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Análise de tradução de poesia: um estudo de caso de “The Sick Rose”, de William Blake Marcela da Fonseca Ferreira1 Resumo: Este artigo se inicia com uma apresentação sobre a vida e obra de William Blake, bem como sobre o contexto histórico e a escola literária a que esse autor pertenceu. É feita, também, uma breve apresentação sobre seu tradutor neste trabalho, no caso, Alberto Marsicano. Na sequência, é realizada uma interpretação do poema “The Sick Rose”, de William Blake, e, a partir dessa interpretação, é analisada a tradução para o português do poema, feita por Alberto Marsicano, publicado no livro William Blake – O casamento do céu e do inferno & outros escritos. Por meio de comparação do texto de partida e do texto de chegada, são apontadas e analisadas as estratégias que o tradutor utilizou no seu trabalho, destacando os resultados obtidos na tradução. Palavras-chave: Tradução. Análise. Poesia. William Blake. Especialista em Formação de Tradutores de Língua Inglesa pelo Claretiano – Centro Universitário. Graduada em Letras pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: <marfonsecaf@hotmail. com>. 1 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 185 1. INTRODUÇÃO William Blake é um dos mais importantes poetas do Romantismo inglês, quase inclassificável dentro de sua escola literária por ser considerado um homem à frente do seu tempo. Não somente um gênio da Literatura Inglesa, como também da arte, Blake, por meio de suas características próprias, agrupando estilos variados como poeta, pintor, místico e visionário, tem um importante papel na literatura mundial. “The Sick Rose”, escrito por Blake e publicado em 1784, é um poema de forma compacta, composto por duas estrofes, com rimas alternadas. Tal poema foi traduzido para o português por Alberto Marsicano, publicado no livro William Blake – O casamento do céu e do inferno & outros escritos. Este artigo tem a pretensão de, primeiramente, interpretar o significado do poema e, a partir dessa interpretação, analisar, na tradução de Alberto Marsicano, quais estratégias foram utilizadas como recursos para traduzi-lo e se o tradutor manteve a mesma impressão do texto de partida. O trabalho inicia-se com a biografia de William Blake e, nessa perspectiva, é feita uma breve apresentação do contexto histórico e da escola literária a que o autor pertenceu. Além disso, também é exposta a biografia do tradutor. Com base nos estudos sobre a vida, o contexto histórico e a escola literária de Blake, foi possível fazer uma interpretação do poema “The Sick Rose”, realizando um estudo de caso, contendo análise da tradução, amparada por pesquisa bibliográfica. A partir dessa interpretação, comparando texto de partida e texto de chegada, são apontadas e analisadas as estratégias que o tradutor utilizou no seu trabalho, destacando os resultados obtidos na tradução. 186 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 2. WILLIAM BLAKE: O POETA E A TRADUÇÃO DE “THE SICK ROSE” William Blake nasceu em Londres, no ano de 1757. Era filho de um comerciante que, desde sua infância, sempre o incentivou à leitura de autores como Swedenborg, Jakob Boheme e Paracelso. Blake, ainda criança, manifestou seus dons artísticos, associados também à crença religiosa. Segundo Marsicano (2007, p. 09): As primeiras manifestações de vidência surgiram no futuro poeta aos quatro anos, quando vislumbrou a face de Deus na janela e deu um grito. Mais tarde, ao passear pelos campos de Peckam, encontrou uma árvore repleta de anjos de asas iridescentes, e num descampado avistou Ezequiel calmamente sentado. Ao relatar esses fatos à sua mãe, acabou por levar uma surra. Foi assim seu envolvimento com misticismo e a religião, o que, mais tarde, exerceu grande influência sobre sua obra. Aos 14 anos, o futuro poeta iniciou o aprendizado de artes em gravuras. Logo, passou a frequentar o estúdio de James Basire, um famoso gravador da época. Nessa fase, Blake tomou gosto pela leitura de Spencer, dos elizabetanos, Locke, Bacon e Winckelmann. Seus primeiros poemas foram escritos na adolescência. Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 187 Figura 1 Portrait of Blake, engraved by Schiavonetti after Phillips, 1808. Fonte: <http://www.blakearchive.org/blake/about-blake.html>. O gênio artístico de Blake desenvolveu-se paralelamente, na escrita e na pintura. Em 1778, começou a trabalhar com gravuras. Após quatro anos, o poeta casou-se com Catherine Boucher. Já em 1784, em sociedade com James Parker, abriu um atelier de impressão e, assim, juntos às gravuras, imprimia seus textos com uma gravura para cada exemplar, ou seja, cada exemplar era exclusivo. Nesse mesmo ano, suas obras foram expostas na Royal Academy novamente (sua primeira exposição foi em 1780). Informa Marsicano (2007, p. 10), que: “Independente dos preconceituosos editores de sua época, gravava e imprimia livremente seu trabalho, através de minucioso domínio técnico da arte da gravura, da qual foi um revolucionário”. 188 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 Obras de Blake Dentre os trabalhos que William Blake produziu e ilustrou, há aqueles que talvez sejam mais relevantes por trazerem temáticas mais polêmicas. No entanto, todos os livros são citados no presente artigo por ordem cronológica: Poetical Sketches (1783), There is no Natural Religion (1788), All Religions Are One (1788), Songs of Innocence (1789), Book of Thel (1789), The French Revolution: A Poem in Seven Books (1791), A Song of Liberty (1792), The Marriage of Heaven and Hell (1793), Visions of the Daughters of Albion (1793), America, A Prophecy (1793), Songs of Experience (1794), Songs of Innocence and of Experience (1794), Europe, a Prophecy (1794), The Book of Urizen (1794), The Song of Los (1794), The Book of Ahania (1795), The Book of Los (1795), Night Thoughts (1797) – ilustrações –, Milton (1804), Grave (1808), Everlasting Gospel (1818), Jerusalem (1820), The Ghost of Abel (1822), Dante’s Divine Comedy (1825) – ilustrações –, o qual não foi finalizado, devido à sua morte em 12 de agosto de 1827, e O livro de Jó da Bíblia (1826) – ilustrações. As características marcantes de Blake aparecem, por meio de seus trabalhos, ao longo de sua vida, em formato místico ou revolucionário, pelo fato de o poeta criticar a Igreja e a alta sociedade como exploradores da classe menos favorecida. Outras reflexões sobre questões humanas também caracterizam a obra de Blake, proporcionando, assim, o seu devido mérito como artista e poeta. Contexto histórico A história de vida do poeta estava inserida em um cenário em que a Inglaterra passava por um processo de industrialização. O trabalho agrário dos camponeses foi substituído por uma produção industrial altamente mecanizada. Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 189 Com o advento do comércio internacional, estabeleceu-se uma produção maciça de bens de consumo que emanavam uma grande quantidade de recursos naturais e insumos para a produção; esse processo gerou uma grande concentração de capital em poder da burguesia industrial. A exploração dos trabalhadores passou a ser extrema; eles trabalhavam e viviam em condições subumanas, uma vez que seu labor se dava em condições inóspitas, e o crescimento urbano, devido ao grande processo de migração para a cidade, não comportou o inchaço urbano com infraestruturas básicas necessárias para atenderem à demanda (VIZIOLI apud STEIL, 2007). Na América colonial do mesmo período, a sua própria burguesia havia se formado. Assim, a Inglaterra tentou impedir o crescimento e o comércio com medidas estatais que causaram revolta entre os colonos. Esse fato culminou na Guerra de Independência, com o triunfo das colônias. Na França, ocorreu a Revolução Francesa, que consolidou os princípios do liberalismo. Em suma, as revoluções burguesas completaram uma transição de um período feudal para o capitalismo. No período vivido por William Blake (Londres, 1757-1827), a Inglaterra abandonava um sistema de produção essencialmente agrário e artesanal para ingressar em outro de cunho industrial, dominado pela máquina. A intensificação do comércio externo, a exploração massiva do carvão e a instalação de fábricas têxteis mais modernas e produtivas concentravam cada vez mais o capital nas mãos da burguesia, e uma grande massa de trabalhadores fora submetida a condições subumanas de vida, num espaço urbano despreparado para recebê-los. (VIZIOLI apud STEIL, 2007, p. 10). Do outro lado do Atlântico, a burguesia colonial da América do Norte havia firmado o seu próprio mercado interno. A metrópole inglesa tentou reprimir a expansão do comércio para outros países, aumentando os impostos e a fiscalização na América, o que provocou a Guerra da Independência (1775–1783), com triunfo das Colônias Americanas. Logo veio a Revolução Francesa, resultan- 190 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 do na vitória do poder da burguesia da França sobre a aristocracia monárquica e a monarquia absolutista. As revoluções burguesas então completaram a transição do sistema feudal para o capitalismo. (STEIL, 2007, p. 10). Nesse contexto, Blake era um homem à frente do seu tempo, pois, em seus textos, deixava evidente sua indignação em relação à imposição da Igreja e aos valores dos interesses políticos. Diante das revoluções que ocorriam, o poeta escreveu sobre temas que envolviam reflexões sobre o rápido desenvolvimento do homem e sobre o que havia em seu íntimo. O trabalho do poeta teve grande repercussão em relação à Revolução Francesa e à Revolução Americana, questionando valores e pensamentos arraigados na sociedade da época, devido aos seus princípios libertários. Escola literária William Blake está inserido na tendência literária denominada Pré-romantismo ou Primeiro Romantismo, que surgiu na Inglaterra, no fim do século 18. Nessa fase de transição, o movimento artístico e intelectual da época distancia-se do Neoclassicismo e apresenta características próprias, como, por exemplo, a indignação e a revolta em relação à ordem social e a religião da época. O liberalismo passou, então, a ser referência ideológica e, dessa forma, os poetas dessa tendência literária rejeitavam as formas rígidas contidas na literatura, como, por exemplo, a exatidão de métricas nos versos. Nesse período, os românticos opuseram-se à racionalização e à mecanização que fora causadas pelo avanço da modernidade. É relevante destacar que a crítica contra a religião, presente nos poemas de Blake, estava relacionada à mentalidade da Igreja, caracterizada pela hipocrisia e pelo fato de ela ser extremamente rigorosa, e não contra a religiosidade; pelo contrário, a exaltação da espiritualidade estava presen- Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 191 te em suas obras românticas. Nesse sentido, compreende-se que o autor era religioso, porém não concordava com alguns princípios que a Igreja pregava. Assim como Blake, outros artistas também se preocupavam com temas relacionados à alma humana, investigando a natureza e a personalidade do indivíduo, como Lord Byron e William Wordsworth. Esses artistas romperam com as regras estabelecidas da época, as quais eram consideradas exageradamente formais, rigorosas e tradicionais. O Romantismo não foi um movimento que pertenceu apenas à Europa: outros países e colônias também foram contaminados pelos novos pensamentos da época, gerando uma mudança social mundial. Blake foi um grande gênio romântico de seu tempo, absolutamente original, pois possuía características próprias, agrupando estilos variados como poeta, pintor, místico e visionário. É possível afirmar que Blake é um poeta romântico mesmo que fora do período que se convencionou chamar de romantismo. Temos em mãos um autor que tem muito de dândi e que é apontado por muitos autores como o mais completo artista do seu tempo. Blake, além de poeta, foi pintor, criando um estilo único de pintura tanto na expressão quanto no modo de fazer. Criou um estilo de pintura conhecido por Iluminated printing, que consiste em, numa única superfície de cobre, imprimir o desenho, técnica muito similar à da pintura em aquarela: tanto na técnica do poeta quanto na da aquarela é quase impossível que o artista retoque algum eventual erro. (LOPES; LISBOA, 2009). 3. SOBRE O TRADUTOR ALBERTO MARSICANO Steil (2007) elenca vários tradutores que se ocuparam de traduzir os poemas de Blake. 192 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 Alberto Marsicano, além de autor/tradutor, é, também, músico, contista e citarista. Unindo as peças clássicas indianas a referências encontradas na natureza, Marsicano é introdutor do Sítar no Brasil. Discípulo de Ravi Shankar e Krishna Chakravarty da Universidade de Benares (Índia). Ele escreveu os livros Idiomalabarismos (poesia); Sendas Solares (poesia); Rimbaud por Ele Mesmo; Jim Morrison por Ele Mesmo; A Música Clássica da Índia. São obras traduzidas por ele: O casamento do céu e do inferno, de William Blake; Haikai (antologia da poesia clássica japonesa); Sijô – Poesiacanto Coreana Clássica (antologia da poesia clássica coreana); Trilha Estreita ao Confim, de Matsuo Bashô; e O Olho Imóvel pela Força da Harmonia (Antologia poética de Wordsworth). Em parceria com John Milton, traduziu, também, a antologia do poeta John Keats, Nas Invisíveis Asas da Poesia e A Música Clássica da Índia. Marsicano também gravou os CDs Benares; Benares – Music for Healing and Yoga; Impressionismos; Raga do Cerrado; Quintessencia; Electric Sitar (lançado, também, na Rússia e na China); Isto não é Um Livro de Viagem (com o poeta Haroldo de Campos) e Sitar Hendrix, o qual foi indicado para o Grammy, nos Estados Unidos. Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 193 Interpretação proposta do poema “The Sick Rose” – William Blake Figura 2: Hand-coloured print, issued c.1826. A copy held by the Fitzwilliam Museum, London. Fonte: <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Sick_Rose>. O poema “The Sick Rose” foi publicado no ano de 1794, incluído na coleção intitulada Songs of Innocence and Experience. A rosa, tradicionalmente, sempre simbolizou a inocência, a mulher, a vida, a beleza natural, o amor e até mesmo a feminilidade. Durante o século 18, muitos poetas utilizavam a natureza para representar a mulher. Há inúmeros poemas que descrevem a forma feminina por meio da paisagem, por exemplo, usando colinas, cavernas e flores silvestres. É relevante salientar que “Rose” é também um nome próprio feminino, que também remete à simbologia feminina. Observa-se, no poema, que o substantivo está escrito com letra maiúscula, o que pode sugerir, também, o nome de uma mulher. 194 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 No primeiro verso, “O Rose, thou art sick!”, o eu lírico está alertando a rosa de que ela está doente. O ponto de exclamação deixa evidente a lamentação e o alerta do orador em relação à doença da rosa. Já no segundo verso, “The invisible worm”, surge outro “personagem”, o verme. Assim, a rosa e o verme tornam-se elementos antagônicos. Se, por um lado, a rosa representa a beleza, a mulher, a pureza, a inocência e o amor, por outro, o verme reproduz uma imagem negativa, repugnante, agressiva, nociva à saúde, cuja aparência pode ser interpretada como uma imagem fálica. O verme é símbolo da morte e da decadência. O verme, logo abaixo do primeiro verso, intensifica a ideia de que este corrompeu a rosa, tornando-a doente. Ou seja, o causador da doença da rosa é o verme. A invisibilidade do verme explica o desconhecimento da rosa em relação à sua doença, a qual é imperceptível e destruirá sua vida. Uma das interpretações que podem ser feitas do poema é que o verme corresponde aos inúmeros malefícios da sociedade da época em relação à mulher. Por exemplo, pode significar uma repreensão ao sexo casual e/ou prostituição, pois um vírus (verme) contaminou seu corpo (a prostituição era, como é até hoje, uma prática comum em Londres, e doenças como a sífilis, por exemplo, eram incuráveis). Pode ser, ainda, uma referência à relação sexual de uma mulher virgem, a qual perde a inocência, (cometendo o pecado, de acordo com a concepção judaico-cristã de Blake), destruindo a vida por se entregar aos desejos da carne. Independentemente dessas várias possibilidades de se interpretar o poema, há um significado em comum entre essas possíveis ramificações, isto é, o poema traz a questão da mulher vista como vítima de algum mal que a destrói. Nesse sentido, o terceiro e o quarto verso da primeira estrofe “That flies in the night”/ “In the howling storm” criam uma imagem assustadora, simbolizando a noite como perigosa, promíscua. Os próximos versos “Has found out thy bed”/ “Of crimson joy” remetem à ideia de que o verme se alojou na rosa, sendo prejudicial à sua saúde. Deduz-se, então, que a rosa não teve nenhuma reação ao verme, que está alojado em seu corpo, e, assim, está se sentindo bem. No verso “Of crimson Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 195 joy”, demonstra-se que há prazer, alegria, sentimentos opostos aos do eu lírico, que lamenta a doença até então desconhecida pela rosa. Os últimos versos “And his dark secret love”/ “Does thy life destroy” parecem confirmar que existe o “amor”, porém este vem acompanhado de adjetivos negativos, “dark secret”, sentimento obscuro, proibido, ameaçador, que destruirá a vida da rosa. Entende-se aqui que esse sentimento prazeroso da rosa, que levará à sua morte, é um engano, talvez até uma inocência das consequências que o “amor” promíscuo, obscuro e sombrio pode trazer. Alguns sutis elementos presentes no poema podem ressaltar essa possível interpretação. Primeiramente, algumas afirmações em relação à rosa podem ser feitas. Por exemplo, que ela está doente, o “amor” do verme está destruindo sua vida e há prazer em seu leito. Quanto ao verme, este, ao contrário da rosa, está relacionado à noite, à tempestade, alojou-se na rosa, é invisível e é o agente causador da destruição da vida da rosa. Outro elemento que permite auxiliar a interpretação é a pintura que acompanha o poema de Blake. Na arte do poema “The Sick Rose”, há três botões de rosas, sendo que um está aberto e dentro dele há uma mulher com os braços estendidos. O outro botão remete à ideia de uma mulher ajoelhada e, no último, há um botão de rosa destruído. Se partirmos do pressuposto de que a rosa é a mulher que está adoecida devido a alguma doença sexualmente transmissível ou pela perda da virgindade e da inocência, a rosa com mulher, a de braços estendidos olhando para cima, pode simbolizar um pedido de ajuda a Deus, causando a impressão de que ela está sendo devorada, corrompida, contaminada. O outro botão, que remete à imagem da mulher de joelhos, cabisbaixa, caracteriza um posicionamento de dor, arrependimento e, por ser um botão murcho, caracteriza a figura feminina definhando devido a algum mal que lhe causou sofrimento. O último botão de rosa está dilacerado, demonstrando, talvez, a destruição, a morte por causa da doença. Os três botões transmitem a ideia do ciclo da doença, juntamente com as ramificações dos galhos da roseira. Eles estão posicionados em círculo, sendo que um está aberto (recepcionando a doença), o outro está 196 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 murcho (doente, em fase de sofrimento e dor) e o outro já está destruído (morto). Assim, surge a ideia do ciclo inverso à vida, ou seja, do ciclo da morte, da doença: inicia já com a rosa aberta adquirindo seu “verme”; após essa fase, ela murcha adoecida, com dor; e, finalmente, morre dilacerada. O poema, de forma compacta, é composto por duas estrofes, com rimas alternadas. Nesse poema, tal estrutura pode ser entendida como uma produção de ritmo ameaçador. Blake utiliza, também, o recurso da imagem, a qual auxilia, por meio de símbolos multifacetados, possibilidades de interpretações. Análise da tradução de Alberto Marsicano The Sick Rose 1 2 3 4 5 6 7 8 A Rosa doente O Rose, thou art sick! The invisible worm That flies in the night, In the howling storm, Oh, Rosa! Estás doente: O verme invisível Que voa pela noite displicente Na tempestade terrível, Has found out thy bed Of crimson joy, And his dark secret love Does thy life destroy. Teu leito descobriu De gozo carmesim, E seu amor, secreto e sombrio Te consome a vida enfim. Neste tópico, serão analisados quais foram os recursos utilizados no processo tradutório de Marsicano e se foi mantida a mesma impressão do texto de partida. É relevante observar que o tradutor modificou consideravelmente a pontuação ao longo do texto. No primeiro verso, no poema em português, a vírgula é inserida após a interjeição “Oh” e, logo após, o nome “Rosa” é Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 197 introduzido o ponto de exclamação. Nessa perspectiva, compreende-se que o texto de partida intensifica a perplexidade do eu lírico em relação à doença da rosa. Há, assim, uma mudança de tom. Enquanto o texto de partida transmite o tom de alerta e de lamentação, dá-se mais ênfase ao tom de alerta na tradução. O tradutor ainda opta por acrescentar, em seu texto, dois pontos no final do primeiro verso. Desse modo, esse recurso possibilita uma “explicação”, um “esclarecimento” da causa da doença da rosa, facilitando a interpretação do poema ao leitor, um recurso que o texto de partida não possui. No terceiro verso da primeira estrofe, o adjetivo “displicente” e, no oitavo verso, o advérbio “enfim” foram estrategicamente acrescentados na tradução para manter a rima do poema. Cabe ressaltar que tais termos não prejudicaram o sentido dos versos. Outro recurso usado por Marsicano é a inversão de frases: ele opta por fazer inversão da frase no quinto e no sexto versos. Assim, ele transmitiu o sentido do verso em inglês e manteve a rima do poema em português. Ainda no quinto verso, o autor utiliza o tempo verbal present perfect, “has found out”; assim, o tradutor modifica-o pelo pretérito perfeito “descobriu”, pois tal estrutura verbal não tem correspondente em português. Em resumo, foram utilizadas, como recursos por Marsicano, as seguintes estratégias: acréscimo, inversão, modificação, omissão e pontuação. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS É interessante destacar que o trabalho de tradução deste poema desempenha um importante papel, pois, além de trazer o prazer da leitura romântica de Blake, que tem importância literária mundial, são transmitidos temas profundos. 198 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 Ressalta-se que tal poema, para ser traduzido, necessita de uma compreensão e até mesmo sensação da multiplicidade de tons e de registros do poeta. A poesia carrega uma linguagem sinistra e metáforas bem estruturadas, o que dificulta o trabalho do tradutor de fazer o leitor estrangeiro perceber essa mudança de tom. Nesse sentido, pode-se afirmar que, ao analisar o trabalho do tradutor de maneira global, é alcançado o objetivo de passar para os leitores as reflexões sobre o principal tema do poema. Levando em consideração que a estrutura da língua portuguesa se diferencia consideravelmente da estrutura da língua inglesa, os elementos primordiais, como o conteúdo, o enredo, o sujeito lírico, a interlocução, as rimas alternadas, todas essas características do texto de partida foram trazidas, de forma satisfatória, ao texto de chegada. Apesar de o tradutor não corresponder literalmente, em algumas passagens, ao poema na língua de partida, é preciso salientar que foi preservado o tom de lamentação e a interlocução com a “rosa/Rosa” corroída pelo verme, características fundamentais do poema. Observa-se que as opções de estratégias utilizadas pelo tradutor foram aplicadas de maneira coerente durante o texto. REFERÊNCIAS BLAKE, W. O casamento do céu e do inferno e outros escritos. Tradução de Alberto Marsicano. Porto Alegre: L&PM, 2007. ______. The Book of Thel. In: EAVES, M.; ESSICK, R. N.; VISCOMI, J. (Eds.). The William Blake Archive. Disponível em: <http://www.blakearchive.org/>. Acesso em: 1 jul. 2013. LOPES, M. S.; LISBOA, E. G. G. O cordeiro: o paganismo no poema de William Blake. Ciberteologia – Revista de Teologia & Cultura, São Paulo, ano 2, n. 14, jun. 2009. Disponível em: <http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-content/ uploads/2009/06/01cordeiro.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2013. MARSICANO, A. Apresentação. In: BLAKE, W. O casamento do céu e do inferno e outros escritos. Tradução de Alberto Marsicano. Porto Alegre: L&PM, 2007. STEIL, J. Profecia poética e tradução. America a prophecy, de William Blake, traduzida e comentada. Santa Catarina: UFSC, 2007. (Dissertação de Mestrado). Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013 199 Title: Translation of poem analysis: a case study of “The Sick Rose”, by William Blake. Author: Marcela da Fonseca Ferreira. ABSTRACT: This article begins with a presentation about the life and the work of William Blake and the historical context and literary school that the author belonged. It is also made a brief presentation about the translator in this work, Alberto Marsicano. Therefore, it is done an interpretation of the poem “The Sick Rose”, by William Blake and, from this interpretation, an analyses of the Portuguese translation of the poem made by Alberto Marsicano, published in the book William Blake – O casamento do céu e do inferno & outros escritos. Through comparison of the source text and target text are noted and analysed the strategies that the translator used in the work, showing the results gotten in the translation. Keywords: Translation. Analysis. Poem. William Blake. 200 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 185-200, jan./jun. 2013