FIZEMOSUMAVISITA GUIADAAOCÉU

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FIZEMOSUMAVISITA GUIADAAOCÉU
Sociedade
ALENTEJO. ABOUT DREAMS QUER PÔ-LO A OLHAR PARA CIMA
FIZEMOSUMAVISITA
GUIADAAOCÉU
O único sítio da Europa onde é possível ver duas mil estrelas
a olho nu está a apostar no turismo. Este domingo há eclipse total
da super-Lua. No Alqueva, a vista vai ser melhor. Por Tânia Pereirinha
encontro era às 22h, mas
estamos no Alentejo, no
eixo Reguengos-Monsaraz, estranho seria se a
pontualidade fosse britânica e o
jantar de açorda de bacalhau e migas com carne de porco não tivesse
demorado mais do que o previsto.
Problema: se no dia seguinte, segundo do programa de fim-de-semana, não faria grande diferença –
“Ah, eu não ligo muito às horas”, foi
como o reguengueiro Filipe Valadas, da Tuk Tuk Saraz, respondeu à
inquietação da nossa guia, a meio
de um passeio por entre antas, cromeleques, menires e pontes romanas –, na noite de sábado todos os
segundos contavam.
“Saturno já foi, ou se despacham
O
90
g
O OLA, em Monsaraz, abre antes do
fim do ano, mas as
visitas ao céu já
estão disponíveis.
O edifício vai ter
bar e piscina
“PODEM
VOLTAR NA
PRÓXIMA
SEMANA, HÁ
ECLIPSE
TOTAL DE
DOMINGO
PARA SEGUNDA, À 1H”
ou também perdem a Lua!”, fizeram
saber, via SMS, Leonel Godinho, engenheiro, Nélson Nunes, astrofísico
(e um dos cientistas premiados com
o Breakthrough 2015, financiado por
Mark Zuckerberg), e Nuno Santos,
astrónomo, à porta do ainda em
construção OLA (Observatório do
Lago Alqueva), à espera da SÁBADO.
Despachámo-nos. Que é como
quem diz, descemos o terreno de
terra batida do Observatório, em
direcção à água, mesmo a tempo
de espreitarmos pelo telescópio e
vermos o satélite natural da Terra,
em quarto minguante, a pôr-se no
horizonte. “Podem sempre voltar
na próxima semana, há eclipse total de domingo para segunda à 1h
da madrugada”, animam-nos os ci-
cerones da visita guiada ao céu,
ponto alto do programa proposto
pela operadora local About
Dreams, como se não houvesse
mais nada para ver.
Claro que há. São 22h30. Daremos – nós, “turistas” – o passeio
por encerrado à 1h15. “Isto acaba
quando vocês quiserem que acabe,
por mim ficamos aqui até nascer o
Sol, a visita não tem limite de tempo ”, avisa Nuno Santos. E o entusiasmo com que acabara de discorrer, entre outras coisas, sobre a estrela HD189733 e o planeta extrasolar que a orbita; o espectro solar
de Isaac Newton e a composição
química das estrelas; ou a diferença entre estrelas duplas e estrelas
binárias, faz-nos ter a certeza de
24 SETEMBRO 2015
www.sabado.pt
133
euros
RAQUEL WISE
por pessoa, em
quarto duplo, é
o preço do programa História
e Estrelas, da
About Dreams.
Os valores podem variar consoante o hotel
APONTÁMOS
COM AR DECIDIDO UM
PONTINHO A
SUL, QUANDO O OBJECTIVO ERA
IDENTIFICAR
A ESTRELA
POLAR
O fotógrafo das estrelas
Miguel Claro fotografa o céu desde pequeno. No Alentejo e não só
Aos 12 anos gastava a mesada em revistas de Astronomia. Aos 37, Miguel Claro é já um nome conhecido no mundo
da astrofotografia, com diversas menções por parte da NASA. “Depois da primeira publicação,
percebi que as
pessoas reagiam
melhor a fotos
que ligassem a
paisagem ao céu do
que a imagens de céu
profundo. Acabei por especializar-me em
astrofotografia de paisagem”, explica
à SÁBADO. Fotógrafo oficial da Reserva
Dark Sky, diz que só consegue lembrar-se de dois lugares melhores para ver as
estrelas: “La Palma,
onde está o maior
telescópio do mundo,
e Chajnantor, no Chile,
o lugar mais seco do
mundo, e que fica a 5
mil metros de altitude.”
que estaria disposto a isso.
Não percebe nada de Astronomia
nem de Física e já está arrepiado com
a simples menção dos temas abordados durante a noite, certo? Keep calm
& continue a ler, que não é caso para
tanto. Palavra de quem apontou com
ar decidido para um pontinho brilhante a sul quando o objectivo era
identificar a Estrela Polar – esta até
um escuteiro de primeiro ano sem
bússola sabe: a Estrela Polar (ou Polaris) é o astro a que, na metade da Terra onde vivemos (porque no Hemisfério Sul no lugar dela não há nada,
ficamos a saber), recorremos para saber onde é o norte.
Saturno em Maio e Junho
As visitas guiadas ao céu dos técnicos do OLA, que deve abrir entre
Outubro e Novembro deste ano, podem ser mais ou menos técnicas, ao
gosto do turista. “Podem ser feitas
numa ocasião romântica, numa data
mítica ou num dia mais científico. De
noite ou de dia – também fazemos
observações do Sol. É sempre diferente, nunca satura ninguém. Entre
Maio e Junho é óptima altura para
ver Saturno e os respectivos anéis e
luas; Março é o mês ideal para observar Júpiter”, explica o guia de céu.
O nicho de mercado revelou-se
em 2011, ano em que a zona do Alqueva foi carimbada com o selo de
Reserva Dark Sky, atribuído pela
fundação Starlight (apoiada pela
UNESCO). Desde então muita coisa
mudou na oferta turística local, explica à SÁBADO Inês Massapina, da
About Dreams: “A maior parte dos
alojamentos da rede está equipada
com telescópios e, como passaram
a ser feitas muitas actividades durante a noite, os horários de checkin, check-out e pequeno-almoço
também estão a ser alargados.”
No programa História e Estrelas –
que a SÁBADO testou nos passados
dias 19 e 20 de Setembro –, estão
incluídos, além da observação no
OLA, dormida e pequeno-almoço
(no caso no Hotel Horta da Moura),
jantar de degustação no restaurante Aloendro, em Reguengos de
Monsaraz; visita (com prova) à
Herdade do Esporão; passeio de
barco entre os castelos de Mon- Q
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Sociedade
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Q saraz e de Mourão; prova de vinhos Ervideira; e passeio de tuk-tuk. Mas o que não faltam na zona
são actividades by night, de passeios de barco, canoa ou a cavalo a
workshops de astrofotografia com
Miguel Claro, cujas imagens foram
várias vezes destacadas pela NASA.
À SÁBADO, o astrofotógrafo, de 37
anos, explica o sucesso do céu daquela parte do Alentejo, onde se
avistam, em noites limpas, entre
1.600 a 2 mil estrelas a olho nu –
contra cerca de 500 nas cidades vizinhas ou, no máximo, 10 em Lisboa.
“Não existe zona como o Alqueva
em toda a Europa, onde tudo está
minado de luz. A 200 km de Madrid
ainda se sente o efeito da iluminação. Nesta ponta temos uma média
de 286 noites/ano de céu limpo, é
um dos melhores céus do mundo.”
Leis que protegem o céu
Não será tão bom como o Observatório do Roque de los Muchachos,
em La Palma, nas Canárias, mas o
trabalho, garante, está a ser feito
junto das autarquias locais (Alandroal, Barrancos, Moura, Mourão,
Portel e Reguengos de Monsaraz
são os concelhos do Dark Sky). “Em
La Palma existe uma lei que protege o céu, os aviões não passam, o
tipo de luminárias é controlado e a
partir de certa hora as luzes apagam-se todas. Sensibilizámos as
autarquias para o problema: basta
um quarto da intensidade utilizada
na iluminação pública – que deve
ser direccionada para o chão, não
para o ar. São milhões de euros que
se perdem no País todo, mas ainda
há muito a mentalidade de que luz
é prosperidade…”
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1
O único tuk-tuk
de Monsaraz faz
passeios (para três
pessoas, no máximo) pela zona. “A
uns estonteantes
30 km/h”
2
A freguesia, com
vista para o lago,
tem nas ruas, até
dia 30, uma exposição de Miguel
Claro
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No Alqueva é
possível passear
de barco, de
canoa, fazer padel
e até dormir
AVISTAM-SE
2 MIL ESTRELAS A OLHO
NU, CONTRA
500 NAS CIDADES VIZINHAS OU, NO
MÁXIMO, 10
EM LISBOA
3
Momento-surpresa
Programas da About Dreams
têm sempre um fim original
Um grupo de turistas brasileiro, numa viagem à medida por
Portugal, Espanha, Itália e França, acabou as férias a jantar no
restaurante da Torre Eiffel. O
fim-de-semana que a empresa
de Reguengos de Monsaraz preparou para a
SÁBADO terminou
com um piquenique
com vista para o lago
do Alqueva.
De nariz para o ar, no OLA, à
luz de quatro colunas de luz vermelha – a branca é mais agressiva, de
cada vez que as pupilas são expostas a ela precisam de 30 minutos
para recuperar e expandir dos dois
para os sete milímetros de abertura
–, assinamos por baixo, enquanto
vemos mais uma estrela cadente
riscar o céu e aprendemos que as
estrelas mais quentes são azuis (e as
mais frias são vermelhas). Ninguém
precisa de luz quando tem um telescópio e o laser do astrónomo
Nuno Santos a apontar para o céu:
“Aqui está a constelação de Cefeu,
ali a Cassiopeia, ao lado a Andrómeda e depois Perseu, cuja estrela mais
brilhante é Algol, a estrela do diabo”;
“Ali existe um superburaco negro”; “Esta gigante vermelha
está na lista de possíveis supernovas para o futuro.
Um dia, se virem um clarão no céu, pode ter sido
ela a explodir”; “A Polar
está alinhada com o eixo
de rotação da Terra: medindo a sua altura em graus
temos a latitude do local onde estamos. No século XV, quando chegaram à zona do Equador, que tem latitude zero, os navegadores perderam a referência de navegação e tiveram de mapear de novo o céu”;
“Andrómeda está a 2,5 milhões de
anos-luz de distância, não havia cá
nada quando esta luz de lá abalou.
Tudo o que estão a ver é passado.”
Será o mais parecido com uma
viagem no tempo que alguma vez
poderemos experimentar, há quem
se assuste. A boa notícia é que não
precisa de temer que o céu lhe caia
em cima da cabeça: garante Nuno
Santos, só daqui a três mil milhões
de anos é que a galáxia de Andrómeda vai chocar com a Terra. Significa que já não deverá existir
vida no planeta quando, dentro de
5,4 mil milhões de anos, sem hidrogénio para queimar, o Sol engolir a Terra e se transformar numa
gigante vermelha. W
FOTOS RAQUEL WISE
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