Domésticas - Kinodigital - Universidade Federal da Bahia

Transcrição

Domésticas - Kinodigital - Universidade Federal da Bahia
Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA) - No 11, SETEMBRO de 2007
POLÍTICA
TECNOLOGIA
Com 70 anos,
a UNE enfrenta
crise de
representação
Morador de
rua tem site
com quase
3.500 acessos
Pag. 4 e 5
Álvaro Andrade
Pag. 12
Domésticas
O trânsito entre dois mundos
Pág. 16
GERAL
Decadência
na Baixa dos
Sapateiros
Pag. 20
Expediente/ Editorial
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Editorial
E
Jornal Laboratório
da Faculdade de Comunicação
da Universidade Federal da Bahia
E-mail: [email protected]
Endereço: Rua Barão de Geremoabo, s/n,
Campus de Ondina
CEP. 40.170-115 Salvador/Bahia
Editoração eletrônica
Fernando Duarte
Rai Trindade
Assistente de edição
André Santana
Bruno Santana
Carlos Eduardo Oliveira
Guilherme Lopes
Tiago Canário
Sylvio Quadros
Versão Digital:
Glauber Farias e Lucas Esteves
Editor Responsável
Malu Fontes, professora
DRT-BA 1.480
Produção da disciplina Oficina de
Jornalismo Impresso, semestre 2007.1:
Álvaro Andrade, André Uzêda,
Ângela Machado, Antônio Sales,
Bruno Santana, Carlos Eduardo Oliveira,
Danielle Antão, Daza Moreira, Eduardo Ross,
Fernando Duarte, Gabriela Teixeira, Glauber
Farias, Ive Deonísio, Janira Borja, João Eça,
João Gabriel Galdea, Josenilton Freire,
Kelly Hosana, Laíla Terso, Lais Vita,
Leandro Rios, Ledson Chagas, Lis Nogueira,
Lucas Esteves, Maria Paula Almada,
Marileide Alves, Pablo Barbosa, Rafael Mello,
Rodrigo Sombra, Silvana Moreira,
Sylvio Quadros e Tiago Canário.
Diretor da Facom (2005-2009)
Professor Giovandro Ferreira
Reitor da UFBA (2006-2010)
Professsor Naomar Almeida Filho
Tiragem: 5.000 exemplares
sta é a 11ª edição do Jornal da Facom
(Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA), a primeira produzida pela turma do terceiro semestre do curso
de Jornalismo em 2007.2. O JF é resultado da
produção textual da disciplina Oficina de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora
Malu Fontes, e tem como linha editorial norteadora contemplar temas e abordagens pouco
comuns na imprensa convencional.
Por se tratar de um produto formativo, ou
seja, voltado para o aprendizado da prática
jornalística dos alunos que o elaboram, o Jornal da Facom está comprometido com o exercício da experimentação, o que lhe permite
cotejar temas para além do factual, através de
perspectivas não necessariamente marcadas
pela rigidez, pelos formalismos ou pela definição estanque de gêneros jornalísticos.
Do ponto de vista gráfico, as mudanças
apresentadas nesta 11ª edição visaram tornar a leitura ainda mais leve e agradável. Para
isso, em relação às edições anteriores, buscou-se dar na primeira página destaque para
um maior número de matérias, tendo em vista
o fato de se tratar de uma publicação com
mais de 30 páginas sobre os mais diversos assuntos.
Foram ainda criadas editorias ou rubricas,
que podem variar ao longo das próximas
edições, com o objetivo de contemplar a diversidade da produção de textos. Assim, a
partir de agora, o JF terá editorias de Geral,
Segurança, Cultura&Artes, Economia, Política,
Ciência&Tecnologia, Esportes, etc.
Um dos principais compromissos do JF é
enfrentar o desafio de dialogar, na prática,
com os demais produtos laboratoriais da Facom, em tempos em que convergência não
deve ser lida apenas como um conceito da
comunicação contemporânea e sim como um
exercício prático de conexão de diferentes linguagens e suportes através dos quais o jornalismo é hoje praticado.
Além disso, uma das metas na condução do
jornal será desenvolver estratégias que permitam aos alunos do curso de jornalismo participar da produção do JF não apenas durante
o semestre no qual o produzem sob o vínculo
com a disciplina, mas ao longo da sua permanência na Facom.
Para consolidar quaisquer mudanças ou
melhorias, é fundamental a participação do
leitor. Cartas, contribuições, críticas ou sugestões devem ser enviadas para o seguinte
endereço eletrônico: jornaldafacom@yahoo.
com.br; ou para: Jornal da Facom – Faculdade
de Comunicação da UFBA, rua Barão de Geremoado, s/n, Campus de Ondina, Salvador,
Cep: 40.170.115
POLÍTICA
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Quero ser grande
Mesmo com descrença da sociedade e limitações legais de financiamento, partidos nanicos proliferam na política baiana
André Uzêda
A
imagem do político ladrão
e não consciente da coisa
pública, bem como imperativos sociais do “rouba, mas
faz”, ou do “jeitinho” fazem parte
de um imaginário coletivo que o
brasileiro detém sobre a política.
Muitas são as descrenças e opiniões contrárias ao modelo eleitoral
vigente, como também os constantes questionamentos levantados sobre a profissionalização
política e sua estratificação como
modo de vida. Apesar do olhar
torto da sociedade brasileira para
a classe política, o número de siglas partidárias é crescente nos
últimos anos. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de 1994
até 2007, o número de partidos
com estatutos cadastrados no órgão cresceu de 18 para 29, nestes
13 anos.
O inchaço maior é dado pelos
partidos denominados nanicos, ou
seja, agremiações que arrebatam
uma quantidade menor de votos
nos pleitos realizados, e, muitas
vezes, sequer são notados pelos
eleitores. Estes partidos têm origem e ideologias diversas e representam os mais discrepantes
setores sociais do Brasil. A maio-
ria, contudo, além de enfrentar
problemas semelhantes, possuem
uma gênese histórica advinda do
final da ditadura.
Com a extinção do bipartidarismo na década de 80, em que
apenas coexistiam ARENA e MDB,
houve uma proliferação de muitos
partidos nanicos. O fenômeno veio
a se confirmar mais claramente
em 1989, na primeira eleição direta para presidente pós-ditadura. Foram inscritos 22 candidatos,
num total de 26 partidos coligados. O próprio presidente eleito
na abertura das urnas, Fernando
Collor de Mello, assim o fez utilizando uma legenda de pouca repercussão frente à opinião pública,
o PRN (Partido da Reconstrução
Nacional), criado naquele mesmo
ano. Boa parte dos pequenos partidos, porém, fica longe de conseguir grandes resultados eleitorais,
além disso, ainda enfrentam sérios problemas de sobrevivência
enquanto instituições.
Problemas enfrentados
A maior dificuldade enfrentada
pelas legendas é a inserção no
epicentro das discussões políticas. Poucos são os micropartidos
que possuem representatividade mandatária na Bahia. Ainda
assim, quando a possuem estão
atrelados a partidos maiores que
cooptam estas legendas impedindo-as de firmar sua independência política.
Para a criação de um partido político é necessário que haja, no mínimo, 101 fundadores com domicilio eleitoral em um terço dos estados da federação. É imprescindível a assinatura de 93.777.913 pessoas e um respaldo eleitoral, já com a legenda criada, de pelo menos 0,5% nas eleições para a Câmara dos Deputados.
Atualmente 18 são as pequenas siglas que disputam o cenário da política baiana:
PT do B – Partido Trabalhista do Brasil
PAN - Partido dos Aposentados da Nação
PTC – Partido Trabalhista Cristão
PHS - Partido Humanista da Solidariedade
PTN – Partido Trabalhista Nacional
PMN - Partido da Mobilização Nacional
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PRB - Partido Republicano Brasileiro
PCO – Partido da Causa Operária
PRP – Partido Republicano Progressista
PSOL – Partido Socialismo e Liberdade
PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PSC – Partido Social Cristão
PV - Partido Verde
PSDC – Partido Social Democrata Cristão
PSC – Partido Social Cristão
Além de entraves dessa ordem,
as agremiações de pequeno porte
também são obrigadas a enfrentar questões imobiliárias, como a
fixação de uma sede, filiação de
novos membros e arrecadação
periódica financeira.
Para Dirceu Régis Ribeiro, professor de história e presidente do
PCB-Ba (Partido Comunista Brasileiro), a própria legislação eleitoral
contribui para a pequenez destas
legendas ao negar uma maior
participação ao fundo partidário,
distribuído pelo governo federal,
destinados aos partidos políticos.
“Nós do PCB, primeiro partido de
esquerda a se formar no Brasil, temos direito a apenas R$ 2.800 do
fundo, enquanto partidos como o
DEM, ou o PT recebem cada um,
um milhão mensal,” declara.
A equação, limitada pela legislação eleitoral, prevê que apenas
partidos que alcançaram mais de
cinco por cento dos votos para
a Câmara dos Deputados terão
acesso ao montante de 99% do
fundo partidário, a ser dividido
proporcionalmente entre as agremiações; enquanto que o restante
(1%) deverá ser repartido entre
as legendas que não obtiveram os
cinco por cento mínimos dos votos exigidos.
Na última eleição, na Bahia,
houve 29 partidos inscritos, dos
quais 17 podem ser considerados como legendas de pequeno
porte. Analisando as tendências
ideológicas das pequenas agremiações, nota-se uma ampla
maioria de partidos alinhados a
um pensamento mais conservador: são doze no total. Dentre os
partidos nanicos com programas
de tendência marxista somamse cinco, do qual o PV (Partido
Verde) é o de maior projeção,
tento conseguido eleger um deputado federal em 2006.
política
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
UNE: a vovó que vive de história
Burocratizada, a entidade hoje se apóia no passado para continuar a ser ouvida
Arquivo Nacional / Correio da Manhã
UNE 68 - 2 - Passeata de estudantes em 4 de julho de 1968, no Rio de Janeiro.
Maria Paula Almada
Rafael Mello
O
cotas e garantia de investimento
em assistência estudantil”.
Movimento Estudantil e partidos políticos
Um dos discursos que tenta
descredenciar a legitimidade do
movimento estudantil é a estreita relação dos seus componentes
com os partidos políticos. Franco
e Freire atribuem este argumento
a uma direita reacionária, e acreditam que a participação de militantes do movimento estudantil
em partidos políticos é benéfica,
pois essa possibilidade representa
o resultado de uma conquista democrática do próprio movimento
ante a situação de opressão imposta pela Ditadura Militar.
Bruno da Mata, no entanto,
ressalta que “é fundamental diferenciar militância no partido político de militância política na universidade”. Ele acrescenta, ainda,
que “hoje as pessoas caminham
dos partidos para o ME, e não
deveria ser assim. O partido querer usar o ME com um trampolim
para suas idéias e seus quadros é
um problema”. Raíza Rocha avalia que “houve um aparelhamento do ME, ou seja, a utilização do
ME para a formação de futuros
deputados”. Emiliano, que participou do movimento estudantil
e hoje possui em seu currículo
10 anos de mandatos no legislativo, lembra: “Eu não estava no
UNE – União Nacional dos Estudantes
AP – Ação Popular
ME – Movimento estudantil
UEB – União dos Estudantes da Bahia
UJS – União da Juventude Socialista
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PT – Partido dos Trabalhadores
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
CONLUTE – Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes
as
gl
si
Movimento
Estudantil
construiu sua credibilidade
e fama em cima de lutas
históricas pela democratização da
política brasileira, como na época
da Ditadura Militar. Hoje, o movimento antes considerado como
uma vanguarda dos movimentos
sociais ao ocupar uma posição
relevante na vida política do país,
tem importância questionada devido a uma recente crise de representatividade. A UNE este ano,
comemora seu 70º aniversário
com o grande questionamento
de quais as principais bandeiras
que o movimento deve assumir, e
como atrair os estudantes para a
participação da vida política.
Emiliano José, ex-coordenador
do movimento estudantil da AP,
grupo guerrilheiro da época da ditadura militar, reconhece a perda
de forças que o movimento sofreu
após a abertura democrática: “A
UNE hoje é diferente de quando
eu fazia Movimento Estudantil.
Hoje não sei quem é o presidente.
Na minha época existia liderança,
nomes nacionais, a voz do ME
enfraqueceu-se”. Apesar de estar
sempre próximo aos estudantes –
Emiliano é professor universitário
– ele questiona-se sobre aspectos
que em sua época eram nítidos e
evidentes: “Quais são as grandes
bandeiras e utopias do ME hoje?
Eu não sei. A minha impressão é
que o ME perdeu a identidade”.
A crise de representatividade é discutida dentro do próprio
movimento, mas as opiniões divergem quanto às causas do problema. Para Flavio Franco, diretor
de políticas educacionais da UEB
e membro da UJS, o problema
não está propriamente no movimento: “onde a juventude em si
está inserida? O que influencia a
juventude hoje é o consumismo
e o individualismo provocado pelo
neoliberalismo”. Bruno da Mata,
membro da juventude do PSB e filho da Deputada Federal Lídice da
Mata (do mesmo partido), avalia
que “o problema está relacionado
com a forma burocrática como a
UNE é induzida. Nos últimos anos,
as direções de entidades, como a
UNE, se afastaram muito do ME,
e elas precisam voltar a se aproximar”. Emanuel Freire, membro
da juventude do PT, acredita que
para solucionar esta crise, é necessário que “a une pense em se
redemocratizar internamente para
democratizar suas disputas e sua
relação com os estudantes”.
Outro ponto de crítica à direção
da UNE está relacionado ao posicionamento da entidade perante
o governo federal. Raíza Rocha,
membro da juventude do PSTU,
é incisiva ao afirmar: “no segundo mandato de Lula houve uma
mudança qualitativa da UNE, que
teve como conseqüência o abandono das bandeiras do ME, já
que essas bandeiras chocam-se
com as idéias das instituições”. Já
Freire, apesar de crítico, pondera:
“contestamos a direção majoritária da UNE, majoritariamente pertencente à UJS que, por vezes,
tem posições muito adesistas em
relação ao governo, mas legitimamos a entidade”. O membro da
UJS, Franco, defende que a atitude da UNE é de disputa de projetos, para ele, “a UNE está tendo
mais espaço para dialogar com o
governo. Hoje temos um forte diálogo, por exemplo, com o ministro
da educação, e por essa relação
de diálogo conseguimos conquistar algumas das bandeiras históricas do ME, como a reserva de
POLÍTICA
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
UNE x Conlute
Os estudantes que militam
no PSTU, por discordarem das
práticas e bandeiras da UNE,
fundaram, no ano de 2004, a
Conlute. Raíza Rocha justifica
que este afastamento se deve
ao fato de que “A UNE vem se
adaptando ao estado desde
o governo FHC. No governo
Lula, a UNE foi direto para o
lado do governo, a exemplo da
reforma universitária”.
No entanto, a própria forma
de enxergar o estado como
instituição ilegítima é um dos
impedimentos para que haja o
diálogo entre os movimentos:
“Não queremos administrar o
estado burguês, pois não é possível humanizar o capitalismo”,
explica Raíza, contrapondo a
visão dos demais estudantes
que participam do movimento. Para o PSTU, participar das
eleições serve apenas para divulgar seu programa e se eleitos, os “candidatos fazem um
parlamento de denúncia”.
Para Freire, “o PSTU é incapaz de viver na democracia,
são incapazes de disputar a
UNE. O que eles criticam na
UNE, reproduzem na Conlute:
centralismo e falta de debate.
A Conlute expressa apenas a
opinião do PSTU, só que, assim como o PSTU, não tem representatividade alguma”.
O PSTU acredita que a revolução é um processo no qual
a classe trabalhadora irá se
armar e lutar contra o estado burguês. Raíza deixa claro
que “A violência revolucionária é necessária, não adianta
agente [militantes do PSTU]
ir com paus e pedras se eles
têm o exército”. Mata acha que
o discurso não condiz com as
atitudes: “Quem é a favor da
revolução armada não bota a
cara na televisão”.
Política também se faz na Universidade
Rafael Mello
ME porque almejava um cargo
parlamentar, queríamos transformar a sociedade, o mundo, e
principalmente o ensino”.
Sede do DCE, local disputado pelos estudantes da UFBA
E
m abril, os alunos da UFBA
votaram nas eleições da diretoria do DCE. O processo
contou com a participação de quatro chapas, que somadas, receberam cerca de 8 mil votos. A chapa
vencedora, ‘Quilombo/Kizomba’,
obteve 2.180 votos, enquanto a
chapa 3, ‘Coletividade e luta’, totalizou 2.086 votos, apenas um a
mais que a chapa 2 (‘Eu quero é
botar meu bloco na rua/Flores’),
com 2.085 votos e a chapa 4, ‘Vem
sambar no meu terreiro’, obteve
1.300 votos. O processo eleitoral
teve como resultado a impugnação
de 6 urnas e a necessidade de uma
eleição suplementar, gerando uma
discussão que ultrapassou os limites da universidade devido à polêmica da possibilidade de fraudes.
Franco, membro da Chapa 2,
considera que sua chapa foi prejudicada e levanta suspeitas de
corrupção dentro do processo eleitoral: “há indícios que as eleições
do DCE foram fraudadas. Algumas
urnas sofreram o chamado ‘emprenhamento’, ou seja, as urnas tiveram mais votos do que deveriam
O que aconteceu
As urnas impugnadas feriram o regimento eleitoral por apresentarem irregularidades como a falta de assinatura do mesário
atrás das cédulas e haver um maior número de votos do que
de votantes. Por isso foi necessário que nestas urnas houvesse
uma eleição suplementar. A urna localizada no PAF, apesar de
ter sido impugnada, foi a única a não participar das eleições
suplementares. Por ser uma urna volante, na qual todos os estudantes podem votar, é inviável o controle do número de votantes, que na primeira eleição foi de 140.
ter. Foram injetadas por um grupo
político que tem influência naqueles cursos onde houve a fraude.
Como, por exemplo, a urna de música, que teve mais de 200 votos,
quando na prática não existia essa
quantidade de estudantes assistindo aula na unidade”. Franco acusa
ainda que “a comissão eleitoral foi
totalmente permissiva e parcial às
chapas que, no final do pleito, ficaram em primeiro e segundo lugar
nas eleições. Antes da tomada da
decisão de impugnação de algumas urnas, membros da comissão
eleitoral que são militantes de algumas forças políticas consultavam suas respectivas chapas para
tomar a decisão”.
Freire, membro da chapa 1,
“Quilombo/Kizomba”, atual gestão
do DCE, discorda da acusação de
que a comissão eleitoral tenha sido
permissiva com sua chapa, afinal,
“a maioria da comissão eleitoral
era da chapa 3, só tinha uma pessoa na comissão que era simpática
à nossa chapa”. Para Freire, “as
denúncias não têm fundamento na
realidade”, ele entende que estas
acusações se devem ao fato de que
“O PC do B [que apoiou a chapa 2]
tava com medo de perder a eleição. Isso de fraude é só conversa,
choro de perdedor. A eleição suplementar foi baseada no regimento.
Se eles sustentam esse papo de
fraude até hoje é porque não tinham política para apresentar aos
estudantes”.
Bruno da Mata, membro da chapa 2, reconhece que o diálogo com
os membros do DCE tornou-se
difícil depois do desgaste com as
eleições. Ele avalia que “eles agora
estão com dificuldades em dialogar
com outros setores do ME”. Afirmou
ainda que a chapa da qual ele participava não entrou com processo
judicial porque “seria menos prejudicial para o próprio ME da UFBA,
preferimos levar a fraude às urnas
às ultimas instâncias apenas dentro do movimento”.
ECONOMIA
Economia além da bola
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Vendedores ambulantes encontram no futebol uma alternativa para o desemprego
Antonio Salles Júnior
O
Antônio Salles Júnior
futebol brasileiro não é
apenas uma paixão. O
esporte mais praticado
no país, além de fomentar calendários, jogos e campeonatos também influencia a dinâmica da economia e gera renda para trabalhadores desempregados. Apesar
da decadência do futebol baiano
nos últimos anos, com o declínio
no cenário esportivo nacional, os
times do Bahia e do Vitória contribuem diretamente para o desenvolvimento de um setor da economia: o comércio informal.
Segundo dados da Superintendência de Estudos Econômicos e
Sociais da Bahia(SEI), a região
Os ambulantes Carlos e Flávio vendem cerveja com gritos e bom humor
metropolitana de Salvador possui
taxa de desemprego de 21,5% ponto de venda pra outro”. Todo quanto aos lucros durante a temda população economicamente esse esforço para garantir uma porada: quando Bahia e Vitória
ativa, o pior índice do país. Dian- renda mensal média de um salá- enfrentam crises ou não há jogos
na capital, a renda familiar sofre
te desta realidade, desemprega- rio mínimo.
Como a temporada esportiva reduções drásticas. O comerciandos encontram no calendário esportivo dos clubes baianos uma não abrange todos os dias do te Gilberto Brito, 51 anos, trabaoportunidade para complemen- ano, os vendedores ambulantes lha há muitos anos nos arredores
tar a renda familiar. O ambulan- ainda enfrentam a sazonalidade da Fonte Nova é um exemplo diste Ailton Domingues, 25 anos, dos jogos e as irregularidades dos so: “tenho quatro filhos desemvende camisas durante os jogos times. Quando as equipes atuam pregados. Vender churrasco aqui
da dupla Ba-Vi e afirma que, se fora de casa, o comércio informal é uma aventura “.
Além de conviver com o rodítrabalhar em todos os jogos, con- busca alternativas. Jorge Silva,
segue uma renda entre R$ 800 e 38 anos, conta como dribla essa zio dos jogos – dentro ou fora de
dificuldade: “se casa - e o humor da torcida , há
R$ 1000 por mês.
os times não ainda a concorrência nas vendas.
Mas, Domingues
jogam, eu faço Quando as tabelas da séries B e C
é uma exceção. A
bico, às vezes coincidem eles apostam na criatimaioria dos ventrabalho como vidade. Alguns optam por dividir
dedores enfrenta
office boy”. E os produtos e trabalhar em dois
dificuldades. DuSe os times não jogam, eu emenda: “te- pontos diferentes quando a durante o campeoesposa pla Ba-Vi atua num mesmo dia.
nato, os ambulan- faço bico, às vezes trabalho nho
e duas filhas Outros, ainda preferem definir
como office boy
tes precisam chepara susten- um ponto de venda e apostar na
gar com bastante
Jorge Silva, ambulante
tar, não posso fidelidade da freguesia ou no griantecedência aos
ficar parado”. to: “olha a cerveja, geladinha...”,
locais dos jogos,
como relata o vendedor Anelito Alguns ambulantes intercalam como os vendedores Carlos Aldos Santos, 49 anos: “Tem que os jogos, as festas no interior do berto e Flávio Chagas, que usam
chegar, no mínimo, uma hora an- Estado e eventos musicais na ci- o próprio carro para transportar
tes dos jogos, senão eu perco o dade, mas todos são unânimes e vender cerveja.
Ordenamento nos Estádios
Apesar do comércio informal
nos estádios de futebol ser uma
prática antiga, os órgãos públicos
não possuem dados ou pesquisas sobre os números que envolvem esta atividade. A Secretaria
de Serviços Públicos (SESP) não
dispõe de um projeto de planejamento definido para o ordenamento dos ambulantes. Segundo
a Chefe do Setor de Fiscalização,
Iara Cerqueira, o trabalho realizado pelos fiscais limita-se a “retirar vendedores ambulantes das
áreas de fluxo, evitar riscos aos
torcedores e garantir acesso livre
aos portões de entrada”. Mesmo
assim, ainda é comum encontrar
vendedores alocados sobre áreas
de passeio público ou próximas às
bilheterias.
O Chefe de Operações da Superintendência de Desportos da
Bahia (SUDESB), Nilo dos Santos,
afirma ter o cadastro dos vendedores ambulantes e cantineiros
que atuam dentro do Estádio Octávio Mangabeira. Mas reconhece
“não ter qualquer estrutura de
ordenamento do estacionamento,
devido à grande quantidade de
vendedores e consumidores e às
vias laterais da Ladeira da Fonte
das Pedras”. Quanto ao Estádio
Manoel Barradas, o administrador
Haroldo Tavares afirma “ter planos para ordenar a área externa
no futuro, e delimitar pontos de
vendas específicos para os vendedores”. Inicialmente, a proposta deve contemplar apenas a área
interna do Barradão, com espaços
exclusivos para vendedores de
produtos diversos. Porém, o administrador do estádio já comemora
o fato de conseguir ampliar a fiscalização com o auxílio da SESP e
afastar as barracas das bilheterias
e dos portões de entrada.
ECONOMIA
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
De flanelinha a guardador
Vistos como informais, Salvador conta com 460 guardadores de carros registrados na Delegacia Regional do Trabalho
Laíla Terso
Silvana Moreira
C
orre para lá, corre para cá. O
ritmo de trabalho é intenso.
Dependendo da região, eles
não têm folga. Atenção é fundamental. A todo o momento, um carro sai.
A vaga logo é ocupada por outro
veículo. Eles orientam as manobras
e ainda ficam “ligados” nos que continuam estacionados. Um instante
de descuido pode resultar em um arranhão no carro, na rápida saída de
um cliente que esqueceu de pagar
ou ainda na perda do ponto para um
“clandestino”.
Embora muita gente não saiba, a
profissão de guardador de carros é
regulamentada pela Lei Federal 6.242
desde 1975. Apesar dos trabalhadores
não terem direito a férias, décimo terceiro, licença maternidade e até mesmo ao salário mínimo. A maioria dos
entrevistados declarou renda mensal
de aproximadamente R$250,00, o
que requer uma média de trabalho de
seis a oito horas por dia.
“Flanelinha não! Eu sou guardadora de carro”. É assim que Juçara
Santos da Silva, 39 anos reage ao
ser chamada pelos clientes. Ela não
é clandestina. Trabalha como guardadora há 14 anos, desde que se separou do marido. Foi influenciada por
seu pai, também guardador e hoje
sustenta a família com o que “tira” do
serviço. A sua condição de guardadora é a de reserva, ou seja, aquela que
cobre a ausência de colegas. Assim,
não tem nem ponto de trabalho fixo
nem garantias de atividade todos os
dias, mesmo sendo registrada e contribuindo com o sindicato.
O presidente do Sindicato dos
Guardadores e Lavadores de Veículos Automotores do Estado da Bahia
(SINDGUARDA), Melquisedeque de
Souza, afirma que os trabalhadores
têm direito a assessoria jurídica e
assistência médica asseguradas pelo
sindicato. O colete usado, cujo uso é
obrigatório para todos os registrados,
não é cobrado. Em contrapartida,
esse profissional tem a obrigação de
repassar 50% de tudo o que arrecada, de acordo com um convênio mantido entre o sindicato e a Prefeitura de
Salvador. Do percentual arrecadado,
o sindicato fica com 10%, além da
mensalidade de R$12,00 já cobrada.
A Superintendência de Engenharia de
Tráfego (SET) fica com 40% da receita mensal de cada trabalhador.
Perguntada sobre o destino da
contribuição à SET, a chefe do setor
de estacionamento da Gerência de
Trânsito (GETRAN), Leonira Santana, garantiu que a arrecadação vai
apenas para a compra das cartelas
usadas pelos guardadores. Ela também ressaltou o trabalho do órgão na
fiscalização dos estacionamentos da
Zona Azul, em eventos, na elaboração de escalas e no patrulhamento
em toda a cidade.
Para o presidente do sindicato, o
guardador que trabalha na zona azul,
área regulamentada, perdeu muito o
poder de compra. Destaca que a taxa
está defasada em relação ao serviço
de zelar pelo patrimônio particular e
à tarifa do transporte público da capital baiana. Hoje, o valor cobrado
é de um real, por duas horas; dois
reais por seis e três reais por 12 horas. Apesar disso, há motoristas que
reclamam. Pedro Alcântara, 59 anos,
não acha justa a cobrança, já que o
motorista paga determinados impostos e o serviço não é satisfatório, pois
o comportamento de alguns guardadores, segundo ele, é agressivo.
Há quem concorde com ele. É o
caso da guardadora Viviane Costa, 33
anos, há oito na profissão. Ela declarou que se fosse seu carro não iria
pagar. Acha que o pagamento não
deveria ser obrigatório. Geralmente,
Viviane trabalha no trecho da Aveni-
da Sete de Setembro, nas proximidades do Relógio de São Pedro, e diz que
“é horrível, tem muita gente circulando, é difícil ir atrás dos carros”. Perto
dali, guardadores dividem o espaço
com os flanelinhas (os clandestinos,
sem registro no sindicato). Estes, teoricamente, não podem cobrar pelo
serviço, embora isso não ocorra.
A procura pela subsistência é
apontada em unanimidade como fator decisivo para o ingresso na profissão. “O desemprego tá demais”,
lamenta Luiz Carlos dos Santos,
42 anos, guardador há nove anos.
Além disso, o aumento da frota de
carros em Salvador contribuiu para
o crescimento da classe. Segundo
Leonira, a cidade não tem vagas
suficientes para todos os veículos.
Atualmente, são 3.863, com previsão de acréscimo de 1.150 vagas.
O que possivelmente irá expandir
o mercado de trabalho no ramo da
guarda de carros.
Silvana Moreira
A cartela é o meio de
controle dos guardadores
e da SET
SEGURANÇA
Sorria:
você está sendo assaltado!
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Um terço da frota de ônibus de Salvador trafega sem câmeras de segurança. Inseguros, motoristas e cobradores
questionam eficácia dos equipamentos. Enquanto isso, cinco ônibus são assaltados por dia em Salvador.
Carlos Eduardo Oliveira
Ônibus da empresa BTU: Adesivo com os disque-denúncia e nenhuma câmera de segurança
Carlos Eduardo Oliveira
E
m 2007, houve 1159 assaltos a ônibus em Salvador.
Médias aproximadas de
145 por mês, 5 por dia. Enquanto
isso, dos aproximadamente 2530
ônibus que circulam diariamente
na capital baiana, apenas 721
veículos, ou seja, menos de um
terço do total possui câmeras de
segurança. Esses são os números registrados pelo Grupo Especial de Repressão a Roubos em
Transportes Coletivos (GERRC),
atualizados em 28 de agosto, que
evidenciam o aumento de 11,9%
na incidência de roubos em ôni-
bus em relação ao mesmo período no ano de 2006 e questionam
a suficiência e a eficácia das câmeras como medida de segurança nos coletivos.
Em 1998, um ano antes de o
GERRC (da Polícia Civil) e a Operação Gêmeos (da Polícia Militar)
começarem um trabalho em con-
junto, a média semanal era de
12 assaltos a ônibus. Apesar da
considerável queda desses números, os dados fornecidos pelo
grupo evidenciam o quadro de
insegurança a que continuam
submetidos rodoviários e usuários do sistema de transporte coletivo soteropolitano, a exemplo
SEGURANÇA
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
do motorista “Carlinhos” Silva, 44
anos, que conta que já foi assaltado quatro vezes.
Silva conduz um ônibus da
empresa Ondina, sem câmera,
e admite a tensão que vive pelo
medo de ser assaltado: “a gente
anda assustado, às vezes pensa
que um passageiro é assaltante,
acaba suspeitando, julgando alguém, e não é; às vezes, quando
menos se espera...”. Para o motorista, “quando tem blitz, você
anda mais seguro, mas só até o
próximo ponto”.
O universitário Jean Miranda, 26 anos, conta que, durante
os nove anos em que utiliza os
ônibus na região do Costa Azul,
nunca passou por nenhuma blitz.
Sobre como se comporta em suspeita de assaltantes no coletivo,
Miranda é incisivo: “Quando vejo
alguém suspeito, desço no ponto
seguinte”.
A mesma medida tomou Nilton
França, 50 anos, cobrador há 22.
França orgulha-se em dizer que
nunca passou por uma situação
de assalto durante o trabalho.
“Houve tentativas, sim, mas eu
estava ligado”, ressalva. O cobrador conta que, durante uma suspeita de assalto, chegou a saltar
na garagem, obrigando o motorista a cobrar os passageiros que
entravam pela porta da frente.
“A empresa orienta que não
devemos reagir, porém, ao mesmo tempo, temos que pagar
pelo prejuízo”, desabafa o cobrador, referindo-se ao fato de
que a orientação das empresas
é de que os cobradores depositem quantias maiores na gaveta
e reservem 50 reais em mãos
para troco. Em caso de assalto,
o cobrador é obrigado a pagar do
próprio bolso a quantia excedente a esse valor.
Já Nivaldo Oliveira, 53 anos,
conta, também com orgulho, que
foi assaltado “apenas duas vezes” em quase 30 anos como cobrador. Sobre a insegurança nos
ônibus, Oliveira é enfático: “Se
for assaltado agora, eu só posso
pedir que levem tudo e que não
fique atento:
Em todos os ônibus de Salvador estão afixados adesivos com os telefones para
denúncia em caso de assalto. Além do número 190, da Polícia Militar, vítimas e
testemunhas podem ligar para:
* Disque-Denúncia do GERRC: 3312-2961
(recebe ligação a cobrar de celular);
* Outros números: 3117-6637 / 3117-6639 / 3117-6642.
façam nada com ninguém. A segurança daqui é Deus, primeiramente”.
Além de insuficientes, câmeras são alvo de críticas
O decreto municipal de junho
deste ano que determinou a implementação de câmeras em toda
a frota de ônibus de Salvador até
30 de junho de 2008 ainda não
surtiu o efeito esperado. Segundo dados da Superintendência de
Transporte Público (STP), apenas
na primeira fiscalização feita em
julho deste ano, foram emitidas
212 notificações às empresas,
número que corresponde à meta
mensal de equipamentos a serem
instalados nos ônibus da capital.
Segundo dados do GERRC,
existem empresas que sequer
têm câmeras de segurança de
sua propriedade e utilizam equipamentos da STP, como é o caso
da Joevanza, Axé, Praia Grande,
Barramar, Vitral e Verdemar. O
custo da substituição pelo novo
sistema, que grava em HD ou
memory card, é apontado pelas
empresas como a principal causa
para a demora no cumprimento
do decreto. No antigo sistema
de monitoramento, cabe ao motorista acionar a gravação em
situação de assalto, o que deixa
o condutor na linha de frente na
abordagem dos assaltantes. O
novo sistema monitora o veículo em tempo integral, mas ainda
não permite que as imagens se- tos, porque são réus primários ou
jam enviadas em tempo real ao pagam fiança. Já tivemos caso de
assaltante com quatro registros
GERRC e à Polícia Militar.
Segundo o Sargento Rezen- pelo GERRC. A gente faz a nosde, que faz a comunicação das sa parte, mas a justiça é branda”,
ocorrências no GERRC à PM, as lamenta.
Para o cobrador França, as câcâmeras ficam em posse das
meras
“não são postas para fisempresas de ônibus, que encaminham para a Secretaria de Se- calizar os vagabundos, mas para
gurança Pública. “João” (nome fiscalizar a gente”. França se refictício), 34 anos, motorista da fere ao fato de que as empresas
empresa Barramar, conta que foi monitoram motoristas e cobradoassaltado no trabalho uma vez e res que permitem que passageiduvida da eficácia das câmeras ros peguem carona ou passem
de segurança. “Se é que funcio- por cima do torniquete. “Fazem
nam. Às vezes é muito fictício”, com que a gente se sinta no luconfessa. “Eu nunca vi a Secreta- gar do vagabundo”, resume.
Além da insegurança em reria de Segurança ou a imprensa
mostrarem alguma filmagem de lação a assaltos, a rotina de trabalho e o mau tratamento de
assalto a coletivo”, explica.
A identificação dos assaltan- passageiros são as maiores queites por parte das vítimas e tes- xas, apontadas por motoristas e
temunhas quase sempre é feita cobradores. Para França, porém,
“o fato de coatravés de cennhecer pessoas
tenas de fotoe a possibilidagrafias de detide de fazer boas
dos pelo GERRC.
amizades” é um
Segundo dados
Eu
nunca
vi
a
Secretaria
de
ponto positivo
do grupo, até o
Segurança
ou
a
imprensa
da profissão. “É
fim de agosto, só
neste ano foram mostrarem alguma filmagem o tipo de lugar
onde passa da
realizadas 227
de assalto a coletivo.
doméstica
ao
prisões de assalAnônimo
advogado”,
lemtantes a ônibus
bra. O cobrador,
em flagrante, 58
porém,
reclama:
“a profissão não
armas foram apreendidas e 195
inquéritos foram instaurados. é respeitada, já que temos uma
Para Rezende, entretanto, “qua- responsabilidade grande nas
se sempre depois que prende- mãos. Estamos lidando com cenmos os assaltantes, eles são sol- tenas de vidas”.
10
faconistas
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Das graxeiras de tempos idos
André Setaro
S
e a Lei Áurea aboliu a escravatura, a abolição ficou apenas no papel, pois continua patente na sociedade brasileira. Mas
vou ficar apenas num ponto dessa escravidão,
que é o trabalho doméstico, o qual, com raras
e honrosas exceções, caracteriza-se pela subserviência, pelo salário ínfimo e pelo suor. O
que se segue é uma constatação memorialista de fatos. Se for fazer um juízo valorativo, o
que vou contar revela a falta de solidariedade
e de respeito em relação ao ser humano.
Na década de 60, a classe média vivia em
casas e, em Salvador, poucos eram os edifícios de apartamentos. Em 1949, surgiu o Edifício Oceania, no Farol da Barra, nos moldes
dos bons prédios do Rio de Janeiro. Houve
rebuliço entre os soteropolitanos que iam ao
Farol, vindos de bairros distantes para apreciá-lo, como se fosse um espetáculo circense.
Neste mesmo ano, Salvador, que tinha dois ou
três hotéis habitáveis, viu aparecer o elegante Hotel da Bahia, um acontecimento para a
cidade.
Mas estou pegando um atalho e me desviando do assunto. Que é sobre as domésticas – há um filme interessante sobre elas, As
domésticas, de Fernando Meirelles, o mesmo
de Cidade de Deus. No meu tempo, as domésticas eram chamadas de graxeiras, termo
desonroso e pejorativo. Pessoas humildes e
pobres, geralmente dormindo em quartinhos
escuros e apertados nos fundos das casas.
Com o passar do tempo, se tornaram auxiliares do lar.
A família de classe média preservava as filhas virgens para que somente fossem possuídas depois de casadas com algum bom partido. Os rapazes, para sexuar, no dizer do Dr. Elsimar Coutinho, tinham que se contentar com
os prostíbulos da cidade, numerosos e para
todos os gostos, e com as graxeiras, que iniciavam muitos jovens dessa classe, obrigadas
à servidão do sexuar sob ameaça, inclusive,
da perda de emprego. Os pais, tacitamente,
concordavam com o fato de que seus filhos as
procurassem. Mais importante era a preserva-
Piu robano a sena
Maurício Tavares
N
ão, queridos, eu não
estoy escrebiendo em
italiano. Nem em castelhano. O título deste texto é
uma reprodução “ipsis literis’
do nickname de alguém que vi
na lista de amigos do msn de
um affair que espionei en mi
casa. Por ser um rapaz de idade
com ares de intelectual, resisti
durante muito tempo a usar o
msn/orkut por achar que isso
não é coisa de gente séria. E
que seria uma perda de tempo
(quase escrevi “perca”, pq estou
me reeducando no Orkut). Mas,
resolvi ser um cibercidadão e
fazer parte do mundo dos blogs. Só não consegui ainda ser
um ativo produtor de flogs. Se
me perguntam se tenho flogão,
respondo que o meu é de quatro bocas e é Dako. O trocadilho
é só com as quatro bocas. Apesar
de em informática não ser up to
date, também não sou um rabugento que se escandaliza com a
linguagem dos chats e conversas
online. Mas a incapacidade que
alguns têm de escrever em português compreensível me deixa
irritadinho.
Tentei conversar no msn com
um rapaz que não conheço e descobri que seria mais fácil conversar com alguém em francês. Ele
iniciou a conversa com um “colé”.
Como não gosto de mimetizar o
que se convencionou chamar de
linguagem jovem, respondi com
“qual é a sua?” Pra minha surpresa, meu interlocutor não entendeu a pergunta. Mudei a cor do
texto para verde e ele teve um insight (ou uma epifania) e respondeu “agora estou entendendo”
(escrito de outra maneira , é claro). Comecei a me perguntar se
ele era um leitor fanático do livro
ção da virgindade das moças.
“Eu comi a graxeira de sua casa!”, dizia um
rapaz a outro, estabelecendo uma certa disputa. Mas havia as mais recatadas, que sonhavam com seu príncipe encantado e sofriam
o assédio, a perseguição e, mesmo, a perda
do emprego. Na sociedade machista dos anos
60, o que valia era a virilidade exposta, não
importando se as ditas graxeiras, fossem humilhadas.
Esse tempo passou, embora a condição
da empregada doméstica continue grave.
Mas a liberdade sexual de hoje não permite
mais o assédio às chamadas graxeiras que,
inclusive, não mais assim são chamadas.
Houve, porém, uma época na qual eram o
escoadouro da virilidade masculina dos jovens de classe média, a mais imbecil de todas, em minha opinião. Embora pertencente
a ela sob o prisma da renda, sou um outsider.
Sim, cheguei a me permitir essa monstruosidade e conheci, na juventude, para minha
vergonha, algumas graxeiras.
“A linguagem das cores”. É claro
que eu estava viajando como um
mochileiro das galáxias. O rapaz
tinha dificuldades de entender
e compreender português mesmo. Passei os olhos na lista de
amigos do meu amigo e entendi que a dificuldade de escrever
na última flor do Lácio era regra
geral naquele ambiente. Acabei
colecionando frases de identificação usadas MSN, todas do
mesmo quilate de “piu robano a
sena”. Algumas, além de escritas
de forma peculiar, apresentavam
construções complicadas e de
difícil apreensão. Uma garota se
apresentava como lema: “a esperança é dinâmica e sinonima da
sorte sempre está oculto quando
lutamos emcontramos”. Passei
dias tentando decifrar o aforismo.
Quebrei a cabeça pra entender
quem estava “oculto” e quem era
a “sinonima”. Desisti. Acho que a
garota deve ser considerada um
crânio no meio da roda dela (com
cacófato e tudo). Seria uma máxima moral ou indiciava que ela
deveria ser lida como uma adivinhação? Peço que a adicionem
no msn e tentem resolver essa
questão pra mim.
Não pensem que só vejo problemas em pessoas analfabetas
funcionais. Entrei na comunidade da Facom no Orkut e fiquei
estarrecido com a indigência
verbal dos seus membros. Em
duas ou três páginas de comentários as pessoas repetiam
“calouro vai morrer” e pequenas variações do mesmo tema.
Quando os calouros, coitados,
respondiam às intimações eram
advertidos de que eram muito
“osados”. Sei que isso é uma
brincadeirinha, mas não dava
pra ser mais criativo? Tem muita
gente usando a internet como
desculpa para a dificuldade de
escrever na língua padrão. E
tem muita gente escrevendo
sem ter nada a dizer. Um filósofo
alemão já disse: “quando não se
tem o que falar, é melhor calar”.
A língua é dinâmica. E a burrice
é estática e eterna.
TECNOLOGIA
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
11
Lan house é a onda do
momento nas periferias
É cada vez maior o número de casas de acesso a internet em comunidades de baixa renda
Marileide Alves
Álvaro Andrade
N
os bairros periféricos
de Salvador, o fenômeno da proliferação
de casas de acesso pago à internet, as lan houses ou cybers
café, fazem sucesso entres
jovens interessados em jogos
eletrônicos e sites de relacionamentos. As “lans”, como são
chamadas pelos usuários, surgiram na Coréia do Sul em 1996.
No Brasil, as casas só vieram a
se instalar dois anos mais tarde. Na Bahia, as lan houses se
espalharam por toda capital e
interior do estado.
A Junta Comercial do Estado da Bahia contabiliza mais de
duzentos espaços de acesso à
internet nas periferias de Salvador e mais de mil em todo
o estado. Porém, este número
subestima a quantidade de casas que oferecem o acesso informal, não aferida pelo Junta
Comercial do Estado. Os bairros populosos, próximos ou
afastados do centro da cidade,
a exemplo do Subúrbio Ferroviário e Pernambués, são os que
possuem uma maior concentração de lan houses. A maioria do público freqüentador é
formada por crianças e adolescentes, em sua maioria do sexo
masculino.
Nestes
estabelecimentos,
os jovens acessam e-mails, sites de relacionamentos como
Orkut, salas de bate-papo e
webgames durante duas ou
três horas, em média. Aqueles
games que permitem ao usuário jogar em rede são os mais
procurados, como os de guerra (Control Strike), de gangues
Nas lan houses suburbanas, usuários acessam a internet por, em média, R$ 1,00 a hora
(GTA), automobilismo (Need
for Speed) e futebol (FIFA).
Para Lucas Dias, 13, “poder jogar na companhia de seus amigos é mais emocionante”.
Bom negócio
O preço médio de R$ 1,00 a
hora faz com que estes espaços raramente estejam vazios.
É possível encontrar promoções, como em uma lan house
de Fazenda Coutos: R$ 0,50 a
hora. Segundo Clara da Silva,
cujo marido é proprietário de
uma casa de jogos em Periperi, “apesar dos baixos preços
cobrados, dá pra pagar todas
as contas, funcionários, e não
ficar no prejuízo”. Já nos bairros de classe média, de maior
poder aquisitivo, o valor cobra-
do por hora varia entre R$ 3,00
e 5,00.
O crescimento de cibercafés
na Avenida Suburbana é perceptível. Para não perder seus
espaços comerciais, antigos
proprietários de casas de fliperamas reestruturaram seus
estabelecimentos,
transformando-os em lan houses. Esse
é um dos fatores que justifica
o aumento considerável na região.
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas do Rio de
Janeiro, Antonio Carvalho Cabral, estudioso de cybercultura, o fenômeno das lan houses
em comunidades periféricas
brasileiras é um processo em
que crianças e adolescentes
pobres acessam tecnologias
de informática com a mesma
intensidade que um jovem de
qualquer parte do mundo. A
facilidade de acesso a estas casas ajudam a explicar a proliferação de “lans” e cibercafés em
bairros populosos e pobres.
Leis municipais e estaduais
já regulamentam a instalação
de lan houses, enquanto uma
proposta de emenda constitucional tramita pela Câmara dos
Deputados. O projeto de Lei nº
6.731 de 2006, proposto pelo
deputado federal Arnaldo Faria
de Sá (PTB-SP), foi apresentado pelo Sindicado dos Proprietários de Lan Houses, Games
e Cyber Net do Estado de São
Paulo (Sinprolan) e visa regular
o controle na abertura desses
tipos de estabelecimento.
12
TECNOLOGIA
Morador da rede
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Experiência de mendigo conectado ilumina debate sobre inclusão digital
Tiago Canário
Albuquerque, há três anos nas ruas, possui página virtual que acumula mais de 3000 visitações
Rodrigo Sombra
Q
uando índios blogueiros
reescrevem sua história
na rede, ou guerrilheiros zapatistas espalham no cyberespaço suas missivas antiimperialistas, um morador de rua
ostentar domínio e e-mail em
seu nome já não é motivo para
maior estranheza. Visto através da paisagem de mendigos
do centro de Salvador, Carlos
de Albuquerque, 36 anos, ainda desfila como uma avis rara.
Sibilando alguma canção americana, o ex-cantor profissional,
hoje residente em um canteiro
no Largo dos Aflitos, perambula diariamente com o bolso entulhado de panfletos e a língua
sempre a postos para fermentar
o boca-a-boca positivo sobre
sua página virtual.
“carlosdealbuquerque.com“,
responde de imediato ao per-
guntarem seu nome. Acrescentar à reposta o complemento típico dos sítios eletrônicos, para
além do apelo marqueteiro, revela, num segundo momento, o
quanto a inserção de Albuquerque no universo das pontocom
está intimamente ligada a sua
biografia marginal.
Após circular exaustivamente
pelo interior do estado como vocalista em bandas de formatura,
Carlos foi encontrar abrigo nas
calçadas da capital, onde pernoita rotineiramente há pouco
mais de três anos. Figurinha carimbada no circuito cultural da
cidade desde então, descobriu
nos centros gratuitos de acesso digital uma janela de arestas
largas para sua energia criadora. “Eu comecei na internet
através dos infocentros. Daí,
procurei composições na internet, ouvi arranjos, entrei em
contato com músicos, divulguei
minhas letras e textos. Fui fuçando tudo e por último resolvi
fazer o site”, diz, puxando pela
memória seu itinerário na web.
Inaugurada há apenas quatro
meses, sua página pessoal já
recebeu mais de 3000 visitas,
e oferece desde gravações suas
disponíveis para download a escritos difamatórios contra instituições religiosas.
“O ‘pessoal de rua’ não tem
acesso à rede. Uns não vão porque se sentem muito discriminados, outros porque não se interessam mesmo. A maioria não
sabe o que é um site, um blog,
um e-mail”, relata Albuquerque,
para quem os programas de inclusão digital ainda não alcançam esse contingente especial
de infoexcluídos. De acordo com
a Secretaria de Ação e Trabalho
Social do Estado (Setras), 850
pessoas moram nas ruas de Salvador, conforme estimativa realizada há cinco anos. A doutoranda em educação Telma Britto
Rocha, que participou de uma
pesquisa sobre os Tabuleiros Digitais, projeto de inclusão sociodigital da Faculdade de Educação da UFBA, afirma desconhecer qualquer iniciativa específica
no sentido de aproximar quem
vive nos logradouros da cidade
ao contato com a internet.
Desigualdade na rede
O recém divulgado Mapa das
Desigualdades Digitais no Brasil
revela alguns resultados controversos dos projetos de disseminação gratuita de acesso à web.
Promovido pela Rede de Infor-
mação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), com apoio do Ministério da Educação, o estudo
afirma que apenas uma parcela
de 0,9% da população baiana
de baixa renda acessa a rede
gratuitamente, contra 3,8% da
população de renda mais alta,
números incongruentes com o
objetivo desses projetos de incluir setores com escassas ou
nulas condições de uso da internet. O Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES), Doriedson de Almeida, observa que as políticas
públicas e os esforços neste sentido são louváveis, mas ainda estão longe de serem adequadas.
“Além das redes de transmissão
de dados não se conectarem
com as regiões mais pobres, os
órgãos aplicam recursos de forma inadequada e de maneira
desarticulada com as realidades
e especificidades regionais”.
“A minha história se tornou
muito forte, causa impacto nas
pessoas. Daqui pra frente, os
moradores de rua serão divididos entre antes de mim e depois de mim”, profetiza o cantor. Analisada isoladamente, a
experiência de Carlos pode até
soar como uma anedota otimista do acesso à internet como
forma de iluminar o pensamento criativo dos infoexcluídos.
Confrontada com estatísticas
desanimadoras e a marginalização extrema de quem vive nas
ruas, ela se afigura muito mais
como um episódio incidental do
que aponta para uma tendência
em curso.
Para mais informações sobre Carlos de Albuquerque, acesse
www.carlosdealbuquerque.com,
ou através do e-mail [email protected].
TECNOLOGIA
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
13
Óleo de licuri na dieta de caprinos
promete revolução no semi-árido
Pesquisa da Faculdade de Veterinária da Ufba busca alternativa para melhorar o desempenho produtivo e
reprodutivo de caprinos na Bahia
Pablo Barbosa
A
pesar de ser o estado brasileiro com o maior rebanho de caprinos, a Bahia
peca quando o assunto é qualidade. A informação é da doutora
em zootecnia e pesquisadora do
Laboratório de Nutrição Animal
(Lana) da Faculdade de Veterinária da Ufba, Larissa Pires, que
a partir de outubro desenvolverá
uma pesquisa durante três anos
que promete, a longo prazo, reverter esse quadro.
Com um projeto que busca melhorar o desempenho produtivo e
reprodutivo de caprinos ¾ Boer
através da introdução de óleo de
licuri (Syagrus Coronata (Martius)
Beccari) na dieta dos animais,
os resultados esperados são os
seguintes: “Acreditamos que os
animais consigam um ganho de
peso maior com um custo de produção menor, com uma melhora
na qualidade da carne e da carcaça e que a concentração de CLA
(Ácido Linolêico Conjugado), que
é importante para a saúde humana, seja ampliada”, destaca Pires.
Em contraste com a realidade do semi-árido baiano, onde
a maior parte do rebanho caprino combina a criação extensiva
com a baixa qualidade genética,
geralmente sem raça definida, o
projeto analisará o desempenho
produtivo e reprodutivo de animais confinados e de genética diferenciada, com 75% de pureza,
cujo contexto é típico da região
Sudeste.
Apesar dessa constatação, o
doutor em zootecnia e coordenador do Lana, Ronaldo Oliveira,
pondera que a comparação com
a região Sudeste não deve ser
feita de modo direto. “Quando
um produtor do São Paulo decide
criar um rebanho de caprinos ele
faz uma seleção genética porque
o rebanho é pequeno, mas como
aqui há uma aptidão natural e o
rebanho é bem maior, é natural
que existam mais animais de baixa qualidade genética”, destaca.
“Mas isso não quer dizer que não
temos animais de excelente qualidade que se equiparam aos deles”, completa o pesquisador.
Cronograma
Larissa Pires explica que o
projeto é dividido em duas etapas e busca, basicamente, analisar o desempenho produtivo e
reprodutivo observando as condições de confinamento e seleção
genética. Na primeira fase, com
início em outubro deste ano, serão estudados 20 cabritos recém
desmamados através do acompanhamento de indicadores, tais
como, ganho de peso, conversão
alimentar, características da carcaça e digestibilidade. Após 60
dias de análise os animais serão
abatidos e serão colhidas amostras para análise laboratorial.
A segunda etapa, com início
em meados de 2008, prevê outro tipo de abordagem. Com 20
cabritos machos adultos, o foco
será a relação da nutrição com a
qualidade reprodutiva. “Através
da introdução de quatro níveis
de óleo de licuri na dieta faremos
uma avaliação do sêmen quanto
à qualidade e a produção espermática”, diz.
De acordo com Pires, uma das
fases mais importantes será a análise do plasma seminal em relação
ao processo de congelamento, ou
seja, há pesquisas que apontam
uma relação entre a composição
do plasma e a preservação das
qualidades do sêmen mesmo
após o descongelamento.
Ainda segundo a pesquisadora, o último procedimento será
a análise da fertilização de 200
cabras de pequenos produtores
da região de Uauá como parte do
estudo da melhora genética dos
animais. Os resultados dos ensaios de desempenho produtivo
e reprodutivo serão confrontados
de maneira a escolher o tratamento que melhor atenda a ambos os parâmetros.
Custos
Orçado inicialmente em R$ 52
mil para os três anos de pesquisa, o projeto sofreu ajustes e reduziu-se a exatos R$ 39.559,00
para ser executado entre outubro
deste ano e dezembro de 2009.
Pires comenta que apesar do
corte de quase 24% no projeto,
isso não atrapalhará a condução
da pesquisa que tem o financiamento da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) através do edital Prodoc.
A pesquisadora explica que
o edital Prodoc é um programa
ativo desde 2002 que visa atrair
e estimular pesquisadores-doutores para desenvolver pesquisa
científica, tecnológica e/ou de
inovação no Estado da Bahia.
Entretanto, quem deseja se habilitar a concorrer às bolsas deve
ficar atento para algumas dicas.
“Para aprovar um projeto ele tem
que ter um forte apelo regional.
A escolha do óleo de licuri não
foi à toa. A Bahia é o maior produtor do país na forma nativa e
ao analisar o subproduto identificamos um alto valor energético.
Além disso, o status de maior rebanho caprino do país foi levado
em consideração”, ressalta.
Outra informação importante
é a exigência de um orientador
em uma instituição local para
acompanhar o desenvolvimento
da pesquisa. “Quando o Ronaldo
Oliveira me convidou para voltar
à Bahia após 15 anos fora, formatamos um projeto que combinou
a experiência dele em nutrição
com a minha em reprodução”,
afirma.
O estudo será coordenado e
gerenciado pelo Departamento
de Produção Animal da Escola de
Medicina Veterinária da UFBA,
mas contará com o apoio intelectual de outros pesquisadores que
trabalham na área de caprinocultura da EMBRAPA Semiárido-Petrolina-PE, da UNEB-Juazeiro, do
Departamento de Zootecnia da
UFRB-Cruz das Almas e também
em conjunto com outros departamentos da própria instituição.
A EBDA cederá o cromatógrafo
para utilização, com reagentes
e colunas providas com recursos
do projeto. Na UFV serão efetuadas as análises de progesterona
também com reagentes e material de consumo adquiridos com
recursos do projeto.
Para maiores informações
entrar em contato através do email [email protected] ou
do telefone do Lana (71) 32836716.
14
CULTURA & ARTE
Por trás dos projetores
A escolha da programação
nos cinemas da cidade
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Álvaro Andrade
Tiago Canário
O
consumo com cinema representa aproximadamente
22%
dos gastos culturais com saídas das famílias brasileiras.
De acordo com dados da publicação Cadernos de Políticas
Culturais, lançados em abril
deste ano pelo Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada), em parceria com o MinC
(Ministério da Cultura), são
movimentados em todo país
R$ 1,23 bilhão por ano.
Pensa-se, no entanto, muito pouco em relação à estruturação da programação das
grades cinematográficas. Em
Salvador, as filiais dos três
grandes complexos cinematográficos - Cinemark (Salvador
Shopping), UCI (Aeroclube
Plaza Show) e Multiplex (Shopping Iguatemi) - totalizam,
juntas, 30 salas de exibições,
mais da metade das salas da
cidade, um número próximo a
50. Tais cinemas, no entanto,
associados a redes internacionais, não possuem autonomia
para escolha de sua grade,
como explica Laura Bezerra,
gerente de bilheteria da filial
soteropolitana do Cinemark.
Controlando o funcionamento destas salas, há uma
específica lógica empresarial:
com sede nacional e escritório
geral em São Paulo, no caso
da rede Cinemark, a programação é determinada na capital paulista e segue pronta,
semanalmente, para as oito
salas de sua filial baiana, juntamente às cópias dos filmes.
Estes, porém, nem sempre cir-
Biblioteca Pública dos Barris: localização das salas Walter da Silveira e Alexandre Robatto
culam por todas as filiais do
complexo. O escritório paulistano determina quais entrarão em cartaz em cada um
dos complexos nacionais e em
quantas salas.
Em tais momentos, explica Laura, a parceria com os
gerentes gerais de cada filial
se resume, por exemplo, à informação sobre a preferência
entre as cópias dubladas e legendadas ou entre os gêneros
(comédia, drama, etc.) mais
consumidos. Baseado nestas
preferências, o escritório geral define as grades de cada
cidade. A rede, lembra Laura,
é uma empresa e, como tal,
busca o lucro. Ainda assim,
há tentativas de unir o interesse econômico a programas
de incentivo à cultura, como
o Projeta Brasil, quando, uma
vez por ano, o dia é disponibilizado para exibição de uma
grade inteiramente nacional,
com filmes produzidos no país
(projeto sem data determinada
para a filial baiana até a data
de fechamento da matéria).
Alternativas
Os cinemas de outros shopping centers, como Ponto Alto
(av. São Rafael), Lapa (Piedade) ou Barra, estruturam-se
em uma ou duas salas que, em
sua maioria, exploram a mesma linha de filmes. A diferença,
no entanto, se dá em relação
aos ingressos que, algumas
vezes, chegam a custar menos
de um quarto daqueles oferecidos nos grandes complexos.
O circuito Sala de Arte, dividido em cinco salas espalhadas
entre o Av. Contorno (Cinema
do MAM – Solar do Unhão),
Vitória (Cinema do Museu e
Cinema da Aliança Francesa),
Vale do Canela (Cinema da
Ufba) e Pelourinho (Cine XIV),
procurado pela redação do
jornal, não quis colaborar com
a reportagem.
As salas Walter da Silveira e
Alexandre Robatto, localizadas
no prédio da Biblioteca Central
dos Barris (Centro da Cidade),
ligadas ao Estado, revelam-se
as mais cuidadosas com a oferta de filmes. Sob curadoria do
jornalista e crítico de cinema
Adolfo Gomes, as salas são,
como explica, essencialmente
responsáveis pela difusão de
filmografias inéditas, de difícil
acesso para a população ou,
sobretudo, sem distribuição
comercial garantida. A importância das salas no âmbito cultural se resume quando
Gomes, enfático, afirma: “É
preciso provocar o público”.
Por limitações de ordem
burocrática e financeira, impostas pela Lei de Responsa-
CULTURA & ARTE
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
bilidade Fiscal, que estabelece normas
de finanças públicas voltadas para uma
gestão fiscal responsável e para o equilíbrio das contas públicas, Gomes admite a
dificuldade de articulação com as empresas distribuidoras dos filmes. O incômodo
é dado pelo ritmo da administração estadual, pois, a respeito do uso de dinheiro
público, a estrutura jurídica do Tribunal
de Contas exige o uso de licitações para
as movimentações financeiras.
No campo do cinema, como cada obra
tem seus direitos detidos por uma empresa específica, torna-se impossível a existência de outras propostas para análise.
A série de justificativas que possibilitam a
dispensa do uso de licitações consiste em
um processo geralmente demorado, ritmo de trabalho que desagrada parte das
distribuidoras. Em vista disso, o grande
número de articulações com consulados
e produções independentes. O estilo de
curadoria praticado em ambas as salas
se aproxima, como solução, daquele realizada por cinematecas.
Lado B
Não obstante, Adolfo Gomes reconhece que haja carência de cinefilia. O público em geral, como diz, preocupa-se
pouco com o que chama de lado B das
filmografias nacionais, apegando-se basicamente às obras produzidas dentro do
lugar-comum fílmico de cada país, como
a comédia espanhola ou a introspectividade francesa. O desdém a esta “outra
cinematografia” se estende, ainda, aos
diretores pouco conhecidos, como se o
público se apegasse aos já consagrados
ou “aprovados”. Como conta, boa parte
prefere assistir a um filme antigo que já
viram e gostaram do que “arriscar” um
novo em cartaz.
Considera, por isso, as salas Walter da
Silveira e Alexandre Robatto como fundamentais para instigar o público, divulgar
o cinema com pouco espaço na cidade
(incluindo exibições inéditas) e fomentar
a discussão sobre o cinema, como a partir do projeto Quartas Baianas, que aproxima os realizadores de audiovisual baianos do público, em sessões gratuitas, às
quartas-feiras, com filmes e vídeos produzidos no estado. A realidade, porém,
conforme estudos do MinC, divulgados
nos Cadernos de Políticas Culturais, é
que apenas 14% dos brasileiros vão, com
alguma freqüência, ao cinema; enquanto
60% da população nunca foi a um.
Sobre o consumo de cinema atual na cidade, a situação é contraditória. As salas
do circuito alternativo, que oferecem entradas a baixos preços (R$4,00 a R$6,00,
na Walter da Silveira) ou mesmo exibições gratuitas (Alexandre Robatto), não
conseguem atrair o público, tanto quanto
os cinemas do circuito comercial, como
salientam Igor Cruz, gerente das salas
‘Walter’ e ‘Alexandre’, e Emanuel Roxo,
programador de exposições. A primeira,
com capacidade para 200 pessoas, possui um público mensal estimado de 750
espectadores. Já a outra, com 72 cadeiras (não as habituais poltronas), recebe
2700 por mês. Em comparação, a filial da
rede Cinemark, em agosto, seu segundo
mês de funcionamento na cidade, vendeu
pouco mais de 82 mil ingressos, a preços
entre R$11,00 e R$17,00.
Quanto à arrecadação da Walter da
Silveira (destinada para o pagamento das
distribuidoras e para despesas da DIMAS,
Diretoria de Artes Visuais e Multimeios da
Fundação Cultural do Estado da Bahia,
órgão da Secretaria da Cultura e Turismo
15
responsável pela gerência de ambas as
salas), oscila fortemente, como entre os
meses de Janeiro, R$4.136,00, e Julho,
R$1.170,00, deste ano. A diferença se dá
por conta das eventuais mostras recebidas pela sala, de entradas gratuitas, ou
o fracasso de certos filmes, que não têm
um espectador se quer em algumas de
suas sessões.
Assim, as salas se mantêm freqüentadas por espectadores cativos em busca
de uma diferenciação dentro do panorama de cinemas baianos. Como opina a
estudante de psicologia Camila Vilarinho,
19 anos: “a sala ‘Alexandre’, apesar da
estrutura física e tecnológica serem limitadas: sala de projeção somente para
vídeo – formatos DVD, VHS, MiniDV, DVCam e Betacam com sistema analógico
– e poucas cadeiras, cumpre bem seu
papel no que diz respeito à ‘qualidade’
dos filmes, como a ‘Walter’. “Gosto porque trazem um conteúdo que não chega
ao conhecimento do grande público com
a mesma força que as salas comerciais
possuem. Há uma melhor qualidade tanto de filmes estrangeiros quanto nacionais”, comenta Camila.
Tiago Canário
Em seu segundo mês na cidade, filiada a rede Cinemark atrai público de 82 mil pagantes
16
capa
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Elos de uma cidade
partida, as empregadas
domésticas cruzam
diariamente espaços físicos
e culturais, costurando
mundos opostos e
misturando referências.
Álvaro Andrade
Elos invisíveis ent
Álvaro Andrade
Janira Borja
T
odas as manhãs, Maria de
Fátima enfrenta o longo
percurso entre Fazenda
Grande, onde vive com dois filhos, e Morro do Gato, bairro onde
trabalha. Antes das 6h, o ponto
de ônibus está cheio de trabalhadoras domésticas como ela, que
aguardam condução para seus vem o café da manhã, limpam a
locais de trabalho, onde chegam casa, arrumam, lavam, passam,
a tempo de ainda servir o café da cozinham e tomam conta das
manhã. Pela janela do ônibus, a crianças. No fim do dia, voltam
mudança da cidade é facilmen- às suas casas e encaram uma
te percebida: o traçado caótico realidade completamente diferende casas pequenas e apinhadas, te. Vivem a condição ao mesmo
ruas estreitas e minúsculos esta- tempo privilegiada e perversa de
belecimentos comerciais vão len- conectar dois mundos. Classes
tamente dando lugar a prédios e sociais, padrões de consumo, hávias mais largas. Já no Morro do bitos, perspectivas e sonhos diviGato, somente Fátima e outras dem patroas e domésticas. Fátima
empregadas domésticas sobem reconhece estas diferenças. Há
a ladeira ainda
cinco anos tradeserta a essa
balhando numa
hora do dia. Os
mesma casa, a
edifícios residenrealidade
dos
ciais dominam
bairros é uma
a paisagem. Em O serviço doméstico é o setor das coisas que
Fazenda Grande, que mais emprega mulheres na mais chamam
as ruas já estão
sua atenção. “Lá
capital baiana
movimentadas
onde eu moro
de transeuntes,
tem mais movicomerciantes e trabalhadores.
mento. Se eu for assaltada aqui
A rotina de Fátima é bem pare- não posso nem gritar porque não
cida com a de 120 mil trabalhado- tem ninguém na rua, a não ser os
res domésticos em toda Salvador porteiros”. A geladeira frost-free
e Região Metropolitana. Exercem que exibe orgulhosa em sua casa
diariamente um trabalho pouco foi dividida no cartão da patroa. A
reconhecido e quase invisível. Ser- relação entre os vizinhos também
“
1
é diferente. “Eles não procuram se
envolver. Aqui no Morro do Gato é
cada um na sua e acabou”.
Para o sociólogo Roberto Albergaria, as trocas culturais são desiguais. “As influências se dão muito mais de cima para baixo. Isso
pode ser observado nos hábitos
de consumo adquiridos pelas empregadas, por exemplo, de eletrodomésticos e roupas”. Marinalva
de Deus Barbosa, presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Salvador (Sindoméstico), conta que grande parte das
empregadas passam a desejar o
modo de vida das famílias para
as quais trabalham. “Muitas delas
querem usar o celular, as roupas
que a patroa usa e vão se endividando naquele sonho de consumo”. Albergaria afirma que a convivência entre duas culturas tão
diferentes pode ser devastadora.
“Há uma extrema proximidade
micro social e afetiva, mas uma
distância cultural enorme, o que
causa uma confusão psicológica,
principalmente nas adolescentes
que vêm do interior para traba-
lhar na capital. Essa contradição
destrói a identidade da pessoa”,
declara.
Meninas do interior
Marinalva, que veio da zona
rural de Maragojipe aos 14 anos
para trabalhar numa casa, teve
que lidar com um mundo completamente desconhecido. “Eu não
sabia fazer nada, nem olhar panela de pressão. Tudo era um choque, o elevador era um choque,
eu não sabia atravessar a rua para
ir ao mercado”. Marinalva, que não
tinha registro de nascimento e pegava ônibus pela cor, aprendeu
a ler e teve que cuidar de uma
casa ainda criança. O pagamento, inferior a um salário mínimo,
era feito à irmã e esporadicamente. Nas casas onde trabalhou, ela
aprendeu a cozinhar, fazer o trabalho doméstico e recebeu apoio
para estudar. Depois de 20 anos
de profissão, ela não esqueceu
sua origem. “Eu consegui manter
minha identidade. Eu sou pobre,
não posso ter o que eles têm, mas
posso viver bem. Eu consegui não
capa
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
entre dois mundos
Senzalas Modernas
Anália só sai de casa para comprar o pão pela manhã. Durante o
dia, toma a conta da patroa idosa
e cuida dos afazeres domésticos. À
noite, apesar de assistirem a mesma novela, não dividem o mesmo espaço. Anália fica no quarto
de empregada, um ambiente de
aproximadamente 6 m2. “Dentro
do quarto eu não me sinto bem. A
gente fica muito só aí dentro, nesse lugar apertado, ainda mais que
eu sou alérgica”, afirma. Creuza
Maria Oliveira, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos (Fenatrad), clas-
1. Creuza Maria, presidente
da Federação Nacional dos
Trabalhadores Domésticos
2. Maria de Fátima,
doméstica
3. Anália Mercês da Silva,
doméstica
3
2
me deslumbrar com aquelas coisas, nem desejei usar o que eles
usam”, conta a ex-empregada.
Ainda é comum que as famílias
mandem buscar meninas no interior para trabalhar em suas casas,
com a desculpa de ‘criá-las’. As
empregadas chegam ainda crianças e têm que enfrentar responsabilidades de adultos e longas
jornadas de trabalho.
História semelhante viveu
Anália Mercês da Silva. Com
26 anos de trabalho doméstico,
também veio pequena do interior e teve que se adaptar ao
modo de vida dos lugares onde
serviu. “Tudo que eu aprendi foi
com minha patroa. Eu vim da
roça e lá a gente não aprende
nada”. Há vinte anos trabalhando num mesmo lar, ela acompanhou a história da família, viu o
crescimento dos filhos da dona
da casa e o nascimento dos
netos. Apesar da proximidade
inevitável, quando patroa e empregada saem do prédio, pegam
elevadores diferentes. Exigência
da patroa.
17
sifica os quartos de empregada
como ‘senzalas modernas’. “Essa
relação de morar no mesmo local
de trabalho acaba com qualquer
auto-estima e cidadania. Quando
você mora fora da casa dos seus
patrões, você convive com outros
trabalhadores, pega ônibus, vive a
realidade do bairro”.
Os quartos de empregada materializam a situação das domésticas nas famílias: ao mesmo tempo em que estão naquele espaço,
não fazem parte dele. “Ao invés
de ser o local da privacidade, é o
local da privação”, afirma Marinalva. Isoladas em seus quartos, as
domésticas são apartadas do convívio da família e amigos. Muitas
delas não conseguem estabelecer
vínculos nem vida paralela à rotina
do trabalho. O direito à habitação
própria é uma das lutas do Sindoméstico e da Fenatrad. Residir
no local do emprego torna difícil
delimitar a jornada de trabalho e
estabelecer relações mais profissionais. Imersas no ambiente familiar, os limites entre trabalho e
amizade são vagos. Na opinião de
Albergaria, “a relação patroa – empregada é um jogo de simulação e
sedução recíproco, um simulacro
de amizade impossível”.
Segundo dados do sindicato, o serviço doméstico é o setor que mais emprega mulheres na
capital baiana, que representam 93,1% do total de trabalhadores. O fator racial é preponderante.
Das seis capitais estudadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas em
São Paulo e Porto Alegre os negros ou pardos não são maioria. Com 91,9% de trabalhadores
domésticos afrodescencentes, Salvador apresenta o maior índice do país. A profissão só foi
regulamentada na Constituição de 1988, assegurando conquistas como férias, décimo terceiro
salário, folga semanal, aposentadoria e licença-maternidade. Apesar disso, o empregado doméstico
ainda não tem todos os direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
As principais lutas dos sindicatos são o direito ao FGTS obrigatório, regulamentação da jornada
de trabalho e formalização do mercado de trabalho.
18
capa
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Para cuidar dos filhos das patroas, domésticas relegam cuidados aos próprios filhos
Álvaro Andrade
Ive Deonísio
A
s mães de classe média admitem a necessidade absoluta do trabalho desempenhado pelas empregadas domésticas para se
inserirem no mercado profissional. Edna Campos,
gerente de projetos de uma empresa multinacional, afirma que as profissionais do lar, como
são chamadas por algumas pessoas, são essenciais: “Como trabalho fora, não consigo viver sem
elas”. Joana Francisca dos Santos, 38 anos, mora
em Pituaçu, trabalha a semana toda como babá,
além de ajudar a doméstica da residência onde
trabalha em alguns afazeres domésticos. Como
dorme no trabalho, reserva o único tempo livre,
os sábados à tarde e os domingos, para cuidar de
sua própria casa e visitar a filha Jocilene.
Joana cuida de Sofia, cinco anos, e Guilherme, dois anos. Ela afirma que o cargo de “segunda mãe” exige grande responsabilidade. “Eu
já criei muitas crianças, mas filhos mesmo, eu
tenho três. O mais novo é Luís, que tem 10 anos
e mora no Imbuí, tem Alexandra que se formou
em medicina e Cris que vai prestar vestibular pra
direito.” Esses três “filhos” aos quais ela se refere
são crianças de quem ela cuidou e cujas famílias ainda visita. Para Joana, o mais importante
é quando a criança reconhece o seu empenho.
“Tem muita gente que não tá nem aí, não dá valor, trata mal”, relata.
“Mantenho uma relação de amor maternal mesmo. Me dou muito bem com ela desde sempre.
Quando criança, dormi várias vezes na casa dela,
então tenho todo um envolvimento na sua vida”,
afirma Gabriel Nery , 18 anos, que reconhece a
significação do tempo em que foi educado por
Deuzuirta, babá da família há duas gerações. Ele
não aprendeu com ela apenas o humor fino para
pregar susto e varrer uma casa (quando criança
ganhou uma mini vassoura porque não largava a
da babá), diz que Deuzuirta foi fundamental para
a formação de seu caráter.
A realidade da criança pobre que não conta com
a presença da mãe porque esta trabalha como
empregada doméstica para sustentá-la versus a
criança de classe média que possui duas mães,
a biológica e a babá, já foi abordada em peças e
filmes. Recentemente, o jornalista Caco Barcelos
tratou do assunto no espetáculo teatral Osama, o
homem-bomba do Rio, e o cineasta Walter Salles
o fez em um dos episódios que compõem o filme
Paris, te amo (Paris, je t’aime, 2006).
Gabriel Nery, educado por doméstica, reconhece relação de amor fraternal
O outro lado
O fato é que a realidade não é sempre tão encantadora. Ana
Angélica de Jesus Brandão, 47 anos, nunca ouviu nenhum tipo de
queixa por parte das patroas com relação à sua função de babá,
mas não encontrou compreensão quando a filha esteve doente.
“No quarto dia que faltei o trabalho, fui demitida por telefone. Eu
estava com minha filha de dois anos no posto médico, minha patroa disse que ela tinha arranjado uma que dormisse no trabalho”.
Apesar de por vezes não encontrar apoio dos patrões, ela sempre
dispôs de carteira assinada e, na época da gravidez, recebeu a
licença maternidade.
Luciene Silva, 36 anos, se considera uma “operária padrão” e
se diz perfeccionista no cuidado da casa e dos três filhos. Por isso,
dedica as terças e quintas-feiras para administrar o próprio lar. O
filho mais velho, Rogério, 15 anos , cursa, há três anos, a 5ª série
e quer seguir carreira no futebol. Luciene não gosta, mas aceita:
“Se for a vontade dele...”. Já Ramon e Renan, 10 anos, gêmeos,
cursam a 2ª e a 3ª séries, querem ser bombeiro e motorista de
ônibus, respectivamente. Luciene, convicta, explica que a profissão de doméstica não recebe o devido respeito e o salário irrisório
não compensa o sofrimento com as ameaças e o desrespeito. Porém, como é separada e chefe de família, precisa do dinheiro. “A
gente que tem filho tem que agüentar mesmo”, indica.
Marineuza Machado, 26 anos, trabalhou até o último dia antes
de ter Leandro, 5 anos. Seus patrões a levaram na maternidade,
acomodaram-na no resguardo na própria casa e tratam a criança
como se fosse neto, ajudam a criá-la.”Ela é minha segunda mãe”,
diz, referindo-se à patroa. Apesar da ajuda, Marineuza afirma que
é complicado cuidar da criança e trabalhar. “Tenho muito trabalho,
Léo reclama da minha falta. ‘Mamãe precisa trabalhar’, eu falo. Se
eu soubesse que ter filho dava tanto trabalho eu nunca ia querer
ter”, desabafa.
capa
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
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Casa grande e senzala
Ive Deonísio
Com exceção de Marineuza, todas as
entrevistadas, de certo modo, reproduzem
em suas vidas parte daquilo que vivenciam
na casa dos patrões: pagam a uma jovem
do bairro ou alguém mais próximo da família para tomar conta do filho, enquanto
elas próprias cuidam da casa e da criança
de outra pessoa, o que indica que as reminiscências do regime escravocrata não
estão impregnadas apenas nas práticas e
nos modos de vida da classe média.
No Brasil, o serviço doméstico, para os
senhores da Casa Grande, teve seu advento com o uso da mão de obra indígena,
mas se consolidou com os negros africanos. As amas-de-leite influenciaram de forma decisiva a criação do iô-iozinho: os personagens principais das historinhas eram
bichos folclóricos da mata, as canções de
ninar entoadas em Yoruba até as primeiras palavras de um português, gramaticalmente incorreto, eram ensinadas pelas
babás negras. A criação da ama, por vezes,
disputava com a da mãe biológica, como
relata Gilberto Freyre em Casa Grande e
Senzala: “Os cuidados profiláticos de mãe
e ama confundiram-se sob a mesma onda
de ternura maternal. Quer os cuidados de
higiene do corpo, quer os espirituais contra
quebrantos e o mau-olhado”.
As mães pretas eram tidas como símbolo de benevolência, da “escravidão adocicada”, porém, como hoje, cuidar do filho
branco significava renunciar em parte ou
totalmente à criação do filho biológico, que,
em alguns casos, era vendido. Segundo a
pesquisadora Miriam Moreira Leite, no livro
Retratos de Família, acontecia no tempo da
escravidão uma situação análoga à das babás que hoje deixam os filhos em outros
lugares para cuidar das crianças de classe
média e classe média alta. “Além de privar os filhos de seu leite, as amas-de-leite
eram exploradas fisicamente ao máximo,
tanto quando eram alugadas a instituições
para amamentar diversas crianças, como
pelo período prolongado que se exigia que
Barriga cabeluda no fogão
Bruno Santana
O clima tranqüilo de fim de
tarde do bairro do Tororó, em
Salvador, é quase imbatível.
Na pequena rua que abriga
uma série de repúblicas estudantis de municípios do interior do estado, apenas um
sujeito é capaz de desafiar a
paz interiorana que os estudantes parecem ter trazido
consigo de suas cidades. Do
lado de fora da república de
Ipirá, posicionado sob uma
das janelas da casa, Angelino Bispo, de 45 anos, alterna
fortes batidas na madeira do
parapeito com rápidas agachadas para se esconder daqueles que pretende pirraçar.
Esse é o retrato da convivência dele com os 32 estudan-
tes ipiraenses.
Angelino mora e trabalha
como cozinheiro da república
há onze anos, mas não se considera um funcionário. “Aqui
somos amigos, nos ajudamos
mutuamente. Se me chamar
de empregado leva tapa” brinca, enquanto tenta controlar
a leve gagueira. Homossexual
assumido e desempenhando
atividades
tradicionalmente
femininas, Angelino garante
nunca ter sofrido nenhum tipo
de preconceito, pelo menos
diretamente. “O preconceito
a gente sabe que existe, mas
nunca me atingiu não”, afirma.
Rodrigo Costa, morador da república há quatro anos, admite
ter sentido certo desconforto
quando o conheceu, mas logo
a sensação se desfez. “Com a
aleitassem”.
Perspectiva
Joana, Angélica, Luciene e Marineuza
voltaram a estudar. Todas têm expectativas de mudar de ocupação, exceto Marineuza. Luciene desistiu do seu sonho
de infância de ser professora de português, mas pretende concluir um curso
de telefonista, recepcionista e auxiliar de
telemarketing. Joana quer trabalhar cozinhando marmitas e Angélica vai mais
longe: depois de terminar o supletivo,
pretende fazer um curso do ensino superior. Ainda não escolheu a carreira.
Ao se referirem ao futuro dos filhos
desejam uma realidade diferente da própria. Angélica e Luciene pagam reforço
escolar para os filhos, porque acreditam
que a educação é fundamental. Joana
concorda: “O caminho é o estudo . Minha
filha faz biscates. Meu sonho era ela estudar e fazer algum curso, não superior,
porque aí não tem condições”.
convivência nós superamos os
preconceitos. Ele se preocupa
muito conosco, é como uma
segunda mãe”, completa. A
única ressalva que os moradores fazem em relação a Angelino é que ele costuma favorecer mais aos homens do que
às mulheres da casa.
Noutra parte da cidade, antes de se tornar o “faz tudo”
da casa de Maurício Tavares,
professor de comunicação da
UFBA, Paulo Cavalcanti, 36
anos, trabalhou num açougue,
numa copiadora e como office
boy. Ele aprendeu a cozinhar no
restaurante do avô, onde também fazia serviços de limpeza.
Com dificuldades em arrumar
emprego, Paulo aceitou o convite de Maurício para trabalhar
em sua casa. Hoje, além das
atividades domésticas que realiza para professor, ele ainda
trabalha como diarista numa
outra residência.
Assim como Angelino, Paulo
não tem grandes reclamações
a fazer quanto à discriminação
devido ao seu trabalho, mas
admite ter sentido certa estranheza quando começou a desempenhar atividades domésticas. Já Maurício afirma estar
satisfeito em ter um homem
trabalhando em casa. “Os homens têm mais habilidades do
que as mulheres nos serviços
mecânicos. E além de cozinhar bem, ele sabe consertar
aparelhos elétricos, já pintou
minha casa mediante pagamento extra”, completa. Tanto
Paulo quanto Angelino acreditam que, apesar da resistência
que ainda existe em empregar
homens para trabalhos domésticos, há a possibilidade de
expansão masculina sobre as
atividades ainda tipicamente
femininas.
20
GERAL
A Baixa em baixa
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Carlos Eduardo Oliveira
Esquecida pelos poderes públicos e pelo setor privado, a Baixa dos Sapateiros resiste como importante centro comercial, mas
enfrenta graves problemas de infra-estrutura e vê entregue ao abandono as memórias do tempo em que era a área mais glamourosa
da cidade.
Antes conhecido como Palácio das Maravilhas, Cine-Teatro Jandaia sofre, hoje, risco de desabamento
Carlos Eduardo Oliveira
C
alçadas apertadas, centenas de vendedores nas
portas das lojas, fachadas
corroídas pelo tempo, antigos
cinemas abandonados... A paisagem da Baixa dos Sapateiros
revela que a avenida continua
sendo um dos mais importantes
centros comerciais de Salvador,
apesar dos problemas de infraestrutura e do processo de decadência por que passa desde que
começou a disputar público com
outras áreas de comércio e lazer
da cidade. O descaso dos poderes públicos e do setor privado
compromete, ainda, o patrimônio
arquitetônico de uma das áreas
mais nobres da Salvador do século XX.
O arquiteto e urbanista Luiz
Baqueiro lembra que a Baixa dos
Sapateiros, cujo nome inicial era
Rua da Vala, passou a receber
essa denominação devido à instalação de diversas casas de couro
e tendas de sapateiros ainda no
século XIX, por conta da expansão do comércio da Cidade Baixa.
Baqueiro lembra que a arquitetura
dos prédios ao longo da avenida,
a maioria de estilo neoclássico,
foi exigência do governador José
Joaquim Seabra (nome oficial da
Baixa dos Sapateiros). Hoje, qua-
se todos os casarões têm apenas
o primeiro pavimento ocupado,
geralmente por lojas, e carecem
de urgentes reformas na estrutura e na fachada.
A Baixa dos Sapateiros se tornou, já no início do século XX,
um importante centro cultural
da cidade, devido à implantação
de grandes cinemas ao longo da
avenida. O primeiro deles foi o
Cine-Teatro Jandaia. Conhecido
na época como o “Palácio das
Maravilhas”, o espaço dispunha de 2200 lugares e chegou
a receber Carmem Miranda em
1932. O Jandaia mudou algumas
vezes de proprietários e, a partir
da década de 80, passou a exibir
filmes pornôs. Uma década após
o encerramento total das atividades, o imponente prédio perdeu
parte da cobertura e hoje apresenta graves problemas de infraestrutura, correndo risco de desabamento.
A situação de abandono do
Cine Pax é quase semelhante.
A partir dos anos 80, o cinema
também passou a exibir filmes
pornôs, chegou a ser interditado pela SUCOM e ocupado pelo
Movimento dos Sem-Teto. José
Ambrósio Filho, 52 anos, sapateiro desde os 12 e um dos poucos
profissionais encontrados ao longo da avenida, conta, orgulhoso,
que trabalhou como operador no
Cine Pax. “O cinema tinha 1200
cadeiras e três sessões diárias”,
lembra. Os sapateiros perderam
espaço para as dezenas de lojas
de calçados ao longo da avenida,
mas para Ambrósio Filho a função
ainda é requisitada: “ainda recebo muitos pedidos de conserto”,
conta, apontando para um sapato
número 53.
Perguntado se freqüenta o Cine
Tupy, o último grande cinema em
atividade na avenida, o sapateiro
é enfático: “Hoje, lá só tem travesti”. Cristóvão Contreiras, 41
anos, gerente do Tupy há 6 anos,
conta que freqüentava o cinema
nos tempos em que eram exibidos filmes dos Trapalhões em vez
de pornôs. Contreiras informa que
o antigo cinema pertence hoje à
Orient Filmes e desconhece qualquer proposta de venda ou recuperação do espaço. “Cinema de
shopping tem mais comodidade e
segurança. A tendência do cinema de bairro é acabar”, conclui.
A segurança é um dos maiores
GERAL
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Idéias existem, mas falta o
apoio do poder público
Cosme Brito, presidente da Albasa
problemas apontados por Contreiras na avenida. “Durante o fim
de semana, isso aqui é horrível.
De vez em quando passa alguma
viatura por conta do Pelourinho.
À noite, a porta do cinema vira
albergue, com gente usando drogas”, denuncia, apontando para o
módulo policial que fica a 50 metros do Tupy.
A questão da insegurança
também é levantada por Eliezer
da Hora, 60 anos, que trabalha
como barbeiro há 40 anos em um
pequeno salão numa transversal
da Baixa. “A gente anda sobressaltado, mas quem trabalha tem
que vir trabalhar mesmo”, desabafa. O barbeiro lembra que “no
tempo do bang-bang, ia a todos
os cinemas” e lamenta o declínio
da região: “O movimento hoje é
um fracasso. Com o comércio de
bairro hoje, quem é que quer vir
pra Baixa correr o risco de ser assaltado?”.
Lúcia Sales, 48 anos, moradora da avenida, conta que a filha
e a nora já sofreram assaltos na
avenida. Para Sales, que trabalha
como caixa num restaurante no
primeiro andar do prédio onde
mora, as previsões não são animadoras: “Isso aqui há 15 anos
não tinha nem condição de andar. O comércio, se Deus não tiver misericórdia, daqui a 10 ou
15 anos vai fechar”, projeta.
Luz no fim do túnel
Para Cosme Brito, 53 anos,
presidente da Associação de Lojistas da Baixa dos Sapateiros
(Albasa), as projeções não são
catastróficas. Brito conta, orgulhoso, que trabalhou como ambulante na avenida entre 1969
e 1973. “Antigamente, era um
formigueiro, mas hoje ainda tem
seu público fiel”, afirma, e, como
bom comerciante, faz sua propaganda: “aqui você compra qualidade com preço baixo”.
Para Brito, a prática dos preços baixos é uma vantagem da
Baixa dos Sapateiros em relação
aos shopping centers, devido aos
custos de aluguel dos imóveis.
“Se minha loja estivesse em shopping, pagaria 6000 reais. Aqui,
pago 500”, exemplifica. Entretanto, de acordo com o Censo Empresarial da Baixa dos Sapateiros
realizado pelo SEBRAE em 2005,
entre 2000 e 2005 o número de
estabelecimentos comerciais sofreu redução de 19,7%, passando
de 715 para 574. A falta de clientes, capital de giro e segurança são os três problemas que
mais afetam o comércio da
avenida, segundo os consultados pelo censo.
Sobre a falta de segurança pública, Brito revela que
“a insegurança aumenta,
principalmente, depois que
o comércio fecha. Os comerciantes têm que apelar para
a segurança privada. Nossa
reivindicação é pela instalação de câmeras na avenida”.
A respeito da revitalização
da Baixa dos Sapateiros, Brito afirma que a Albasa tem
apresentado propostas e
negociado com a Prefeitura,
mas confessa: “idéias existem, mas falta o apoio do
poder público. A área precisa
ser vista com outros olhos”.
Dentre as principais propostas da associação para
a revitalização da Baixa dos
Sapateiros estão a transformação do Jandaia em SAC
e do PAX em centro cultural,
mas as idéias esbarram na
falta de interesse das empresas proprietárias e dos poder
público na recuperação dos
imóveis. A Albasa reivindica
ainda a melhoria da iluminação, a instalação de sanitários
públicos e o reordenamento
do tráfego de veículos.
Segundo Brito, as propostas
de revitalização foram encaminhadas à Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Social, mas
“ainda não saíram do papel”. E
completa: “meu desejo é que o
poder público se sensibilize, tomando o encargo de recuperar
a Baixa, o que será um benefício
para toda a cidade”. Para o arquiteto e urbanista Luiz Baqueiro,
colaborador do Fórum Municipal
para o Desenvolvimento Sustentável do Centro de Salvador, “não
é possível olhar a Baixa dos Sapateiros dissociada do Centro Histórico, que é geralmente restrito ao
Pelourinho”.
21
Baqueiro lembra que antigos
projetos como os da construção
de túneis ligando a Barroquinha
ao Vale dos Barris e à Contorno
também nunca saíram do papel.
Dentre as suas propostas para
a revitalização da avenida, estão
a construção de uma galeria de
arte entre o Pelourinho e a Baixa
dos Sapateiros, a transformação
do Jandaia em teatro de ópera,
a recuperação das fachadas e a
implantação de iluminação cênica
ao longo da avenida. Sonhos à
parte, Baqueiro desabafa: “ando
desacreditado do poder público,
mas continuo acreditando. Revitalizar a Baixa dos Sapateiros é
possível”.
Carlos Eduardo Oliveira
Cine Pax: descas o com o patrimônio arquitetônico da Baixa dos Sapateiros
22
GERAL
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Trago seu amor em três dias
Quem são e como vivem os videntes que oferecem seus
trabalhos através dos classificados
Lis Nogueira
Apesar de não legalizado, o serviço é amplamente divulgado na cidade
Gabriela Teixeira
Lis Nogueira
S
alvador é conhecida como
“cidade de todos os santos”. E não existe título mais
apropriado para caracterizar a
explosão de casas de videntes,
ciganos, “umbandeiros”, espíritas
e afins ao redor da cidade. Com
os mais diversos tipos de anúncio
que vão desde a limpeza de aura,
fechamento de corpo, abertura de
caminhos, volta da pessoa amada, fim de frieza sexual e até resolução de problemas políticos, a
popularidade destes profissionais
místicos é mais uma prova do que
se pode alcançar com promessas
milagrosas e uma boa propaganda.
Mestre Yanko, um dos médiuns
mais famosos de Salvador, “conhecido em todo o Brasil e na Europa”
(como ele mesmo faz questão de
ressaltar), veicula sua campanha
publicitária em rádios, panfletos,
jornais e cartazes, e tem como
marca registrada o slogan: “Mestre Yanko: sempre imitado, mas
nunca igualado”. Segundo ele,
tudo começou aos sete anos de
idade, quando passou a “sentir a
presença de espíritos, causar manifestações nos médiuns e ter premonições”. Hoje, aos 30 anos, ele
não tem do que reclamar: mora
em uma casa com piscina no bairro do Itaigara, dispõe de secretária (sempre vestida com uniforme
personalizado), assessora de imprensa, e vive cheio de penduricalhos de ouro.
Pelo valor simbólico de dez reais, Mestre Yanko é capaz de ver
o destino do cliente em uma área
específica de sua vida, como amor
ou saúde. Se a consulta for geral,
abrangendo todos os campos,
o valor dobra. Em seu escritório,
repleto de santos, velas, incensos
e algumas cédulas, ele se sente à
vontade, inclusive para discutir ao
telefone a respeito de sua banheira quebrada ou sobre a chegada
de alguns espanhóis que seriam
seus clientes em breve. É um dos
únicos profissionais de confiança
em Salvador, afirma, e o sucesso
faz com que atenda pessoas de
diversas partes do mundo. Ao fim
da consulta com os búzios, o Mestre sinaliza a necessidade de uma
limpeza espiritual, que poderia ser
feita ali mesmo, por apenas 120
reais.
Outra celebridade mística é
Dandara de Yemanjá, taróloga
e espírita que também reside e
atende em um bairro nobre da cidade. Aparentemente, não apresenta dificuldades financeiras e
não lhe faltam clientes – atende
uma média de seis pessoas por
dia, segundo sua secretária. Em
sua garagem, exibe um Toyota Hilux e um Honda Civic, e na sala,
uma televisão de plasma de 42
polegadas, o que talvez justifique
certo desinteresse em atender e
um atraso considerável para as
consultas.
Há diversas classificações entre
os profissionais da área. Alguns se
descrevem como ciganos, outros,
espíritas ou pais de santo, sem
que se saiba ao certo qual a diferença entre estas especialidades.
Eles, no entanto, fazem questão
de ressaltar que só fazem trabalhos na linha da mesa branca, ou
seja, apenas trabalhos para retirar
o mal e fazer o bem. Inspirados
nas técnicas de marketing, estes
prifissionais não hesitam em assegurar sua “satisfação garantida,
ou o seu dinheiro de volta”.
Residente em uma mansão no
Caminho das Árvores, Irmã Lasmin surpreende ao ser vista pela
primeira vez. Jovem, loura, barrigudinha e de fala mansa, ela não
se assemelha nem um pouco ao
imaginário dos videntes, macumbeiros e afins. Na pequena sala
em que atende, o tom místico é
garantido por todas as costumei-
ras velas, incensos e imagens,
embora o verdadeiro toque especial seja dado por uma galinha
sem cabeça atacada pelas formigas e um crânio humano de procedência desconhecida. Depois
de receber seus 20 reais, Irmã
Lasmin estuda as cartas, a bola
de cristal, joga as pedras e inicia
sua consulta fazendo agourentas
preleções sobre um amigo traidor,
uma mulher misteriosa que deve
roubar um amado, além de muitos espíritos obsessores. No fim
ela oferece um trabalho que deve
afastar todas as pessoas ruins e
espíritos oportunistas mediante
o pagamento da quantia de 370
reais. O dinheiro, Irmã Lasmin
insiste em ressaltar, deve servir
apenas para pagar os materiais,
nunca para benefício próprio.
Direcionada para o lucro, ou
não, a renda de videntes como
Mestre Yanko e Irmã Lasmin, fica
numa média de 4.500 reais mensais, supondo uma quantidade
média de seis clientes por dia, de
segunda a sexta, e o adicional de
três ou quatro trabalhos por semana a um preço que pode variar
de 100 a 500 reais, a depender do
serviço desejado.
Apesar de extremamente divulgada, este tipo de atividade não
é legalizada. É verdade que existe um artigo na constituição que
garante a liberdade de cultos, e
até divulgação dos mesmos, no
entanto, não são poucos os casos
de processos contra esse tipo de
profissional. As acusações mais
comuns são de charlatanismo,
extorsão e até estelionato. Procurados pela reportagem, todos
os videntes se recusaram a dar
entrevista e todas as informações
aqui contidas foram obtidas pelas
repórteres na condição de clientes. Contudo, uma coisa é certa:
com algum dinheiro, encontrar
guias espirituais é fácil, nesta cidade em que todo mundo, e ninguém, é santo.
GERAL
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
23
Uma “puta” rede de cidadania
Ângela Machado
N
o último dia 30 a polêmica grife carioca
Daspu realizou seu
primeiro desfile em Salvador.
O evento, realizado no Baobá
Café Social, reuniu convidados
que viram prostitutas e modelos masculinos que desfilaram
a coleção criada pelo estilista
Sílvio de Almeida.
A marca, no entanto, é apenas um dos frutos da persistência de uma prostituta consciente de que seu papel social não
se restringia apenas a satisfazer sexualmente seus clientes
na cama, mas também ajudar
as colegas de trabalho a reconhecer seus direitos e a melhorar sua condição de vida.
Há mais de 30 anos, sob os
Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, a prostituta Gabriela
Silva, 54 anos, vendia o corpo
e tricotava redes ao mesmo
tempo. A relação de Gabriela
Wendell Silva
com o tricô sempre foi muito
próxima, e o primeiro ponto
foi dado no início dos anos 70,
quando protestou em passeata
contra a violência policial para
logo depois discursar no palanque da vereadora Benedita
da Silva.
Não demorou a ousar ainda
mais e criar, de uma só vez, a
Ong Davida e a Rede Brasileira de Prostitutas. Aposentouse da “vida fácil” sem direito
a pensão estadual e continuou
solitária seu tricotado até fechar o tecido com a criação da
Daspu. Os holofotes chegaram
quando um processo movido
pela Daslu acusou a grife de
sujar sua imagem.
Gabriela está consciente de
sua condição de persona-nongrata no ambiente da moda
nacional. Talvez por isso faça
questão de desdenhar dos cadernos culturais, programas
de tv e festas que surgem no
caminho. “Não ligo [para os
A polêmica da audiência pública realizada pela Câmara Municipal de
Camaçari sobre um “putódromo” não passou de um grande mal entendido. A pedido dos vereadores José Mattos (sem partido) e Janete
Ferreira (PMDB), os parlamentares convocaram os diversos segmentos da sociedade local para discutir questões de segurança nos prostíbulos da região urbana de Camaçari, alvo de constantes reclamações dos moradores de bairros familiares como Triângulo e Avenida
Concêntrica. Para boa parte da população e para mídia, porém, o
motivo da convocação era a criação de uma região para concentrar
e regulamentar a existência das Zonas do Baixo Meretrício (ZBMs),
um centro de lazer e sexo próximo à Salvador. Dividida entre críticas
à criação do local e a possibilidade de tornar-se a primeira cidade do
Brasil com um centro como esse, a população apresentou-se na sessão da Câmara para debater os transtornos causados pelos bregas.
“Ao discutir os problemas dos prostíbulos de Camaçari, discutimos
o alto índice de violência, o tráfico de drogas e a prostituição de
menores nos bairros onde estão instalados os prostíbulos”, indicou a
vereadora Ferreira. Por muito pouco, o paraíso para frequentadores
das ZBMs não foi aqui ao lado!
Fernando Duarte
Rede de prostíbulos em Camaçari?
Gabriela Silva, criadora da Rede Brasileira de Prostitutas, da ong Davida e da grife Daspu
convites]. Não vou a baladas,
gosto é do boteco da minha
rua. Fico em casa, faço tricô e
escrevo”, garante.
O próximo passo da empresa
é ampliar a atuação para o ambiente de cooperativa. Para a
dona da grife, a iniciativa ajuda
a ampliar o público ao investir
nas complexidades do mundo da moda. Pessoalmente, a
meta é realizar um ato político
inscrevendo-se no INSS como
prostituta autônoma, além de
aguardar a votação de um projeto de Lei que torna os prostíbulos legais.
“O projeto é do [Fernando]
Gabeira (PV-RJ) e tira do crime
os empresários da prostituição
para que eles possam cumprir
os deveres trabalhistas com as
prostitutas. Estou cansada, formando substitutas”, confessa.
Uma das fiéis escudeiras de
Gabriela é a companheira de
profissão baiana Fátima Medeiros, que representa a empresa na Rede Latinoamericana e
Caribenha de Trabalhadoras de
Sexo. Junto com a colega de
rua Marilene Silva, uniu-se à
Davida e com o apoio da ONG
fundaram a Associação das
Prostitutas da Bahia (Aprosba).
“Para mim, Gabriela Silva
é um exemplo a ser seguido”,
elogia Fátima. Nas palavras da
prostituta, a criação da Davida
é uma audácia e uma inspiração
à classe em todo o Brasil. “Não
uso chapéu, mas se usasse, eu
tiraria. Antes tinha vergonha
de ser puta, mas hoje me sinto
muito melhor”, resume.
A Aprosba já possui sede
própria doada por um antigo cliente e atualmente conta
com cerca de 1200 associadas.
Mesmo assim, ainda há muitos
obstáculos para a associação.
“Elas chegam aqui se queixando, mas na hora de denunciar
na delegacia, a vítima não se
assume como puta. A maioria
não paga a mensalidade de R$
5, 00 da associação, quer apenas se beneficiar. Assim, a gente precisa fazer programas na
hora do almoço para pagar as
contas”, reclama Marilene.
24
GERAL
Puro Swing
Álvaro Andrade
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
O pouco conhecido mundo da troca de casais e seus
freqüentadores, que ainda preferem se esconder em reclusas
festas pelas madrugadas da cidade.
Bruno Santana
João Gabriel Galdea
É
Sem reconhecimento sindical, estima-se que boates de swing não sejam mais de 20 na cidade
pouco mais de meia-noite, e a pequenina senhora
grisalha com ares e paciência de avó continua a receber,
entre abraços e sorrisos, juntamente com o seu marido, os poucos clientes que vagarosamente
vão ocupando as mesinhas redondas da boate. Em meio à iluminação excessivamente vermelha e à espessa fumaça de gelo
seco, os rostos submergem numa
penumbra incandescente incapaz
de ser dispersa pelos poucos ventiladores em funcionamento distribuídos pelas paredes do salão
retangular. Mesmo assim, Lica*, a
pequenina senhora, trajando um
singelo conjunto de viscose rosa e
bege com estampas florais, e com
um par de óculos dependurados
pelo pescoço, não se engana ao
reconhecer os novos e velhos
clientes. Para os veteranos, sobram beijos e abraços. Já para os
novatos, Lica oferece um passeio
pelos aposentos da casa, enquanto dá explicações sobre as regras
do encontro. Há oito anos, ela e
seu marido Orlando*, um senhor
de poucas palavras e escassos cabelos, administram a boate Atiradores*, mais antiga e tradicional
casa de swing de Salvador, localizada no bairro do Rio Vermelho.
O passeio é rápido, já que a
casa tem apenas dois ambientes.
No primeiro andar estão quarenta mesinhas, quase que coladas
umas nas outras, minimamente
decoradas com vasos de flores
artificiais e forradas com toalhas
brancas e vermelhas. Ao longo
das paredes estão encostados
compridos sofás, o que facilita a
interação entre os casais. Já na
parte central do salão, atravancado com um improvisado equipamento de iluminação semelhante
a um tosco semáforo, reservouse um pequeno espaço onde os
clientes dançam e também acontecem os shows de strip tease. No
segundo andar encontram-se os
quartos coletivos, três ao todo. É
nestes locais que os swingueiros
da boate de Lica e Orlando realizam suas fantasias. Uma vacilante
iluminação amarelada tenta clarear o ambiente onde inexistem janelas ou ventiladores. O ar destes
cômodos parece embebido pela
pesada umidade. As únicas coisas
que compõem a decoração são
colchões velhos espalhados pelo
chão.
Segundo Wilson*, garçom da
Atiradores desde a sua inauguração, em algumas noites a empolgação dos freqüentadores é
tamanha que em todos os cantos da boate tem casais fazendo
sexo. Ele mesmo aderiu ao swing.
“Brinco com o seu Orlando que no
dia que ele me demitir viro cliente
na hora!”, conta. Wilson começou
a praticar a troca de casais quando passou a receber convites dos
clientes para acompanhá-los a
motéis. “Ontem (uma sexta-feira)
tinha um sujeito com duas loiras
e quando o trio estava de saída
me chamou para ir a um motel.
Isso é muito comum aqui”. Casado, depois das experiências com
freqüentadores do clube, resolveu chamar a esposa para participar das festas. Ele conta que
no início a mulher ficou receosa,
mas resolveu experimentar e até
hoje eles costumam sair com casais amigos para encontros e viagens. Lica confirma serem muito
comuns as amizades neste meio.
“Os casais se conhecem, criam laços e costumam sair não só para
transar, mas para fazer programas
convencionais”, comenta Lica.
O perfil dos clientes da boate,
segundo os proprietários da casa é
semelhante ao que Júlio Morgado,
GERAL
no mais...
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Swing Lusitano
O livro “Swing”, de Júlio Morgado, observa a ‘expansão’ da prática
sexual alternativa em Portugal, um país extremamente conservador e
moralista. Morgado teve acesso à comunidade de swingueiros através
de dois casais, cujas experiências são relatadas no livro. Editora Artipol,
2006.
No Traição, Yes Swing
Para swingueiros soteropolitanos que utilizam o site de relacionamentos
Orkut, casais que se relacionam com outros casais, simultaneamente, não
são infiéis. “Traindo estaria se o outro não soubesse de nada, se fosse feito
escondido”, defende um membro no fórum. Os 319 casais que participam
da comunidade trocam informações, marcam encontros e divulgam
eventos através do site.
escritor português e autor do livro
“Swing”, traçou: “A comunidade
swinger pode ser uma sociedade
paralela, mas não é uma sociedade obscura. Dela fazem parte advogados, importantes quadros de
empresas, desportistas, músicos,
funcionários públicos, seu dentista, a professora de seu filho e até
o presidente de uma superpotência”. Sem levar em conta o exagero do escritor e considerando o
real prestígio de Lica e Orlando,
o retrato dos freqüentadores da
Atiradores é a classe média heterogênea. Em geral homens de
meia idade que estão no segundo
casamento. “As primeiras esposas não aceitam bem a vontade
dos maridos em experimentar o
swing. Por isso ocorre a separação”, explica Lica.
Apesar de ser uma hora da manhã de sábado, o movimento no
clube está fraco. Lica conta que
este é o melhor dia para os casais novatos conhecerem o clube.
“Os sábados são mais calmos, se
um casal quiser subir aos quartos,
só para conferir o que acontece,
não terá nenhum problema. Mas
nas sextas-feiras é outra história,
o povo faz um corredor da morte ali em cima (segundo andar) e
quem passa por lá pode ser puxado, apalpado. O pessoal é fogo”.
Mas mesmo com o assédio dos
casais mais empolgados, ela destaca que nenhum freqüentador é
obrigado a participar de nada.
A monotonia entre os casais só
é quebrada quando o DJ da festa,
de dentro de sua improvisada cabine, anuncia o primeiro show de
Sampa e Salvador
A Associação de Bares e Restaurantes
de São Paulo afirma que a capital paulista
tem cerca de 250 clubes de swing. Em
Salvador, as casas de swing não são
reconhecidas pelo Sindicato de Hotéis,
Restaurantes, Bares e Similares, e por isso
não há um mapeamento da atividade.
Os próprios donos de clubes da cidade,
devido à marginalização da atividade, não
sabem ao certo quantas boates de swing
existem em Salvador, mas acreditam que
essa quantidade não deve passar vinte.
strip tease da noite: Hanna entra as pessoas a se desvencilharem
no salão ao som de uma música das amarras das convenções soespanhola. Entre pequenas peças ciais e serem felizes vivendo com
de roupa atiradas longe, reque- prazer.
bros no colo dos clientes e cabeRegina* afirma que não foi por
los jogados para lá e para cá, pas- prazer que começou a freqüensam-se apenas dez minutos até tar os clubes, mas por desejo de
o fim da apresentação. Logo em agradar o parceiro, além do medo
seguida, é a vez de Ramon despir da separação. “Fui só pra agradar
sua fantasia marrom de policial. mesmo, e cheia de receios. Pedi
Apesar de a festa misturar álcool, pra não rolar nada até que me
erotismo e sexo, os proprietários acostumasse com a idéia, e fomos
afirmam nunca terem enfrentado duas vezes até que aconteceu
problemas com violência. “No má- com um casal”, declara. Segundo
ximo umas brigas entre o casal, ela, a discrição e o respeito entre
devido aos ciúmes. Eles discutem os praticantes deixaram-na mais
e logo depois
solta, o que a fez
vão embora; é
ceder e se sentir
preciso trabalhar
bem na situação.
a cabeça para
“A relação ficou
aproveitar a exmais
estável
periência. Para
depois daquele
os swingers, o cidia... acho que
úme precisa ser Brinco com seu Orlando que saímos fortalecisubstituído pelo no dia que ele me demitir, dos e o amor e a
prazer em ver o
confiança é muiviro cliente na hora.
seu parceiro feliz
to maior hoje”,
Wilson, garçom
em realizar uma
garante.
fantasia”, afirma
O garçom WilLica.
son afirma que consegue separar
Alguns casais praticantes acre- sentimento de vontade. “Se eu ou
ditam que o swing é um estilo de minha esposa temos vontade de
vida baseado na compreensão transar com outro casal ou com
das fantasias do parceiro e da su- quem quer que seja, por que não
peração da hipocrisia que quase aceitarmos isso e vivenciarmos
sempre leva à mentira e à trai- a experiência juntos? Uma coisa
ção. Para eles é natural que um é o amor, outra é o desejo”. Lica
dos indivíduos sinta desejo sexual completa explicando que não é
por alguém que não o seu com- apenas a liberdade sexual que capanheiro. Segundo Morgado a tiva os praticantes do swing, mas
monogamia é uma superstição da também o voyerismo e a adrenalimente humana. O escritor consi- na em ver o seu parceiro(a) fazendera a troca de casais uma ativi- do sexo com outra pessoa, o que
dade nobre e libertária, que ajuda termina apimentando o relaciona-
25
mento. “Os casais comentam que
se sentem instigados quando praticam swing, às vezes a adrenalina dura muitos dias. Tem uns que
vem aqui de mês em mês, só para
recarregar as energias”. O antropólogo Roberto Albergaria concorda com a proprietária da boate
quando ela afirma que a troca de
casais é um recurso para apimentar um relacionamento mergulhado na mesmice: “o swing é uma
tentativa de quebra da monotonia
do casamento. E, neste sentido,
a prática teria o mesmo efeito revigorante de um domingão divertido numa semana entediante”,
afirma. No entanto, ao contrário do discurso de Morgado e de
muitos adeptos que distinguem o
swing como uma prática libertária,
o antropólogo destaca o viés neoconservador deste estilo de vida,
definindo-o como um simulacro
de aventura muito bem regrada
num mundo em que tudo é rotina. “A troca de casais é a fantasia
de uma outra vida, um teatrinho
de liberdade bem arrumadinho e
segurinho. Uma armação funcionalmente conservadora, pois serve, justamente, para conservar os
casamentos dos burgueses liberais. Por isso, acho que ele funciona muito menos como uma prática (sexo real) do que como uma
representação”, completa.
Indiferentes às diversas abordagens que são e poderiam ser
feitas pelos poucos especialistas e inúmeros curiosos que resolvessem debruçar-se sobre
o swing na capital baiana, logo
após o final dos shows eróticos
de Hanna e Ramon, os casais da
festa dirigiram-se para os quartos. A boate vazia e sua iluminação avermelhada ficaram a ser
contempladas por Lica e Orlando, que atrás do caixa tentavam
disfarçar o marasmo de quem
no dia anterior foi dormir às seis
horas da manhã. Wilson e o DJ,
escornados no sofá, esperavam
o tempo passar e os casais cansarem e decidirem voltar para as
suas casas.
*Nome fictício
26
geral
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Bombardeio em Salvador
Na falta de fiscalização, uso de anabolizantes sem prescrição médica nas academias da cidade não pára de crescer e se dissemina entre jovens
Sylvio Quadros
O
aumento do consumo indiscriminado de substâncias
anabólicas por jovens soteropolitanos é uma verdade visível,
embora mascarada por seus próprios
usuários. Influenciados por outros
adeptos ou por revistas de culto ao
corpo, muitos aderem à prática temendo menos os riscos a uma provável identificação. “Ninguém gosta de
se associar a droga alguma. Preferem
dizer que o corpo é resultado de um
trabalho prolongado”, diz o promoter
Rafael T., 24 anos, ex-usuário e amigo
de quatro fisiculturistas que fazem ciclos sistemáticos com anabolizantes.
“Mas a galera usa mesmo”, reitera.
Usuário desde os 18 anos, o estudante Marcelo L., 21, não se inco-
moda com os perigos alardeados por
especialistas. Diz que todo o esforço
é recompensado, por exemplo, numa
ida à praia, músculos expostos. Celinho, como é conhecido entre os
amigos, sempre gostou de evidência.
Martirizado pelo excesso de vaidade
e autocrítica que costuma acometer
grande parcela de adolescentes e
pós-adolescentes entre 14 e 24 anos,
o ex-garoto mirrado de Ondina encontrou nos esteróides anabólicos a oportunidade de transformar seu físico,
elevar a auto-estima e atender às exigências de um regime silencioso, mas
não menos autoritário: a ditadura do
corpo perfeito. “Tomo bomba pra impressionar mulher”, diz o estudante,
explicando o porquê das aplicações.
“Hoje, quem não é fortinho já entra
numa parada perdendo”
Álvaro Andrade
Vítimas da ditadura
do corpo perfeito,
jovens recorrem a
anabolizantes para
parecerem mais
fortes
Vaidade perigosa
“Exceto o médico, nenhum proO argumento de Marcelo não é fissional pode receitar essas subsexceção. Hoje, no epicentro de um tâncias. Agora, quem procura acha.
mundo
onde
Os esteróides
tudo que é fácil
podem ser ene imediato agracontrados em
da ao olhar, uma
qualquer lugar,
leva cada vez
e com facilidamaior de jovens
de”, diz MarHoje,
quem
não
é
fortinho
já
vê nos anabolicus, referindozantes o sonho entra numa parada perdendo se às casas de
de ganhar status
produtos veteMarcelo L.
e respeito entre
rinários, para
os colegas, nem sempre consideran- onde recorrem os usuários de baixa
do seus males à saúde do organismo. condição financeira. O dono de um
Crescimento anormal de pêlos, en- centro rudimentar de musculação no
grossamento da voz, insônia, altera- centro de Brotas, que preferiu não
ções testiculares e intoxicações hepá- se identificar, compartilha da mesma
ticas são alguns dos efeitos colaterais opinião. “Dá para sentir logo quando
previstos pelo uso não-controlado o cara está ‘se injetando’. Você vê um
dessas substâncias, como esclarece o aluno chegar magro e, em uns dois,
nefrologista José Andrade Moura Jú- três meses, sair outro, todo inchado.
nior. “Como algumas dessas drogas Depois pára de malhar, e emagrece.
ajudam a reter líquido e o corpo não Fica nesse efeito sanfona”. Apesar
acompanha com uma vascularização de frisar que adota as medidas caadequada, um quadro de hipertensão bíveis para coibir o uso de “bombas”
também não é incomum. Em muitos em seu estabelecimento, o próprio
casos, os usuários podem desenvol- dono admite uma boa dose de pasver até mesmo transtornos de or- sividade. “Certa vez uma funcionária
dem psicológica, como o aumento da estava fazendo a faxina no sanitário
agressividade”, diz.
e furou o dedo numa seringa que
Não admitir o uso de anaboli- tinham jogado dentro da caixa da
zantes virou lei entre os adeptos, descarga”, ilustra, displicente.
o que torna quase impossível uma
abordagem aberta e franca sobre Chegando junto
o tema. “Eles nunca se entregam”,
Para Paulo Reis, um dos diretores
sentencia o instrutor Yuri Sampaio, da academia RPM Fitness, a tática é
da academia Villa Forma, uma das dialogar. “Quando sinto que alguém
mais badaladas e caras da cidade. aqui está usando, chego junto. Não
Ali, de acordo com o personal trai- permitimos essas coisas”, frisa. Já
ner Marcus Paulo Brito, cerca de 15 o estudante de matemática e cama 20 pessoas - num universo de cer- peão baiano de karatê Aderbal Soca de 600 a 700 freqüentadores por ares, da Universidade Federal da
dia - não se incomodam em recorrer Bahia (UFBA), é menos enfático:
a essa ajuda externa para ganhar “Isso é da conta de cada um. Mas
massa muscular ou perder peso, o tem gente que exagera a tal ponto
que inclui desde jovens recém-saídos que, de tão ‘estourado’, parece ser
da puberdade até mulheres desejo- até de outra espécie”. “São os Gosas de um corpo livre das temidas rilla Homo Sapiens”, comenta. Nem
“gordurinhas”.
Darwin explica.
GERAL
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
27
Álvaro Andrade
Movimento luta pela
legalização da maconha.
Lais Vita
C
omposto por usuários,
simpatizantes e até mesmo mães de usuários, os
movimentos pró-legalização da
Cannabis sativa, a maconha, vêm
fomentando discussões e colocando em voga os benefícios da
liberação da droga. O assunto
veio à tona mais uma vez com a
aprovação da nova Lei Antidrogas,
em 23 de agosto de 2006, que
determina a proibição da prisão
por consumo de entorpecentes e
estabelece penas alternativas.
Os próprios usuários dividemse entre apoio e oposição às causas do movimento. T. S., 23 anos,
barman, fuma desde os 20 e é
favorável à total liberação: “pra
mim , faz bem. O que eu quero
pra mim, quero para os outros.
Isso vai quebrar tabus porque os
incubados vão começar a fumar.
Sou a favor porque eu gosto de
viver a minha vida sem ninguém
me julgar”. Já J. P., 21 anos, estudante, é contrário à legalização e
acredita que ela vai induzir as pessoas ao uso, devido à banalização
da droga. “A sociedade não está
preparada pra absorver a maconha agora”, diz.
Sérgio Vidal, 28 anos, estudante de antropologia na Universidade Federal da Bahia, está à frente
do movimento pró-legalização em
Salvador. Desde o seu ingresso
na Faculdade de Ciências Sociais,
em 2001, participa do Grupo Interdisciplinar de Estudo sobre
Substâncias Psicoativas (GIESP)
e desenvolve pesquisas na área,
conduzidas pelo professor Edward
MacRae. O movimento tem como
foco principal a luta por políticas
mais justas e eficazes, com tolerância e regulamentação do uso
das drogas.
Vidal busca aprofundar questões referentes ao posicionamento
quanto à legalização e diz não ser
Dá pra
legalizar?
possível manifestar-se totalmente garantir a eficácia das medidas
contra ou a favor da liberação do adotadas. “Nós somos a favor da
uso da maconha. “A idéia que se legalização, mas esse termo está
tem é que o movimento é uma tão banalizado quanto o termo
coisa simples. Você luta por algo e droga. Eu prefiro regulamentação
quando isso acontece, ponto. Não ou normalização, que traz consigo
é assim. Se eu falo em legalização, uma determinada cultura de conisso significa tornar uma substan- sumo para dentro da sociedade,
cia lícita, como o café, onde não entendo-se que ela não é liberada
há regulamentação. Essa também para se fazer o que quiser, mas
não é uma solução boa, porque aí também não é proibido o acesso
estaríamos ignoà substância. As
rando aqueles que
pessoas têm que
possuem probleperceber que cada
mas com drogas”.
realidade é única”.
Ele considera imÉ a partir desse
portante estabele- “Eu acho que a sociedade pressuposto que o
cer uma distinção não está preparada para movimento defenentre liberação e absorver a maconha agora” de que a estrutulegalização. No priração do uso deve
J.R.
meiro caso, a subsser feita a nível
tância seria taxada
local, criando-se
como produto qualquer, livre para uma lei ou política nacional que
consumo. No segundo, haveria permita que cada estado regule o
uma regulamentação estabele- consumo atendendo as suas necendo formas desse produto ser cessidades e problemas. “No Bravendido legalmente, como hoje sil, o questão da maconha no Sul
ocorre com bebidas alcoólicas e é diferente do Nordeste. No Sul
cigarros.
ela vem da fronteira com o ParaA luta é para que as políticas guai, o que envolve crime orgapúblicas relativas a drogas con- nizado. Já aqui é principalmente
siderem todos os setores da so- pelos cultivos de famílias, que pociedade e contemplem estudos, dem estar ou não envolvidas com
pesquisas e análises de modo a a violência. Então essas especifici-
dades devem ser estudadas”.
Quanto aos danos causados
pela substância, Sérgio afirma que
o argumento que coloca a Cannabis como porta de entrada para
drogas mais pesadas não tem fundamento. “Se a droga vai ser pesada ou leve, isso depende da sua
relação com ela, e não da droga
em si. Dessa forma o álcool poderia também ser considerado porta
de entrada”. Ele afirma também
que os principais danos à saúde
não são causados pelas propriedades psicoativas em si, mas sim
pelo hábito de fumar, que prejudica boca, garganta, pulmão, (como
o tabaco, que é legal) e pelas condições com que são plantadas, armazenadas e distribuídas, já que
não há garantia de qualidade na
ilegalidade.
O movimento tem como principal inimigo a moralidade na qual
a sociedade está imersa. Sérgio
assegura que os preconceitos
são quase sempre embasados
em pura ignorância. “Com a legalização o usuário não vai mais
precisar se esconder e viver numa
atitude de auto exclusão”. E ainda
acrescenta: “Uma política pública
de drogas não pode estar à mercê
da moralidade da sociedade”.
28
GERAL
Detalhes e particularidades da
profissão de coveiro
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
rio Jardim da Saudade.
Ganhar a vida com dignidade,
não importando a ocupação, é a
filosofia de Daniel e de seus dois
colegas: Fábio dos Santos Barbosa, 33 anos, e Aldino Santos dos
Anjos, 38 anos (a alta proliferação
dos “Santos” faz com que seus sobrenomes sejam uma mera coincidência). Os três se iniciaram como
coveiros depois de terem tido o
currículo aceito pelo cemitério.
Sim, currículo, afinal é um emprego como tantos outros e é necessária uma seleção. O gerente do
Jardim da Saudade, Alcides Antônio de Santana, 60 anos, lembra,
entretanto, que este realmente
não é um trabalho para qualquer
um. Para avaliar as condições dos
candidatos, é feito um psicoteste.
Portanto, aqueles com impulsos
sexuais por defundos (necrófilos)
são dispensados e os que têm pavor deles (necrófobos) também.
Apesar do psicoteste, Daniel e
seus companheiros contam que
no início é, de certa forma, perturbador ter de lidar com a morte
todos os dias e que é requerido
um tempo para se acostumar. Inclusive, alguns funcionários nun-
ca se adaptam, nem agüentam a
pressão e acabam saindo. A maior
dificuldade, na verdade, não é
exatamente encarar o morto, mas
ver o sofrimento e as lamúrias dos
parentes do falecido. É comum
quererem impedir o fechamento
do caixão e até se atirarem para
dentro da cova. É justamente por
essa exacerbação de sentimentos
que, segundo Daniel, “os parentes
descontam a frustração na gente.
Não têm pena de dizer na nossa
cara coisas do tipo: ‘Lá vem os miseráveis levar ele embora’”. Dessa
forma, eles estão cientes do preconceito que sofrem e como são
imaginados como carrascos.
Os três lembram como as reações são sempre das mais diversas e que muitas vezes a responsabilidade da desgraça que abate
a família parece recair sobre eles.
Existem aqueles que reconhecem,
como eles têm orgulho de assinalar, o seu “profissionalismo”, e
lhes dão gratificações. Entretanto,
o mais comum é a indiferença ou
até mesmo a violência. Daniel conta que depois de um enterro um
dos familiares se revoltou e deu
um soco no rosto de um de seus
Eduardo Ross
Eduardo Ross
M
uitas vezes, para sair da
fila do desemprego, talvez seja recomendável
procurar alguns ofícios “alternativos”. Chega de tantos “serviços
gerais”, vigilantes, motoristas, domésticas e atendentes de telemarketing. O mercado já está saturado dos típicos empregos ofertados
pelo SIMM (Serviço de Intermediação de Mão-de-obra) ou em programas televisivos como o “Bahia
Meio-dia”. Fora disso há espaço
para outras investidas. Um exemplo é Daniel Barbosa dos Santos,
32 anos, que, para se livrar da estagnação profissional, deixou de
lado alguns preconceitos e hoje
trabalha como coveiro no cemité-
Profissão inclui trabalho como pedreiro para os túmulos, restaurador e escavador de covas
geral
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
29
Eduardo Ross
Os parentes descontam a frustração na
gente. Não têm pena de dizer na nossa cara
coisas do tipo: ‘Lá vem os miseráveis levar
ele embora’
Daniel Barbosa dos Santos, coveiro
Em Salvador, 19 cemitérios para 21.767 óbitos anuais
colegas, o “Dinho”. “A gente tinha
terminado o serviço e estávamos
conversando enquanto apanhávamos as ferramentas. O cara achou
que a gente tava debochando”.
Episódio semelhante ocorreu durante uma exumação quando um
familiar, ao perceber realmente
que o corpo de seu parente estava
sendo profanado, queria atacar os
coveiros.
Preconceito
Fazendo coro aos colegas do
Jardim da Saudade, estão Jair dos
Santos, 35, e Déri dos Santos Bispo, 34, do Cemitério Municipal de
Brotas (mais dois “Santos” para o
censo). Eles também sabem da
dificuldade da sociedade encarar
normalmente suas funções. Ambos também avaliam seus empregos como uma digna opção de trabalho. Na verdade, Déri foge um
pouco à regra, pois, segundo ele,
seu sonho desde a infância foi trabalhar em um cemitério (algumas
crianças preferem se iludir em serem astronautas, bombeiros ou policiais). Inclusive, ele afirma sentir
falta da paz mórbida que o cerca
e lamenta não poder ficar lá mais
tempo. Opção um tanto questio-
nável, a julgar pelo aspecto deplorável do cemitério, com crucifixos
e túmulos rachados e o jardim (na
realidade, um monte de terra batida) mal-cuidado. A questão parece
estar ligada à sua esposa, pois no
cemitério diz se sentir “mais tranqüilo. Em casa você ouve muita
reclamação. Você sabe, ‘menino’
e mulher dentro de casa”. Melhor
não imaginar a senhora. Entretanto, sua verdadeira justificativa é
que “aqui a gente aprende a dar
valor ao ser humano mais do que
qualquer outra pessoa”.
A filosofia de Déri serve para
provar como o momento do enterro é tão difícil para os coveiros quanto é para os familiares e
que, como Daniel e seus colegas
também haviam assinalado, por
mais acostumado que se esteja
com o trabalho, há sempre situações peculiares. Todos concordam
que não há nada pior que enterrar
os “anjinhos” (alcunha dada para
amenizar o fato de estarem enterrando crianças) ou alguém que
sofreu uma morte violenta, pois os
parentes geralmente estão mais
incontroláveis, o que também os
afeta. Jair, no entanto, faz questão de observar que “de marginal
eu não sinto pena. Aí tem
que morrer mesmo”. Déri
apóia: “O pior é quando
é enterro desses jovens
envolvidos em drogas. O
problema é que depois
os companheiros deles
ameaçam a gente.” Daniel também recorda um
momento particularmente ruim em que teve que
enterrar um de seus cole-
gas.
No geral, apesar deles admitirem serem perturbados vez ou
outra por alguma lembrança mais
forte de um dia de trabalho (com
exceção talvez de Déri, que prefere a companhia dos túmulos),
todos procuram separar suas vidas
dentro e fora do cemitério. “Claro que às vezes nem em casa se
sossega. Você liga a televisão e
vê anunciando um cara que você
acabou de enterrar. Não é fácil não
ficar com medo que aquilo aconteça com sua família também”,
diz Daniel. Mas cada um tem sua
maneira para relaxar dos seus
tão particulares dias de trabalho.
“O melhor jeito de esquecer é tomando uma”, afirma Déri. Outros
preferem ocupar a cabeça com os
filhos, o providencial jogo de futebol no sábado e no domingo e
uma praia sempre que possível.
Mas talvez não seja caso para preocupação, com tantos “Santos”,
talvez os mortos não estivessem
em melhores mãos.
Desde 2002, o Ministério do Trabalho mudou a nomenclatura
da ocupação dos coveiros tornando-os sepultadores, através da
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
O salário médio de um sepultador é de R$ 450,00. O trabalho é de cerca de 8 horas por dia com 44 horas semanais. A
função inclui, além da abertura de sepulturas, a manutenção
do cemitério.
O município de Salvador tem sua população estimada em
2,4 milhões de habitantes (de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE de 2000). A cidade dispõe de 19 cemitérios
(8 privados e 11 públicos) para atender um coeficiente de mortalidade de 439 para cada 100.000 habitantes, com um total
de 12.767 óbitos anuais (últimos dados levantados em 2004).
Esses dados levam a aproximadamente 35 mortos por dia para
serem distribuídos entre os 19 cemitérios.
Um cemitério como o do Campo Santo abriga cerca de 30
profissionais que trabalham com sepultamento (entre pedreiros
para túmulos, restauradores e manutenção em geral) sendo
que 4 são contratualmente sepultadores (trabalham exclusivamente abrindo covas).
30
GERAL
Cidadão convive com parques
abandonados em Salvador
Josenilton Freire
O
s espaços públicos
destinados à atividade física e ao lazer
em Salvador sofrem com falta
de segurança e de infra-estrutura. Nas discussões sobre o
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da capital baiana, as questões relacionadas ao meio ambiente e
locais públicos de lazer estão
em segundo plano.
Os insuficientes números
de parques estão localizados
em bairros distantes da maior
parte da população do subúrbio, o oposto do que se espera deles. A falta de segurança
constante e do abandono pela
administração pública são as
principais reclamações da população.
O parque Juventino Silva,
mais conhecido como Parque
da Cidade, é um exemplo de
como a insegurança e o des-
caso se tornaram algo comum.
Durante uma visita, a reportagem identificou problemas
como acúmulo de lixo, canal
de esgoto a céu aberto e guaritas de segurança na parte
onde há estruturas físicas,
além de outros problemas ao
longo do local.
Enquanto isso, parte da população pratica exercícios nos
locais mais inusitados. Tiago
Medeiros da Silva, 27 anos,
depois de estar 20 quilos acima do peso, optou pela caminhada nas ruas de seu próprio
bairro. “Não é exigir exclusividade de espaço, e sim melhorar estes ambientes públicos,
principalmente na questão da
segurança” opina.
Idosos e pessoas acima do
peso, na maioria das vezes,
são os mais afetados pelo sedentarismo. Gildete Novaes,
54 anos, moradora do bairro
Uruguai é um exemplo claro
de como a falta de atividade
Josenilton Freire
Praticantes de caminhada dividem espaço com pedestres, carros e bicicletas no Dique do Tororó
física afeta a saúde. Ela habituou-se a conviver com problemas sérios de saúde, como
asma, pressão alta e até uma
bronquite que poderiam ser
evitados com a prática regular de exercícios.
A indicação feita há cerca
de dois anos pelo médico foi a
solução para a melhoraria do
bem estar físico e psicológico
da aposentada. Mesmo longe
de casa, ela dedica duas horas
do seu tempo diário para fazer caminhada. “Como forma
de incentivo, deveríamos ter
uma melhor distribuição dos
parques mesmo que fosse em
áreas menores” sugestiona.
O coordenador da Secretaria de Lazer e Entretenimento
de Salvador (SMEL), Adonias
Rios Teixeira, fala que existem
projetos da prefeitura visando
um aproveitamento dessas
áreas. “Projetos estão sempre
sendo criados para incentivar
a população a praticar esporte e o lazer melhorando os
índices da qualidade de vida”.
Teixeira esclarece que a inse-
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
Josenilton Freire
De acordo com recomendações da ONU, a
relação áreas verdes/habitantes é insuficiente
em Salvador
gurança no local é acentuada
em função do pouco efetivo
de homens na Polícia Militar
e que a defasagem se dá por
motivos de mortes e aposentadorias dos policiais nas corporações.
Segundo as recomendações da ONU a exigência mínima como
padrão de qualidade de aéreas verdes é de 16 m2 por habitante. Salvador não cumpre essa meta. Existem nove parques que
representam as áreas verdes Soteropolitana situados em locais
estratégicos e de difícil acesso à população de bairros distantes.
A Prefeitura administra três deles: Parque da Cidade Juventino
Silva, o Parque Histórico Metropolitano de Pirajá e o Parque
Atlântico. O Governo do Estado administra os demais, sendo
que a Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana
de Salvador (CONDER) administwra cinco: Parque da Lagoa e
Dunas do Abaeté, Parque do Jardim dos Namorados, Parque
Metropolitano de Pituaçu Parque do Dique do Tororó e o Parque
do Costa Azul; e o Parque Zoobotânico Getúlio Vargas/Jardim
Zoológico que é administrado pela Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária.
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
ESPORTES
31
PA R A PA N
Bronze, prata e ouro para a Bahia
A despeito do bom desempenho, ainda é difícil ser para-atleta na Bahia
Ledson Chagas
Ronaldo Santos, medalhas de prata e bronze no Parapan
Ledson Chagas
A
membro da equipe de natação,
obteve duas medalhas de prata nas provas de 400 e de 50
metros livre e duas de bronze
nas provas de 100 metros livre
e de 100 metros costa. Marcelo Collet, 26 anos, também da
natação, conseguiu uma medalha de ouro no 4x100 medley
(competição que reúne quatro
estilos diferentes; costas, peito, borboleta e livre) e três de
bronze: 400 e 100 metros livres
e 100 metros borboleta. Além
dos membros baianos da equipe
de natação, a seleção brasileira
de futebol para cinco jogadores
(todos cegos, com exceção do
goleiro) também obteve medalha, a de ouro, com a colaboração de um baiano, Jefferson
Gonçalves, 17 anos.
pesar das dificuldades
encontradas para conseguir apoio no meio
esportivo, os membros baianos
da delegação brasileira de paraatletas obtiveram ótimos resultados ao ganhar medalhas em
todas as provas que disputaram
nos Jogos Parapan-Americanos,
ocorrido entre os dias 12 e 19
de agosto de 2007, na cidade do
Rio de Janeiro. A mínima contribuição baiana (apenas três
para-atletas) driblou os dados
quantitativos e demonstrou seu
ascendente potencial colaborando com o saldo de 228 medalhas do Brasil, contra as 112
do Canadá e 117 do terceiro
colocado, os Estados Unidos (o
critério principal é o de medalhas de ouro, sendo 83 para o
Cotidiano de atleta
Brasil, 49 para o Canadá e EstaO para-atleta Ronaldo Santos
dos Unidos com 37).
disputa suas provas da natação
Ronaldo Santos, 30 anos, na categoria S7, onde, aliás, ocu-
pa o primeiro lugar no ranking
nacional. Já Marcelo Collet, segundo lugar no ranking nacional
e sétimo no mundial, faz parte
da categoria S10. Essas categorias designam a gravidade da
deficiência-fisica do para-atleta.
Assim, Collet, atropelado aos 17
anos e sofrendo de privação da
sensibilidade da perna esquerda, causada pela perda muscular e secção do nervo ciático,
compete em uma categoria de
deficiência-fisica menos severa
que Ronaldo, que sofre de poliomielite dos membros inferiores.
Na categoria S1, por exemplo,
as provas são disputadas por
deficientes com paralisia cerebral.
Ronaldo, ou melhor, Ronnie,
como é mais conhecido em seu
bairro, o Alto do Coqueirinho,
trabalha na área de segurança
de um dos shopping centers da
cidade, como monitor do sistema de vídeo, no turno da tarde
e treina, pela manhã, na única
piscina de nível profissional de
Salvador, a do Estádio Octávio
Mangabeira (Fonte Nova). Falando sobre as dificuldades de
praticar o esporte em Salvador,
comenta: “No Rio de Janeiro,
você encontra uma piscina em
cada esquina”. Marcelo Collet,
estudante de Cinema e Vídeo, e
morador do Jardim Armação, fala
sobre a forma como as pessoas
“normais” observam o deficiente: “Não me incomodo quando
passo na rua e alguém, ao invés
de olhar para o meu rosto, olha
para minha perna. Entendo que
ela (a pessoa) está sentindo uma
curiosidade. Encaro com normalidade”, e brinca: Quando sofreu
o acidente, diz que se sentiu aniquilado. Considerou, inclusive, a
possibilidade de jamais voltar a
ter um relacionamento amoroso. Depois, percebeu as infinitas possibilidades de retomada
da vida. Hoje, diz: “Isso me fez
crescer muito como ser humano”. Sem tempo para descanso,
Marcelo Collet, Ronaldo Santos
e companhia se preparam agora
para os Jogos Paraolímpicos de
Pequim, em 2008.
Patrocínio
Marcelo, que ingressou no mundo dos esportes profissionais antes do
acidente, conta que não encontra tantas dificuldades assim em conseguir
patrocínios, por já ser conhecido “de outros carnavais” (chegou a ser convidado para disputar o mundial de triatlon na Suíça em 1998). Hoje, através do
Faz Atleta (Programa Estadual de Incentivo ao Esporte Amador Olímpico e
Para-olímpico - instituído através da lei Estadual nº. 7539, de 24 de novembro de 1999, que concede abatimento no ICMS - Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Prestação de Serviços), Collet é patrocinado por uma empresa de material de construção, por prazo indefinido. Ronaldo Santos, no
entanto, só conseguiu um patrocínio agora, depois do Parapan - também
através do Faz Atleta – em uma rede de lojas de eletrodomésticos, cujo possível termino está previsto para dezembro deste ano. Ronaldo diz que, em
outras competições que disputou, contou com a solidariedade de amigos
e da típica criatividade dos necessitados, fazendo rifas de quadros doados,
vaquinhas e contando com o apoio até mesmo de entidades religiosas.
32
Bastidores
Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007
“Quem é este cara?”
Nos bastidores da mídia há sempre um Carlindo Sena, anônimo para o público, mas fundamental para as emissoras
joão eça
Processo de criação
A inspiração para compor tantos personagens, de acordo com
ele, “é um presente de Deus, pois
tudo acontece quando menos espero, por acaso, enquanto executo o meu trabalho no estúdio.”
A sua rotina de operador de
gravação inclui ainda diversas outras atividades como, gravação de
Diego Mascarenhas
Q
ual o telespectador da
TV Itapoan ou ouvinte
da Rádio Sociedade que
nunca se perguntou sobre quem
seria o autor daquelas dezenas
de vinhetas, com risadas, choros
e outras aninamações, que dão a
pitada de humor durante a programação da emissora radiofônica e
são fundamentais para o apresentador Raimundo Varela segurar a
atenção do público durante o seu
programa “Balanço Geral”?
Hoje, o operador de gravação
da Rádio Sociedade, Carlindo Raimundo de Jesus Sena, 50 anos,
usa a sua graça para criar figuras
como “Risadinha”, “Vovô Gumercindo” e “Seu Asclepíades”, além
de ter inventado, no passado,
personagens de sucesso do rádio
baiano, a exemplo do Coronel Pafúnfio e do estilista Pierre Du Vier.
Antes de os seus personagens
entrarem no ar, Carlindo Sena
tem de jogar em todas as posições: criar, gravar, editar e ainda
por cima, produzir suas vinhetas.
Segundo ele, a recompensa por
tanto trabalho é o fato de poder
mexer com a imaginação do público. “As pessoas me param na
rua e perguntam qual a idade do
“Vovô Gumercindo” (personagem
que dedura os bandidos reais de
Salvador), como ele se protege ou
se vai à rádio trabalhar todos os
dias”, diverte-se Carlindo.
Carlindo Sena trabalhando nos estúdios da Rádio Sociedade
matérias e noticiários dos repórteres, organização das chamadas e
dos comerciais veiculados durante toda a programação, além das
exaustivas edições de longas entrevistas ou reportagens. Ele não
reclama. “Tenho um verdadeiro
caso de amor por esse veículo
de comunicação chamado rádio,
por seu dinamismo apaixonante,
e até mesmo aquelas atividades
de operador consideradas mais
cansativas, eu gosto de realizá-las
e executo como se fosse a última
vez, com todo o carinho”, derretese Sena.
Sobre a sua trajetória profissional, Carlindo recorda ter chegado
à Rádio Sociedade, em 1987, por
intermédio do então radialista Fernando José, que, posteriormente,
foi prefeito de Salvador (19891992). “Nunca havia trabalhado
na área, e aquela oportunidade
foi a realização de um sonho de
infância”, enfatiza ele, “sempre
tive interesse no ramo artístico,
tendo, inclusive, escrito uma peça
de teatro.”
Muitos dos seus colegas de trabalho dizem que a sua mentalidade criativa poderia ser melhor ex-
plorada e estimulada, porém, ele
afirma não guardar mágoas pela
ausência de uma oportunidade
maior: “Me sinto bem divertindo o
público, sem buscar compensação
financeira. E o meu sonho realmente é poder fazer um programa
sertanejo, engraçado, no rádio e
depois na televisão. Mas, as coisas acontecerão no tempo certo,
tenho fé em Deus, e Ele me dará
esta chance quando sentir que realmente eu esteja preparado”.
Tempo de estrada
Nos seus vinte anos como operador de áudio, Carlindo Sena,
que passeia com os seus quatro
filhos em uma Kombi, apelidada
de “A velha Senhora”, acompanhou profundas transformações
no radialismo, e teve de adaptarse às tecnologias que foram surgindo. “Vi muitos colegas ficarem
desempregados porque se recusavam a aprender a trabalhar com
os novos programas de edição no
computador.”
Neste período, também acumulou diversas histórias, casos
e situações cômicas. Ele relembra, com os olhos marejados,
um fato que considera ter sido o
melhor momento da sua carreira.
“Aconteceu em 1996, durante um
programa no rádio, enquanto eu
interpretava um personagem que
se passava por estilista homossexual. Quando deu o intervalo comercial”, ele segue, “uma senhora ligou nos agradecendo, pois a
sua mãe, que não sorria desde a
morte do filho, em um acidente
de carro, ocorrido há cinco meses, finalmente deu gargalhadas
após ouvir nossas imitações. Eu
me emociono com isso até hoje,
pois receber a gratidão do público é o presente que mais nos traz
orgulho.”