HIP HOP DE FORTALEZA: MOVIMENTO SOCIAL DE

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HIP HOP DE FORTALEZA: MOVIMENTO SOCIAL DE
HIP HOP DE FORTALEZA: MOVIMENTO SOCIAL DE MAIORIA NEGRA
Silvia Maria Vieira dos Santos1
Algumas pesquisas apontam a importância do Hip Hop como movimento cultural juvenil,
outros autores afirmam ser um instrumento político da juventude excluída. O presente
trabalho tem como objetivo saber como o Hip Hop é visto pelos movimentos sociais e,
principalmente, qual a sua relação com o movimento negro. Esta pesquisa se localiza em
Fortaleza, onde existe uma das maiores expressões do movimento, o MH2O (movimento hip
hop organizado), e uma infinidade de outros grupos que dão o seu recado no programa Se
Liga - O som do hip hop, exibido aos domingos pela rádio Universitária FM. De acordo com
a pesquisa descobri que o hip hop de Fortaleza é a expressão de uma parte significativa da
juventude negra e empobrecida que utiliza seu território simbólico e concreto para denunciar
as condições injustas vividas pela população da periferia que em sua maioria é negra se
consolidando também como expressão cultural e de identidade negra. Este movimento se
inscreve na análise dos movimentos sociais heterogêneos e carregados de conflitos, por esse
motivo polissêmico, ora movimento cultural, ora político, ou até mesmo ligado ou não ao
movimento negro. Contudo posso confirmar que este é um dos vários movimentos sociais de
maioria afrodescendente.
Palavras-chave: Hip Hop, movimento social, juventude, identidade, movimento negro
1
Professora de História da rede pública estadual, especialista em juventude e mestre e doutoranda em educação
na UFC – email: [email protected]
HIP HOP IN FORTALEZA: A SOCIAL MOVEMENT COMPOSED MOSTLY OF AFRO DESCENDANTS
Silvia Maria Vieira dos Santos[1]
Some research has pointed out the importance of Hip Hop as a youth cultural movement, while others
affirm that it is a political instrument of the socially excluded youth. This research aims to find out
how Hip Hop is seen by social movements, and especially what its relationship with the Black
Movement is. The research is conducted in Fortaleza, where one of the main expressions of the
movement is located, the MH2O (Organized Hip Hop Movement), as well as a great deal of other
groups which send their messages through the radio program Se Liga – O som do hip hop, which can
be translated as Connect Yourself – the sound of Hip Hop. The program is aired every Sunday at
Rádio Universitária FM. In the research, I found out that hip hop in Fortaleza is an expression of a
significant part of the impoverished black youth that uses their symbolic and concrete territory to
denounce the unfair conditions that the population of the periphery of the city live in, where most of
this population is composed of afrodescendants. In that context, Hip Hop is also consolidated as a
cultural expression and an expression of the black identity. This movement is included in the analysis
of the heterogeneous social movements because it is full of conflict, and therefore polysemous –
sometimes it is understood as a cultural movement, sometimes as a political movement and
sometimes it is seen as part of the Black Movement and sometimes it is not. However, it is possible to
confirm that is one of the various social movements composed mostly of afro descendant people.
Key words: Hip Hop, social movement, youth, identity, Black Movement
[1] Teacher of History in the state public school system, with a specialization and a master’s degree in
youth, and currently a doctoral student in the Education Department of the Federal University of
Ceará – UFC. Email: [email protected]
HIP HOP DE FORTALEZA: MOVIMENTO SOCIAL DE MAIORIA NEGRA
Silvia Maria Vieira dos Santos2
Não há neutralidade, toda arte é engajada
a uma ou a outra proposta,
por ação ou omissão, nada está acima
da luta de classes, não neste sistema,
não nos parâmetros da cultura humana
neste milênio e neste planeta
(Rap do Poeta Urbano3)
Esta música retrata o pensamento do MH2O – Movimento Hip Hop Organizado. É
através desta música que me inspirei na escrita deste artigo. O Hip Hop é um movimento
juvenil de maioria negra que utiliza a arte, a dimensão simbólica como forma de comunicação
e de expressão do comportamento dos/das jovens em face da sociedade.
Souza (2006) afirma que parte da juventude vem ressignificando espaços de tradição e
de cultura afro-brasileira em suas diversas formas de preservação e manifestação. Um
exemplo desse espaço é o HIP-HOP. De acordo com Gomes (2002, p. 73), este movimento:
Significa ter “jogo de cintura”, saber agir e reagir diante de uma sociedade
excludente e discriminatória. Essa maneira de ver o mundo e responder às pressões
e às opressões pode ser considerada como uma herança ancestral.
Algumas pesquisas apontam a importância do Hip Hop como movimento cultural
juvenil, outros autores afirmam ser um instrumento político da juventude excluída. O meu
objetivo foi saber como o Hip Hop era visto pelos movimentos sociais e, principalmente, qual
a sua relação com o movimento negro. Nesse sentido me localizei em Fortaleza, onde existe
uma das maiores expressões do movimento, o MH2O (que este ano completa vinte anos), e
uma infinidade de outros grupos que dão o seu recado no programa Se Liga - O som do hip
hop, exibido aos domingos pela rádio Universitária FM.4
O presente trabalho abordará um breve histórico sobre o Hip Hop, em seguida tratarei
sobre o movimento Hip Hop em Fortaleza, suas estéticas e sua relação com o movimento
social e movimento negro.
2
Doutoranda em Educação na UFC, e-mail: [email protected]
Letra retirada do livro MH2O : O movimento hip hop em Fortaleza, p.58 (ver bibliografia).
4
Esta pesquisa foi realizada em 2008
3
O QUE É O HIP HOP ?
A palavra Hip Hop surge a partir das gírias dos jovens do subúrbio norte americano
em meados da dec de 80. Hip abreviação de hipster (pessoa que está na moda) e hop (viagem,
apressar-se).
Gomes (2002) afirma que o nome literalmente significa sacudir os quadris, porém
deve entendido com um sentido muito mais amplo do que um movimento corporal.
Segundo Zigone (2006), Hip Hop surge como movimento cultural relacionado às
transformações sociais, políticas e econômicas que atingiram a juventude no Bronx, bairro
nova-iorquino, a partir da década de 70.
É interessante ressaltar que esse movimento teve seus precursores bem antes, na
década de 60, com o Soul e o Sound Systems, um estilo musical com BMP “menos
acelerado”, levado por um Disc Jóquei (DJ) jamaicano Kod Herc.
Para Silva (2000) A união dos elementos de dança (break), música (rap) e o grafite
acontece por volta de 1976, após um festival realizado por Grandmaster Flash, principal
precursor do movimento hip hop, em um, local conhecido como The Audubon, quando
grupos de B. Boys, de Rap e os Dj’s, que estava surgindo dos guetos nova-iorquinos, se
reúnem para dar origem a esse movimento que vai ganhar o mundo.
De acordo com Ribeiro (2006, p. 03):
O hip hop enquanto conceito surge em 1968, embora se aceite que enquanto
movimento social e cultural se efetiva apenas em meados dos anos 1970, quando
Afrika Bambaataa, nome de um antigo líder Zulu adotado por Kevin Donovan, no
bairro do Bronx (Nova York), cunha esta expressão hip hop, algo como “ balançar o
corpo” numa tradução mais literal, para designar uma nova forma de exercício
reivindicatório e libertário, baseado na construção e na busca incessante por
conhecimento, para melhoria da população jovem afro-americana, aliado
concomitantemente, a procura em desenvolver uma nova foram de se fazer música.
Essas três pessoas, Bambaataa, Herc e Gradmaster são considerados os pais do Hip
Hop, esse movimento cultural e social que vai ultrapassar os espaços cotidianos dos EUA e
ganhar o mundo.
Posso dizer com isso que o estilo hip hop tem sua origem nas africanidades (elementos
inscritos na tradição africana – música rítmica e oralidade – reelaborados na diáspora) e no
combate ao racismo e à violência praticada no cotidiano, como manifestação jovem, originada
nas ruas da periferia das cidades. “A partir desse ponto de vista ele passa a ser entendido
como produto da sociabilidade juvenil da apropriação do espaço urbano do agir coletivo,
capaz de mobilizar jovens excluídos em torno de uma identidade comum”. (SILVA, 2005, p.
04)
Os/as jovens que participam deste movimento, falam das questões específicas de seu
cotidiano refletem suas insatisfações quanto à ordem social vigente. Ressignificam os
territórios (o residencial, a rua e os locais de festa) como espaços de resistência e de
construção de identidades individuais e coletivas.
No Brasil, o Hip Hop foi influenciado pelo estilo norte-americano ao se identificar
com a matriz afrodescendente de ser. A negritude é uma marca forte, pois é construída uma
estética particular que marca a diferença e exalta o ser negro inspirando os visuais da galera
que se reconhecem através da vestimenta, corporeidade, linguagem, etc.
Nesta reelaboração localizada buscaram internamente os símbolos de referência,
como a figura de Zumbi dos Palmares e personalidades negras de destaque, como as
envolvidas no movimento black power. Musicalmente, integraram-se sonoridades
nacionais à construção das músicas, como o maracatu e o samba (ZIGONE, 2006, p.
07)
Os elementos do hip hop são também alvo de polêmicas, pois não existe um consenso
de quantos elementos o movimento é composto. Alguns falam de três, quatro ou até cinco,
porém, em geral, o rap (rhythm and poetry – ritmo e poesia), a dança (break) e o grafite são os
mais utilizados como base do movimento.
Existem grupos que acrescentam ao rap, mais dois elementos, o DJ e o MC5 outros
reivindicam outro elemento que é a consciência. Sobre essa polêmica Zigone (2006, p. 05)
afirma que: “em 2003, no Festival de Arte Negra de Belo Horizonte (FAN), houve um fórum
de Hip Hop, com a presença de Afrika Bambaataa, no qual uma das mesas de debate se
intitulava ‘Hip Hop e o 5º elemento: consciência e ideologia’. O quinto elemento, neste caso,
seria o ‘conhecimento’.”
O RAP, nascido na Jamaica e levado para os Estados Unidos pelo DJ jamaicano Kool
Herc, progagou-se como música de protesto nos bairros pobres, de maioria negra e latina de
Nova York.
O Rap tem como objetivo a denúncia das desigualdades e discriminação,
transformando-o num veículo de construção de identidades, através de mecanismos
culturais de intervenção, por meio de práticas discursivas, musicais e estéticas.
Dessa maneira, a ampliação da consciência social e étnica passa a servir como
mobilizador de novos comportamentos, nos quais o objetivo é provocar uma reação
5
Mestre de cerimônia. Aquele que comanda as festas ou participa nas músicas, ao lado do rapper, o cantor
(Zigone, 2006, p. 05)
crítica nos jovens, questionando elementos tais como a exclusão socioeconômica e a
violência que estão presentes no imaginário social. (SILVA 2005, p. 01)
Através do Rap os/as jovens negros/as denunciam as formas de violência, o
desrespeito e a discriminação que sofrem e promovem o fortalecimento da identidade racial
das novas gerações que buscam nas raízes culturais negras a resistência, a coragem e a luta
para a transformação das condições de vida.
O break tem origem nos Estados Unidos, é uma dança com características de
expressão corporal com movimentos fortes, angulosos e coreografias acrobáticas, algumas
delas faziam alusão aos mutilados e aos helicópteros da guerra do Vietnã (como no passo
moinhos de vento) como uma forma de protestar contra a guerra e o governo norte americano.
De acordo com Brandão e Silva (2004, p. 191):
No caso do MH2O-CE, além do break, é adotado também a smurf-dance, a dança
dos duendes. Ganhou essa designação porque os primeiros dançarinos a praticavam
com gorros na cabeça. Suas coreografias são voltadas também para problemas
sociais e, assim como o break, concentra muito a atenção do público e,
diferentemente deste, é mais acessível às praticantes do sexo feminino.
O Grafite, manifestação gráfico plástica, surge em Nova York em meados de 1970.
Estilo livre de desenhos multicoloridos que expressam o cotidiano dos jovens e temas sociais.
Expressão artística que altera a plasticidade da cidade. Atualmente dá um colorido a mais em
várias instituições e prédios públicos da cidade de Fortaleza, como escolas, igrejas, terminais
de ônibus, etc.
Para Rogério Babau, coordenador nacional do MH2O, tradicionalmente e
mundialmente o hip hop tem quatro elementos: Grafite, Rap, Break e DJ. E outros dizem que
a atuação política é o quinto elemento.
O MH2O utiliza apenas três desses elementos:
A dança – dança de rua, break, smurfdance, pop look, vários derivados
A música - O Rap juntamente com o DJ
A pintura – Grafite, pintura que hoje se mistura com a xilogravura.
Movimento jovem tipicamente da periferia, o hip hop é considerado um estilo cultural
originado nas ruas, da juventude urbana e empobrecida que ganhou o espaço público através
da música, dança, poesia e pintura e que hoje tem se manifestado nas grandes e pequenas
cidades do país.
De acordo com Zigone (2006, p. 17):
A expressão ‘cultura de rua’ tem sido utilizada para definir o Movimento Hip Hop
ou a ‘Cultura Hip Hop’ tanto pelo fato de sua origem estar inscrita na prática de seus
Elementos em espaços públicos, como pelo fato de as letras das músicas
descreverem a rua como ponto de encontro da juventude pobre, tanto nos EUA, nos
guetos, como no Brasil, nas favelas.
A posse é o lugar onde os grupos se encontram e se relacionam, é a área ou o bairro
local onde o cotidiano da juventude é materializado. Lugar de referência desses/as jovens
onde vivenciam a identidade compartilhada pelo grupo. Esses espaços são responsáveis por
garantir a organização dos/das jovens do movimento, realizando vários tipos de trabalhos que
vão desde oficinas e palestras até a organização de festas realizadas nas periferias das cidades.
Com uma prática local o movimento tem na posse a expressão de “novas formas de
sociabilidade e de comunicação através das redes alternativas, das rádios piratas e das
gravadoras independentes” (SILVA, 2000, p. 49)
As identidades locais são forjadas a partir de modas (o estilo de vestir, de se
comportar) e linguagens próprias das ruas, dos guetos. A experiência localizada é muito
importante na composição das músicas e nas performances musicais para vídeo.
O HIP HOP EM FORTALEZA
O surgimento do HIP HOP em Fortaleza se confunde a criação do MH2O) movimento
hip hop organizado). Que nasce em meados de 1990 (final da década de 80), a partir da união
do grupo do movimento estudantil - o grêmio chamado anarquia proletária que atuava no
“V86” - e grupos culturais como a crew Strayking gangue the break do Conjunto Ceará. A
Idéia era utilizar articulação dos grupos culturais para se trabalhar a conscientização da galera
a fim de mudar a sociedade e construir um mundo alternativo.
Como afirma o coordenador nacional do movimento:
- Os meninos do grêmio não conseguia fazer aquela mobilização e os meninos da dança não
conseguia ter um viés político para conseguir espaços pra dançar e eram marginalizados. E
aí a galera se sentaram e conversaram e o grupo unificou, surgiu o Movimento Hip Hop
Organizado. (Transcrição direta da fala de Rogério Babau)
Na base do MH2O estão as posses que reúnem os/as rappers, dançarinos, grafiteiros e
militantes. Tem a função de organizar os/as membros, divulgar as ações e pensamentos do
6
Escola Estadual de Ensino Médio, Profº José Maria Campos de Oliveira, localizada na 3ª etapa do Conjunto
Ceará, bairro de Fortaleza
movimento, discutir problemas das comunidades e pensar formas alternativas de ação dentro
desses bairros.
Para o MH2O a posse é mais que um território residencial é uma instância consultiva e
executora do movimento Hip Hop. É um coletivo de pessoas que estão vinculados a uma arte
e também a um trabalho social.
- O MH2O criou um critério pra ser uma posse do MH2O, precisa ter no mínimo quatro
membros, ter uma área definida de atuação, que teja fazendo alguma atividade do hip hop e
também teja vinculado a um trabalho social dentro da comunidade. (Rogério Babau)
Em nível estadual o movimento se organiza em: coordenação estadual que é formada
pela “vanguarda” do movimento; conselho de posse (segunda instância), composta pelos
membros de cada posse, cada um com direito a voto (voto por posse), atualmente existem
trinta no movimento; e o congresso estadual que é anual ou dependendo da situação pode ser
extraordinário, nele o voto é universal, independente do tempo de militância do filiado. É no
congresso que pode ser mudado o estatuto do movimento ou deliberado a expulsão de algum
membro.
Atualmente o movimento está trabalhando numa campanha de combate ao consumo
do crack. Realizando atividades como o campeonato de travinha, onde durante o dia os
meninos jogam, escutam rap e o movimento falando ao microfone. A campanha Craques x
Crack um chute na lata tem dois focos: o primeiro direcionado a informar a comunidade sobre
a droga, e o segundo é pressionar o poder público para que se discuta a questão como caso de
saúde pública e não de polícia.
Outro grupo entrevistado foi o HGO (Hip Hop Gospel Organizado), um grupo que tem
quatro anos de existência e que se diferencia dos demais por ter uma filosofia de vida baseada
na fé cristã. Localizado na Serrinha, periferia de Fortaleza o HGO é composto por grupos de
rap como o Fundamento Eterno e a crew Amém que trabalha com grafite – através dos muros
evangelizando o mundo (fala de Dera – coordenador do grupo).
De acordo com outro
coordenador do HGO:
- A gente fazemos eventos que tem um grupo de rap que canta e dentro da harmonia do
cântico a gente falamos de amor, de Jesus Cristo, falamos pros caras sair das drogas e
através da nossa própria experiência, da nossa própria vida mostramos que o hip hop pode
ser uma fonte de saída, de libertação das drogas. (Fala de Mano Carlão)
Falei também com Davi Favela membro da CUFA (Central Única das Favelas) e da
Federação Cearense de Grafiteiros, e também apresentador do programa “Se Liga: o som do
hip hop”. É através das cores e do balançar da lata de spray que se desenvolve a consciência
das comunidades pobres, afirma Davi.
A CUFA realiza trabalhos de basquete, coordena o programa Se liga e está produzindo
uma coletânea sobre o crack, chamado Selva de Pedra Fortaleza Noiada7, contendo um DVD
documentário, um cd com grupos de rap do Ceará e um livro.
O “Se Liga” é um programa exibido todos os domingos das 18h as 20h pela rádio
Universitária e que completou dez anos em 2008. Foi o primeiro programa de hip hop no
Ceará e tem o objetivo de dar voz as músicas da periferia, Sobre o programa, Rosana,
voluntária da CUFA e apresentadora do programa diz: Ele tá aberto pro movimento hip hop,
não tem sigla nenhuma, é livre.
E sobre o rap cearense tocado no programa acrescenta:
- Todas as músicas que você escuta, você vai ver que é realmente o relato da periferia, o
relato da comunidade que eles estão inseridos.. Eles falam da própria vida. O grupo se
transforma no porta-voz da juventude. E a voz da juventude tem sons pesados, pois
demonstra a revolta deles. (Fala de Rosana Tavares)
A apresentadora cita uma porção de grupos de rap que tem suas músicas tocadas no Se
Liga. São eles: Fundamento Eterno, VD –Violência direcionada (Serrinha), VM da Rima
(Verdes Mares), Comunidade da Rima ( grupo do Zezé8), RDF – Relatos de Favela, D Rocha
(Goiabeiras), 288, Primos Loucos (Maracanaú), Pretos Mc’s (Lagamar), Chapa Louco Outra
Face (Guaramiranga), Lampião Clã (Juazeiro), Franzé do Rap (Sobral).
Para Linda, também membro da CUFA, o Se Liga não é somente do hip hop cearense,
mas também é um espaço das mulheres, contrariando a realidade do movimento hip hop que
está permeado por contradições presentes nas relações sexistas e misóginas existentes nos
grupos.
O papel das mulheres neste movimento ainda é secundário, constatei nas
apresentações realizadas no Planeta Hip Hop, evento que acontece todos os sábados no Centro
de Arte e Cultura Dragão do Mar. As meninas usam uma indumentária que lembra as roupas
7
8
Este documentário foi lançado em novembro deste ano (2009)
Principal coordenador da CUFA
pesadas e largas dos homens e seus gestos também são masculinizados revelando quão
machista é este espaço e que a luta desses/as jovens ainda não passa pela democratização das
relações de gênero.
HIP HOP E O MOVIMENTO SOCIAL
Para Zigone (2006), o Hip Hop não pode ser considerado movimento social como o
Movimento Negro ou o MST, apesar de ter um caráter forte de cunho político. A autora
defende que este tem um caráter essencialmente cultural.
E acrescenta:
Em geral o Hip Hop não possui um caráter reivindicatório no sentido de se organizar
para cobrar formalmente das instituições, embora haja casos em que associe a
instâncias políticas formais, como ONG’s e o próprio MNU, a fim de reivindicar,
junto ao poder público, equipamentos sociais para a juventude e suas comunidades,
ou mesmo patrocínio para oficinas de dança e gravação de CD’s. Por outro lado, sua
história demonstra que sempre esteve articulado em alguma medida a movimentos
sociais – nos EUA, ao movimento pelos direitos civis, no Brasil, aos movimentos
negros. (id, p. 06)
A autora se contradiz ao afirmar que mesmo aqueles que defendem o hip hop como
movimento cultural admitem que o mesmo tenha um papel político de intervenção e
construção coletiva.
O pensamento de Zigone me lembra as teorias de movimentos sociais datadas da
década de 70 que estavam influenciadas pelas abordagens marxistas. Segundo estas
concepções o sujeito privilegiado para a transformação da história era a classe trabalhadora. É
por esse motivo que nessa época “menos atenção foi dada para as pesquisas sobre as
organizações da sociedade civil ou sobre o significado de suas ações, conflitos ou
resistências.” (SCHERER-WARREN, 1993, p. 15)
A idéia de verdadeiro movimento social, como aquele que tinha uma relação
antagônica e de oposição ao Estado, ignora movimentos como o Hip Hop, pois este está mais
preocupado em discutir a identidade e utilizar a cultura como ação política do que transformar
o Estado em inimigo.
É por esse motivo que o Hip Hop é um movimento tão interessante, pois não pode ser
rotulado e encaixado numa vertente de análise ou interpretação, pois ao mesmo tempo que é
cultural também é político.
De acordo com Melucci (2001, p. 22) o “espaço social dos movimentos se constitui
como uma área distinta do sistema e não coincide mais com as formas tradicionais de
organização da solidariedade nem com os canais estáveis de representação política.”
Este autor caracteriza o movimento social como uma forma de ação coletiva, baseada
na solidariedade, que se desenvolve em meio ao conflito e que rompe com os limites do
sistema. É também um movimento heterogêneo, que altera a lógica dominante no terreno
simbólico, que questiona a definição dos códigos e a leitura da realidade e anuncia a
sociedade que algo mais é possível9.
Para Ribeiro (2006) O Hip Hop é um movimento contestador e mobilizador amplo,
com alcance mundial, porém sua prática é local, como os denominados novos movimentos
sociais.
Os breakers e rappers são os novos atores sociais, agentes enunciadores de uma nova
cultura juvenil urbana. Eles vivenciam uma experiência coletiva, ação estratégica e
contínua. Segundo eles, o objetivo é “a integração dos jovens na sociedade”, frente
às constantes transformações que estão ocorrendo no espaço público das cidades.
(SILVA, 2000, p. 55)
Segundo o coordenador nacional do MH2O existem pessoas que intitulam o
movimento como sociocultural, outros chamam de apenas cultural, porém muitos grupos
culturais filiados são mais politizados e articulados do que certos movimentos e partidos
políticos.
De acordo com Bruni (apud Ribeiro, 2006, p. 27) “a prática dos novos movimentos
sociais vai-se dar num novo tempo e num novo espaço, o tempo, o espaço da vida cotidiana,
vistos não mais como o lugar da rotina e do hábito, mas como a dimensão real e concreta da
dominação e da opressão”
O hip hop surge exatamente na mesma época (final de 70 e início de 80) da eclosão
dos ditos novos movimentos sociais, que passam a incorporar as questões de gênero e raça no
processo de uma sociedade mais plural, participativa e democrática. No final dos anos 80 o
movimento se torna o porta voz jovem das periferias brasileiras, trazendo a tona para
sociedade os conflitos e desigualdades vividas no universo dos bairros pobres das cidades. Os
rappers apresentam um Brasil hierarquizado, autoritário e racista.
É importante ressaltar que esta atuação política do movimento hip hop ocorre num
período histórico caracterizado pelo refluxo dos movimentos sociais urbanos.
Enquanto os demais tipos de movimento sociais urbanos, tanto reivindicatórios
9
Nota de aula da disciplina de Movimentos sociais de maioria afrodescendente, dia 28 de outubro de 2009.
quanto pluriclassistas, se encontravam inseridos em um refluxo histórico,
procurando novas formas de exercerem sua ação política, o movimento hip hop
aumenta sua visibilidade e conseqüentemente sua ação política-reivindicatória nas
áreas urbanas das médias e grandes cidades. (RIBEIRO, 2006, p. 13)
Este período, caracterizado pelo refluxo dos movimentos sociais devido à crise de
paradigmas ocorrido pelo fim do modelo soviético de “socialismo” idealizado por alguns
partidos, militantes e também pelos movimentos sociais, vai assistir ao surgimento (ou
ressurgimento) de novos movimentos que irão ser chamados pelos teóricos dos movimentos
sociais de Novos Movimentos Sociais.
Os NMSs representam a afirmação da subjetividade perante a cidadania. A
emancipação porque lutam não é política, mas antes pessoal, social e cultural. As
lutas em que se traduzem pautam-se por formas organizativas (democracia
participativa) diferentes das que presidiram às lutas pela cidadania (democracia
representativa). Os protagonistas dessas lutas não são as classes sociais, ao contrário
do que se deu com o duo marshalliano cidadania-classe social no período do
capitalismo organizado; são grupos sociais, ora maiores, ora menores que classes,
com contornos mais ou menos definidos em vista de interesses coletivos por vezes
muito localizados mas potencialmente universalizáveis. (SANTOS,1997 p. 261)
Porém é revelador o que diz Rogério Babau: O MH2O nasce no meio de uma
conjuntura favorável ( final de 80), muita luta social, movimento estudantil muito forte,
surgimento das gangues, muita violência. Nós já trazemos esse viés socialista, nossa
formação é marxista leninista, tem todo esse conteúdo de luta de classe.
Posso dizer que o hip hop é um movimento de produção coletiva, engajada, política e
inovadora, não apenas em suas propostas de manifestação e denúncia, mas, sobretudo na
estética dessa manifestação política. É uma ação fragmentada, atuando numa diversidade de
atores (autores) sociais, se articulando em rede, compondo níveis diversos de ação e marcado
por uma identidade étnica e de resistência cujo aspecto se organizou na defesa dos interesses
materiais e na luta reivindicatória de uma autonomia cultural.
Concordo com Cunha (2003, p. 02) quando afirma que:
Hoje, o hip hop, como um dos setores deste universo e complexo movimento sociais
de maioria afrodescendente, realizou a utopia de acesso e diálogo com as grandes
massas populares dos bairros, dos de trabalhadores e desempregados. Restando a
realizar ainda, para todo o conjunto das diversas versões de movimentos de maioria
afrodescendentes, um projeto político para o Brasil sinalizado pela expressão
política da cultura e do povo afrodescendente. O Hip Hop talvez tenha dado o
modelo, o caminho desta consciência propositiva, questionadora, e analítica da
grande política, sem deixar a expressão própria afrodescendente urbana de bairro de
fazê-la.
A atuação política do MH2O é materializada nas suas intervenções e articulações com
outros movimentos sociais e forças políticas partidárias. Atualmente o coordenador nacional
do movimento faz parte da Coordenadoria de Juventude da Prefeitura de Fortaleza, um órgão
que tem status de secretaria especial. Para o movimento as eleições de 2008 foi um momento
mais político do que cultural.
Babau afirma que eles queriam:
- contribuir com a cidade e entrar nesse parâmetro dessa questão de institucionalidade, até
por um processo de experiência. Como é que a gente, movimento social, que bate no estado e
agora ta dentro do estado, dentro da máquina? Até pra gente entender essa ferramenta.
De acordo com Ribeiro (2006) a inserção do hip hop no poder local significa uma
nova etapa para o movimento, pois parte de suas reivindicações começam a ser atendidas e
reconhecidas pelos governos. Porém a ascensão de líderes de oposição e dos movimentos
sociais a cargos do governo (legislativo e executivo) “levou progressivamente ao
desaparecimento a questão da autonomia dos discursos dos movimentos” (GOHN, 1997 p.
287), pois o Estado passa a ser “aliado ou interlocutor” dos movimentos e muitos militantes
acabam confundindo sua atuação diante dessa nova conjuntura política, pois se antes
denunciavam o governo agora estão dentro dele. Como fazer oposição ao Estado, marcado de
contradições e que se diz popular?
É nessa contradição de cobrar dos municípios melhorias concretas para as
comunidades e inserir a discussão de temáticas que sejam de seu interesse, tais como
violência contra os/as jovens ou implementação de políticas públicas para a juventude que o
hip hop de Fortaleza passa a fazer parte dos processos de gestão pública do município e do
estado.
Numa perspectiva política o MH2O atua em três linhas, de acordo com Rogério
Babau. No movimento social enquanto Movimento Hip Hop Organizado; no terceiro setor
como ONG (MH2O do Brasil) e no braço político que está se partidarizando (no PT),
chamado de Poder Vermelho. Outro pensamento do movimento é o de eleger em 2012 um
parlamentar do movimento, como diz o coordenador do MH2O, um “puro sangue. A nossa
base diz que só vai entrar na eleição se for um puro sangue da gente.”
É relevante ressaltar que esse formato de ONG vem se fortalecendo no cenário social
brasileiro a partir dos anos 90 com a mudança no mundo do trabalho (reestruturação
produtiva) e com o neoliberalismo, que orienta a desregulamentação do papel do Estado,
transferindo as suas responsabilidades socioeconômicas para a sociedade civil organizada.
Para Gohn (1997) a institucionalização dos movimentos sociais levou-os a uma
desmobilização das lutas sociais sendo este um dos motivos da crise destes espaços. Segundo
a autora outros autores afirmam não existir esta crise, mas um processo de democratização na
interlocução dos movimentos com o Estado.
Os pólos aglutinadores do movimento como bailes, praças e as posses são espaços
culturais, mas também essencialmente políticos, e por vezes marcados pela violência policial.
Nesses espaços eles realizam, entre outras coisas, shows, performances acrobáticas
de streetdance, relatam as últimas novidades, marcam encontros com amigos e
namoradas, acertam shows, agendam as reuniões das associações e posses, saem
para comprar com os amigos discos e roupas nas galerias de lojas próximas,
especializadas nesses produtos e fazem, ainda, eventualmente, seus discursos
políticos. (HERSCHMANN, 2006, p. 194)
Para o ator acima citado o Hip Hop não é um movimento “filiado” estruturalmente ao
movimento negro, porém não está distante de sua luta. Sua atuação fragmentada e localizada
utiliza-se de outros mecanismos de participação social apoiando-se na produção cultural e
organizando-se em forma de rede.
No mesmo pensamento está Cunha (2003, p.02) dizendo que o
Hip Hop tem em conta, se dá conta da existência do óbvio, do negro, ser pensante,
inteligente, marcante e irreverente. Expressa, apresenta, se apresenta nessa estética,
numa estratégia de não precisar falar do negro, pois a representação já nos anuncia e
referencia
Ou seja, o hip hop expressa sua identidade afrodescendente sem falar de negro ou de
raça. Esta pode ser a explicação da atuação do movimento em Fortaleza. Afinal, é através
deste movimento que um amplo contingente populacional, jovens de periferia, em especial
os/as afrodescendentes, passam a exercer a busca por seus direitos cidadãos.
Todos os entrevistados admitem que a maioria dos participantes do Hip Hop são
afrodescendentes, porém cada um tem uma explicação ao falar sobre a falta de trabalho
específico sobre a questão étnico-racial nos grupos.
Para o MH2O o hip hop é um movimento de cultura negra, mantido até hoje por
negros, contudo, ao chegar à América Latina (Brasil) se misturou ao processo de luta de
classes.
- Hoje a gente já começa a discutir raça e classe. Entendemos que a sociedade é dividia em
dois blocos: Pobres x Ricos. Lutamos até a morte pelo negro pobre, a mulher negra pobre. A
gente nunca foi de vanguarda no segmento, na luta específica do movimento negro. E aí é a
grande divergência nossa com o movimento negro. Hoje não, pela questão conjuntural, tem
que ter uma flexibilidade e tem que acabar esse radicalismo e tem que entender que precisa
discutir. Então começamos a participar das discussões do movimento negro. A Patrícia que
é uma militante nossa ta dentro da Coppir10 (Rogério Babau)
Fico pensando que conjuntura é essa que estimula e até de certa forma obriga um
movimento claramente classista a discutir a questão étnico-racial.
Posso até arriscar
afirmando que a atuação do movimento negro deu um grande salto de visibilidade nesses
últimos anos, porém isso não se explica somente, pois as lutas dos/das negros/as em seus
movimentos já se fazem desde muito tempo e essa visibilidade é também resultado disso.
Para Santos (2006, p. 33) esse pensamento classista é típico da esquerda anti
capitalista, ao afirmar que:
o problema do negro, sua marginalização, sua miséria, seu analfabetismo, sua
cidadania despojada, eram apenas parte ou conseqüência de um problema maior,
vale dizer, o imperialismo, o subdesenvolvimento e o capitalismo. A esquerda era
incapaz de discutir politicamente a dimensão étnica da sociedade brasileira, ou
mesmo do proletariado. O negro não se podia ver, não era identificado etnicamente,
só era percebido na sua comunidade e como classe trabalhadora.
Davi Favela da CUFA também reforça esse pensamento classista ao diagnosticar que a
desigualdade social também é sofrida pelo/a negro/a, 70% dessa classe oprimida, segundo ele.
A comunidade da periferia é o foco do trabalho da Central Única das Favelas.
Existem também pessoas do hip hop que até rejeitam a discussão étnica dentro dos
grupos de forma racista. É o caso dos coordenadores do HGO, ao justificar como racista quem
afirma que o Hip Hop faz parte do movimento negro. Para eles o hip hop não trabalha com a
idéia de ser um movimento de cultura negra, porque também existem grupos de pessoas
brancas que tem uma visão ampla.
O hip hop como sistema político tem que analisar vários fatores e não só o fator dos negros,
hoje na realidade, porque a periferia não é só formada por negros, mas também tem pessoas
10
Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
brancas. A gente tem que expandir mais essa idéia do hip hop. Quem ta falando aqui é dois
negros. (Dera e Mano Carlão)
Seria mais fácil não se falar de negros e sim de classe social, de periferia e excluído?
Mas se a maioria dessa categoria é negra porque não usar a voz dessa maioria?
PENSAMENTOS CONCLUSIVOS
A ancestralidade se materializa a partir das diversas manifestações culturais de matriz
africana caracterizadas pelas práticas musicais e corporais, como a capoeira, a congada, o
samba, o maracatu, o hip hop, as danças dos orixás, e que tem como público, em sua maioria,
adolescentes e jovens.
Para Zigone, a afirmação positiva do ser negro e da resistência se dá a partir de uma
construção estética diferencial e particular. Segundo a autora, as escolhas que compõem o
estilo dos/das jovens do Hip Hop são fundamentais para que os/as jovens se reconheçam, pois
“baseiam suas avaliações acerca do ‘outro’ através de micro-percepções acionadas pela
vestimenta, corporalidade, linguagem, etc (sic).”. (2006, p. 11)
A corporeirade negra, inter-relacionada com a estética, o cabelo, o movimento e a
musicalidade representa, através da sua performance um jeito jovem de resistir ao racismo
banalizado, denunciando a falsa democracia racial e de ressignificar a cultura ancestral
africana e afrodescendente.
O hip hop de Fortaleza é a expressão de uma parte significativa da juventude negra e
empobrecida que utiliza seu território simbólico e concreto para denunciar as condições
injustas vividas pela população da periferia que em sua maioria é negra se consolidando
também como expressão cultural e de identidade negra.
Porém essa manifestação juvenil engajada se configura no meio de conflitos e tensões,
próprios da juventude e da sociedade capitalista, brancocêntrica e machista que vivemos. No
contato entre negros/as e não-negros/as eles/as vão reelaborando as africanidades a fim de
construir identidades individuais e coletivas que valorizem a pluralidade das juventudes, em
especial da juventude negra.
Dessa forma, o que posso suspeitar ao ouvir as entrevistas da galera do hip hop e de
leituras que fiz a respeito é que esse movimento tem uma estética da negritude, porém se
confunde com a luta de classes por dois motivos: primeiro pela influência das idéias
esquerdistas e anticapitalistas e segundo pela quase inexistência de uma ligação com o
movimento negro local.
Conforme já ressaltei neste texto o movimento hip hop se inscreve na análise dos
movimentos sociais heterogêneos e carregados de conflitos e por esse motivo polissêmico, ora
movimento cultural, ora político, ou até mesmo ligado ou não ao movimento negro. Contudo
posso confirmar que este é um dos vários movimentos sociais de maioria afrodescendente.
De acordo com Cunha (2008, p. 50):
Durante o século XX, existe em todo território brasileiro uma profusão de
movimentos sociais de maioria afrodescendente, com os mais diversos matizes
sociais e políticos, muitos deles com os discursos de protesto contra as injustiças
sociais vividas pela classe negra, (...) outros de caráter associativo em defesa da
cultura e do exercício de formas de identidade negra, (...) muitos outros refletindo
lutas pela posse das terras.
Seria um grande equívoco enquadrar o movimento hip hop de Fortaleza na caixinha de
movimento negro, ou movimento cultural, ou político, até porque a própria palavra
(movimento) nos alerta para não essencializarmos os movimentos sociais, tornando-os
estáticos. Para este movimento social o mais adequado é analisá-lo como movimento social de
maioria afrodescendente, pois esta expressão revela a amplitude do hip hop como ação
coletiva política, cultural e identitária afrodescendente.
Nesse sentido faço minhas as palavras de CUNHA (2008) dizendo que o conceito de
movimentos sociais de maioria afrodescendente, como expressão da diversidade dos
movimentos negros, precisa ser revisto e trabalhado à parte da discussão conceitual em torno
dos movimentos sociais elaborados depois da década de 1970.
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