O cômico na literatura brasileira - LED · Linguagem, Enunciação e

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O cômico na literatura brasileira - LED · Linguagem, Enunciação e
GESTRA - Gestão de Trabalhos para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias. Volume 2, 2012.
ISSN 2176-8994
O cômico na literatura brasileira - Jacqueline Ramos
O cômico na literatura brasileira
Jacqueline Ramos1
Resumo
Como aponta a historiografia, o cômico, que chegou a ser vinculado ao divino na antiguidade clássica, sofrerá todo um longo processo de desqualificação a partir da Idade
Média. Na virada do século XIX para o XX, o cômico será compreendido e valorizado
por sua capacidade de ampliar as possibilidades do pensamento, por dar acesso ao
indizível, por circunscrever tudo aquilo que não pode ser considerado pelo pensamento
sério. Ainda, na esteira de Freud, podemos pensar o cômico como meio de acesso aos
conteúdos reprimidos socialmente. Nessa visada, o cômico daria a ver aspectos da cultura que seriam escamoteados pelo pensamento sério. Daí nossa proposta de estudo
das manifestações cômicas em nossas letras, gênero que não recebeu muita atenção
da crítica e, ressalte-se, o texto cômico se abre para a reflexão da cultura: dá a ver seus
anseios (liberdade requerida) e suas interdições (o proibido, a coerção). Assim, nossa
proposta para este artigo é a de apresentar essa frente de pesquisa, o modo como vem
sendo desenvolvida e seus resultados parciais.
Introdução
A comicidade e suas manifestações ao longo da história da literatura brasileira
têm sido o foco de minhas atividades de pesquisa, que foram implementadas em 2008
com apoio financeiro do Paird/UFS, ano em que nos dedicamos a um inventário preliminar das obras cômicas da literatura brasileira e à constituição de um acervo mínimo
para a pesquisa. Estabelecidos os corpora, passamos em 2009 para a segunda etapa
da pesquisa que consiste na seleção e análise de obras cômicas representativas de
cada período. Essa etapa analítica, para a qual já pudemos contar com a atuação dos
discentes vinculados à pesquisa através do Programa de Iniciação Científica (PIBIC/
UFS/CNPq), é bastante extensa já que pretende cobrir os vários séculos de nossa
história literária. Assim sendo, organizamos as análises por períodos históricos, com
destaque, inicialmente, para os séculos XIX e XX, objetivando descrever os modos e
formas da comicidade. Concomitantemente a isso, organizamos um grupo de estudos
para leitura e debate de teorias e textos críticos sobre o cômico, em especial os estudos de Bergson (1987), Freud (1977) e Jolles (1976) por serem os mais extensos e por
fornecerem instrumental teórico para as análises.
1
Nosso levantamento preliminar mostra que a comicidade tem presença marcan-
Professora Doutora do Departamento de Letras de Itabaiana (DLI) - Universidade Federal de Sergipe (UFS-Ita)
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te na literatura brasileira, o que contrasta com a baixa incidência de estudos críticos
que se ocupem desse aspecto, eco, talvez, da histórica discriminação sofrida pelas
manifestações cômicas. A historiografia aponta a Idade Média como o período em que
se inicia um intenso movimento de repressão ao cômico, movimento esse que só será
rompido no século XX, quando o cômico ganha outro estatuto, seus procedimentos
passam a interessar porque ampliariam as possibilidades de representação (MINOIS,
2003; ALBERTI, 2002). Apesar do processo de marginalização a que o cômico foi submetido, nenhum período deixou de produzir suas obras cômicas e, no século XX, será
presença constante nas artes, pensemos, por exemplo, na vanguarda europeia e em
nossa primeira geração modernista.
Em seu O riso e o risível na história do pensamento, Alberti discute a importância
da relação entre o riso e o pensamento na filosofia moderna, apresentando reflexões
que vinculam o cômico a um “não lugar” do pensamento, e que o tomam como “situação extrema da atividade filosófica: permite pensar (experiência refletida) o que não
pode ser pensado” (2002, p. 15). Essa concepção “positiva” do cômico, necessário por
alargar os limites do pensamento, preponderante no pensamento do século XX, está
presente na filosofia de Bataille, Nietszche, Freud, Ritter, Foucault, Lévi-Strauss (ALBERTI, 2002, p. 11-24). No entanto, a compreensão do cômico como “excedente de conhecimento”, já que revela o engano do entendimento, de nosso sentimento de verdade,
já aparecia em Schopenhauer e também em Kiekegaard, para quem o cômico seria via
de transcendência, compreendendo ironia e humor não como meio de destruir valores,
mas de experimentá-los (MINOIS, 2003).
Essa posição de destaque que assume o cômico no século XX pode ser percebida também por seu uso retórico na sociedade de consumo, cada vez mais hedonista.
Tomado como um dos principais índices de prazer, o riso está presente nas propagandas publicitárias de todo tipo, no sorriso de balconistas e atendentes, na imagem de políticos e celebridades etc. Por outro lado, no campo das artes, o cômico será explorado
em sua capacidade de revelação, dessacralização, desvelamento, enquanto ampliação
da linguagem para representar o indizível É o caso do movimento dadaísta, do surrealista, dos poemas piadas de Oswald, de nosso herói sem caráter, Macunaíma. Essa
concepção do cômico está igualmente presente nas teorias modernas: em Freud (1977)
é visto como modo de acessar o que está reprimido, recalcado; em Foucault indicaria
o limite do pensamento e abriria o espaço do impensável, “onde a linguagem não pode
manter juntas as palavras e as coisas” (1999: xiii); funcionalmente, é visto por Jolles
(1976) como capaz de desatar coisas, desfazer nós, seja da linguagem, da lógica, da
ética ou das próprias formas; para Ritter (1989), o cômico colocaria em jogo aquilo que
a seriedade não abarca e que, no entanto, faz parte da existência, e, justamente por dar
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acesso às exclusões efetuadas pela razão, chega a afirmar que o filósofo deve “colocar
o boné do bufão” para se instalar “no único refúgio de onde ele ainda pode apreender
a essência do mundo” (apud ALBERTI, 2002, p. 12).
Nos períodos anteriores, apesar de todo o processo de desqualificação a que foi
submetido em especial na Idade Média, quando é associado ao demoníaco, ao pecaminoso e ao não sério, o cômico resiste e se fará presente cumprindo, principalmente,
o papel de crítica aos costumes. Essa função do cômico, amplamente explorada por
Bergson (1987), pode ser percebida, em nossas letras, na sátira de Gregório de Matos
ou nas peças cômicas de Martins Pena, por exemplo.
Resultados parciais
Cabe esclarecer que o mapeamento preliminar se restringiu aos autores elencados em nossas historiografias (COUTINHO, 1959; CANDIDO, 1964; BOSI, 1985) e
às obras consideradas cômicas. No decorrer da seleção, entretanto, percebemos que
há inúmeras obras não cômicas que utilizam procedimentos próprios da comicidade
(personagens, situações chistosas, caricaturas, anedotas, trocadilhos etc.). Veja-se,
por exemplo, o risível na inocência do herói de Triste fim de Policarpo Quaresma ou
o recurso à caricatura em Recordações do escrivão Isaias Caminha, de Lima Barreto.
Esse tipo de incorporação da comicidade aparece radicalizado no último livro de Guimarães Rosa, Tutaméia, em que o autor utiliza declaradamente os modos e formas da
comicidade sem o objetivo de causar o riso.
Essa constatação amplia significativamente os corpora da pesquisa, requerendo
uma constante revisão e detalhamento de nosso inventário preliminar, o que se tem procurado fazer durante a seleção de obras para análise. Essa etapa analítica, que consiste na descrição dos procedimentos e funções do cômico nas obras selecionadas, tem
contado com a atuação dos bolsistas de iniciação científica no desenvolvimento dos
planos de trabalho. A abordagem analítica é de cunho textual e tem levado em conta:
1) 1 O modo como a comicidade aparece incorporada. Nem sempre as obras
são comédias propriamente ditas, mas possuem elementos cômicos como
personagens, narradores, trocadilhos, chistes, situações cômicas, tom irônico etc.;
2) As formas e procedimentos cômicos e sua respectiva função na economia
da obra. Identificar o lugar da comicidade (nas formas, como o gesto ou a
fisionomia, nas situações, nas palavras, na lógica etc.) e os procedimentos
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(trocadilho, chiste, ironia, ambiguidade, inversão etc.);
3) A função social do cômico em vista da representação proposta pela obra
literária. Veja-se, a título de exemplo, o espaço de debate ético e moral
proporcionado pela comédia de costumes de nosso romantismo no momento de nossa independência de Portugal.
A análise de cada obra procura levar em consideração ainda aspectos de ordem
contextual, ou seja, o confronto da análise da comicidade e de sua função textual com
o ideário estético e com os fatores sócio-históricos do período. Afora o que cada análise individual das obras revela acerca da presença da comicidade, o acompanhamento
desses trabalhos vem fornecendo dados que já nos permite vislumbrar um panorama
do movimento das formas cômicas em nossas letras. Vejamos.
De um modo geral, a literatura de nosso período colonial parece refratária ao
cômico. A começar pela literatura informativa, de caráter documental (cartas, diários,
relatórios, relatos de viagem, tratados descritivos etc.), e jesuítica, de caráter doutrinário e pedagógico. Com objetivo específico de relatar a Portugal as informações acerca
do Novo Mundo, esses textos não são stricto sensu literários, afastando-se do ficcional.
O mesmo ocorre com a literatura jesuítica produzida com uma função pragmática: educar e propagar a fé católica. O caráter oficial dessa literatura pressupõe a seriedade,
aspecto ao qual, na concepção daquele período, se contraporia o cômico. Há que se
notar, entretanto, certos gracejos aqui e ali ou ainda a instigante constatação de que
determinadas cenas ou relatos sérios poderem hoje ser considerados risíveis.
Nessa mesma direção se mantém a produção do período barroco, marcada no
Brasil pela produção jesuítica que orientava a educação na colônia. O caráter sério
dos textos, produzidos segundo uma ideologia que reduz o cômico ao âmbito do demoníaco, se mantém: o discurso laudatório de Bento Teixeira em sua “Prosopopéia”; os
sermões edificantes do Pe. Antonio Vieira ou do Pe. Bernardes; a poesia de Botelho
de Oliveira. Pródiga na literatura dita “séria”, austera, a produção barroca, em grande
parte financiada pelo clero, possui um caráter doutrinário marcado. Exceção à Gregório
de Matos afamado por sua produção satírica e fescenina, produziu igualmente poemas
religiosos e filosóficos. Dentre as formas cômicas, não surpreende ser o gênero satírico o que emerge nessa ambientação barroca tão avessa ao riso: a sátira em Gregório
de Matos cumpre a função descrita por Bergson (1987) de reprimir as excentricidades,
é moralizante na medida em que ridiculariza atitudes ou ações reprovadas pela moral
vigente, daí seu caráter conservador. A sátira do período revela muito de nossa herança
colonial barroca: individualismo, religiosidade, displicência moral, culto das aparências,
sacralização dos títulos, educação bacharelesca das elites. Aspectos que, aliados às
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estruturas sociais, “presidiram à formação de nossas elites e têm reaparecido sempre
que o processo de modernização se interrompe ou cede à força da inércia” (BOSI,
1985: 58).
Um fato digno de nota para nossa pesquisa, considerando essa atmosfera avessa ao cômico, é o que nos revela o estudo de Enrique Rodrigues-Moura (2009), ao
demonstrar que a primeira obra de escritor brasileiro publicada não teria sido a “Propopopéia” (1601) de Bento Teixeira, que era português de nascimento, mas dois textos
cômicos, “Hay amigo para amigo” e “Amor, engaños y celos” (1663), de Botelho de Oliveira. O texto cômico, nesse crivo, inauguraria a literatura nacional.
A esses casos podemos acrescentar as Cartas chilenas de Tomás Antonio Gonzaga, que satirizam a política de então, utilizando o cômico como subterfúgio para dizer
o que é censurado. São essas, entretanto, manifestações isoladas. A baixa incidência
de obras cômicas é percebida em todo o período em que fomos colônia de Portugal.
Essa situação conhecerá uma reviravolta com a independência econômica e política do Brasil. Sem mais a tutela de Portugal, o Brasil passa a criar suas editoras, jornais, revistas, teatro etc. Esse relaxamento do controle é também propício ao cômico,
como deixa entrever nosso levantamento de corpora. Das tímidas manifestações cômicas do período colonial, o período romântico possui larga produção (poesias, romances
e teatro de costumes). A primeira explicação que nos ocorre diante dessa profusão de
obras cômicas seria, na esteira de Freud (1977), a do desrecalque social considerando
a ausência do censor Portugal. No entanto, nessa numerosa produção as comédias
de costumes se destacam, gênero que se caracteriza por seu aspecto moralizador.
Percebe-se, assim, a ambivalência do cômico na própria história literária: representa a
liberdade para compor textos antes condenados, mas tal produção opta por uma forma
de comicidade caracteristicamente moralizadora (BERGSON, 1987): menos que prática
de liberdade parece indicar o processo de transferência e de incorporação do repressor
pela própria cultura.
O autor de destaque na produção dessas comédias de costume é Martins Pena,
que conta já com importantes estudos críticos; vale citar que esse gênero cômico também foi explorado por José de Alencar e Machado de Assis em sua fase romântica.
Aliás, a ironia machadiana tão própria de sua fase realista, parece radicar-se nessa sua
experiência romântica com a sátira. Também na poesia e no romance a comicidade se
faz presente, como em Bernardo Guimarães ou Joaquim Manuel de Macedo.
O gênero de grande penetração, entretanto, foi o teatro de costumes que perdurará,
guardadas as diferenças estéticas, e será também gênero amplamente explorado duGrupo de pesquisa em Linguagem, Enunciação e Discurso para o ensino da língua portuguesa (LED) - http://led-ufs.net
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rante o realismo, que conheceu uma produção expressiva. No realismo, afinado ao
pensamento liberal e republicano, não teríamos o cômico mais mordaz, cruel, a serviço
da desqualificação da aristocracia? É o que podemos perceber também na vasta produção de Artur Azevedo, que dará continuidade ao gênero explorado por Martins Pena,
à comédia de costumes. Segundo Roberto Faria, o teatro realista funciona como uma
“espécie de tribuna destinada ao debate de questões sociais” (2006: XI).
A visada realista, que pressupõe análise de âmbito sócio-histórico, e a despeito
do caráter sério de todo o regionalismo do período, incorpora a comicidade não apenas
no teatro de costumes. Na produção folhetinesca de Aluísio de Azevedo percebe-se,
no dizer de Bosi, um “hábil tracejador de caricaturas” que “precedeu o autor do Mulato
e ensinou-lhe a arte da linha grossa que deforma o corpo e o gesto e perfaz a técnica
do tipo, inerente à concepção naturalista da personagem” (1994, p. 210). Já o elemento
satírico em Memórias póstumas de Brás Cubas, como aponta Schwartz, está a serviço
do desvelamento da conduta da classe dominante brasileira: “Os episódios ligam-se
uns aos outros através de um denominador comum, muito sublinhado, que o leitor logo
percebe e que faz rir: em lugar da continuidade ou dos desdobramentos de uma ação,
a repetição regular e em formas várias de uma mesma e imutável insuficiência, própria
da condição humana” (1990, p. 65 – grifo nosso). Já o uso da paródia é visto pelo crítico
como elemento desidealizador, revela “um tipo social atrás do lugar-comum romântico”
(1990, p. 75).
Contemporânea de nossa prosa realista, a poesia simbolista também forneceu
terreno ao cômico pela voz de seu maior representante, Cruz e Souza, que escreveu
seus Poemas humorísticos e irônicos. No período que antecede o modernismo, ressaltamos a obra de Lima Barreto que recorre à comicidade em sua obra. É o caso de
Triste fim de Policarpo Quaresma e seu quixotesco herói ou das descrições caricaturais de Recordações do escrivão Isaias Caminha. Esse modo de lidar com o cômico ao
conjuga-lo ao trágico parece inaugurar a dissolução dos gêneros que se verificará na
produção modernista.
Nosso modernismo da primeira geração é outro marco histórico no que tange
à utilização do cômico, já que é incorporado não como gênero literário, mas enquanto
processos de representação: os “poemas-piada” de Oswald de Andrade ou, ainda, sua
leitura em chave de paródia de nossa literatura colonial; as construções neológicas de
Mário de Andrade da Paulicéia desvairada (“Burguês-náusea”, “burguês-níquel”); igualmente, sua saída cômica para a representação do caráter nacional em Macunaíma; a
ridicularização dos parnasianos no antológico poema “Os sapos” de Bandeira, para
ficarmos nos textos já consagrados.
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De um modo geral, nesse modernismo, o cômico parece se emancipar: deixa de
cumprir aquela função social descrita por Bergson de corrigir os desvios comportamentais, para assumir aquela função já preconizada por Schopenhauer, ao considerar o
cômico um “excedente de pensamento”, de alargar os horizontes do pensamento sério;
abrir espaço para as possibilidades excluídas pela razão, atuando a favor do desrecalque.
Considerações finais
Procuramos justificar a eleição do cômico no estudo da literatura brasileira, considerando comicidade como forma de linguagem e pensamento, e dada essa importância, achamos relevante o estudo de suas manifestações em nossa literatura. Gostaríamos de salientar, ainda, que a configuração de nosso estudo tem a vantagem de
fornecer uma grande frente para os trabalhos de iniciação científica e consequente
formação em pesquisa dos discentes.
A propósito, já foram finalizados nove trabalhos de iniciação científica, com apresentação em eventos e publicação de artigos, e quatro trabalhos de conclusão de curso.
Organizamos também duas oficinas de leitura de textos cômicos, desenvolvidas como
atividade de extensão e que tem servido para refletirmos acerca do valor pedagógico
dos textos cômicos. Além disso, nosso acervo que já conta com pouco mais de 100
obras (teorias e obras literárias) está em fase de ampliação graças ao aporte financeiro
do CNPq.
A revisão teórica que fornece suporte e, principalmente, as análises de obras já
nos permitem perceber certo movimento das formas cômicas. Da baixa incidência no
período colonial, passamos para uma presença marcante de obras cômicas, principalmente o teatro de costumes no período romântico; gênero de grande penetração e que
será também amplamente explorado no realismo. A produção tragicômica do período
pré-modernista indica um outro modo de comicidade, que será amplamente explorado
por nossa primeira geração modernista.
Sob o ponto de vista da crítica literária e da cultura, o estudo das formas cômicas
em nossas letras deve contribuir para a compreensão do fenômeno da comicidade e
de seu papel em nossa formação cultural, cuja importância já foi salientada por Saliba
(2002) em seu Raízes do riso. Vale acrescentar que a maior parte dos autores de nosso
cânone se aventuraram também pelo viés cômico e que a comicidade está presente
nos grandes marcos de nossa história literária: na primeira obra de autor brasileiro
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publicada, em Memórias póstumas de Bras Cubas, que inaugura nosso realismo, em
Macunaíma, obra emblemática de nosso modernismo, em Grande sertão: veredas.
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