APRENDIZAGEM DE GEOMETRIA Armindo Cassol – M s
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APRENDIZAGEM DE GEOMETRIA Armindo Cassol – M s
O CABRI NA DINÂMICA DE CONSTRUÇÕES LÚDICAS PARA ENSINOAPRENDIZAGEM DE GEOMETRIA Armindo Cassol – M s - UNESP – SP Professor e pesquisador – Unisinos, Unilasalle [email protected] Margarida Hammer – Especialização Professora e pesquisadora – Unisinos [email protected] Introdução Uma metodologia para o ensino de geometria utilizada há duas ou mais dezenas de anos atrás, em geral, não mais é adequada para os dias de hoje. Aquela tinha como habitual uma exposição teórica próxima daquela dos Elementos de Euclides, chamada de axiomática e ilustrações, chamadas de “práticas”, que confirmavam a teoria. Hoje, além da cultura dos alunos ser outra, a bagagem trazida é outra e os meios disponíveis são outros. Teoricamente estas considerações são aceitas por todos nós, professores de matemática. As discordâncias iniciam quando se trata de formalizar propostas de novas metodologias. A nossa proposta neste mini-curso é desenvolver conteúdos de geometria, propondo construções a título de desafios. É uma forma metodológica que normalmente traz algum estímulo a quem é provocado. O desafio a que nos referimos quer explorar uma faceta do ser humano que, quando desafiado, quer provar sua competência. Vencêlo requer doses de iniciativa, imaginação, inspiração, persistência e, claro, conhecimentos. Na solução do que vamos propor, desfilarão vários conceitos de geometria. E com uma vantagem: tais conceitos necessitam produzir efeitos imediatos na atividade em desenvolvimento para prover a solução do problema proposto. Contrariamente ao que aconteceria se fossem declarados como mais uma propriedade ou mais um atributo a ser, com freqüência, decorado. Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 2 Como primeira tarefa propomos a construção de um limpador de pára-brisa. A geometria, como já dissemos, não será explorada de forma axiomática. O abandono desta forma se dá por várias razões. Uma delas é a aridez de um sistema axiomático e conseqüente dificuldade na aceitação de uma exposição de geometria que se assemelhe à realizada por Euclides: as 23 definições de “Os Elementos”, seguidas dos axiomas e postulados, depois as demonstrações. Isso, que faria o gosto de um apreciador da História, não agrada a maioria dos estudantes. Uma razão a mais, e talvez definitiva, para não usar um tal modelo: o instrumento mediador que queremos usar para esta exposição, o Cabri Géomètre II. Com a mediação do Cabri os tópicos não têm necessidade de ter ordenação rígida. Com facilidade, proposições são aceitas pelo estudante como verdadeiras porque o sentido da visão as percebe assim. Cabe ao professor explorar e suscitar questões como condições de validade, necessidade da demonstração, existência de solução e solução única, concepções de hipóteses e o teste das mesmas, e outros temas que as circunstâncias particulares como características do grupo e do tempo disponível, permitem levantar. Até mesmo servir de patamar para apoio da geometria axiomática se surgir tal demanda. A proposta que fazemos não é comum. Por isso mesmo faremos muito poucas referências bibliográficas. Desafiar intelectualmente pessoas não é nenhuma novidade. Para ilustrar o que afirmamos citamos o problema apresentado por Cassol, na revista Educação Matemática em Revista, n°1, Janeiro/Junho de 1999, Ano 1, p. 17-22. O desafio lá proposto tem a finalidade de estudar bissetrizes, mediatrizes, alturas de um triângulo. A forma de atingir o objetivo foi imaginar uma pequena ilha triangular. Os lados da ilha são três praias. O desafio consiste em encontrar o local exato da construção de uma casa nesta ilha, que tenha a seguinte propriedade: as distâncias da casa até cada uma das três praias devem ser as mesmas. Com isso nenhum dos três filhos do casal, cada um gostando de praias diferentes, teria privilégio no deslocamento até sua praia preferida. A construção do limpador de pára-brisa Algumas observações. Para vencer o desafio proposto será necessário um conhecimento das ferramentas do Cabri. Pela exigüidade do tempo talvez devêssemos explorar apenas as Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 3 ferramentas1, e formas de operar, usadas na construção do limpador de pára-brisa. Não achamos que esta seja uma boa forma de trabalhar. Se adotada, o aluno fica com sua área de atuação muito reduzida e terá prejuízos nas suas iniciativas. Faltar-lhe-á meios para ousar, experimentar e concluir se o caminho escolhido foi bom ou não. A dependência de poucas ferramentas é uma restrição à liberdade de imaginar, tentar e errar, então experimentar outra solução. Um bom caminho para aprender com o Cabri é exatamente a possibilidade de experimentar, fazer hipóteses, testar e ver que não funcionou e, então, mudar o encaminhamento. O erro também propicia a reflexão, a pergunta, a explicação, o debate, a interação com os outros. Deste comentário poderia se concluir, erroneamente, que primeiro se deve explorar todo o potencial do Cabri. Isso talvez seja um ideal teórico. Na prática não se revelou um bom procedimento. Os alunos se cansaram e se entediaram. A estratégia que melhor funcionou foi aquela na qual, após descobrir o tipo de construção ou propriedade necessária, buscava-se no Cabri a(s) ferramenta(s) que poderia(m) executá-la. Uma boa compreensão do funcionamento do limpador é essencial para sua construção virtual. Se fosse para construí-lo “de verdade” algumas etapas seriam até mais fáceis do que a construção virtual. No limpador “de verdade” por exemplo, a haste fica presa num ponto e a extremidade oposta descreverá um arco de uma circunferência; perceber isto já é uma dificuldade para alunos. Tem-se observado que os objetos escolares (do livro, caderno, quadro verde e laboratório) só servem para a sala de aula. Quando fora dela são bem mais difíceis de perceber. Quando o limpador virtual foi construído não nos pareceu necessário levar a turma de alunos a observar um limpador real. Mas hoje acreditamos que seria uma boa providência. Mesmo que todos já tenham olhado um em funcionamento, examiná-lo com a intenção de construir um com igual funcionamento, altera a atenção e as observações. Vamos construir o limpador virtual. Primeira tentativa Como é um desafio que visa aprender geometria, não se pode desperdiçar boas ocasiões para provocações. Pensando nisso, iniciamos escolhendo um ponto O, na tela 1 São chamadas de “ferramentas” os “botões” do Cabri. Com tais botões ativados são realizadas tarefas. Os ícones sobre cada um dos botões dão uma boa indicação da construção ou ação que pode ser feita com o mesmo. Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 4 do computador, mais ou menos no centro da mesma. Depois um arco, logo acima do ponto, numa posição que possa ser a trajetória da extremidade livre da haste do limpador. Traçando um segmento do ponto fixo O até o ponto P do arco teremos uma imagem próxima de um limpador de pára-brisa. (Figura 1 a) figura 1a figura 1b Figura 1: Imagem próxima de um limpador de pára-brisa Entretanto, se P se desloca sobre o arco, o comprimento da haste mudou. (figura 1 b) Ora, não se conhece ainda um limpador de pára-brisa cuja haste muda de comprimento enquanto se movimenta. Logo, a construção feita não pode representar um limpador de pára-brisa real. Mas apesar disso, os alunos acharam que tinham construído um limpador de pára-brisa. O teste usado para demovê-los desta convicção foi medir o comprimento da haste para duas posições diferentes. Ou então observar que o comprimento se altera conforme a posição. Diante da modificação do comprimento da haste, concluímos que o mecanismo construído foi uma boa tentativa que terá que ser melhorada. Só para tornar explícita a idéia referimos a circunferência, declaramos o seu conceito: é o conjunto de pontos do plano que estão a igual distância de um ponto do mesmo plano, não provoca o mesmo aprendizado daquele no qual este conceito se impõe como obrigatório para manter o mesmo comprimento de um segmento que gira preso a um ponto. Segunda tentativa Iniciemos por uma circunferência com centro no ponto O (figura 2). Isto permitirá, mais adiante, que o movimento da haste não altere seu comprimento. Tracemos uma reta horizontal passando pelo centro da circunferência e em seguida um Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 5 segmento sobre esta reta e que represente o diâmetro (figura 2). Esconda a reta. Isto garante que o segmento passa pelo centro da figura e vai até a circunferência. Trace uma reta perpendicular ao diâmetro, passando pelo centro da circunferência. Esta servirá para estabelecer a simetria axial. Desenhe um ponto A sobre a circunferência e acima do segmento horizontal (aproximadamente 1cm). Desenhe a simetria axial do ponto A em relação à reta perpendicular (ponto B). Depois, construa um arco sobre a parte superior da circunferência entre os pontos A e B. Engrosse e pinte o arco. Esconda a circunferência. Trace um segmento OP do centro da circunferência até o arco. Engrosse e pinte o segmento OP. Experimente movimentar P com o ponteiro acionado, vagarosamente, para constatar o efeito. Se P estivesse sobre a circunferência e não sobre o arco, então o segmento faria voltas na circunferência toda. Mais, se os arcos não fossem traçados sobre a circunferência, não se garantiria a manutenção do seu comprimento, e um limpador que modifique seu comprimento à medida que se movimenta não é, de forma alguma, um limpador de pára-brisa. Só se for algum feito para o “Pateta”. Figura 2: Elementos auxiliares na construção do pára-brisa. Queremos, claro, que o limpador ao se movimentar, não desça de um lado mais do que de outro (embora, no limpador real, isso se verifique). Isso é alcançado pela simetria que descrevemos acima. Convém que cada etapa construída seja testada. Para tanto, usa-se a ferramenta “ponteiro”, como temos sugerido. Um tal procedimento, além de garantir correções durante a construção, também reflete o que um profissional costuma fazer a cada etapa no desempenho de seu ofício. Por fim esconda os objetos que serviram de auxílio na construção. A figura que deverá ter na sua tela é como a figura 3. Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 6 Figura 3: O limpador virtual Agora, animemos o ponto P, e, se funcionar, aplausos ao êxito da empreitada. Se não funcionar, teremos que procurar o erro. Fizemos a construção de um limpador de uma só haste. Será difícil encontrar um carro que tenha apenas um limpador de pára-brisa. Se quisermos nos aproximar um pouco mais da realidade, teremos que construir um com duas hastes e de movimento sincronizado. Existem algumas formas de fazer esta construção. Vamos propor duas delas. Primeira Com a 1ª haste desenhada, tracemos uma reta s perpendicular ao segmento horizontal e passando por um ponto à direita do desenho anterior (não muito distante) (figura 4). A seguir usemos a simetria axial dos itens do desenho anterior em relação à reta perpendicular. O que acontece quando for acionado o movimento da haste anterior? As hastes se movimentam conforme o limpador de um carro ou não? Veja o desenho da figura 4. Figura 4: hastes simétricas Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 7 Num limpador real as hastes giram no mesmo sentido. Nesta construção as hastes realizam movimento de rotação no qual as extremidades ora se afastam e ora se aproximam. Não corresponde, portanto, ao movimento do limpador de pára-brisa de um carro real. A tarefa é reproduzir o movimento do limpador, tendo em vista a geometria disponível. Uma forma de fazer isso: construir uma reta r perpendicular à reta horizontal que passe pelo centro da circunferência (O´). Agora, fazemos uma haste simétrica da haste 2 em relação à reta r (haste 3) e escondemos a haste 2. A situação do desenho será como a figura 5 Figura 5: hastes sincronizadas Segunda Outra maneira de obter os dois limpadores é, a partir do desenho de uma haste do limpador, traçar uma reta s perpendicular ao segmento horizontal, passando por um ponto P à direta do desenho anterior. Tracemos uma reta t simétrica à reta r em relação a reta s. um ponto O’ simétrico ao ponto O em relação à reta s. Traçado da haste 2: primeiro traçamos uma haste 3, simétrica a haste 1 em relação à reta s. depois, traçamos a haste 2 simétrica a haste 3 em relação à reta t. Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 8 Figuras 6: construções auxiliares das hastes Para concluir, fazemos uma “limpeza da área”: esconder todos os desenhos que não fazem parte do limpador (figura 7). Animemos a extremidade da haste 1. Figura 7: hastes do limpador Considerações finais Ao propor desafios como acima e outros que, com alguma facilidade, podemos criar, geramos expectativas. Se resolvidos, os desafios trazem um aumento da autoestima. Se não resolvidos, geram frustrações. O nível de tolerância do erro e do número de tentativas infrutíferas é muito variável. As tentativas sem êxito podem provocar o abandono de novas tentativas para corrigir os erros. Por isso há a necessidade de ajuda Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 9 do professor e colegas. São momentos de agitação do grupo. Mas também são momentos de exercitar a habilidade, imaginação e criatividade. É a ocasião para falar das leis da geometria, da ordem da construção das partes de um todo e da necessidade de respeitar a dependência de um elemento de outro para o funcionamento do mecanismo. O “construtor” necessitará refletir sobre o que faz, na ordem que faz e como “ligar” uma construção a outra, para poder usufruir a satisfação de vencer o desafio. Na decisão do que fazer e em que ordem, é que se faz presente a necessidade, quase compulsória, de aprender geometria. Para tornar mais claro o que dizemos: usar um arco como percurso da extremidade do limpador, não é suficiente para que a haste mantenha o mesmo comprimento. Para que o comprimento da haste seja mantido será necessário que o percurso da sua extremidade faça parte da circunferência, mas não poderá ser a circunferência inteira. Por isso teremos que colocar o percurso da haste sobre um arco e este sobre uma circunferência. Ficaram bem explícitas as ocasiões para exploração de conceitos de circunferência, raio, arco, simetria e outros. Com o beneficio destes conceitos terem que produzir efeitos imediatos. Mas há, também, a possibilidade de explorar conceitos matemáticos que aparentemente, nada têm a ver com a geometria em uso. Ilustramos isso lembrando que a ocasião permite explorar o conceito de função: existe um objeto B cujo movimento depende do movimento de A. portanto, temos uma função f : A → B. Entendemos que o professor continua como um ator insubstituível no ambiente de aprendizagem. Mas entendemos que este ator deverá perceber que, ao não se atualizar, estará se eximindo de exercer seu papel de condutor do processo do ensinoaprendizagem (BORBA, PENTEADO, 2003). Por fim, e sem desmerecer o software, mas também sem supervalorizá-lo, lembramos que ele não faz demonstrações, mas estas poderão ser provocadas tanto pelo professor como pelo aluno. Ao serem provocadas pelo aluno a demonstração terá outro significado. Se conseguirmos que sejam provocadas pelo aluno, o significado deste fato vai bem além do ato de demonstrar. Ao solicitar isso, manifesta o desequilíbrio do qual Piaget fala, e, portanto, a necessidade de equilibrar-se. (PIAGET, 1983). Palavras-chave: construções lúdicas – geometria – Cabri Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 6 - Educação Matemática: Novas Tecnologias e Ensino a Distância 10 Indicações Bibliográficas BORBA, Marcelo de Carvalho de. PENTEADO, Miriam Godoy. Informática e Educação Matemática. 3ed. Belo Horizonte:Autêntica, 2003. CASSOL, Armindo. Desafios: Uma Estratégia para Ensinar e Aprender. Educação Matemática em Revista, Rio Grande do Sul, Nº 1. p.17-22, maio 1999. DWYER, David C. RINGSTAFF, Cathy. SANDHOLTZ, Judith Haumore. Ensinando com tecnologia: criando salas de aula centradas nos alunos. Porto Alegre: Artmed, 1997. PIAGET, Jean. Os Pensadores: Problemas de psicologia genética. Abril S.A. Cultural, e Industrial, 2a ed. 1983.