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1Q Prêmio Cassiano Nunes CONCURSO NACIONAL DE POESIA 3 H B H B S WmmÊ Universidade de Brasília Biblioteca Central da UnB Espaço Cassiano Nunes iQ Prêmio Cassiano Nunes CONCURSO NACIONAL DE POESIA SELEÇÃO 2 0 0 9 ANTOLOGIA Organização: Maria de Jesus Evangelista REITOR José Geraldo de Sousa Júnior VICE-REITOR João Batista de Sousa DIRETORA DA BIBLIOTECA CENTRAL Sely Maria de Souza Costa CURADORA DO ESPAÇO CASSIANO NUNES Maria de Jesus Evangelista CHEFE DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO Elmira Luzia Melo Soares Simeão DIRETORA DO INSTITUTO DE LETRAS Maria Luisa Ortiz Alvarez COMISSÃO JULGADORA DO PRÊMIO CASSIANO NUNES Antônio Lisboa Carvalho de Miranda Cassiano Viana Enilde Leite de J. Faulstich ISBN 978-85-70620-941-8 E92p Evangelista, Maria de Jesus, org. 12 Prêmio Cassiano Nunes - Concurso Nacio nal de Poesia-Seleção 2009- Antologia,-Brasília: UnB - Biblioteca Central - Espaço Cassiano Nunes : Thesaurus, 2010. 152 p. CDU 82-1(81) CDD 869.1B UnB Campus Universitário Darcy Ribeiro, Biblioteca Central, Asa Norte, Brasília, DF - CEP: 70910-900, Caixa Postal 04501, Telefone: +55 61 3107 2665, Fax: +55 61 3107 2689 - Email: [email protected], URL: www.bce.unb.br Apresentação Prêmio Literário como Diálogo do Escritor com o Leitor Além do Prêmio em reais aos três primeiros colocados, serão selecionados cem poemas dos concorrentes para publicação. Do edital Segundo a teoria da recepção o texto literário precisa do leitor para a sua realização como comunicação. Sem mais complexa teoria, a função da obra premiada é a de diálogo, a de uma mensagem do eu escrevente dirigida a outrem que adquire estatus de criador. Bons tempos aqueles em que na leitura buscava-se sempre uma m ensa gem. Nesse sentido, um prêmio literário se justifica na medida em que se consubstancia em, pelo menos, dois aspectos fundamentais. Primeiro expressa o impulso natural do ser humano para comunicar emoções, sentimentos, com arte e beleza. Segundo, consciente dessa espécie de fenomenologia do ser em reconhecer-se em construção e expansão, o poeta, em si demiurgo, estende-se na direção do outro tomado de igual impulso num diálogo de afinidades. O prêmio desperta todo esse es quema de encontrarem-se sujeito e objeto desse diálogo que se faz, não importando nível, grau ou elevação num continuo. Um diálogo que se faz em qualquer momento com letras jamais desgastadas, pois que se transfiguram-se em sons e imagens numa aprendizagem dos sentidos, enriquecimento da sensibilidade. Outro aspecto importante a observar é a seriedade poética que envolve o prêmio literário quanto à instituição que o abriga e ao seu patrono. Quanto a isso, o Prêmio Cassiano Nunes é modelo. 5 A Universidade de Brasília/Biblioteca Central/ Espaço Cassiano Nunes abriga o Prêmio Cassiano Nunes, criado em 2009 na categoria de Poesia. Nascia assim um prêmio literário que logo se fazia acolhido como um Concurso Nacional de Poesia, sem restrição de tema. Todos os poemas concorrentes seriam inéditos e obrigatoriamente escritos em língua portuguesa, com inscrições diretamente na Biblioteca Central da UnB e pelo Correio, observada a data de postagem. M. J. Evangelista 6 Sumário A presen tação......................................... ....................................................... 5 Luiz Martins da Silva - ELEGIAS CASSIANIANAS................................... 11 José Carlos Brandão AGATA..................................................................................................... 15 0 CAVALO................................................................................................ 16 O CACHORRO.............................................................................. ........... 17 João Pedro Fagerland MAIOR...................................................................................................... 18 CAPOEIRA.................... ........................................................................... 19 A FORMIGA E A CIGARRA................................................................... 21 Alexandre Magno Gonzalez de Lacerda - A LÁPIDE DA DELICADEZA..... 23 Alexsandre Escorsi Messias Moro - ENTENDIMENTO............................ 24 Altair Cirilo dos Santos - LADAINHA DE MOLOC NO TÚNEL.............. 25 Andrea Perazzo Barbosa Souto - CANAVIAL............................................. 27 Andréia Glaicielly Martins Rocha FEMEANINAS..................................... 28 Andressa de Souza Silva - MARIAS............................................................. 31 Anéris Paes Barroso - FLORES..................................................................... 32 Antônio Cláudio de Araújo Júnior - POEMETO A PATATIVA................ 33 Arthur Rodrigues Clemente - O PRATO...................................................... 35 Athanis Molas Rodrigues - JÁ QUE É PRA SER......................................... 36 Bruna Martins Viana - SERENATA TRAVESSA...................................... 38 Camila Marcelo Pinto de Oliveira - MEU CAMPO SEM FLORES.......... 39 Carlos Alberto Barros - URBANISMO......................................................... 40 Carlos Augusto Sousa de Oliveira - EPOPEIA............................................ 42 Daniel Rocha Barbosa - MEU AMOR NÃO ME SALVARÁ DA MORTE.. 43 Diogo Martins de Mesquita - BOTICA......... .............................................. 44 Dora Duarte - SOL........................................................................................ 45 7 CONCURSO NACIONAL DE POESIA Edna Rúbia Mendes Facundo - LOBO......................................................... 46 Ednéia Rodrigues Ribeiro - AS VOLTAS...................................................... 47 Eduardo de Menezes da Silva - AGORA A MODA É.................................. 49 Elias Araújo - ESTRADA PARA O CORAÇÃO DO MUNDO.................... 51 Elias Daher Junior - TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO.................................. 53 Engênio Sousa Ibiapina Parente - ENCRUZILHADA................................ 54 Fabiana Motta Tavares - EXPRESSIONISMO............................................ 57 Fábio Martins Moreira - CÁRCERE............................................................. 58 Flávia da Silveira Perez - HOSPEDEIRA.................................................... 59 Gabriel Cardoso do Amaral - COTIDIANO DE UM DOS ÚLTIMOS SAVERISTAS DO RECÔNCAVO BAIANO........................................... 60 Geraldo Trombin - VIDRAÇA DE POSTIGO.............................................. 62 Guilherme Oliveira de Brito - FORMA BRANCA...................................... 63 Guilherme Scalzilli - MONOGAMIA............................................................ 64 Henrique Fialho Barbosa - DAS ODES INEXPRESSIVAS....................... 66 Hércules Souza Teixeira - SONETO INFINDÁVEL.................................... 67 Iara Maria Carvalho - UM PÁSSARO.......................................................... 68 Ilton Gurgel Fernandes - BRASILIA CONTADA EM VERSOS................ 69 ítalo Augusto Camargos Pereira - NO FIM A IGUALDADE..................... 71 Jacqueline Beatriz Teixeira Barbosa - ANIVERSÁRIO.............................. 72 Jaques Jesus - EVOCAÇÃO DE BRASILIA................................................... 73 José Lima Garcia Júnior - MOEDAS............................................................ 75 José Luiz Amorim - HISTÓRIAS DE PESCADOR...................................... 77 Juliana Rodrigues de Morais - SONETO DA REALIZAÇÃO.................... 78 Júlio Cesar Gentil de Mello - O ARREMESSO DO POEMA BOOMERANGUE................................................................................... 79 Jussara Gabin - POEMA III........................................................................... 80 Karla Calasans de Mello - OS OLHOS DE UM PEREGRINO................. 82 Kátia Rodrigues Baroni - CORAÇÃO ASTUTO.......................................... 83 Kybelle de Oliveira Rodrigues - MORADA.................................................. 84 8 PRÊMIO CASSIANO NUNES Leandro Zacarias Gomide - TEMPO............................................................ 85 Leila Saads - O FRASCO................................................................................ 86 Leonardo Motta Tavares - CENTELHA....................................................... 87 Lucas Mendes de Oliveira - ESCADA VOLANTE....................................... 88 Luciana da Silva Melo - O ERÊ..................................................................... 89 Luciano Dionísio dos Santos - SAIA JUSTA................................................. 90 Lucie Josephe de Lannoy - CAMINHADA................................................... 91 Luiz Gustavo de Souza Alves - JULHO......................................................... 92 Mareei Francisco Veiga (El Betin) - CIRCO DE BOLSO............................ 93 Marcelo Ferreira Carámbula - BRASILIANAS........................................... 95 Márcia Andréia Reis Pereira de Carvalho - A DENSA TERRA................ 99 Marcos Alberto de Souza Oliveira - UM POEMA PARA GEORGE ORWELL.................................................................................................. 100 Marina Mara da Silveira Chaves - BURLE................................................ 102 Marton ‘Olympw da Silva Santos - PRALARVAS..................................... 103 Matheus Gregório Vinhal e Silva - APONTAMENTOS PARA UMA POÉTICA CANDANGA.......................................................................... 104 Michele Eduarda Brasil de Sá - TEATRO AMAZONAS............................ 105 Nadyr Angela Berge Ceschim Oiticica - REVELAÇÃO.............................. 106 Odemir Paim Peres Júnior - QUE MÃOS MOLDAM O POEMA?............ 107 Oswaldo Pullen Parente - GATO E SAPATO............................................... 109 Paola Daniella da Fonseca Rodrigues - BRASÍLIA.................................... 110 Paulo Emílio Pereira Ferraz - ENIGMA....................................................... 111 Paulo Franco - SONETO DO AMOR DESFEITO....................................... 112 Paulo Rômulo Aquino de Souza - SONETO XIX...................... ................. 113 Pedro Gontijo Menezes - A MORTE DE RAFAEL ARCANJO................... 114 Pedro Vinícius Cortez Nobre - TORRE DE HOMENS............................... 116 Perpétua Conceição da Cunha Amorim - FANTASIA............................... 118 Rafael Gomes Fernandes - SURGI NO MUNDO EM CURTO TRAÇO AFLITO.................................................................................................... 9 119 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Rafael Milliote Ramalho - MAR IBÉRICO................................................... 120 Ricardo Lahud - COREÓGRAFO.................................................................. 121 Robledo Neves Cabral Filho - ROSAS DE AFRODITE.............................. 122 Rodrigo Domit - MUDANÇAS.............................. ........................................ 123 Rodrigo Vasconcelos Rodrigues Pinheiro - TELÊMACO E A PONTE...... 124 Ruth Meyre Rodrigues - ÁTOICES............................................................... 125 Sadat Gonçalves de Oliveira - DÁDIVA....................................................... 126 Salatiel Ribeiro Gomes - ANTIPOESIA....................................................... 127 Sara Mayara Martins Borges - NO MUNICIPAL........................................ 128 Savigny Machado Lima - GRITO DE DESASSOSSEGO............................ 129 Sidnei Alves de Oliveira - SOIS E POEIRAS................................................ 130 Sônia Maria Carriel Brandão - BOLERO DE RAVEL............................... 131 Suzane Lima Conceição - PANTUM............................................................. 132 Tarciana Barbosa de Freitas - O MUNDO DAS PALAVRAS..................... 134 Teresinha de Jesus Gonçalves Motta - UVAS................................................ 136 Terezinha Santos de Amorim - ENCONTRO MARCADO......................... 137 Thais Lima Rocha - BRASÍLIA..................................................................... 138 Thaisa Cristina Comelli Dutra - A ILHA DO BRÁS............................... . 139 Thiago Cordeiro Moulin - POEMA DE INVERNO..................................... 140 Thiago José Rodrigues de Paula - MODERNA CANTIGA DE AMIGO (NAMORADO)........................................................................................ 141 Tiago da Silva Frota - RAMEIRA................................................................. 143 Valberto Cardoso da Silva - CONSAGRAÇÃO............................................ 145 Valter Rosa da Silva Júnior - VOU-EMBORA............................................. 146 Walther Moreira-Santos - CINCO POSTAIS FLORIDOS.................. ........ 147 Whisner Fraga - ROTEIRO PARA ACOMPANHAR A PROCISSÃO DE SOLUÇOS................................................................................................. 148 Willians Rodrigues da Silva - BELA DAMA................................................ 149 Zilda Pedro da Silva - PASSEIO NOTURNO............................................... 151 10 PRÊMIO CASSIANO NUNES ELEGIAS CASSIANIANAS Luiz Martins da Silva Elegia I Agora, ficou para sempre “De minha propriedade” particular O parque da cidade e seus fâmulos. E entre os notívagos enamorados de estrelas, Segue pelo tempo afora um deles, Bem aquele que me disse uma vez: “Aqui, as ruas parecem saídas de filmes de Antonioni”. Ah! E a sua distante e saudosa Santos? Ah! E as lembranças de um cais de Paquetá? Terei eu de ser-lhe guardião de imagens? Saberei verter adiante tantas pérolas-alegorias? Quem sabe, agora, hei de citar-lhe a Lírica, Ornamentar versos como quem declama afagos. Seguirei por aí supracitando-lhe in memoriam Um pouco do que lhe guardei das imagens E que agora já não me saem em tímidos acordes de harpa: Amo o que há de ambíguo Num porto de mar, Que convida a partir e ensina a ficar... Ah! Velho lobo ladino! Aonde estarás, literalmente rindo, 11 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Com a tua marca - estridente gargalhada, Aquela que derramava na calçada, Quando zombavas nas noites de Beirute Pretensas modernidades da juventude O déjà vu de quem já as tinha visto no passado, Mas sem perder dos olhos o sonho do futuro. Ficou o que da paixão por Vieira? E não é que encheu todas as paredes Com a fantasia borgeana do paraíso, O céu como uma infinita biblioteca! Aonde terá levado o poeta Tanta intimidade com os clássicos? Estará ainda compartindo odes e paráfrases No sonho encantado de uma pátria, O archote ao alto, a chama de Lobato? A felicidade pela literatura! Felicidade feita de leitura! Em que estante buscarás neste momento O volume do quanto ensinaste neste mundo O vasto mundo das literárias escrituras? 12 PRÊMIO CASSIANO NUNES Elegia II De nome; rescendia a essência das acácias; De alquimistas, ocultava o sobrenome de Botica; De presença, o vozerão shakespereano; De trágico, nunca ter se livrado da criança; Morreu o adulto, mas terá conseguido finalmente assassinar o menino, Aquele preso ao homem pela tênue membrana? Da gloriosa casa dos Nunes Ainda os traços da heráldica lusitana, Mas de solitário a correr mundos Fixaram-se-lhe as músicas dos cais; Amante de portos, para sempre um desterrado santista. Ele era em si uma plangente e noturna melodia. Creio que ainda estará sentado à sua cátedra Altas horas, no seu cerne, no seu catre, Lendo, lendo, lendo... E cismando lá fora os passos no lajedo. Às madrugadas frias, as fantasias dos carentes. Quantos achados líricos Impressos em seus perdidos na noite. Versos pássaros, Para sempre o emigrante, A figura ambulante do estrangeiro, A contemplar luas sempre nuas, A solidão não escolhida, mas amada, O recolhimento dos clowns Ao findar dos espetáculos. 13 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Elegia III Creio que em plena escuridão de algum Hades, Há de se lembrar da rubra chama, Para sempre o risco, o fósforo do desejo, A alumiar-se-lhe nos grandes olhos os lampejos De quem jamais renunciou Ao sempre tardio frescor da juventude. Se haveria de matar o simbólico menino Acaso descolará o velho do jovem e do futuro? Agricultor de gerações, as sementes esparsas, De amor viveu a vida, sem nenhuma farsa. Cândidas armas: a lira, o verso, a literatura. E o arco protendidamente tenso, na prontidão crítica: Jamais a concessão dos medíocres, Mas com a austeridade de quem De repente resvala sobre um tapete de doçura. Vai velho-jovem ser eterna criança, A tocar as barbas de Walt Whitman nas alturas. Não será ele teu companheiro de ofício? Terás assim validado o sacrifício Da solidão, agora, mitigada, pois, Ambos, na poesia modestos proletários. 14 PRÊMIO CASSIANO NUNES A GATA José Carlos Brandão A gata me olhou com seus olhos náufragos. Era como se seu olhar viesse do outro mundo. Lançava com os olhos um grito silencioso, que gelava. Havia gigantescas ondas, monstros marinhos, corais, conchas e florestas submersas em seus olhos de âmbar e ouro líquidos, mal velando o abismo fundo. Neles boiava o sal da eternidade. Deus neles mergulhara na criação. A luz primeira Deus criou nos olhos da gata imemorial. O seu miado surdo traz ecos dos enigmas do homem diante do absoluto mar da origem. 15 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS 0 CAVALO O cavalo sentou-se à minha mesa, comemos e bebemos, conversamos como velhos amigos que retornam ao altar de antes, com os olhos rasos de lágrimas e algum represado ódio. O cavalo soltava fogo pelas ventas, enquanto ria seu riso ácido. Contou-me a história da partida antiga com sangue e pus nos cascos quebradiços, fomos irmãos, pastamos nas pastagens do mesmo senhor, nosso pai, ausente e presente na dor e na alegria. A angústia não tem fim, e retornamos ao capim do universo que deixáramos. 16 PRÊMIO CASSIANO NUNES O CACHORRO O cachorro me olhou com o silêncio lacrimejante das janelas-enigma, sempre fechadas, sem palavras, sangue e sal diluidor, e latiu forte como a morte, como árvores de espantos. O cachorro rompeu o silêncio de pedra exausta, precisava a dor dizer ao mundo. O sangue nos lençóis clamava aos céus, o breve fim, a angústia milenar, consentida, mas angústia. O cachorro floriu diante do mar, em êxtase com a água, a eternidade nos olhos mansos, vendo o tempo frágil desfazer-se na fria areia efêmera. 17 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS MAIOR João Pedro Fagerland o pássaro é maior que a gaiola poleiro não suporta tamanha envergadura os donos cortam as garras retiram as penas mas mesmo que lhe apaguem as luzes seus olhos serpenteiam o escuro os donos não sacam os furos da gaiola (que detém o entorno do pássaro não a voz: canto por onde há de escapar) 18 PRÊMIO CASSIANO NUNES CAPOEIRA pé ante pé pontapé no peito do esquivou! gingam piruetas estrelas na roda aéreas catimbas moleque calango rasteja no vento arma o bote e pau: toma um sacode berimba o batuque tapeia o pandeiro mandingam cantigas vai que o capoeira gira e mete o calcanhar no teu queixo limpa esse sangue daí, branqueio a roda pega fogo maculelê esganiçado xinga chute pra todo lado 19 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS mas fuzuê tem fim aperto de mão um beijo pra dona, com respeito caboclo todo câimbra volta pra casa capenga das pernas e o capoeira cochila achocalhado em cafuné 20 PRÊMIO CASSLANO NUNES A FORMIGA E A CIGARRA liquidado o inverno arvora a primavera e a natureza abastece a bicharada patinhava a formiga uma sacola de açúcar em casa antenou as prateleiras repletas “Não tenho mais que trabalhar” Preguiçou Zoolhou pros lados: (bateu um treco doido na formiga vertigem de buraco que armadilha gente) “E agora?” neca de nada saiu procurando por aí “E agora?” saracoteava a formiga baratinando pelos cantos até que tropeçou na velha conhecida e desembotou: “Sinto o vazio duma coisa mas não sei bem o que é” 21 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS a cigarra viu graça “Já o que te faz flauta” e zinzunzeando o gogó verdejou tanta cantoria que (plic!) deu flor 22 PRÊMIO CASSIANO NUNES A LÁPIDE DA DELICADEZ Alexandre Magno Gonzalez de Lacerda Leve, Cai a Lágrima Lava A alma da Langueza Leva O lúgubre da Cara Livra o olho da impureza Louva a dor da incerteza Lustra o rosto Na esperança 23 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS ENTENDIMENTO Alexsandre Escorsi Messias Moro Talvez o dito não tenha significado Aquilo que ficou na palavra explicito Num átimo o sentido velado E o proibido sentimento lícito 24 PRÊMIO CASSIANO NUNES LADAINHA DE MOLOC NO TÚNEL Altair Cirilo dos Santos O túnel jamais está fechado. Vivemos nele sempre do lado de fora. Não há portas, janelas, saídas de emergências. O túnel nos abraça como uma solidão. Ai de nós! Porém vivemos sempre do lado de fora. Aquele que sorriu e disse: venha, juntos ergueremos Nova Hora, ocultava em luz e sombra fascinantes o engodo nos olhos de serpente. Para glória de Moloc Aquele que apontou e bramiu: febre tão exato, lógico, implacável, indicava a idolatria de seus mestres bem mais alta que qualquer oposta idolatria. Para glória de Moloc Aquele que mostrou e disse: tenha o melhor de tudo que não precisa 25 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS sustentava a razão de possuir na maravilha do próprio ato de posse. Para glória de Moloc O silêncio dos abutres no arame. O silêncio das mães entre os escombros. O silêncio das crianças com olhos grandes. Anti-silêncio, rugindo como um tapa. Os olhos não se assombram mais. A vida nos consome. O túnel, ele mesmo, é um disfarce. Fragmentada, como se nos fosse alheia, a realidade vista do lado de fora. E os olhos não se assombram mais. A vida nos consome. O túnel, na verdade, é um espelho. O túnel constitui-se nossa obra. Mas, absortos, pensamos que vivemos sempre do lado de fora. 26 PRÊMIO CASSIANO NUNES CANAVIAL Andrea Perazzo Barbosa Souto Insetos incolores em bando alfinetes ziguezagueantes desnorteando o rumo norte a sul Trinados trinos tripartidos tricolores tricolorindo céus terras ares Trindade trivial cenário banal no estonteante e verdejante canavial 27 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS FEMEANINAS Andréia Glaicielly Martins Rocha Ouvidos no corredor Corredor não há Há uma dor Corre-Tu Corre-Dor A mim a batina é vedada Possuo ares femininos Assim, estou liberada Vamos fazer amores surdinos? Entretanto, fantasiar a missa A mim, é permitido Eu falaria em latim: Benedicta tu in mulieribus O dulciSy Capitu! Gosto de menina, de Tu Rabisquei o pé do muro, Mulher CapiMulher, Como tu, Capitu À maneira de Casmurro Podemos brincar com bonecas Não é o meu/teu Dom, Mas posso ser a médica 28 PRÊMIO CASSIANO NUNES E que tal jogarmos o siso? Se tu renderes tua boca Garanto sorrir primeiro Te farei, do siso, vencedora Agiria assim, porque, agiria um cavalheiro No entanto, põe em tua memória: Sou dama Faço tranças e consigo disfarçar o beijo Aspiro virarmos história Pois, como toda dama que ama Guardo, nas entranhas, por ti um desejo Bentinho Balbuciou teu olhar Esboçou tua alma Li e por tua ressaca comecei a me encantar Bento, Bentinho! Nem Dom, nem Escobar Capi-tu és ideal para outra Andaste tão à frente do tempo Que no século XXI vieste me tocar E, quem sabe, me fazer a outra Para tanto, penetra meu espaço onírico Dissimula meus instintos ao som do oboé Façamos um culto gentílico Une Machado e Baudelaire: De Lesbos, sejamos eu e tu protagonistas “Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas” Com teus beijos, então, me excitas 29 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS E eu me excito com tuas curvas sinuosas Capitu, nessa ilha ardente Tu és a personificação das ‘ gregas orgias” Lasciva, ninfa quente Roça teu corpo nas minhas fantasias Mas, caio em mim E vejo que Lesbos eu nunca vi Tão pouco a ti No entanto, amo meu delírio Mesmo consciente que tu, intocável assim, Não passas de um martírio Doce martírio para mim No fim e por fim Sem ciúmes e quase nada que nos impeça Por ti, dama impressa Meu corpo transpira sentimento lesbial e fálico Mas, infelizmente, se fosses real, o nosso destino seria um só: Talvez, talvez... Como no clássico. 30 PRÊMIO CASSIANO NUNES MARIAS Andressa de Souza Silva Lá vai Maria da Silva, Filha de outra que a pariu. Maria de tantas Marias Das muitas deste Brasil. Lá vai Maria chorando, Gemendo, soando frio, Gritando e se lamentando Por esse destino vil. Lá vai Maria na raça, Lutando de abril a abril, Vivendo de migalhas da graça De qualquer santo gentil. Lá vai Maria cansada De sempre ter que ser mil Presa e escravizada Por essa alma servil. Não chore Maria da Silva, Não chore que a noite já vem. Dei-me um sorriso Maria, Que é tudo o que você tem. Maria não vá embora, Fique só de pirraça, Quem sabe o tempo não demora E a vida logo passa. 31 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS FLORES Anéris Paes Barroso Sou uma flor no seu jardim como as outras flores Mendigando um pouco de sua atenção Apaixonada, amargurada, solitária. Viva mas esquecida como todas ao redor de mim E agora arrancada deste jardim Para morrer nas páginas de um livro De uma história sem fim Onde um dia quando o tempo lhe castigar Querendo relembrar tudo o que passou Há de me encontrar E de tantas flores que houve em sua vida Só eu velha e seca restou para lhe confortar E quem sabe assim se lembre do lindo jardim Que deus lhe ofertou Mas você tão ocupado Nunca enxergou 32 PRÊMIO CASSIANO NUNES POEMETO A PATATIVA Antônio Cláudio de Araújo Júnior Senhor seu poeta, nem sei se eu te peço Que olhe o meu verso, tão feio e sem cor Sem sua viola tampouco o seu brilho Meu verso eu dedilho é no computador Um instrumento que o senhor não conhece De longe parece uma televisão Mas tem um pedaço que é como a sanfona Quem vê se impressiona com tanto botão Eu hoje te escrevo porque sinto falta De alguém com tão alta sensibilidade Pra fazer poesia brotar da Caatinga Que o suor respinga e o sol quente arde E pra te contar que o tronco do ipê Se encheu de buquê nesse mês que passou Bem como São João foi comemorado E que lhe foi dado o devido valor Teu centenário também foi festejado Repente, teatro, trova e cantoria Eu sei que o senhor lá de cima olhava O sol nem raiava e já tinha poesia Senhor Patativa, o exemplo de luta da sua labuta lá no Assaré continua vivo em toda essa gente que o coração sente a força que é 33 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Essa carta com fé não se atrasa Penduro nas asas do vôo do xexéu Vai endereçada ao Senhor Patativa Numa tentativa de chegar ao Céu 34 PRÊMIO CASSIANO NUNES O PRATO Arthur Rodrigues Clemente Era um prato fundo de vazio, roto nas bordas Ele estendeu-me aos olhos, que o desprezaram. Nesse prato cabiam todas as cóleras da alma Cabia todo o sangue que aquela face fraca jamais jorraria durante a eternidade. Nesse prato, o vazio do estômago se encontrava Com o vazio do descaso, eram complementares. Era nesse vácuo chupante do prato que o homem Apoiava sua vida e me entregava um prato Fundo de vazio, dormindo em vão enquanto inútil. O homem não o largava, já não mais o tinha papo Simplesmente estendia-me e gritava: olha o prato! Era um brado! E eu, acabado, cansado de tanto prato Ignorava-o, fitava o horizonte mal-acabado e seguia Pisando o asfalto, cruzando a rua, avante, calado. O prato vácuo-chupante fundo de cóleras Era um fato, roto, desprezível em mãos rotas. E a eternidade aguardava o pato, o prato nas Mãos do morto, era o sangue no prato roto Jorrando cólera enquanto vazio, inútil, oco. 35 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS JÁ QUE É PRA SER Athanis Molas Rodrigues Se é a roupa que incomoda, que seja uma nudez completa. Se for muita fome, gula de vez em quando não é pecado. Se queres fazer uma casa, constrói uma creche. Se for pra doar, doa a ti mesmo. Não aquilo que sobra e que resta de ti. Mas se é pra doer, dói aqui mesmo E que corroa logo de uma vez. Se for pra sofrer, aproveita pra aprender. Se quiser amar, que seja sem parar. Se resolver ficar parado, que seja pra admirar aquela borboleta. Se for protesto, faz revolução. Se for revolução, causa mudanças. Se não causar mudanças, pelo menos sê o mártir daquilo que acreditas. Sê filósofo-prático da filosofia-teoria da tua cabeça. Assim, as coisas podem dar certo. Se for pra ajudar, faz só a tua parte. Melhor que querer fazer a do outro, se desgastar e desistir das duas. Se quiser ter um filho, procura pensar bem a respeito. Se já pensou bem, tem logo dez filhos Se for pra casar, que não seja nas formalidades da Igreja e do Direito. Casa na praia. Não vai ser só de fim de semana. Será pra sempre. 36 PRÊMIO CASSIANO NUNES Se decidir fazer arte, dá mais que corpo e alma Dá aquilo que tu sabes que existe, mas não descobriste o nome que tem Se for infância, gruda o pirulito no cabelo, rala o joelho E não deixa que os adultos condicionem tua criatividade Nem que interrompam tua imaginação. Mas se for velhice, não te engana fazer aquilo que não foi possível até agora Ao contrário, repete as experiências mais maravilhosas e prazerosas que já tiveres experimentado. Porque, no fim das contas, a vida é uma tentativa refinada de eterno-retorno A todas as boas coisas que aprendemos, presenciamos e sentimos Se for saudade, já chora uma hora seguida Mas se é pra dormir, abraça e dorme junto Se é trabalho, pensa no outro Se é técnica, domina-a bem e faz melhor Enquanto for poesia, será companhia Enquanto for amizade e amor, será sacrifício Querer um mundo melhor é ser uma pessoa melhor Se for pra ler que leia bastante Se queres aprender, abre os olhos, vê, vive e aprende Se não queres esquecer, anota, fotografa, filma e abraça Abraçar é o que costuma dar mais certo Só não esqueça que sem ser não há condição Se tu não és, não vai ter como Sê muito então. 37 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS SERENATA TRAVESSA Bruna Martins Viana Praticou o batuque e o compasso; de terno branco e camisa de seda levava no peito uma labareda e seguiu seu rumo até o terraço. Colocou o violão sobre o braço, Deu mais um trago na bebida azeda E findou o silêncio da alameda Com um canto muito mais que devasso. Fez aparecer só de camisola Num espantoso acesso de loucura Não menos que a sogra do rapazola. Impune não ficou a travessura e a velha lançou a caçarola no meio das ideias do figura. 38 PRÊMIO CASSIANO NUNES MEU CAMPO SEM FLORES Camila Marcelo Pinto de Oliveira Diante da loucura, encontro uma rosa em minha porta. O que parecia apenas broto, intocável e frágil, mostrou-me resistente ao tempo. Exalava vivacidade, desabrochava sentimentos e alastrava um cheiro de inocência por entre lençóis e enlaços. Depois o que parecia eterna, manifestou despedida e, antes do adeus, o vento levou suas pétalas, deixando-a incompleta em minhas mãos. Rosas que falam e encantam provam-se tão únicas, tão raras. O seu perfume, impregnado ainda nos dedos, relembrou-me a beleza perdida, minha eterna flor humana, nada planta, nem presente, só uma única pétala lembrança deixada em minha alma. 39 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS URBANISMO Carlos Alberto Barros Se a cidade eu escrevesse, Desse jeito não faria, Mudaria suas vidas, Para a morte não achá-las. Não mais sangue: vinho tinto Nos seus cantos, suas valas. Em suas praças, seus recintos, Só o amor como interesse. Se a cidade eu rabiscasse, Muita coisa eu censurava: Empregada feita escrava; Mãe sem ter onde parir; O menino andando roto; Dia-a-dia sem porvir... O acordar seria outro: Sol sorrindo em cada face! Se a cidade eu colorisse, Transformava todo o prédio. E na casa entregue ao tédio, Pintaria multicores. Edifício arranha-céu, De minhas mãos teria flores, Feito um grande carrossel, Pr a acolher as meninices. 40 PRÊMIO CASSIANO NUNES Se a cidade, um dia, eu fosse, Com seus bares, padarias, Um desejo só teria: De, com zelo, ser gerido. E quem quer que nessa gana Descrevesse o colorido, Não deixasse a face urbana Mascarar-me a alma doce. 41 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS EPOPEIA Carlos Augusto Sousa de Oliveira Viajor que delirando vaga Em meio ao nevoeiro do meu sonho, O homem é um náufrago tristonho: Afoga-se na vida e se apaga. A morte sendo o leito do oceano, Acolhe humanos barcos destruídos E busca com seus braços, frias ondas, Tragar tudo pra si nos seus abismos. Não há sequer estrela que se veja, Nem porto que ofereça algum abrigo. As naus que de um mesmo porto partem, Cindindo os mares ao infinito, Nas vagas de desgraça realidade Soçobram e se vão sem nenhum grito. 42 PRÊMIO CASSIANO NUNES MEU AMOR NÃO ME SALVARÁ DA MORTE Daniel Rocha Barbosa Meu amor não me salvará da morte (como mais nada) e decerto também não salvarei ninguém. Apenas deixarei o meu amor guardado dentro de trinta e seis palavras: um poema em minha gaveta. Mas assim como catedrais deixarão novamente descampado o solo que ocuparam, minhas trinta e seis palavras deixarão de ter significado: meu amor perdido. 43 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS BOTICA Diogo Martins de Mesquita Orgulho santista, sangue de português filho Soube bem das palavras de Tribuna E da juventude de promessas andarilho Mil histórias e dez mil anotações Tuas ideias primorosas deveras opiniosas Quase te custaram algumas reclusões Um corajoso, trajado ao modernismo Tuas inaugurações árvore do ativismo As bibliotecas foram mais vício que a poesia E o velho Lobato inspiração de anistia Horizonte nunca tinha fim Um após o outro, outro país espalhava suas ideias primaveris e as ideias correram com querubim Hoje tenho quatorze mil heranças Um castelo impecável desempoeirado Na sua universidade e vizinhança Mestre querido Tua memória se consagra. 44 PRÊMIO CASSIANO NUNES SOL Dora Duarte céu chapiscado de sol vermelho tarde do Planalto Central buritis e ipês num arremate de rendeiras reflexos de luz se voltam para as cachoeiras das Chapadas Veadeiros e Diamantina em arremate de bordadeiras sombras alongam silhuetas final de dia arremate de fiandeiras um pássaro sem nome, sem rumo chega para compor as imagens da natureza num arremate de tecelãs 45 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS LOBO Edna Rúbia Mendes Facundo Lentamente, a noite vai-se embora Amanhece enfim! Irritado, o lobo grunhe, o lobo chora Lastimando o vivo carmesim Lancinado pela dor que lhe deflora Arrastado-o - parecia! - para o fim 46 PRÊMIO CASSIANO NUNES AS VOLTAS Ednéia Rodrigues Ribeiro No ônibus o letreiro (indicando o destino), mas sem deles leva-me ao meu Entregam-me panfletos (vários) Em que se anunciam produtos... São tantas ofertas! Tantos equipamentos! Que maravilha! Há máquinas para tudo. Só não há aquela... Aquela... Um rapaz gira uma lata Vejo-me naquelas moedas, Tonta, rodando com o mundo, Rodando o mundo Ah! lembrei... Lembro que o mundo gira... E que dá muitas voltas. Estou girando com o mundo Girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando girando 47 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Perco-me nas voltas do mundo. Estou esperando... Não chega a minha vez. Os ônibus dão voltas. Os números começam a se repetir: 21 , 71, 91 , 101, 211 ... Acho que perdi o meu. 48 PRÊMIO CASSIANO NUNES AGORA A MODA É Eduardo de Menezes da Silva Desenhar quadrados pretos em tênis brancos Usar cintos de rebites desvairadamente Entristecer-se por qualquer motivo fútil E ouvir funk como se fosse o último estilo de música Falar mal dos outros um tanto Acreditar em mentiras Globais diariamente Destruir com armas bélicas um país inútil E usar sabão em pó que tira as manchas de tudo Criar, todo dia, uma nova conta em um novo banco Comprar celular no estilo chapa-quente Invadir com terremotos e vendavais o Brasil.. E atirar pedras em qualquer vagabundo Abrir uma nova janela e fazer parte do contrabando Pedir pro DJ pra fazer diferente Mergulhar no clichê de maneira sutil E ver uma nação parar por mil segundos Namorar pelado e ficar só se beijando Ser um exemplo de filho (desobediente) Divorciar e processar e ser a pessoa mais gentil Ir à igreja e assistir à Copa do Mundo Quebrar correntes e cadeados e ficar apelando Oferecer-se para algo que não lhe é conveniente 49 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Fazer do amor uma verdade utópica e mentirosa E viciar-se naquela novela que é sensacional Queimar livros e desmatar papéis em branco Achar que deus é um site de pesquisas absolutamente Esquecer que a língua é arma mais poderosa E ver que a moda agora é ser superficial... 50 PRÊMIO CASSIANO NUNES ESTRADA PARA O CORAÇÃO DO MUNDO Elias Araújo Eu encontrei uma estrada rabiscada num pedaço de papel perdido numa garrafa que boiava num rio de lendas de um Estado astronômico que ocultava em suas fendas um coração amazônico. Eu quis, então, chegar a esse coração, procurando nas fendas sutis do estado das Mulheres Viris, navegando pelas lendas do rio, trilhando a trilha da garrafa, quando esta carregava um papel perdido: um mapa de uma estrada de um sonho adormecido! A estrada esquecida e perdida conduz ao coração do mundo: coração de veia entupida 51 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS enegrecida por coração ganancioso e iracundo. Como amante que ama e bate, coração ganancioso inflama e invade. O amante também encontrou a estrada Que leva ao coração de si próprio, Mas ele é amante que ama ebate e só é feliz com o coração da amada que ama, apesar, e é agredida e, mesmo sentida, continua a oferecer a estrada. Um coração amazônico está oculto nas fendas de um Amazonas astronômico, que abriga um rio de lendas, onde uma garrafa boiava, levando um pedaço de papel perdido, onde foi rabiscada a figura de uma estrada... Eu encontrei, mas era um coração ferido. 52 PRÊMIO CASSIANO NUNES TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO Elias Daher Junior O solstício de inverno provê a liderança Suporta os rigores do clima, no hemisfério norte Quando criança, incentiva a chegada do adulto Quando adulto, exibe a criança Um tanto tradicional, a mais conservadora que existe apegada à família, às vezes gosta de solidão A cabra com cauda de peixe aquela que nunca desiste intensa e sem medidas... nem menos, nem mais o animal que não se doma jamais 53 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS ENCRUZILHADA Engênio Sousa Ibiapina Parente Pelo Buraco do Tatu Passou boi, passa carro, Passa a nação brasileira, Passou índio, muito índio. Passa Brasília planejada, Passa carro, muito carro, Passam as cidades-satélies, Passam pobres pra bem longe. Passaram tropeiros e bandeirantes, Passaram viajantes por caminhos Que ligavam Cuiabá a São Romão, Ao sul, ao velho Chico e ao mundo. Pelo Buraco do Tatu Passaram os construtores De Santa Luzia, Brazlândia, Planaltina, Arraial dos Couros. Passa testemunha goiana: “Muito antes de Juscelino, Já havia cidades e fazendas, Não era ermo, nem abandono”. Passa quem vai pro aeroporto, Passa quem vai pro Sertão, Passa rico, passa pobre, Passa carro, muito carro. 54 PRÊMIO CASSIANO NUNES Pelo Buraco do Tatu Passa minha solidão, Acendo velas, faço despacho, Rezo, quero você comigo. Passou o massacre da Pacheco, Passa a política brasileira, Passa propina, muita propina, Passou o sorriso de Ana Lídia. Passam os sem-teto e os sem-terra, Passa pau-de-arara, Passa corpo morto-vivo, Passa Honestino Guimarães. Pelo Buraco do Tatu Passaram as Diretas Já Passou Tancredo moribundo, Passa o bloco do Pacotão. Passou a revolta do Badernaço, Passam romeiros pra Bom Jesus, Passam torcedores pro Maracanã, Passou em chama o índio Galdino. Passou o sonho de Dom Bosco, Passaram o Papa e o Bush, Passam os migrantes candangos, Passa carro, muito carro. Pelo Buraco do Tatu Passo te procurando, Asa Leste, Asa Oeste, Desnorteio, preciso de você. 55 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Passa brasileiro cordial, Passa turista bem tratado, Passa criança prostituta, Passa o cerrado destruído. Passou índio amarrado e preso, Passou escravo pro garimpo, Passa negro sem trabalho Passa o Brasil de cabelo alisado. Pelo Buraco de Tatu Passa mãe pobre Em busca de filho morto, Do filho apenas dela. Passa o Boi de Seu Teodoro, Passou Raul pro último show, Passa o canto dos repentistas, Passa o samba do Brigadeiro. Passo a pé, é domingo! Te convido, mas não te vejo, Hoje o pôr-do-sol está lindo! Por que não andas comigo? Pelo Buraco do Tatu Passou boi, passou boiada, Passou índio, muito índio, Passa a nação brasileira, Passa carro, muito carro. 56 PRÊMIO CASSIANO NUNES EXPRESSIONISMO Fabiana Motta Tavares No baile da vida Minha cadeira é cativa, De longe acompanho o rodopio do salão. Cansei de rodar sozinha, Não sei dançar o dois pra lá dois pra cá. A roda da saia amarela, (Sol em chamas queimando pele) Deita no colo parado E acompanha o cruzar de pernas, Farfalha no bater do pé. A mão irrequieta procura poesia Mas a vida é. 57 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS CÁRCERE Fábio Martins Moreira Tudo aquilo que faz sentido Dissolve-se diante de tudo que não tem compreensão Como se a vida se limitasse a uma curta espera pela morte Sono eterno, que traz alívio Para aqueles cuja existência Simplesmente caminha para o inevitável Com o ódio e repúdio dos que ainda sonham E não se acomodaram com o comum. Diferentes em um mundo de iguais Sonhando, enquanto todos se limitam A dormir o sono dos derrotados. Com sua revolta escondida Em sua rebeldia esquecida, Com seus clamores ignorados, Barrados pelas paredes que aprisionam o som das vozes sonhadoras. Triste barulho surdo Da esquecida alma muda que não pode falar... Quando mandaram se calar Esqueceram de ouvir os sonhos Quando os sonhos não diziam nada Buscaram as palavras Mas todas estavam caladas E no nada se ouvia apenas os lamentos do silêncio. 58 PRÊMIO CASSIANO NUNES HOSPEDEIRA Flávia da Silveira Perez Rompeu um silvo pavoroso e encheu-me as entranhas de assombro, medo e gozo Causou fissura no Tempo - grito intra-uterino, Intra-venoso trespassou a borda do Universo. Voluntariosa criatura, gêmeo univitelino perigoso, diverso. Cara-metade escura, face escondida da Lua, meu reverso Desarticulou meu cerne, chutou-me aqui dentro. Bateu-me para sair Até rasgar a carne. - Hóspede traiçoeiro! Foi assim que nasceu - como um oitavo passageiro meu outro Eu. 59 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS COTIDIANO DE UM DOS ÚLTIMOS SAVERISTAS DO RECÔNCAVO BAIANO Gabriel Cardoso do Amaral Neste saveiro a chacoalhar Calmas ondas num marulho Sou um velho marinheiro Capitão de longo curso Ainda não foi traçada a rota Vivo solto nesse mar Muito azul para se ver Meu barquinho a navegar Vento batendo na vela Onda batendo na proa Tudo em baixo é mar Tudo em cima é céu Pés descalços sobre a tábua Surge ao longe uma canoa Sol forte sobre o meu chapéu Para onde vou? Vou para Maragogipe Beber cachaça de alambique Não, melhor ir para Itaparica Buscar a água na fonte da Bica 60 PRÊMIO CASSIANO NUNES Ou talvez pra Cachoeira Ou quem sabe Ponta de Areia? Não, meu destino sei qual é Mão firme ao leme Já sinto o cheiro da moqueca de Dona Irene Vou pra ilha de Maré. 61 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS VIDRAÇA DE POSTIGO Geraldo Trombir Estou eu mesmo, sozinho aqui comigo, Contemplando o meu próprio umbigo, Pagando caro por interminável castigo. Estou eu ‘ andarilhando” a passos de mendigo, Suplicando pela segurança do abrigo Onde habita o afável sorriso amigo. Estou eu abrindo a minha vidraça de postigo E, pela fresta, expondo-me a todo tipo de perigo, Na esperança devolutiva do meu amor que ainda está contigo. 62 PRÊMIO CASSIANO NUNES FORMA BRANCA Guilherme Oliveira de Brito A mulher, Da casa vazia, Olha sem foco a lua clara. Alua, no céu, vista do campo, fora da casa, vaga, como uma lembrança, no infinito. Agora tudo é antigo e ela adormece. Percebo, invisíveis, abstratas coisas, aos olhos cansados da mulher da casa vazia. A luz, entre as frestas da porta, toca a mulher, desperta, agora nua, na casa vazia, em algum lugar entre o sono e o esquecimento. 63 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS MONOGAMIA Guilherme Scalzilli Torrão de corretos meneios, ares convexos, cava conduta, ele suma o caramelo insosso que o irmana a chãos e colinas. Contido por veios seguros, derrama-se em porosa lisura, fluindo ao descanso viscoso; porém, decomposto ao meio (ou um tanto antes, como anseia), espera livre de arrimos. Submerso no assomo do flerte, engulha turbas de estios, delira pesadelos forros - e mais anela as delícias do abismo à medida que desliza nos sustos prazerosos da malícia. Não conhece, entretanto, as perfídias viris do galanteio, a náusea das carícias iminentes, o apuro reticente da mentira; sonhara-os pasmo, em segredo, e o mero vir-a-ser fora enleio, durou centúrias de transeada nostalgia. Afeito à armadilha, no âmago morno do encanto, um salobro mortiço o devora: soçobra em promessas ignotas, vácuos de vivências inauditas, prestes a impregná-lo, qual tela crua, a nódoa de tintas antigas. Mesura quão duras e hirsutas as tramas do seu tecido intacto, quão tesas as suturas, a apupos cosidas, que lhe selam os furos da epiderme árida. Lembra as masmorras dos zelos sonâmbulos, das angústias tolas, dos arroubos escravos. Roto de assaltos, amálgama ambíguo, denso de lapsos, engasga os desígnios que o moldaram dado ao fracasso, os muros de afagos amigos, guardando seus humores gratuitos, e as puas do gênio relapso que o talharam cínico, raso profeta dos planos baldados. Recua, no instinto da luta, ladeando precipícios de estigmas. Esquece que é granuloso tosco, mísera poeira verossímil, e tenta assimilar-se ao lodo, ao ranço que o tinha compacto. Quisera não ter cobiçado. Caído acima, pensa subir da asfixia, 64 PRÊMIO CASSIANO NUNES mas a tona revira-se em leito e ao fundo oscila o céu luzidio. Nada em vazios natimortos, numa azia de eternos prelúdios, no orgulho contrito dos triunfos súbitos e lauréis imerecidos. Falto da calma enxovia (sina aceita, mais que convicta, Paga sem pena, em revés de alento) e ébrio de quimeras, supõe que só a cela o fez cárcere, que apenas trevas externas ninaram-lhe o sono longevo e secaram suas febres honestas. Parvo de incerteza, timorato e obtuso, açula o reposto apetite, instiga a volúpia cortês, os ímpetos novos, a audácia liberta: sim, purgou a velha pureza, está isento dos lustros decentes, limpo da índole de argila. Mas ainda veste o doméstico cimento, crivado de pactos benignos, que é fardo, sepulcro e esteio. Feito, por troça inclemente da sorte, monólito que outra deseja, Fadado ao limo do asseio, ao exílio do silêncio, à perpétrea vigília explode num frêmito ocluso: íntegro, destrói-se para esquecê-la. 65 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS DAS ODES INEXPRESSIVAS Henrique Fialho Barbosa Aqui, preso a um pedestal de aço oxidável, a chuva me coroa rei dos pássaros e dos homens. Sinto despejado em meus olhos, nervos, fígado toda a poesia que há. Mas que é a poesia sem palavras que lhe digam? O que é a poesia sem bocas que lhe sussurrem? Nada além de epifanias com flores e cactos e pedaços de grama que nunca serão cantados. Mas que sempre encantaram e encantarão Como um beija-flor pousado num piano. 66 PRÊMIO CASSIANO NUNES SONETO INFINDÁVEL Hércules Souza Teixeira Quando todos os candelabros se apagarem, Quando não sobrar nem o garçom, Nós vamos andar pelas ruas, E eu vou lhe tocar meu violão. Quando o último cigarro se apagar, E a última garrafa estiver vazia, Eu vou lhe pegar pela mão, E declamar poesia. Quando o último suspiro calado For solto como corpos na cama, Eu vou lhe contar histórias de amor. Vou recostar sua cabeça no ombro, E vou mostrar a conduta de quem ama, Seja na condição em que for. 67 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS UM PÁSSARO Iara Maria Carvalho um nome secreto bem no meio do meu corpo: o que não traduz persiste. o que contradiz, descansa. meu corpo invadido esquece valentias na hora do batismo. morna essa água do meu nome. 68 PRÊMIO CASSIANO NUNES BRASILIA CONTADA EM VERSOS Ilton Gurgel Fernandes I A capital do país Um lugar especial Bem no centro do Goiás Neste Planalto Central Foi um sonho de Dom Bosco O qual se tornou real. II Brasília a capital Fundada por Juscelino Nosso grande Presidente Um coração de menino O orgulho dos mineiros Planejou o seu destino. III Presidente Juscelino Ele já estava certo Construir a capital Do qual teve o projeto De Oscar Nier Méier Esse grande arquiteto. 69 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS IV E ele com o projeto Começou a construção O Congresso Nacional Um lugar de decisão Palácio que o Presidente Comanda nossa nação V E na sua formação Gente de todo o lugar Norte a Sul deste país Aqui veio habitar A nossa população Assim pode se formar. VI Também para trabalhar Foi grande o movimento Hoje tem arquitetura Em todo o monumento Com locais apropriados Pra realizar evento. 70 PRÊMIO CASSIANO NUNES NO FIM A IGUALDADE Ítalo Augusto Camargos Pereira Se no mundo a explosão, imaginem só Elevasse-nos a poeira cósmica, E o fim trouxesse às divisórias fórmicas Na altiva condição de primo pó. Se no mundo a explosão, imaginem só Lançasse-nos crus na atômica essência, Sendo a queda trunfo a má sapiência, Afogando em sangue o atrevido a dó. E que venha a nós, falência humana, Exploda a terra e todos nesta crosta, Pois a nós nada vale a derme oposta. Seja impiedosa explosão mundana, Pois na forma pó, negro e branco são iguais A ti, a este, ao mundo, aos vermes e animais. 71 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS ANIVERSÁRIO Jacqueline Beatriz Teixeira Barbosa Os anos passam... E ficam as lembranças: São momentos transcendentes, Cravados na memória. Os planos mudam... E fica a procura do essencial: Atravessar o caminho da vida e ser esquecido, Amar nos caminhos da vida e tornar-se memorável. Os sonhos modificam... Fica a alegria da realização: Não ser nunca estático no tempo, Ousar ser melhor que o segundo decorrido. A sabedoria permanece. Somos a totalidade de sentimentos: Alegrias, tristezas, realizações, vitórias... Compomos com os anos que o tempo consome, O poema da experiência que conquistamos. 72 PRÊMIO CASSIANO NUNES EVOCAÇÃO DE BRASÍLIA Jaques Jesus A minha cidade é feita de anseio, Substância de sua carne é o futuro, Construído sobre os ossos de quem veio Semear luz e arte em chão bruto e obscuro. A minha cidade parece criança. Persegue o vento e sorri para a lua, Mas pensa como o velho que se cansa De insultar a mulher que samba e sua. A minha cidade cheira a cor branca, Seus prédios falam de ordem e saudade. Negro e progresso e a liberdade canta Quando o sono poderoso invade. A minha cidade um róseo céu beija, Deita e nuvens estreladas lhe cobrem, A tarde laranja uma chama deixa, Pra que à noite azuis incendiados sobrem. A minha cidade flui e tem margem, Terra vermelha, favelas e um lago Onde homens de terno olham a miragem: Rio de mel e leite a nós renegado. A minha cidade lembra vovô. Altos guapuruvus, sertões gerais. 73 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Jeito de Brasil no sangue, louvor. Cabeça de todos e tantos ais! A minha cidade na graça tomba. De em suor escravo não se ter banhado. País doce e ácido como pitomba, A capital é uma flor do cerrado. A minha cidade me quer inteiro: Carne, riso, desejo, imperfeição. Dá-me, Brasília, o mesmo direito Dos que elevados feitos cumprirão. 74 PRÊMIO CASSLANO NUNES MOEDAS José Lima Garcia Júnior Me jogam moedas. E o produto bruto é o curto, não cobre o tamanho da nossa miséria. Ideias, caras idéias. Deste acumulador de pratas, mal sabemos das desgraças, que este poder nos induz. Numa calçada, Nestes dias sem pão e água. E nas noites frias percalço a ilusão, que acorrentou nossas almas. E muitos aí se têm, vivendo com a opressão no pescoço, clamando uma liberdade, que voa não aqui nessas frestas. Ela corre pelas florestas, das nossas imaginações ingênuas. Pequena, como tornam a vida pequena. Os homens desconcertam as lírias, que almejam erguer-se no alvorecer, dos horizontes de nossas crianças, que mal conseguem entender, as noites mal dormidas, porque a fome pela igualdade, 75 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS sempre vem corroer. Uma sede de dias melhores, que não se detém. Nos impasses desse mundo, se perdem nossos meninos. Deixai-os no esquecimento. Ora esquecer é a política, Que nos dita horas. E nunca vamos conseguir enterrar esta arrogância. Rezas, Quem sabe as rezas. E me jogam moedas. Como se ao invés de pão, Eu pudesse comprar esperança. 76 PRÊMIO CASSIANO NUNES HISTÓRIAS DE PESCADOR José Luiz Amorim Perguntou o menino ao pescador: - Qual será a verdadeira conexão, que têm os fios da rede com o mar? Como consegue o peixe ela buscar, Neste profundo mar de escuridão? Responde o vivido e bom senhor: - Sabes a Rainha, a Rainha do mar? Aquela que protege o pescador seja no rio ou mar bravio. Aquela que só ela tem o privilégio de ganhar oferendas, florilégios. Pois então: Roubaram o véu de Iemanjá e fizeram a tarrafa, assim dizia a lenda que o mar trouxe na garrafa. 77 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS SONETO DA REALIZAÇÃO Juliana Rodrigues de Morais Sentir falta da carne que te cobre a alma Do brilho que teu olhar me mostrou Da mão que ainda me arde, acalma Da língua quente que a minha provou Sou parte de tudo que aqui te prende Dessa infinita grandeza que me faz viver Solta entre mistérios que ninguém entende Entregue ao enigma desse incorrigível prazer Na tua terra regada de sonhos loucos Hábito e te chamo em gritos roucos E teu abraço acolhe minha aflita Hoje sou filha de tudo que te compõe Realizando segredos que tua boca propõe Sou morada fixa na tua vida bendita! 78 PRÊMIO CASSIANO NUNES O ARREMESSO DO POEMA BOOMERANGUE Júlio Cesar Gentil de Mello Eu quero uma poesia atômica, uma poesia meteórica... Eu quero uma poesia vulcânica, uma poesia hídrica, aquática... Eu quero uma poesia marítima, uma poesia oceânica, rítmica... Eu quero uma poesia que se mova com acrobacias de boomerangue e a certeza múltipla de três. Eu quero o Às, a Dama, o Rei E a angústia de um jogo incerto pelo capricho das cartas que não vieram. Eu não quero só um poema: Eu quero três!...Quero seis!... Eu quero uma poesia transitória, Efêmera, móvel, veicular... Uma poesia que eu a arremesse e ela retorne para as minhas mãos. 79 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS POEMA III Jussara Gabin Primeiro me culpam Que a cobra enfeitiçou Adão Não tive nada com isso Meu foi só o compromisso De morder uma maçã. Depois me julgam prostituta Por não ser uma Maria Se Jesus não chega em tempo Hoje no Novo Testamento A Madalena morria. E assim segue a história Culpando a mulher de tudo. Se o homem vira cornudo A mulher não tem valia Se ela não lhe dá filho É seca, uma figueira Mas se é boa parideira Só enchem ela de cria. Quando é mãe Tudo é bondade Se sogra Ninguém a quer Cria o filho Homem feito Entrega-o a outra mulher. Se fica em casa labutando Dizem é ultrapassada 80 PRÊMIO CASSIANO NUNES Mas se ela vai à luta Há sempre um filho da puta A cochichar num ouvido: Em vez de mãe e esposa Veste a calça do marido. Tem homem Que morre de medo E por isso a espezinha Sempre fala que a vizinha É a mulher e tanto Fala grosso feito macho Mas no fundo é um capacho Ou uma velha galinha. Tem hora que desatino Jogo as pernas pro alto Subo nas minhas tamancas Reivindico o posto Com direito à adoração E quem não estiver satisfeito Vá procurar seus direitos Ou saia a lamber sabão! 81 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS OS OLHOS DE UM PEREGRINO Karla Calasans de Mello Templos de um anjo, coloridos pela luz do sol poente, refletem as mais diversas nuvens e se comprazem na singularidade da melopéia cantilena. Guerreiros na plataforma das sensações, brincam com as selvagens flores de um jardim desconhecido povoado por sonhos e fantasias onde são revolucionários da alegria. Nunca tardam em dizer se há luz ou trevas, pois, com eles, as aquarelas trazem a magia dos Universos e o encantamento do Indivíduo. 82 PRÊMIO CASSIANO NUNES CORAÇÃO ASTUTO Kátia Rodrigues Baroni Essas aves de rapina! Querendo fazer ninho na minha cabeça levando meu coração pro abismo! Sai coração, foge! Idéias infames quinquilharias cerebrais tentando aprisionar o cigano. Ah não! Não mais! Já dei um basta em qualquer que queira bater de frente ou que venha com artimanhas. O gato é astuto, espreguiça... se estira... se estica... se esgueira e displicente, sai ronronando pelos telhados. 83 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS MORADA Kybelle de Oliveira Rodrigues em sua morada brotavam vaga-lumes cisnes de asas quebradas trotava o silêncio com sua longa cabeleira escamas vermelhas arranhavam o sonho (...) em sua morada o sol escapava as árvores fundiam o ouro e o vento nas vértebras das des-palavras acarinhava em sua moradia as histórias apagavam o tempo as larvas alongavam-se em solidão antecediam o grito num breve sorriso os sentimentos eram perfumes de vespas em rodopio com estrelas e terra azul uma criança em desamparo sobre a névoa das flores a das cinzas esculpidas nos trovões (...) em sua moradia as folhas eram as faces do escuro do precipício ronronando dentro de seu coração era a metamorfose das serpentes sangrando sob os olhos da neve... em sua morada nascia o absurdo cores borradas circundavam seus lábios borboletas caminhavam nas pétalas da chuva enquanto ela velejava em seu barquinho de papel. 84 PRÊMIO CASSIANO NUNES TEMPO Leandro Zacarias Gomide Eu sou a tesoura O ralo, o seu templo A própria lavoura O espelho e o exemplo O umbigo do mundo O barco e o remo Ponteiro facundo Monólogo extremo Faminto incessante Sem boca, sem rabo Acorde infinito Eu nunca me acabo Abismo inescrito Sempiterna amante. 85 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS O FRASCO Leila Saads Em águas turvas nado E acho lá No escuro Um frasco Que navega Tão sem sentido Tão vazio e limitado E restrito e terminado Que por um segundo eu Invejo sua capacidade De questionar o por quê De sua existência tão mal Aproveitada. Seu fundo Pode carregar o mundo Mas só carrega o vácuo Se de si se tira o vazio Não lhe resta nada. Eu, ao contrário, Carrego o mundo No inacabado De mim 86 PRÊMIO CASSIANO NUNES CENTELHA Leonardo Motta Tavares Centelha é uma palavra feia Com cara de inseto Jeito de velho E gosto de remédio. Quer dizer que é uma luz Quase apagada Muito fraca, mas luz ainda. Assim fica bonito, Mas na verdade, remete a “moribundo” Há uma sentença para essa palavra. Exalta-se nela uma persistência de vida. Inútil, gasta e predestinada. Há uma centelha de palavras Na minha mão agora. Reticências Seriam as cinzas de um poema. Em um dos três pontos, quem sabe Uma centelha, uma brasa, Uma fagulha, uma chispa, uma faísca. (aqui é onde os sonhadores começam a imaginar fogueiras) Depois de finda, Nunca a escuridão profunda, Mas gelo branco enquadrado A4. 87 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS ESCADA VOLANTE Lucas Mendes de Oliveira E quando pensares em ir embora para lá, A marca d agua da tua lágrima Ficará para sempre escrita Nos versos a cantá-la. E como uma escada, Que ascende na descida E é deixada para trás na subida, Ficará a sensação de uma volta em cada ida. Porque quando você inventou a moda, Eu, em devaneio, vim coa roda Para seu poema rodar. E quando pensei Que não mais tinha você, Descobri que você era, simplesmente, eu. 88 PRÊMIO CASSIANO NUNES O ERÊ Luciana da Silva Melo Desenlace Eu sou eu e o outro Estou nele Mas não deixo de me pertencer. Nessa confusão de enlaces Fizemos um nó. Ele não precisa ser cortado, muito menos virar pó. Apenas ser desatado não importa como Se aos poucos ou de uma vez só. 89 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS SAIA JUSTA Luciano Dionísio dos Santos Enlaça o meu destino em sua teia, Penteia a cabeleira de medusa, Abusa dos seus dotes de sereia E ateia a chama doce de ser musa. Desdenha o meu ciúme que lhe acusa, Descruza as suas pernas e passeia Alheia à poesia (que recusa) Reclusa neste bardo que gorjeia. Não basta ter o busto à taça meia, Meneia seus contornos de cafuza, E implico, pra vingar-me, que se enfeia! Mas, quanto mais critico o que ela usa, Mais minha saia justa lhe torneia E o belo mais recheia a sua blusa! 90 PRÊMIO CASSIANO NUNES CAMINHADA Lucie Josephe de Lannoy Nesse meu jeito perdido e encontrado Nessa tua luta clareira sombria e densa Nesse nosso andar desmesurado Sem mais aonde, quando, por quê Sopra um vento, uma consciência Que a tudo varre, cava, revela A infinita disposição para a fraqueza E despe assim, deixa evidente Qual a semente da nossa existência. 91 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS JULHO Luiz Gustavo de Souza Alves Brasília, Domingo à tarde Nada age nem arde A não ser o sol Que rouba toda a água do ar Deposita-a num céu que mais parece mar. 92 PRÊMIO CASSIANO NUNES CIRCO DE BOLSO Marcel Francisco Veiga (El. Betin) A vida é lida no circo! I Na lona acordada dos dias o trapézio dos sonhos desafia, provoca e também surpreende: afia na corda-bamba da vida a verdade malabarista da gente. II Gota sua tingiu de sonho minha noite passada. Corou com tecido vermelho o circo que me madrugava. - “Tava” linda você brincando! Até guardei num papel escrito o recadiá que você dizia se rindo, no picadeiro, entre o vôo das claves: “Teu sono acabou na beira do circo! É nosso sono quem está de passagem!” III A vertigem acessa no alto da lira. O arrepio do trapézio na espinha. 93 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS A surpresa emaranhada no tecido Como origami desdobrado nos braços. Todas as sensações de arcos e músculos no espaço, no instante em que o chão já desalcança o passo. Elas todas pisam alto e voam fundo sem derramar a saciedade do gesto: não se contentam! Querem mais é desaprender os limites, descobrir a alma da graça que passarinha fogo nos olhos. Porque incandescer é sempre preciso. No cotidiano, no sonho e no circo. Em qualquer lugar. Sob todo sentido. IV A alegria e a verdade não dependem de tradução para existir. Mais até do que outros atos originais, causam estranhamento. Eu pega carona com elas. V Amor é malabares; a gente, prato que ascende: o circo, a vida Sirva-se. 94 PRÊMIO CASSIANO NUNES BRASILIANAS Marcelo Ferreira Carámbula I O céu se abre ao infinito Teus espaços são a capital dos meus pensamentos Sorri o busto que fundou esse sentimento monumental De poder, nas tuas letras, estar agora, brasiliana II Inauguram um monumento Mas é a tua estampa Que transforma meus pensamentos Em traços curvos Que nem Niemeyer sonhou III Tempo Estio Em que corpo e alma tem mais sede Embora muita água possa ver, em realidade Não é fácil atingir teu lago Mesmo assim, Vou forjando uma orla Pela beira Mar que, um dia, em sonhos verei 95 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS IV Pesadelo alado Que voa ao Norte Mas é para o Sul que vertem tuas veias No entanto, a alma, condor que vaga Do alto vê: é um avião! Quando enfim, ao leitor regresso Eis que uma voz de metal me chama Novamente ao teu aeroporto! V Ando em tua perspectiva Por uma avenida sem fim e sem nome Estonteante velocidade colorida De sonhos em movimento No rosto do menino As luzes de uma cidade perdida Olho para frente O sinal deve abrir (Qual será o caminho mais curto até o teu ser?) VI Abrindo picadas no teu seio Pelo cerrado Acreditando na visão Vou quebrantando tua fé de pedra Esse plano de gelo, bloco de certeza De quem não quer me habitar E sentir a paixão dos pioneiros Com a força 96 PRÊMIO CASSIANO NUNES E os sonhos Nos quais sou operário Que despenca de todos os andaimes VII Brasiliana tem olhos de gata íris de velha xamã Com tuas seitas Seus novos mistérios Feiticeira do altiplano De bruxa, de benzedeira E não foi a cruz em sua fortaleza Que lhe livrou desse feitiço De possuir toda a gente E a cidade Que no início Não tinha Deus Não tinha amor, nem nada Passou a crer mais na vida E os templos: a natureza! VIII Na noite em que parti Levantei poeiras e dúvidas Na bagagem que juntei Um mapa sem legenda E o coração como bússola Apenas na procura de teus jardins em mudança de estação Porque meus pastores São os pássaros que desenham em teu céu As luzes coloridas desses dias 97 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS IX O expediente O calhamaço, o ouro e o calmante O lilás de bocas trêmulas De longe brilham e fazem fama A Brasiliana que me engana É uma miragem em reluzente deserto Sinuosa, prematura e disfarçada Que agora caminha distante Batendo asas Buscando a mortal travessia Em saltos loucos Nos meios-fios de Brasília 98 PRÊMIO CASSIANO NUNES A DENSA TERRA Márcia Andréia Reis Pereira de Carvalho Vim riscar o chão com palavras de sal, Volver a terra à rama dum carvalho, O barco das flores... Não mais ataca em meu quintal. O brilho fosco da manhã, acoitada... Meus olhos cansados que vislumbram o nada... Os primeiros gorjeares da cotovia, Triste! Melodiosa aos ouvidos, anuncia: “O branco tom, que azuleja a dia!” O verde escuro das pastagens, Das moitas finas dos cabelos de capim... Redemoinhos aos ventos as ramagens, Põe no ar um estranho aroma de alecrim... O relâmpago em lâmina fustigada, Rasgando a cinza colcha de cetim... E assim pranteia suas magoas, o dia... Encerrando-as na densa terra, enterrando-as em mim... Germinam flores no eito das pedras... Lírios roxos dos meus lábios de carmim... Aleijam os beija-flores exaustos... Murmuram suas preces as pedras do claustro... Com os pequeninos pulmões inflamados, Pousado ao seco galho da videira: Suplica o Bem-te-vi... “À Melancolia”... O Triste-vida... declama... “A agonia”... 99 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS UM POEMA PARA GEORGE ORWELL Marcos Alberto de Souza Oliveira Quem vem lá?!... Vestido de rebeldia, Com a revolução entre os dentes, E entregue à própria sorte Mastiga o enredo, cospe a história!... Como não se reconhece sem excessos Quer-me parecer sem tradução. Supõe existir fora da consciência, Como algo que não pode ser pensado. E para se encontrar consigo mesmo, Anda por aí, distante da resposta. Experimenta o lótus numa noite insone Para se esquecer de pedir perdão Cria o significado - ama pela metade. Assoprado para fora do seu tempo, Sequer tolera um dia após o outro. Avança!... Sem sombra de dúvidas, Descansa certeza ao sol das possibilidades. São os acasos da sua contínua ida!... Amanhecer é quase um suicídio, Depois de acordar do sonho vermelho. E em fuga de um século não cantada Não aproxima de explicações sem motivos. Enxuga a palavra. Nem tudo é poesia Antigos gestos repetem a novidade 100 PRÊMIO CASSIANO NUNES À semelhança de Judas, Brutus e Calabar Não se deixam ver por dentro... Embriagados, seus anjos soluçam E folgam as amarras da ideologia. Não tardam a atirar a primeira pedra! Frente a frente com os pecados Da sua via crucis de poeta - ressuscita-se Numa interpretação para poucos... Ao compor a toada triste do salvo-conduto Cessam os sinos! Emudecem os pardais! Ecos não evolvem os gritos. E todos se calam. E tudo é silêncio. 101 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS BURLE Marina Mara da Silveira Chaves Burle o que não for arte Marques com cores as veredas As varandas, as telas e teclas E quando chover no jardim E o sol trouxer as setes cores O mestre dará sete notas Todas mudas, que plantadas Florescem como poesia Enraizada em projetos De cheiro, vida e simetria Seja tela, terra ou tom Sim, tudo são flores Quando a magia é dom É o poder da alquimia Que tira som de planta Como Maestro que encanta Os pardais de orquestras naturais Que lêem nas linhas das folhas Suas partituras musicais 102 PRÊMIO CASSIANO NUNES PRA'LARVAS Marton ‘Olympio da Silva Santos Brincar com palavras Lavra minha terra Erra sobre meus cabelos Belos e inatos poemas O sol abre quando sorrio Rio que margeia a solidão Dão dos meus olhos Molho, inatos poemas Ecos cospem uma resposta Posta a mesa, fome alguma Uma a uma letras engasgam Parindo inatos poemas. 103 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS APONTAMENTOS PARA UMA POÉTICA CANDANGA Matheus Gregário Vinhal e Silva Esqueça o adjetivo brasiliense. É algo mais inventado que a própria cidade. Não considere nada que seja mais artificial que Brasília. É parte do inexistente. O céu em Brasília: o Corcovado no Rio. O concreto de Brasília: o ferro de Itabira. O avião não decola em seu próprio céu. Tesourinhas: uma ideia, uma estética apoética. Bebe Behr. Planta Marx. Pensa nos ladrilhos de Bulcão, somente então, rima. O apostolado de Athos. Niemeyer não morreu. (entrequadras nas entrelinhas) Brasília só é possível de óculos escuros. O branco ofuscante, o fogo invernal. Há de se tomar cuidado com o nome Brasília. É traiçoeiro. Sugere coisas demais, a rima tosca, a ilha, a agudeza de um acento, o feminino de um país. Brasília é um homem que trocou de sexo. Sem gênero, sui generis. 104 PRÊMIO CASSIANO NUNES TEATRO AMAZONAS Michele Eduarda Brasil de Sá As árvores brincam de roda Na praça São Sebastião. Suas copas, Copélias, Movem-se verdes sempre, Sempre Verdis, Durante as Quatro Estações, Vivaldíssimas. São elas o coro das tragédias, A risada das comédias, E no Natal se enfeitam Para a chegada do Messias. Chamam os transeuntes ao espetáculo Em rapsódias, valsas, polcas, marchinhas, Samba, chorinho e boi. Um minuto, um Minueto; E continua a Dança das Horas, Desde a manhã de Peer Gynt Até os últimos Noturnos acordes Que despertam as almas à arte 105 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS REVELAÇÃO Nadyr Angela Berge Ceschim Oiticica Alma que se rompe Abrasa destilando Lentamente este retroinverso. Vida. Morte e vida há quem ouse negar? Ramalhete indeciso de sentimentos Imitando uma folha ao vento Louva o porte deste feroz dilema Um dia que parte uma noite que chega Morte e vida redemoinho improfícuo Nas dúvidas de mais uma tarde de sol Arco retesado aguardando o tempo. Morte. Insano perder de novas romarias. 106 PRÊMIO CASSLANO NUNES QUE MÃOS MOLDAM O POEMA? Odemir Paim Peres Júnior A mão aflita, afeta o gesto das auroras, põe febre nas palavras quando a verve dispara. Rompe (alam) brados e fere o assombro. (que espírito invoca a luz quando o verbo é silêncio?) nas palavras a pesada empunhadura dos sentidos afia a sua dura adaga nas quinas se seus labirintos. (onde o poeta deixa os óculos quando inventa a chuva? Ainda: Se são dois olhos gigantes, duas lentes deságuam o infinito?) A toda a arquitetura - de ângulos ou curvas são permitido desvãos onde adormeça o poema. 107 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Quando descerram os olhos para o atrito das horas desprende toda a aurora nos limites dos sonhos. (que instrumento inventa o silêncio quando a vida rebenta? Que quiromancia advinha o destino nas linhas do poema?) 108 PRÊMIO CASSIANO NUNES GATO E SAPATO Oswaldo Pullen Parente Agora, sou um gato, Rapão de fato engolindo sapo mas! Sonho um pássaro morto em meu prato este meu sujo lado de comedor do real Sou um gato absorto em meu prato vago, que o rato comeu Malandro, gaiato, se me assanho, safado danço um tango de quatro patas... mas agora, sou um fato: sem tretas, nem poesià sou o fato que se perdeu no sapato meu gato este, lasso que já não sou Crítico, enfadado agora sou, no máximo pragmático. 109 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS BRASÍLIA Paola Daniella da Fonseca Rodrigues A letra trêmula na carta da mãe marca outro mês neste calendário estóico. A cidade continua, ilustríssima desconhecida, como todas as cidades são. Em maior ou menor grau de integridade. Mas é diferente: aqui desaprendi a chorar. A sensação de não ter casa faz a gente criar casulo dentro de si. Ver beija-flor onde só tem solidão. Beija-flor lembra a mãe A mãe é a tradução da saudade. Antes de dormir, penso em voltar mais uma vez. Avalio perdas e danos. Fico. Com ambos. 110 PRÊMIO CASSIANO NUNES ENIGMA Paulo Emílio Pereira Ferraz Caminho entre as trilhas ou nuvens Nado no lago ou no rio Vôo na vegetação ou no mar Corro rápido e às vezes devagar Olho o horizonte ou a mim por dentro Toco a pele ou o instrumento Produzo o som ou até o silêncio Saboreio o perfume das violetas Sinto o riacho e as geleiras Vago pela montanha Afago a vegetação Mergulho no oceano Quisera poder tocar as estrelas São belas, brilhantes, distantes, mas não solitárias. Quisera poder girar o mundo É pleno, envolvente, magnífico, parte do universo. Sou apenas um dos milagres da natureza Sou movimento, espaço, tempo Sou o vento. 111 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS SONETO DO AMOR DESFEITO Paulo Franco O imperfeito amor que avassala de infinito o coração em chama e causa dor e embaraça a fala atormentando o peito de quem ama é o mesmo amor que a criança embala quando recria num brinquedo um drama ou o amor que o tirano cala pra iludir e pôr a terra em chama. É, com certeza, o sentir mais forte que pode haver pra embriagar o peito, pois gera vida e depois a morte já que depois se torna rarefeito e o sentimento que era a grande sorte vira um vazio coração desfeito. 112 PRÊMIO CASSIANO NUNES SONETO XIX Paulo Rômulo Aquino de Souza Passar não posso pelas tuas portas. Hão de acusar-te os santos de revel. Perguntariam por que te importas Levar um ímpio como eu ao céu. Passar não posso pelas tuas portas. Sabes: não fui amante tão fiel. Quanto perdoas mais e mais me exortas, Sei que pretendes conduzir-me ao céu. O que dirá tua madrinha Juno, Vendo-te virgem abraçando um huno? E me respondes sem nenhum receio: “Não te incomodes do falar alheio. Quando em meu corpo teu prazer investes, Deixas cantando os pavilhões celestes.” 113 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS A MORTE DE RAFAEL ARCANJO Pedro Gontijo Menezes O dia amanheceu sem luz com fusco de chama de vela velada estava a janela. Deitado a meio caminho da Ladeira da Preguiça coçava-se um cachorro cansado. O chão de pé-de-moleque deixou de ralar o joelho da correria da molecada. E o resto da enxurrada Da chuva da última noite Unia os paralelepípedos. Os sinos da igreja matriz chorosos que estavam, de bronze não viram o dia nascer. E o domingo, aquela vida besta de vela defronte o oratório sequer lhe deu as caras. Os tapetes de milho e serragem Sussurraram o batuque triste do Reisado daquele ano. 114 PRÊMIO CASSIANO NUNES A folia em honra à Virgem e a procissão do Triumpho perderam-se e se confundiram. Em casa não houve abrição bateram à porta surda a vela num repente apagou-se. As asas de pedra partiram-se partiu o anjo do oratório uma imagem barroca a menos. 115 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS TORRE DE HOMENS Pedro Vinícius Cortez Nobre No dia derradeiro em que pela última vez iluminou o brilho do sol a velha torre, construída sobre pedras e em pedras repousando, subiu um jovem escravo ao último andar seu, nas nuvens, pegou uma lasca afiada, marcou uma letra na rocha Coube ali um toque de superstição, lá no alto a que nenhum outro homem jamais chegara Foi esse escravo o primeiro dos primeiros sobre quem desceu do céu a loucura como silêncio; ao que lhe vieram chamar: desça ele não entendeu e até se assustou Sem que se soubesse por quê A paz e o sossego fugiram no espaço de um fôlego apenas um fôlego e nada mais, fugiram, fustigados por um dedo celestial que dançava e gargalhava, pondo a correr pernas magras, tingindo o pôr-do-sol com sangue vermelho, que a terra seca avidamente bebia: todos os homens sucumbiam — pais às mãos dos filhos, filhos às mãos dos pais, mas todos eles, todos compelidos a um só tempo pelo mesmo dedo 116 PRÊMIO CASSIANO NUNES Sobre o primeiro escravo filho de Babel a confusa ira divina caiu, despencou na cabeça de homens honestos, embora um tanto ambicioso, é claro, eram-no, sim, - que mais poderiam ser? Nascidos da Terra, não fortes como ela, A torre mais alta que construíram suas mãos a custo chegava aos pés da mais modesta das montanhas E no entanto, Deus, Deus! sentira-se incomodado, afinal o último andar o irritava em seu repouso, pinicava-o em sua ira, e por isso o desmanchou permitiu ao pobre escravo, porém, a quem faria ainda a vagar pelo deserto, - injustiçado, estupefato, desamparado, amedrontado, abandonado um vago vislumbre do que se seguiria à primeira Babel, e como ainda se juntariam os homens, teimosos empilhando tijolo sobre tijolo, esperançosos, para que em resposta dos céus a cada vez mais forte soprasse um vento de um Ancião, e que viesse ele varar o intento novo ignorado este até então, e ditoso; antes sobre a pedra dura os braços haviam se juntado sob um só nome e sob uma só língua, construindo de suas vidas algo maior qual montanhas: mais forte, infinito, para que cruzasse o espaço a sua mensagem corajosa, chegando às nuvens - dizendo, clamando: “Estamos ainda aqui, vivos, unidos!” 117 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS FANTASIA Perpétua Conceição da Cunha Amorim feitas com papeis de balas, são minhas vestes de plumas, os calçados que me aquecem meu sombreiro é de folhas de ciprestes apóio-me em uma bengala projetada só para mim com fios prateados, madeira de lei e um cheiroso capim tenho uma cadeirinha de arruar amarela-doirada, com acentos cor de anis, cortina de renda e teto de ir e vir onde ponho-me a ver estrelas nas noites quentes de outubro. Ah! meu escravo é o meu guia, com os seus olhos de esmeraldas pele alva alvinha cabelos longos e negros feito as crinas de um azarão. Pois é Feitas com papeis de balas, são minhas vestes. 118 PRÊMIO CASSIANO NUNES SURGI NO MUNDO EM CURTO TRAÇO AFLITO Rafael Gomes Fernandes E fui por tempos um rabisco breve. Moldado em vida, fui-me sendo escrito Como um Soneto que em si mesmo escreve. Com a pena em punho pus-me ao brusco rito: Compor-me em metro que um soneto deve... Perfeitamente fui-me sendo escrito Com certo metro que já não me serve. Rasguei-me a folha em farta fúria e ofensa À antiga língua amarga, muda e morta E pus-me a redigir-me em novo ser... Em novas letras e com nova crença A cada tempo o texto certo entorta: Sou mil sonetos... sempre a me escrever... 119 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS MAR IBÉRICO Rafael Milliote Ramalho Por mares tempestuosos avante Conquista o globo com glória E destemido lança espada incessante Para que em terra celebre vitória Mar Ibérico, só por tua fortuna Foste tal vigilante nictemeral Mal Bélico, em colônia oportuna Obtiveste grosso lucro sideral Não se sabe se o amor ou se a morte Se há vida naquele gigante Dominante de jamais visto porte Para o qual bastou o tempo - este forte A fim de pará-lo, para dar-lhe fim Portugal das navegações adormeceu enfin 120 PRÊMIO CASSIANO NUNES COREÓGRAFO Ricardo Lahud Menino moleque solto no jardim prende pelas cores bailarinas borboletas E com tesoura de ponta redonda Separa Na grama, cabeças a pensar sem vaidade No jarro, asas e pernas a dançar sem compromisso 121 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS ROSAS DE AFRODITE Robledo Neves Cabral Filho Ó, rosas vermelhas! Em seu venoso brusco, torturante Criadas em perfeição pelo sonho da infernal feiticeira Afrodite! Soleníssima criança que, em andar errante Encanta com suas sinfonias a volúpia derradeira! Ó, rosas impuras, que brincam com o homem de anseios! Paixões do outono cruel em seus tons avermelhados! Perpétuas decorações à parede da Deusa dos Enleios: Vermelhas gotículas do sangue dos encantados! Em sua beleza me aprisionam, impetuosas rosas! E tuas pétalas, oh! belas demais para a realidade! No interior, entretanto, de virtudes tão airosas Esconde-se a mais cruel e insensível fatalidade! E nesta melodia de encantos, ri-se em satisfação A domadora dos pobres corações humanos! Já que suas belíssimas rosas os levam à desilusão E transformam suas mentes em dizeres insanos! 122 PRÊMIO CASSIANO NUNES MUDANÇAS Rodrigo Domit Sem palavras o criado mudo isolou-se em um canto sempre tão fria a geladeira derreteu-se em lágrimas Sempre tão quente o chuveiro agiu como se não ligasse As paredes ecoaram o silêncio da despedida Algumas portas se fecharam Enquanto outras se abriram E eu, que já não me sentia mais em casa, parti 123 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS TELÊMACO E A PONTE Rodrigo Vasconcelos Rodrigues Pinheiro Culpar a ponte foi inevitável: quem ou o que tornaria tão fácil a ida do meu pai para o outro lado, de onde os guerreiros saem exaustos? Eu era uma criança quando as lanças de ferro e bronze cruzaram a ponte sobre o mar porque os guerreiros sedentos de sangue e de glória queriam lutar. Nem terra nem ar - o meio mais rápido de aportar naquelas praias cinzentas era a ponte sobre o mar. Ponte de aço, firme, que nunca se enferrujará! Foi pela ponte que alguns retornaram uma década depois, carregados de proezas terríveis e tesouros, para enfim comprovar sua vitória, e para reavivar esperanças: o mar - água, sereias e sargaços não tardará a revelar à ponte que o rei volta, sem sinal de velhice, e ele dirá: “Sinto os passos de Ulisses!” 124 PRÊMIO CASSIANO NUNES ÁTOICES Ruth Meyre Rodrigues Há um tempo escondido em cada E o nada visível em tudo Dentro de uns, muito, Dentro de outros, outros Como se maçã desse na bananeira Como se velocidade fizesse a dor passar Pipa sem vento num voa não Vento sem pipa se perde sem graça Tenho pena de poeta sem pena Saudade de quem não está mais aqui, mas também não se foi Ou se foi e agora é outro, num sei Vida sem mote é morte, quero um Estão levando o pão da vida, deixem o vinho, deixem 125 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS DÁDIVA Sadat Gonçalves de Oliveira Quando eu morrer, doem meus órgãos, doem tudo. Levem as córneas com as quais eu vi o mundo. Levem o fígado que provou uns poucos vinhos. Levem um rim, levem também o seu vizinho. Se, no momento em que me visitar a morte, Os meus cabelos forem longos, então cortem. A minha pele que sentiu toques e apertos Podem usar para fazer alguns enxertos. Doem meus ossos, cartilagem e, então, Por fim retirem meu saudável coração. E, para que nada de mim se desperdice, Doem o resto do meu corpo à pesquisa. Pois não há nada mais monstruoso e mais mórbido Do que negar-se aos outros mesmo após a morte. 126 PRÊMIO CASSIANO NUNES ANTIPOESIA Salatiel Ribeiro Gomes Onde o poema retalha o átomo em bolas de água e sabão ando simetricamente e piso nos galhos rasteiros fomento a firmeza das pedras e enxoto as borboletas do céu longe dos caminhos da fuga desuso as lembranças enquadro-me à cal ao concreto, ao cimento e chuto alvenarias de papel. 127 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS NO MUNICIPAL Sara Mayara Martins Borges Queria subir no palco do Municipal. Dar show! Queria arrancar palmas sinceras, gritos de deboche, chuva de tomates O que for! Queria não estar lúcido. Dizer aqueles monólogos revestidos de inteligência que os críticos a-do-ram! Queria ser sarcástico. Afiar bem a língua com dizeres ásperos. Cuspiria ácido! E ainda assim, eles me amariam. Queria que a luz brilhasse sobre mim! Revelando a face da máscara do poeta. Rasgada com uma feição de pura dor Onde minha alma, senhores, é a própria tradução. Depois de brilhar na noite paulistana Queria ir em direção ao Planalto. Ao Teatro Nacional. Arrancar palmas sinceras, deboches, chuva de tomate da Capital Federal. 128 PRÊMIO CASSIANO NUNES GRITO DE DESASSOSSEGO Savigny Machado Lima Se a paixão não fosse Uma louca desvairada Eu te juraria certezas. Se a paixão não fosse Uma cega de toda hora Eu te daria um caminho. 129 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS SOIS E POEIRAS Sidnei Alves de Oliveira No coreto da praça Da língua do menino mudo, Onde o mundo se denuncia pobre, A palavra e o palavrear Enriquecem a paisagem: A borboleta pousa pausas E a poesia conta causos No Cáucaso, Um poeta no pico das montanhas E mergulhado nas geleiras Sonha abraços desde o Gama Entre sóis e poeiras. O menino, enriquecido, Ri cachoeiras E canta mariposas, Sem cessar. 130 PRÊMIO CASSIANO NUNES BOLERO DE RAVEL Sônia Maria Carriel Brandão O dia desliza no tapete do tempo. Uma vassoura varre o pó dos homens que arrastam na noite as suas cicatrizes. Um bêbedo conversa com as pedras da calçada. Na gaiola um papagaio dança o Bolero de Ravel. 131 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS PANTUM Ao maestro Sílvio Barbato in memoriam Suzane Lima Conceição Passaste ao mundo como um meteoro Lindo e brilhante, mas logo se foi. E foste um sonho lindo e sonoro Um lindo sonho que ainda hoje dói. Lindo e brilhante, mas logo se foi, Como quisera teu ousado orgulho. Um lindo sonho que ainda hoje dói E se entregou à canção do murmulho... Como quisera teu ousado orgulho Voaste e não voltaste pra cá. E se entregou à canção do murmulho... Regendo agora o murmúrio do mar. Voaste e não voltaste pra cá E nos deixou em inevitável pranto. Regendo agora o murmúrio do mar, Que nos consola como um acalanto. E nos deixou em inevitável pranto Da esperança no lindo improvável, Que nos consola como um acalanto, Que nega aquilo que é inegável. 132 PRÊMIO CASSIANO NUNES Da esperança no lindo improvável E da lembrança do teu belo riso, Que nega aquilo que é inegável, Sabemos que estás no paraíso. E da lembrança do teu belo riso, Ainda rimos com sua lembrança. Sabemos que estás no paraíso Agindo sempre como uma criança. Ainda rimos com sua lembrança. Foste tão cedo, ainda um aprendiz. Agindo sempre como uma criança... Deve ser perigoso ser feliz... Foste tão cedo, um aprendiz E é por isso que ainda hoje choro. Deve ser perigoso ser feliz... Passaste ao mundo como um meteoro. 133 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS O MUNDO DAS PALAVRAS Tarciana Barbosa de Freitas Apenas poetas entendem o balanço da poesia pelo mundo Cobrindo o tempo, preenchendo esse vazio inoportuno Que arrebata os corações dos que brincam Com as palavras assim: Lispector, Neto, Rosa - talvez eu E, certamente, os poetas de botequim. Colocar no papel a vida é uma arte! Cada qual faz o que pode, escrever é vaidade! As palavras martelam minha mente, Furando minha alma, até que as escrevo Minhas pequenas notas de felicidade Que me ensinam o desapego Deixo partir o que me atormenta, e releio Corto o que sobra, edito o que floreio. Pois carrego sentimentos no bolso e palavras no peito A vida comprime mas se abre num pensamento rarefeito Busco nas letras, não livros e nas leituras sem fim, Alegria de tantos leitores e escape para mim, Meu lugar de criação perfeito. Quando cresce crescendo crescente Essa vontade de escrever Colocar no papel, com a mão a tremer Todos os pensamentos que são vários E as palavras voláteis demais Toco meu pensamento num segundo 134 PRÊMIO CASSIANO NUNES E no outro já não existe mais! Agarro meu lápis e toco meu céu É como se eu estivesse completa Nesses raros instantes onde as palavras roçam o papel! 135 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS UVAS Teresinha de Jesus Gonçalves Motta Não sei se corro do cheiro da chuva Não sei se morro da falta de sol São tudo pretextos para alguma prosa Vontade insólita de falar em voz alta para ninguém Me julgo louca nesses monólogos Até no pensamento falo pelos cotovelos Essa constância de poesia em rascunho rotos nos bolsos das calças nas entrelinhas das gavetas ou no sigilo das caixinhas de chá.. Acho que estourou alguma veia Deve ser uma nova safra de uvas sazonais. 136 PRÊMIO CASSIANO NUNES ENCONTRO MARCADO Terezinha Santos de Amorim Somos chamados e avisados para a reunião de despedida. Alguém partiu, mas está presente. Laços desfeitos, momentos de dor. Inconsciência de quem se despede Exposto a todos, no seu último dia. Estando inerte sem tristezas ou alegria. Enquanto isso, parentes e amigos Se olham, conversam se abraçam. Encontro marcado por conta da morte Momento tácido, de apoio, de quem fica Sem jeito de fugir deste lugar. Encontro, onde alguns envelheceram, tornaram-se feios, bonitos, mais magros ou engordaram. Vida pulsa, diante do escolhido em foco, com a certeza efetiva que nosso dia chegará. E quando chegar a hora da nossa partida, no encontro, não podemos mais falar,nem reparar: quem veio, quem deixou de nos prestigiar. Vida e morte se entrelaçam, nesse triste dia de chorar. 137 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS BRASÍLIA Thais Lima Rocha Beleza que contorna a norma brusca, e renasce Se torna inumerável de vida Faz do céu uma plataforma azul Onde mora o mistério do simples e infinito. Em anos, dias mais belos e puros Dançarei nos seus frágeis outonos Cúmplices de seus seios brancos Sem medo ou fúria de falsos donos Mas nessa primavera de tristezas, Acalento todas nossas saudades desatinadas ao som de todo nosso silêncio amargo Brincando fazer tuas esfinges de sol coroadas. Amo mesmo tudo que não posso tocar, mas que me toca sem sentir. 138 PRÊMIO CASSIANO NUNES A ILHA DO BRÁS Thaisa Cristina Comelli Dutra O avião que é borboleta A cidade das silhuetas Sinuosas como as belezas Como as negras do meu país Contornadas e imperfeitas Seus defeitos? Incontáveis “Não tem mar e ninguém anda na rua” A cidade quase nua De mata seca De lua discreta Com clima de deserto Mas grandeza de floresta Assim eu imagino Um triângulo divino Um tripé de integração Que nasceu como promessa No seio da minha nação E mesmo que seja ainda Um símbolo de contradição Eu te amo por ser linda E ser um paradoxo Presente Neste e em todo coração 139 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS POEMA DE INVERNO Thiago Cordeiro Moulin Abençoada seja cada gota De chuva, que cai sobre minha face, Que me molha, me esfria, E relampeia, e amedronta, e apavora. Porque apesar de sua afronta Gélida, abusada, prepotente, Meu peito nunca mais esteve tão quente E meu coração tão forte. Pois é da mulher entre meus braços, Protegida em meu acalento, Donde pulsa o sangue que me aquece E vem o ar que me mantém atento. 140 PRÊMIO CASSIANO NUNES MODERNA CANTIGA DE AMIGO (NAMORADO) Thiago José Rodrigues de Paula Ai prédios, ai prédios de cinza concreto, Sabeis notícias de meu namorado? Ai, Big Bang, onde ele está? Ai prédios, ai prédios de cinza cimento, Sabeis notícias do meu amado? Ai, Big Bang, onde ele está? Sabeis notícias do meu namorado Aquele que não se separar de mim prometeu? Ai, Big Bang, onde ele está? Sabeis notícias do meu amado Aquele que não se separar de mim jurou? Ai, Big Bang, onde ele está? Vós perguntais pelo vosso namorado? E eu bem vos digo que não é são nem vivo. Ai, Big Bang, onde ele está? Vós perguntais pelo vosso amado? E eu bem vos digo que não é vivo nem são. Ai, Big Bang, onde ele está? E eu bem vos digo que não é são nem vivo. E que uma bala perdida sua vida roubou. Ai, Big Bang, onde ele está? 141 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS E eu bem vos digo que não é vivo nem são. E que uma bala perdida sua vida levou. Ai, Big Bang, onde ele está? 142 PRÊMIO CASSIANO NUNES RAMEIRA Tiago da Silva Frota Aqui forneço uma senha Não para os de alma puritana Não para aqueles que vêem o meu sexo como placebo Sexo tão transcendente e além das estrelas, talvez Metamórfico universo que me concedo Um, dois, três, variados desejos Feitos a partir da vara de condão aposentada Da Rameira mais bem apessoada De meia calça sedenta e olhar cabisbaixo Que me teve na cama para revelar agouro Dos infinitos corpos que passaram pelo teu Como a transmigração da alma Como a conversa entre fantasmas Caricatos camaradas que falam o que convêm Para te ter nua, para ver-te sambar sob seus corpos Não uma musica qualquer, não um tom em vão Desafio a mais pobre entre as almas Ofereço o mais destrambelhado coração Para ter todos aos meus pés Ser adorado e idolatrado naquilo que chamo de sonho Local onde as ondas passeiam a me fazer cafuné Alfa e beta que tão bem me levam Neste destemido percurso ao qual não dei nome Simplesmente mantido afivelado Onde ninguém poderia me passar a perna Onde nenhum príncipe se tornaria idiota Por seus meios, medos e ações 143 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS E é assim, assim que levanto teu rosto da sarjeta Bregueira, rameira, prostituta, pura folha de oliva Essas palavras já não te pertecem O teu corpo já fora esquecido pelo diabo que é o passado Pelo Deus que se diz poderoso concedo então o teu futuro Longe da carne, fa r away dos pensamentos Da lágrima que cai ao chão apenas a veja escorrer Do espelho partido mantenha-se longe Do punho ferido veja nascer o sangue Que brota feito a semente já morta Do teu maior carma que é a solidão 144 PRÊMIO CASSIANO NUNES CONSAGRAÇÃO Valberto Cardoso da Silva A padaria quedava aberta, meio da tarde, A moça loira comprou o vinho e com o livro nas mãos leu o poema para os meninos trabalhadores do pão. Eles riam, consideraram bonitas aquelas palavras fermentadas E pediram mais, esqueceram de vender. E a cidade cresceu. 145 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS VOU-EMBORA Valter Rosa da Silva Júnior Há lugares incomuns Que acabam incomodando feito não sei o quê Eu preciso voltar pra Beja Resgatar tal herança lusitana Que me casou tamanhos desfavores Eu preciso voltar pra Beja E como beberei vinho-mel! Como queijo querendo um tonel Subo numa torre de mouro Catarei pedras no céu Eu preciso voltar pra Beja Lá posso fingir ser descendente Ou mesmo contraparente De Dom Sebastião Definitivamente Eu preciso voltar pra Beja 146 PRÊMIO CASSIANO NUNES CINCO POSTAIS FLORIDOS Walther Moreira-Santos i O poeta Maiakovski viu as flores antes de morrer. (36 anos. Arma de fogo. Suicídio.) Era primavera. II O homem triste - disse-me um anjo - não conhece as flores. (Se são brancas as flores do lixo, de que cor as flores de minha estupidez?) III Não murchavam as flores que se foram com meu melhor amigo, Não murchavam as flores que foram com a mulher que amei um dia, Com o homem que eu amei um dia. IV Não murcharam as flores que se foram com aqueles que não amei Por falta de coragem, dinheiro, cinismo ou sorte. (Por não morar em Hollywood ou ter encontrado James Deam Ou Eva Braun em Berlim ou Nova Iorque) v As flores que se vão com os nossos ficam plantadas em nós. E não há nada além. (Além das flores há o silêncio: flor de Deus) 147 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS ROTEIRO PARA ACOMPANHAR A PROCISSÃO DE SOLUÇOS Whisner Fraga Em Minas um boi cacareja a sua desconfiança de canário Em Minas um pito estremece na boca despetalada do velho (que nem supõe mais como ou quando morrer) Em Minas o sol se melindra com a fecundidade esverdeada das coisas O trem apara a preguiça das serras (enigmático como tudo se torna trem em Minas) Um compêndio de curas nas rezas calejadas das mulheres As tripas das paredes escapando da erosão dos rebocos (Minas é um povo caducando nas horas desabitradas) Já é impossível pescar esta Minas em Minas Libertar essa Minas de Minas Ou desonrar o ventre que traduziu em desassossego essa rigidez mineral Um galo esporeia, com sua covardia amolada, os chifres da morte Enquanto uma rede nina uma selvageria de substratos: Há um torrão de Minas engastalhado na minha garganta. 148 PRÊMIO CASSIANO NUNES BELA DAMA Willians Rodrigues da Silva Mais uma vez lá está a Bela Dama, Fraca de corpo e ausente de alma, Sozinha à espera de alguém, Com o rosto riscado por água salgada, Clama palavrões para paredes pintadas de nada, Fúria de fêmea golpeada pelo oposto, Arrebata pelo desencontro contínuo, A revolta se acalma em meio ao ápice da embriaguês, Jogada ao vento pela própria benevolência, Pouco a pouco é tomada por novas lágrimas de consternação, O suicídio parece ser a fuga mais sensata após a última dose, Tudo isso acontece pelo ingênuo fato de desejar ser amada, Como ela sofre com suas belezas machucadas, Está cada vez mais contaminada à espera do nada, Após as dores mais profundas percorrerem os sete corpos, Hipnos a contemplou com um calmo e profundo sono, A agonia do abandono abdicou o seu lugar para os sonhos aos olhos do pai, A mulher apaixonada e não valorizada agora está abraçada, A proteção é majestosa em um mundo longínquo, Ao despertar estará mais viva e sensata, Jamais será re-enganada, ferida ou machucada, 149 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS Em meio a tantas angústias passadas, Poderá ser novamente amada, Sem nenhum limite para aquele que mereça encontrá-la. 150 PRÊMIO CASSIANO NUNES PASSEIO NOTURNO Zilda Pedro da Silva Meu verso passeia pela noite adentra os bares enfumaçados, contempla a triste figura e do bêbedo acabrunhado e o sórdido sorriso do vendeiro trapaceiro. Visita os bordéis chinfrins, repousa no velho rosto da prostituta menina - Que sina! Que sina! Brinca no cabelo branco tingido da prostituta cansada - Que estrada! Que estrada! e nos bolsos vazios do devasso depenado. Invade as frias alcovas dos lares bem comportados onde o amor virou costume. Saindo pela janela encontra-se em plena avenida onde o espaço é do moçoila que brinca de super-máquina em sua ausência de neurônios. Enfim muitíssimo cansado da fealdade no belo que ele próprio criou 151 CONCURSO NACIONAL DE POESIAS busca então o refúgio desse poema intrigado que o aceita sem delongas tão calmo quanto o luar. 152 PRÊMIO CASSIANO NUNES ANÚNCIOS Renan Alves Melo poética vende-se uma poética falida sem asas apenas uma dessas poéticas de funduras e penas caladas soneto inacabado fato tem a mal(dita) mania de nuvem a cada lance de olhar uma imagem já viram adagas, orquídeas e felinos nas lacunas da escrita ou nas brumas da ausência calça sentidos sem pé ou cabeça (arabescos de um lago na margem esquerda) que andam e pensam infernos dantescos duma culpa (ou lua) chamada Valquiria rima perfeita alugo mas não conto a ninguém 153 CONCURSO NACIONAL DE POESIA três versos decassílabos belo abandono que se encaixa em qualquer soneto nênia ou poemeto ode ou odisséia lira ou melodia (que não cantem a vida nem água parecida) prometo carta suicida amordaça certa tentativa de morte confundida a uma tentativa de vida acompanha um sol adormecido (e um acorda) entre os seios incertos do além preso nas entrelinhas da ida ou prescritos nas linhas de alguém um papel que poderia ter sido barco, bilhete, primeiro capitulo de um romance marco de silhuetas juvenis e teus nuances um papel errante que pudera ser eterno sem singrar a calma inquieta (a que todo poeta apelidou de vida ou amante) 154 PRÊMIO CASSIANO NUNES musa inspiradora arca pedras no caminho, tece pasárgadas cultiva palmeiras para o sabiá cantar desnuda pessoas dentro de Pessoa e ainda acompanha papel e caneta-tinteira (para carta suicida) poesia troco essa poesia vendida por um instante de regresso teu nem que seja num suspiro de partida ou num beijo de adeus 155 Universidade de Brasília / Biblioteca Central / Espaço Cassiano Nunes abriga o Prêmio Cassiano Nunes, criado em 2009 na categoria de Poesia. Nasce um prêmio literário que se faz importante como um concurso de abrangência nacional que premia a arte que consagrou Cassiano Nunes Botica como poeta e professor. A Neste livro encontram-se os laureados deste certame que se insere como um importante evento literário do Brasil. Cassiano Nunes