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espaço regulamentação
Bem-casado
Título híbrido combina equity e
dívida e confere flexibilidade ao emissor
Por Robert Ellison*
I
nstrumentos híbridos de equity e dívida têm
sido uma fonte importante de financiamento
para bancos, seguradoras e outras companhias
no exterior, desde a década de 90. No Brasil, ainda
são pouco utilizados, provavelmente em razão da
inexistência de regulamentação sobre o tema até
recentemente. Em 2007 e 2008, no entanto, o Banco
Central do Brasil estabeleceu os requisitos para a
inclusão desses instrumentos híbridos no Nível 1 do
Patrimônio de Referência dos bancos brasileiros,
o que pode estimular seu uso no País. Por isso, o
momento é propício para conhecer as suas principais características, vantagens e diferenças entre a
nova regulamentação nacional e a de outros países.
— Instrumentos híbridos
são comumente estruturados na forma de dívida,
com algumas características de equity, tais como a
baixa preferência creditícia num eventual concurso
de credores, a não cumulatividade de encargos não
pagos e um termo de prazo longo ou perpétuo.
São principalmente utilizados como uma forma
alternativa e flexível de fortalecer o balanço patrimonial do emissor, tornando-se um importante
componente da estrutura de capital de instituições
financeiras. Estas, por sinal, são responsáveis pela
emissão de quase 70% dos híbridos no mundo.
Seguradoras e outras empresas corporativas, bem
como estatais sem acesso ao mercado de ações,
respondem pelo restante das emissões. A maioria
dos investidores são europeus e norte-americanos.
mercado internacional
— Embora sejam instrumentos de dívida
originalmente, os títulos híbridos visam a obter
um tratamento de equity para atender a certos
fins, principalmente regulatórios, corporativos,
contábeis e/ou fiscais, e de rating. Consequentemente, acabam por compreender características
vantagens
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Capital Aberto Março 2009
de equity conforme as demandas do emissor e as
regras aplicáveis.
O principal estímulo para a emissão de instrumentos híbridos está na possibilidade de os
bancos, em determinados casos, utilizá-los como
capital de Nível 1 do Patrimônio de Referência,
com a finalidade de melhorar o capital regulatório.
Emissores também fazem uso de instrumentos
híbridos por razões corporativas. Normalmente,
não é necessária a aprovação dos acionistas para
o pagamento de juros (enquanto, por exemplo,
o pagamento de dividendos para detentores de
ações ordinárias depende de tal aprovação), não
há direitos de preferência para subscrição e nem
diluição na estrutura de capital.
Além disso, dependendo das características, as
agências de rating podem classificar sua emissão parcial ou integralmente como equity para fins de cálculo da alavancagem financeira do emissor, mesmo
que tais instrumentos estejam sujeitos a tratamento
contábil diverso. A agência Moody’s, por exemplo,
desenvolveu, em 2005, um manual chamado toolkit,
para determinar os critérios da classificação.
Emissores utilizam esse instrumento para:
• aumentar o índice de retorno sobre ativos: a
emissão pode ampliar os recursos e o capital
de giro da companhia sem, necessariamente,
aumentar o denominador do índice de retorno
sobre ativos;
• reduzir o custo de capital: a inclusão de uma
eventual desalavancagem por meio de refinanciamento de dívidas mediante a emissão de
instrumentos híbridos pode ser uma forma de
reduzir o custo de capital.
Um dos principais fatores canalizadores dos
instrumentos híbridos tem sido a possibilidade
espaço regulamentação
ceira, principalmente os bancos
têm emitido ações pa ra tenta r
melhorar “a qualidade de capital”.
O aumento do investimento e o
Instrumento
controle de governos em bancos de
não requer
grande porte geraram a percepção,
aprovação de
pelos investidores, de que existe um
acionistas para
risco de esses governos optarem
pagamento de
por não efetuar o pagamento da
juros e nem
remuneração, que é opcional nos
direitos de
instrumentos híbridos. As agências
preferência na
de rating avaliam potenciais ajustes
subscrição
nas notas de risco desses papéis. No
Brasil, por enquanto, o aumento do
controle governamental para com
os potenciais emissores foi ínfimo, o que não deverá
nível 1 do patrimônio de referência — Os bancos,
afetar de forma substancial esse risco.
como forma de proteger os seus depositários e credores, estão sujeitos a regulamentação governamental que exige a manutenção de uma base de capital
regulamentação brasileira — O Banco Central
adequada. A finalidade é garantir a solvência, mesmo
brasileiro estabeleceu os requisitos para a inclusão
quando sofram perdas. O regulador mais importante
dos instrumentos híbridos no Nível 1 do Patrida área, o Comitê da Basileia de Supervisão Bancária
mônio de Referência dos bancos. Trata-se de um
(Basel Committee on Banking Supervision, sigla em
importante passo, que acrescentou uma alternativa
inglês), divide o capital regulatório dos bancos em
de fonte de financiamento aos bancos brasileiros e
Nível 1, Nível 2 e Nível 3 do Patrimônio de Referência.
outros tipos de emissores. Os requisitos previstos
O capital de Nível 1 é o que fornece maior proteção
na regulamentação brasileira, em sua vasta maioaos depositários e credores.
ria, seguem os padrões estabelecidos pelo Comitê
As ações ordinárias são a forma primária de
da Basileia e pelos mercados internacionais, com
composição do Nível 1. Constituem o instrumento
exceção das seguintes exigências:
com menor preferência ou mais subordinado da
estrutura de capital no caso de liquidação e, além
• proibição de pagamento de remuneração (dividisso, os primeiros a absorver as perdas do emissor.
dendos ou juros) associada aos instrumentos
O Comitê da Basileia e a maioria dos principais
híbridos enquanto não efetuada a distribuição
reguladores internacionais aceitam de alguma forde dividendos referentes às ações ordinárias no
ma a inclusão de instrumentos híbridos no Nível 1,
mesmo exercício financeiro; e
desde que contenham as seguintes características
• intervalo mínimo de dez anos entre a data de
de equity:
autorização para a integração do instrumento
ao Nível 1 do Patrimônio de Referência e a data
• sejam perpétuos e resgatáveis pelo emissor
do primeiro exercício da opção de resgate.
somente após cinco anos da emissão, com a
respectiva aprovação do órgão regulatório;
Essas exigências não têm respaldo na maioria
• não tenham preferência creditícia num eventual
das legislações estrangeiras, como nos Estados
concurso de credores (com exceção da preferênUnidos, Reino Unido, Alemanha e França. Tamcia em relação às ações ordinárias) ou garantia;
bém não se encontram entre aquelas sugeridas
• sejam não cumulativos quanto a encargos não
pelo Committee of European Banking Supervisors
pagos;
(CEBS), em março de 2008. Regras divergentes dos
• estejam aptos a absorver perdas;
padrões internacionais podem dificultar o desen• reservem discricionariedade para a adminisvolvimento do mercado brasileiro de instrumentos
tração decidir sobre o pagamento ou não da
híbridos. Elas abrem uma brecha para que investiremuneração (dividendos ou juros).
dores estrangeiros exijam uma compensação pelo
aumento do risco em comparação com os títulos
Em razão das características descritas nos três
internacionais.
últimos pontos, houve uma recente migração de
instrumentos híbridos para financiamentos em
* Robert Ellison ([email protected])
forma de equity. Em meio à recente crise finané sócio do escritório Shearman & Sterling LLP
de deduções de tributos em relação
aos juros pagos por eles, o que geralmente não ocorre com aqueles
caracterizados como equity. No
entanto, dada a existência da figura
dos juros sobre o capital próprio no
Brasil, a importância dessa vantagem é reduzida no País.
Por fim, a classificação contábil
dos instrumentos híbridos, como
equity ou dívida, varia de acordo
com as características específicas
de cada instrumento e também com
as práticas contábeis aplicáveis.
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