Segundo ele, “o capitalismo de ponta passa a interessar-se mais pelo controle dos processos do que dos produtos, mais pelas potências, virtualidades e performances do que pelas coisas mesmas”, gerando a “tecnologização da sociedade” ou virtualização do real – ou seja, um processo de desumanização e consequente mercantilização do saber e do próprio ser humano. Como afirma Jair Ferreira dos Santos, em entrevista à revista Caros Amigos: 12 Webjornalismo e midiativismo “O sujeito liberal humanista está em declínio. O próprio inconsciente de Freud não tem essa liberdade, por conta de pressão social. Se observarmos a sociedade contemporânea, resta apenas o consumo para o exercício de uma suposta liberdade. Na natureza humana, essa liberdade não é tão extensa como a ideologia liberal quer que a gente aceite isso.” (dos Santos 2007) Portanto, a deturpação de conceitos como democracia e liberdade não é nova e nem exclusiva ao discurso neoliberal da globalização, mas é fruto de todo um processo histórico de evolução das sociedades e economias liberais, das quais o jornalismo faz parte. O que a evolução desse pensamento gerou hoje, no entanto, é um ideal de modernidade “amnésica, isenta de projeto social” (p.171, Mattelart 2002), em que o progresso tecnológico significa, também, “o fim da ideologia, o fim do engajamento, a negação da política” (p.8, Mattelart 2002). Como nos lembra outro sociólogo francês, Jean Baudrillard, “estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido” (Serra 1999), e é exatamente esta a sociedade que o discurso hegemônico nos vende: da abundância da informação, mas uma abundância esvaziada de conhecimento. 4 Num mundo em que a concepção de informação (e de humano) é de um dado, um código, completamente desprovido de seu contexto, a informação perde seu potencial emancipatório, uma vez que perdeu a possibilidade de se traduzir em conhecimento. Fazendo das palavras de Paulo Serra minhas palavras: “tomamos aqui ‘informação’ no sentido (...) de ‘conhecimento objectivado sob a forma de uma mediação’; e, inversamente, ‘conhecimento’ no sentido de ‘informação apropriada subjectivamente mediante um acto de atribuição de sentido’.” (Serra 1999) 4 13 Democracia e webjornalismo A suposta democratização que a tecnologia gera, portanto, é na verdade apenas a legitimação dos mesmos poderes sob novas formas de controle. No entanto, como afirma Mattelart sobre a teorias críticas da Escola de Frankfurt à cultura industrial, “estreitamente ligada à nostalgia de uma experiência cultural independente da técnica”, também não devemos deslegitimar o uso da tecnologia simplesmente por suas implicações. Dentro desta conjuntura, e das condições que se apresentam a nós, não é impossível “fazer o fabuloso potencial das tecnologias da informação e da comunicação escapar da lógica do desenvolvimento desigual e do imperativo de segurança da Global War para investi-lo em uma sociedade na qual o conhecimento seja efetivamente compartilhado por todos” (p.9, Mattelart 2002). 14 Webjornalismo e midiativismo Webjornalismo e midiativismo Como a professora Pollyana Ferrari faz questão de enfatizar, a internet não é um meio de comunicação alternativo, mas sim um meio de comunicação de massa. E muitas das críticas que se faz aos modelos tradicionais de comunicação de massa se aplicam à internet. Para o professor Sérgio Amadeu, no entanto, “a internet é melhor que a mídia de massas”5, uma vez que certos aspectos da rede permitem seu uso de ambas as formas, tanto pelo modelo tradicional quanto pelo modelo alternativo. O que seriam esse aspectos? O que define o webjornalismo e o diferencia do que se convencionou a chamar de “jornalismo online”, que limita a internet ao papel de meio de transmissão? O blogueiro Robert Hernandez 6 explica: “I look at the latest technology and opportunities only available on the Internet and try to harness them for the advancement and distribution of storytelling and journalism.” 7 Dessa forma, por exemplo, o vídeo deixa de ser uma imposição do meio, como é no telejornalismo, onde muitas vezes acaba contribuindo para a superficialidade da notícia. No webjornalismo, o audiovisual é usado somente quando necessário, quando ajuda a contar uma história, como nos frequen- vídeo de debate durante 1o turno 2010 do “48 horas democracia – uma cobertura cidadã das eleições”, no dia 2 de outubro de 2010. http://48hdemocracia.com.br/ 5 Hernandez, Robert. “Online journalism or journalism online?” OJR: The Online Journalism Review. 13 de setembro de 2010. http://www.ojr.org/ojr/people/webjournalist/201009/1885/ 6 “Penso nas últimas tecnologias e oportunidades disponíveis apenas na internet e tento usá-las para o avanço e distribuição de histórias e do jornalismo.” 7 15 Democracia e webjornalismo tes casos de vídeos amadores mostrando a truculência da polícia durante protestos de rua (desde a greve na USP e a morte de um jornaleiro durante os protestos do G20 em Londres, em 2009, ao mais recente caso da cavalaria da polícia, que atacou uma concentração de manifestantes em Londres, durante os protestos contra a reforma do sistema de ensino superior no país). Este é um aspecto em que a internet abre oportunidades para o jornalista – o multimídia, que permite adaptar o meio ao conteúdo e não deturpar a notícia para servir ao meio. As reportagens multimídia nascem dessa busca por atender as necessidades da história que está sendo contada 8, seja pela publicação da gravação de uma entrevista citada na reportagem 9, ou a possibilidade de ver na íntegra um depoimento de um documentário interativo 10, ou hipervídeo. "O computador também dá origem a novas formas narrativas, tanto jornalísticas quanto literárias, oferecendo recursos de hipertexto, combinando design, texto, foto, vídeo, arte, infográficos, animação, slide shows, áudio, links, facilitando a atualização e permitindo a interatividade por meio de 8“O novo jornalismo meu é o jornalismo multimídia,” disse o jornalista André Deak certa vez, em entrevista. Como em “Crônica de uma catástrofe”, reportagem multimídia de André Deak e Paulo Fehlauer para a revista Fórum sobre a catástrofe ambiental no Rio Paraíba do Sul. A matéria (“assunto ignorado pela mídia tradicional”, como lembra o editor da revista no editorial da edição) foi publicada tanto no site da revista como em sua versão impressa, uma vez que “a reportagem ficaria incompleta se publicada apenas no papel...[e] poderia ficar menos visível se apenas divulgada em nosso site”. 9 Como no ganhador do prêmio Vladimir Herzog de 2009 na categoria Internet, “Nação Palmares”, da Agência Brasil. 10 16 Webjornalismo e midiativismo chats, blogs, quiz, polls, games. Ao contrário da mídia tradicional, é possível conciliar formas lineares e não-lineares na narrativa multimídia. E atribuir ao mesmo indivíduo as funções de autor, editor, divulgador e distribuidor." 11 (p.75, Barbosa 2007) Essas novas oportunidades ao jornalismo se devem ao caráter hipertextual da internet, que entra em confronto direto com o modelo linear de emissão e recepção da informação que vemos nos modelos de comunicação de massa tradicionais, retomando a importância do papel do receptor na comunicação. ”O jornalismo está sofrendo os impactos provocados pela utilização das NTC, como também o leitor, já que estamos mudando o nosso modo de pensar e se relacionar com o mundo.” (p.23, Ferrari 2010) O hipertexto – ‘texto’ aqui implica qualquer tipo de conteúdo comunicacional – reproduz a miríade de conexões que o cérebro faz entre diferentes informações. “Texts connect or refer to other texts, either through explicit connections implanted by the text’s creator, as when a film director pays homage to a predecessor by copying their signature style, or, less consciously, as the producer of a text inevitably draws on previous cultural codes, experiences and resources. Moreover, consumers of texts make connections, too, both those intended by the producer and those unintended ones that maybe they alone see.” 12 (p.82, Bell 2007) Barbosa cita aqui o livro “Pena de aluguel: escritores jornalistas 1904 @ 2004”, de Cristiane Costa. 11 “Textos se conectam ou fazem referência a outros textos, seja através de conexões explícitas implantadas pelo criador do texto, como quando um diretor de cinema faz uma homenagem a um precursor ao copiar seu estilo, ou , de forma menos consciente, quando o produtor de um texto é inevitavelmente influenciado por códigos 12 17 Democracia e webjornalismo Do mesmo jeito que tecnologias anteriores – como a imprensa de Gutenberg – mudaram nossas formas de pensar e ver o mundo, percebe-se uma transformação dos processos cognitivos na sociedade a partir da internet, que apresenta um “novo modelo de representação e de organização do conhecimento” (Cantoni 2008) que quebra com o modelo linear. Apesar de seus efeitos negativos (algo que vemos muito entre as novas gerações, que hoje têm dificuldade em se adaptar ao modelo linear de ensino das escolas, facilmente distraídas pela multiplicidade de informações disponíveis 13), as possibilidades abertas pela hipertextualidade da internet podem ser “adaptadas, não só adotadas” (p.78, Bell 2007), como afirma o sociólogo espanhol Manuel Castells, uma das principais referências no estudo da sociedade da informação, apesar de ser criticado por muitos por sua apologia das tecnologias. A apropriação das novas tecnologias pelos usuários – que deixa de ser mero consumidor – para usos diferentes dos quais foram criados foi discutido por teóricos como Sherry culturais, experiências e recursos anteriores. Ainda mais, consumidores de um texto também fazem conexões, tanto aquelas previstas pelo produtor como outras não-intencionais que talvez só ele vê.” Paulo Serra descreve bem os problemas da multiplicidade informações de internet hoje, apesar de resolver questões que impediam a ‘perfeição’ dos primeiros projetos, de inspiração iluminista, de catálogo e organização de todo o conhecimento humano relevante, encabeçados pelos Enciclopedistas no século XVIII: sua atualização permanente, as múltiplas conexões que sua hipertextualidade permite e sua abrangência de temas, que vai além dos ditados pela ‘alta cultura’. No entanto, escreve Serra, resta ao internauta “navegar às cegas, saltitando de site para site, de informação para informação, até deparar com a informação mais fácil, ou a mais atractiva, ou mesmo a mais chocante”. 13 18 Webjornalismo e midiativismo Turkle, Maria Bakardjieva e o próprio Castells (Bell 2007) muito antes da popularização da internet e dessa nova cultura, a cibercultura. Castells chama essa apropriação de “grassrooting the space of flows”, ou ciberespaço, o espaço das redes, dos fluxos; Bakardjieva usa a expressão “use genres” para descreve esse processo, em que usuários estão “rerouting the development of cyberculture towards more democratic and inclusive ends”. 14 Da mesma forma que a tecnologia transforma nossos processos cognitivos, nós a transformamos com seu uso diário: “the user isn’t simply configured by tecnhnology; there is a mutual configuring and reconfiguring” 15 (p.40, Bell 2007). Esse pensamento é retomado por várias vozes mais otimistas sobre o poder democratizador da internet, como o editor da revista Wired, referência no setor, Kevin Kelly. No artigo “The New Socialism: Global Collectivist Society Is Coming Online”, Kelly discute como o coletivismo inerente à atual encarnação da internet, a Web 2.0 – em que reina o conteúdo gerado pelos usuários – está criando uma espécie de “novo socialismo”, onde jovens estão crescendo em uma cultura, “a spectrum of attitudes, techniques, and tools that promote collaboration, sharing, aggregation, coordination, ad hocracy, and a host of other newly enabled types of social cooperation” 16 (Kelly 2009). “reconfigurando o desenvolvimento da cibercultura em direção a fins mais inclusivos e democráticos” 14 “o usuário não é simplesmente configurado pela tecnologia; há uma configuração e reconfiguração mútua” 15 “um espectro de atitudes, técnicas, e ferramentas que promovem a colaboração, o compartilhamento, a agregação, a coordenação, a ad hocracia, e uma série de outros novos tipos de cooperação social só agora tornados possíveis” 16 19 Democracia e webjornalismo “the tools of online collaboration support a communal style of production that shuns capitalistic investors and keeps ownership in the hands of the workers, and to some extent those of the consuming masses” 17 Para Kelly, a ‘internet socialista’ representa uma terceira opção entre o individualismo do livre-mercado capitalista e a autoridade centralizada do modelo tradicional de estado comunista, mas dentro de uma mesma linha de pensamento que a do fim das ideologias propagada como parte da utopia pósmoderna da sociedade da informação. “There is one way in which socialism is the wrong word for what is happening. It is not an ideology”. 18 Segundo esse pensamento, cada vez mais hegemônico em nossa sociedade (e que vai além do socialismo – o movimento ecologista de sustentabilidade é um bom exemplo), o sonho de ‘mudar o mundo’ não se baseia mais no utopismo de Edgar Morin, da crença nas instituições globais, mas depende muito mais da ação individual, à qual a rede dá mais força, ao unir grupos com afinidades e divergências sobre um valor em comum e disseminar sua voz a um círculo de influência gradativamente maior. Ao trazer a noção de rede para a realidade dos movimentos políticos por sua vez, o professor da USP Pablo Ortellado mostra uma forma como essa apropriação da internet pelos “as ferramentas da colaboração online sustentam um estilo de produção comunal que é adversa aos investidores capitalistas e mantém a propriedade nas mãos dos trabalhadores, e até certo ponto, as mãos das massas consumidoras” 17 “Há um jeito em que socialismo é a palavra errada para o que está acontecendo: Não se trata de uma ideologia.” 18 20 Webjornalismo e midiativismo usuários pode ser positiva, como uma “cotidianização da luta” 19 (p.22, Ortellado 2004). “Em vez de buscar atingir diretamente o homem comum que é indiferente à política ativista, o modelo [da estrutura concêntrica das redes] sugere que se deve buscar as pessoas mais próximas, para que elas se aproximem cada vez mais do núcleo ativista e ‘puxem’ consigo as pessoas menos ativas com as quais têm contato” (p.21, Ortellado 2004) Mas Ortellado também alerta que, “sem a reflexão sobre os fins políticos, a lógica das táticas se [autonomiza] e o meio se [transforma] no fim”, um perigo que vemos com frequência na política institucional, e que pode facilmente ser aplicada às reflexões sobre a internet. “[Habermas] identifica a crise da democracia como devida ao fato de os dispositivos sociais, que deveriam facilitar as trocas e o desenvolvimento da racionalidade comunicativa, ganharem autonomia, de serem administrados como ‘abstrações reais’, fazendo realmente circular a informação, mas entravando as relações comunicativas” (p.145, Mattelart 1999) Como vemos no pensamento de Habermas, o alerta não é novo e atenta para a discussão sobre os meios de comunicação (especialmente de massa) como formas de controle, de poder. Há o perigo de regredirmos para a máxima de Marshall McLuhan, “o meio é a mensagem”. Em seu artigo, Gladwell critica essa cotidianização pela futilidade e “laços fracos” políticos que gera. 19 21 Democracia e webjornalismo Casos de estudo: Iniciativas de webjornalismo independente Uma das principais contribuições de Castells para o meu trabalho foi abrir meus olhos para as convergências que a internet permite. Muito antes da popularização da internet, Castells já detectou muitas das principais mudanças que esta geraria na comunicação, uma vez que a sociedade da informação vai além da internet, e Castells discute em sua obra a transformação da sociedade em uma rede global, preceito básico do movimento de globalização. A principal transformação que Castells identifica é a da convergência – do tempo e do espaço, dos processos de produção, das pessoas e das informações – que a cultura dessa sociedade em rede gera, e são as convergências que a internet permite na prática do jornalismo que quero discutir aqui. Os principais aspectos que detectei, com base em Castells e diversas leituras na internet 20, foram a convergência das mídias (texto, audiovisual, etc.), ou multimídia; a convergência entre emissor e receptor; produtores e consumidores de conteúdo (a interatividade, o “público ativo” de Downing21, os “prosumers”); a convergência do espaço global e local (“multimedia culture is at once global (in reach) and local (i.e. perComo o blog do jornalista e pesquisador André Deak, especialmente o post “JORNALISMO MULTIMÍDIA, ONLINE, 2.0, JORNALISMO DIGITAL ETC”, 21 de outubro de 2008. http://www.andredeak.com.br/2008/10/21/jornalismomultimidia-online-20-jornalismo-digital-etc/ 20 21 22 (Downing 2002) Casos de estudo sonalized): it is glocal”22 (p.76, Bell 2007)); a convergência dos tempos em um “presente perpétuo” (“instantaneity is a form of timeless time. Another is called by Castells desequencing: as a result of living in the multimedia age with limitless access to streams of live and archived material, as well as ever more wondrous ways to predict and imagine the future, we are exposed to a montage of instants wrenched from temporal context: past, present and future are disassembled and reassembled for us and by us.”23 (p.75, Bell 2007)) . Há diversas formas em que jornalistas, tanto profissionais quanto amadores, vêm se apropriando da internet e de suas convergências. Algumas delas são listadas por André deak em um post de seu blog: “Jornalismo multimídia: se utiliza mais de uma mídia (vídeo, áudio, texto, foto), é multimídia. Multi (várias) + Mídia. Jornalismo online: é o jornalismo feito na internet, em rede Jornalismo digital: qualquer jornalismo que não utilize mais meios analógicos é jornalismo digital, seja vídeo, áudio ou texto Jornalismo 2.0: o termo 2.0 surgiu associado à web 2.0, com vários significados, mas que acabou virando mais ou menos sinônimo de “jornalismo de redes sociais”. Jornalismo 2.0 pode ser associado portanto ao jornalismo que utiliza essas “a cultura multimídia é ao mesmo tempo global (em seu alcance) e local (ou seja, personalizada): ela é glocal” 22 “a instantaneidade é uma forma de tempo eterno. Outra é o que Castells chama de desequenciamento: como consequência da vida na era multimídia, com acesso ilimitado a fluxos de material arquivado e em tempo real, além das formas cada vez mais incríveis de prever e imaginar o futuro, estamos expostos a uma colagem de instantes arrancados de seu contexto temporal: passado, presente e futuro são desorganizados e reorganizados por nós e para nós.” 23 23 Democracia e webjornalismo redes de alguma maneira, normalmente de modo colaborativo Jornalismo colaborativo (ou participativo): veja acima e abaixo. Jornalismo cidadão (citizen journalism): jornalismo produzido por pessoas que não são jornalistas profissionais, que não trabalham com isso no dia-a-dia. Associado ao jornalismo colaborativo ou participativo. Jornalismo cívico (civic journalism, ou public journalism às vezes): O jornalismo cívico é um jornalismo engajado com a comunidade, que tenta transformar o veículo num fórum de discussão daquele grupo. Tem parentesco próximo com o jornalismo comunitário. Jornalismo comunitário: jornalismo feito para a comunidade, pela comunidade. Há quem diga que é um, há quem diga que é o outro, e quem sustente que se não for os dois juntos não é.” 24 As novas tendências que vemos hoje no jornalismo com o advento da internet, portanto, vão além da precarização da grande mídia de priorizar o tempo real, os textos curtos, o copia-e-cola de releases e agências, a terceirização, a ‘estagiarização’ das redações, o trabalho gratuito do ‘jornalista cidadão’, a queda na receita de publicidade, onde as grandes reportagens e o jornalismo investigativo são deixados de lado por serem “caro, trabalhoso, chato”, como no título da matéria de Branca Vianna na edição de outubro deste ano da revista Piauí (Vianna 2010). Até agora, apenas o modelo comercial de jornalismo dos grandes jornais podia arcar com os custos de um trabalho Deak, André. “JORNALISMO MULTIMÍDIA, ONLINE, 2.0, JORNALISMO DIGITAL ETC.” André Deak. 21 de outubro de 2008. http://www.andredeak.com.br/2008/10/21/jornalismomultimidia-online-20-jornalismo-digital-etc/ 24 24 Casos de estudo mais aprofundado como esse, mas com a crise (por culpa da internet), estes preferiram investir na quantidade de notícias 25 sobre a qualidade, acreditando ainda num monopólio que não existe mais, de que são as únicas fontes de informação de seus leitores, como lembra Philip Meyer, autor do livro “Os jornais podem desaparecer”: “o velho jornalismo era dominado por um único jornal local e, mesmo no nível nacional, sempre foram alguns poucos jornais que não respondiam a ninguém. Com os blogueiros ou mesmo com outros usos da internet, esta cobrança da qualidade da informação está vindo e forte. Isto será bom para o jornalismo, o padrão de qualidade vai ser mais exigente. Grande parte da imprensa está acostumada com o monopólio da informação e ficou arrogante. A nova mídia será muito mais humilde e mais disposta a aprender.” (p.2122, Ferrari 2010) É por essa arrogância que Dan Gillmor, diretor do Centro Knight de Jornalismo, por exemplo, diz que "professional journalism's worst enemy may be itself"26 (p.xxvi, Gillmor 2006). No entanto, vimos se desenvolverem nos últimos anos novas formas de apresentar informações (multimídia, infográficos interativos), de dar ao leitor o que ele quer (não o infotainment, mas o jornalismo financiado pelo capital cognitivo), de lidar com as exigências de tempo (tanto o tempo real do Twitter quanto o eterno presente de reportagens investigativas sobre problemas sistêmicos) e de espaço (os filtros e a- Lembrando que a notícia, nesse caso, não é nada mais que “um relato do que as organizações de comunicação ficaram sabendo recentemente sobre questões de alguma significância ou interesse para a comunidade específica à qual essa organização serve” (p.43, Martinez 2003), segundo Jack Fuller, da Universidade de Chicago. 25 26 “o pior inimigo do jornalismo profissional é ele próprio” 25 Democracia e webjornalismo gregadores de conteúdo, tanto ferramentas quanto pessoas) de cada história. Gostaria de discutir alguns exemplos positivos que detectei nos últimos anos. Twitter Começarei pelo mais polêmico: o Twitter é uma rede social de microblogs onde as pessoas publicam mensagens de 140 caracteres por vez sobre qualquer coisa que lhes vem à cabeça. Apesar da maioria das mensagens tratarem de besteiras de adolescentes, eu me tornei uma usuária ávida do serviço a partir do momento que percebi com quantas informações novas tenho contato. Críticos dizem que o Twitter apenas propaga o jornalismo superficial, em que apenas os 140 caracteres da manchete ganham destaque. Mas o meu uso dos 140 caracteres e da maioria dos perfis que “sigo” é principalmente para compartilhar links para outros sites, sites que eu normalmente nunca visitaria, muitas vezes com informações, opiniões e análises mais aprofundadas que as que eu encontro nos jornais. Nos meios jornalísticos, o Twitter ganhou fama como uma forma mais rápida de ficar sabendo de notícias que aconteceram no minuto, como aconteceu no caso da morte de Michael Jackson, em que a informação correu o mundo primeiro pelo Twitter antes de chegar à homepage dos grandes portais. O serviço também é frequentemente usado por jornalistas para buscar personagens para suas matérias e saber as impressões das pessoas sobre determinado assunto. Virou moda no jornalismo brasileiro sempre recorrer ao Twitter para saber o que as pessoas estão pensando sobre o assunto do momento – o chamado Trending Topic –, mas isso reflete nada mais que a falta de dedicação dos jornalistas e dos jornais, que incentivam esse tipo de jornalismo meiaboca, ignorando o fato de que os usuários da rede social representam uma minoria com acesso à internet num país de 190 milhões de habitantes. 26 Casos de estudo Um exemplo amplamente citado pelos apologistas das redes sociais são os protestos que surgiram no Irã após as eleições presidenciais no país, que muitos acusavam de terem sido aparelhadas. Correspondentes internacionais, que não tinham acesso às informações, acabaram se apoiando no Twitter, de uso limitado entre iranianos devido à baixa inclusão digital no país, além da censura à internet, para saber o que estava acontecendo nas ruas, sem checar que muitas vezes, as mensagens não eram de iranianos mas de pessoas em outros países do mundo. O Twitter e o fato de que cada vez menos jornalistas checam suas informações é um excelente exemplo de como a mídia profissional vem abrindo mão de seus princípios básicos nos últimos anos em nome da adaptação tecnológica. Mas a culpa não é do determinismo tecnológico, pois é possível usar a tecnologia para melhorar o jornalismo, não piorar, mas isso depende de uma transformação no pensamento do e no modelo de jornalismo. É sim possível, inclusive, usar uma ferramenta tão falha quanto o Twitter para fazer um bom jornalismo, e o jornalista veterano Adam Penenberg provou isso em setembro. 27 Penenberg, famoso por ter desmascarado as reportagens falsas de Stephen Glass, repórter da revista New Republic, em 1998 28, também publicou um livro no início da década sobre um caso de recall não-feito pela Ford nos anos 90, que causou Outro exemplo que presenciei foi da jornalista da Reuters Natuza Nery (hoje da Folha de S. Paulo), que aproveitou a facilidade de comunicação do serviço para entrevistar o ministro do Planejamento Paulo Bernado, em 1º de outubro. http://twitter.com/#!/Paulo_Bernardo/status/26079004863, http://twitter.com/#!/Paulo_Bernardo/status/26079417271, http://twitter.com/#!/Paulo_Bernardo/status/26081366967 27 28 (Carr 2010) 27 Democracia e webjornalismo muitas mortes ao longo dos anos devido a um erro no design de um utilitário Ford Explorer, que fazia com que o carro capotasse facilmente. Em 2 de setembro de 2010, a Ford foi, pela primeira vez, responsabilizada por isso, sendo condenada a pagar como indenização pela morte de uma estrela do beisebol incríveis US$131 milhões. Penenberg, que ficou sabendo da decisão através de uma fonte, esperou a notícia aparecer nos portais, mas quando viu que ela tinha sido ignorada, decidiu cobri-la ele mesmo. O jornalista não trabalha em uma redação de diário, mas escreve especiais para diversas revistas. Devido à momentaneidade da notícia, no entanto, não queria esperar para divulgá-la em uma reportagem. Começou então a “tuitar”, o que acabou gerando uma matéria de mais de mil palavras, com informações fatuais e contexto, e até, ocasionalmente, algumas alfinetadas a seus colegas: “C'mon reporters. Am I only one who thinks $131 MILLION verdict against FORD in a product liability suit is news?? Dear reporters: You won't get the story by sitting on your asses surfing Google News or PR Newswire. You have to make some phone calls.” 29 (Penenberg 2010) Os “tweets” foram um sucesso, e logo outros veículos publicaram suas próprias matérias, muitas com base no trabalho “Vamos lá jornalistas. Eu sou o único que acha que um veredito de US$131 MILHõES contra a FORD em um processo que a responsabiliza por um erro eu um produto é notícia? 29 Caros jornalistas: Vocês não vão conseguir essa matéria sem tirar a bunda da cadeira, esperando sair no Google News ou no wire da PR. Vocês precisam fazer ligações.” 28 Casos de estudo de Penenberg, que pensa em repetir a experiência se a notícia pedir.30 Perguntei para Penenberg31 por que ele escolheu usar o Twitter ao invés de um blog, onde poderia publicar um texto na íntegra, facilitando a leitura. Ele respondeu: “@zil_chica Wanted to experiment with the form. A blog w comments much more static than real-time Twitter. RTs led to morphing of story.” 32 Global Voices O que Penenberg destaca na sua fala é a importância da colaboração de seus leitores. E de fato, o jornalismo colaborativo tem se tornado uma tendência positiva para combater a arrogância do jornalismo profissional: "We will learn we are part of something new, that our readers/listeners/viewers are becoming part of the process. I take it for granted, for example, that my readers know more than I do - and this is a liberating, not threatening, fact of journalistic life." 33 (p.xxiv, Gillmor 2006) 30 (Jeffries 2010) 13 de setembro de 2010. http://twitter.com/#!/zil_chica/status/24398888301 31 “Queria experimentar o formato. Um blog com comentários é muito mais estático que o tempo real do Twitter. Os RTs [‘re-tweets’, onde outros usuários retransmitem a mesma mensagem] levaram a uma transformação da matéria” http://twitter.com/#!/Penenberg/status/24401633193 32 “Aprendemos que somos parte de algo novo, que nossos leitores/ouvintes/público estão se tornando parte do processo. Eu acho normal, por exemplo, que meus leitores saibam mais do que eu – e isso é um fato libertador, não ameaçador, da vida do jornalista.” 33 29 Democracia e webjornalismo Claro que há ressalvas nisso: um exemplo é como vemos as organizações de imprensa se aproveitando cada vez mais do trabalho de “jornalistas cidadãos” que, em busca de seus 15 minutos de fama, cedem seu trabalho gratuitamente aos jornais, à revelia do trabalho pago do profissional. No entanto, há quem use o potencial agregador da internet para um desenvolvimento positivo do jornalismo, e um exemplo que encontrei foi o do Global Voices: “Global Voices is a community of more than 300 bloggers and translators around the world who work together to bring you reports from blogs and citizen media everywhere, with emphasis on voices that are not ordinarily heard in international mainstream media. Global Voices seeks to aggregate, curate, and amplify the global conversation online - shining light on places and people other media often ignore. We work to develop tools, institutions and relationships that will help all voices, everywhere, to be heard.” 34 Não se trata, portanto, de um empreendimento amador. Muitos blogueiros brasileiros importantes, por exemplo, estão representados e são frequentemente citados nas matérias do Global Voices, que agregam frases de diversas mídias sociais “O Global Voices é uma comunidade internacional de mais de 300 blogueiros e tradutores que trabalham juntos para trazer informações de blogs e mídia cidadã de todo o mundo, com uma ênfase nas vozes que normalmente não são ouvidas na mídia mainstream. 34 O Global Voices busca agregar, editar e amplificar a conversa global online – trazendo à luz lugares e pessoas que outras mídias geralmente ignoram. Trabalhamos no desenvolvimento de ferramentas, instituições e relacionamentos para ajudar com que todas as vozes, de todos os cantos do mundo, a serem ouvidas.” http://globalvoicesonline.org/about/ 30 Casos de estudo diferentes para dar um contexto a notícias que dificilmente se vê na mídia tradicional. Um exemplo está na cobertura35 que fizeram sobre o impacto do recente vazamento de telegramas diplomáticos dos EUA pelo Wikileaks no Brasil, escrita pelo blogueiro Raphael Tsavkko Garcia 36, que apresenta uma excelente análise do caso, a partir de comentários políticos e informações oficiais divulgadas na internet. A estrutura narrativa dos textos do Global Voices também é extremamente interessante, pois reflete os novos processos cognitivos hipertextuais, com seu crowdsourcing (algo como “uma multidão de fontes”) e sua multiplicidade de links às informações originais. Este é outro fator que me interessa muito, uma vez que é uma forma de explicitar o fazer jornalístico. No jornalismo tradicional, o leitor vê apenas o produto pronto, sem saber como se chegou às informações, o que ficou de fora, etc. A internet muda essa dinâmica, gerando um relacionamento do que em inglês chamam de accountability (mas também podeGarcia, Raphael Tsavkko. “Brasil: Blogosfera brasileira reage ao WikiLeaks”, Global Voices português. http://pt.globalvoicesonline.org/2010/12/02/brasil-blogosferabrasileira-reage-ao-wikileaks/ 35 Segundo informações de seu perfil no Global Voices: “Mestrando em Comunicação (Cásper Líbero), Bacharel em Relações Internacionais (PUCSP), blogueiro e amante da mídia alternativa, Euskal Herria (País Basco), Nacionalismo e Cibercultura. 36 Blog: Tsavkko - The Angry Brazilian [pt]; Colaborador do Trezentos [pt] Colunista do Diário Liberdade - “Defenderei a casa de meu pai” Twitter: @Tsavkko Facebook: Tsavkko” 31 Democracia e webjornalismo mos falar em transparência) entre leitor e jornalista que não existe no modelo de jornalismo comercial. Da mesma forma que Maria Bakardjieva falava em relação à tecnologia, o público não é incentivado a “’olhar dentro’, se perguntar como funciona” (p.39, Bell 2007) o jornalismo. Na internet, a crítica da mídia, no entanto, está se tornando mais disseminada, e as pessoas estão começando a questionar o que leem nos jornais e veem na TV. 37 Como afirma Lokman Tsui, no resumo de seu trabalho de doutorado sobre o Global Voices, pela Universidade da Pensilvânia: “The Global Voices newsroom, for example, demonstrates how the internet allows for different kinds of newsroom routines that are designed to bring attention to underrepresented voices, whereas it was previously thought routines determined the news to be biased towards institutional and authoritative voices. I argue that these changes in news production challenge us to judge journalistic excellence not only in terms of objectivity or intersubjectivity, but increasingly also in terms of hospitality. Roger Silverstone defined hospitality as the “ethical obligation to listen.” Understanding journalism through the lens of hospitality, the internet presents a unique opportunity as well as poses a radical challenge: in a world where everybody can speak, who will listen? I suggest that in a globally networked world, there continues to be a need for journalism to occupy an important position, but that it will require a process of rethinking and renewal, one where journalism transforms itself to an institution for democracy where listening, conversation and hospitality are central values.” (Tsui 2010) Um exemplo disso foram os vários vídeos feitos por amadores questionando o episódio da “bolhinha de papel” que foi jogada na cabeça do candidato José Serra durante a campanha presidencial. A rede Globo havia informado que se tratava de um objeto maior e mais pesado, que acabou levando o candidato ao hospital. 37 32 Wikileaks Casos de estudo Citei a cobertura do Global Voices da última leva de vazamentos do Wikileaks, mas ele próprio é um exemplo do que esperamos hoje do jornalismo. O Wikileaks já virou clichê, mas seu impacto nesses últimos meses não pode ser ignorado. A transparência e falta de privacidade da internet não afeta mais só o indivíduo que expõe sua vida no Facebook. Cada vez mais, esperamos de nossos governos e até de corporações (especialmente depois da crise econômica, causada em parte por operações financeiras suspeitas de grandes bancos), e o cidadão vem exigindo um melhor acesso aos dados que lhe interessam. Em novembro, o governo britânico anunciou o lançamento do site data.gov.uk, um banco de dados de fácil uso que dá acesso a todo tipo de informação sobre o governo. Não é mais preciso ser jornalista para ver contratos de licitação do governo, por exemplo. “The Government is releasing public data to help people understand how government works and how policies are made. Some of this data is already available, but data.gov.uk brings it together in one searchable website. Making this data easily available means it will be easier for people to make decisions and suggestions about government policies based on detailed information.” 38 O Wikileaks, liderado pelo polêmico e excêntrico australiano Julian Assange, funciona um pouco da mesma forma, pu- “O Governo está publicando dados públicos para ajudar as pessoas a entender como o governo funciona e como nossas políticas são criadas. Parte desse dados já é disponibilizado, mas o data.gov.uk junta tudo isso no mesmo site, onde podem ser pesquisados. Tornar esses dados facilmente disponíveis ajudará as pessoas a tomarem decisões e fazerem sugestões sobre políticas governamentais baseadas em informações detalhadas.” http://data.gov.uk/about 38 33 Democracia e webjornalismo blicando documentos confidenciais em sua forma bruta de forma facilmente acessível para o internauta. Ao mesmo tempo, no entanto, a organização sem fins lucrativos faz um trabalho jornalístico meticuloso, muitas vezes contando com o apoio de grandes jornais como The New York Times, The Guardian, Der Spiegel, Le Monde, etc. para checar fatos e editar as informações em uma forma publicável. O impacto dos últimos vazamentos, este ano, tem sido tão grande que o Wikileaks se tornou uma pedra no sapato para o governo americano, seu principal alvo nos últimos meses, a tal ponto que não poderei citar o site da organização porque ele está fora do ar no momento, tendo sofrido vários ataques de hackers nos últimos dias e perdido sua hospedagem após a publicação de telegramas diplomáticos dos EUA. O curioso é que a mídia, especialmente a americana, vem repercutindo mais as críticas do governo dos EUA à organização, afirmando que a publicação de dados sigilosos coloca em risco diversas pessoas e o próprio país, que o teor dos documentos. Diferentemente do que muitos veículos hoje fazem quando levam um furo, que é publicar as informações sem checálas, a mídia (inclusive parceiros nessa mais recente empreitada, como o NYT) está partindo direto para o ataque, e está sendo duramente criticada por isso. Como afirma um blogueiro do site Huffington Post: “It's sort of strange: here, Assange and his compatriots have gone to the trouble of doing most of the legwork and has served up scooplets in the most convenient way possible. You'd think there might be a little gratitude.” 39 “É meio estranho: Assange e seus compatriotas se deram o trabalho de fazer a maior parte do esforço e lhe deu pequenos furos da forma mais conveniente possível. Seria muito esperar um pouco de gratidão?” Linkins, Jason. “WikiLeaks Prompts Orgy Of Media SelfAbnegation”. The Huffington Post. 1 de dezembro de 2010. 39 34 Casos de estudo Afinal, os jornalistas profissionais não parecem estar fazendo seu trabalho, que é justamente descobrir o que é secreto e de interesse público. ProPublica A ProPublica nasceu justamente desse contexto. Como afirmam em seu texto de apresentação: “ProPublica is an independent, non-profit newsroom that produces investigative journalism in the public interest. Our work focuses exclusively on truly important stories, stories with “moral force.” We do this by producing journalism that shines a light on exploitation of the weak by the strong and on the failures of those with power to vindicate the trust placed in them.” 40 Em abril, a organização recebeu um Puitzer – prêmio máximo do jornalismo americano – pela investigação de 13 mil palavras, 2 anos e US$350 mil da médica Sheri Fink, doutora em neurociência, sobre a difícil decisão de médicos de praticar a eutanásia de pacientes em um hospital de Nova Orleans nos dias imediatamente posteriores à passagem do furacão Katrina. A reportagem foi publicada também na revista dominical do The New York Times, “para obter maior repercussão” http://www.huffingtonpost.com/2010/12/01/wikileaks-promptsan-orgy_n_790659.html “A ProPublica é uma redação independente, não-lucrativa que produz jornalismo investigativo de interesse público. Nosso trabalho foca exclusivamente nas histórias realmente importantes, histórias de “força moral”. Fazemos isso produzindo um jornalismo que joga luz na exploração dos mais fracos pelos mais fortes e no fracasso daqueles no poder de vindicar a confiança que colocamos neles.” http://www.propublica.org/about 40 35 Democracia e webjornalismo (Vianna 2010). As parcerias com jornais, revistas, sites de notícias e redes de rádio e televisão são frequentes, mas o conteúdo é livre, e é sempre disponibilizado no site da organização. Inclusive, “a Pro Publica está tentando aumentar o tráfego em seu site para não depender tanto dos parceiros. Até agora, não teve muito sucesso. Força moral não costuma ser um grande chamariz de público” (Vianna 2010). Apesar de não se tratar de um caso de uso específico das ferramentas da internet, escolhi falar sobre a ProPublica devido à sua preocupação com um jornalismo que não existe mais na mídia hegemônica e a necessidade deste ser livremente disponível, por se tratar de informações de interesse público. Diferentemente de muitas das novas formas de jornalismo que encontrei ao longo dos meses, a ProPublica é quase careta, profissionalíssima41: Em sua reportagem, Branca Vianna cita o bem mais antigo e informal Center for Public Integrity, ou CPI, que age como um meiotermo, quase, entre ProPublica e Wikileaks: “A ideia de uma redação não comercial que colabore com os veículos tradicionais não foi inventada pela Pro Publica. Ela é a base, há duas décadas, do Center for Public Integrity, o CPI. Ele foi criado por Charles Lewis, que o dirigiu por quinze anos e hoje é professor da American University, em Washington. Lewis é um fundador compulsivo de redações sem fins lucrativos. Desde 1989, já foram quatro. O CPI, além de produzir jornalismo, é o que os americanos chamam de watchdog group, um grupo que monitora instituições de interesse público. Com esse fim, o centro produz relatórios e livros sobre suas pesquisas. Tudo é publicado no site. (…)A redação do CPI, barulhenta e movimentada, parece com ele. Os repórteres são mais jovens do que os da Pro Publica, vestem-se de maneira mais informal, decoram as baias com objetos pessoais e pregam avisos de feiras de produtos orgânicos e shows de música pela sala. Parece mais a sede de uma ong. Mas ninguém trabalha de graça, e os salários são semelhantes aos da Pro 41 36 Casos de estudo “Segundo Philip Gourevitch, repórter da New Yorker, a Pro Publica ‘é uma redação de verdade, chefiada por um jornalista de verdade, com repórteres de verdade. A única coisa que eles não têm de fazer é administrar um jornal’.” (Vianna 2010) Também me interessa a forma encontrada para financiar esse tipo de jornalismo “caro, trabalhoso, chato”. O casal de bilionários Marion e Herb Sandler, hoje com 80 anos, procuram causas para investir seu dinheiro através de uma fundação em seu nome. Ao ficarem sabendo da “morte” do jornalismo investigativo, “o ramo mais importante para o funcionamento de uma democracia”, do o diretor de redação do Wall Street Journal, Paul Steiger, decidiram criar a ProPublica, garimpando e roubando alguns dos melhores nomes do jornalismo americano dos grandes jornais e chamando Steiger para ser editor-chefe. “A Fundação Sandler doou 30 milhões de dólares para sustentar os três primeiros anos da Pro Publica. A cada final de ano o financiamento pode ser renovado por mais doze meses, de tal forma que, se a fonte secar, a redação terá sempre dois anos para buscar novos patrocinadores. Até agora, a renovação aconteceu como previsto. O dinheiro está garantido até pelo menos 2013.” (Vianna 2010) Spot.Us “Uma das críticas mais comuns à Pro Publica,” afirma Branca Vianna, “está no fato de seus recursos virem praticamente de uma só fonte. Isso daria poder demais aos Sandler, e colocaria em risco a continuidade do projeto caso desistam de Publica. O jornalismo que se produz ali é tido pela imprensa tradicional como confiável e de alta qualidade. Além de colaborar com todos os grandes jornais, revistas e redes de rádio e televisão, o CPI se associa também a veículos estrangeiros, como o jornal The Guardian e a BBC.” 37 Democracia e webjornalismo cacifá-lo. Paul Steiger vem tentando diversificar o financiamento, mas, como parte do patamar de 10 milhões de dólares por ano, não é fácil achar quem queira contribuir”. O ‘jornalismo financiado’ coletivamente pelo ‘capital cognitivo’ foi a solução encontrada pelo fundador do Spot.Us, David Cohn, de 27 anos, ex-colaborador da revista Wired e mais conhecido na internet pelo pseudônimo digidave, para esse dilema: o público, ou o próprio jornalista, sugere uma pauta de interesse para sua comunidade e doa dinheiro para o jornalista apurar produzir a reportagem. “Spot.Us is a nonprofit project of the "Center for Media Change" and funded by various groups like the Knight Foundation. We partner with various organizations including the Annenberg School of Communications in Los Angeles. (...) We are an open source project to pioneer “community powered reporting.” Through Spot.Us the public can commission and participate with journalists to do reporting on important and perhaps overlooked topics. Contributions are tax deductible and we partner with news organizations to distribute content under appropriate licenses. (...) We practice the TAO of Journalism - Transparency, Accountability, and Openness” 42 “O Spot.Us é um projeto sem fins lucrativos do “Centro por Mudanças na Mídia”, e é financiado por diversos grupos como a Fundação Knight. (...) 42 Somos um projeto opensource para incentivar ‘reportagens financiadas pela comunidade’. Através do Spot.Us, o público pode comissionar e participar com jornalistas de reportagens sobre temas importantes e talvez ignorados. As contribuições são sujeitas a dedução de impostos e temos parcerias com organizações de notícias para distribuir nosso conteúdo de acordo com as licenças necessárias.” http://spot.us/pages/about 38 Casos de estudo Cohn fundou o site “após pesquisar a aplicação do crowdfunding, modelo de financiamento coletivo via internet, ao jornalismo”. Ele recebeu US$300 mil da Knight Foundation, “instituição que premia as iniciativas mais inovadoras da mídia” (Branco, Hirata e Salvador 2009), para colocar a ideia em prática. Descobri o site através de uma matéria da revista do curso de jornalismo da Abril, a plug, que cita o exemplo do jornalista freelancer Chris Amico, de 23 anos, que “queria retratar com maior profundidade o impacto da produção de cimento no sul da Califórnia, assunto que acompanhou enquanto trabalhava em um jornal local” (Branco, Hirata e Salvador 2009). Após juntar os US$350 dólares necessários para a pauta através de doações no Spot.US, produziu a matéria que acabou sendo publicada em três jornais locais e um na Finlândia, além do próprio site do Spot.Us. Durante a apuração, Amico também foi incentivado a blogar sobre o andamento da pauta, recebendo sugestões de internautas e dando maior transparência a seu trabalho. O site também tem regras rígidas para definir o valor doado para as pautas, que varia dependendo da experiência do jornalista e do tamanho da reportagem. “O site funciona nos moldes de uma rede social. Os jornalistas podem criar perfis, visíveis para outros usuários, em que publicam pautas e pedem uma quantia para realizá-las. Quando as doações atingem o total solicitado pelo jornalista, ele recebe um prazo para executar o trabalho. A equipe do Spot.Us distribui o material para outros veículos e divide o lucro entre os internautas que financiaram a história. Éditores podem pagar para ter preferência sobre as reportagens, ou obtê-las de graça, sem a exclusividade’,diz o editor David Cohn”. (Branco, Hirata e Salvador 2009) Sobre a colaboração com os meios de comunicação tradicionais, no entanto, Cohn sentencia: “Ele acredita que a crise econômica e o avanço das notícias gratuitas na internetdeve mudar [a posição dos jornais, que 39 Democracia e webjornalismo compram poucas matérias do Spot.Us devido às ‘restrições dos editores dos veículos tradicionais’]. As redações diminuirão e serão obrigadas a decidir se reduzem sua cobertura, perdendo qualidade e leitores, ou se abrem sua estrutura para colaboradores externos. ‘As organizações de mídia aprenderão a trabalhar com conteúdos que não estão sob seu controle editorial direto’, prevê Cohn.” (Branco, Hirata e Salvador 2009) 40 Conclusão Casos de estudo “Não se pode pensar na morte de um certo jornalismo e no nascimento de outro”, lembra Alex Primo, professor da UFRGS, no prefácio da coletânea Metamorfoses jornalísticas 2. De fato, não é o jornalismo que está morrendo, mas apenas o modelo de negócios que o rege desde sua formação. "Our core values, including accuracy and fairness, will remain important, and we'll still be gatekeepers in some ways, but our ability to shape larger conversations - and to provide context - will be at least as important as our ability to gather facts and report them." 43 (p.xxv, Gillmor 2006) O futurista Ross Dawson 44 concorda que o jornalista continuará agindo como mediador de um jornalismo “cada vez mais crowdsourced”, produzido por “hordas de amadores, sob a supervisão de profissionais”. Ele também diz que a boa reputação de muitos jornalistas, especialistas em suas respectivas áreas, irá assegurar que continuem tendo o respeito e ganhando o público dos leitores. Já a professora Pollyana Ferrari afirma: “o papel do Jornalista, o editor da notícia, continua o mesmo e vai continuar. Não vejo esta ameaça, que apavora centenas de colegas”.45 “Nossos princípios básicos, incluindo precisão e imparcialidade, continuarão importantes, e continuaremos sendo mediadores, de certa forma, mas nossa capacidade de moldar discussões maiores – e fornecer contexto – será no mínimo tão importante quanto nossa habilidade em apurar fatos e reportá-los.” 43 Sinclair, Lara. “Newspapers gone by 2022 says futurist”. Site do jornal The Australian. 24 de agosto de 2010. http://www.theaustralian.com.au/business/media/newspapersgone-by-2022-says-futurist/story-e6frg996-1225909450033 44 “ENTREVISTA: POLLYANA FERRARI”, no blog André Deak, 5 de dezembro de 2007. 45 41 Democracia e webjornalismo Ela diz ainda: “na Internet ninguém é fiel a um endereço apenas”. 46 Essa característica aberta da internet é apenas uma extrapolação de algo que já existia no mundo não-virtual, no entanto: "Lemos o [Wall Street] Journal para cobertura de negócios, o [New York] Times para relações exteriores, o [Washington] Post para política de Washington e [a revista] New Yorker para críticas de cultura. (...) Essas discriminações sutis operam como uma espécie de filtro da informação, um filtro que construímos para nós mesmos cada vez que buscamos informação numa fonte e não em outra. Ao longo da próxima década, essa costura de diferentes notícias e fontes de opinião vai se tornar pouco a pouco um tipo de jornalismo por si mesmo, uma nova forma de relatar que sintetiza e digere a grande massa de informação disseminada online a cada dia (...) Isso deveria ser estímulo para qualquer pessoa interessada num modelo mais independente, e é mais um indício da ampla influência da janela digital e seus rebentos." 47 Esse modelo mais aberto e independente não é inerente à internet, apesar de parecer sê-lo no discurso de apologistas. O modelo tradicional ainda vigora, e não está necessariamente perdendo espaço para a internet, pois ele é e está na internet, e usando-a muito bem ao seu favor. http://www.andredeak.com.br/2007/12/05/entrevista-pollyanaferrari/ “ENTREVISTA: POLLYANA FERRARI”, no blog André Deak, 5 de dezembro de 2007. http://www.andredeak.com.br/2007/12/05/entrevista-pollyanaferrari/ 46 Citação da p.78 do livro Cultura de interface, de Steven Johnson (p. 80, Barbosa 2007) 47 42 Casos de estudo “A informação deve poder circular. A sociedade da infomação só pode existir sob a condição de troca sem barreiras. Ela é por definição incompatível com o embargo ou com a prática do segredo, com as desigualdades de acesso à informação e sua transformação em mercadoria.” (p.66, Mattelart e Mattelart 1999) A internet só se torna democrática a partir do momento em que se torna um hábito do internauta usá-la para buscar a informação, ao invés de esperar que ela chegue até ele – algo que continua acontecendo mesmo com a internet e todas suas novas ferramentas, como por exemplo, as redes sociais. A revolução democrática da internet é o internauta perceber, não só que qualquer um pode publicar, mas que qualquer um pode pesquisar no Google, pegar o telefone, ligar pra uma fonte, seja assessoria de imprensa ou o CEO da companhia, pegar a informação e repassar ele mesmo. E é isso que faz um jornalista. Como bradou o professor Sérgio Amadeu durante a vigília do 48 horas democracia 48, "o jornalismo foi a primeira atividade política remunerada". É raro, mas o que vemos na internet hoje são iniciativas retomam essa noção de jornalismo como ativismo político, devidamente valorizado, remunerado e profissionalizado. E isso não depende de uma ferramenta revolucionária. Depende de uma revolução do pensamento. vídeo de debate durante 1o turno 2010 do “48 horas democracia – uma cobertura cidadã das eleições”, no dia 2 de outubro de 2010. http://48hdemocracia.com.br/ 48 43 Democracia e webjornalismo 44 Bibliografia Bibliografia Augé, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, Brasil: Papirus Editora, 1994. Barbosa, Fernando do Vale. “Jornalismo livro pensante - A web e os novos paradigmas para o trabalho jornalístico.” São Paulo: monografia de especialização em Jornalismo Multimídia da PUC-SP, 2007. Bell, David. Cyberculture Theorists: Manuel Castells and Donna Haraway. Bodmin, UK: Routledge, 2007. Branco, Leo, Giselle Hirata, e Alexandre Salvador. “Aos olhos da multidão.” plug, 2009: 37-38. 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