a liberdade, a não-liberdade: emissores, receptores e

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a liberdade, a não-liberdade: emissores, receptores e
A LIBERDADE, A NÃO-LIBERDADE:
EMISSORES, RECEPTORES E SIGNIFICADOS.
Paulo Barrios1
A LIBERDADE
Em linhas gerais, a liberdade significa a ausência de submissão e
servidão de um ser humano a outro, de uma pessoa a uma instituição, ou de uma
nação à outra. Ela representa a autonomia de pensamento e ação.
A liberdade qualifica a independência do indivíduo. Representa sua
autonomia. E significa sua condição de não ser submetido ao domínio de seu
semelhante, o que lhe garante ter pleno poder sobre si mesmo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos – um dos documentos
básicos da Organização das Nações Unidas – assinada em 1948, estabelece:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito
de fraternidade.”
Toda pessoa pode ser considerada livre quando a sociedade não lhe
impõe limites injustos. Sua condição deve representar a soma de liberdades
específicas: liberdade política, sindical, econômica, de opinião, de pensamento, de
religião, entre outras. O conceito de que a liberdade de um indivíduo termina onde
começa de outro, é universal.
Os filósofos Sartre2, Schopenhauer3 e Kant4, por exemplo, atribuem esta
qualidade – a da liberdade – às mulheres e homens livres, como auto-afirmações de
seus egos e de existências. Ser livre é ser autônomo, é dar a si mesmo, de forma
racional, as regras a serem seguidas.
1
Professor Graduado em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda – pela
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. E-mail: [email protected].
2
Jean-Paul Charles Aymard Sartre, filósofo francês (1905-1980).
3
Arthur Schopenhauer, filósofo alemão (1788-1860).
4
Immanuel Kant ou Emanuel Kant Königsberg, filósofo alemão (1724-1804).
2
Ao longo da história da humanidade, inúmeras vezes este direito – o da
liberdade de ser e de expressar – foi violentamente desfigurado. Inúmeras vezes,
envolvendo a mulher e conceitos machistas.
O MACHISMO
A palavra machismo está associada ao patriarcado, ou seja, ao sistema
familiar e social ensinado na Torá, na Bíblia, no Alcorão e em outros livros religiosos.
Nesse universo, o pai é o líder da família sob todos os aspectos.
Fortalecendo esta visão, muitos líderes já se manifestaram. Um dos mais
recentes foi Edir Macedo, o bispo maior da Igreja Universal. Através de suas
pregações e até de seu blog5, vem difundindo uma visão, já bem conhecida, de que
o homem é a cabeça de um casal e a mulher apenas o corpo. A cabeça (o homem)
pensa e comanda, o corpo (a mulher) obedece e executa. A “cabeça” não pode dar
nem um passo sem o “corpo”. Em contrapartida o “corpo” não tem vida sem a
“cabeça”.
Esta visão, onde a mulher não conhece a liberdade, a não ser a
consentida pelo homem, remete aos tempos negros da Inquisição, patrocinada pela
Igreja Católica Romana, durante a Idade Média. Nesta época, entre tantos crimes,
os chamados representantes de Pedro praticaram torturas, estupros, roubos,
confiscos, assassinatos e toda a sorte de violações à pessoa humana, resultando
num saldo negativo de mais de 5 séculos de horror, causando irreparáveis
sofrimentos e destruições de seres e valores.
Em 500 anos, por exemplo, foram queimadas cerca de 5 milhões de
mulheres. Entre elas, professoras, sacerdotisas, ciganas, místicas, parteiras,
amantes da natureza e coletoras de ervas, principalmente. Ou seja, mulheres que
tentavam pensar e agir de forma livre.
O atentado contra a mulher não se limita a esta época. Um de seus
pontos iniciais aconteceu no segundo século depois de Cristo, quando o teólogo
Tertuliano de Cartago confundiu e identificou – intencionalmente ou não – Maria
Madalena, Maria de Betânia e a pecadora que aparece no Evangelho de Lucas,
5
http://blog.bispomacedo.com.br/tag/separacao/
3
como uma mesma pessoa.
Esta visão foi dogmatizada pelo Papa Gregório I, em uma pregação ao
povo de Roma, que a reforçou e colocou Maria Madalena como uma prostituta
pecadora e arrependida. O mais curioso é que, em nenhum lugar da Bíblia e muito
menos nos chamados evangelhos apócrifos6, é dito que Maria Madalena – também
conhecida como Maria de Magdala – foi prostituta ou é a mulher apanhada em
adultério do oitavo capítulo de João. Outro ponto curioso e praticamente não
destacado: Maria de Magdala – uma das mulheres mais importantes da vida de
Jesus – manteve-se fiel a ele em seus momentos mais difíceis: nas acusações, nas
torturas, na crucificação, na morte e até na ressurreição. Pedro, o suposto homem
escolhido por ele, numa mesma noite o negou três vezes.
A HOMOFOBIA
No
cenário universal
e histórico,
os
direitos humanos
também
representam os direitos e liberdades básicos de todos os indivíduos, sejam eles
hetero, homo ou bissexuais. Isto também vale para as mulheres. Estes conceitos
trazem embutida a ideia de liberdade de expressão e a igualdade perante a lei.
Assim, a liberdade é vista como um sentimento natural de todos, embora
inúmeros grupos, sociedades, religiões e ideologias tentem, de maneira aberta ou
encoberta, limitar as manifestações dos homossexuais, por exemplo.
Neste sentido, Uganda – país africano – está dando ao mundo um dos
piores exemplos de homofobia, através de um projeto de lei que prevê a pena de
morte para gays. Segundo analistas, isso poderá gerar um “efeito dominó” por toda a
África.
Membros de ONGs – Organizações Não Governamentais – temem pelas
consequências da aprovação do projeto. Afinal, o continente concentra atualmente o
maior número de países com leis antigays do mundo. São 36 nações, mais da
metade da África, que proíbem legalmente o relacionamento entre pessoas do
mesmo sexo. Quatro países, Mauritânia, Nigéria, Sudão e Somália, já aplicam a
6
Evangelhos escritos por antigos cristãos, que os quais a Igreja qualifica como “não foram inspirados
por Deus”.
4
pena de morte para quem infringe as “normas”. Nas próximas semanas, esse
número poderá aumentar para cinco, se a Uganda, que já tem uma lei que rejeita o
homossexualismo, aprovar o texto que busca condenar a prática homossexual.
No Quênia, processos constitucionais já retiraram conquistas positivas
alcançadas antes da proposta de Uganda. A Tanzânia lançou uma campanha contra
o ativismo gay. E, na Etiópia, líderes religiosos já se pronunciaram contra o apoio
aos direitos homossexuais, denuncia Monica Mbaru, chefe do programa africano da
Comissão Internacional pelos Direitos Gays e Lésbicos (sigla IGLHRC, em inglês).
Só para lembrar: além das mulheres, durante a “santa” Inquisição, muitos
homossexuais foram assassinados.
O IMPERIALISMO
Na
correnteza
da
não-liberdade
também
aparecem
movimentos
7
imperialistas pelo mundo afora. Seus principais representantes são o Reino Unido,
a França, a Bélgica, a Itália, a Alemanha, Portugal, a Espanha, os Países Baixos, o
Japão e a Rússia. Neste grupo destacam-se – de forma marcante – os Estados
Unidos.
O estranho é que a civilização estadunidense se tem como a maior
defensora do chamado “mundo livre”. Ou seja, é a maior promotora mundial da
liberdade. E isto é representado por um gigantesco monumento – A Estátua da
Liberdade8 – construído na entrada do Porto de Nova Iorque, em 1886. Oficialmente
ela significa “A Liberdade Iluminando o Mundo”.
Mas, será que os Estados Unidos, realmente, defenderam e defendem a
liberdade internamente e nas diferentes regiões do planeta? Muitos pensam que
não.
Neste sentido, alguns exemplos aparecem no documentário "The War on
Democracy", que em língua português recebeu o nome de “Guerra Contra a
7
O Imperialismo é visto com a política de um Estado que tende a pôr certas populações ou outros
Estados sob dependência política e/ou econômica. Isto acontece pelo desejo de expansão,
impulsionado pela busca de novos mercados e oportunidades de investimentos em outras regiões do
planeta. Isso leva à expansão da influência e do domínio territorial, cultural e econômico de uma
nação sobre outras, ou sobre uma ou várias regiões geográficas.
8
A Estátua da Liberdade (em inglês, The Statue of Liberty; em francês, Statue de la Liberté),
oficialmente representa “A Liberdade Iluminando o Mundo”.
5
Democracia”. Seu autor, o australiano John Pilger, pratica o jornalismo investigativo
e já foi premiado várias vezes por seus livros e documentários, principalmente na
área dos Direitos Humanos. Vive em Londres – Reino Unido – e lá recebeu por duas
vezes o prêmio de o “Jornalista Inglês do Ano”.
Nesta obra, Pilger mostra o que considera uma perseguição histórica dos
Estados Unidos, não pela liberdade, mas contra ela. Usa como exemplos casos
verificados em vários países latino-americanos, entre eles Guatemala, Nicarágua, El
Salvador, Chile, Bolívia e Venezuela. Movimentos semelhantes também apareceram
em Honduras, México, Panamá, Peru, Argentina, Uruguai, Brasil etc. Destaca as
repetidas vezes em que os EUA corromperam lideres, forjaram fatos, usaram a CIA
e outros órgãos de inteligência para subornar, fornecer e financiar armas e
esquadrões da morte, realizar treinamentos, sabotagens, publicidade e propaganda,
a fim de exterminar governos eleitos democraticamente. Isto tudo envolvendo
também torturas, assassinatos, genocídios e ações acompanhadas por uma
cobertura quase sempre desonesta das mídias locais, o que ajudou a transformar
esses países em sinônimos de desigualdade, miséria, desinformação e fornecedores
de produtos primários.
OS MUROS DA VERGONHA
Após o final da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), duas superpotências se
sobrepuseram a todas as nações do mundo: Estados Unidos e União Soviética.
Uma capitalista, outra comunista. Ambos os lados se caracterizam pela nãoliberdade e por outra série de crimes contra os seres humanos. Seus movimentos
expansionistas também fizeram nascer mais um marco da ausência de liberdade,
através do Muro de Berlim. Foi uma barreira física, que dividiu a Alemã Oriental e
Ocidental durante a chamada Guerra Fria.
O muro caiu em 1989. No entanto, outros muros da vergonha foram
construídos. O primeiro pelos Estados Unidos em sua fronteira com o México,
barrando a entrada de latino-americanos em seu território. O outro, por Israel, na
divisa com a Palestina. Este último separa grande parte das terras férteis, tomadas
por Israel, deixando os terrenos áridos para os palestinos.
O termo “muro da vergonha” também passou a significar barreiras que
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envergonham os seus construtores ou que são projetados para envergonhar outros
grupos. Estas obras são construídas para impedir ou dificultar a passagem de
pessoas entre países ou regiões caracterizadas por intolerância de qualquer
natureza. São muros físicos, religiosos, ideológicos. Aparecem alimentados pelos
preconceitos. O nazismo os usou contra ciganos, negros, homossexuais, deficientes,
testemunhas de Jeová, liberais, socialistas e judeus.
O século XX também fez nascerem outros regimes que limitaram a
liberdade: o da China, de Mao Tsé-Tung; o da Coréia do Norte, de Kim Il-sung e de
seu filho, Kim Jong-il; o da Cuba de Fidel Castro, entre tantos outros.
Na obra “Filosofando”, as pesquisadoras Maria Lúcia de Arruda Aranha e
Maria Helena Pires Martins, argumentam que há algum tempo grupos vem utilizando
palavras míticas com o objetivo de realizarem manipulações. Entre elas aparecem,
casa, lar, amor, pai, mãe, paz, liberdade, as quais remetem a valores universais
existentes na natureza humana inconsciente e primitiva.
Para as autoras, a liberdade e a democracia só irão se fortalecer a partir
do momento em que as pessoas abandonem sua condição de passividade e
individualismo, assumindo a participação das coisas públicas. É preciso construir um
futuro diferente do capitalismo e do socialismo. Ambos, cada vez mais, passam a ser
vistos como sinônimos de estados de injustiças e de não-liberdades.