Expressões de exibicionismo no Facebook - grupo

Transcrição

Expressões de exibicionismo no Facebook - grupo
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
CARLOS ALBERTO DA COSTA E SOUSA JUNIOR
Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas
Ciências Sociais
São Paulo
Setembro/2014
CARLOS ALBERTO DA COSTA E SOUSA JUNIOR
Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas
Ciências Sociais
Monografia
apresentada
ao
Departamento
de
Relações Públicas, Propaganda e Turismo da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo, em cumprimento às exigências do
curso de pós-graduação lato sensu, para obtenção
do título de Especialista em Gestão Integrada da
Comunicação Digital nas Empresas.
Orientadora: Professora Mestre Elizabeth Saad
Corrêa
São Paulo – SP
Setembro/2014
Autorizo a divulgação e reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Sousa, Carlos Alberto da Costa Junior
Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas Ciências
Sociais. Carlos Alberto da Costa e Sousa Junior: orientadora Profa. Ms. Elizabeth Saad
Corrêa. - São Paulo, 2014. 58 fls.
Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo, 2014.
1. Exibicionismo. 2. Cibercultura. 3. Comportamento Humano. 4. Visibilidade
Digital. 5. Facebook.
Nome: SOUSA, Carlos Alberto da Costa Junior
Título: Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas Ciências
Sociais
Monografia
apresentada
ao
Departamento
de
Relações Públicas, Propaganda e Turismo da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo, em cumprimento às exigências do
curso de pós-graduação lato sensu, para obtenção
do título de Especialista em Gestão Integrada da
Comunicação Digital nas Empresas, sob orientação
da Profa. Ms. Elizabeth Saad Corrêa.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof.
Instituição:
Julgamento:
Assinatura:
Prof.
Instituição:
Julgamento:
Assinatura:
Prof.
Instituição:
Julgamento:
Assinatura:
Dedico este trabalho aos meus pais, por todo
apoio, fé e força que me sustentaram durante
toda minha jornada até este momento.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais e à minha irmã, a quem nunca conseguirei agradecer o suficiente por
tudo, tudo, tudo. Vocês são a razão para continuar e o motivo pelo qual eu sou o que sou. Por
toda compreensão e pelo perdão nas ausências durante esta etapa da minha vida, obrigado de
coração.
À professora Beth Saad. A escolha em fazer um trabalho transdisciplinar é culpa sua,
que gerou o interesse por esta perspectiva desde o primeiro dia de aula e eu só tenho a lhe
agradecer por isso. Ok, não só por isso, tenho de agradecer também pela sabedoria, pelo
ouvido, pela orientação, paciência, coração e por ter me aceitado como discípulo.
À Bianca Marder, por seu apoio imprescindível para todos os alunos do curso durante
esses dois anos.
À Val, sempre presente e disposta a nos auxiliar em tudo.
Aos professores, Mauro Wilton, Magda David, Bruno Scartozzoni, Ivan Paganotti,
Kleber Markus, Daniela Bertocchi e Rodolfo Araújo, por suas mentes brilhantes e a
capacidade de inspirar a continuar aprendendo.
À Clarissa e Nathalie, colegas de jornada sem as quais o caminho teria sido muito
mais difícil. Obrigado pela parceria, amizade e risadas.
À Isis, Gláucio, Camila, Vivian, Larissa, André, Marcus e Alê, meus amigos e
companheiros de trabalho que me deram todo o suporte nas vezes em que precisei sair mais
cedo para estudar.
À Thaís, Marcelo e Dudu, por terem ajudado a distrair a cabeça nas poucas pausas
para respirar.
E por último, mas não menos importante, ao meu cão Farofa, por toda sua paciência
aos finais de semana em que não o levei para passear para ficar estudando e pelo amor
incondicional mesmo nessas situações.
No futuro, todos serão famosos por quinze minutos.
Andy Warhol
RESUMO
SOUSA, Carlos Alberto da Costa Junior. Expressões de exibicionismo no Facebook: uma
análise com base nas Ciências Sociais. 2014. 58 fls. Monografia (Especialização Lato Sensu)
– Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014.
Validação social e reconhecimento por meio de capital simbólico acompanham o homem
desde tempos remotos. Com o advento das mídias sociais (notadamente o Facebook) e as
facilidades para publicação de conteúdo, as condições atuais favorecem a demonstração cada
vez mais recorrente de comportamentos de natureza exibicionista. A cultura dominante
capitalista, por sua vez, exerce papel preponderante de influência nessas expressões de
exibicionismo, pela necessidade das pessoas em demonstrar para suas redes de contatos o
capital simbólico por elas detido. Ao mesmo tempo em que a situação é reflexo de um
momento atual e único, as ferramentas de conhecimento mais atuais não parecem ser
suficientes para chegar à compreensão do fenômeno dos comportamentos exibicionistas no
Facebook na atualidade. É nesse contexto que o presente trabalho busca analisar o
exibicionismo no Facebook, contando com o apoio dos campos de conhecimento das Ciências
Sociais.
Palavras-chave: Exibicionismo. Cibercultura. Comportamento Humano. Visibilidade Digital.
Facebook.
ABSTRACT
SOUSA, Carlos Alberto da Costa Junior. Expressions of exhibitionism on Facebook: an
analysis based on the Social Sciences. 2014. 58 fls. Monografia (Especialização Lato Sensu) –
Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014.
Social validation and recognition through symbolic capital has been following the
mankind since remote times. With the advent of social media platforms (notably Facebook)
and easy content publishing, present conditions make it easier for the public to demonstrate
behaviors of an exhibitionist nature in a more frequent way. The dominant capitalist
culture, on its turn, plays a role of major influence over these exhibitionism expressions
through people’s need to show to their contact lists the symbolic capital owned by yourselves.
At the same time in which the situation reflects a unique and contemporary moment, the most
recent tools of knowledge don’t seem to be enough to reach comprehension of these
behaviors. Under this given scenario the present paper tries to analyze exhibitionism on
Facebook with the support of the Social Sciences.
Key-words: Exhibitionism. Cyberculture. Human Behavior. Digital Visibility. Facebook.
i
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Postagem A ..............................................................................................................26
Figura 2 - Postagem B ..............................................................................................................26
Figura 3 - Postagem C ..............................................................................................................27
Figura 4 - Postagem D ..............................................................................................................27
Figura 5 - Postagem E ..............................................................................................................28
Figura 6 - Postagem F...............................................................................................................29
Figura 7 - Postagem G ..............................................................................................................30
Figura 8 - Postagem H ..............................................................................................................30
Figura 9 - Postagem I ...............................................................................................................31
Figura 10 - Postagem J .............................................................................................................31
Figura 11 - Postagem K ............................................................................................................33
Figura 12 - Postagem L ............................................................................................................33
Figura 13 - Postagem M ...........................................................................................................34
Figura 14 - Postagem N ............................................................................................................34
Figura 15 - Postagem O ............................................................................................................35
Figura 16 - Postagem P.............................................................................................................37
Figura 17 - Postagem Q ............................................................................................................38
Figura 18 - Postagem R ............................................................................................................38
Figura 19 - Postagem S.............................................................................................................39
Figura 20 - Postagem T ............................................................................................................39
ii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Análise de conteúdo da categoria Globetrotters......................................................28
Quadro 2 - Análise de conteúdo da categoria Sociáveis ..........................................................32
Quadro 3 - Análise de conteúdo da categoria Vida Saudável ..................................................36
Quadro 4 - Análise de conteúdo da categoria Gourmet............................................................40
iii
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................1
1.1. Contextualização do tema ................................................................................................1
1.2. O objeto de estudo ...........................................................................................................2
1.3. Justificativa ......................................................................................................................3
1.4. O problema ......................................................................................................................4
1.5. Pressupostos.....................................................................................................................4
1.6. Objetivos ..........................................................................................................................4
1.7. Metodologia .....................................................................................................................5
II. CONCEITUANDO O EXIBICIONISMO ............................................................................6
2.1. Origem etimológica e conceituação.................................................................................6
2.2. O exibicionismo sob a perspectiva das Ciências Sociais.................................................6
III. EXPRESSÕES DE EXIBICIONISMO NO FACEBOOK ................................................20
3.1. O porquê da escolha do Facebook como veículo de análise..........................................20
3.2. Visibilidade digital.........................................................................................................21
IV. ANÁLISE DE CONTEÚDO .............................................................................................24
4.1. Categoria 1: Globetrotters..............................................................................................26
4.2. Categoria 2: Sociáveis ...................................................................................................29
4.3. Categoria 3: Vida Saudável ...........................................................................................33
4.4. Categoria 4: Gourmet.....................................................................................................37
V. CONCLUSÕES ...................................................................................................................41
1
I. INTRODUÇÃO
Durante o processo de escolha do tema a ser desenvolvido neste estudo, o autor
buscou algo que fosse próximo à sua vivência. Pensando nisso, a curiosidade em entender
melhor postagens que denotam um comportamento exibicionista de sua rede de contatos no
Facebook chamou atenção de forma determinante. Dessa maneira, iniciou-se uma produção
de caráter misto, que transita entre aspectos opinativos e ensaísticos, ao mesmo tempo em que
se recorreu a bases teóricas que pudessem melhor fundamentar o trabalho.
1.1. Contextualização do tema
O termo exibicionismo por muito tempo esteve ligado exclusivamente a um desvio de
comportamento sexual em que o prazer tem origem na exibição de órgãos sexuais em público
ou na prática pública de atos sexuais (HOUAISS e VILLAR, 2009). Com o tempo, o termo
ganhou outras conotações, como a autopromoção do indivíduo mediante aspectos que julga
serem dignos de admiração e reconhecimento, sejam atributos físicos ou condição financeira.
É este aspecto do termo exibicionismo que será trabalhado neste estudo.
A necessidade de validação social e reconhecimento são características que parecem
permear a natureza humana desde sempre. O advento da era digital trouxe consigo recursos
para que essas necessidades ganhassem um novo nível de visibilidade e alcance: poucas teclas
separam uma postagem de um possível estrelato virtual.
Um dos maiores impactos da era digital dentro da sociedade tem a ver com a chamada
“liberação do polo de emissão”, assim chamada por André Lemos (2003) quando discorre
sobre as leis da cibercultura. Em um contexto em que todos são produtores de conteúdo, o
papel de filtro ou censor daquilo que se expõe tem sido exercido pelo próprio autor da
postagem.
Tal empoderamento do indivíduo, em virtude da facilidade de publicação, abriu
espaço para que as pessoas reivindicassem os holofotes e atenção para si mesmas. Em uma
sociedade que valoriza cada vez mais padrões de beleza e de sucesso pré-concebidos, o
indivíduo muitas vezes se vê obrigado a mostrar que atende a esses estereótipos, fazendo jus,
em sua cabeça, ao reconhecimento público.
2
O exibicionismo encontrou terreno fértil na era digital por meio de inúmeras
plataformas de relacionamento, como o Facebook, o Instagram e o Foursquare, por exemplo,
cada uma com suas características próprias. Ao mesmo tempo em que novas ferramentas
surgem, é preciso voltar alguns passos e lançar mão de conhecimentos anteriores para
compreender o fenômeno do exibicionismo nas mídias sociais.
É nesse contexto que o presente trabalho busca analisar o exibicionismo nas mídias
sociais 1 (em especial no Facebook), sob as lentes das Ciências Sociais, campo de
conhecimento que fornece subsídios para uma análise atual do tema.
1.2. O objeto de estudo
O estudo tem como foco a análise de expressões de exibicionismo no Facebook sob o
ponto de vista das Ciências Sociais, sobretudo a Filosofia, a Sociologia e a Psicologia.
O uso da Filosofia como apoio para análise do tema em questão justifica-se por ser um
campo que oferece um conhecimento sistematizado sob a natureza humana. Por meio de seus
conceitos, espera-se encontrar ferramentas capazes de facilitar e ampliar o entendimento das
motivações que levam o ser humano a praticar comportamentos exibicionistas. Mesmo sendo
conceitos bastante anteriores à era digital, seus fundamentos dizem respeito à essência da
condição humana e entende-se serem passíveis de perfeita aplicação para o entendimento de
fenômenos atuais. A Filosofia, como meio para análise do tema, possibilita um instrumento
racional para entender a manifestação comportamental classificada como exibicionismo.
A Sociologia, por estudar o comportamento humano em função do meio, possibilita
examinar o exibicionismo no Facebook como um fenômeno social, levando em consideração
as relações de interdependência entre os indivíduos. Espera-se que os conceitos da Sociologia
ajudem a formular análises cruzadas que ampliem o entendimento desse fenômeno, como, por
exemplo, sua relação com a cultura capitalista dominante na sociedade. A sociedade
contemporânea passa por um momento em que cada vez mais as relações acontecem no meio
digital e talvez ainda haja carência de recursos suficientes para compreender todas as
transformações que essa mudança envolve. É justamente por essa razão que o apoio da
Sociologia se faz necessário e torna-se mais que bem-vindo neste estudo.
1
De acordo com Terra (2010), “podemos definir a mídia social como aquela utilizada pelas pessoas por meio de tecnologias
e políticas na web com fins de compartilhamento de opiniões, ideias, experiências e perspectivas”. A autora considera como
mídias sociais os textos, imagens, áudio e vídeo em blogs, quadro de mensagens, podcasts, wikis, vlogs e afins que permitam
a interação entre os usuários. Ela acrescenta que o compartilhamento de conteúdos e estabelecimento de diálogos são as bases
das mídias sociais.
3
A Psicologia é uma disciplina de bastante importância no desenvolvimento deste
trabalho por estudar o indivíduo em sua singularidade, seu comportamento e processos
mentais. Mesmo ao refletir sobre comportamentos de grupos, a Psicologia tem seu olhar
voltado para o indivíduo. Como processos mentais não podem ser observados, mas apenas
inferidos, torna-se o comportamento o alvo principal dessa observação. Para analisar
comportamentos exibicionistas, foco deste estudo, é primordial o apoio da Psicologia nas
análises.
A escolha pela plataforma Facebook como veículo de análise recaiu por fatores como
seu tamanho e impacto na cibercultura, sua característica integradora de plataformas e a
pluralidade de formatos e mídias por ela suportados. Este estudo contará à frente com um item
específico dedicado a explanar de forma mais aprofundada o porquê da escolha do Facebook
como veículo de análise.
1.3. Justificativa
O termo selfie designa um autorretrato, geralmente feito por meio de um smartphone
ou webcam e compartilhado em uma das mídias sociais existentes. Recentemente, o mundo
on-line conseguiu um marco poderoso no mundo off-line: um dos mais renomados dicionários
da língua inglesa, o Dicionário Oxford, elegeu a palavra selfie como a “palavra do ano”,
segundo informou a Oxford University Press em seu blog, em novembro de 20132.
Se o termo selfie já circula livremente na internet desde 2002, há um termo mais novo
e ainda não catalogado pelo Dicionário Oxford em seus compêndios. Trata-se do termo
braggie. A expressão é derivada do verbo to brag, que traduzido para a Língua Portuguesa
seria o equivalente a gabar. Dessa maneira, braggie pode ser interpretado como um
autorretrato que carrega a intenção de seu autor em gabar-se de algo.
Aqui, propõe-se conduzir a análise de um fenômeno social contemporâneo em uma
perspectiva transdisciplinar e sob o ponto de vista dos relacionamentos sociais. Tais
manifestações poderiam indicar que vive-se hoje em uma era de egolatria digital? Fazer esta
pergunta indica que a análise do exibicionismo no Facebook encontra validade no contexto
atual.
2
Oxford Dictionaries. Disponível em: <http://blog.oxforddictionaries.com/press-releases/oxford-dictionaries-word-of-theyear-2013/>. Acesso em: 18 set. 2014.
4
1.4. O problema
Mudanças econômicas podem favorecer o surgimento de comportamentos
exibicionistas? E o acesso a novas tecnologias, exerce influência sobre o quanto de suas vidas
privadas as pessoas exibem na atualidade? O que leva as pessoas a exercerem
comportamentos exibicionistas no Facebook? Elas estão de fato se exibindo ou apenas
registrando seus bons momentos?
1.5. Pressupostos
I.
O exibicionismo percebido no ambiente digital na atualidade é favorecido
pelas facilidades de acesso a novas tecnologias, que democratizaram a
publicação de conteúdos pessoais.
II.
O Facebook, por suas funcionalidades técnicas, é um dos ambientes que mais
favorecem o desenvolvimento de comportamentos exibicionistas on-line na
atualidade.
III.
O Facebook, por sua liderança em termos numéricos absolutos, tornou-se o
ambiente padrão no mundo digital para o registro de momentos memoráveis na
vida de seus usuários.
1.6. Objetivos
I.
Identificar se uma possível predisposição das pessoas em exibir o capital
simbólico que possuem pode favorecer comportamentos exibicionistas no
ambiente digital, em especial, no Facebook.
II.
Analisar as condições e os recursos da plataforma Facebook que favorecem o
desenvolvimento de comportamentos exibicionistas on-line.
5
1.7. Metodologia
O presente estudo conduziu-se mediante levantamento bibliográfico, que fundamenta
uma observação não participante da plataforma Facebook. O material observado será
analisado por meio da técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Pela união do
referencial teórico levantado com a análise de conteúdo espera-se chegar à formatação de
indicadores para detecção de comportamentos de natureza exibicionista em postagens feitas
no Facebook.
6
II. CONCEITUANDO O EXIBICIONISMO
2.1. Origem etimológica e conceituação
exibicionismo \z\ s.m. (1913) 1 mania de ostentação ou de exibição <muita gente se
veste bem por puro e.> 2 PSICOP forma de perversão sexual que consiste em exibir
a própria nudez, esp. as partes sexuais. ETIM exibição sob a f. rad. exibicion-+ismo, talvez por infl. do fr. exhibitionisme ‘id.’. (HOUAISS e VILLAR, 2009)
O termo exibicionismo, segundo sua própria definição no dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa, apresenta duas definições bastante distintas entre si. É necessário,
portanto, identificar a definição de interesse neste estudo.
O objeto deste estudo restringe-se ao exibicionismo enquanto mania de ostentação,
estando de certa forma bastante próximo do domínio conceitual da vaidade. O prisma a ser
explorado sobre o exibicionismo neste projeto relaciona-se a comportamentos autocentrados e
que buscam a autopromoção, sejam eles praticados consciente ou inconscientemente.
Consideram-se, para efeito de análise, expressões de exibicionismo mostradas de
forma a ostentar aspectos da vida pessoal, como acesso a lugares exclusivos, viagens,
incursões gastronômicas, boa forma física e eventos, mas o exibicionismo não se restringe
somente a essas manifestações.
2.2. O exibicionismo sob a perspectiva das Ciências Sociais
É possível traçar um panorama bastante amplo sobre o exibicionismo a partir dos
conceitos de diversos estudiosos das Ciências Sociais, desde filósofos, psicólogos,
antropólogos, sociólogos, entre outros. Mesmo quando não discorrem especificamente sobre o
tema, tais pensadores fornecem subsídios para analisar o assunto.
O exibicionismo no ambiente digital traz à tona a mudança no paradigma da liberdade
nos tempos atuais. Se há algum tempo atrás ser livre significava se desconectar do cotidiano,
das mesmas pessoas, das rotinas e das preocupações, hoje, quando o indivíduo possui um
tempo para “viver a vida”, o termo desconectar definitivamente não pode mais ser aplicado.
7
Os juristas Samuel Warren e Louis Brandeis já falavam, em 1890 3 , sobre a
privacidade, definido-a como “o direito que o indivíduo tem de ser deixado em paz”.
Contextualizando esta afirmação, é preciso lembrar que à época novas tecnologias de
comunicação de massa, como fotografias e jornais, estavam mudando padrões de
comportamento. Da mesma maneira, hoje há um cenário em que a era digital está
transformando e remodelando comportamentos e relações interpessoais na sociedade. O que
se vê no contexto atual muitas vezes indica o indivíduo abdicando de sua privacidade: ele não
deseja, na realidade, ser deixado em paz. Ele não quer perder a conexão com seu grupo, nem
naqueles momentos em que busca sair de sua rotina, em momentos de lazer.
Ao discutir sobre abdicação de privacidade, é possível recorrer ao filme 1984. A
película, dirigida por Michael Radford, é uma adaptação do livro homônimo escrito por
George Orwell. Após uma guerra atômica, o mundo é dividido em três estados, sendo
Londres a capital de um deles, dominado por um partido com controle total sobre os cidadãos.
Um personagem acaba por se apaixonar em um contexto em que emoções são consideradas
ilegais. O filme se desenvolve com o casal tentando escapar da vigilância do Grande Irmão. A
grande ironia é que, 30 anos depois, aquele futuro desenhado por Orwell é, na realidade, o
extremo oposto: em 2014, em plena era de consolidação da plataforma Facebook, o que se
encontra não é um ambiente no qual emoções são reprimidas, mas sim o contrário. Hoje,
parece quase uma heresia não se expressar na rede, contudo, o papel de Grande Irmão ainda
pode ser encontrado em prática de duas formas distintas.
A primeira situação é considerar a própria plataforma Facebook como o Grande Irmão
da atualidade. Detentora de acesso irrestrito a todas as informações pessoais que se decide
compartilhar por vontade própria, o Facebook se aproveita de nossos instintos exibicionistas
para lucrar com a venda de publicidade. A cada novo aplicativo integrado com a plataforma,
aumenta seu conhecimento sobre os hábitos de seus usuários.
Já na segunda situação, é possível considerar todos os usuários do Facebook em um
status de Pequenos Irmãos. Não se detém a totalidade de informações sobre os demais
usuários da forma como a plataforma possui, porém os usuários têm a capacidade de
monitorar e observar de forma qualitativa cada exibição ostentada na rede. Torna-se quase
imediata a associação ao conceito do panóptico do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham.
Na concepção de Bentham (1995), o panóptico era um projeto arquitetônico dedicado
a observar e assim controlar detentos em um centro penitenciário a partir de um ponto de
3
WARREN, Samuel; BRANDEIS, Louis. O direito à privacidade. Harvard Law Review, v. IV, n. 5, Dec. 15, 1890.
Disponível em: <http://groups.csail.mit.edu/mac/classes/6.805/articles/privacy/Privacy_brand_warr2.html>. Acesso em: 11
ago. 2014.
8
observação central. A autoridade fica no centro de um círculo de celas, vigiando a todos. É
possível usar esse conceito para analisar a questão do exibicionismo e da visibilidade no
Facebook. A lógica do panóptico aplicada a este contexto estaria subvertida: quando o
indivíduo se exibe no Facebook, ele se coloca no centro do círculo, porém não na posição de
observador, mas sim de observado, assim como verificado por Foucault, em Vigiar e Punir
(1987).
Retomando o que foi dito anteriormente sobre abdicar da privacidade, hoje liberdade
parece ser gozar da vida e dar visibilidade ao prazer que se tem enquanto estes momentos são
desfrutados. Isso ocorre ao compartilhar pelas mídias sociais (notadamente o Facebook) e
divulgar para onde se viaja, o que se bebe ou o que se come. Sem dúvidas, o Facebook
tornou-se uma zona de autoexposição da humanidade, a arena perfeita para publicar retratos
de nossas vidas de forma controlada e editada. O comportamento de pessoas que ao se
desconectarem de suas rotinas permanecem conectadas ao Facebook leva a acreditar que a
vida virtual está cada vez mais deixando de ser uma segunda vida para se tornar a vida de fato
ou ainda uma “extensão da vida como ela é, em todas as suas dimensões e sob todas as suas
modalidades”, como afirma o sociólogo espanhol Manuel Castells (2003, p. 100). Ao analisar
o comportamento de jovens sul-coreanos, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman destaca, por
exemplo, que tais jovens não têm escolha quanto a levar uma vida social eletronicamente
mediada, trata-se de uma necessidade do tipo “pegar ou largar” (BAUMAN, 2008).
Se o ambiente on-line for de fato essa extensão da vida como afirmou Castells, devese discutir então se os bits e bytes não estariam apenas refletindo comportamentos já
existentes na vida off-line anteriores à era digital. Pode-se tomar como exemplo o mecenato,
que contribuiu para o florescimento das artes durante a Renascença na Europa, entre fins do
século XIV e início do século XVII. O que se via era um contexto de mudanças dramáticas,
com a fim da Idade Média e a transição do feudalismo para o capitalismo, um momento de
grande ruptura nas artes, na filosofia e nas ciências. A burguesia passa a ganhar maior
importância econômica, mas ainda carecia de validação social. Entra em cena então a figura
dos mecenas, burgueses financiando a produção artística com o intuito de melhorar a própria
imagem perante a sociedade na qual estavam inseridos.
Guardadas as devidas proporções, é possível comparar com os dias de hoje. Assim
como naquela época, a sociedade passa por um momento de transição econômica que,
desenrola-se há pelo menos 16 anos, desde a crise russa, mas que teve seu estopim com a
bolha imobiliária do mercado norte-americano em 2007, até desembocar em um novo formato
de economia criativa que vem se desenhando na atualidade. A ciência e a tecnologia seguem
9
um ritmo de desenvolvimento sem precedentes. A conectividade entre as pessoas nunca foi
tão grande. Smartphones, tablets, banda larga e plataformas de interação social on-line: os
recursos tecnológicos atuais geram um impacto direto na sociedade contemporânea e
conferem aos indivíduos um poder de emissão de informação jamais visto. E o que esses
indivíduos têm feito com tal poder? Do ponto de vista do autor do presente estudo, talvez um
dos maiores impactos tenha sido a autopromoção. Com a facilidade de captar conteúdo e
transmiti-lo à suas redes de contatos digitais, muitos indivíduos têm usado plataformas como
o Facebook para exibirem suas conquistas pessoais ou profissionais para o grupo. Por um
lado, pode parecer um tanto ingênuo acreditar que essa iniciativa tenha apenas o intuito de
dividir bons momentos com bons amigos. Por outro, é de se questionar se o que esses
indivíduos estão fazendo não seria praticar a busca por uma validação social, assim como os
mecenas da Renascença.
Com efeito, pesquisadores da Universidade de Queensland, na Austrália, conduziram
um experimento no qual descobriram que quanto mais curtidas ou comentários uma pessoa
recebe no Facebook, melhor ela se sente a respeito de si mesma (TOBIN et al., 2014). No
experimento, cujas conclusões foram publicadas em março de 2014, os pesquisadores
dividiram 79 estudantes em dois grupos. Para o primeiro grupo, os pesquisadores
providenciaram para que suas postagens no Facebook ficassem invisíveis ao público,
garantindo assim que tivessem zero curtidas ou comentários. Para o segundo grupo, foi
providenciado para que tivessem inúmeras curtidas ou comentários. Os pesquisadores então
perguntaram aos participantes sobre as sensações de inclusão, pertencimento, autoestima e
interesse percebido. O segundo grupo obteve notas mais altas em todas as categorias, tendo se
sentido mais aceito socialmente que o primeiro.
Não há como garantir que os participantes desse estudo fossem pessoas com conduta
exibicionista. Porém, usando as conclusões do experimento em questão, é possível aplicá-los
aos indivíduos de comportamento exibicionista, retomando a analogia ao mecenato: o
exibicionista do Facebook nada mais seria do que um mecenas de si próprio, patrocinando e
valorizando, perante seu grupo, a sua própria produção, quer seja de textos, opiniões, viagens
ou seus atributos físicos. Ao dar visibilidade a essas situações, ele espera uma reação de seu
público para se sentir bem, assim como no experimento relatado acima. O que esse
exibicionista busca seria apenas e tão somente o reconhecimento do grupo no qual está
inserido, o que, como demonstrou-se, é um comportamento registrado desde a Renascença,
período escolhido para tecer a comparação. As pessoas sentem necessidade de fazer parte de
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sociedades e comunidades digitais e de expor – por vezes de forma excessiva – sua vida,
opiniões e participação na rede.
Com essa conduta excessiva, o privado torna-se público como forma de afirmação
pessoal, inerente ao ser humano, que encontra no ciberespaço uma forma, ou melhor, uma
nova forma, de expor suas ideias, valores e opiniões. A cada vez que se autoriza o acesso a
dados pessoais a um novo aplicativo capaz de compartilhar tudo aquilo que é realizado,
pensado, lido, ouvido, assistido ou comprado, os produtos e serviços da web aumentam a
visibilidade sobre nossas vidas e tornam “normal” níveis avançados de exibicionismo. Por
meio de perfis no Facebook, o indivíduo, talvez até inconscientemente, mostra detalhes de sua
vida particular, tentando causar uma melhor impressão em seus contatos na rede. As pessoas
passaram a ter o costume de publicar textos e fotografias que destaquem características que
elas gostariam de mostrar sobre elas próprias ou mesmo características que gostariam de
possuir. Com isso, informações de locais frequentados, atividades pessoais ou aquisições
recentes, por exemplo, passaram a ser divulgadas publicamente. Mais que vivenciar
experiências, exibi-las passou a fazer parte do cotidiano da grande maioria das pessoas que
acessam a internet, pouco importando se para isso a quebra da privacidade e a exposição de
informações e momentos íntimos se dê de maneira cada vez mais excessiva.
Talvez um conceito de Aristóteles ajude a ampliar e compreender melhor essa
situação. O filósofo grego demonstra em sua obra Política como o homem busca a
comunidade em função de ser, essencialmente, uma criatura carente e imperfeita, ao que ele
arremata com a definição de que “o homem é por natureza um animal social”
(ARISTÓTELES, 1997). Gozar de sua liberdade, de sua alegria de viver, e compartilhá-la
com a rede de amigos no Facebook poderia parecer então meramente uma vantagem que esta
plataforma proporciona para a prática da condição sociável do homem, mais antiga que o
próprio Aristóteles. Esse aspecto desperta um questionamento essencial: a sociedade muda
por causa da tecnologia ou seria a tecnologia que muda por causa da sociedade?
O nascimento da cibercultura sofreu grandes influências da contracultura americana
dos anos 1970, que se posicionava contra o poder tecnocrático. Sob esse ponto de vista, a
popularização dos computadores pessoais na década de 1980 parecia finalmente começar a
trazer para a realidade o “power to the people”. Era a luta contra a centralização e a posse da
informação dando passos concretos e viabilizados pela tecnologia. A sociedade, que criou
meios tecnológicos para isso, certamente mudou, mas, ao mesmo tempo, as novas tecnologias
aceleraram as mudanças da sociedade em um processo de mão dupla. Com as tecnologias
digitais e a miniaturização de componentes, vieram também o aumento da capacidade de
11
armazenamento de dados e da velocidade de processamento, o que gerou uma popularização
da microinformática. Não se deve deixar de mencionar o contexto da época, já que essa
movimentação coincidiu com uma fase fértil em condições técnicas, apenas para resgatar toda
a efervescência dos progressos da matemática e das ciências naquele período. Assim, a
tecnologia acelerou a democratização do acesso à informação, ultrapassando o significado de
evolução técnica e conquistando status de uma espécie de movimento social. Essa
democratização trouxe a reboque desafios, uma vez que a sociedade entende que os
computadores não devem servir apenas como máquinas de calcular, mas também ferramentas
de criação, prazer e comunicação, ou em outras instâncias, ferramentas de convívio, tornandose assim uma apropriação social para além de sua funcionalidade inicial. Certamente, quando
o Facebook foi criado, seus idealizadores não o projetaram com o intuito de fornecer uma
plataforma trampolim para comportamentos exibicionistas. Em uma escala maior ainda,
certamente não imaginavam que esse ambiente se tornaria uma extensão da própria vida,
retomando o conceito de Castells.
Contudo, a recorrente postagem de conteúdos triviais no Facebook levanta mais um
questionamento: dar visibilidade para o que até então era particular poderia confirmar uma
tendência exibicionista no comportamento do homem atual no Facebook? A análise torna-se
mais complexa quando se verifica que essa exibição não tem se dado apenas sob o pretexto de
compartilhar momentos singulares de uma viagem, por exemplo. Na cibercultura, o ser
humano é beneficiado com o que Lemos (2003) chamou de liberação do polo de emissão: não
é apenas espectador, mas também produtor de conteúdo. Esta característica acabou por
favorecer o compartilhamento livre do cotidiano e de situações banais. Assim, os novos
emissores de conteúdo, empoderados com toda a autoridade que um aparelho de telefone
celular com câmera e conexão a internet lhe proporcionam, podem usar de sua liberalidade
para compartilhar uma foto na frente do espelho de um elevador, se assim o desejarem. Este
exemplo, por si só, não mostraria a carência que o homem enquanto animal social possui.
Porém, se a mesma foto no espelho for tirada por um homem com a camiseta levantada de
modo a mostrar seus músculos abdominais, aí sim detectam-se indícios de exibicionismo.
Via de regra, os pontos positivos são exibidos em preferência aos pontos negativos. Há
então diversas convenções de felicidade partilhadas no senso comum. Algumas estão ligadas a
condições materiais, como frequentar lugares exclusivos, bons restaurantes, clubes, viagens
ou bens materiais, como roupas e gadgets. Outras convenções estão ligadas a condições
imateriais, como o amor, a inteligência e o senso de humor. A ocorrência ou abundância
dessas condições, materiais ou imateriais, costumam compor aquilo que se chama de
12
felicidade. No entanto, em uma conjuntura espaçotemporal marcada pelas tecnologias digitais,
qual o significado de felicidade no mundo virtual, já que é possível ser o produtor e o editor
de como sua vida se apresenta? Segundo Bauman (2009, p. 91), “se aceitarmos que a
modernidade passou de uma fase ‘sólida’ – na qual as identidades eram projetos para toda a
vida, para uma fase ‘líquida’, onde os sujeitos têm a sensação de poder sempre ‘começar do
zero’ e mudar tudo”. Este conceito esclarece a volatilidade das expressões exibicionistas no
Facebook. Os exibicionistas podem ter hoje símbolos de sucesso e felicidade e, por qualquer
motivo, amanhã terem que se adaptar, começar do zero, e buscar novos símbolos mais em alta
em seus círculos sociais que os anteriores.
Por meio de um silogismo, é possível criar uma relação entre o exibicionismo e as
condições materiais. Se, para a sociedade atual, felicidade é ter sucesso, ter sucesso hoje em
dia é ter dinheiro. Logo, quem possui dinheiro, é feliz. Talvez essa conexão ajude a entender o
porquê de as pessoas buscarem exibir sinais materiais de “felicidade” no Facebook: elas
estariam registrando para o mundo o quanto são bem-sucedidas e, portanto, felizes.
Fica mais fácil perceber que, de certo modo, existe alguma ligação entre alegria e
consumo, já que muitas das referências são elementos da indústria cultural, da cultura de
consumo. Como consequência, o ser humano sente a necessidade que o outro sempre legitime
essa felicidade e, no Facebook, essa legitimação pode estar em um comentário ou no botão
curtir. Para Luli Radfahrer, mestre e Ph.D. em comunicação digital pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a perda de espontaneidade faz crescer
uma bola de neve. Em entrevista à Revista TPM, o estudioso cita uma das mídias sociais com
integração ao Facebook, o Instagram, afirmando que tal recurso “foi feito para mostrar as
coisas legais que você achou. O erro é ficar carente do ‘curtir’. Se dependo do aplauso dos
outros, começo a fazer qualquer coisa para garantir isso”. Radfahrer vê ainda as pessoas
tratando a própria vida como uma mídia. “A vida não é cinza nem colorida. Mas, quando vira
entretenimento, o indivíduo se sente obrigado a fazer uma programação florida todos os dias.
É um Show de Truman voluntário” (BOPP e GONZÁLEZ, 2012).
Ao explorar ainda mais o conceito aristotélico do homem enquanto animal social, na
vida em comunidade uma parcela de indivíduos existe fora de si mesmo. Isso quer dizer que
as pessoas necessitam dos olhos dos outros e de validação social. Claro que isso não acontece
de forma homogênea, mas sim em diferentes níveis, que variam de indivíduo para indivíduo.
Clay Shirky (2011) afirma que o social se tornou o “ambiente padrão” da internet. Assim, seu
status de ferramenta, que expõe recortes da vida, tem migrado cada vez mais para um status
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progressivamente mais central na vida real. Dessa forma, padrões de comportamento que
objetivam validação social no off-line ganham suas versões digitais no mundo on-line.
Contudo, a vida exposta no Facebook surge por meio de recortes que parecem ser
altamente seletivos, mostrando apenas as partes que interessam ser mostradas: as que exibem
felicidade e validam o indivíduo como bem-sucedido (e consequentemente, feliz). Katie
Roiphe, professora da Universidade de Nova York observa que “o Facebook é o romance que
todos estamos escrevendo” (ROIPHE, 2010). Usando uma referência mais próxima do
universo brasileiro, é possível recordar o episódio em que o então Ministro da Fazenda,
Rubens Ricupero, afirmou, em áudio vazado em uma entrevista, que “o que é bom a gente
fatura, o que é ruim, a gente esconde”4.
É possível encontrar diversas razões para explicar a necessidade do indivíduo em
perseguir a construção e a divulgação de uma imagem favorável no Facebook. Espelhar-se
nos outros para avaliar a sua própria vida é um comportamento comum há séculos. A
psicanalista Maria Lucia Homem, especializada em estética e literatura, afirma que “estamos
marcados por uma divisão de milênios, na linguagem e no imaginário. Essa busca de um
plano ideal, diferente de tudo o que é feio, sujo, ‘mal’, é muito antiga”. Para embasar sua
afirmação, ela recorre a Platão e sua Teoria das Ideias, que apresenta uma divisão entre a vida
como ela é e o mundo perfeito (BOPP e GONZÁLEZ, 2012).
Sem dúvidas, o Facebook fornece condições que favorecem o estilo de vida alheio
parecer mais interessante que o nosso próprio estilo, transformando pessoas e situações em
ideais. Ele está repleto de imagens de plenitude, em que predomina o hedonismo, verdadeiros
simulacros de “vidas perfeitas”. A narração de nossas existências, as histórias registradas para
a posteridade no Facebook, poderiam levar a conclusão de que as pessoas, hoje em dia, são
muito mais felizes do que as de ontem. Afinal de contas, em seus diários digitais é possível
ver uma fartura de indícios que registram vidas regadas a shows espetaculares, pés nas areias
de praias paradisíacas (sempre sob a ótica do melhor filtro disponível, claro) e festas em
família eternizadas em vídeos. Tudo registrado e tornado público pelo Facebook. Essas
experiências compartilhadas em rede cumprem a missão de provar ao mundo o quanto se é
feliz. O exibicionista vende no Facebook, acima de tudo, sua felicidade.
Sob certo aspecto, o exibicionista do Facebook pode ser considerado vítima desse
processo. Talvez, ao ver postagens de estilos de vida interessantes para seu ponto de vista,
sinta-se estimulado a mostrar ao mundo seus atributos e conquistas. Aí então, após ser
4
Rubens Ricupero. WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Rubens_Ricupero>.
Acesso em: 22 out. 2014.
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estimulado a fazer uma postagem exibicionista, ele renuncia temporariamente ao papel de
plateia e passa a exercer o papel de estrela. Assim, o exibicionista do Facebook apresenta-se à
sua rede por meio de uma persona construída de acordo apenas com os recortes que deseja
exibir ao público. Entra aí o papel e a importância das métricas. Se no mundo off-line a
medida do sucesso ainda pode ser considerada algo subjetivo, o Facebook oferece condições
para que a exposição seja medida e comparada pelos botões curtir, compartilhar, e também
pela quantidade de comentários que uma postagem pode gerar.
Hoje, no Facebook, a busca pela face de sucesso se repete com imagens e vídeos:
desejos universais por trás de fotos capturadas em celulares mostram os melhores momentos e
ângulos. Tudo pode ser um motivo para se exibir: animais domésticos, pratos de comida,
taças de vinho etc. Ao comentar sobre o Instagram, atualmente uma das mídias sociais mais
utilizadas para o exibicionismo on-line em conjunto com o Facebook, Polyana Inácio, da PósGraduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC/Minas), diz que o exagero nas autorepresentações está relacionado à maneira como se
escolhe ser visto em sociedade – algo anterior a qualquer rede social.
Desde sempre, ao nos apresentarmos publicamente, tendemos a criar uma estratégia
sobre como queremos ser vistos. De modo geral, em função desta visibilidade,
queremos ser bem vistos, queridos e aceitos. É nesta hora que as pessoas podem se
distrair quanto ao que estão fazendo, ao invés de pensar: “o que realmente quero
comunicar sobre mim?”. (apud MORAES, 2012)
Nessa abordagem, o Facebook tornou-se uma vitrine pensada para exibir. Ser visto,
reconhecido e curtido a todo custo é uma necessidade real para muitas pessoas. Ao ver amigos
questionarem a própria vida depois de navegar pelas mídias sociais, o psicólogo Alexander
Jordan, da Universidade de Stanford, na Califórnia, pesquisou o assunto com profundidade.
Em 2010, publicou uma série de estudos sobre como universitários avaliavam as emoções dos
seus amigos (JORDAN et al., 2010).
Sua conclusão foi de que a maioria superestima a felicidade dos outros e subestima
sentimentos negativos. Ao mesmo tempo, quanto menos os estudantes enxergavam
experiências negativas na vida dos outros, mais reportavam solidão e tristeza na sua. Na
apresentação do estudo, ele cita o filósofo iluminista Montesquieu: “Se quiséssemos apenas
ser felizes, seria fácil. Mas queremos ser mais felizes que os outros, o que quase sempre é
difícil, já que pensamos que eles são mais felizes do que realmente são” (apud EDWARDS,
2008). Tal afirmação, ainda que feita séculos atrás, permanece válida e atual, e dá peso à
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suposição de que o exibicionismo no Facebook carrega em si um grande viés de
competitividade, o que torna necessário debater sobre a sociabilidade em rede nos dias de
hoje.
As análises de Manuel Castells sobre este tópico trazem pontos de discussão bastante
válidos. Em A Galáxia da Internet, o autor dedica um capítulo ao tema, intitulado
“Comunidades virtuais ou sociedade em rede?” (CASTELLS, 2003). Nesta obra, o autor
inicia o capítulo lembrando que, em determinado momento, foi sugerido que a Internet
induziria as pessoas a fugirem do mundo real e viverem suas fantasias on-line. Desse modo,
novos padrões de sociabilidade estariam emergindo em nossas sociedades. Se essa proposição
fosse tomada em análise de forma isolada, seria possível interpretar o exibicionismo
testemunhado atualmente no Facebook como um sinal de que as pessoas possam estar
negando as partes difíceis de suas vidas em detrimento da vivência de uma fantasia on-line de
felicidade perene. Felizmente, o bom senso impede tais generalizações. Assim, não seria
correto afirmar que 100% dos indivíduos presentes no Facebook são adeptos da ostentação
on-line. Porém, entre aqueles que a praticam, o que se observa é um estilo de vida mostrado
através de filtros: os recursos tecnológicos possibilitam agora edições que minimizam
imperfeições ou amplificam sensações. Assiste-se a construção de biografias on-line em que
as pessoas parecem estar quase o tempo todo alegres, bonitas e frequentando os lugares da
moda. Parecer feliz no mundo virtual para alguns grupos tem se mostrado tanto ou até mais
importante do que efetivamente sê-lo no mundo real. É preciso, portanto, um aprofundamento
maior no texto de Castells.
O autor segue o capítulo falando sobre como em sua visão a representação de papéis e
a construção de identidade na web seriam praticamente um fenômeno isolado e típico de
adolescentes, uma vez que estes estariam em um processo de experimentação e consolidação
de suas personalidades. Apesar de a obra citada ser extremamente rica em conceitos, é
importante destacar de que se trata de um material criado no ano de 2001. Se naquele contexto
as observações poderiam conferir bases para essa afirmação, ao observar postagens atuais no
Facebook nota-se que a construção de uma identidade por meio de comportamentos
exibicionistas não parece ser mais privilégio de grupos adolescentes, dada a reconfiguração da
estrutura de redes e suas práticas de comunidades. Em Vida para Consumo, Bauman (2008),
por exemplo, defende que “seria um erro grave supor que o impulso que leva à exibição
pública do ‘eu interior’” e o “pendor pela confissão pública” fossem explicados por fatores
“específicos da idade”. Para isso ele recorre a Eugene Enriquez:
16
Desde que não se esqueça que o que antes era invisível – a parcela de intimidade, a
vida interior de cada pessoa – agora deve ser exposto no palco público
(principalmente nas telas de TV, mas também na ribalta literária), vai-se
compreender que aqueles que zelam por sua invisibilidade tendem a ser rejeitados,
colocados de lado ou considerados suspeitos de um crime. A nudez física, social e
psíquica está na ordem do dia. (ENRIQUEZ, 2004, p. 49)
Ainda sobre a sociabilidade em rede, é preciso ter em mente que estar sozinho hoje
não significa mais necessariamente estar isolado. A reconfiguração da estrutura de rede
possibilita a qualquer indivíduo emitir e receber informações em tempo real e em diferentes
formatos para qualquer lugar do planeta, uma autonomia sem precedentes: nossa realidade
atual é de uma comunicação bidirecional e sem controle de conteúdo. A internet vem se
revelando um celeiro de instrumentos de comunicação, no qual o número de possibilidades
tende a ser virtualmente inesgotável e, até o presente momento, capaz de responder com
diferentes soluções a diferentes desafios. Dessa forma, quando se leva em conta as práticas de
comunidade e as novas relações eletrônicas, a cibercultura fica cada vez mais repleta de novas
maneiras de se relacionar com o outro e com o mundo. “Não se trata de substituição de
formas estabelecidas de relação social (face a face, telefone, correio, espaço público físico),
mas do surgimento de novas relações mediadas” (LEMOS, 2003). O computador pessoal
agora é um computador conectado, cheio de consequências para as novas formas de relações
sociais, do comércio e entretenimento, passando pelo trabalho e educação, até a forma como o
indivíduo se apresenta para a sociedade. Isso fatalmente leva ao seguinte raciocínio: que a
mobilidade das tecnologias viabiliza uma conexão generalizada, ou seja, o caminho para uma
autonomia ainda maior.
No contexto dessa conexão generalizada, outro tipo de reconfiguração parece ocorrer.
Por muito tempo, os meios de comunicação de massa (em especial, a televisão e o cinema)
foram responsáveis por vender ideais e ditar padrões. Ainda que essa influência permaneça
forte, o Facebook estabeleceu uma plataforma perfeita para que a rede de contatos passasse
também a exercer esse tipo de influência.
A liberação do polo emissor na comunicação, talvez como um dos maiores expoentes
da autonomia que vem sendo conquistada, revela um empoderamento da sociedade por meio
da intercomunicação individual. A rede proporciona ao indivíduo a oportunidade de expressar
suas opiniões particulares e também de se conectar com aqueles que partilham de posições
similares, ou seja, afinidades. E quando um grupo partilha de valores e referências comuns, é
17
possível que comportamentos exibicionistas aconteçam como forma de atestar pertencimento
ou destaque dentro deste grupo.
A sociabilidade baseada em lugar sempre foi uma fonte de apoio e interação social,
porém, mais do que fatores geográficos, os laços são formados com base em afinidades. De
acordo com Barry Wellman: “Comunidades são redes de laços interpessoais que
proporcionam sociabilidade, apoio, informação, um senso de integração e identidade social”
(WELLMAN, 2001, p. 1). O digital traz para esse contexto o deslocamento da comunidade
para a rede como a forma central de organizar a interação. Explorando mais a questão da
autonomia, observa-se a ascensão do individualismo como tendência dominante na evolução
das relações sociais. Discute-se então sobre “comunidades personalizadas”, traduzidas em
redes egocentradas, que tem tudo a ver com o exibicionismo.
No livro A Era do Vazio, o filósofo Gilles Lipovestky (2005) aborda o comportamento
da sociedade pós-moderna e fala do conceito de narcisismo coletivo, na qual os indivíduos se
parecem porque são semelhantes, pelos mesmos objetivos conceituais. Nesse universo, o
sucesso tem um significado psicológico: a busca da riqueza não teria qualquer outro objetivo
a não ser excitar admiração ou inveja, e as relações humanas, públicas e privadas, tornaram-se
relações de domínio e de conflitos baseadas na sedução fria e na intimidação. Pode-se fazer
um paralelo com a sociedade de consumo atual e com as mídias sociais como o Facebook, em
que é possível consumir a felicidade do outro enquanto se apresenta a própria. O botão de
curtir seria como se o outro legitimasse o que se apresenta, dando sentido a essa vida que é
apresentada e causa prazer, inveja e até desejo de obter o mesmo, em um ciclo de “produção
do desejo” muitas vezes inconsciente. O psicólogo Elias Aboujaoude, em sua obra Virtually
You (2011, p. 72), identifica a ascensão do que ele batizou “Narciso on-line autoabsorvido”.
Segundo ele, a internet acaba por oferecer aos narcisistas a oportunidade de “se apaixonar por
eles mesmos repetidas vezes”, criando assim um mundo digital de infinita “promoção
pessoal”.
Ao longo dos últimos dez anos, período na qual houve a maior popularização da
Internet no Brasil, acompanhou-se alguns fenômenos de demonstração de exibicionismo nas
mídias sociais e como as novas tecnologias afetaram o comportamento humano, com destaque
para as mídias sociais/aplicativos como Orkut, Fotolog, Flickr, Twitter, Facebook, Sonico,
Instagram, Foursquare, Vine e Last.FM. Em cada uma, a popularidade do usuário era medida
de forma específica, como número de amigos e depoimentos no perfil (Orkut), número de
likes e compartilhamentos (Facebook), número de likes nas imagens (Instagram) ou número
de retuítes (Twitter) etc.
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De acordo com Bourdieu (2001, p. 295), “não existe pior esbulho, pior privação,
talvez, do que a dos derrotados na luta simbólica pelo reconhecimento, pelo acesso a um ser
social socialmente reconhecido, ou seja, numa palavra, a humanidade”. O sociólogo defende
ainda que existe uma concorrência em torno de um poder que só é obtido por meio do outro,
de seu olhar, percepção e apreciação. Trata-se de um capital simbólico que proporciona
ganhos para quem o conquista e tem o poder de nos livrar de uma suposta insignificância,
como a ausência de importância e sentido.
Ainda que os pensamentos de Bourdieu não tenham sido construídos tendo em mente
a plataforma Facebook, esse raciocínio talvez ajude a entender em parte a luta solitária por
visibilidade que os exibicionistas travam nessa mídia social em busca de uma representação
favorável deles próprios. Isso porque o Facebook oferece em sua interface condições
favoráveis para que haja uma concorrência por atenção e, consequentemente, pelo capital
simbólico que a atenção conquistada representa.
É curioso como é possível relacionar a cultura dominante capitalista com a aparente
moda de exibicionismo no Facebook. Essa cultura carrega em sua essência o estímulo à
competitividade. A sociedade digital contemporânea parece levar instintos competitivos a
sério até mesmo quando o tema é um assunto tão subjetivo quanto a felicidade. Ao se supor
que as pessoas tenham para si que ser feliz não é o bastante, para elas seria preciso fornecer ao
mundo provas concretas de que se é feliz. A plataforma Facebook oferece condições para
manifestações como textos, fotos e vídeos de seus usuários. Assim, o caminho para
compartilhar as “provas” perante um círculo social fica facilitado, ao mesmo tempo em que
fica mais acirrado, já que as facilidades de exposição beneficiam a todos de forma indistinta.
Isso acaba por gerar um círculo vicioso, que se retroalimenta cada vez que um exibicionista é
impactado pela postagem de outro exibicionista. Um impacto dessa competição pela atenção é
a busca constante por novidades e atualizações. Assim como no mercado de consumo, é
natural que os clientes potenciais tenham o instinto de substituir objetos de consumo
defasados por similares que apresentem novidades mais interessantes. Assim, cada postagem
de caráter exibicionista já nasce com seu prazo de validade prescrito: sua expectativa de vida
útil é tão efêmera quanto a próxima postagem. Por isso, para manter-se sempre em evidência,
as atualizações constantes têm caráter obrigatório para o exibicionista do Facebook. A vida
vai assim se ressignificando: se antes eram apenas as visitas, sentadas no sofá da sala, que
olhavam e comentavam as fotos de aniversários e casamentos, agora o privado é consumido
por muitos, por gente que não necessariamente faz parte do cotidiano, mas fica sabendo, de
longe, do nosso sucesso. A imagem mostrada é que se está sempre ótimo, adaptados a um
19
momento no qual “estar bem” não é apenas um caminho a tentar se seguir, e sim um
imperativo social – e o que esse imperativo produz ao se mesclar ao Facebook diz muito sobre
o indivíduo que precisa ser constantemente renovado.
Mas a competitividade em si não é o único paralelo possível de traçar com a cultura
dominante capitalista. Talvez a parte mais contundente seja a perspectiva abordada por
Bauman (2008), para quem as pessoas estão sendo cada vez mais estimuladas a promover
uma mercadoria atraente e desejável. Nessa missão de venda, tudo que for viável para
aumentar o valor de mercado do produto à venda deve ser feito, mesmo que o produto seja as
próprias pessoas, que passam a agir ao mesmo tempo como mercadorias e vendedores.
Usando a mesma lógica para o objeto deste estudo, o mercado consumidor seria então a rede
de contatos de cada uma dessas pessoas produto-vendedor. E qual seria a motivação delas
para adotarem comportamentos exibicionistas ao se exporem no Facebook como
mercadorias? O que elas ganham com isso? Elas podem não ter ganhos imediatos mais
sólidos que a visibilidade efêmera, mas é possível que o desejo por trás desse comportamento
esteja muito mais ligado como o sonho de não ser mais uma mercadoria volátil, mas uma
mercadoria notável, notada e cobiçada, impossível de ser ignorada.
Agora, se é no espaço do perfil pessoal do Facebook o local em que se pode
representar a si mesmo, onde não é preciso de intermediários para mostrar quem se é, porque
insiste-se em fazê-lo tendo como base uma lógica irreal, na fantasia de possuir vidas
perfeitas? Para Pedro Demo (apud MORAES, 2012),
[...] a mídia gira em torno de simulacros que mobilizam as pessoas, em especial seu
inconsciente - não enchem a alma, mas podem encher os olhos. Imagens de
felicidade refletem naturalmente seu contexto cultural e civilizatório. No ocidente, a
felicidade está mais vinculada a riqueza, poder, efeito-demonstração, ostentação,
bens materiais.
Exibir esses sinais no Facebook, portanto, seria afirmar para si e para o mundo o
quanto se é, de fato, feliz. Com isso, o indivíduo é validado naqueles círculos sociais por onde
trafega por atender aos valores acordados pelo senso comum entre os participantes destes
círculos.
20
III. EXPRESSÕES DE EXIBICIONISMO NO FACEBOOK
3.1. O porquê da escolha do Facebook como veículo de análise
No panorama da cibercultura é possível encontrar uma infinidade de plataformas de
relacionamento, cada qual com sua missão e especificidade. Há o Instagram, para publicação
de fotos e vídeos. O Twitter, que é um microblog para postagens de até 140 caracteres. O
YouTube, para compartilhamento de vídeos. O Foursquare/Swarm, que fez a transição de uma
ferramenta para check-in em lugares para uma plataforma de recomendação de
estabelecimentos. O Spotify, para reprodução de músicas em streaming. E há o Facebook, a
plataforma mais complexa e bem-sucedida em relação às anteriores. O comportamento
exibicionista pode ser percebido em qualquer uma das plataformas citadas, porém a opção
pelo Facebook como plataforma de análise deve-se a uma série de fatores.
O primeiro fator é seu tamanho e impacto na cibercultura. Trata-se de uma plataforma
que, tendo sido criada em fevereiro de 2004, chegou ao seu décimo aniversário com um total
de 1,23 bilhão de usuários, de acordo com divulgação da própria empresa em fevereiro de
20145. Trata-se da maior plataforma digital de relacionamentos de todos os tempos. No Brasil,
seu impacto não é menor: somos o terceiro país com maior presença nessa rede. Com 61,2
milhões de usuários, o Brasil está atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. O Facebook
detém 97,8% do tempo de navegação do brasileiro pelas redes sociais (VASCONCELOS,
2014).
Outro fator que pesou na escolha do Facebook como veículo de análise diz respeito a
sua característica agregadora de plataformas. Com efeito, todas as plataformas citadas no
primeiro parágrafo deste capítulo podem ser integradas ao Facebook. Com isso, o usuário
pode manter seus contatos atualizados o tempo todo sobre onde vai, o que viu, o que está
ouvindo ou assistindo. Toda essa facilidade para agregar publicações, que podem ser usadas
para o exibicionismo, contribuiu fortemente para a opção pelo Facebook neste estudo.
Outra característica da plataforma que favoreceu sua escolha é quanto ao formato do
feed de notícias. Ainda que ele possa ser bastante customizado pelo usuário, sua característica
geral é informar as atualizações da rede de contatos. Assim, ao se logar, o usuário já é avisado
5
Facebook tem 1,23 bilhão de usuários mundiais; 61,2 milhões são do Brasil. UOL, 03 fev. 2014. Disponível em:
<http://tecnologia.uol.com.br/noticias/afp/2014/02/03/facebook-em-numeros.htm>. Acesso em: 13 set. 2014.
21
das atividades mais recentes de alguns de seus amigos. Tal proatividade da plataforma
contribui para aumentar a visibilidade de comportamentos exibicionistas.
Por ser uma ferramenta mais robusta que as demais mídias sociais, o Facebook tem
como característica a pluralidade de formatos e mídias que podem ser publicados. Vídeos,
áudio, imagens e textos, tudo pode ser publicado na timeline, o que facilita a divulgação de
diferentes formas de comportamentos exibicionistas.
Além das características já citadas, o Facebook também permite o tagueamento, isto é,
a marcação de outros usuários em suas publicações, favorecendo o comportamento
exibicionista em grupo.
É importante destacar que algumas dessas características não são exclusivas do
Facebook, porém o fato de reunir todas elas dentro do mesmo ambiente – e principalmente,
por ser a maior mídia social da atualidade – foi fator determinante para sua escolha como
veículo de análise deste estudo.
3.2. Visibilidade digital
John Thompson, sociólogo e professor da Universidade de Cambridge, fala sobre
conceitos da nova visibilidade mediada que podem ser utilizados como ferramenta de apoio
para entender o exibicionismo no Facebook (THOMPSON, 2008).
O autor inicia sua explanação lembrando que para entender essa nova visibilidade é
preciso observar como o avanço das mídias comunicacionais transformou a natureza da
interação social. Sua perspectiva analisa os meios de comunicação em sua relação com as
formas de interação que as tornam possíveis e das quais são parte.
Dentre os tipos elementares de interação que o autor cita, duas são de maior relevância
para este estudo. A primeira seria a face a face, na qual os integrantes estão presentes de
forma direta, um para o outro, no mesmo espaço-tempo, em um fluxo comunicativo de duas
vias. Essa interação pode ser complementada por gestos, expressões faciais, entonação de voz
e outros recursos que auxiliam a transmissão das mensagens e suas intenções. Dito isto, é
possível pensar em uma interação em que uma pessoa relata a outra uma viagem de férias.
Essa riqueza de recursos da interação face a face pode dissipar para o receptor qualquer
aspecto que pudesse fazê-lo encarar o relato como um comportamento exibicionista. No
entanto, ainda que o receptor avaliasse que o relato possuía características de comportamento
22
exibicionista, a natureza dessa interação não deixa registros perenes: o comportamento
encerra-se quando acaba o assunto.
Quando, no entanto, são usadas mídias comunicacionais, as interações diferem da face
a face em vários aspectos. A copresença, por exemplo, não é necessária, podendo a interação
dar-se sem que os emissores e receptores compartilhem o mesmo espaço-tempo. Nesse
contexto, pode-se repensar o exemplo dado no parágrafo anterior. Em uma nova condição, em
que os interlocutores interagem via Facebook, por exemplo, por um lado há a falta de recursos
como expressões faciais e entonação de voz, que poderiam dificultar a interpretação da
mensagem tal qual o emissor gostaria que ela fosse recebida. Desse modo, uma mensagem
poderia ser interpretada como exibicionista sem que o emissor tivesse esse propósito. Por
outro lado, o emissor dispõe de recursos que podem fazer sua postagem assumir de fato
características de comportamento exibicionista, como quando ele faz questão de exibir sua
geolocalização pelo aplicativo, em uma “prova” daquilo que está sendo relatado. Isso sem
falar da riqueza de recursos de mídia, como vídeos e fotos, que podem ser usados. A maior
diferença, no entanto, talvez seja o caráter de registro perene que aquele momento passa a
usufruir, tornando-se um registro para a posteridade. Ainda que possa ser absorvido pelo
dinamismo da lógica da timeline usada pelo Facebook, no perfil daquele usuário o momento
estará gravado e registrado indefinidamente, pelo tempo que o usuário decidir apropriado.
Thompson (2008) segue seu artigo traçando um panorama sobre a relação da
visibilidade com o poder político e cita como monarcas, como Luís XIV da França, usaram
meios de comunicação, tais como pinturas, imprensa, panfletos e periódicos, para construir
suas imagens. Com essa conduta, a visibilidade sobre suas ações, seus feitos e personalidades
alcançava um número maior de pessoas. Aplicando esse raciocínio para analisar a visibilidade
buscada por usuários que praticam comportamentos exibicionistas, é possível pensar que, ao
usar os diferentes recursos oferecidos pela plataforma Facebook para dar visibilidade a suas
ações e personalidade, esses usuários estariam da mesma forma buscando construir sua
imagem no grupo em que estão inseridos, mesmo que não estejam necessariamente
compartilhando a mesma esfera espacial desse grupo – aquilo que o autor chama de
“simultaneidade desespacializada” (THOMPSON, 2008, p. 23).
Fato é que com a internet as formas de visibilidade ficaram mais complexas, o que
permite que mais pessoas possam criar e disseminar conteúdo próprio. Fala-se de uma vez só,
quase que de forma direta, com um grupo de contatos pessoais pelo Facebook, de forma
íntima e pessoal. A diversidade de recursos oferecida pela plataforma favorece o surgimento
de um novo tipo de intimidade na esfera pública, uma forma de apresentação pessoal livre das
23
limitações espaçotemporais, facilitando o nascimento de uma “sociedade da autopromoção”,
como chamou Thompson (2008). Assim, as pessoas se desnudam diante da rede e revelam os
aspectos de sua vida pessoal (ainda que de forma seletiva). Dessa forma, a visibilidade
mediada foi uma dádiva para aqueles que buscavam melhorar suas imagens perante seus
grupos sociais.
O contraponto que Thompson (2008) faz a Foucault gera material para debater o
exibicionismo no Facebook. O autor retoma alguns dos conceitos discutidos na obra Vigiar e
Punir (1987) do filósofo francês, para quem as sociedades do mundo antigo eram regimes de
poder nos quais poucos eram visíveis para muitos. A partir do século XVI, no entanto, a
disciplina e a vigilância passaram a ser exercidas por instituições como exército, escola,
prisões e hospitais. Mediante mecanismos sutis, começou-se a ser instituída uma “sociedade
disciplinar”, na qual a nova ordem do dia era o poder normatizante do olhar. Ao citar o
panóptico de Bentham, Foucault o interpreta como um modelo de organização de poder nas
sociedades modernas, um sistema em que a visibilidade é uma forma de controle. Nesse
ponto, Thompson lança uma provocação quanto a dificuldade do ser humano de entender a
relação entre poder e visibilidade sem levar em conta o papel das mídias comunicacionais. Em
sua opinião, caso Foucault levasse esse fator em conta, a mídia poderia ter visto que existe aí
uma relação entre poder e visibilidade distinta daquela implícita no modelo do panóptico.
Enquanto o panóptico permite que muitos estejam visíveis para poucos, a mídia possibilita
que poucos – as pessoas públicas ou as pessoas comuns que por algum motivo viraram notícia
– estejam visíveis para muitos. Lançando mão disso para o estudo do exibicionismo no
Facebook, não há, necessária ou oficialmente, disputa por poder dentro dessa plataforma.
Porém, ao incorrer com exacerbada frequência em postagens de autopromoção, os autores de
postagens exibicionistas parecem reivindicar para si os holofotes que, em mídias tradicionais,
estariam destinados a celebridades ou a qualquer sorte de pessoa pública que a sociedade
considerasse relevante. O que é disputado aí não é exatamente o poder em si, mas a atenção,
por meio de curtidas ou comentários, de sua rede de contatos.
24
IV. ANÁLISE DE CONTEÚDO
A fim de avaliar como os conceitos apresentados podem ou não se aplicar a casos
reais, foi feita uma observação não participante do conteúdo publicado pela rede de contatos
do autor deste estudo no Facebook. O período em análise foi escolhido aleatoriamente, entre
os dias 22 e 23 de agosto de 2014. O universo total que compõe a rede do autor é de 675
contatos, porém, é importante ressaltar que, em virtude da própria lógica de programação da
plataforma Facebook, desde 2012, quando houve uma mudança significativa em seu
algoritmo, o conteúdo apresentado na timeline é definido apenas e tão somente pela própria
plataforma, sem haver a possibilidade de alteração de configuração. Dessa maneira, o
conteúdo avaliado no período trata de publicações que o algoritmo entendeu serem de
interesse do dono do perfil, não representando a totalidade de publicações do universo de 675
contatos.
Vale lembrar que o Facebook utiliza um complexo algoritmo para selecionar
automaticamente as postagens que são exibidas na timeline de seus usuários. Partindo do
pressuposto de que o volume de conteúdo é extremamente alto, a plataforma se vale de um
algoritmo que determina o que é mais relevante para o usuário visualizar com base em suas
próprias interações dentro dela. Seu funcionamento ainda é objeto de debate, uma vez que,
seguindo esse critério, torna-se parcial e pode deixar de fora da timeline do usuário postagens
que talvez ele gostaria de visualizar.
A fim de facilitar a análise, o conteúdo coletado foi dividido em categorias criadas por
similaridade de assuntos postados. Essa análise buscou estabelecer alguns parâmetros comuns
a serem observados em cada postagem. O primeiro parâmetro a observar foram os recursos
oferecidos pela plataforma Facebook explorados na postagem (uso de textos, publicação de
imagens, publicação de vídeos). O segundo parâmetro foi a presença ou ausência do uso do
recurso de localização geográfica. O terceiro parâmetro foi a identificação se a postagem foi
feita por um aplicativo externo integrado ao Facebook ou se foi feita diretamente, pela
plataforma desse ambiente. Outro parâmetro observado foi o tagueamento de outras pessoas
além do próprio autor da publicação. Buscou-se também quais as palavras-chave que
despertaram atenção naquela postagem. Por fim, o uso de hashtags que levassem à indexação
25
da postagem na busca da plataforma Facebook e a validação conquistada por meio de
comentários ou curtidas também foram avaliadas.
É importante destacar ainda que os resultados da análise efetuada não podem e nem
devem ser generalizados, estando vinculados aos padrões de comportamento da rede de
contatos particular do autor deste estudo, isto é, indivíduos de um determinado contexto
sociocultural com alguns elementos comuns entre si.
26
4.1. Categoria 1: Globetrotters
Figura 1 – Postagem A
Fonte: www.facebook.com
Figura 2 – Postagem B
Fonte: www.facebook.com
27
Figura 3 – Postagem C
Fonte: www.facebook.com
Figura 4 – Postagem D
Fonte: www.facebook.com
28
Figura 5 – Postagem E
Fonte: www.facebook.com
Quadro 1 - Análise de conteúdo da categoria Globetrotters
POST
TEXTO
IMAGEM
INTEGRAÇÃO EXTERNA
Postagem A
> ícone de coração
> tagueamento de usuário
> geolocalização
> validação em
comentário
Autor da postagem e
acompanhante em uma
praia, ambos sorrindo
Ausente. Postagem feita pela
própria plataforma Facebook
Postagem B
> "Domingo de sol"
> "se sentindo
maravilhoso"
> geolocalização
Autor da postagem
sorrindo em autorretrato
(selfie) com praia ao
fundo
Ausente. Postagem feita pela
própria plataforma Facebook
Postagem C
> "Sobre o pôr do sol de
ontem"
> "se sentindo
sensacional"
> tagueamento de usuário
> geolocalização
Foto panorâmica de pôr
do sol em uma praia
Ausente. Postagem feita pela
própria plataforma Facebook
Postagem D
> "A capital de Mykonos
de chama 'Chora', um
lugar feio assim é de
chorar mesmo"
> uso de ironia
> geolocalização
Foto do autor da
paisagem em frente a
moinhos de vento
Ausente. Postagem feita pela
própria plataforma Facebook
29
Postagem E
> "#partiu Guarapari"
> "viajando para
Mykonos, de Piraeus Port,
Athenas, Grécia"
> uso de ironia
> geolocalização
Exibição de recurso de
mapa do Facebook
Ausente. Postagem feita pela
própria plataforma Facebook
Ao proceder com a análise de conteúdo da categoria Globetrotter foi possível
identificar que um comportamento exibicionista dessa natureza pode ser caracterizado pelo
uso constante do recurso de geolocalização. Este recurso atesta para todos os usuários a
veracidade daquela informação e funciona para o autor como um endosso de sua própria
viagem, amplificando assim o capital simbólico que aquela viagem pode significar para si
próprio ou para sua rede de contatos. As selfies que permitem ver a paisagem em que o
usuário está também são características dos posts exibicionistas dessa categoria.
4.2. Categoria 2: Sociáveis
Figura 6 – Postagem F
Fonte: www.facebook.com
30
Figura 7 – Postagem G
Fonte: www.facebook.com
Figura 8 – Postagem H
Fonte: www.facebook.com
31
Figura 9 – Postagem I
Fonte: www.facebook.com
Figura 10 – Postagem J
Fonte: www.facebook.com
32
Quadro 2 – Análise de conteúdo da categoria Sociáveis
POST
INTEGRAÇÃO
EXTERNA
TEXTO
IMAGEM
Postagem F
> "Casório!"
> tagueamento de usuário
> geolocalização
Selfie do autor da
postagem junto ao
acompanhante que está
tagueado com cenário ao
fundo
Ausente. Postagem
feita pela própria
plataforma Facebook
Postagem G
> "Cantores profissionais!!! OH
KELLY"
> tagueamento de usuários
> geolocalização
Selfie do autor da
postagem junto aos
acompanhantes que estão
tagueados
Postagem feita pelo
Instagram e integrado
ao Facebook
Postagem H
> "Ontem lá em casa a [USUÁRIO]
convidou a realeza dos blogs brasileiros.
Só nessa selfie do oscar aí tem mais de
um milhão de seguidores do instagram
somados. As meninas mais doces e
divertidas do mundo! Poder vem disso,
viu Brazil (sic)?"
> Tagueamento de usuários
Selfie do autor da
postagem junto aos
acompanhantes que estão
tagueados
Ausente. Postagem
feita pela própria
plataforma Facebook
Postagem I
> "I'm at @TheWeekBrazil in São Paulo,
SP"
> gelolocalização
Foto mostrando a boate,
onde foi feito o check-in,
lotada de pessoas
dançando
Postagem feita pelo
Swarm e replicada ao
Facebook e Twitter de
forma integrada
Postagem J
> "I really can't ask for more... I am so in
love with this beautiful life we are
blessed with... The best time in life with
friends from all over the world meeting
up and just LIVING!!! I love you!!
Today was beyond amazing!! #blessed
#NAMMOSBEACH"
> geolocalização
> tagueamento de usuários
Exibição de recurso de
mapa do Facebook
Ausente. Postagem
feita pela própria
plataforma Facebook
A análise de conteúdo da categoria Sociáveis mostrou que os comportamentos
exibicionistas dessa natureza podem ser caracterizados pelo uso constante do recurso de
tagueamento de usuários. Este recurso amplifica a visibilidade daquele post uma vez que,
agindo desta forma, o autor faz que a postagem torne-se visível também para a rede de
contatos da pessoa que está foi tagueada. O capital simbólico aqui retratado é o potencial de
sociabilidade do usuário autor do post.
33
4.3. Categoria 3: Vida Saudável
Figura 11 – Postagem K
Fonte: www.facebook.com
Figura 12 – Postagem L
Fonte: www.facebook.com
34
Figura 13 – Postagem M
Fonte: www.facebook.com
Figura 14 – Postagem N
Fonte: www.facebook.com
35
Figura 15 – Postagem O
Fonte: www.facebook.com
36
Quadro 3 - Análise de conteúdo da categoria Vida Saudável
POST
INTEGRAÇÃO
EXTERNA
TEXTO
IMAGEM
Postagem K
> "Bora que preguiça é
pecado!"
> geolocalização (check-in em
academia)
Duas selfies do autor, sendo
uma dele sentado em um
aparelho de ginástica e outra
ainda na academia, porém sem
camiseta, flexionando os
músculos e fazendo sinal de
positivo.
Ausente. Postagem feita
pela própria plataforma
Facebook
Postagem L
> "Depois de 7km abençoado
pelo Sol, mais um sábado de
monografia! #eca #usp
#digicorp #acabalogo"
> publicação de métrica de
desempenho
Três imagens, sendo a primeira
da autora em frente à praia,
bebendo água de coco, a
segunda de seu relógio Nike
mostrando estatísticas e a
terceira da paisagem da praia
Postagem feita pelo
Instagram e integrado ao
Facebook
Postagem M
> [ AUTOR ] correu 3,11 km
com Nike - com [ USUÁRIO 1]
e [ USUÁRIO 2 ] em Pista de
Corrida & Caminhada do
Parque Infantil
> publicação de diversas
métricas de desempenho
> geolocalização (local onde foi
feita a corrida)
> tagueamento de usuários
Foto do autor correndo ao lado
de um de seus acompanhantes,
mapa do percurso feito e
estatísticas da atividade
Postagem feita pelo
aplicativo Nike Fuel
integrado ao Facebook
Postagem N
> "[ AUTOR ] compartilhou a
foto de adidas Running">
Inscrição feita!> "A Boost
Endless Run está cada dia mais
perto. Você já começou a
treinar para o desafio 10k + 5k
+ 1k? Prepare-se!
www.desafioboost.com.br">
compartilhamento de conteúdo
de fanpage
Foto ilustrativa do post
compartilhado, mostrando uma
pessoa correndo ao ar livre
Postagem feita pelo
recurso de
compartilhamento de
conteúdo de outras partes
do Facebook
37
Postagem O
> "[ AUTOR ] com [
USUÁRIO] em Parque Infantil"
> "Projeto 'Runners' a todo
vapor em Araraquara!"
> geolocalização
> tagueamento de usuários
Foto do autor correndo ao lado
de seu acompanhante
Ausente. Postagem feita
pela própria plataforma
Facebook
A categoria Vida Saudável mostrou em sua análise de conteúdo uma tendência em que
comportamentos exibicionistas dessa natureza parecem ser caracterizados pelo uso constante
da postagem de métricas ou estatísticas de desempenho. Este recurso não apenas registra o
progresso do usuário em seus treinos, mas também dá margem a comparações com o
desempenho de outros usuários-atletas e, em última instância, quando se trata de números
favoráveis, promove o usuário segundo seus resultados e empenho.
4.4. Categoria 4: Gourmet
Figura 16 – Postagem P
Fonte: www.facebook.com
38
Figura 17 – Postagem Q
Fonte: www.facebook.com
Figura 18 – Postagem R
Fonte: www.facebook.com
39
Figura 19 – Postagem S
Fonte: www.facebook.com
Figura 20 – Postagem T
Fonte: www.facebook.com
40
Quadro 4 – Análise de conteúdo da categoria Gourmet
POST
INTEGRAÇÃO
EXTERNA
TEXTO
IMAGEM
Postagem P
> "Rio Gastronomia - com
[USUÁRIO ] em Jockey Club
Brasileiro"
> tagueamento de usuário
> geolocalização
Selfie do autor da
postagem junto ao
acompanhante que está
tagueado
Ausente. Postagem feita
pela própria plataforma
Facebook
Postagem Q
> "[ AUTOR ] está almoçando com
[USUÁRIO ] em La Boca
Restaurante"
> tagueamento de usuário
> geolocalização mostrando o
restaurante
Sem imagem, postagem
feita pelo recurso de status
do Facebook
Ausente. Postagem feita
pela própria plataforma
Facebook
Postagem R
> [ AUTOR ] - em Frangó
> "Pudim de tapioca e côco com calda
de Paulaner Dunkel Weiss
#CircuitoGastronomicoPaulaner"
> geolocalização mostrando o
restaurante
> hashtag de evento gastronômico
Imagem do prato descrito
do texto
Postagem feita pelo
Instagram e integrado ao
Facebook
Postagem S
> "kafta com homus tahine e leban
bikiar"
Imagem do prato descrito
do texto
Postagem feita pelo
Instagram e integrado ao
Facebook
Postagem T
> "Meu primeiro ceviche!"
Imagem do prato descrito
do texto
Postagem feita pelo
Instagram e integrado ao
Facebook
Na análise de conteúdo da categoria Gourmet foi possível identificar que um
comportamento exibicionista dessa natureza pode ser caracterizado pela postagem de fotos
que ilustram os pratos identificados nos textos e mexem com o appetite apeal dos receptores.
Parece haver uma tendência em valorizar pratos de procedência internacional, talvez na
intenção de demostrar um refinamento ou sofisticação do paladar do usuário. Tais recursos
amplificam dessa maneira o capital simbólico que aquela experiência gastronômica pode
significar para o próprio usuário ou para sua rede de contatos.
41
V. CONCLUSÕES
O contexto analisado neste estudo, somado à base teórica levantada, permitiu concluir
que o Facebook oferece condições extremamente favoráveis ao desenvolvimento de
comportamentos exibicionistas. O arsenal de recursos midiáticos e a convergência de outras
plataformas externas que dialogam com o Facebook, sem dúvida, são fatores de peso que
contribuem para essa situação. Porém, além disso, há que se levar em conta também o fato de
que sua formatação facilita comparações entre as realidades (ou supostas realidades) vividas
por seus usuários, o que, em última instância, pode estimular uma competitividade por
atenção.
As postagens interpretadas como comportamentos exibicionistas parecem ter em
comum a busca pela valorização de elementos que constituem um capital simbólico para o
autor e/ou sua rede de contatos no Facebook. Em busca de uma representação favorável
própria, esses usuários buscam a visibilidade que possuir tais capitais pode gerar perante o
grupo. Esse comportamento pode, em última instância, desencadear uma onda de
competitividade, em que cada usuário buscará sua maneira de exibir o capital simbólico que
possui.
Fatores como a busca por reconhecimento e a obtenção de validação social surgem
como possíveis motivadores de comportamentos exibicionistas. Parece também haver alguma
relação entre ascensão econômica pessoal e aumento da visibilidade das conquistas que a
elevação de padrão de vida proporciona, desencadeando comportamentos exibicionistas no
Facebook. Somado a isso, há um barateamento crescente de tecnologias como smartphones e
acesso a banda larga, que contribuem para que o compartilhamento de informações pessoais
(incluindo-se aí comportamentos exibicionistas) aumente, o que interfere em o quanto de suas
vidas privadas as pessoas permitem ir a conhecimento público.
É difícil, no entanto, evoluir dessas conclusões para generalizações. Em tempos
remotos, nossos ancestrais deixaram as marcas de sua passagem pela terra em pinturas
rupestres, nas quais poderia ser registrado, por exemplo, o número de presas que aquele
homem conseguiu caçar. Seria isso suficiente para falar que esse ancestral estaria se exibindo?
Esta é uma pergunta virtualmente impossível de ser respondida. O que é possível inferir com
um pouco mais de propriedade é que, talvez ao fazer essas pinturas, nossos ancestrais
estariam registrando para a posteridade momentos de suas vidas. É de se pensar, portanto, se o
42
que está vendo e por vezes chamando de comportamentos exibicionistas não seria nada mais
do que apenas o registro de biografias, agora feito com o suporte tecnológico disponível.
43
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44
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