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Alvará de Funcionamento da CAIXA Cultural RJ:
n° 041667, de 31/03/2009, sem vencimento.
Este catálogo tem distribuição gratuita e não pode ser comercializado.
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17 de Julho
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www.caixacultural.gov.br
ofaroestevermelho.com.br
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A CAIXA é uma empresa pública brasileira que prima pelo
respeito à diversidade, e mantém comitês internos atuantes para
promover entre os seus empregados campanhas, programas e
ações voltados para disseminar ideias, conhecimentos e atitudes
de respeito e tolerância à diversidade de gênero, raça, orientação
sexual e todas as demais diferenças que caracterizam a sociedade.
A CAIXA também é uma das principais patrocinadoras da cultura
brasileira, e destina, anualmente, mais de R$ 80 milhões de seu
orçamento para patrocínio a projetos nas suas unidades da CAIXA
Cultural, além de outros espaços, com ênfase para exposições, peças
de teatro, espetáculos de dança, shows, festivais de teatro e dança e
artesanato brasileiro. Os projetos patrocinados são selecionados via
edital público, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática
e acessível a participação de produtores e artistas de todo o país.
A mostra O FAROESTE VERMELHO pretende apresentar ao público
uma cinematografia rara, desconhecida, mas de imensa riqueza cultural.
São filmes produzidos em diferentes países dentro da Cortina de Ferro,
filmes populares que ousaram flertar com os códigos e estéticas de
gênero para transmitirem sua força. A mostra O FAROESTE VERMELHO
é uma iniciativa pioneira e dá oportunidade para que, pela primeira
vez, o público brasileiro tenha acesso a este conjunto de obras.
Ao patrocinar mais esta mostra para o público carioca, a CAIXA
reafirma sua política cultural de estimular a discussão e a disseminação
de ideias, promover a pluralidade de pensamento, mantendo viva sua
vocação de democratizar o acesso à produção artística contemporânea.
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
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VERMELHOS
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D U A S O U T R ÊS PA L A V R A S
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O Indianerfilm da DEFA comO
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F I L M O G R A F I A
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por Pedro Henrique Ferreira e Thiago Brito
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por Sergey Lavrentiev
por Hernani Heffner
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por Evan Torner
I ND I ANERF I LME :
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por Luís Alberto Rocha Melo
CSIKÓS, PUSZTA, GOULASH: OS
IMAGINÁRIOS DA FRONTEIRA
HÚNGARA EM O VENTO ASSOBIA
SOB OS PÉS E A FUGA DE BRADY
por Sonja Simonyi
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por Vsevolod Ivanov
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INVENTANDO O aMANHa
por Pedro Henrique Ferreira e Thiago Brito
Há uma memória universal do que é um western: cowboys vagando pelos
desertos do Velho Oeste, enfrentando um fora da lei ou tribos indígenas,
em batalhas entre o progresso e o passado num território anteriormente
hostil. Da névoa de nossas lembranças, surgem as diligências, os cavalos,
os fortes, as Winchesters, os canyons, o deserto e os rios; e também
ícones como Wyatt Earp, Doc Holliday e Jesse James. Um gênero que
nasce histórico, que faz remissão ao processo de constituição da nação
norte-americana. É a elaboração de um passado, o processo crepuscular
de um velho mundo em atrito com um novo mundo democrático.
Quando nos deparamos com este punhado de faroestes vermelhos,
percebemos que estamos diante de uma iconografia tão absolutamente
diferente que vemos esfacelar-se aquela antiga morada onde guardávamos
intactas as ideias que fazíamos do gênero. Resta-nos apenas a indagação:
são estes, afinal, westerns? Obras que tratam de soldados bolcheviques
enfrentando a restauração do exército branco, no delimitado período
da Guerra Civil Russa, entre os anos de 1917 e 1920, nas cordilheiras
da Ásia Central ou no interior desértico da Cortina de Ferro. Heróis
revolucionários com baionetas. Vilões imperialistas ou monarquistas.
Tiroteios em ambientes áridos, desérticos. Por que não se trataria de
filmes de guerra? Ou de aventura, como foram chamados por muito
tempo? De certo, o espectador mais desavisado irá encaixá-los em uma
dessas duas categorias. Western é que estes filmes não são!
AS NOVAS AVENTURAS DOS VINGADORES INVISÍVEIS (1968)
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Mas existem dados históricos incontornáveis, uma genealogia que derrota
o que a mera percepção da aparência das coisas intenciona rotular. O faroeste
vermelho, assim como o faroeste clássico, é uma construção, um processo
social. Como nos recorda o historiador Sergey Lavrentiev em seu seminal “O
faroeste vermelho”, o gênero foi pensado como um projeto governamental, a
partir da influência dos raros westerns norte-americanos cuja exibição pública
era permitida na União, nas projeções secretas mantidas pelo cinéfilo Stalin e
por outros líderes. O faroeste fez parte de um empreendimento propagandístico para ressaltar certa ideologia e enfrentar outra.Tem um início, um meio
e um fim. Nessa desconhecida história, principalmente aqui no Ocidente, não
há o que simples aparências – imagens, símbolos, cenários e temas – possam
negar sobre a fonte da qual esse singular gênero soviético bebeu.
Outra pergunta se impõe: como os soviéticos entenderam o faroeste?
Assistiram a Sete homens e um destino (John Sturges,1962), um dos maiores
sucessos cinematográficos nos territórios socialistas daquele momento,
exibido em salas de cinema, mas também em estádios de futebol e casas
de show. O que depreenderam e extraíram dele para ilustrar sua própria
história, já que eles não podiam mais usar os célebres mitos yankees, os
cenários, as situações e os objetos, tampouco a forma estética tradicional
da narrativa clássica hollywoodiana (essa já havia sido abolida havia décadas,
desde o pensamento artístico construtivista)? Por exemplo, o que sobrou
a Ali Khamraev quando ele realizou o impressionante A sétima bala (1972),
cujo próprio título faz menção ao legado do western?
Não há resposta pronta. Em última instância, o que há é a ação. Quando
o soldado vermelho do longa-metragem de Ali Khamraev retorna para o
forte de seu batalhão e descobre que praticamente todos os seus soldados
o traíram e juntaram-se ao regimento do exército branco, ele não questiona a si mesmo, seus ideais, nem suas estratégias ou a lógica maior daquilo
que punha sua própria revolução em movimento. Os homens à sua volta
o abandonam por não se sentirem parte daquilo. Mas ele persiste. Persiste
não porque deseja seduzir o povo de forma cerebral, fazendo-o aderir às
suas crenças, mas porque está disposto a defendê-las até o final, ainda que
isso envolva matar ou morrer. É pura ação porque ele não se questiona:
prepara a sua sétima bala para colocá-la na testa do adversário do exército
branco, que o enganou e se tornou mestre de todos os soldados. Uma cena
evidencia o fato: o bolchevique vocifera ordens a seu ex-batalhão, mas elas
são ignoradas. No afã de seu próprio idealismo, ele não tem pudor em atirar
no soldado que, pouco tempo antes, o seguia. O que no faroeste vermelho
faz um mundo sobrepor-se ao outro é a ação, esse misto de força e tragédia
que restabelece o homem como grande ator de seu destino.
Nesse sentido, o faroeste vermelho não é tão somente o gênero soviético
por excelência, talvez seja também o último canto do cisne do stalinismo. Mas
há ainda mais do que isso. O herói do faroeste é o que é porque, de algum
modo, transborda paixão, porque, a partir dos escombros de seu velho mundo,
reúne a força para um último ato heroico. O John Wayne de O homem que
matou o facínora (John Ford, 1962) ia contra as regras da sua própria forma
de viver.Atirava em Liberty Valance pelas costas simplesmente porque amava,
porque era necessário. Para a maioria dos heróis do faroeste, não há complicações maiores, não há visões mais amplas do contexto e daquilo que está
em jogo. Há uma paixão, uma pistola, um obstáculo e um enorme senso de
urgência. São personalidades do Velho Oeste, intelectualmente rudimentares
e sentimentalmente complexas.
Os bolcheviques desses filmes são muito convencidos da ideologia pela
qual batalham, são apaixonados por ela. Como afirma Khamraev na entrevista
publicada neste catálogo, o que está em jogo é uma paixão genuína, quase
obcecada, e uma crença infindável na invenção desse mundo do amanhã.
Não à toa, houve o retorno a 1917: esse era o momento no qual a paixão se
justificava plenamente, sem meias palavras, sem um desenrolar histórico que
a pudesse contradizer. A História é para o protótipo do faroeste vermelho
o que ela era para o Roberto Rossellini tardio. Um momento ideal, no qual
a utopia não é uma quimera, mas uma realidade possível, pela qual vale a
pena batalhar, matar e morrer (não à toa, estes filmes são, em sua maioria,
mais realistas do que românticos, mais trágicos, mesmo na vitória, do que
idealizados). Do mesmo modo que o faroeste norte-americano retornava no
tempo para encontrar o momento em que sua democracia era incipiente, os
faroestes vermelhos vão ao encontro do momento inaugural da construção
de seu presente.
Homens e mulheres apaixonados por um novo mundo a surgir, enfrentando,
com máxima urgência, o que precisa ser enfrentado. O faroeste vermelho
é isso e nada mais.
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F A R O E S T E S
V E R M E L H O S
por Sergey Lavrentiev
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Existe mesmo um western russo? Como não houve faroestes produzidos no país antes da revolução bolchevique, tampouco depois do
colapso da União Soviética, em 1991, não podemos, na realidade, falar
em um gênero de westerns russos. No entanto, um conjunto de filmes
produzidos na URSS no período entre a década de 1920 e a de 1980
pode ser considerado como pertencente ao gênero faroeste vermelho.
Na União Soviética, a palavra russo não era utilizada, embora não fosse
proibida. Referir-se à cultura russa era falar de uma cultura anterior à
revolução, enquanto falar em soviético era referir-se a estonianos, tadjiques, georgianos e moldavos – não somente a russos. Então, fazia sentido
reunir os westerns “russos” sob o rótulo de faroestes vermelhos.
Na União Soviética, o faroeste norte-americano era acusado de ser um
gênero reacionário, que elogiava os colonizadores brancos que haviam
invadido territórios e assassinado índios inocentes. Esses filmes foram
distribuídos por lá apenas durante os anos 1920, embora alguns ainda
tenham passado nas telas soviéticas após a Segunda Guerra Mundial,
quando parte do arquivo germânico foi conduzido de Berlim a Moscou,
em 1945. Entre a década de 1950 e a de 1980 – nos últimos 40 anos do
comunismo – somente cinco títulos foram distribuídos!
No entanto, a paixão que o gênero suscitava no público era enorme.
Por exemplo, o lançamento de Sete homens e um destino (John Sturges),
em 1962, foi uma febre nacional. O longa-metragem foi exibido não
somente em salas de cinema, mas também em estádios esportivos.
O GUARDA-COSTAS (1979)
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Os chefes de Estado decidiram, então, permitir que se produzissem faroestes
vermelhos – westerns ideologicamente corretos, com o conteúdo mais adequado.
Houve dezenas desses produzidos na União Soviética; mas, como a palavra que
define o gênero carregava, por si só, conotações muito negativas, ninguém os
chamava de faroestes oficialmente. Eles eram chamados de “aventuras heroicas”.
Alguns desses filmes fizeram enorme sucesso de público – como Os diabinhos
vermelhos (Ivan Perestiani, 1923) e seus remakes e sequels; Os Vingadores Invisíveis
(Edmond Keosayan, 1967); e As novas aventuras dos Vingadores Invisíveis (Edmond
Keosayan, 1968). Às vezes, os filmes tinham ambições artísticas elevadas, como Os
treze (Mikhail Romm, 1936) e Ninguém queria morrer (Vitautas Zalakiavichus, 1966).
Os faroestes vermelhos soviéticos têm a sua própria história, com um
começo brilhante, no início dos anos 20, e um final trágico, no fim dos anos
80. Essa história pode ser lida como um espelho da história da URSS ao longo
do século XX. E de sua censura.
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A década de 1920 foi provavelmente a mais interessante da história do
cinema soviético, incluindo aí o brilhante início dos faroestes vermelhos.
Em 1924, o pioneiro Lev Kuleshov fez a primeira obra soviética conhecida
mundo afora, As aventuras extraordinárias de Mr.West na terra dos bolcheviques.
A trama de um empresário norte-americano pego e assaltado por um grupo
de ladrões em Moscou é um clássico do cinema soviético. Todos os atores
eram alunos de Kuleshov, futuras lendas e cérebros da arte – entre eles, Boris Barnet, que fez o papel do cowboy Jeddie, guarda-costas do Sr. West que
vai a Moscou salvar o seu patrão. Os momentos em que Barnet participa
de jogos de cowboy marcaram o início dos faroestes vermelhos, embora As
aventuras extraordinárias de Mr. West... não chegue a ser um faroeste em si
mesmo. Havia breves episódios que nos recordavam o gênero. Não obstante,
é fácil perceber como os faroestes norte-americanos serviram de inspiração
a Kuleshov nesse primeiro clássico do cinema soviético.
Por que Mr. West? Em 1924, não existiam relações diplomáticas entre
os EUA e a URSS. Havia relações diplomáticas entre a União Soviética e a
Alemanha. Então por que não “Herr Schmidt”? A resposta é simples: porque
o companheiro Kuleshov adorava o cinema norte-americano. Ensinando no
Instituto de Cinema, ele costumava dizer a seus alunos que aprendessem com
Hollywood como realizar filmes. Nada de atores – apenas atletas. Nada de
drama – apenas ação. Nada de cenários montados – filmagens ao ar livre. O
western é justamente um gênero de atletas, ação e cenas ao ar livre. Curiosamente, os episódios de Jeddie em As aventuras extraordinárias de Mr.West na
terra dos bolcheviques são os mais interessantes. O figurino do personagem
está completamente deslocado enquanto ele flana pelas ruas da Moscou
bolchevique do princípio dos anos 1920. Sendo um pioneiro da teoria da
montagem no cinema soviético, Kuleshov utilizou o uniforme clássico de
cowboy e o físico atlético de Boris Barnet como elementos de contraste em
relação à paisagem urbana. Esse era um exemplo perfeito do que o diretor
soviético entendia que era a montagem – o ato de retirar alguém do Velho
Oeste e colocá-lo na cidade moderna.
Em 1924, um diretor da Geórgia, Ivan Perestiani, realizou Os diabinhos vermelhos, uma adaptação da novela escrita por um ex-combatente da Guerra
Civil Russa (1917-1923), conflito entre o exército vermelho, aliado a outras
forças revolucionárias, e o exército branco, reunido contra o poderio bolchevique. O livro e o filme narravam a história do ponto de vista do exército
vermelho. Por isso, ambos se tornaram populares entre os jovens leitores e
cinéfilos. O longa-metragem era como que uma cópia direta dos faroestes
norte-americanos que estavam sendo distribuídos naquele momento no
bloco comunista. Esteticamente, não era um filme muito interessante, mas, do
ponto de vista comercial, Os diabinhos vermelhos tornou-se um dos primeiros
hits do cinema soviético. Perestiani dirigiu sequels, mas nenhuma delas foi tão
bem quanto o primeiro filme, que inclusive chegou a ser relançado três vezes
até o final da década de 1950. Os diabinhos vermelhos é uma trama típica de
western sobre um irmão e uma irmã que veem seu pai sendo assassinado
por bandidos e, logo, decidem vingá-lo. Eles encontram novos amigos, e suas
aventuras têm início.
Os diabinhos vermelhos tornou-se a pedra fundamental da história do faroeste vermelho. E não só por conta do sucesso de público. O filme demarcou principalmente o tema, o objeto e o lugar da ação da maioria dos red
westerns posteriores: a Guerra Civil entre 1918 e 1921. Enquanto nos filmes
norte-americanos pessoas migravam para lugares inexplorados, batalhando e
constituindo a nova nação, aqui as pessoas destroem a velha ordem, lutando
e inventando a nova nação soviética.
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Nos anos 20, centenas de faroestes norte-americanos foram distribuídos por
empresas soviéticas.As pessoas tinham permissão para assistir a esses westerns.
Naquela época, Os diabinhos vermelhos era um caso único, mas, mesmo assim,
deu o pontapé inicial do gênero, apesar de não ter chegado a estabelecer as
suas características principais. À medida que Stalin se tornava o “grande líder”
da União Soviética, a abertura do sistema de distribuição chegava ao fim. A
atividade foi estatizada e passou por medidas protecionistas, como tudo na
URSS, incluindo o próprio povo. Filmes estrangeiros sumiram de cena. Mas,
para os realizadores, principalmente nos quartéis, havia projeções secretas dos
novos filmes realizados no Ocidente capitalista.
O único western do sangrento período de Stalin é Os treze, do jovem Mikhail
Romm. O filme narra a história de treze soldados da guarda vermelha que
lutam no deserto, durante a Guerra Civil Russa, contra o exército branco antibolchevique, que pretende invadir a União Soviética pelas fronteiras do Sul.
Esteticamente, é uma interessantíssima química entre o grande cinema silencioso
dos anos 20 e os primeiros experimentos sonoros. Ele exibe incríveis trabalhos
de montagem, com uma mise-en-scène mais realista, cheia de truques acústicos.
Sabendo que o filme foi realizado em 1936, é possível perceber os ecos de A
patrulha perdida (John Ford, 1934), e é praticamente certo que a ideia de fazer
uma versão soviética do longa-metragem de Ford tenha nascido após uma
exibição privada do filme norte-americano para os líderes do partido. Stalin
era um entusiasta do cinema. Ele organizava exibições quase diariamente no
Kremlin. Assistia a todas as produções soviéticas realizadas na década e a muitos
filmes estrangeiros também. Era um grande admirador dos westerns. Mais tarde,
nos anos 60, o diretor Mikhail Romm, tendo se tornado uma figura-chave do
establishment liberal soviético, explicou em seu livro de memórias que a ideia
de realizar Os treze lhe foi sugerida pelo Ministro da Guerra do governo de
Stalin, Clement Voroshilov, que havia assistido ao filme A patrulha perdida em
uma das projeções fechadas.
Podemos supor que Voroshilov era um mensageiro de Stalin, que queria
assistir a um western soviético. Mas como seria esse faroeste? Com Os treze,
Mikhail Romm fez as alterações mais básicas – serviu-se da estrutura clássica do gênero e mudou sua roupagem. Cowboys agora vestiam o uniforme
do exército vermelho, e os índios, outrora os vilões, quase não eram vistos
até o final. Stalin adorou o longa-metragem e ordenou que Romm fosse o
diretor da versão oficial da revolução bolchevique, Lenin em outubro, que teve
estreia no Teatro Bolshoi, no vigésimo aniversário da revolução, no dia 8 de
novembro de 1937. Os treze estreou no início de 1937 e teve distribuição
soviética até a queda do sistema, em 1989.
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O primeiro filme realizado durante a Segunda Guerra Mundial foi Secretário
do partido, de Ivan Pyriev. Não foi apenas o primeiro western em que um bravo
soldado kolkhoz lutava contra os nazistas, foi também um filme quase antistalinista. O partido e o próprio Stalin eram mencionados brevemente. Mas as
pessoas não lutavam por eles, lutavam por sua própria pátria. Era como um
faroeste norte-americano, com pouquíssimas diferenças. É por isso que, após
uma estreia de sucesso em 1942, as autoridades queriam que a plateia esquecesse o filme. Ele foi criticado por seu roteiro, por suas atuações e por não
glorificar o partido e sua grande participação na Guerra. Em 1963, Pyriev fez
uma nova versão do filme, cortando os episódios curtos que retratavam Stalin.
O remake de Secretário do partido se tornou ainda mais americanizado – nada
soviético, muito distante das diretrizes do governo.
Secretário do partido também foi o primeiro filme em que a espiritualidade
russa e a igreja ortodoxa foram retratadas de forma positiva. Com esse western,
o cinema soviético dizia aos frequentadores de cinema que o comunismo
e a igreja poderiam estar conectados. O roteiro de Secretário do partido é
de Josef Prut, que também roteirizou Os treze, no qual o personagem do
soldado russo era a figura mais contrarrevolucionária. Nesse filme, quando
o coronel germânico captura o herói, ele promete matar seus amigos e crucificar o secretário do partido! Em síntese, Secretário do partido é um filme
sobre pessoas lutando por seu território com a ajuda de Deus. Se isso não
é a definição de um western, o que é?
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A década teve início com o faroeste Povo corajoso (1950), realizado por
Konstantin Yudin, ordenado pessoalmente por Stalin. O “grande líder” envelheceu, e tornou-se mais difícil para ele assistir a todos os filmes soviéticos.
Ele ordenou que se produzissem menos filmes, mas que fossem obras que lhe
interessassem mais pessoalmente. Depois da guerra, a NS Reichsfilmarchiv
foi levada de Berlim a Moscou. Assim, Stalin teve a oportunidade de assistir a
alguns de seus faroestes prediletos, que eram parte da coleção alemã. Depois
de uma projeção, é dito ter indagado: “Por que não fazemos filmes sobre as
nossas guerras e vitórias?! Veja como os americanos conseguem mostrar a
sua própria história. Por que nós não fazemos isso?” Não era uma pergunta
exatamente. Era uma ordem.
O roteiro de Povo corajoso tinha de ser escrito pelos grandes dramatistas
Mikhail Volpin e Nikolai Erdman – artistas judeu-alemães. Um deles foi preso
em um campo de concentração e o outro foi para o exílio no início dos anos
50. No entanto, eles conseguiram escrever um filme popular. Povo corajoso foi
o predileto de milhões de espectadores durante décadas, e provavelmente
o único longa-metragem enérgico durante essa época negra da história soviética, quando a realização cinematográfica era diretamente supervisionada
pela censura de Stalin.
Povo corajoso conta a história, passada em algum lugar do Sul, de um jovem
jóquei e seu amor, seus amigos e parentes. O filme trata da resistência durante
a ocupação e da ação de um espião germânico. Povo corajoso foi o primeiro
western soviético a cores. O segundo foi feito em 1957, para as comemorações
da Revolução de Outubro. Stalin morreu e o congresso o acusou de crimes
hediondos. Não contra a humanidade, mas contra o verdadeiro comunismo.
O filme Milhas de fogo foi o primeiro western exibido na era pós-stalinista, uma
fantasia romântica dos anos revolucionários. Para provar sua tese, o diretor
Samson Samsonov executou um ritmo dito “romântico e revolucionário”
– na realidade, era o ritmo de montagem do western clássico, graças a seu
andamento elegíaco, pontuado por explosões de violência. Com sua gama
de cor dourado-bronze, o fotógrafo Feodor Dobronravov simbolizou o fim
de um mundo e o nascimento de outro. É possível perceber traços de Nos
tempos da diligência (1939) nesse dinâmico trabalho de câmera que acompanha
os guerreiros em numerosas batalhas.
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Depois do grande sucesso de Sete homens e um destino (1960, John Sturges)
na União Soviética, os líderes do governo decidiram dar “sua resposta aos
imperialistas norte-americanos”. A vontade de Stalin se tornou lei para os
realizadores soviéticos, mesmo depois de sua morte. Os filmes deveriam unir
a forma do western com o conteúdo comunista. Nos anos 60 – a segunda
principal década da história do cinema soviético –, essas diretrizes governamentais não eram tão duras assim. Era um momento relativamente liberal
para a produção artística.
Três grandes faroestes vermelhos foram realizados naquele período. Vingadores Invisíveis (1966) e As novas aventuras dos Vingadores Invisíveis (1968),
de Edmond Keosayan, eram remakes de Diabinhos vermelhos. O sucesso foi
enorme, como o esperado, e todos ficaram satisfeitos. O governo, por ter
recebido um filme que apagaria Sete homens e um destino da memória do
público jovem; e o público – tanto os mais novos como os mais velhos –,
por ter recebido um western. Um western socialista, mas um western. Nos
jornais e nas revistas, críticos e espectadores atacaram o diretor por ele ter
sido um excelente pupilo dos americanos. Mas a crítica era suave. Mais de
cem milhões de pessoas assistiram a esses dois filmes naquele turbulento
período do regime. Depois da invasão na Tchecoslováquia, em 1968, havia a
necessidade de um filme como esse – um sucesso comercial e ideologicamente de esquerda. No segundo longa-metragem, o diretor admitiu se esquivar a certos preceitos ideológicos – ele evitou retratar o exército branco
como um bando de idiotas. O protagonista negro era substituído por dois
personagens – um jovem aristocrata inteligente e um cigano exótico. Mas o
governo preferiu deixar passar esses aspectos. O importante, naquele momento, era o sucesso. E, no geral, os vermelhos eram do bem e os inimigos
ainda eram do exército branco. Depois desses sucessos, Edmond Keosayan
ainda realizou outra sequel: A coroa do império russo ou os Vingadores Invisíveis
novamente (1971), que obteve um público ainda maior, embora não fosse um
western, mas um thriller que se passava em Paris, onde os heróis roubavam
a coroa dos monarquistas. Ele estava inteiramente em conformidade com a
ideologia soviética. Nenhum traço de revisionismo.
Ninguém queria morrer (1966), do diretor lituano Vitautas Zalakiavichus,
foi a primeira tentativa de lidar com o underground báltico antissoviético.
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Naturalmente, era um filme da União e seguia seus preceitos, mas alguns dos
aspectos da atuação, da direção e do trabalho de câmera lembram o gênero
do western e invocam suavemente uma atitude antissoviética. É a história de
quatro filhos que procuram vingança do assassinato do pai por operários
antissoviéticos. Foi o primeiro faroeste soviético com uma tônica inteiramente
masculina. Depois da produção, os atores principais – da Lituânia, Letônia
e Estônia – se tornaram populares na União Soviética inteira. No final dos
anos 60, dos 70 e no começo dos 80, atores como Donatas Banioni, Uozas
Boudraitis, Regimantas Adomaitis, Bruno O’ya, Algimantas Masiulis e Via Artmane incorporavam personagens do Oeste em filmes soviéticos – aristocratas
amigáveis, inimigos da URSS, patifes elegantes ou aventureiros nobres.
Ninguém queria morrer foi eleito o melhor filme de 1966 pelos leitores
da Soviet screen, a revista de cinema que mais circulava no mundo naquele
período, com uma impressão de dois milhões de exemplares. Assistindo ao
filme, os soviéticos entenderam que os atores e as atrizes do Báltico eram
diferentes das estrelas das outras partes da União Soviética. Não eram apenas
personagens, pareciam ser pessoas de verdade, com traços muito singulares.
Oficialmente, o filme foi realizado para celebrar o vigésimo aniversário do
comunismo na Lituânia, mas suas conotações eram, no fundo, outras.Apenas
vinte anos haviam se passado desde os eventos históricos retratados no longametragem. Nos primeiros cinco anos, os comunistas tentaram assassinar os
operários. Quando Stalin morreu, não havia ainda tido tempo suficiente para
inventar o tal “novo homem” nos países bálticos. O povo ainda não tinha sido
convertido em cidadãos do Estado socialista. E foi justamente esse filme que
contribuiu para que os soviéticos compreendessem esse fenômeno.
O sol branco do deserto, dirigido por Vladimir Motyl, foi outro brilhante
sucesso na história do cinema soviético. A trama do soldado vermelho a
salvar mulheres de um harém tornou-se popular. Realizado no ano em que a
União Soviética foi invadida pela Tchecoslováquia, o filme trazia o sentimento de que a calmaria dos anos 60 havia terminado. Dadas as circunstâncias,
romantizações não eram mais possíveis. O sol branco do deserto foi um dos
mais tristes westerns da história do cinema soviético.
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setenta
A década se centrou principalmente em faroestes na Ásia Central. Muitos
filmes foram realizados nas repúblicas soviéticas localizadas entre a Rússia e
a Índia. Todos eles eram tramas sobre guerras civis, a começar por A sétima
bala (1972), de Ali Khamraev. Ironia do destino: depois das violentas críticas
a Sete homens e um destino (o longa-metragem foi retirado de circulação antes mesmo de sua licença de exportação expirar) e da decisão de produzir
faroestes socialistas, o roteiro de praticamente todos os westerns da Ásia
Central nos anos 70 tem início com uma situação retirada de Sete homens e um
destino – o protagonista escolhendo um grupo para enfrentar os vilões.Tanto
os filmes bons quanto os ruins do Uzbequistão, Cazaquistão e Quirguistão
começam com esse plot. Em A sétima bala, Ali Khamraev levou a brincadeira
até as últimas consequências: imitou um dos planos mais criticados do filme
de John Sturges – a faca no pescoço do bandido. Por fim, ainda utilizou a
palavra “sétima” no título.
A sétima bala é a melhor produção dos anos 70 entre várias da Ásia Central.
Não era apenas outro remake soviético do longa-metragem de Sturges. O
filme sofreu a influência dos westerns spaghetti, totalmente desconhecidos do
público do país naquele momento, mas não dos cineastas, que tiveram a chance
de assisti-los em exibições privadas. Foram eles que inspiraram Khamraev
a realizar filmes duros e violentos sobre homens brutos que conduziam a
revolução no deserto. No entanto, apesar das estrelas vermelhas nas capas
dos heróis, o filme segue exatamente a cartilha. Os heróis sequer falam no
governo ou em comunismo.
Andrei Konchalovsky foi um dos roteiristas. Dois anos depois, seu irmão
mais novo, Nikita Mikhalkov, realizou a sua estreia em longas-metragens com
o assombroso Em casa com estranhos. Um estranho em casa. Nessa versão
dinâmica e bastante contemporânea da Guerra Civil, Nikita Mikhalkov faz
menção a Sérgio Leone diversas vezes e atua como um bandido desvirtuado,
semelhante aos heróis de Leone, vestido com chapéu largo e sobretudo.
Os demais faroestes vermelhos dessa década tornaram-se mais comerciais e menos artísticos. Em geral, os realizadores não estavam tão satisfeitos
com o cânone. Nada de novo estava sendo desenvolvido – os soldados
vermelhos eram os mocinhos; os brancos, os inimigos. Diretores soviéticos
1
não procuravam mostrar outros aspectos da Guerra Civil. Provavelmente,
nem os conheciam. Eles focaram-se em dar continuidade ao gênero, criando
novos truques formais e viradas de narrativa, mas, mesmo nisso, obtiveram
pouco sucesso.
A
nos
oitenta
No início da década, saiu o célebre artigo “Cavalgada nas telas” no principal
jornal diário da União, o Pravda. O texto era contra os faroestes vermelhos e
acusava-os de ter um approach raso da grande Revolução Russa e da Guerra
Civil. O gênero não desapareceu nesse momento, mas a quantidade de produções diminuiu, e, logo antes da Perestroika, nenhum western foi feito sob a
bandeira vermelha da URSS.
Durante a Perestroika, apenas dois faroestes foram feitos na União Soviética.
O primeiro deles foi o único “autêntico”, que se passava mesmo no Velho
Oeste. Em O homem do Boulevard des Capucine (1987), Alla Surikova narrou
a trama sobre a chegada do cinema ao Velho Oeste. O público amou o filme,
mas os críticos, não. É repleto de músicas e estrelas, mas parece mais um
programa de televisão com piadas e elementos de pastelão.As muitas citações
a Lemonade Joe (1964), a grande paródia tcheca do faroeste, são esquisitas.
Quando a paródia é feita em cima da paródia, é porque o gênero se encontra
em uma crise severa.
O frio verão de 53 (1987), de Alexandr Proshkin, poderia dar início a uma
nova era do western soviético, revelando verdades históricas. É uma trama
sobre dois prisioneiros políticos que salvam uma pequena vila dos bandidos
libertos após a morte de Stalin. Outra homenagem a Sete homens e um destino,
o longa-metragem de Proshkin foi um dos últimos sucessos de público na
distribuição estatal soviética e demonstrou que o western podia ser a forma
ideal de representação dos “verdadeiros heróis”. Poderia ter sido, com efeito,
um faroeste russo, e não um faroeste vermelho. Infelizmente, foi o último.
Uma nova era surgiu. Um jovem público cinematográfico apareceu. Decidiu-se
por deixar de lado os faroestes e concentrar-se somente em filmes de autor.
Faroestes foram negligenciados. Filmes de autor, cultuados. Foi a morte do
célebre gênero soviético.
Tradução: Pedro Henrique Ferreira
OS TREZE (1937)
2
DUAS OU TReS PAlAVRAS
SObRE O WESTERN
por
Hernani Heffner
O que é um western? Um gênero, uma narrativa fundacional, uma mitologia, uma iconografia ou tudo isso junto? A resposta não é tão simples,
embora o conjunto de filmes que giram em torno da história dos Estados Unidos da América, partindo do Go West, young man até o advento
da Primeira Guerra Mundial, apresente uma incorporação crescente e
compreensiva da formação territorial, econômica e cultural do país. Grosso
modo, o western como um fenômeno cinematográfico (já que ele também
ocorreu na literatura, na música e nos quadrinhos) pode ser dividido em
uma fase mistificadora – que começaria mais clara e fortemente com o
Grande roubo do trem (The great train robbery, 1903), de Edwin S. Porter, e
alcançaria o ápice com clássicos como Onde começa o inferno (Rio Bravo,
1959), de Howard Hawks – e em uma fase crítica – preocupada justamente em demonstrar a distância entre a história e o relato ficcional que a incorpora, expressa em obras que vão de O homem que matou o facínora (The
man who shot Liberty Valance, 1962), de John Ford, a Os imperdoáveis (Unforgiven, 1992), de Clint Eastwood, com seus personagens metanarradores (o
jornalista e o escritor, respectivamente), que se veem confrontados com
uma realidade completamente distinta da fábula. Esse segundo momento
abarca a apropriação do gênero por outras cinematografias, principalmente europeias, quase sempre com o olhar afiado para as contradições da
América e suas representações hollywoodianas. A denúncia contra o capitalismo e sua expansão violenta e imperialista torna-se o tema central
dos spaghetti westerns, nordesterns, easterns/osterns, Gibanica westerns, goulash
westerns, red westerns e de outras formulações que abarcam o Chile e a
Austrália, o Canadá e a Sibéria, passando pelos cinco continentes.
LEMONADE JOE (1964)
5
2
A formulação “mistificadora” não se atém a um confronto entre a história e sua representação, incorrendo em pressupostos como fidelidade ou
aderência ao tecido dos acontecimentos. Trata-se de uma proposição construída pelo próprio gênero em sua fase revisionista. Ela é, portanto, uma crítica ao discurso artístico inventado e solidificado no chamado período “clássico”, quando se consolidou uma galeria de temas, personagens, situações,
locais e signos, como a pradaria, o cowboy, o rancho, a caravana, a cavalaria, o
pistoleiro, o duelo, o saloon, a Winchester, os peles-vermelhas, a diligência, o
Monument Valley, John Wayne e John Ford, entre muitos outros. Mesmo um
western fortemente revisionista como Era uma vez no Oeste (C’era una volta il
West, 1968), de Sergio Leone, não procura uma representação “correta” do
período histórico enfocado, mas sim uma condensação de signos que são
deslocados de sua recepção característica e, a essa altura, “natural”. Tornar
o “mexicano” no herói e o astro de Hollywood no vilão é uma operação
de ressignificação possível dentro de um sistema forjado entre artistas/indústria, público e crítica ao longo de meio século. É possível aproximar a
representação de sua fonte histórica, mas é muito mais produtivo ver a proposição de uma narrativa sobre a “conquista do Oeste” como um discurso
endereçado ao momento contemporâneo da produção com enfoque no
questionamento da ideia de democracia e do seu papel, isto é, como uma
intrincada teia de onde emanam contraditoriamente as forças ideológicas
constitutivas dos Estados Unidos da América como nação, mais presentes
no período clássico, e sua desconstrução frente à própria imagem de uma
“terra de liberdade e justiça” propagada por esses filmes.
A rigor, o western cinematográfico nasceu com uma feição muito diferente da que assumiu ao se tornar um dos gêneros mais populares da indústria hollywoodiana, com seus cowboys bem-vestidos, armas reluzentes e tiro
preciso, particularmente endereçado ao segmento infantojuvenil, a partir
da década de 1920. Antes de ser a alegria das matinês mundo afora, ele era
produzido em Nova Iorque e Nova Jersey – sem pradarias e assemelhados,
com índios de nobres intenções –, principalmente por companhias francesas sediadas nos Estados Unidos que dominavam o mercado local, o que
explica o fato de 15% dos filmes produzidos no país em 1910 serem classificados retrospectiva e genericamente como westerns. Na época, eles eram
incluídos, nos catálogos das distribuidoras, em seções como “military films”,
“Indian and western subjects” e “wild west dramas”, entre outras. O que se
destaca nessa produção de feição europeizante é a caracterização da personagem índia como “nobre”, “heroica” e disposta ao sacrifício em favor do
“homem branco”, a ponto de constituir uma espécie de subgênero de grande popularidade na época. Surgem também relacionamentos inter-raciais e
personagens femininas protagonistas e independentes, traços que indicam
uma agenda progressista que não permaneceria com a transformação do
segmento por volta da Primeira Guerra Mundial, mas que guardam pontos
de contato com a sua retomada europeia nos anos 1960, aspecto que talvez
mereça um estudo mais aprofundado.
A invenção do western como gênero que narra a formação da nação estadunidense parece atender não só a demandas de mercado – o que teria
levado à necessidade de renovação de sua primeira configuração, com a
famosa história da busca por novas locações e por “autenticidade”, e à descoberta da localidade de Hollywood, em 1909, por Siegmund Lubin – como
também a uma demanda ideológica, no momento em que o Estado estimula
a nacionalização da indústria cinematográfica e a coloca como ponta de
lança de uma política imperialista que levaria o país a consolidar sua posição
como a sociedade mais rica do mundo. Os westerns franceses feitos nos
Estados Unidos tentam seguir essa nova orientação. Junto com os similares
de David Wark Griffith, eles representam uma espécie de transição para o
novo momento. Dos primeiros – produzidos, dirigidos ou supervisionados
por Alice Guy-Blaché –, destaca-se a construção do “cidadão americano”
em títulos reveladores, como A man’s a man (1912) e The making of an
American citizen (1913). Já em Algie the miner (1912), de Edward Warren, com
supervisão de Guy-Blaché, torna-se claro que essa formulação envolve a ida
do jovem rapaz para o Oeste, em seu rito de passagem para a idade adulta
e, mais do que isso, para uma nova identidade, forjada na adversidade, na determinação e na conquista. Por outro lado, Griffith explora com pertinência
e consciência os novos espaços e os novos símbolos dessa transformação,
fazendo do trem uma metáfora não só do progresso e da modernidade, mas,
sobretudo, da força da nação, desdobrada em imagens de eficiência, potência
falocêntrica e (por que não dizer?) masculinidade, uma masculinidade que
tem como missão resguardar a mocinha (nação), como é visto em The girl
and her trust (1912). O western como território do homem que se impõe
7
2
e impõe a lei (pela força das armas) começa a ganhar contornos definidos.
A construção desse novo sujeito é, ao mesmo tempo, uma formulação
histórica e uma formulação ideológica, ambas contestáveis, sobretudo porque se erigem a partir do apagamento do Outro, considerado agora um
“selvagem”, um “bárbaro”, um “espoliador” ou simplesmente um “estrangeiro”. Basta pensar na reordenação dramática do “índio”, tornado vilão e
exterminado sem dó nem piedade em milhares de filmes, algo não muito
distante do genocídio real das nações e culturas indígenas locais. Nas entranhas do westerner ecoam os postulados da doutrina do Destino Manifesto,
consubstanciados na famosa frase atribuída a Horace Greeley, em que estão
subentendidos movimentos que se traduzem como aventura, expansionismo e conquista. Não por acaso a revivescência da Doutrina Monroe por
Theodore Roosevelt e sua política do “Big Stick” coincide com a guinada
do gênero em sua busca por uma nova configuração. Moldado por Thomas
Ince, James Cruze e mesmo por John Ford, a partir de filmes como Sota, cavalo e rei (Cameo Kirby, 1923) e O cavalo de ferro (The iron horse, 1924), o western, em seus primórdios clássicos, explora estruturas dramáticas, como a
vingança, e temas como a superioridade racial, fazendo da aventura catártica
e da segregação racial as bases para um espetáculo de superioridade militar
e supostamente ética, sem menção às espoliações e aos crimes inerentes às
investidas território adentro.
O gênero atinge o auge de sua popularidade nos anos 1930, com o chamado B-western, universo que revelaria definitivamente a figura de John
Wayne, epítome acabada do homem do Oeste em suas várias encarnações
cinematográficas. Amplificando a narrativa expansionista, com filmes como
Aliança de aço (Union Pacific, 1939), de Cecil B. DeMille, e a construção do
cowboy de butique (limpo, bem-vestido, galante, polido, de armas brilhantes e
com destreza absoluta no cavalgar e atirar), com ícones como Tom Mix, Roy
Rogers, Gene Autry, Tex Ritter, Audie Murphy e muitos outros, a filmografia
do western se consolida, chegando a ocupar 20% a 30% do mercado cinematográfico estadunidense, com significativo desdobramento junto à televisão
a partir dos anos 1950, com séries como The lone ranger, Bat Masterson,
Bonanza e Chaparral, entre centenas de outras.Também é consolidada a face
conservadora inicial do gênero em termos políticos e estéticos, marcada
pela estereotipia das personagens, tramas e composições. Embora o con-
junto tenha sido suficientemente forte para configurar os parâmetros do
western – a ponto de seus cultores mais ardentes defenderem, por exemplo,
a misoginia e o racismo do gênero –, os títulos mais exaltados e lembrados
retrospectivamente são justamente aqueles que se posicionaram de forma
mais crítica com relação às contradições do conjunto e, sobretudo, aqueles
que adicionaram uma maior complexidade psicológica, filosófica e cultural
aos heróis e à paisagem de fundo, chamados, em certa altura, de westerns
noir, metafísicos, mitológicos, entre outras formulações.
O ponto de inflexão para o auge da era clássica foi No tempo das diligências
(Stagecoach, 1939), de John Ford, que desloca a atenção da ação, trabalhada
aqui de forma suspensiva, mais como uma iminência do que como um desfecho. Tanto que, nesse filme, não vemos o duelo final de Ringo, que levaria
ao estudo psicológico e ao comentário social. O Oeste é que funciona como
ambiente revelador do verdadeiro caráter dos envolvidos e desmistificador
das oposições típicas do gênero, particularmente a que opunha o Leste
civilizado ao Oeste selvagem, retrabalhado por Ford também em dimensão
classista. Daí à admissão de personagens perturbados ou francamente autoritários e fascistas – como os “heróis” da saga estadunidense em filmes
como Consciências mortas (Ox-bow incident, 1943), de William Wellman, Rio
Vermelho (Red river, 1948), de Howard Hawks, e Rastros de ódio (The searchers
1956), também de Ford – foi um passo. Psicanálise, Guerra Fria, Existencialismo, Macartismo, Estética Noir e um ainda não nomeado Multiculturalismo trazem o gênero para a atualidade, tornando-o oblíquo e alegórico em
títulos marcantes, como O retorno de Frank James (The return of Frank James,
1940), de Fritz Lang, Paixão dos fortes (My darling Clementine, 1946), de John
Ford, Sua única saída (Pursued, 1947), de Raoul Walsh, Flechas de fogo (Broken
arrow, 1950), de Delmer Daves, Matar ou morrer (High noon, 1952), de Fred
Zinnemann, Johnny Guitar (Johnny Guitar, 1954), de Nicholas Ray, Sete homens
sem destino (Seven men from now, 1956), de Budd Boetticher, Reinado do
terror (Terror in a Texas town, 1958), de Joseph H. Lewis, e Sete homens e um
destino (The magnificent seven, 1960), de John Sturges. Sempre comentando
a seara caseira, John Ford dá uma dimensão do alcance e da complexidade
do western ao transformar uma produção de rotina sobre cavalaria, como
era Sangue de heróis (1948), em um libelo antirracista e antibélico, chamando atenção para o fascismo e o esnobismo dos oficiais em contraposição
9
3
à mal-dissimulada presença e camaradagem irlandesa em meio ao exército
estadunidense. Ford teve que negociar diretamente com o chefe da censura, ironicamente um descendente de irlandeses, a incorporação dos nomes
característicos e dos costumes dos seus ancestrais.
A depuração advinda de todas essas contribuições se transforma em uma
formulação arquetípica do gênero, sinal de sua maturidade absoluta e também do seu esgotamento, com comentários e ressonâncias de ordem mais
metafísica do que histórica. Como síntese absoluta, etérea e simbólica do
“far-west”, território além da civilização, surge, em 1953, Os brutos também
amam (Shane), de George Stevens, no qual o pistoleiro solitário, desgarrado,
desenraizado, que se sabe entre dois mundos e que escolhe lutar por aquele
que não o absorverá e com o qual não se identifica, encarna os valores máximos do sagrado, do justo e do bom, de forma pura e angelical, aos olhos de
uma criança que o idolatra. A batalha final está acima e muito além da luta
entre barões de gado violentos e pequenos agricultores pacíficos. Em sua
precisa geometria de montagem, Stevens e o montador William Hornbeck
fixam os signos-chaves e a matéria-prima icônica do gênero, isolando cada
elemento simbólico e sua ressonância cultural e artística. Da mesma forma,
outras obras-primas da década de 1950 constituem de forma definitiva o
cânon proteico da galeria de lugares, tipos, objetos e situações do gênero,
bastando lembrar alguns títulos a mais, como O matador (The gunfighter,
1950), de Henry King, Sem lei e sem alma (Gunfight at the O.K. Corral, 1957),
de Sturges, e o já mencionado Onde começa o inferno.
A história do western cinematográfico tem muitos outros capítulos e não
se esgota nessa brevíssima enumeração, podendo incorporar os épicos conservadores dos anos 60, como Álamo (The Alamo, 1960), de John Wayne, e A
Conquista do Oeste (How the West was won, 1962), de Ford, Henry Hathaway e
George Marshall, e a consciência do fim da era clássica, com a obra de Sam
Peckinpah – violenta, crítica e, ao mesmo tempo, nostálgica de valores que a
contemporânea Guerra do Vietnã tornou anacrônicos. O imperialismo como
doutrina tinha virado pilhagem como prática. Com a revisão da história contada pelo western, surgem as necessárias adequações e reposicionamentos,
com, por exemplo, o índio recuperando progressivamente seu lugar de vítima
e afastando-se do de algoz, em títulos que vão de O pequeno grande homem
(Little big man, 1970), de Arthur Penn, ao recente O cavaleiro solitário (The lone
ranger, 2013), de Gore Verbinski. A apropriação europeia dos faroestes, que
se afirma critica e desconstrutivamente com Por um punhado de dólares (Per
un pugno di dollari, 1964), de Leone, adiciona uma dose cavalar de cinismo, violência e “breguice” ao gênero, assim como várias outras operações estéticas
que acabam por redefinir o eurowestern (ocidental) como um discurso muito
mais ambíguo, estilizado e autorreferencial do que sua fonte hollywoodiana.
Ele acaba se espraiando para o mundo inteiro nos anos 1970. Basta indicar
obras como o mexicano O Topo (El Topo, 1970), de Alejandro Jodorowsky, o
francês Não toque na mulher branca (Touche pas à la femme blanche, 1974), de
Marco Ferreri, e, do outro lado do mundo, o indiano Cinzas (Sholay, 1975), de
Ramesh Sippy, exemplo maior dos chamados curry westerns.
A grande exceção dessa tendência geral se dá ainda nos anos 1960, com
os Indianerfilme, produzidos na Alemanha Oriental, e os Sauerkraut (chucrute)
westerns, produzidos na parte ocidental. Muitos desses filmes acabaram sendo rodados nas planícies da antiga Iugoslávia (mais especificamente na atual
Croácia), o que gerou, inclusive, uma apropriação local, os Gibanica westerns,
e toda a nova onda de red westerns ou westerns produzidos nos antigos países comunistas da Europa e da Ásia. Se, na antiga União Soviética, o líder
Josef Stalin, um apaixonado pelos westerns hollywoodianos, tinha estimulado
a produção local de contrafações, ainda nos primórdios, destacando-se filmes
como Os diabinhos vermelhos (Krasnye diavolyata, 1923), de Ivan Perestiani, Os
treze (Trinadtsat, 1937), de Mikhail Romm, e Povo corajoso (Smelye lyudi, 1950),
de Konstantin Yudin; com a chegada de outro apaixonado pelo cinema ao poder, o novo líder Nikita Kruschev, que havia permitido a distribuição de Sete
homens e um destino na Rússia, onde teve imenso sucesso de público, buscase novamente a criação de uma contrafação local e estimula-se a mesma
ação nos demais países socialistas. O modelo para a nova onda de westerns
comunistas foi justamente o ocidental O tesouro dos renegados (Der schatz
im Silbersee, 1962), de Harald Reinl, que trazia a dupla Winnetou e Old Shatterhand, criada pelo escritor alemão Karl May ainda no século XIX. O filme
acabou sendo distribuído com igual sucesso na União Soviética e convinha
mais à inversão clássica requerida pelo contexto da Guerra Fria. Era muito
mais adequado torcer pelo índio como herói do que pelo branco escravizador e espoliador, o que acabou prevalecendo no lado da Alemanha Oriental.
1
De maneira geral, o red western ocorre entre 1964 e 1968 na União
Soviética, trocando-se o contexto estadunidense da conquista do Oeste e
da Guerra Civil pelo contexto da revolução bolchevique e da subsequente
Guerra Civil local. A partir de 1966, ele passa a ocorrer nos demais países
socialistas, com destaque para a Iugoslávia, a Romênia e a Alemanha Oriental. Depois de uma primeira fase, com os índios e os soldados do exército
vermelho predominando como protagonistas em filmes de sucesso, como
Ninguém quer morrer (Niekas nenorejo mirti, 1966), de Vytautas Zalakevicius,
e Os Vingadores Invisíveis (Neulovimye mstiteli,1967), de Edmond Keosayan, o
gênero torna-se mais difuso, devido à repressão pós-Primavera de Praga e à
rejeição da cultura ocidental em geral. É nesse momento que certos temas
“genéricos” do western, como a fronteira, a cidade fantasma, o cavaleiro
solitário e a pradaria (neste caso, as estepes siberianas ou as planícies balcânicas), retornam em chave alegórica, por vezes enigmática, para dar conta
das contradições do mundo socialista em dissolução ou do neocapitalismo
selvagem que toma conta desses países a partir de 1989-91. Relembre-se,
por exemplo, uma saga como Siberíada (Sibiriada, 1979), de Andrei Mikhalkov-Konchalovsky. A força do western como gênero – ou, mais especificamente, como estrutura e moldura dramáticas que mobilizam o homem contra
obstáculos e conjunturas adversas – revela-se aqui em sua plena potência
e atualidade. Adentrar um território estranho é estar disponível para o
contato com o Outro tanto quanto para uma jornada existencial de reorganização da identidade pessoal.Talvez por isso que um dos melhores westerns
dos últimos tempos tenha sido criado por um dinamarquês, filmado na África do Sul e situado, como não poderia deixar de ser, no “Oeste selvagem”
estadunidense do século XIX. Trata-se de A salvação (The salvation, 2014),
de Kristian Levring, que, diferentemente de boas refilmagens como Os indomáveis (3:10 to Yuma, 2007), de James Mangold, insufla vida nova no sempre
claudicante neo-western das últimas décadas.
SIBERÍADA (1979)
3
entrevista
ALI
KHAMRAEV1
O FAROESTE VERMELHO:
Em seu texto, Sergey Lavrentiev
menciona que, em A sétima bala,
você presta homenagem a um plano
específico de Sete homens e um destino, de John Sturges, além de mostrar que foi influenciado por Sérgio
Leone e o western spaghetti. Com
isso em mente, gostaríamos primeiramente de perguntar como é que
você se envolveu no projeto de A
sétima bala e, ainda, qual era a sua
relação com o gênero do faroeste.
Como os faroestes americanos não
eram bem-vistos pela ideologia soviética, você se viu obrigado a mudar,
conter ou transformar a estética do
seu filme?
uma grande ajuda para o orçamento
do país, juntamente com a venda de
pão e vodca. Estudei o gênero do faroeste no instituto de cinema, onde
fugia de palestras marxista-leninistas
para sessões do amado Nos tempos
da diligência, de John Ford. Quando,
em 1972, consegui persuadir o chefe do estúdio Uzbekfilm a me deixar filmar o histórico e revolucionário roteiro de Basmachi (escrito
por Friedrich Gorenstein e Andrei
Mikhalkov-Konchalovsky), meu principal trunfo foi a proposta de mudança do nome para A sétima bala, em
consonância com o título do filme
Sete homens e um destino, que gozava
de enorme popularidade na época.
As crianças da União Soviética brinALI KHAMRAEV: O filme Sete ho- cavam de “cowboys e bandidos”, os
mens e um destino, de John Sturges, jovens copiavam a maneira de andar
foi visto por mais de 100 milhões de do herói Yul Brynner e a indústria
espectadores em um ano na URSS. não se cansava de imprimir milhares
A propaganda oficial omitia esse re- e milhares de novos exemplares do
corde, mas os milhões de rublos ad- filme. Friedrich Gorenstein me convindos de westerns americanos eram tava que Andrei Konchalovsky havia
1 Entrevista realizada por e-mail. Perguntas de Thiago Brito e Pedro Henrique Ferreira.
Traduzido do russo por Thiago Brito.
A SÉTIMA BALA (1972)
5
3
lhe mostrado dezenas de faroestes
americanos no arquivo de filmes.
Sendo um escritor e roteirista talentoso, Friedrich me ajudou a enriquecer o projeto de A sétima bala
com personagens fortes e diálogos
brilhantes. Eu consegui convencer
o grande ator Suymenkul Chokmorov a atuar como o comandante
do exército do destacamento. Nós
íamos do hotel ao set de filmagem
a cavalo. Eu atirava para o alto com
uma (pistola) Mauser, em vez de gritar “Ação!”. Para economizar, os inimigos da revolução, em cenas mais
numerosas, eram interpretados por
motoristas de táxi de uma pequena
cidade. Uma hora depois, esses mesmos motoristas trocavam de roupa
para atuar como soldados do exército vermelho. Trabalhamos rápido e
de forma divertida; filmamos em seis
semanas. Não prestamos atenção à
ideologia comunista, nós queríamos
apenas contar uma história sobre a
batalha entre o bem e o mal.
OFV: Ao mesmo tempo, nós gostaríamos de entender o que o gênero
do faroeste significava para seu país na
época2.A recepção do filme foi a mesma no Uzbequistão e na União Soviética? O gênero ainda ressoa no cinema
contemporâneo do Uzbequistão?
2 Ali Khamraev nasceu no Uzbequistão.
ALI KHAMRAEV: No âmbito do
combate à ideologia do Ocidente na União Soviética, os faroestes
eram classificados como “filmes de
aventura”. De qualquer forma, não
importa a embalagem do chocolate,
ele continua sempre sendo chocolate. Mesmo hoje o faroeste continua
sendo o gênero predileto da juventude da Rússia e das ex-repúblicas
soviéticas. Já o cinema do Uzbequistão, hoje, não tem diretores trabalhando com o gênero. Eles estão
ocupados desenvolvendo o enredo
do “homem de família pobre que se
apaixona por uma mulher de família rica”. As pessoas que gostam de
assistir aos faroestes fazem isso por
meio de DVDs e da internet.
OFV: O guarda-costas (1979) é
também influenciado pelos faroestes
americanos, especialmente os do
estilo “caçador de recompensas”.
Como você é creditado como o
único roteirista do filme, nós gostaríamos de saber como você teve
essa ideia.
ALI KHAMRAEV: Em 1978, por
conta do filme Triptych, eu entrei em
conflito com os ideólogos do governo do Uzbequistão. Eu precisava de
dinheiro pra viver; além do mais, eu
não estou acostumado a ficar sem
trabalho. Remexi meus rascunhos
e anotações de direção, tive uma
ideia de roteiro e decidi ir ao Tadjiquistão, onde, em 1961, iniciei minha
carreira. Ali, eles me tratavam bem,
sabiam que meu pai, o grande ator e
roteirista Ergash Khamraev, era um
genuíno tadjique. Na época, minha
esposa, que é atriz, estava filmando
em Sebastopol. Então, junto com as
nossas duas crianças, nós nos instalamos num hotel barato, em cima de
um banheiro público. Nesse hotel,
durante duas semanas, escrevi o roteiro de O guarda-costas. Não estava
conseguindo encontrar os atores
para os papéis principais, mas o meu
amigo Andrei Tarkovsky, durante um
encontro nosso na Mosfilm, acenou
para os dois protagonistas de Stalker
– Anatoly Solonitsyn e Alexander
Kaidanovsky – e disse-lhes: “Querem ver o céu estrelado da Ásia e
visitar Samarkand? Querem um papel interessante e querem ganhar dinheiro? Então vão filmar com o Ali!”.
OFV: Você já realizou filmes de quase todos os gêneros e estilos. Existia
alguma diferença na realização de
um faroeste?
ALI KHAMRAEV: Quando eu era
jovem, precisei trabalhar com diversos gêneros. Não me deixavam
filmar roteiros complexos, me ofereciam comédias, musicais, faroestes
e documentários. Eu aceitava esses
projetos de bom grado, sabendo
que eu seria bem pago e, ao mesmo
tempo, que eu teria uma experiência profissional necessária. Assim, fui
ganhando legitimidade para fazer o
que eu realmente queria: o cinema
autoral.
OFV: Os seus faroestes, em comparação com os faroestes americanos,
ou mesmo italianos, têm um tratamento mais “realista” das cenas de
tiroteio. O ritmo e a dramaturgia
dessas cenas de ação são bastante
únicos. Você poderia comentar sobre isso?
ALI KHAMRAEV: O faroeste
americano é a espetacular batalha
entre o bem e o mal – histórias
inventadas e românticas. Os meus
“easterns” são baseados em fatos
reais da Guerra Civil soviética. Eu
tentei preencher o quadro com paisagens reais, com pessoas simples
do povo em suas roupas cotidianas.
Meus heróis atiravam e matavam
não com o objetivo de ganhar di-
7
3
nheiro. Meus heróis acreditavam em felicidade coletiva, em um mundo sem ricos e pobres: eles lutavam e morriam por uma grande ideia, sabendo que seus
filhos viveriam felizes. Meus heróis acreditavam em um socialismo com um
rosto humano; de forma alguma eles pensavam ou acreditavam que os seus
netos e bisnetos veriam um capitalismo de rosto animal. Mas assim é a vida…
Ali Khamraev nasceu no dia 19 de maio de 1937, na família de Ergash
Khamraev, roteirista e ator, e de Anastasiya Tarasich, secretária da unidade
de direção de arte do Uzbekfilm Estúdio. Em 1956, após a conclusão
do ensino secundário, Ali Khamraev ingressou na faculdade do Instituto
Estadual All-União de Cinematografia (na oficina artística do professor
Grigoriy Roshal’ e do professor-assistente Yuriy Genika). Em 1961, recebeu
seu diploma, depois de ter exibido o longa-metragem Breves histórias sobre
as crianças, que... (dividido com M. Makhmudov). De 1962 a 2008, filmou,
como diretor e produtor, 20 longas-metragens de ficção e cerca de 40
documentários, na maioria dos quais atuou também como roteirista
principal ou colaborador. Entre seus filmes de maior popularidade e
retorno financeiro, estão os faroestes A sétima bala e O guarda-costas, os
filmes históricos The red sand (em colaboração com A. Akbakhodzhayev) e
Extraordinary comissar, além das comédias musicais A fiancée from Vuadile e
Where are you, my Zulfiya?. Ali Khamraev foi laureado com o “Trabalhador
das Artes”, prêmio estadual da República do Uzbequistão.
O GUARDA-COSTAS (1979)
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O INDIaNERFILM DA DEFA COMO
ARTEFATO DE RESISTeNCIA 1
1
p o r E v a n To r n e r
Os acadêmicos geralmente relacionam-se com a história do cinema
como se estivessem diante de um Wunderkammer – uma câmara de
curiosidades que produz tanto fascínio quanto insight. Nela encontramos, por exemplo, o longa-metragem conhecido como “Guerra das
estrelas turco”, as produções baratas de exploitation, o filme realizado
secretamente na Disney World, os filmes silenciosos russos de espionagem/sci-fi/slapstick, etc. Como as prosaicas histórias infantis da Índia2,
os Indianerfilme da DEFA – populares faroestes, produzidos pela comunista Alemanha Oriental (RDA) entre meados da década de 60 e
meados da década de 80, que presumiam que havia uma natural aliança
entre a resistência aborígene americana contra os cowboys capitalistas
– maravilham historiadores de cinema por sua estranheza, a despeito
do potencial blockbuster que tinham nas bilheterias do Bloco Soviético
e da multidão de fãs, ou mesmo por conta disso.
Inúmeras publicações realizaram um resumo do fenômeno, adequando-o à ótica de estudiosos da era pós-comunista. Concluiu-se que esses lucrativos faroestes, protagonizados pelo ator sérvio Gojko Mitić,
certamente faziam parte da tradição revisionista dos westerns, mas que,
ao fim e ao cabo, eram mais indicativos da maneira fantasiosa como a
Alemanha Oriental se via nos personagens aborígenes do que necessariamente sobre a experiência aborígene. Eles eram, em suma, filmes
1 “The DEFA Indianerfilme as artifact of resistance”. Publicado
originalmente em Frames Cinema Journal. Traduzido por Thiago Brito.
2 O autor refere-se aos livros de Lynne Reid Banks publicados a partir de
1980, como The Indian in the cupboard.
A TRILHA DO FALCÃO (1968)
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mais preocupados com planos glamorosos e intricados stunts de musculosos corpos da Europa Oriental em ação do que com uma expressão de
genuína solidariedade aos personagens em cena. Pelo menos isso as publicações deixam bem claro.
Mas o que não deixam claro é o que de fato está em jogo quando escrevemos sobre essa produção de 14 filmes. Por exemplo, Fredric Jameson percebe
os planos dos faroestes da Europa Oriental como uma “convulsiva tentativa
de derrubar estereótipos nacionais generalizantes, ambiguamente reinventando-os no processo”. Por outro lado, Sebastian Heiduschke descreve como os
famosos faroestes têm sido empregados como iscas internáuticas por sites
de fãs da DEFA, que cruamente comparam os filmes a produções americanas e italianas, ao mesmo tempo que reproduzem a teoria que diz que os
Indianerfilme eram “preocupados com a vida, a cultura e a história da América
aborígene” (Heiduschke, 2006, p. 159). Estudamos os Indianerfilme da DEFA
por conta de sua reinvenção do nacional a partir do discurso do gênero? Ou
os estudamos por conta da potência com que saltam aos olhos, graças à sua
combinação única de ação, kitsch, drag étnico e ideologia comunista ingênua?
Para cada razão que nos damos para estudar o fenômeno, parece que outra
razão perversa também se estabelece.
O presente artigo não pretende dissecar os Indianerfilme em seus mínimos
detalhes, mas encontrar o lugar dessa produção dentro do Cinema da RDA,
articulando isso com a maneira como esses filmes foram recebidos na esfera
pública. Um resumo do gênero será apresentado, mas o objetivo central é
uma análise do discurso do produtor e do público que percebe os Indianerfilme como artefatos culturais que resistem aos clichês a eles fixados. Afirmo
que os temas de discussão mais genéricos sobre esses filmes – por exemplo,
sua posição como mero entretenimento dentro do Bloco Comunista; sua
subversão ideológica dos faroestes dos EUA e da Alemanha Ocidental; seu
problemático discurso racial; seu gesto de solidariedade pós-colonialista –
modificaram-se muito pouco desde sua concepção, ainda na década de 60. O
contínuo entusiasmo alemão pela cultura aborígene, denominado por Hartmut Lutz (2002) de “Indianthusiasm”, nos mostra a permanência do discurso.
A incrível e profícua popularidade da imagem do principal protagonista desses filmes, Gojko Mitić, é outro indicativo. Como já escrevi anteriormente, a
impecável imagem física e social de Mitić lhe dá uma credibilidade que nem
mesmo os partidos comunistas dominantes possuíam. Mas a verdadeira força
dos Indianerfilme não reside somente no estrelismo de Mitić, reside principalmente na capacidade do gênero de criar, como Michael Saler um dia colocou,
um “secundário mundo imersivo”, repleto de aventuras aborígenes, dentro
de uma RDA socialista e pós-industrial. Tratava-se de um mundo fantasioso,
capaz de cativar a atenção do público e de transpor barreiras nacionais ao se
pautar por valores universais dentro do Bloco soviético. A aparente autenticidade dos gestos transnacionais e trans-históricos desses filmes ocorre por
eles serem: 1) abertamente superficiais (superando a falta de transparência
do socialismo do século XX); e 2) tanto da Alemanha quanto da Europa
Oriental (superando as diferenças nacionais). Uma mudança dos estudos culturais germânicos – que prioriza o pop em detrimento da “alta cultura”, a
interseção em detrimento das análises ideológicas – permitiu que, dentro de
nossas salas de aula, metonimicamente, esses filmes fossem expostos como a
cultura visual da RDA, com consequências interessantes para os estudos da
história do cinema alemão em geral.
Por fim, em seu recente artigo “Have dialetic, will travel”, Dennis Broe argumenta que esses filmes, assim como o Novo Cinema Alemão dos anos
60 e 70, constituem elementos de resistência contra-hegemônica da classe
trabalhadora, seja em oposição a um Estado opressivo, seja em oposição às
forças de um mercado neoliberal. Esses filmes são, com certeza, artefatos
de resistência, no sentido de terem vidas e agendas ocultas, como uma nova
ontologia baseada no objeto. Eles são fantasias em celuloide – ambíguas,
mercantilizadas e comerciais –, projetadas tanto como ilustração da história
audiovisual de um país morto quanto como uma forma de rebelião contra
uma ameaça perniciosa (seja ela o capitalismo ou a ocupação soviética),
por meio de duradouros e ativos corpos e talentos de falsos aborígenes
representados no telão. Deixe-me destacar que um sítio é um lugar onde
algo ocorre, enquanto que um artefato é algo que um dia foi produzido para
atingir determinado objetivo, mas que, com o tempo, restou simplesmente
como testemunho das condições de sua própria produção.
O
I ndianerfilm
como
processo
As instituições que produziram esses artefatos desejavam que eles atingissem objetivos e efeitos educacionais bastante determinados. Desde sua ori-
3
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gem, em uma Berlim ocupada pelos soviéticos, em 1946, até sua realocação
para Potsdam-Babelsberg, no início de 1950, os estúdios da DEFA da Alemanha Oriental tinham a missão de “re-educar os alemães – especialmente
os jovens –, para que eles compreendessem o que era uma democracia e
um humanismo genuínos, e, ao realizar isso, promover um sentimento de
respeitos por outros povos e outras nações”, como declarou o coronel soviético Tulpanov na cerimônia de inauguração. Nas primeiras duas décadas
de produção da DEFA, os aspectos morais e sociopolíticos foram genuinamente priorizados em detrimento da lógica do retorno financeiro a curto
prazo, uma inclinação institucional que ajudou a influenciar gerações de estudiosos a buscar mensagens de cunho moral, ideológico e/ou subversivo
nas narrativas e regimes de representação dos filmes da DEFA. No entanto,
a realidade é que a DEFA fazia parte da economia cinematográfica mundial,
e a lógica do mercado não desaparece completamente, mesmo que se trate
de uma rubrica estatal anticapitalista a serviço do socialismo.
Que condições materiais influenciavam as produções de gênero da DEFA?
Cada longa-metragem dos estúdios custava um milhão de ostmarks e, de
acordo com Ralf Schenk, tinha a obrigação de se apresentar de maneira “clara, sem ambiguidades e compreensível para todos”. Os Indianerfilme preenchiam muito bem essas categorias. Os salários da equipe cinematográfica
dependiam do sucesso dos resultados da bilheteria, embora em grau menor
do que nos regimes capitalistas. Com isso, produções ideologicamente mais
seguras, que conseguiam atingir o Devisenrentabilität – a capacidade de angariar o mais que necessário dinheiro estrangeiro –, recebiam orçamentos
maiores e sofriam menos intervenções do estúdio. Esse tipo de produção
era restrito a alguns gêneros: os Marchenfilme (filmes de fantasia), os filmes
de aventura em 70mm e os Indianerfilme. O orçamento médio de um Indianerfilm da DEFA, por exemplo, era de pouco menos do que 2.5 milhões de
ostmarks. A queda do poder de compra do ostmark na década de 80 resultou também na queda de produção do gênero. Como Stefan Zahlmann nos
lembra, fatores estruturais – como a disponibilidade de materiais, o cachê
dos artistas, novas tendências de produção a longo prazo e negociações
transnacionais – eram de absoluta importância no momento de dar o sinal
verde para uma produção da DEFA (Zahlmann, 2010, p. 14). Um ponto de
vista absoluto com relação aos aspectos políticos e/ou “subversivos” des-
sa produção ignora a maneira como os meios de comunicação impedem
que um controle substancialmente político ocorra. Trocando em miúdos:
um filme da DEFA tinha que ser interessante ou divertido o suficiente para
atrair um público cativo, mas, se o filme atraísse atenção demais – como,
por exemplo, o filme de Heiner Carow, A lenda de Paul e Paula (Die Legende
Von Paul und Paula, 1973) –, qualquer conteúdo mais subversivo da narrativa
receberia desaprovação oficial. Os diretores e produtores que desejavam
manter suas posições sabiam como realizar filmes com o nível certo de
“interesse”, de modo a garantir a sua própria sobrevivência. Um filme precisava ser inocuamente subsumido por trás de categorias de gênero claras
e bem-estabelecidas, de modo a sobreviver aos laboriosos processos de
roteirização. Com isso, o argumento de Dennis Broe de que os Indianerfilme
eram, em alguma medida, “subversivos” superestima a maneira como os diretores da DEFA concebiam esses filmes a partir do potencial “subversivo”
de seu material: os imaginários políticos alternativos ou as subjetividades
indianistas. Os blockbusters cooptavam o popular em nome do potencial de
venda, mesmo quando eventualmente se dirigiam a movimentos de resistência. Os Indianerfilme eram certamente blockbusters socialistas com intenção de atingir um público para além da RDA e, ao mesmo tempo, manter
o interesse doméstico em produções de incentivo governamental. Como
artefatos, esses filmes conseguiam relacionar o interesse do governo e de
sua plateia, estabelecendo um acordo geral de como opressão e resistência
deviam ser representadas, ao mesmo tempo que conseguiam aprovar um
playground socialista onde se poderia, com facilidade, mesclar narrativas históricas marxista-leninistas com elementos de ação e fantasia guiados por
um protagonista.
Por uma sorte do destino, da noite para o dia os Indianerfilme se transformaram no gênero de maior sucesso comercial disponível nos estúdios
DEFA. De 1966 até 1985, a DEFA produziu 14 desses filmes na Europa
Oriental, a maioria tendo o ator sérvio Gojko Mitić como protagonista.
Eles apresentam musculosos índios americanos sofrendo opressão e ativamente resistindo ao expansionismo norte-americano. Os filmes tinham a
intenção de projetar a solidariedade da Alemanha Oriental às lutas pós-colonialistas e ao (então) chamado Terceiro Mundo (especialmente o Vietnã), e
eram bem-recebidos em países orientais, como Polônia, Bulgária e Romênia.
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Tim Bergfelder argumenta que, em vez de apresentar soluções fáceis e um
mero espetáculo, os Indianerfilme se preocupavam mais com “autenticidade
etnográfica e representação de realidades sociais”. Esse gênero de ficção
altamente convencional e controlado era aclamado por conceber histórias
protéticas que, como Gerd Gemünden coloca, “revelavam bem mais acerca
das agendas políticas de seus criadores do que acerca dos objetos que pretendiam representar”.
Os artefatos do gênero podem ser divididos em seis subciclos de material,
dependendo da maneira como abordam história e ficção. O primeiro subciclo, o mais popular e lucrativo de todos, consistia em adaptações literárias:
Os filhos da Grande Ursa (Die Söhne der großen Bärin, 1966), baseada no livro
homônimo de Liselotte Welskopf-Henrich, e Chingachgook, a grande serpente
(Chingachgook, die große Schalnge, 1967), baseada no livro The Deerslayer, or
the first warpath (1841), de James Fenimore Cooper. Após a adaptação desses
livros famosos, a DEFA começou a produzir suas próprias histórias indianistas, o que desembocou em seu segundo ciclo, o dos chamados Entwicklungstrilogie (“A trilogia do desenvolvimento”). Esses filmes produzidos no fim da
década de 60 – A trilha do falcão (Spur des Falken, 1968), Lobos brancos (Weiße
Wölfe, 1969) e Erro fatal (Tödlicher Irrtum, 1969/70) – eram construídos em
torno de elementos cinemáticos, como perseguições em trens e lutas pelo
petróleo. Esse subciclo estabeleceu o gênero regularmente nos Sommerfilmtage da Alemanha Oriental, cinemas a céu aberto com uma programação
de família. O terceiro subciclo consistia de adaptações das biografias reais
de líderes aborígenes americanos, denotando um afastamento do gênero
kitsch em direção ao materialismo histórico. Osceola (1971) retrata o chefe
seminole que ajudou a libertar escravos na Flórida, enquanto que Tecumseh
(1972) lança olhar sobre a traição do chefe shawnee na Guerra Francesa de
1812. No fim desse subciclo, ficou claro para o grupo Roter Kreis, unidade
da DEFA responsável pelos Indianerfilme, que os pequenos prazeres representados pelas paisagens da Europa Oriental e pelas meticulosas sequências
de ações dos filmes não ofereciam oportunidade para retratar seriamente
as biografias dos líderes aborígenes. Portanto, vemos um retorno à estética
spaghetti no quarto subciclo: Apaches (Apachen, 1973) e Ulzana (1974). O
quinto subciclo marca aquilo que gosto de chamar de período barroco do
gênero, quando, sem sucesso, o estúdio tentou renovar-se a partir de filmes
que apresentavam truques indianistas: o veículo para o estrelato de Dean
Reed, Irmãos de sangue (Blutsbrüder, 1975); o melodrama caça-níquel cultural
Severino (1977); e o incompetente thriller O observador (Der scout, 1983), um
filme sobre um guia da Nez Perce que desmonta um grupo racista da União.
O sexto subciclo poderia ser reunido em torno de dois filmes que não foram produzidos pelo grupo Roter Kreis – Blauvogel (1979), de Uli Weiss, e
Atkins (1985), de Helge Trimpert –, já que ambos lidam com algum aspecto
secundário do universo indianista, mas sem a presença de Mitić.
O
I ndianerfilm
como
consumível
A emergência dos Indianerfilme aparece como resultado do que Annette
Deeken chamou de “o problema Karl May” – o simples fato de que o público
alemão não cansa de consumir as populares histórias do bem contra o mal
da literatura indianista do autor Karl May, não importando as mudanças de
tempo ou política. Nossos artefatos se assemelham mais aos conteúdos de
Karl May, a que se opunham, do que qualquer outro tipo de antiwestern. Os
filmes da Alemanha Ocidental adaptados de Karl May, como O tesouro dos
renegados (Der schatz im silbersee, 1962) e a trilogia Winnetou (1963-65), filmada na Iugoslávia e na Itália por Horst Wendlandt, foram imensos sucessos
de bilheteria em toda a Europa. Esses filmes tiveram ótimas carreiras, mesmo
sendo vistos por críticos como meros pastiches dos “superiores” faroestes
americanos de John Ford e Delmer Daves. O público da Alemanha Oriental,
que por anos vinha consumindo os livros de Karl May no mercado negro
e assistindo aos faroestes da Alemanha Ocidental pela televisão, viajava até
Praga no início da década de 60, para assistir ao mais recente faroeste da
saga Winnetou, depois para assistir aos brutais westerns spaghetti e, por fim, ao
escrachado faroeste tcheco Lemonade Joe (Limonádovy joe aneb konská opera,
1964). O gênero interessava ao público do Bloco Oriental na medida em que
proporcionava um playground americano para explorar temas ligados às lutas
das minorias. E a palavra gênero, aqui, com certeza se coaduna com a definição
não hierárquica estabelecida por Jörd Schweinitz: “um sistema intertextual,
estruturalmente aberto, de estereótipos”. A sensação que os habitantes da
RDA tinham de que “eles viviam como que em uma reserva” delimitada pelo
muro de Berlim, como bem colocou Holger Briel (2012), assim como os
famosos e tradicionais “clubes indianistas”, também ajudou a sedimentar o
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interesse na empreitada. Em suma, esses faroestes, em alguma medida, salvaram a indústria cinematográfica da Alemanha Ocidental. Em 1965, o embargo
cultural do 11o Plenum da Alemanha Oriental resultou no confisco desses
filmes e na demissão do criador da DEFA, Kurt Maetzig, de sua posição de
chefe do Roter Kreis. Enquanto isso, Hans Mahlich e seu dramaturgo-chefe,
Günter Karl, estavam trabalhando em uma adaptação alemã/tcheca/iugoslava
da obra “anti-May” de Welskopf-Henrich – Os filhos da Grande Ursa – para a
televisão. Quando Maetzig foi substituído por Mahlich como chefe da Roter
Kreis, a minissérie de televisão foi transformada em um longa-metragem de
considerável orçamento, protagonizado por um estudante de Educação Física
relativamente desconhecido (Mitić) que se transformava em uma estrela. O
resto faz parte da História do Cinema.
Os cineastas da Alemanha Oriental que criaram Os filhos da Grande Ursa
e seu público pan-europeu viram-se preocupados com alguns grandes tópicos que, até hoje, a recepção acadêmica dos filmes só conseguiu reproduzir.
Um tópico foi a maneira como o gênero abraçou uma linguagem humanista de “entretenimento” (Unterhaltung), uma concessão para os veículos
culturais do Oeste, feita talvez em compensação simbólica pela seriedade
dos assassinatos e da exploração dos aborígenes americanos. Isso permitiu
que a Alemanha Oriental vendesse os filmes como shows de ação etnográficos: um tipo de gênero ideologicamente aprovado pelo regime socialista,
quando outros – como o horror, a pornografia, o kung fu – eram proibidos.
Por exemplo, o diretor Gottfried Kolditz envaidecia-se dos seus esforços
para aperfeiçoar as sequências de ação e de cavalgada em A trilha do falcão,
acreditando que era uma forma de superar as dificuldades que futuras produções socialistas da mesma estirpe poderiam encontrar.
Outro tópico foi o afastamento ideológico dos filmes em relação aos
faroestes racistas norte-americanos – com sua representação anônima e
vilanesca dos indígenas – e a preferência por índios representados como
heróis e socialistas modelares. O pitch inicial de Mahlich e Karl para Os
filhos da Grande Ursa deixa isso bem claro: “nós vimos a oportunidade de
criar um Indianerfilm que se diferenciaria dos faroestes clássicos, que viam
os indígenas como uma massa anônima e hostil. Aqui, em vez dos brancos
opressores, os heróis para o público são os índios, que servem como modelo por sua coragem, sua luta e por seu amor pelas pessoas”. Partilhando da
mesma ideia, as qualidades da estrela dos Indianerfilme, Mitić, apontadas por
Gemüden – seu atletismo, sua beleza, sua sabedoria, sua afabilidade e seu
antialcoolismo – eram também computadas pela produção, embora esse
bom comportamento nos bastidores (que ajudava na autenticidade e venda
dos filmes) tenha sido recompensado financeiramente apenas a partir do
terceiro filme que ele realizou com a DEFA. Outra crítica ao filme comum
na época se referia à sua visão romântica do “bom selvagem”, uma crítica também feita posteriormente por estudiosos como Gemüden, Katrin
Sieg, Vera Dika, entre outros. Enquanto muitos de seus colegas destilavam
poesias para ressaltar a qualidade “realista” de Os filhos da Grande Ursa, o
crítico Manfred Haacke, da RDA, comenta que os “olhares penetrantes de
Mitić, assim como suas poses estoicas, não convenciam muito bem como
forma de heroísmo real, muito menos como prerrogativa para determinar
um trabalho artístico realista”. O dramaturgo Karl defendia publicamente
seus filmes contra as críticas que os tachavam de racistas, argumentando
que as narrativas Indianer não “sobreviveriam sem as qualidades românticas
das paisagens e das vidas dos aborígenes americanos”.
Em outras palavras, a desconfortável posição desses filmes, que se situavam entre a laudatória ambição de serem trabalhos solidários à resistência
aborígene contra o imperialismo e a não tão laudatória apropriação racial
(por exemplo, europeus orientais vestidos de drag étnico), necessária para
realizá-los, já havia sido resolvida internamente antes da exibição deles no
cinema. Os alemães adoravam os pequenos exotismos, com um toque de
realismo para embalar tudo. Além disso, as dimensões pós-colonialistas dos
filmes – como a figurativa luta de aborígenes americanos feitos de papel a
favor dos diretos indígenas americanos, dos direitos civis norte-americanos
ou da batalha contra o imperialismo dos EUA no Vietnã – eram armas para
justificar a continuidade da produção governamental sob o escudo do discurso da solidariedade.
Citando Karl, a partir de um primeiro tratamento do roteiro de Osceola
(1971), ambientado em uma área próxima das plantations da Flórida, no ano
de 1830: “A discriminação sofrida por pessoas de cor não é um problema
exclusivo do passado norte-americano, é também do seu presente... As manifestações por direitos igualitários para pessoas de cor se fundem com
as manifestações contra a guerra suja travada no Vietnã”. Os diretores e
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o público da RDA tinham, portanto, três grandes formas de interpretar os
Indianerfilme: como uma amostra do cinema mundial violento, cinético, que
se popularizava no final da década de 60; como uma resposta socialista, desafiante e virulenta, ao racismo e ao imperialismo do passado e do presente
americano, assim como às recentes atrocidades do Holocausto; e, por fim,
como uma “paródia branca”, irônica, do faroeste, embora advinda de uma
nostálgica alusão às fantasias proporcionadas pelo gênero. Com isso, os consumidores europeus conseguiam engajar-se em um diálogo popular acerca
dos superpoderes da Guerra Fria, ao mesmo tempo que se afundavam em
fantasias pueris de conflitos maniqueístas, com direito a cavalos velozes e
explosões.
O I ndianerfilm como resíduo de um processo
Madeleine Casad argumentou recentemente que os Indianerfilme da
DEFA possuem valor enquanto objetos que resistem ao presente, tanto
como “pós-Wende camp” quanto como importantes expoentes da identidade da Alemanha Oriental. Agora que os Indianerfilme provam ter sobrevida com o VHS e o DVD – com vendas muito mais significativas que a maior
parte da coleção Icestorm –, muitas críticas da década passada não pouparam esforços para tentar definir o legado dessa produção. Como era de se
esperar dentro de uma economia global baseada no imperativo da moda,
isso resultou em um punhado de trabalhos deleitados com o frescor dos
filmes. Em “When westerns were un-American”3, J. Hoberman, ao fazer um
resumo dos Indianerfilme, enfatiza as sugestões antifascistas, assim como o
racismo não intencional das produções:
Tribos indígenas, geralmente comandadas pelo musculoso Gojko
Mitić, lutam contra variadas combinações de colonos avarentos,
oficiais militares maldosos, advogados corruptos e gananciosos
imperialistas. Povoados por avarentos caçadores de terra e posse, assim como por figuras de autoridade que estalam o chicote
enquanto gritam em alemão para aqueles considerados racialmente inferiores (geralmente interpretados por eslavos), esses
filmes possuem um subtexto não intencional.
3 “Cowboys socialistas”. Tradução livre.
Em um artigo de 2012 da New Yorker, “Socialist cowboys”3, Anna Altman enfatiza as semelhanças entre os ideais do socialismo e a obsessão pelo Indianer, olhando-os como um processo amplo de compreensão do genocídio
alemão e de construção de uma comunidade em torno de afiliações tribais.
Ela escreve: “aqui, vemos atores da Alemanha Oriental posando de cowboys,
atuando em cenas de genocídio e arrebatamento étnico, expulsando comunidades indígenas aos gritos de ‘Nós iremos exterminá-los todos!’”. O
popular documentário DDR/DDR (2008), de Amie Siegel, insiste em utilizar
sequências dos Indianderfilme – em especial uma sequência de canoagem
passada de trás para frente, extraída de Chingachgook – para ilustrar uma
metáfora socialista sobre rios que fluem em direção à nascente. Os movimentos dinâmicos do corpo de Mitić, na apropriação de Siegel, exibe uma
vitalidade dentro da fantasia socialista de uma temporalidade reversa: a busca por alternativas em relação à dominação da Alemanha Oriental pela Alemanha Ocidental, do cinismo do capitalismo por um socialismo reformulado
ou, na visão de Siegel, por um kitsch hipster. Enquanto isso, Alexander Osang
escreve uma estranha pesquisa para encontrar Mitić e seu doppelgänger do
Ocidente, Pierre Brice (que atuou como Winnetou na Alemanha Ocidental),
o que resultou na produção de um Indianerfilm em 2009: A última caminhada
(Der letzte Ritt). Àquela altura, o Indianerfilm O sapato de Manitu (Der schuh
des Manitu, 2001) havia ultrapassado todos os recordes de bilheteria, podendo financiar a aventura de Osang. No entanto, a reflexão de Osang sobre
um filme que não poderia ser produzido acaba caindo nas armadilhas do
próprio gênero. Ele chama Mitić de “Chingachgook”, comentando – como
fizera Reinhard Wengierek em 1982 – que o torso bem definido do ator era
um meio de lutar contra os cowboys usurpadores.
O télos dessas análises aparenta ser um desejo pós-Guerra Fria de determinar os Indianerfilme. Algo elusivo sobre o socialismo parece estar incrustado dentro do gênero, assim como algo racista e perverso (embora não
mais do que em outras culturas cinematográficas). Embora os Indianerfilme
nos convidem a uma leitura irônica, é quase impossível não cair no lugar comum do que já foi dito sobre eles. Afinal, a maior parte das pessoas sabe tão
pouco sobre os Indianerfilme que pavonear sobre as inovações do gênero é
algo fácil, que rapidamente prende a atenção dos cinéfilos. Assim como Jim
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Collins descreve os filmes da década de 90 como constelações que rapidamente caem entre a categoria da “ironia eclética” e a da “nova sinceridade”,
o coquetel de ironia e sinceridade elaborado pelos Indianerfilme dos anos
60 e 70 obriga o crítico a tomar uma posição: ver Mitić como um indígena
abertamente fake, com o rosto pintado, enquanto realiza stunts autênticas,
representando a luta de uma minoria contra um inimigo do século XIX que
aparenta estar igualmente presente nas décadas em que os filmes foram
criados. Por outro lado, enquanto essas décadas se afastam no tempo e na
história, involuntariamente nos aproximamos desses filmes como de um
tipo de Guerra nas estrelas (1977) socialista: um universo tosco e desconexo
que, no entanto, acertou todas as notas nostálgicas e emotivas do público
da Europa Central e Oriental, acostumado tanto à ironia (com relação à
sua presente circunstância) quanto à sinceridade (com relação aos crimes
alemães e soviéticos do passado).
Mitić é autêntico, seus filmes dialogam com a verdadeira história aborígene americana e incluem detalhes que se alimentam de arcos simplórios de
vingança e narrativas reedificadas. Assim como Guerra nas estrelas, os Indianerfilme forjam um universo secundário imersivo, no qual a admiração pode
ser, ao mesmo tempo, irônica e sincera. Todos podem acessar esse universo de maneiras distintas e ainda contribuir para o desenvolvimento de seu
conteúdo. Mahlich e Karl criaram um universo narrativo prático que podia
caminhar ao lado da “marca” socialista, sem romper com os universos narrativos cuidadosamente orquestrados pelo partido da SED4. Um mundo onde
os alemães orientais podiam inventar seus próprios massacres de indígenas
norte-americanos (como em Irmãos de sangue), para construir um universo
alternativo de opressão e resistência, como artefatos que proclamam aulas
objetivas sobre a resistência indígena americana que uma criança de 6 anos
e um homem de 40 anos podem contemplar igualmente. Dika (2007) diz
que o Indianerfilm estava “utilizando a capa” de um gênero norte-americano
quando acabou, e tanto Broe (2012) quanto Dika afirmam que, debaixo da
capa desses filmes de gênero, encontra-se um perdido desejo por unificação
e por um socialismo alternativo. Esse “desejo” pode ainda estar vivo, mas não
sem a contrapresença de uma boa e velha hegemonia. Partindo-se de velhas
4 Sigla do Partido Comunista Alemão.
discussões acerca do objeto, este artigo mantém a ideia de que os Indianerfilme foram largamente subsidiados por um Estado que desejava utilizá-los
para reconstruir sua plateia de cinema, assim como angariar capital estrangeiro. Mitić foi a verdadeira e única estrela da RDA – ele tinha um passaporte
Iugoslavo, poderia ter ido embora, mas não foi –, o que forçou o Estado a
adotar um discurso irônico com relação a esses filmes.
Os filmes eram intencionalmente produzidos como artefatos de resistência, como brinquedos que não apenas satisfaziam a população, mas que
também operavam como um playground Indianer que acalentava a esperança
de superar as dificuldades coletivas como uma “tribo” socialista.
Ver esses filmes tanto como um mundo secundário imersivo – para
“brincar de índio”, por assim dizer – quanto como uma confluência transnacional de ideias e pessoas nos ajuda a começar a desvendar esse movimento duplo de aulas objetivas de História e entretenimento de massa.
Eles representam o encontro de uma estética socialista com meditações
sóbrias sobre a História e selvagens fantasias alemães nas paisagens de uma
Europa Oriental americanizada.
Tradução: Thiago Brito
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I N D I A N E R F I L M E:
ESPETaCULO, REALISMO, AbSTRAcaO
por Luís Alberto Rocha Melo
O lugar que uma época ocupa no processo histórico pode ser determinado de modo muito mais pertinente a partir da análise de suas discretas
manifestações de superfície do que dos juízos da época sobre si mesma.
(Siegfried Kracauer, “O ornamento da massa”, 1927)
Embora o western tenha entrado para a história como o “cinema
americano por excelência”, é inegável que se trata de um gênero transnacional. Como exemplo mais evidente, basta citar os famosos spaguetti westerns, hoje tão cultuados quanto os clássicos hollywoodianos.
Mesmo aqui no Brasil tivemos uma considerável produção de bangue-bangues caboclos, desde o período silencioso (Sofrer para gozar, E. C.
Kerrigan, 1923), passando pelo ciclo de Santa Rita do Passa Quatro (Da
terra nasce o ódio, Antoninho Hossri, 1954), até o da Boca do Lixo (Rogo
a Deus e mando bala, Osvaldo de Oliveira, 1972), em uma tradição que
segue dando frutos, ainda que esparsos, no cinema independente atual
(Faroeste, Abelardo de Carvalho, 2014).
OS FILHOS DA GRANDE URSA (1966)
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Apesar disso, é possível que para o espectador de hoje cause certa estranheza associar faroeste a cinema alemão. O senso comum nos diz que
ambos seriam instâncias praticamente incompatíveis. Nem sempre foi assim.
Na década de 1960, os faroestes alemães frequentaram com regularidade
nossas salas de exibição. No Rio de Janeiro, por exemplo, os circuitos Bruni,
Condor e Art-Palácio (que em suas programações mesclavam filmes europeus “de arte” com produções de franco apelo popular) devem ter obtido
boas receitas com títulos como Tesouro dos renegados (Der schatz im Silbersee, Harald Reinl, 1966), O mão de ferro (Old Surehand, Alfred Vohrer, 1967),
Um homem chamado Gringo (Sie nannten ihn Gringo, Roy Rowland, 1968) e O
vingador de Arkansas (Die Goldsucher von Arkansas, Paul Martin, 1968). Sem falar da trilogia Winnetou, dirigida por Harald Reinl e baseada na obra de Karl
May: A lei dos Apaches (1964), A saga continua (1965) e A trilha dos desalmados
(1966), certamente as mais bem-sucedidas de todas essas produções.
Naquela época vivíamos sob a ditadura militar, em um regime de repressão
e censura que se tornou ainda mais violento a partir de 1968. Os faroestes
germânicos que então assistíamos eram provenientes da Alemanha Ocidental.
Talvez não imaginássemos que, do outro lado do muro de Berlim, na comunista República Democrática Alemã, fossem produzidos faroestes vermelhos, nos
quais o índio era o herói e os vilões eram os brancos colonizadores (europeus e/ou norte-americanos). Os contextos históricos traçados na série de
14 filmes realizados entre os anos 1960-80 pelo Gruppen Roter Kreis (Grupo
Círculo Vermelho), uma das unidades de produção da estatal DEFA (Deutsche
Film-Aktiengesellschaft), situavam a guerra entre brancos e índios em termos
claramente anticapitalistas, apontando para a solidariedade entre os oprimidos e a capacidade de resistência dos povos originários. Se mais acima sugerimos uma possível estranheza que o cinéfilo contemporâneo poderia sentir
diante da relação entre o gênero faroeste e o cinema alemão, agora tratamos
de uma ignorância comum a várias gerações: até o presente momento, os
faroestes comunistas da Alemanha Oriental (os Indianerfilme) permaneceram
para nós como objetos praticamente desconhecidos.
Isso não significa dizer que, se tivessem sido exibidos aqui nos anos 196070, seriam classificados como filmes perigosos ou subversivos. Ao contrário,
provavelmente seriam consumidos como qualquer outro produto da indústria cultural capitalista, correndo mesmo o risco de serem considerados até
mais escapistas e ingênuos do que muitos filmes europeus, hollywoodianos,
japoneses ou brasileiros. Afinal, os Indianerfilme da DEFA, a exemplo dos
faroestes produzidos pela Alemanha Ocidental, também almejavam sucesso
popular e circulação fora dos limites internos – o que de fato aconteceu,
sobretudo em países do Leste Europeu alinhados à União Soviética, como
Polônia, Hungria, Iugoslávia e Tchecoslováquia.
Os faroestes do Gruppen Roter Kreis, quase todos estrelados pelo ator,
roteirista e ex-dublê de origem sérvia Gojko Mitić, faziam uma espécie de
síntese de espetáculo peplum com realismo socialista, de Chapaev com Tarzan, sem deixar de responder aos faroestes da Alemanha Ocidental nem
de dialogar com a tradição da literatura popular alemã e estadunidense,
incorporando, ainda, as renovações do gênero western verificadas a partir
de 1950 – o metawestern, como prefere André Bazin – e as marcas do estilo
italiano. Os Indianerfilme carregam, assim, as contradições típicas de um projeto altamente controlado pelo Estado e ao mesmo tempo comprometido
com o mercado: as fórmulas narrativas mais convencionais convivem indisciplinadamente com soluções e achados de surpreendente inventividade.
Verifica-se, assim, nos Indianerfilme, a permanência de um esquema geral
que sustenta a trama épica: a ação perversa do capital, aliada à violência
do invasor branco, desagrega as comunidades indígenas, que, no entanto,
resistem como podem. No interior desse grande esquema, as variações estilísticas e combinações dramáticas mudam de título para título, bem como
as referências temporais e geográficas e os embates entre grupos e etnias.
A opção ideológica pela causa indígena não era, em si, uma novidade. Ela
já estava presente em filmes hollywoodianos, como Flechas de fogo (Broken
arrow, Delmer Daves, 1950), O caminho do diabo (Devil’s doorway, Anthony
Mann, 1950) e Apache (Apache, Robert Aldrich, 1954), ou mesmo em um
clássico anterior, como Sangue de heróis (Fort Apache, John Ford, 1948). A
própria saga Winnetou, já mencionada, servia como bem-sucedido precedente para os filmes da DEFA. Mas o que torna os Indianerfilme particularmente
interessantes é a forma como, aliando a pretensão de uma verdade histórica
a um altíssimo grau de artificialidade na encenação e no tratamento formal,
eles atingem a abstração necessária para viabilizar uma dupla leitura – tanto como filmes de aventuras populares quanto como um discurso afinado
com a agenda do Partido Socialista Unificado Alemão. De forma paradoxal,
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conseguem renovar os limites de um ultrapassado e caquético realismo socialista pela via da subversão kitsch e da metalinguagem inerente à paródia,
ao mesmo tempo que reforçam os parâmetros do western clássico trocando
os sinais de heroísmo e vilania.
A própria presença de um astro como Gojko Mitić, que nos filmes sempre
interpreta o líder indígena, inscreve o espetáculo no terreno dos grandes
contrastes. Seu corpo atlético em relação aos demais índios que o cercam
(quase todos frágeis, demasiadamente humanos) realça o jogo de figura e fundo que interessa ao “herói positivo”, sob medida para o deleite das audiências
e para a eficiência da propaganda ideológica. O que importa aqui certamente
não é a verossimilhança, mas o jogo de exibição/submissão de corpos que
cumprem funções de representação histórica. Nesse jogo, apenas um herói
se destaca: o chefe índio. Na pirâmide dramática, ele está sempre acima dos
demais, embora em filmes como A trilha do falcão (Spur des Falken, Gottfried
Kolditz, 1968) ou Osceola (Osceola, Konrad Petzold, 1971) apareça como um
entre vários outros personagens importantes, como a enfatizar a qualidade
máxima do verdadeiro líder, isto é, o sentimento de solidariedade.
Mantendo-se a um só tempo acima e ao lado dos demais, os protagonistas
vividos por Mitić também não deixam de obedecer à fórmula do herói mediano preconizada pelo realismo crítico: chamado a desempenhar um papel
decisivo em algum momento histórico específico, esse personagem que até
então vivia como os demais as contradições fundamentais de seu tempo é
alçado à posição de tipo. Curiosamente, ao situar as histórias em um país e
em um passado remotos (os Estados Unidos do século XIX), os Indianerfilme esvaziam o caráter teleológico do esquema realista, ao mesmo tempo
que se engajam no presente. A opção pela história dos vencidos (os índios)
impede que o possível “final feliz” típico dos westerns se concretize. O clichê
do cowboy que se afasta rumo ao horizonte das pradarias banhado pelo pôr
do sol, imagem típica do cinema clássico hollywoodiano, é aqui substituído
pela amarga incerteza do futuro. Afinal, embora na trama os índios vençam,
trata-se de uma vitória circunstancial, que se dá no curso de uma história
da qual já sabemos de antemão o final: os índios foram – como continuam
sendo – exterminados pelos brancos e pelo avanço do capitalismo. Daí a
dupla conclusão a que se chega: a história dos vencidos deve ser relida e
atualizada, e nesse processo reafirmada como memória coletiva (ainda que
fantasiosa ou espetacular) e como fonte de reflexão sobre a história atual
– reflexão que, vale sublinhar, de forma alguma exclui o entretenimento, o
humor e a diversão.
Assim, se em Apache (Apachen, Gottfried Kolditz, 1973) o Holocausto, a
guerrilha no Terceiro Mundo e o Vietnã indiretamente são abordados, em
Osceola o tema da escravidão no sul dos EUA aproxima as lutas de índios e
negros.Vale lembrar que esse último filme é uma coprodução entre a DEFA
e o ICAIC (Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos), para o
qual a escravidão e a proximidade geográfica com a Flórida – região em que
diegeticamente se passa a história de Osceola – eram assuntos de enorme
interesse. O caráter possivelmente alegórico desses faroestes, porém, não
se sobrepõe jamais à economia do espetáculo popular e às exigências mínimas de plausibilidade na reconstituição de época, provavelmente porque
um eventual afastamento da receita básica de um realismo domesticado
(verossímil, isto é, conveniente) também não interessaria à censura imposta às
unidades de produção ligadas à DEFA.
De resto, as próprias referências estilísticas apropriadas e retrabalhadas
pelos Indianerfilme acabam servindo a propósitos não exatamente óbvios.
Por exemplo, apesar da exploração do físico de Gojko Mitić, responsável inclusive pelo sucesso desses filmes entre o público feminino, é de se notar a
quase total ausência do erotismo exacerbado associado à violência, um dos
traços típicos dos spaguetti westerns, mesmo em filmes como Apache (1973)
e Ulzana (Ulzana, Gottfried Kolditz, 1974), bastante influenciados pelo estilo
italiano. O pudor em apimentar as cenas entre homens e mulheres não
se deve apenas à intenção de abranger um público mais amplo (incluindo
crianças e adolescentes), mas também às premissas de um realismo “sadio”,
que associa erotismo a decadência moral. Esse é um dos aspectos que sem
dúvida realçam o conservadorismo intrínseco aos Indianerfilme. Erotizar a
história dos vencidos seria quebrar uma das principais regras da representação maniqueísta sobre a qual está estruturado o código dramático dos faroestes vermelhos da DEFA, para os quais é a civilização que comporta o vício
e a perversão, em contraposição ao mundo virtuoso e puro dos indígenas.
Isso explica também o fato de que, nesses filmes, à diferença do que ocorre
na maior parte dos faroestes hollywoodianos clássicos, é possível encontrar
personagens femininas más e cruéis – como a filha loura do fazendeiro es-
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cravocrata, em Osceola –, para as quais não existe “salvação” possível, nem
mesmo uma possível rendenção por meio do casamento ou do sacrifício. A
luta de classes conforma os destinos.
O compromisso com a eficiência nos efeitos de realismo deve ter garantido aos Indianerfilme dos anos 1970 maior credibilidade junto ao público,
apesar de acarretar também alguma perda na inventividade da narrativa. Talvez por isso um filme como Chingachgook, a grande serpente (Chingachgook,
die große Schlange, Richard Groschopp, 1967) apareça no conjunto dessas
produções como um corpo estranho, ainda mais se comparado à encenação
sóbria do filme anterior, que inaugura a série, Os filhos da Grande Ursa (Die
Söhne der großen Bärin, Josef Mach, 1966) e dos títulos seguintes. O fato de
Os filhos da Grande Ursa ser baseado na novela de Liselotte Welskopf-Henrich, uma das mais reconhecidas escritoras da República Democrática Alemã,
talvez justifique a reverência de seus adaptadores. Chingachgook, por outro
lado, é baseado na obra do autor norte-americano James Fenimore Cooper,
o que, a princípio, poderia nos fazer supor que o tom deliberadamente paródico e fantasioso do filme seria decorrência dessa escolha.
O fato é que Chingachgook é um dos filmes mais surpreendentes e ambíguos no conjunto da produção dos Indianerfilme. As cores vibrantes e a
encenação coreografada nos lembram bem mais um espetáculo musical do
que um faroeste. A rigorosa marcação dos atores às vezes cria relações
espaciais antonionescas, mas logo em seguida tudo se transforma em história
em quadrinhos. Aliás, é preciso ressaltar a excepcionalidade do trabalho
fotográfico de Otto Hanisch, que a Chingachgook imprime um estilo bem
diverso dos demais filmes da série. Além do uso constante de cores primárias – o vermelho e o azul, por exemplo –, que mimetizam e estilizam nos
cenários interiores e nas locações externas os ambientes e adereços indígenas, há uma preocupação constante em trabalhar os contornos táteis das
figuras, em destacá-las do fundo sem fazer uso das teleobjetivas, em filmar a
natureza de maneira a criar massas compactas de cores e linhas geométricas que beiram o abstracionismo.
Talvez esse resultado se deva à própria formação de seu realizador. Em
Chingachgook, o velho Richard Groschopp (que iniciou sua carreira no cinema silencioso, como cineasta amador, e se dedicou durante anos ao cinejornalismo) não deixa de retrabalhar em novas bases uma certa modalidade de
cinema abstrato, que remete à sua experiência como cinegrafista da cineasta
Leni Riefenstahl em Olympia (Olympia, 1938).
A ligação de Leni com o nazismo a separa da trajetória de Groschopp,
mas não deixa de ser irônico que em Chingachgook o atletismo dos corpos
em movimentos sincronizados e a predominância das linhas geométricas
reapareçam como fundamento da encenação, embora dessa vez a serviço
de um mundo de forças naturais que busca o livre curso de suas energias
incontidas. Essa ironia não deve ter passado despercebida pelo Gruppen Roter Kreis: em seu estilo deslavadamente autoparódico, Chingachgook restou
como “ovelha negra”, apartada dos demais irmãos, filhos comportados da
“Grande Ursa”.
Luís Alberto Rocha Melo é realizador independente, pesquisador
e professor do Curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de
Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagens da UFJF. Dirigiu os
longas-metragens Um homem e seu pecado (ficção, HD, 2016), Nenhuma
fórmula para a contemporânea visão do mundo (ficção, HD, 2012) e Legião
estrangeira (doc., HD, 2011); o curta-metragem em 35 mm Que cavação
é essa? (ficção, 2008) e o média-metragem O Galante Rei da Boca (doc.,
DV, 2004). Seu primeiro trabalho como diretor foi Alex Viany – Um
documentário em vídeo (1990), seguido pelos experimentais O desejo de
Deus (1992), A projeção no cinema (1993), Fernando Py (1994), Fragmentos
– Uma narrativa intranquila (1997) e O trapezista (1999). Foi redator das
revistas de cinema Contracampo e Filme Cultura.
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CSIKOS, PUSZTA, GOULASH:
OS IMAGINaRIOS DA FRONTEIRA
HuNGARA EM O VENTO ASSObIa
SOb OS PeS E A FUGA DE bRADY 1
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por Sonja Simonyi
Este artigo explora o conceito de fronteira, central no gênero do
faroeste, e sua função em dois filmes húngaros produzidos no período
socialista. Aderindo às convenções do western por meio da apropriação
de suas metáforas visuais e narrativas, essas produções exploram uma
realidade cultural e histórica diferente. Fundamental para as reflexões
sobre o contexto sociocultural específico da Hungria é a representação, em ambos os filmes, do Hortobágy, uma extensão de planícies no
nordeste do país. Codificado com complexidade tanto nacional como
transnacionalmente, esse território tem função-chave em ambos os longas-metragens, atuando tanto como redondezas que instantaneamente
evocam o Velho Oeste quanto como uma realidade cheia de significado
histórico e cultural que expressa a identidade nacional húngara.
Enquanto o filme de 1976, O vento assobia sob os pés (Talpuk alatt
fütyül a szél), dirigido por Gyorgy Szomjas, anunciava uma apropriação
explícita do gênero, revisitando a região rural de Habsburgo no início
do século XIX, a coprodução húngaro-americana A fuga de Brady, de
1 No original: Csikós, puszta, goulash: Hungarian frontier imaginaries in
“The wind blows under your feet” and “Brady’s escape”. Publicado na
edição 4, de dezembro de 2013, no Frames Cinema Journal. Tradução de
Pedro Henrique Ferreira e Thiago Brito. De modo a adequá-lo ao objetivo
central de nosso catálogo, os organizadores decidiram por traduzir e publicar
um excerto do trabalho total de Sonja Simonyi (N. do O.).
2 Planícies húngaras, caracterizadas como estepes (N.do T.).
O VENTO ASSObIa SOb OS PÉS (1976)
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1984, focava em um momento histórico mais recente, colocando a aventura dentro do contexto da Segunda Guerra Mundial. Apesar dos períodos
divergentes retratados em ambos os trabalhos, os dois fazem um uso consciente da iconografia do faroeste e do seu imaginário, reposicionados em
uma realidade cultural singular, e mostram uma ambiciosa dedicação ao reconstituir os ambientes húngaros como universos cinematográficos críveis.
A exploração de uma identidade por meio dos marcos visuais do país é
fundamental para esse processo em ambos os filmes. Porém, enquanto eles
empregam praticamente os mesmos símbolos associados à cultura nacional,
esses motivos exercem funções diferentes em cada caso. Szomjas utiliza-os
de forma autorreflexiva, irônica e crítica. Já em A fuga de Brady, esses ícones
tornam-se parte de uma sanção passiva de formas visuais exóticas, que ganham a dimensão de um background imagético para as aventuras dos soldados norte-americanos em um país estrangeiro.
Para entender a razão do simbolismo nesses filmes, especialmente das
conotações dadas ao característico terreno húngaro em ambos, é fundamental estabelecer algumas referências históricas ⎼ das quais surgem a identidade da Hungria e principalmente a topografia da puszta ⎼ e os modos
pelos quais essas questões se relacionam com um processo mais amplo de
criação de mitos e de expressão da identidade nacional.
A H ungria nas fronteiras europeias
A importância da fronteira como uma construção histórica e cultural
vem sendo irrevogavelmente associada a expressões da identidade nacional
norte-americana, em particular por meio do trabalho do historiador Frederick Jackson Turner. Em sua obra “Teses sobre a fronteira” (1893), Turner
estabeleceu uma conexão singular entre o Oeste americano, visto por ele
como uma região fronteiriça peculiar, e os valores políticos e culturais da
sociedade norte-americana. Esse conceito de fronteira, que Turner desenvolveu a partir da cultura europeia, influenciou fortemente representações
do Oeste em vários meios culturais populares, sobretudo no cinema. Mas,
embora seja inegável a centralidade da experiência regional na expressão
da cultura norte-americana, a fronteira como uma construção histórica e
cultural também vem sendo central para vários frameworks geográficos diferentes, dos quais a Hungria se mostra um notável exemplo.
Um sentimento de ambiguidade, de estar “entre lugares”, característica
que compartilha com a maioria dos países do Leste Europeu, é algo essencial para a identidade cultural do país. Tais ideias estão enraizadas historicamente na posição da região, uma zona geográfica fluida entre a Europa
e a Ásia. E sua atual condição de território com longos conflitos políticos,
militares e étnicos, com uma identidade regional complexa e flutuante, evoca a imagem de uma área fronteiriça. Essa noção tem sido central tanto
para as conceptualizações feitas no estrangeiro quanto para as identidades
nacionais que se formaram em certas nações do continente a partir do
século XIX. Localizados entre o Leste e o Oeste, uma imagem reforçada
pela teoria, frequentemente contestada, de que as origens do povo húngaro
são asiáticas, “os estereótipos do povo magiar e a imagem que ele faz de si
mesmo oscilam entre dois polos”. Essas visões construídas historicamente,
uma negativa e a outra idealizada, perpassam tanto a historiografia quanto
a literatura. Ainda, há contextos culturais mais amplos, que identificam os
húngaros, de um lado, como “bárbaros asiáticos, nômades, cavaleiros vorazes e errantes, malcolocados na civilização europeia” e, do outro, especialmente durante a era do romantismo, como “uma imagem exótica de uma
Hungria amante da liberdade, o que envolve os ingredientes pitorescos dos
huszárok (hussardos), cigányok (ciganos), puszta (estepes húngaras) e csárda
(casas na puszta)”, como László Marácz resume suscintamente.
As
G randes
P lanícies
H ú ngaras:
o espa ç o da fronteira nacional
As Grandes Planícies Húngaras foram mapeadas como uma realidade mítica importante para essas ideias mencionadas anteriormente. Sendo uma
vasta extensão de território que engloba planícies e pantanais, elas foram
apontadas como o lugar onde os ancestrais nômades dos magiares se fixaram, por volta do século IX. Sítio de conflitos militares que duraram até
o fim do século XVII, principalmente entre a Monarquia de Habsburgo e
o exército turcomano, a área permaneceu como uma região de povoados
afastados entre si. Somente na segunda metade do século XIX é que se
desenvolveram, em meio a revoltas populares, atividades econômicas e agrícolas mais concretas.
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A estrutura étnica, social e economicamente complexa da região, somada a um notável cenário de espaços abertos infinitos, foi um elemento
central na descrição de viajantes que passaram pela região. A possibilidade
de elaboração do imaginário desse território húngaro é importante para a
construção de mitos internos e externos. Na maioria das vezes, os internos
são estabelecidos por meio de paralelos com as imagens icônicas do Velho
Oeste norte-americano. O layout de modestas casas espaçadas entre si, que
pontuam um extenso território desértico, a economia baseada em atividades pastorais, como criações de gado e corridas de cavalo, e a frequente
presença de pessoas fora da lei até o século XIX também contribuíram para
a identificação da área como uma região fronteiriça remota, solidificando
sua imagem verossímil de um Velho Oeste oriental.
A descrição da Hungria de 1869 feita pelo acadêmico britânico Arthur
John Patterson nos fornece uma ilustração verídica dessas formulações sobre a puszta. Em seu texto, ele dá ênfase tanto às oportunidades econômicas da nação e ao desaparecimento de seu “solo virgem” quanto aos
ecos visuais que o lugar apresenta dos “recém-plantados assentamentos nas
bordas do oriente selvagem” da América. O ensaio em duas partes de A. N.
J. den Hollander, “A Grande Planície Húngara: a área fronteiriça da Europa”,
de 1960, nos apresenta um estudo mais recente e fundamental, que define
as planícies como uma região fronteiriça, embutindo nela as representações
icônicas da região a partir de uma pesquisa histórica e socioeconômica. Ele
argumenta que o subdesenvolvimento e o afastamento da região continuaram a ser suas principais características ao longo da era da modernização.
Que as metáforas comuns associadas à fronteira se mantiveram nas representações da puszta, apesar das grandes transformações que a região sofreu,
graças às numerosas mudanças socioculturais e políticas ocorridas durante
o século XX, é algo que pode ser testemunhado pela circulação desse imaginário em publicações de caráter turístico, que ainda hoje perpetuam a
identidade do “Velho Oeste” como a essência da cultura húngara.
Em paralelo a esses desenvolvimentos, a puszta se tornou, do século XIX
em diante, um forte símbolo de identidade nacional ⎼ uma representação
que, durante o período socialista, continuou a afetar a autoimagem que o
povo húngaro fazia de si mesmo, como os filmes aqui discutidos ilustram.Vale
ressaltar que o processo de celebração da identidade nacional durante esse
período no Leste Europeu estava ligado a descrições românticas dos terrenos
e povoados. A puszta efetivamente evocava ideias de liberdade e amplitude
por conta de suas paisagens infinitas e cativantes. Desse modo, a região de
Alföld, o berço da nação húngara, teve papel central no desenvolvimento da
consciência nacional ao longo do século XIX, como é expresso pela literatura,
pela poesia e pelas artes plásticas do período. Voltando-se para o complexo
caráter da região, essas representações buscavam administrar a dupla identidade da nação com aparência ocidental, enquanto exploravam e idealizavam a
imagem distante, de raízes não europeias, do povo húngaro.
Durante o século XX, as imagens da puszta circularam de forma ampla,
tanto domesticamente quanto em contextos estrangeiros, por meio da expansão do campo visual da cultura de massa, incluindo revistas ilustradas,
diários filmados e noticiários, que se ligaram fortemente ao desenvolvimento turístico. A região foi redescoberta por esses meios, bem como seus
peões e camponeses, celebrados por etnógrafos, fotógrafos e cineastas no
período entreguerras. Hortobágy (1936) é um exemplo notável ⎼ um filme
lírico, dirigido pelo austríaco Georg Hollering, que usou atores não profissionais (os peões, ou csikós da região, interpretavam a si mesmos) para
contar a trama da expansão da agricultura ⎼ sua interferência nos modos
de vida equestres daquela cultura e as tensões dela resultantes. A narrativa
fragmentária do filme, que revela temas também explorados nas histórias
dos westerns, serve apenas como pano de fundo para as cenas visualmente
estonteantes dos nobres habitantes da puszta.
O processo de coletivização soviética em grande escala, implementado
em diversas áreas rurais de boa parte do Leste Europeu imediatamente
após a Segunda Guerra Mundial, trouxe grandes consequências para a estrutura social e para o território da região. Boa parte das Grandes Planícies
Húngaras foi transformada, por meio da redistribuição do solo, para acomodar uma indústria de agricultura de grande porte, o que resultou em reassentamentos obrigatórios da população local. Os anos 60 são normalmente
associados à abertura da maioria dos sistemas ditatoriais do Leste Europeu,
processo que se refletiu no crescimento de sentimentos antissoviéticos de
diversos níveis entre as elites políticas desses países. Genericamente falando, a exaltação forçada do internacionalismo comunista do início do período do pós-guerra coexistia, àquela altura, com um interesse renovado pelos
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inócuos símbolos da nação, bem como por seus motivos folclóricos populares, que serviam de base para formar a coerência nacional, utilizada como
ferramenta para legitimar a ideologia socialista dentro de um dado Estado.
Como sugerido anteriormente, o desenvolvimento e a circulação do
imaginário da puszta no século XX estão intimamente ligados ao campo
turístico. O turismo, sob o regime socialista, também servia para solidificar a
coesão nacional por meio de marcos geográficos cultural e historicamente
significativos. Durante os anos 1970, o Hortobágy passou por transformações consideráveis, tornando-se um parque nacional em 1972, com o turismo já estabelecido como a principal indústria daquela área. A atividade dos
peões tornou-se sustentada por esse campo de expressão, à medida que as
habilidades dos csikós eram transformadas em performances para as lentes
locais e estrangeiras. Sua forte identidade de seres da planície era cada vez
mais reduzida a uma atração turística trivial.
A centralidade da puszta foi também sustentada pelo cinema e pela televisão do período. Por exemplo, a cultura dos homens fora da lei, típica do
século XIX, foi explorada na série de televisão de Miklós Szinetár, Rózsa
Sándor (1971), que narrava as aventuras de um famoso bandido envolvido
com o levante de 1848 contra a Monarquia de Habsburgo. Filmado no Hortobágy, o programa utilizava-se de motivos folclóricos populistas: os camponeses representando a classe dos trabalhadores, sob uma visão idealizada
da paisagem que desnudava uma Hungria romântica, idílica, na qual os feitos
heroicos de Rózsa eram executados. Uma investigação anterior, rigorosamente formal, que desestabilizava esse imaginário da puszta no momento
histórico do século XIX, havia sido apresentada no seminal Os sem esperança (Szegénylegények, 1966), de Miklós Jancsó. Passando-se após a revolução
de 1948, o longa-metragem é centrado em um grupo de camponeses que
são presos e questionados pelas autoridades por terem ligação com a figura revolucionária de Rózsa. Filmada na puszta com um estilo rigoroso, que
alterna planos distantes com close-ups e apresenta padrões de pessoas e
cavalos filmados com uma precisão geométrica, a paisagem abstrata dessa
produção subverte a mitologia iconográfica e investiga as complexas relações de poder no processo histórico da região. É importante notar que os
filmes de Jancsó ecoam os atributos formais do western de um modo geral, e
os de John Ford em particular. Essa é uma influência que invade a linguagem
desse longa-metragem de maneira implícita, particularmente por meio do
uso da região como ícone nacional ⎼ o Hortobágy substituindo as vistas do
Monument Valley, tão poderosas nos principais filmes de Ford. É também
importante notar que a linguagem visual de Jancsó impactou profundamente
a forma como o cenário da puszta foi retratado no cinema húngaro a partir
da década de 1960.
A análise a seguir refere-se às questões mencionadas anteriormente. Ela
relaciona as expressões visuais da identidade histórica da Hungria com algumas das ricas referências intertextuais que os filmes evocam na avaliação
divergente que fazem do simbolismo da região do Hortobágy. Dessa forma,
essas aventuras cinematográficas correspondem à cultura profundamente
enraizada histórica e culturalmente da puszta e, por extensão, a toda a cultura húngara, abordando de diversas formas as especificidades dessa imagem
manufaturada.
O
vento
assobia
sob
seus
pés
O vento assobia sob seus pés, primeiro longa-metragem de Szomjas, é
ambientado na década de 1930 e narra os esforços de camponeses para
implementar um sistema de drenagem dos pântanos da área do sudeste
do Alföld, conhecida como Nagykunság. O plotline do filme descreve uma
reconhecida trupe de fronteira, representante de antigos e tradicionais costumes, transposta para os platôs da puszta. O filme relaciona-se, portanto,
com um período histórico crucial do desenvolvimento dessa área: entre o
início e meados da década de 1800, antes de sua transformação em uma
importante região agrícola, um tempo em que homens fora da lei ainda
perambulavam a cavalo pelas estepes. Embora alguns faroestes das décadas
de 60 e 70 abordassem conflitos similares acerca da lenta industrialização
da Hungria para retratar injustiças sociais, o que envolvia uma resistência
ativa por parte dos camponeses (com frequente auxílio de um fora da lei),
Szomjas afastava-se de uma crítica tão aberta ao desenvolvimento social
capitalista. No contexto cultural da Hungria socialista, é exatamente a ausência da representação de um herói fora da lei com toques de Robin Hood
⎼ que Eric Hobsbawn chamou de “bandido social” ⎼ que pode ser vista
como uma notável reformulação do ambiente de fronteira dentro do país.
Assim, a superficial fábula anticapitalista acerca da modernização agrícola é
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preterida, dando-se preferência a uma representação estilizada das planícies
fronteiriças húngaras e da potência simbólica imagética associada a ela. As
planícies funcionam perfeitamente bem dentro de um sistema representativo de fronteira, de maneira que Szomjas pode cuidadosamente desconstruir
o universo puszta e seus habitantes, assim como a visão idílica húngara que
eles representam. Em uma entrevista, o diretor descreve o filme como uma
tentativa de subverter a maneira como o imaginário népiesch ⎼ um termo
que funde o adjetivo húngaro népies (povo) com o sintagma alemão völkisch
⎼ representou esse cenário. O intuito era apontar criticamente a representação diluída e superficial de temas folclóricos, ou mesmo o embelezamento
e exagero de temas da cultura popular, e a maneira como essas imagens
passaram a representar falsa e superficialmente a essência da nação.
Com essa finalidade, a puszta representa um protagonista do filme, e o
conflito entre Gyurka Farkas Csapó, o envelhecido fora da lei que retorna à
região depois de um período em que esteve preso, e seu adversário de longa data, o xerife que tem por missão prendê-lo, conecta-se profundamente
com o universo de fronteira das planícies. O forte laço que os dois possuem
com a região marca uma ligação essencial entre eles, já que ambos se opõem
tenazmente ao inevitável desaparecimento da vida de fronteira decorrente
da chegada da modernização. Ao indignar-se com um fora da lei jovem que
zomba de sua idade avançada, o xerife diz: “nós dois estamos envelhecendo,
e a puszta também”. Por meio do diálogo, ele reforça a conexão biológica
entre a terra e sua própria espécie, prenunciando o declínio do herói, que
também será causado pela transformação da terra. A narrativa chega ao
fim quando o fora da lei é traído. Não pelo xerife e suas velhas tradições
da puszta, mas sim pelas mãos de seu próprio povo, de sua amante e do
jovem bandido amoral que ele havia apadrinhado. A queda do herói ladrão,
que conclui a narrativa, traz novamente uma série de motivos distintos e
genéricos, que vão de um duelo estilizado à morte do herói na forca, tendo
a planície invernal como pano de fundo. A mudança da paisagem de outono
para a de inverno representa, simbolicamente, a relação entre o espaço e
nosso fora da lei – embora ela seja mostrada de maneira não romantizada.
Por exemplo, uma cena de perseguição a cavalo entre o xerife e o fora da
lei é entrecortada por imagens de uma manada de gado acinzentado ⎼ uma
espécie icônica da Hungria ⎼, com um boiadeiro estacado entre os animais.
Um plano cuidadosamente encenado que, por meio de um intertexto, faz
alusão à icônica representação da puszta na pintura, na fotografia e no cinema. Mas esse plano, aparentemente pitoresco, é subvertido no minuto em
que o close dos pés do homem revela que, descalço, ele está em cima de um
amontoado fresco de esterco de vaca, de maneira que a imagem da terra
húngara que tudo dá se apresenta como simples excremento.
Ao explorar a puszta, Szomjas criativamente atualiza uma série de símbolos iconográficos, integrando-os aos padrões visuais e narrativos de um
faroeste. Para além das surpreendentes imagens das planícies, belamente
capturadas a partir de encenados planos em grande-angular e travellings que
enfatizam a amplitude do espaço, a csárda transforma-se em um ambiente
importante dentro da narrativa. Esse espaço, uma espécie de estalagem há
muito associada à região puszta e ao seu imaginário popular, é uma das
poucas estruturas sólidas com permanente presença humana na região. No
filme, ele representa os saloons das vilas fronteiriças americanas, com direito
a placa de “procura-se, vivo ou morto” – utilizada casualmente como uma
espécie de tiro ao alvo pelos fora da lei da região. Esse cenário transformase em um espaço para elementos genéricos importantes, como longas brigas de bares que imitam as extravagantes acrobacias cômicas dos westerns
italianos estrelados por Bud Spencer e Terence Hill ⎼ cujos filmes foram
imensamente populares por toda a Europa Oriental e, para muitos, substituíram o faroeste clássico como referência arquetípica da construção de
aventuras ficcionais de fronteira.
Assim como sugeriu Philip French em sua discussão sobre o faroeste, “a
posição do forasteiro em relação ao espaço é de importância crucial, e são
poucos os filmes que não começam com a imagem de um homem, ou um
grupo de homens, cavalgando pela paisagem”. O plano em que o fora da lei
aparece pela primeira vez mapeia essa imagem icônica do solitário cavaleiro na puszta. A figura aparece a distância, envelopada por uma paisagem
desolada, longínqua, enquanto, atrás, o sol sobe no horizonte. Essa imagem
mostra a brincadeira consciente que o diretor faz com o léxico visual do
faroeste, o que é reafirmado por um plano subsequente em que o fora da lei
para próximo a uma forca na qual um corvo está pousado (aqui, o inofensivo
corvo, muito comum na zona rural da Hungria, substitui de forma criativa
a imagem do abutre como representante da morte que espreita o deserto
1
7
fronteiriço da América). O longo plano do cavaleiro solitário, que dura um
bom tempo, transforma-se no pano de fundo onde o título e a sequência de
créditos aparecem, enquanto uma música folclórica, embalada por violinos
e uma cítara que acompanham uma voz masculina, explicitamente marca a
característica estrangeira da imagem, distanciando-a do universo do faroeste norte-americano.
Djoko Rosic, um ator iugoslavo que iniciou sua prolífica carreira no faroeste Hajdúk (1975), interpreta o impassível fora da lei do filme. As notáveis
características de Rosic, assim como suas habilidades com o cavalo, fizeram
dele um ator interessante para representar os nômades de fronteira em
todas as manifestações húngaras do faroeste, canalizando eficientemente o
status ambíguo desses personagens. Sua associação com o gênero permaneceu central para o estabelecimento de sua carreira no cinema da região. Isso
pode ser atestado por sua atuação em outras aventuras cinematográficas
de fronteira, incluindo algumas produções da Alemanha Oriental e o filme
búlgaro Sadiyata (1986), dirigido por Plamen Maslarov. Sua curta, embora
memorável, presença no filme de Béla Tarr, As harmonias de Werckmeister
(Werckmeister harmóniák, 2000), no qual ele é creditado apenas como o “homem com botas de faroeste”, confirma a continuidade de Rosic como um
ícone cultural da produção de westerns húngaros.
As características roupas de lã dos campesinos e boiadeiros que ocuparam
historicamente a Europa Oriental fornecem a referência visual para a construção da “natureza faroeste” (bárbara). Simultaneamente, aos olhos dos estrangeiros, esses tipos de vestimenta caracterizam esses nativos como pessoas
exóticas, seres inferiores, com um estilo de vida primitivo. Szomjas enfatiza a
imagem dessas figuras, assim como suas identidades selvagens e alienígenas, ao
mesmo tempo que as insere de forma divertida em uma conhecida paisagem
cinematográfica de fronteira. Profundamente importante, a representação de
um grupo de habitantes primitivos, provenientes de uma ancestral tradição
pastoral, também suscita relação com os húngaros nômades, não europeus,
não ocidentalizados. A apresentação do povo da puszta como duvidosamente
orientais representa de maneira criativa a diversidade mítica dos húngaros,
que poderiam ser enquadrados em um “faroeste” de fronteira.
A cena em que o fora da lei encontra e depois mata um bandido que
o denunciou anos antes nos serve como um grande exemplo. O homem
aparece sentado, sozinho, sobre uma terra lamacenta, com um fiapo de fogo
tremeluzente em sua frente, sua cabeça destacada entre as roupas de lã que
cobrem seu corpo, os olhos ocultados por um chapéu surrado. Um close
desse ser das planícies agachado, todo felpudo, revela não apenas a boca
de sua arma, ocultada sob a lã, mas também seus pés sujos, aparecendo
de forma cômica. Szomjas desassocia o húngaro “nativo” da puszta de sua
condição habitual ao descontruir a imagem icônica associada à paisagem e
a seus habitantes. Essa emblemática ilustração visual funde-se, dentro dessa
perspectiva, com a genérica invocação do Outro (indígena) dos faroestes,
realocando ambas as imagens na esfera do estranho e do familiar.
Durante o filme, aparecem diversos animais característicos daquela região, como o porco Mangalitsa, o carneiro de pelos longos e os já citados
bois acinzentados. A presença deles delimita a singularidade geográfica do
território e firma a narrativa como inegavelmente húngara. Mais à frente, o
filme apresenta o que poderia ser considerado o maior estereótipo da culinária húngara, o famoso prato de páprica com carne: goulash (gulyas). Novamente transpondo a recorrente trupe do faroeste, aquela que se alimenta
em torno de uma fogueira, para as Grandes Planícies Húngaras, em uma
cena há um grupo de homens aquecendo um goulash em uma caldeira. Em
um plano estático, encenado como um tableau, enquanto homens são vistos
fazendo uma pausa para fumar um cachimbo, um kuvasz, espécie canina específica da Hungria, calmamente aproxima-se deles, em um movimento estrutural que conota a natureza itinerante desses personagens. Reconhecido
pela cultura popular como um tradicional e antigo artigo culinário húngaro
e, desde a década de 60, servido para os turistas da mesma maneira, ou seja,
sobre uma caldeira, como está na cena do filme, o goulash se transformou
em um item imprescindível da cultura local. No filme, a sua presença serve
para uma caracterização rápida do gosto húngaro, uma ornamentação gastronômica da cultura folclórica de fronteira. Confirmando a importância
do prato na essência da cultura húngara, um crítico comentou, enquanto
analisava o segundo faroeste de Szomjas, que seus colegas estrangeiros mais
ácidos certamente caracterizariam os novos faroestes húngaros como faroestes “goulash” ou “páprica”. “Faroeste goulash” realmente se transformou
3
no chavão utilizado para determinar os dois filmes do gênero produzidos
por Szomjas na década de 70. O termo se alinha a outros estereótipos
culinários, como os utilizados para caracterizar o faroeste spaghetti e outras
explorações do gênero do resto da Europa.
Szomjas, ao se preparar para rodar seu faroeste húngaro, não pôde “desvirginar” áreas da região Nagykunság para representar de forma convincente as terras intocadas que seriam transformadas pelo progresso do século
XIX. Ele foi forçado a levar sua equipe de filmagem para a beira do Parque
Nacional Hortobágy, área que, curiosamente, até hoje representa a sensação de uma Hungria remota para seus visitantes, pelo menos no contexto
de um ambiente de fronteira artificialmente preservado. Em uma notável repetição do processo histórico, o diretor realmente encontrou um trabalho
de canalização fluvial sendo feito na área, algo que ele usou no filme.
O primeiro longa-metragem de Szomjas combate categorias genéricas e
noções simplificadas de nacionalidade, assim como explorações superficiais
da cultura e da história folclórica. Ao empregar ironia e excesso visual, ao
explorar icônicas imagens da paisagem da Hungria, ele funde os ícones do
faroeste e os simbolismos húngaros de maneira criativa. Como foi mencionado anteriormente, os conflitos ideológicos ocorridos nas fronteiras
servem, predominantemente, como recursos dramáticos que se desdobram
nas longínquas paisagens da puszta. Mas a narrativa aparenta afastar-se de
uma tomada política explícita. O real objetivo desse filme ainda é a reconsideração crítica e cômica dos diferentes mitos húngaros, tudo contido em
um universo ficcional de embates de um faroeste de fronteira.
Tradução: Pedro Henrique Ferreira e Thiago Brito
O VENTO ASSObIa SOb OS PÉS (1976)
7
A CRIANca
1
por Vsevolod Ivanov
Nota dos curadores: O escritor Vsevolod Ivanov foi reconhecidamente uma das principais figuras do gênero literário do ostern, que, por sua
vez, exerceu alguma influência no gênero cinematográfico em questão.
A título de ilustração histórica, aqui deixamos trechos de um de seus
mais célebres contos publicados, pois acreditamos que, embora ele não
apresente a mesma intenção propagandística dos filmes e não possua
uma visão tão idealizada do processo da Guerra Civil, seus cenários da
Ásia Central, seu clima de confronto, exotismo e selvageria, seus personagens tão “broncos” quanto os cowboys e suas formas e construções
linguísticas remetem diretamente à encenação dos faroestes vermelhos.
I
Mongólia ⎼ um animal selvagem e sem alegria. Cada pedra: um animal.
Cada lago: um animal. Todas as borboletas estão à espreita com seus
ferrões. Os mongóis ⎼ seres inescrutáveis: vestem, dizem as más línguas,
carcaças de animais, parecem chineses e vivem longe dos russos, no
deserto de Nor-Koy. Os boatos dizem que seu retiro está ainda mais
afastado, para além da China e da Índia, em terras azuis desconhecidas.
1 Originalmente publicado em Broom: an international magazine of the arts,
v. 4, n. 3, Feb. 1923. Tradução de Thiago Brito.
EM CASA COM ESTRANHOS. UM ESTRANHO EM CASA (1974)
7
7
Uma pequena tribo kirghiz, que veio do rio Irtysh quando fugiu da frente
de batalha russa, estava agora perambulando pela Mongólia, a certa distância
de um grupo de russos, também foragidos. Personagens frágeis e sem valor,
como se sabe, os kirghiz avançavam sem pressa. Eles traziam seu gado, suas
crianças e até mesmo seus doentes.
sua cabeça grisalha, mal-humorado, terrível. No Whitsuntide2, três homens
⎼ Selivanov, Afanasy Petrovich e Drevesinin ⎼ foram enviados à estepe para
encontrar terras para servir de pasto. Um vento passava. Uma onda de calor
saía da terra rumo ao céu vacilante. Os corpos dos homens e dos animais
eram duros e pesados como uma pedra.
Os fugitivos russos, campesinos fortes e saudáveis, caminhavam sem piedade. Deixavam no chão os mais fracos e doentes. Alguns haviam morrido;
outros haviam sido mortos. Suas famílias, propriedades e rebanho haviam sido
capturados pelo exército branco. Os campesinos estavam tão loucos quanto os lobos na primavera. Quedavam em suas barracas, morrendo de fome,
sonhando com suas estepes, pensando no rio Irtysh. Eram cinquenta, com
Sergey Selivanov como presidente. Eles se autodenominavam o Destacamento Guerrilheiro do Exército Vermelho do Camarada Selivanov. Eles estavam
isolados. Quando o exército branco afugentava-os para além da montanha,
os enormes rochedos escuros os assustavam. Agora que tinham atingido as
estepes, estavam entediados. Estas estepes eram parecidas com as estepes
do rio Irtysh: areia, grama dura, um céu metálico duro. Tudo era estrangeiro,
estranho, insultante e selvagem. O mais difícil era a ausência de mulheres. Durante a noite, ele narravam contos obscenos, típicos de soldados, e, quando a
tortura era insuportável, selavam os cavalos e iam caçar as mulheres kirghiz.
As mulheres kirghiz, ao perceberem a presença dos russos, caíam no chão
de forma submissa. Era repugnante a forma como eles as levavam, deitadas,
imóveis, com os olhos semicerrados. Era como comungar com a besta. Os
homens tinham medo dos russos e corriam em direção às estepes. Sempre
que viam um russo, eles brandiam seus rifles e arcos de maneira ameaçadora,
gritavam, mas nunca atiravam. Talvez eles não soubessem atirar.
Selivanov disse roucamente: “Que tipo de pastagem podemos esperar dali?”
II
O tesoureiro do destacamento, Afanasy Petrovich Trubatchov, era frágil
como uma criança e tinha um rosto infantil, pequeno, rosado, imberbe. Suas
pernas eram longas e duras, como as de um camelo. Quando cavalgava, imediatamente se punha austero. Seu rosto se fechava e ele ficava sentado com
Todos sabiam que ele se referia ao rio Irtysh. Suas esparsas faces barbudas eram silenciosas; seus cabelos pareciam grama queimada pelo sol; seus
olhos eram injetados de sangue, como feridos por ganchos.
Apenas Afanasy Petrovich disse, com pesar: “Será que também lá encontraremos a seca?”
Ele disse isso com uma voz lacrimosa, mas sem lágrimas nos olhos. Uma
lágrima afligia os olhos secos de seu cavalo. E, então, um atrás do outro, os
guerrilheiros caminharam entre pastagens selvagens em direção à estepe. A
areia brilhava de calor; o vento saturado de areia se agarrava aos ombros e
faces; o suor queimava o corpo, mas não conseguia brotar na pele ressecada.
À tarde, enquanto passavam por uma cavidade, Selivanov apontou para o
sul e disse:“Alguém está vindo.” Era verdade. No horizonte, uma poeira rosa
se elevava sobre a areia: “Deve ser um kirghiz.”
Eles começaram a deliberar. Drevesinin disse que os kirghiz sempre mantinham certa distância e nunca se aproximavam da ravina de Selivanov. Afanasy insistia que só podia ser eles. Apenas os kirghiz levantavam uma poeira tão densa. E, quando a poeira se aproximou mais, eles concluíram: “São
desconhecidos.” Os cavalos deduziram pelas vozes de seus mestres que
estranhos se aproximavam. Eles abaixaram seus ouvidos e relincharam antes
mesmo de qualquer ordem ser dada. Na ravina, os corpos cinza e amarelos
dos cavalos, com suas pernas de varetas, pareciam desamparados e ridículos.
Eles fecharam seus grandes olhos, como se estivessem envergonhados, respirando pesadamente. Selivanov e o tesoureiro, Afanasy Petrovich, estavam
agachados dentro da ravina. O tesoureiro estava choramingando, soluçando.
2 O Whitsuntide é a semana após o Whitsunday, o último domingo da festa
cristã de Pentecostes.
9
8
Para suavizar seu medo, Selivanov sempre o mantinha ao seu lado; ele parecia gostar disso e extrair uma satisfação maliciosa desse choramingo infantil.
A poeira caminhava em sua direção. Era possível ouvir as rodas tremendo
alternadamente; era possível ver as crinas longas e negras ondulando como
uma nuvem de poeira entre os arreios dos cavalos.
Selivanov, com firmeza, disse: “russos.”
Então, da ravina, ele chamou Drevesinin. Duas pessoas estavam sentadas
em um carro novo, feito de vime. Era possível perceber as faixas vermelhas
em suas boinas, mas seus rostos estavam cobertos pela poeira. O vermelho
parecia nadar entre poeiras amarelas. A boca de uma arma emergiu da poeira, uma mão com chicote aparecia, ora sim, ora não.
Drevesinin, pensativo, disse: “Oficiais… A negócio, provavelmente… Uma
expedição…” Uma centelha maldosa em seus olhos. “Vamos mostrar a eles
o que é uma expedição de verdade.”
O carro aproximava-se célere, os cavalos vinham na frente. A poeira,
como o rabo de uma raposa, varria seus rastros.
Afanasy Petrovitch pediu, com pena:“Não, camaradas, o melhor é levá-los
como prisioneiros.”
“E você não tem pena do próprio pescoço?”
Selivanov se irritou ⎼ engatilhou sua arma silenciosamente e se virou:
“Parem de reclamação.”
O que particularmente os irritava era que os oficiais vinham sem escolta,
como se estivessem em grande número, trazendo ameaça aos campesinos.
Um dos oficiais aprumou-se, contornou a estepe, mas não conseguiu enxergar com a poeira, o vento, a tarde avermelhada que descia sobre a grama
queimada e sobre duas pedras que mais pareciam corpos de cavalos próximos à ravina. O carro e suas rodas, as pessoas e seus pensamentos estavam imersos na poeira vermelha. Um tiro ressoou. Em uníssono, as boinas,
entrechocando-se, caíram dentro do carro. Os arroios soltaram como se
puxados por uma mão invisível. Os cavalos remexeram-se e tentaram fugir.
Repentinamente, suas crinas foram manchadas por uma espuma branca; seus
poderosos músculos tremeram; eles abaixaram a cabeça e pararam.
Afanasy Petrovitch disse: “Morreram.”
Os campesinos foram averiguar. Estavam mortos. Ombro com ombro, estavam sentados com as cabeças reclinadas para trás, feito capuzes. Um deles era
uma mulher. Cabelos desgrenhados, metade recobertos de poeira amarela e
negra; a roupa de soldado inchada com os seios de mulher.
“Coisa estranha”, disse Drevesinin, “mas a culpa é dela. Não deveria ter
usado uma boina masculina. Quem quer matar uma mulher? Nós precisamos
delas.”
Afanasy Petrovitch cuspiu. “Você fede, mongol…Você não…”
“Calma”, cortou Selivanov. “Não somos ladrões. Temos que realizar um
inventário das propriedades do povo. Dê-me um pedaço de papel.”
Em uma cesta de vime, escondida embaixo de um assento, eles acharam, entre as “propriedades do povo”, um bebê loiro, de olhos azuis. Suas
pequenas mãos estavam apertando uma colcha marrom. Pequeno, em fase
de amamentação, chiando. Afanasy Petrovitch disse, com emoção: “Olha só,
tagarelando em seu próprio dialeto.” Novamente um sentimento geral de
tristeza pela mulher afetou os homens. Eles não retiraram as roupas dela. O
homem foi enterrado pelado na areia.
III
Afanasy Petrovitch voltou ao carro. Ninando o bebê no colo, cantou:
“Rouxinol, passarinho, canarinho ⎼ cantam tristemente…”
Ele se lembrou de sua vila, Lebiajy, de sua terra, seu gado, sua família,
seus filhos, e começou a chorar timidamente. O bebê chorou também. A
bela e reluzente areia se estendia no horizonte, e também chorava timidamente. Os guerrilheiros, com os rostos e almas abatidos, cavalgavam com
seus pequenos e fortes cavalos mongóis. Um caminho ressequido e amargo,
pequeno e invisível, se estendia feito areia. Areia e ervas daninhas, pequenas
e amargas. Caminhos de cabras. Areias amargas. Mongólia ⎼ um animal selvagem e sem alegria. Eles examinaram os bens do oficial. Livros, uma carteira
de tabaco, instrumentos de metal luminoso. Um desses instrumentos era
uma caixa de latão com divisões posicionada sobre um tripé. Os guerrilheiros a examinaram e a pesaram em suas mãos. Eles cheiravam a gordura de
carneiro. Envoltos na solidão, eles comeram demais e sujaram suas roupas.
1
8
Eles tinham bochechas proeminentes, finos lábios macios, cabelos escuros,
longos, e peles negras ⎼ verdadeiros Dons de aldeia. Todos tinham pernas
arqueadas e a voz gutural das estepes.
Afanasy Petrovitch levantou o tripé da caixa de latão e disse: “Telescópio.” Então, fechou seus olhos. “Bom telescópio. Custa muitos milhões. Eles
viram a lua com ele, camaradas, e lá acharam depósitos de ouro. Puro feito
farinha. Não precisa nem lavar, é só colocar dentro de sacolas.”
Um jovem, nascido na cidade, riu alto. “Que lorota é essa que ele está
contando? Peçam que ele pare!”
Afanasy Petrovitch se irritou. “Lorota, seu traste? Você me aguarde…”
Eles dividiram o tabaco e deram o instrumento luminoso para Afanasy Petrovitch. Como tesoureiro, ele poderia trocá-lo por alguma coisa com os
kirghiz. Ele colocou o instrumento diante do bebê e disse: “Divirta-se, pequenino.”
Mas a criança continuava chiando. Ele tentou uma coisa, depois outra.
Ele começou a suar ⎼ nada fazia a criança parar de chorar. Os cozinheiros
trouxeram o jantar. Havia um odor pesado de óleo, mingau, shtchee3. Eles puxaram, de dentro de suas botas, longas colheres de madeira Semipalatinisk4.
A grama sob seus pés era rala. A ravina, longa e escura.
Um sentinela que estava de prontidão gritou do alto: “Ei, aqui, eu quero
parar… Eu estou com fome… Mandem alguém subir.”
Eles acabaram de comer e se lembraram ⎼ a criança também precisava
comer. Ela não parava de chorar. Afanasy Petrovitch mastigou um pouco
de pão, depositou o miolo úmido na boca da criança e estalou seus lábios:
“PP… Pp… Aqui, barbeirinho… Coma um pouco.” Mas a criança não comeu, fechou a boca e afastou a cabeça. Seu nariz estava escorrendo. Os
campesinos se reuniram em volta dela. Eles olhavam para a criança, uns
sobre os ombros dos outros. Estavam calados. Estava quente. Os lábios e as
bochechas deles brilhavam de gordura de carneiro; suas camisetas estavam
abertas; seus pés estavam descalços e amarelados como a terra da Mongólia.
Um deles disse: “Talvez ele coma um pouco de shtchee?” O shtchee tinha esfriado. Afanasy Petrovitch colocou o dedo na sopa e depois o aproximou da
boca do bebê. A gordura do shtchee caiu dos lábios da criança na camiseta
rosa e na colcha marrom. O bebê se recusava a comer.
“Até um filhote seria mais inteligente, lamberia meus dedos.”
“Bem, um filhote é um bruto e isso é um ser humano.”
“É verdade.”
Não havia leite de vaca no acampamento. Então, eles pensaram em dar
para a criança leite de égua ⎼ havia éguas no acampamento. Mas o kumiss5
era muito tóxico, a criança poderia adoecer. Eles se separaram em grupos
entre as carroças; eles estavam preocupados. Afanasy Petrovitch andava de
um lado para o outro com um casaco esfarrapado nas costas, com os seus
olhos esfarrapados. Ele lamentava com uma voz esguia, agitada, infantil, como
se a criança fosse ele mesmo. “Bem, o que vamos fazer? Nós devíamos…”
Com os ombros largos e poderosos, eles quedavam desamparados.
“Isto é negócio para as mulheres.”
“Sim, é claro.”
“Talvez uma mulher fosse capaz de fazê-lo comer um carneiro inteiro?”
“Talvez.”
Selivanov chamou uma assembleia e disse: “Não podemos deixar um
bebê cristão morrer como um bárbaro. Imaginemos que seu pai fosse mongol. Isso não seria culpa da criança.”
Os campesinos concordaram. “A criança não tem nada a ver com isso.”
Drevesinin explodiu, rindo. “A criança vai crescer muito bem… Viajar
para a lua… Mina de ouro…”
Ninguém riu.
Afanasy Petrovitch levantou os punhos e gritou: “Você é um desgraçado.”
Ele bateu com os pés no chão, levantou as mãos e subitamente urrou: “Uma
vaca… Precisamos arranjar-lhe uma vaca agora.”
3 Um tipo de sopa aguada e barata. Alimentação comum de prisioneiros na Sibéria.
4 Região atualmente denominada Semei, localizada no nordeste do
Cazaquistão (N. do T.).
5 Leite de égua fermentado.
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8
Todos responderam em coro: “Ele morrerá se não arranjarmos uma
vaca.” “Uma vaca é do que ele precisa.” “Ele vai morrer se não arranjarmos uma vaca.”
Afanasy Petrovitch disse, resoluto: “Eu vou atrás de uma vaca.”
Drevesinin interveio impertinentemente: “Vá para o Irtysh, para o Lebiajy…”
“Eu não preciso ir para o Irtysh, seu maluco. Eu vou para o Kirghiz.”
“Troque o telescópio.”
Afanasy Petrovitch atacou-o.
Ao vê-los se xingando, Selivanov, o presidente da assembleia, disse:
“Está bom.”
Então, decidiu-se, por meio do voto, que Drevesinin, Afanasy Petrovitch e
outros três iriam até o acampamento dos kirghiz para conseguir uma vaca.
Se possível, mais duas ou cinco ⎼ o abastecimento de carnes do cozinheiro
estava baixo. Acoplaram espingardas nas selas dos cavalos, botaram chapéus
kirghiz de pele de raposa, para parecerem kirghiz a distância, e saíram.
“Adeus.”
Eles amarraram o bebê na colcha e guardaram-no em uma carroça. Um
jovem rapaz ficou de guarda. Para se divertir e divertir o bebê, o rapaz dava
tiros com seu revólver Nogan na mata.
UM HOMEM DO BOULEVARD DES CAPUCINES (1987)
5
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1
filmografia
AS AVENTURAS
EXTRAORDINÁRIAS DE
MR. WEST NO PAÍS DOS
BOLCHEVIQUES
(neobychainye
priklyucheniya mistera vesta
v strane bolshevikov)
O norte-americano Mr. West
e seu fiel guarda-costas Jeddie
viajam para a terra dos horríveis e
cruéis bolcheviques. Passando por
vários contratempos, Mr. West
descobre que os soviéticos são, na
realidade, muito admiráveis.
1924 – 94 minutos – União Soviética
Preto e branco / Silencioso / 1.33:1
Direção: Lev Kuleshov
Roteiro: Nikolai Aseyev,Vsevolod
Pudovkin
Elenco: Porfiri Podobed, Boris
Barnet, Aleksandra Khokhlova,
Vsevolod Pudovkin,Vera Lopatina
Produtora: Goskino
Faixa etária: 14 anos
O SOL BRANCO DO DESERTO (1969)
OS TREZE
(TRINADTSAT)
Inspirado em A patrulha perdida, de
John Ford. Um grupo de soldados
escoltando alguns civis pelo
deserto asiático é emboscado
e cercado por uma conhecida
horda de bandidos. Os soldados
decidem segurar os bandidos até
que cheguem os reforços.
1937 – 90 minutos – União Soviética
Preto e branco / Mono / 1.37:1
Direção: Mikhail Romm
Roteiro: Iosif Prut, Mikhail Romm
Elenco: Ivan Novoseltsev,Yelena
Kuzmina, Aleksandr Chistyakov,
Andrey Fayt
Produtora: Mosfilm
Faixa etária: 14 anos
5
7
8
CANÇÃO DA PRADARIA
(ARIE PRERIE)
Uma história cômica sobre uma
señorita que viaja pelo Velho Oeste
em uma diligência. Ela é salva das
garras de um bandido por um
cowboy que entoa canções.
1949 – 19 minutos – Tchecoslováquia
Animação / Colorido / Mono / 1.37:1
Direção: Jirí Trnka
Roteiro: Jirí Trnka
Produtora: Ceskoslovenský
Státní Film
Faixa etária: 14 anos
CAMINHO DE FOGO
(OGNENNYE VYORSTY)
Influenciado pelo clássico No
tempo das diligências, de John Ford.
O agente Zavragin, da inteligência
soviética, está apressado para
chegar a uma cidade no sul da
Rússia cercada por tropas de
Anton Denikin. Sem ter acesso
pelos trilhos do trem, ele decide
usar um carro da artilharia e
reunir um grupo heterogêneo que
também está a caminho da cidade.
1958 – 85 minutos – União Soviética
Colorido / Mono / 1.33:1
Direção: Samson Samsonov
Roteiro: Nikolai Figurovsky
Elenco: Igor Savkin, Margarita
Volodina,Vladimir Kenigson,
Mikhail Troyanovsky, Anthony
Khodursky
Produtora: Mosfilm
Faixa etária: 14 anos
LEMONADE JOE
(LIMONÁDOVÝ JOE ANEB KONSKÁ
OPERA)
Nesta paródia musical dos
westerns, o pistoleiro João
Limonada limpa a cidade de
Stetson City depois de derrotar
o vilão Pistola Velha. A insistente
defesa que o cowboy faz da bebida
Kolaloka leva os habitantes
da cidade a abandonarem o
alcoolismo.
1964 – 84 minutos – Tchecoslováquia
Preto e branco / Mono / 2.35:1
Direção: Oldrich Lipsky
Roteiro: Oldrich Lipsky, Jirí
Brdecka
Elenco: Karel Fiala, Rudolf Deyl,
Milos Kopecky, Kveta Fialová
Produtora: Filmové Studio
Barrandov
Faixa etária: 14 anos
OS FILHOS DA GRANDE
URSA
(DIE SÖHNE DER GROSSEN
BÄRIN)
Embora os americanos nativos
tenham garantias contratuais
para ocupar o território
adjacente às Montanhas
Negras, os brancos querem
expulsá-los de lá. Enquanto
isso, ouro foi descoberto na
região. Raposa Vermelha, um
colono inescrupuloso, exige que
Mattotaupa, chefe do clã dos
Ursos Dakota, revele a localização
das minas.
1966 – 92 minutos – Alemanha
Colorido / Mono / 2.35:1
Direção: Josef Mach
Roteiro: Liselotte WelskopfHenrich
Elenco: Gojko Mitić, Jirí Vrstála,
Rolf Romer
Produtora: DEFA
Faixa etária: 14 anos
OS VINGADORES
INVISÍVEIS
(NEULOVIMYE MSTITELI)
Um grupo de adolescentes
intitulado “Vingadores Invisíveis”
luta ao lado do exército vermelho
durante a Guerra Civil na Rússia.
1967 – 78 minutos – União Soviética
Colorido / Mono / 2.35:1
Direção: Edmond Keosayan
Roteiro: Pavel Blyakhin, Edmond
Keosayan, Sergei Yermolinsky
Elenco: Viktor Kosykh, Mikhail
Metyolkin,Vasiliy Vasilev,Valentina
Kurdyukova
Produtora: Mosfilm
Faixa etária: 14 anos
AS NOVAS AVENTURAS
DOS VINGADORES
INVISÍVEIS
(NOVYE PRIKLYUCHENIYA
NEULOVIMYKH)
Continuação da saga dos
“Vingadores Invisíveis”. Agora, os
jovens vão à cidade em busca de
um mapa guardado no cofre da
polícia.
1968 – 82 minutos – União Soviética
Colorido / Mono / 2.35:1
Direção: Edmond Keosayan
Roteiro: Edmond Donatas
Banioni, Artur Makarov
Elenco: Viktor Kosykh, Mikhail
Metyolkin,Vasiliy Vasilev,Valentina
Kurdyukova
Produtora: Mosfilm
Faixa etária: 14 anos
9
9
A TRILHA DO FALCÃO
(SPUR DES FALKEN)
Spartak Mishulin, Kakhi Kavsadze
Produtora: Mosfilm
A SÉTIMA BALA
(SEDMAYA PULYA)
Na segunda metade do século
XIX, ouro é descoberto nas
Montanhas Negras, área reservada
aos indígenas da tribo Dakota. Não
obstante, garimpeiros, empresários
e aventureiros migram para a
região, causando conflitos.
Faixa etária: 14 anos
Embora a força soviética tenha
retomado o controle na Ásia
Central, os Basmachis continuam
a invadir o território. Neste
cenário, o general Maxumov deve
encontrar os homens de sua
tropa desertora e explicar por
que o rebelde Khairulla, que agora
os comanda, está mentindo para
eles. Em sua jornada, Maxumov
guarda em sua pistola uma última
bala, destinada a seu arquirrival.
1968 – 121 minutos – Alemanha
Colorido / Mono / 2.35:1
Direção: Gottfried Kolditz
Roteiro: Karl Gunter
Elenco: Gojko Mitić, Hannjo
Hasse, Barbara Brylska
Produtora: DEFA
Faixa etária: 14 anos
O SOL BRANCO DO
DESERTO
(BELOYE SOLNTSE PUSTYNI)
No final da Guerra Civil Russa,
o soldado do exército vermelho
Fyodor Sukhov é incumbido de
tomar conta do harém de um líder
dos guerrilheiros do Mar Cáspio.
1969 – 84 minutos – União Soviética
Colorido / Mono / 1.37:1
Direção: Vladimir Motyl
Roteiro: Valentin Ezhov, Rustam
Ibragimbekov, Mark Zakharov
Elenco: Anatoliy Kuznetsov,
AS PAPOULAS VERMELHAS
DO ISSYK-KUL
(ALYE MAKI ISSYK-KULYA)
Quirguistão, 1920. Um guarda
pró-soviético encontra, nas
montanhas, uma trilha utilizada
por traficantes para transportar
ópio para além das fronteiras
soviéticas. Enquanto isso, um
homem misterioso chamado
“Boca de Ouro” se oferece para
acompanhar uma patrulha liderada
pelo comandante russo Kondraty
para encontrar os traficantes e
seu acampamento.
1971 – 93 minutos – Quirguistão
Colorido / Mono / 1.85:1
Direção: Bolotbek Shamshiev
Roteiro: Ashim Dzhakypbekov,
Vasili Sokol,Yuri Sokol
Elenco: Suymenkul Chokmorov,
Sovetbek Dzhumadylov, Boris
Khimichev
Produtora: Gosfilmofond
Faixa etária: 14 anos
soviético que se propõe a ser um
hino à amizade. Um soldado do
exército vermelho suspeito de ter
roubado ouro se vê obrigado a se
infiltrar num bando de criminosos
para provar sua inocência.
1974 – 97 minutos – União Soviética
Colorido / Mono / 1.37:1
Direção: Nikita Mikhalkov
Roteiro: Nikita Mikhalkov, Eduard
Volodarskiy
Elenco: Yuri Bogatyryov, Nikita
Mikhalkov, Sergey Shakurov
Produtora: Mosfilm
1972 – 84 minutos – Uzbequistão
Colorido / Mono / 2.35:1
Faixa etária: 14 anos
Direção: Ali Khamraev
Roteiro: Andrei Konchalovsky,
Fridrikh Gorenshtein
Elenco: Suymenkul Chokmorov,
Dilorom Kambarova, Bolot
Bejshenaliyev
Produtora: Uzbekfilm
O VENTO ASSOBIA SOB
OS PÉS
(TALPUK ALATT FÜTYÜL A SZÉL)
Faixa etária: 14 anos
EM CASA COM
ESTRANHOS. UM
ESTRANHO EM CASA.
(SVOY SREDI CHUZHIKH,
CHUZHOY SREDI SVOIKH)
Ambientado na guerra civil que
sucedeu à Revolução de Outubro
de 1917, o filme é um western
Exemplar do western goulash,
encenado nas Grandes Planícies
da Hungria, o filme acompanha
o caminho de um fora da lei que
escapou recentemente da cadeia.
Sua busca por vingança conflui
com o interesse de um grupo de
camponeses sem-terra que se
opõe à construção de um canal
no território onde trabalha.
1976 – 90 minutos – Hungria
Colorido / Mono / 1.37:1
Direção: György Szomjas
1
Roteiro: György Szomjas, Péter
Zimre
Elenco: Djoko Rosic, István
Bujtor,Vladan Holec
Produtora: MAFILM Hunnia
Stúdió
Faixa etária: 16 anos
O GUARDA-COSTAS
(TELOKHRANITEL)
Quando um dos cérebros por
trás dos rebeldes Basmachis é
capturado por um esquadrão
do exército vermelho, a missão
de escoltá-lo pelas trilhas
montanhosas até a província de
Bucara é concedida a Mirzo e sua
trupe.
1979 – 90 minutos – Uzbequistão
Colorido / Mono / 1.37:1
Direção: Ali Khamraev
Roteiro: Ali Khamraev
Elenco: Aleksandr Kaydanovskiy,
Anatoliy Solonitsyn, Shavka
Abdusalamov
Produtora: Tajikfilm
Faixa etária: 16 anos
SIBERÍADA
(SIBIRIADA)
Neste épico soviético, uma pequena
cidade na Sibéria é o espelho da
história da Rússia do começo do
século até os anos 80.Três gerações
tentam encontrar o paraíso
terrestre e entregá-lo ao povo.
1979 – 275 minutos – União Soviética
Colorido / Mono / 2.25:1
Direção: Andrey Konchalovskiy
Roteiro: Andrey Konchalovskiy,
Valentin Ezhov
Elenco: Nikita Mikhalkov,Vitali
Solomin, Sergey Shakurov
Produtora: Mosfilm
Faixa etária: 14 anos
UM HOMEM DO
BOULEVARD DES
CAPUCINES
(CHELOVEK S BULVARA
KAPUTSINOV)
O Sr. Johnny First chega a uma
cidade do Velho Oeste e traz
para os habitantes uma novidade
que mudará suas vidas: o
cinematógrafo.
1987 – 98 minutos – União Soviética
Colorido / Mono / 1.66:1
Direção: Alla Surikova
Roteiro: Eduard Akopov
Elenco: Andrey Mironov,
Aleksandra Yakovleva-Aasmyae,
Mikhail Boyarskiy
Produtora: Mosfilm
Faixa etária: 14 anos
CANÇÃO DA PRADARIA (1949)
Curadoria
Pedro Henrique Ferreira
Thiago Brito
Produção executiva
Pedro Henrique Ferreira
Produção
Diogo Cavour
Paula Goulart
Assistente de produção
Gabriela Ciuffo
Identidade visual
Danilo Amaral
Revisão das cópias
Caroline Nascimento
Revisão do catálogo
Feiga Fiszon
Assessoria de imprensa
Alex Teixeira
Larissa Amorim
Textos
Evan Torner
Hernani Heffner
Luís Alberto Rocha Melo
Sergey Lavrentiev
Sonja Simonyi
Vsevolod Ivanov
Registro fotográfico e videográfico
Eduardo Cantarino
Tradução das legendas
Aline Baiana
Graziela Schneider
Marília Muniz Leal
Pedro Dannemann
Rodrigo Castelo Branco
Thiago Bernardo Amaral
Ursula Dannemann
Impressão do folder
Grafitto
Impressão do catálogo
J. Sholna
Bureau
Studio Alfa
Transporte das cópias
Linda e Adriano – WindLog
Airtime Serviços e Transportes
Serviço de legendagem eletrônica
4Estações
Clipping
Clipping Service
Apoio:
Três Corações
Agradecimentos
Serguey Lavrentiev, Ali Khamraev, Ludmilla Cvikova, Melissa van der Schoor,
Elena Orel (Mosfilm), Mirko Wiermann (Cinemateca Alemã), Dorka Szörényi
(MaNDA Archive), Nikola Krutilová (Cinemateca de Praga), Carmen Accaputo
(Cinemateca de Bolonha), Andrea Meneghelli (Cinemateca de Bolonha),
Gulbara Tolomushova (Kyrgyz Cinema), Hernani Heffner (Museu de Arte
Moderna), Alex Khamraev, Sonja Simonyi, Evan Torner, Marina Fonte Pessanha,
Eduardo Cantarino, Tiago Rios, Serguei Monin e Sasha Lazarev.

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