Visualizar/Abrir - Livros Eletrônicos da UnB

Transcrição

Visualizar/Abrir - Livros Eletrônicos da UnB
1Q
Prêmio
Cassiano Nunes
CONCURSO NACIONAL DE POESIA
3 H B H B S
WmmÊ
Universidade de Brasília
Biblioteca Central da UnB
Espaço Cassiano Nunes
iQ
Prêmio
Cassiano Nunes
CONCURSO NACIONAL DE POESIA
SELEÇÃO 2 0 0 9
ANTOLOGIA
Organização:
Maria de Jesus Evangelista
REITOR
José Geraldo de Sousa Júnior
VICE-REITOR
João Batista de Sousa
DIRETORA DA BIBLIOTECA CENTRAL
Sely Maria de Souza Costa
CURADORA DO ESPAÇO CASSIANO NUNES
Maria de Jesus Evangelista
CHEFE DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO
Elmira Luzia Melo Soares Simeão
DIRETORA DO INSTITUTO DE LETRAS
Maria Luisa Ortiz Alvarez
COMISSÃO JULGADORA DO PRÊMIO CASSIANO NUNES
Antônio Lisboa Carvalho de Miranda
Cassiano Viana
Enilde Leite de J. Faulstich
ISBN 978-85-70620-941-8
E92p
Evangelista, Maria de Jesus, org.
12 Prêmio Cassiano Nunes - Concurso Nacio­
nal de Poesia-Seleção 2009- Antologia,-Brasília:
UnB - Biblioteca Central - Espaço Cassiano Nunes
: Thesaurus, 2010.
152 p.
CDU 82-1(81)
CDD 869.1B
UnB
Campus Universitário Darcy Ribeiro, Biblioteca Central, Asa Norte, Brasília, DF
- CEP: 70910-900, Caixa Postal 04501, Telefone: +55 61 3107 2665, Fax: +55 61
3107 2689 - Email: [email protected], URL: www.bce.unb.br
Apresentação
Prêmio Literário como Diálogo do Escritor com o Leitor
Além do Prêmio em reais aos três primeiros colocados, serão
selecionados cem poemas dos concorrentes para publicação.
Do edital
Segundo a teoria da recepção o texto literário precisa do leitor
para a sua realização como comunicação. Sem mais complexa teoria,
a função da obra premiada é a de diálogo, a de uma mensagem do
eu escrevente dirigida a outrem que adquire estatus de criador. Bons
tempos aqueles em que na leitura buscava-se sempre uma m ensa­
gem.
Nesse sentido, um prêmio literário se justifica na medida em que
se consubstancia em, pelo menos, dois aspectos fundamentais. Primeiro
expressa o impulso natural do ser humano para comunicar emoções,
sentimentos, com arte e beleza. Segundo, consciente dessa espécie de
fenomenologia do ser em reconhecer-se em construção e expansão, o
poeta, em si demiurgo, estende-se na direção do outro tomado de igual
impulso num diálogo de afinidades. O prêmio desperta todo esse es­
quema de encontrarem-se sujeito e objeto desse diálogo que se faz, não
importando nível, grau ou elevação num continuo. Um diálogo que se
faz em qualquer momento com letras jamais desgastadas, pois que se
transfiguram-se em sons e imagens numa aprendizagem dos sentidos,
enriquecimento da sensibilidade. Outro aspecto importante a observar
é a seriedade poética que envolve o prêmio literário quanto à instituição
que o abriga e ao seu patrono. Quanto a isso, o Prêmio Cassiano Nunes
é modelo.
5
A Universidade de Brasília/Biblioteca Central/ Espaço Cassiano
Nunes abriga o Prêmio Cassiano Nunes, criado em 2009 na categoria
de Poesia. Nascia assim um prêmio literário que logo se fazia acolhido
como um Concurso Nacional de Poesia, sem restrição de tema. Todos
os poemas concorrentes seriam inéditos e obrigatoriamente escritos em
língua portuguesa, com inscrições diretamente na Biblioteca Central da
UnB e pelo Correio, observada a data de postagem.
M. J. Evangelista
6
Sumário
A presen tação......................................... .......................................................
5
Luiz Martins da Silva - ELEGIAS CASSIANIANAS...................................
11
José Carlos Brandão
AGATA.....................................................................................................
15
0 CAVALO................................................................................................
16
O CACHORRO.............................................................................. ...........
17
João Pedro Fagerland
MAIOR......................................................................................................
18
CAPOEIRA.................... ...........................................................................
19
A FORMIGA E A CIGARRA...................................................................
21
Alexandre Magno Gonzalez de Lacerda - A LÁPIDE DA DELICADEZA.....
23
Alexsandre Escorsi Messias Moro - ENTENDIMENTO............................
24
Altair Cirilo dos Santos - LADAINHA DE MOLOC NO TÚNEL..............
25
Andrea Perazzo Barbosa Souto - CANAVIAL.............................................
27
Andréia Glaicielly Martins Rocha FEMEANINAS.....................................
28
Andressa de Souza Silva - MARIAS.............................................................
31
Anéris Paes Barroso - FLORES.....................................................................
32
Antônio Cláudio de Araújo Júnior - POEMETO A PATATIVA................
33
Arthur Rodrigues Clemente - O PRATO......................................................
35
Athanis Molas Rodrigues - JÁ QUE É PRA SER.........................................
36
Bruna Martins Viana - SERENATA TRAVESSA......................................
38
Camila Marcelo Pinto de Oliveira - MEU CAMPO SEM FLORES..........
39
Carlos Alberto Barros - URBANISMO.........................................................
40
Carlos Augusto Sousa de Oliveira - EPOPEIA............................................
42
Daniel Rocha Barbosa - MEU AMOR NÃO ME SALVARÁ DA MORTE..
43
Diogo Martins de Mesquita - BOTICA......... ..............................................
44
Dora Duarte - SOL........................................................................................
45
7
CONCURSO NACIONAL DE POESIA
Edna Rúbia Mendes Facundo - LOBO.........................................................
46
Ednéia Rodrigues Ribeiro - AS VOLTAS......................................................
47
Eduardo de Menezes da Silva - AGORA A MODA É..................................
49
Elias Araújo - ESTRADA PARA O CORAÇÃO DO MUNDO....................
51
Elias Daher Junior - TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO..................................
53
Engênio Sousa Ibiapina Parente - ENCRUZILHADA................................
54
Fabiana Motta Tavares - EXPRESSIONISMO............................................
57
Fábio Martins Moreira - CÁRCERE.............................................................
58
Flávia da Silveira Perez - HOSPEDEIRA....................................................
59
Gabriel Cardoso do Amaral - COTIDIANO DE UM DOS ÚLTIMOS
SAVERISTAS DO RECÔNCAVO BAIANO...........................................
60
Geraldo Trombin - VIDRAÇA DE POSTIGO..............................................
62
Guilherme Oliveira de Brito - FORMA BRANCA......................................
63
Guilherme Scalzilli - MONOGAMIA............................................................
64
Henrique Fialho Barbosa - DAS ODES INEXPRESSIVAS.......................
66
Hércules Souza Teixeira - SONETO INFINDÁVEL....................................
67
Iara Maria Carvalho - UM PÁSSARO..........................................................
68
Ilton Gurgel Fernandes - BRASILIA CONTADA EM VERSOS................
69
ítalo Augusto Camargos Pereira - NO FIM A IGUALDADE.....................
71
Jacqueline Beatriz Teixeira Barbosa - ANIVERSÁRIO..............................
72
Jaques Jesus - EVOCAÇÃO DE BRASILIA...................................................
73
José Lima Garcia Júnior - MOEDAS............................................................
75
José Luiz Amorim - HISTÓRIAS DE PESCADOR......................................
77
Juliana Rodrigues de Morais - SONETO DA REALIZAÇÃO....................
78
Júlio Cesar Gentil de Mello - O ARREMESSO DO POEMA
BOOMERANGUE...................................................................................
79
Jussara Gabin - POEMA III...........................................................................
80
Karla Calasans de Mello - OS OLHOS DE UM PEREGRINO.................
82
Kátia Rodrigues Baroni - CORAÇÃO ASTUTO..........................................
83
Kybelle de Oliveira Rodrigues - MORADA..................................................
84
8
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Leandro Zacarias Gomide - TEMPO............................................................
85
Leila Saads - O FRASCO................................................................................
86
Leonardo Motta Tavares - CENTELHA.......................................................
87
Lucas Mendes de Oliveira - ESCADA VOLANTE.......................................
88
Luciana da Silva Melo - O ERÊ.....................................................................
89
Luciano Dionísio dos Santos - SAIA JUSTA.................................................
90
Lucie Josephe de Lannoy - CAMINHADA...................................................
91
Luiz Gustavo de Souza Alves - JULHO.........................................................
92
Mareei Francisco Veiga (El Betin) - CIRCO DE BOLSO............................
93
Marcelo Ferreira Carámbula - BRASILIANAS...........................................
95
Márcia Andréia Reis Pereira de Carvalho - A DENSA TERRA................
99
Marcos Alberto de Souza Oliveira - UM POEMA PARA GEORGE
ORWELL..................................................................................................
100
Marina Mara da Silveira Chaves - BURLE................................................
102
Marton ‘Olympw da Silva Santos - PRALARVAS.....................................
103
Matheus Gregório Vinhal e Silva - APONTAMENTOS PARA UMA
POÉTICA CANDANGA..........................................................................
104
Michele Eduarda Brasil de Sá - TEATRO AMAZONAS............................
105
Nadyr Angela Berge Ceschim Oiticica - REVELAÇÃO..............................
106
Odemir Paim Peres Júnior - QUE MÃOS MOLDAM O POEMA?............
107
Oswaldo Pullen Parente - GATO E SAPATO...............................................
109
Paola Daniella da Fonseca Rodrigues - BRASÍLIA....................................
110
Paulo Emílio Pereira Ferraz - ENIGMA.......................................................
111
Paulo Franco - SONETO DO AMOR DESFEITO.......................................
112
Paulo Rômulo Aquino de Souza - SONETO XIX...................... .................
113
Pedro Gontijo Menezes - A MORTE DE RAFAEL ARCANJO...................
114
Pedro Vinícius Cortez Nobre - TORRE DE HOMENS...............................
116
Perpétua Conceição da Cunha Amorim - FANTASIA...............................
118
Rafael Gomes Fernandes - SURGI NO MUNDO EM CURTO TRAÇO
AFLITO....................................................................................................
9
119
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Rafael Milliote Ramalho - MAR IBÉRICO...................................................
120
Ricardo Lahud - COREÓGRAFO..................................................................
121
Robledo Neves Cabral Filho - ROSAS DE AFRODITE..............................
122
Rodrigo Domit - MUDANÇAS.............................. ........................................
123
Rodrigo Vasconcelos Rodrigues Pinheiro - TELÊMACO E A PONTE......
124
Ruth Meyre Rodrigues - ÁTOICES...............................................................
125
Sadat Gonçalves de Oliveira - DÁDIVA.......................................................
126
Salatiel Ribeiro Gomes - ANTIPOESIA.......................................................
127
Sara Mayara Martins Borges - NO MUNICIPAL........................................
128
Savigny Machado Lima - GRITO DE DESASSOSSEGO............................
129
Sidnei Alves de Oliveira - SOIS E POEIRAS................................................
130
Sônia Maria Carriel Brandão - BOLERO DE RAVEL...............................
131
Suzane Lima Conceição - PANTUM.............................................................
132
Tarciana Barbosa de Freitas - O MUNDO DAS PALAVRAS.....................
134
Teresinha de Jesus Gonçalves Motta - UVAS................................................
136
Terezinha Santos de Amorim - ENCONTRO MARCADO.........................
137
Thais Lima Rocha - BRASÍLIA.....................................................................
138
Thaisa Cristina Comelli Dutra - A ILHA DO BRÁS............................... .
139
Thiago Cordeiro Moulin - POEMA DE INVERNO.....................................
140
Thiago José Rodrigues de Paula - MODERNA CANTIGA DE AMIGO
(NAMORADO)........................................................................................
141
Tiago da Silva Frota - RAMEIRA.................................................................
143
Valberto Cardoso da Silva - CONSAGRAÇÃO............................................
145
Valter Rosa da Silva Júnior - VOU-EMBORA.............................................
146
Walther Moreira-Santos - CINCO POSTAIS FLORIDOS.................. ........
147
Whisner Fraga - ROTEIRO PARA ACOMPANHAR A PROCISSÃO DE
SOLUÇOS.................................................................................................
148
Willians Rodrigues da Silva - BELA DAMA................................................
149
Zilda Pedro da Silva - PASSEIO NOTURNO...............................................
151
10
PRÊMIO CASSIANO NUNES
ELEGIAS CASSIANIANAS
Luiz Martins da Silva
Elegia I
Agora, ficou para sempre
“De minha propriedade” particular
O parque da cidade e seus fâmulos.
E entre os notívagos enamorados de estrelas,
Segue pelo tempo afora um deles,
Bem aquele que me disse uma vez:
“Aqui, as ruas parecem saídas de filmes de Antonioni”.
Ah! E a sua distante e saudosa Santos?
Ah! E as lembranças de um cais de Paquetá?
Terei eu de ser-lhe guardião de imagens?
Saberei verter adiante tantas pérolas-alegorias?
Quem sabe, agora, hei de citar-lhe a Lírica,
Ornamentar versos como quem declama afagos.
Seguirei por aí supracitando-lhe in memoriam
Um pouco do que lhe guardei das imagens
E que agora já não me saem em tímidos acordes de harpa:
Amo o que há de ambíguo
Num porto de mar,
Que convida a partir
e ensina a ficar...
Ah! Velho lobo ladino!
Aonde estarás, literalmente rindo,
11
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Com a tua marca - estridente gargalhada,
Aquela que derramava na calçada,
Quando zombavas nas noites de Beirute
Pretensas modernidades da juventude
O déjà vu de quem já as tinha visto no passado,
Mas sem perder dos olhos o sonho do futuro.
Ficou o que da paixão por Vieira?
E não é que encheu todas as paredes
Com a fantasia borgeana do paraíso,
O céu como uma infinita biblioteca!
Aonde terá levado o poeta
Tanta intimidade com os clássicos?
Estará ainda compartindo odes e paráfrases
No sonho encantado de uma pátria,
O archote ao alto, a chama de Lobato?
A felicidade pela literatura!
Felicidade feita de leitura!
Em que estante buscarás neste momento
O volume do quanto ensinaste neste mundo
O vasto mundo das literárias escrituras?
12
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Elegia II
De nome; rescendia a essência das acácias;
De alquimistas, ocultava o sobrenome de Botica;
De presença, o vozerão shakespereano;
De trágico, nunca ter se livrado da criança;
Morreu o adulto, mas terá conseguido finalmente
assassinar o menino,
Aquele preso ao homem pela tênue membrana?
Da gloriosa casa dos Nunes
Ainda os traços da heráldica lusitana,
Mas de solitário a correr mundos
Fixaram-se-lhe as músicas dos cais;
Amante de portos, para sempre um desterrado santista.
Ele era em si uma plangente e noturna melodia.
Creio que ainda estará sentado à sua cátedra
Altas horas, no seu cerne, no seu catre,
Lendo, lendo, lendo...
E cismando lá fora os passos no lajedo.
Às madrugadas frias, as fantasias dos carentes.
Quantos achados líricos
Impressos em seus perdidos na noite.
Versos pássaros,
Para sempre o emigrante,
A figura ambulante do estrangeiro,
A contemplar luas sempre nuas,
A solidão não escolhida, mas amada,
O recolhimento dos clowns
Ao findar dos espetáculos.
13
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Elegia III
Creio que em plena escuridão de algum Hades,
Há de se lembrar da rubra chama,
Para sempre o risco, o fósforo do desejo,
A alumiar-se-lhe nos grandes olhos os lampejos
De quem jamais renunciou
Ao sempre tardio frescor da juventude.
Se haveria de matar o simbólico menino
Acaso descolará o velho do jovem e do futuro?
Agricultor de gerações, as sementes esparsas,
De amor viveu a vida, sem nenhuma farsa.
Cândidas armas: a lira, o verso, a literatura.
E o arco protendidamente tenso, na prontidão crítica:
Jamais a concessão dos medíocres,
Mas com a austeridade de quem
De repente resvala sobre um tapete de doçura.
Vai velho-jovem ser eterna criança,
A tocar as barbas de Walt Whitman nas alturas.
Não será ele teu companheiro de ofício?
Terás assim validado o sacrifício
Da solidão, agora, mitigada, pois,
Ambos, na poesia modestos proletários.
14
PRÊMIO CASSIANO NUNES
A GATA
José Carlos Brandão
A gata me olhou com seus olhos náufragos.
Era como se seu olhar viesse
do outro mundo. Lançava com os olhos
um grito silencioso, que gelava.
Havia gigantescas ondas, monstros
marinhos, corais, conchas e florestas
submersas em seus olhos de âmbar e ouro
líquidos, mal velando o abismo fundo.
Neles boiava o sal da eternidade.
Deus neles mergulhara na criação.
A luz primeira Deus criou nos olhos
da gata imemorial. O seu miado
surdo traz ecos dos enigmas do homem
diante do absoluto mar da origem.
15
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
0 CAVALO
O cavalo sentou-se à minha mesa,
comemos e bebemos, conversamos
como velhos amigos que retornam
ao altar de antes, com os olhos rasos
de lágrimas e algum represado ódio.
O cavalo soltava fogo pelas
ventas, enquanto ria seu riso ácido.
Contou-me a história da partida antiga
com sangue e pus nos cascos quebradiços,
fomos irmãos, pastamos nas pastagens
do mesmo senhor, nosso pai, ausente
e presente na dor e na alegria.
A angústia não tem fim, e retornamos
ao capim do universo que deixáramos.
16
PRÊMIO CASSIANO NUNES
O CACHORRO
O cachorro me olhou com o silêncio
lacrimejante das janelas-enigma,
sempre fechadas, sem palavras, sangue
e sal diluidor, e latiu forte
como a morte, como árvores de espantos.
O cachorro rompeu o silêncio
de pedra exausta, precisava a dor
dizer ao mundo. O sangue nos lençóis
clamava aos céus, o breve fim, a angústia
milenar, consentida, mas angústia.
O cachorro floriu diante do mar,
em êxtase com a água, a eternidade
nos olhos mansos, vendo o tempo frágil
desfazer-se na fria areia efêmera.
17
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
MAIOR
João Pedro Fagerland
o pássaro é maior que a gaiola
poleiro não suporta tamanha
envergadura
os donos cortam as garras retiram
as penas
mas mesmo que lhe apaguem
as luzes seus olhos
serpenteiam o escuro
os donos não sacam os furos
da gaiola
(que detém o entorno do pássaro
não a voz: canto
por onde há de escapar)
18
PRÊMIO CASSIANO NUNES
CAPOEIRA
pé ante pé
pontapé no
peito do
esquivou!
gingam piruetas
estrelas na roda
aéreas catimbas
moleque calango
rasteja no vento
arma o bote e
pau: toma um sacode
berimba o batuque
tapeia o pandeiro
mandingam cantigas
vai que o capoeira
gira e mete o
calcanhar no teu queixo
limpa esse sangue daí, branqueio
a roda pega fogo
maculelê esganiçado
xinga chute pra todo lado
19
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
mas fuzuê tem fim
aperto de mão
um beijo pra dona, com respeito
caboclo todo câimbra volta pra
casa capenga
das pernas
e o capoeira cochila
achocalhado em cafuné
20
PRÊMIO CASSLANO NUNES
A FORMIGA E A CIGARRA
liquidado o inverno
arvora a primavera
e a natureza abastece a bicharada
patinhava a formiga uma sacola de açúcar
em casa antenou
as prateleiras repletas
“Não tenho mais que trabalhar”
Preguiçou
Zoolhou pros lados:
(bateu um treco doido na formiga
vertigem de buraco
que armadilha gente)
“E agora?”
neca de nada
saiu procurando por
aí
“E agora?”
saracoteava a formiga
baratinando pelos cantos
até que tropeçou na velha conhecida e desembotou:
“Sinto o vazio duma coisa
mas não sei bem o que é”
21
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
a cigarra viu graça
“Já o que te faz flauta”
e zinzunzeando o gogó
verdejou tanta cantoria que
(plic!) deu flor
22
PRÊMIO CASSIANO NUNES
A LÁPIDE DA DELICADEZ
Alexandre Magno Gonzalez de Lacerda
Leve,
Cai a
Lágrima
Lava
A alma da
Langueza
Leva
O lúgubre da
Cara
Livra
o olho da
impureza
Louva
a dor da
incerteza
Lustra
o rosto
Na esperança
23
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
ENTENDIMENTO
Alexsandre Escorsi Messias Moro
Talvez o dito não tenha significado
Aquilo que ficou na palavra explicito
Num átimo o sentido velado
E o proibido sentimento lícito
24
PRÊMIO CASSIANO NUNES
LADAINHA DE MOLOC NO TÚNEL
Altair Cirilo dos Santos
O túnel jamais está fechado.
Vivemos nele
sempre do lado de fora.
Não há portas, janelas,
saídas de emergências.
O túnel nos abraça
como uma solidão.
Ai de nós!
Porém vivemos
sempre do lado de fora.
Aquele que sorriu e disse: venha,
juntos ergueremos Nova Hora,
ocultava em luz e sombra fascinantes
o engodo nos olhos de serpente.
Para glória de Moloc
Aquele que apontou e bramiu: febre
tão exato, lógico, implacável,
indicava a idolatria de seus mestres
bem mais alta que qualquer oposta idolatria.
Para glória de Moloc
Aquele que mostrou e disse: tenha
o melhor de tudo que não precisa
25
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
sustentava a razão de possuir
na maravilha do próprio ato de posse.
Para glória de Moloc
O silêncio dos abutres no arame.
O silêncio das mães entre os escombros.
O silêncio das crianças com olhos grandes.
Anti-silêncio, rugindo como um tapa.
Os olhos não se assombram mais.
A vida nos consome.
O túnel, ele mesmo, é um disfarce.
Fragmentada, como se nos fosse alheia,
a realidade vista do lado de fora.
E os olhos não se assombram mais.
A vida nos consome.
O túnel, na verdade,
é um espelho.
O túnel constitui-se nossa obra.
Mas, absortos, pensamos que vivemos
sempre do lado de fora.
26
PRÊMIO CASSIANO NUNES
CANAVIAL
Andrea Perazzo Barbosa Souto
Insetos incolores
em bando
alfinetes ziguezagueantes
desnorteando o rumo
norte a sul
Trinados trinos
tripartidos
tricolores
tricolorindo
céus
terras
ares
Trindade trivial
cenário banal
no estonteante
e verdejante
canavial
27
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
FEMEANINAS
Andréia Glaicielly Martins Rocha
Ouvidos no corredor
Corredor não há
Há uma dor
Corre-Tu
Corre-Dor
A mim a batina é vedada
Possuo ares femininos
Assim, estou liberada
Vamos fazer amores surdinos?
Entretanto, fantasiar a missa
A mim, é permitido
Eu falaria em latim:
Benedicta tu in mulieribus
O dulciSy Capitu!
Gosto de menina, de Tu
Rabisquei o pé do muro,
Mulher
CapiMulher,
Como tu, Capitu
À maneira de Casmurro
Podemos brincar com bonecas
Não é o meu/teu Dom,
Mas posso ser a médica
28
PRÊMIO CASSIANO NUNES
E que tal jogarmos o siso?
Se tu renderes tua boca
Garanto sorrir primeiro
Te farei, do siso, vencedora
Agiria assim, porque, agiria um cavalheiro
No entanto, põe em tua memória:
Sou dama
Faço tranças e consigo disfarçar o beijo
Aspiro virarmos história
Pois, como toda dama que ama
Guardo, nas entranhas, por ti um desejo
Bentinho
Balbuciou teu olhar
Esboçou tua alma
Li e por tua ressaca comecei a me encantar
Bento, Bentinho!
Nem Dom, nem Escobar
Capi-tu és ideal para outra
Andaste tão à frente do tempo
Que no século XXI vieste me tocar
E, quem sabe, me fazer a outra
Para tanto, penetra meu espaço onírico
Dissimula meus instintos ao som do oboé
Façamos um culto gentílico
Une Machado e Baudelaire:
De Lesbos, sejamos eu e tu protagonistas
“Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas”
Com teus beijos, então, me excitas
29
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
E eu me excito com tuas curvas sinuosas
Capitu, nessa ilha ardente
Tu és a personificação das ‘ gregas orgias”
Lasciva, ninfa quente
Roça teu corpo nas minhas fantasias
Mas, caio em mim
E vejo que Lesbos eu nunca vi
Tão pouco a ti
No entanto, amo meu delírio
Mesmo consciente que tu, intocável assim,
Não passas de um martírio
Doce martírio para mim
No fim e por fim
Sem ciúmes e quase nada que nos impeça
Por ti, dama impressa
Meu corpo transpira sentimento lesbial e fálico
Mas, infelizmente, se fosses real, o nosso destino seria um só:
Talvez, talvez...
Como no clássico.
30
PRÊMIO CASSIANO NUNES
MARIAS
Andressa de Souza Silva
Lá vai Maria da Silva,
Filha de outra que a pariu.
Maria de tantas Marias
Das muitas deste Brasil.
Lá vai Maria chorando,
Gemendo, soando frio,
Gritando e se lamentando
Por esse destino vil.
Lá vai Maria na raça,
Lutando de abril a abril,
Vivendo de migalhas da graça
De qualquer santo gentil.
Lá vai Maria cansada
De sempre ter que ser mil
Presa e escravizada
Por essa alma servil.
Não chore Maria da Silva,
Não chore que a noite já vem.
Dei-me um sorriso Maria,
Que é tudo o que você tem.
Maria não vá embora,
Fique só de pirraça,
Quem sabe o tempo não demora
E a vida logo passa.
31
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
FLORES
Anéris Paes Barroso
Sou uma flor no seu jardim como as outras flores
Mendigando um pouco de sua atenção
Apaixonada, amargurada, solitária.
Viva mas esquecida como todas ao redor de mim
E agora arrancada deste jardim
Para morrer nas páginas de um livro
De uma história sem fim
Onde um dia quando o tempo lhe castigar
Querendo relembrar tudo o que passou
Há de me encontrar
E de tantas flores que houve em sua vida
Só eu velha e seca restou para lhe confortar
E quem sabe assim se lembre do lindo jardim
Que deus lhe ofertou
Mas você tão ocupado
Nunca enxergou
32
PRÊMIO CASSIANO NUNES
POEMETO A PATATIVA
Antônio Cláudio de Araújo Júnior
Senhor seu poeta, nem sei se eu te peço
Que olhe o meu verso, tão feio e sem cor
Sem sua viola tampouco o seu brilho
Meu verso eu dedilho é no computador
Um instrumento que o senhor não conhece
De longe parece uma televisão
Mas tem um pedaço que é como a sanfona
Quem vê se impressiona com tanto botão
Eu hoje te escrevo porque sinto falta
De alguém com tão alta sensibilidade
Pra fazer poesia brotar da Caatinga
Que o suor respinga e o sol quente arde
E pra te contar que o tronco do ipê
Se encheu de buquê nesse mês que passou
Bem como São João foi comemorado
E que lhe foi dado o devido valor
Teu centenário também foi festejado
Repente, teatro, trova e cantoria
Eu sei que o senhor lá de cima olhava
O sol nem raiava e já tinha poesia
Senhor Patativa, o exemplo de luta
da sua labuta lá no Assaré
continua vivo em toda essa gente
que o coração sente a força que é
33
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Essa carta com fé não se atrasa
Penduro nas asas do vôo do xexéu
Vai endereçada ao Senhor Patativa
Numa tentativa de chegar ao Céu
34
PRÊMIO CASSIANO NUNES
O PRATO
Arthur Rodrigues Clemente
Era um prato fundo de vazio, roto nas bordas
Ele estendeu-me aos olhos, que o desprezaram.
Nesse prato cabiam todas as cóleras da alma
Cabia todo o sangue que aquela face fraca
jamais jorraria durante a eternidade.
Nesse prato, o vazio do estômago se encontrava
Com o vazio do descaso, eram complementares.
Era nesse vácuo chupante do prato que o homem
Apoiava sua vida e me entregava um prato
Fundo de vazio, dormindo em vão enquanto inútil.
O homem não o largava, já não mais o tinha papo
Simplesmente estendia-me e gritava: olha o prato!
Era um brado! E eu, acabado, cansado de tanto prato
Ignorava-o, fitava o horizonte mal-acabado e seguia
Pisando o asfalto, cruzando a rua, avante, calado.
O prato vácuo-chupante fundo de cóleras
Era um fato, roto, desprezível em mãos rotas.
E a eternidade aguardava o pato, o prato nas
Mãos do morto, era o sangue no prato roto
Jorrando cólera enquanto vazio, inútil, oco.
35
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
JÁ QUE É PRA SER
Athanis Molas Rodrigues
Se é a roupa que incomoda, que seja uma nudez completa.
Se for muita fome, gula de vez em quando não é pecado.
Se queres fazer uma casa, constrói uma creche.
Se for pra doar, doa a ti mesmo.
Não aquilo que sobra e que resta de ti.
Mas se é pra doer, dói aqui mesmo
E que corroa logo de uma vez.
Se for pra sofrer, aproveita pra aprender.
Se quiser amar, que seja sem parar.
Se resolver ficar parado, que seja pra admirar aquela borboleta.
Se for protesto, faz revolução.
Se for revolução, causa mudanças.
Se não causar mudanças, pelo menos sê o mártir daquilo que acreditas.
Sê filósofo-prático da filosofia-teoria da tua cabeça.
Assim, as coisas podem dar certo.
Se for pra ajudar, faz só a tua parte.
Melhor que querer fazer a do outro, se desgastar e desistir das duas.
Se quiser ter um filho, procura pensar bem a respeito.
Se já pensou bem, tem logo dez filhos
Se for pra casar, que não seja nas formalidades da Igreja e do Direito.
Casa na praia. Não vai ser só de fim de semana.
Será pra sempre.
36
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Se decidir fazer arte, dá mais que corpo e alma
Dá aquilo que tu sabes que existe, mas não descobriste o nome que tem
Se for infância, gruda o pirulito no cabelo, rala o joelho
E não deixa que os adultos condicionem tua criatividade
Nem que interrompam tua imaginação.
Mas se for velhice, não te engana fazer aquilo que não foi possível até agora
Ao contrário, repete as experiências mais maravilhosas e prazerosas
que já tiveres experimentado.
Porque, no fim das contas, a vida é uma tentativa refinada de eterno-retorno
A todas as boas coisas que aprendemos, presenciamos e sentimos
Se for saudade, já chora uma hora seguida
Mas se é pra dormir, abraça e dorme junto
Se é trabalho, pensa no outro
Se é técnica, domina-a bem e faz melhor
Enquanto for poesia, será companhia
Enquanto for amizade e amor, será sacrifício
Querer um mundo melhor é ser uma pessoa melhor
Se for pra ler que leia bastante
Se queres aprender, abre os olhos, vê, vive e aprende
Se não queres esquecer, anota, fotografa, filma e abraça
Abraçar é o que costuma dar mais certo
Só não esqueça que sem ser não há condição
Se tu não és, não vai ter como
Sê muito então.
37
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
SERENATA TRAVESSA
Bruna Martins Viana
Praticou o batuque e o compasso;
de terno branco e camisa de seda
levava no peito uma labareda
e seguiu seu rumo até o terraço.
Colocou o violão sobre o braço,
Deu mais um trago na bebida azeda
E findou o silêncio da alameda
Com um canto muito mais que devasso.
Fez aparecer só de camisola
Num espantoso acesso de loucura
Não menos que a sogra do rapazola.
Impune não ficou a travessura
e a velha lançou a caçarola
no meio das ideias do figura.
38
PRÊMIO CASSIANO NUNES
MEU CAMPO SEM FLORES
Camila Marcelo Pinto de Oliveira
Diante da loucura,
encontro uma rosa
em minha porta.
O que parecia apenas broto,
intocável e frágil,
mostrou-me resistente ao tempo.
Exalava vivacidade,
desabrochava sentimentos
e alastrava um cheiro de inocência
por entre lençóis e enlaços.
Depois o que parecia eterna,
manifestou despedida
e, antes do adeus,
o vento levou suas pétalas,
deixando-a incompleta em minhas mãos.
Rosas que falam e encantam
provam-se tão únicas,
tão raras.
O seu perfume,
impregnado ainda nos dedos,
relembrou-me a beleza perdida,
minha eterna flor humana,
nada planta,
nem presente,
só uma única pétala lembrança
deixada em minha alma.
39
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
URBANISMO
Carlos Alberto Barros
Se a cidade eu escrevesse,
Desse jeito não faria,
Mudaria suas vidas,
Para a morte não achá-las.
Não mais sangue: vinho tinto
Nos seus cantos, suas valas.
Em suas praças, seus recintos,
Só o amor como interesse.
Se a cidade eu rabiscasse,
Muita coisa eu censurava:
Empregada feita escrava;
Mãe sem ter onde parir;
O menino andando roto;
Dia-a-dia sem porvir...
O acordar seria outro:
Sol sorrindo em cada face!
Se a cidade eu colorisse,
Transformava todo o prédio.
E na casa entregue ao tédio,
Pintaria multicores.
Edifício arranha-céu,
De minhas mãos teria flores,
Feito um grande carrossel,
Pr a acolher as meninices.
40
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Se a cidade, um dia, eu fosse,
Com seus bares, padarias,
Um desejo só teria:
De, com zelo, ser gerido.
E quem quer que nessa gana
Descrevesse o colorido,
Não deixasse a face urbana
Mascarar-me a alma doce.
41
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
EPOPEIA
Carlos Augusto Sousa de Oliveira
Viajor que delirando vaga
Em meio ao nevoeiro do meu sonho,
O homem é um náufrago tristonho:
Afoga-se na vida e se apaga.
A morte sendo o leito do oceano,
Acolhe humanos barcos destruídos
E busca com seus braços, frias ondas,
Tragar tudo pra si nos seus abismos.
Não há sequer estrela que se veja,
Nem porto que ofereça algum abrigo.
As naus que de um mesmo porto partem,
Cindindo os mares ao infinito,
Nas vagas de desgraça realidade
Soçobram e se vão sem nenhum grito.
42
PRÊMIO CASSIANO NUNES
MEU AMOR NÃO ME SALVARÁ DA MORTE
Daniel Rocha Barbosa
Meu amor não me salvará
da morte
(como mais nada)
e decerto também não salvarei
ninguém.
Apenas deixarei o meu amor
guardado dentro de trinta e seis palavras:
um poema em
minha gaveta.
Mas assim como catedrais deixarão
novamente descampado
o solo que ocuparam,
minhas trinta e seis palavras
deixarão de ter
significado:
meu amor perdido.
43
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
BOTICA
Diogo Martins de Mesquita
Orgulho santista, sangue de português filho
Soube bem das palavras de Tribuna
E da juventude de promessas andarilho
Mil histórias e dez mil anotações
Tuas ideias primorosas deveras opiniosas
Quase te custaram algumas reclusões
Um corajoso, trajado ao modernismo
Tuas inaugurações árvore do ativismo
As bibliotecas foram mais vício que a poesia
E o velho Lobato inspiração de anistia
Horizonte nunca tinha fim
Um após o outro, outro país
espalhava suas ideias primaveris
e as ideias correram com querubim
Hoje tenho quatorze mil heranças
Um castelo impecável desempoeirado
Na sua universidade e vizinhança
Mestre querido
Tua memória se consagra.
44
PRÊMIO CASSIANO NUNES
SOL
Dora Duarte
céu chapiscado de sol vermelho
tarde do Planalto Central
buritis e ipês num arremate de rendeiras
reflexos de luz se voltam para as cachoeiras das Chapadas
Veadeiros e Diamantina em arremate de bordadeiras
sombras alongam silhuetas final de dia
arremate de fiandeiras
um pássaro sem nome, sem rumo
chega para compor as imagens
da natureza num arremate de tecelãs
45
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
LOBO
Edna Rúbia Mendes Facundo
Lentamente, a noite vai-se embora
Amanhece enfim!
Irritado, o lobo grunhe, o lobo chora
Lastimando o vivo carmesim
Lancinado pela dor que lhe deflora
Arrastado-o - parecia! - para o fim
46
PRÊMIO CASSIANO NUNES
AS VOLTAS
Ednéia Rodrigues Ribeiro
No ônibus o letreiro (indicando o destino),
mas sem deles leva-me ao meu
Entregam-me panfletos (vários)
Em que se anunciam produtos...
São tantas ofertas!
Tantos equipamentos!
Que maravilha!
Há máquinas para tudo.
Só não há aquela...
Aquela...
Um rapaz gira uma lata
Vejo-me naquelas moedas,
Tonta, rodando com o mundo,
Rodando o mundo
Ah! lembrei...
Lembro que o mundo gira...
E que dá muitas voltas.
Estou girando com o mundo
Girando
girando
girando girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando
girando girando
girando
girando
47
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Perco-me nas voltas do mundo.
Estou esperando...
Não chega a minha vez.
Os ônibus dão voltas.
Os números começam a se repetir:
21 , 71, 91 , 101, 211 ...
Acho que perdi o meu.
48
PRÊMIO CASSIANO NUNES
AGORA A MODA É
Eduardo de Menezes da Silva
Desenhar quadrados pretos em tênis brancos
Usar cintos de rebites desvairadamente
Entristecer-se por qualquer motivo fútil
E ouvir funk como se fosse o último estilo de música
Falar mal dos outros um tanto
Acreditar em mentiras Globais diariamente
Destruir com armas bélicas um país inútil
E usar sabão em pó que tira as manchas de tudo
Criar, todo dia, uma nova conta em um novo banco
Comprar celular no estilo chapa-quente
Invadir com terremotos e vendavais o Brasil..
E atirar pedras em qualquer vagabundo
Abrir uma nova janela e fazer parte do contrabando
Pedir pro DJ pra fazer diferente
Mergulhar no clichê de maneira sutil
E ver uma nação parar por mil segundos
Namorar pelado e ficar só se beijando
Ser um exemplo de filho (desobediente)
Divorciar e processar e ser a pessoa mais gentil
Ir à igreja e assistir à Copa do Mundo
Quebrar correntes e cadeados e ficar apelando
Oferecer-se para algo que não lhe é conveniente
49
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Fazer do amor uma verdade utópica e mentirosa
E viciar-se naquela novela que é sensacional
Queimar livros e desmatar papéis em branco
Achar que deus é um site de pesquisas absolutamente
Esquecer que a língua é arma mais poderosa
E ver que a moda agora é ser superficial...
50
PRÊMIO CASSIANO NUNES
ESTRADA PARA O CORAÇÃO DO MUNDO
Elias Araújo
Eu encontrei
uma estrada rabiscada
num pedaço de papel perdido
numa garrafa que boiava
num rio de lendas
de um Estado astronômico
que ocultava em suas fendas
um coração amazônico.
Eu quis, então,
chegar a esse coração,
procurando nas fendas sutis
do estado das Mulheres Viris,
navegando pelas lendas do rio,
trilhando a trilha da garrafa,
quando esta carregava um papel perdido:
um mapa
de uma estrada
de um sonho
adormecido!
A estrada esquecida
e perdida
conduz ao coração do mundo:
coração de veia entupida
51
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
enegrecida
por coração ganancioso e iracundo.
Como amante
que ama
e bate,
coração ganancioso inflama
e invade.
O amante também encontrou a estrada
Que leva ao coração de si próprio,
Mas ele é amante
que ama
ebate
e só é feliz com o coração da amada
que ama, apesar,
e é agredida
e, mesmo sentida,
continua a oferecer a estrada.
Um coração amazônico
está oculto nas fendas
de um Amazonas astronômico,
que abriga um rio de lendas,
onde uma garrafa boiava,
levando um pedaço de papel perdido,
onde foi rabiscada
a figura de uma estrada...
Eu encontrei,
mas era um coração ferido.
52
PRÊMIO CASSIANO NUNES
TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO
Elias Daher Junior
O solstício de inverno provê a liderança
Suporta os rigores do clima, no hemisfério norte
Quando criança, incentiva a chegada do adulto
Quando adulto, exibe a criança
Um tanto tradicional, a mais conservadora que existe
apegada à família, às vezes gosta de solidão
A cabra com cauda de peixe
aquela que nunca desiste
intensa e sem medidas... nem menos, nem mais
o animal que não se doma jamais
53
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
ENCRUZILHADA
Engênio Sousa Ibiapina Parente
Pelo Buraco do Tatu
Passou boi, passa carro,
Passa a nação brasileira,
Passou índio, muito índio.
Passa Brasília planejada,
Passa carro, muito carro,
Passam as cidades-satélies,
Passam pobres pra bem longe.
Passaram tropeiros e bandeirantes,
Passaram viajantes por caminhos
Que ligavam Cuiabá a São Romão,
Ao sul, ao velho Chico e ao mundo.
Pelo Buraco do Tatu
Passaram os construtores
De Santa Luzia, Brazlândia,
Planaltina, Arraial dos Couros.
Passa testemunha goiana:
“Muito antes de Juscelino,
Já havia cidades e fazendas,
Não era ermo, nem abandono”.
Passa quem vai pro aeroporto,
Passa quem vai pro Sertão,
Passa rico, passa pobre,
Passa carro, muito carro.
54
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Pelo Buraco do Tatu
Passa minha solidão,
Acendo velas, faço despacho,
Rezo, quero você comigo.
Passou o massacre da Pacheco,
Passa a política brasileira,
Passa propina, muita propina,
Passou o sorriso de Ana Lídia.
Passam os sem-teto e os sem-terra,
Passa pau-de-arara,
Passa corpo morto-vivo,
Passa Honestino Guimarães.
Pelo Buraco do Tatu
Passaram as Diretas Já
Passou Tancredo moribundo,
Passa o bloco do Pacotão.
Passou a revolta do Badernaço,
Passam romeiros pra Bom Jesus,
Passam torcedores pro Maracanã,
Passou em chama o índio Galdino.
Passou o sonho de Dom Bosco,
Passaram o Papa e o Bush,
Passam os migrantes candangos,
Passa carro, muito carro.
Pelo Buraco do Tatu
Passo te procurando,
Asa Leste, Asa Oeste,
Desnorteio, preciso de você.
55
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Passa brasileiro cordial,
Passa turista bem tratado,
Passa criança prostituta,
Passa o cerrado destruído.
Passou índio amarrado e preso,
Passou escravo pro garimpo,
Passa negro sem trabalho
Passa o Brasil de cabelo alisado.
Pelo Buraco de Tatu
Passa mãe pobre
Em busca de filho morto,
Do filho apenas dela.
Passa o Boi de Seu Teodoro,
Passou Raul pro último show,
Passa o canto dos repentistas,
Passa o samba do Brigadeiro.
Passo a pé, é domingo!
Te convido, mas não te vejo,
Hoje o pôr-do-sol está lindo!
Por que não andas comigo?
Pelo Buraco do Tatu
Passou boi, passou boiada,
Passou índio, muito índio,
Passa a nação brasileira,
Passa carro, muito carro.
56
PRÊMIO CASSIANO NUNES
EXPRESSIONISMO
Fabiana Motta Tavares
No baile da vida
Minha cadeira é cativa,
De longe acompanho o rodopio do salão.
Cansei de rodar sozinha,
Não sei dançar o dois pra lá dois pra cá.
A roda da saia amarela,
(Sol em chamas queimando pele)
Deita no colo parado
E acompanha o cruzar de pernas,
Farfalha no bater do pé.
A mão irrequieta procura poesia
Mas a vida é.
57
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
CÁRCERE
Fábio Martins Moreira
Tudo aquilo que faz sentido
Dissolve-se diante de tudo que não tem compreensão
Como se a vida se limitasse a uma curta espera pela morte
Sono eterno, que traz alívio
Para aqueles cuja existência
Simplesmente caminha para o inevitável
Com o ódio e repúdio dos que ainda sonham
E não se acomodaram com o comum.
Diferentes em um mundo de iguais
Sonhando, enquanto todos se limitam
A dormir o sono dos derrotados.
Com sua revolta escondida
Em sua rebeldia esquecida,
Com seus clamores ignorados,
Barrados pelas paredes que aprisionam
o som das vozes sonhadoras.
Triste barulho surdo
Da esquecida alma muda que não pode falar...
Quando mandaram se calar
Esqueceram de ouvir os sonhos
Quando os sonhos não diziam nada
Buscaram as palavras
Mas todas estavam caladas
E no nada se ouvia apenas os lamentos do silêncio.
58
PRÊMIO CASSIANO NUNES
HOSPEDEIRA
Flávia da Silveira Perez
Rompeu um silvo pavoroso
e encheu-me as entranhas
de assombro,
medo e gozo
Causou fissura no Tempo
- grito intra-uterino,
Intra-venoso trespassou a borda do Universo.
Voluntariosa criatura,
gêmeo univitelino
perigoso, diverso.
Cara-metade escura,
face escondida da Lua,
meu reverso
Desarticulou meu cerne,
chutou-me aqui dentro.
Bateu-me para sair
Até rasgar a carne.
- Hóspede traiçoeiro!
Foi assim que nasceu
- como um oitavo passageiro meu outro Eu.
59
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
COTIDIANO DE UM DOS ÚLTIMOS
SAVERISTAS DO RECÔNCAVO
BAIANO
Gabriel Cardoso do Amaral
Neste saveiro a chacoalhar
Calmas ondas num marulho
Sou um velho marinheiro
Capitão de longo curso
Ainda não foi traçada a rota
Vivo solto nesse mar
Muito azul para se ver
Meu barquinho a navegar
Vento batendo na vela
Onda batendo na proa
Tudo em baixo é mar
Tudo em cima é céu
Pés descalços sobre a tábua
Surge ao longe uma canoa
Sol forte sobre o meu chapéu
Para onde vou?
Vou para Maragogipe
Beber cachaça de alambique
Não, melhor ir para Itaparica
Buscar a água na fonte da Bica
60
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Ou talvez pra Cachoeira
Ou quem sabe Ponta de Areia?
Não, meu destino sei qual é
Mão firme ao leme
Já sinto o cheiro da moqueca de Dona Irene
Vou pra ilha de Maré.
61
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
VIDRAÇA DE POSTIGO
Geraldo Trombir
Estou eu mesmo, sozinho aqui comigo,
Contemplando o meu próprio umbigo,
Pagando caro por interminável castigo.
Estou eu ‘ andarilhando” a passos de mendigo,
Suplicando pela segurança do abrigo
Onde habita o afável sorriso amigo.
Estou eu abrindo a minha vidraça de postigo
E, pela fresta, expondo-me a todo tipo de perigo,
Na esperança devolutiva do meu amor que ainda está contigo.
62
PRÊMIO CASSIANO NUNES
FORMA BRANCA
Guilherme Oliveira de Brito
A mulher,
Da casa vazia,
Olha sem foco
a lua clara.
Alua,
no céu,
vista do campo,
fora da casa,
vaga, como
uma lembrança,
no infinito.
Agora
tudo é antigo
e ela adormece.
Percebo, invisíveis,
abstratas coisas,
aos olhos cansados
da mulher
da casa vazia.
A luz,
entre as frestas da porta,
toca a mulher, desperta,
agora nua,
na casa vazia, em algum lugar
entre o sono e o esquecimento.
63
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
MONOGAMIA
Guilherme Scalzilli
Torrão de corretos meneios, ares convexos, cava conduta,
ele suma o caramelo insosso que o irmana a chãos e colinas.
Contido por veios seguros, derrama-se em porosa lisura,
fluindo ao descanso viscoso; porém, decomposto ao meio
(ou um tanto antes, como anseia), espera livre de arrimos.
Submerso no assomo do flerte, engulha turbas de estios,
delira pesadelos forros - e mais anela as delícias do abismo
à medida que desliza nos sustos prazerosos da malícia.
Não conhece, entretanto, as perfídias viris do galanteio,
a náusea das carícias iminentes, o apuro reticente da mentira;
sonhara-os pasmo, em segredo, e o mero vir-a-ser fora enleio,
durou centúrias de transeada nostalgia. Afeito à armadilha,
no âmago morno do encanto, um salobro mortiço o devora:
soçobra em promessas ignotas, vácuos de vivências inauditas,
prestes a impregná-lo, qual tela crua, a nódoa de tintas antigas.
Mesura quão duras e hirsutas as tramas do seu tecido intacto,
quão tesas as suturas, a apupos cosidas, que lhe selam os furos
da epiderme árida. Lembra as masmorras dos zelos sonâmbulos,
das angústias tolas, dos arroubos escravos. Roto de assaltos,
amálgama ambíguo, denso de lapsos, engasga os desígnios
que o moldaram dado ao fracasso, os muros de afagos amigos,
guardando seus humores gratuitos, e as puas do gênio relapso
que o talharam cínico, raso profeta dos planos baldados.
Recua, no instinto da luta, ladeando precipícios de estigmas.
Esquece que é granuloso tosco, mísera poeira verossímil,
e tenta assimilar-se ao lodo, ao ranço que o tinha compacto.
Quisera não ter cobiçado. Caído acima, pensa subir da asfixia,
64
PRÊMIO CASSIANO NUNES
mas a tona revira-se em leito e ao fundo oscila o céu luzidio.
Nada em vazios natimortos, numa azia de eternos prelúdios,
no orgulho contrito dos triunfos súbitos e lauréis imerecidos.
Falto da calma enxovia (sina aceita, mais que convicta,
Paga sem pena, em revés de alento) e ébrio de quimeras,
supõe que só a cela o fez cárcere, que apenas trevas externas
ninaram-lhe o sono longevo e secaram suas febres honestas.
Parvo de incerteza, timorato e obtuso, açula o reposto apetite,
instiga a volúpia cortês, os ímpetos novos, a audácia liberta:
sim, purgou a velha pureza, está isento dos lustros decentes,
limpo da índole de argila. Mas ainda veste o doméstico cimento,
crivado de pactos benignos, que é fardo, sepulcro e esteio.
Feito, por troça inclemente da sorte, monólito que outra deseja,
Fadado ao limo do asseio, ao exílio do silêncio, à perpétrea vigília
explode num frêmito ocluso: íntegro, destrói-se para esquecê-la.
65
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
DAS ODES INEXPRESSIVAS
Henrique Fialho Barbosa
Aqui, preso a um pedestal de aço oxidável,
a chuva me coroa rei dos pássaros e dos homens.
Sinto despejado em meus olhos, nervos, fígado
toda a poesia que há.
Mas que é a poesia sem palavras que lhe digam?
O que é a poesia sem bocas que lhe sussurrem?
Nada além de epifanias com flores e cactos
e pedaços de grama que nunca serão cantados.
Mas que sempre encantaram
e encantarão
Como um beija-flor pousado num piano.
66
PRÊMIO CASSIANO NUNES
SONETO INFINDÁVEL
Hércules Souza Teixeira
Quando todos os candelabros se apagarem,
Quando não sobrar nem o garçom,
Nós vamos andar pelas ruas,
E eu vou lhe tocar meu violão.
Quando o último cigarro se apagar,
E a última garrafa estiver vazia,
Eu vou lhe pegar pela mão,
E declamar poesia.
Quando o último suspiro calado
For solto como corpos na cama,
Eu vou lhe contar histórias de amor.
Vou recostar sua cabeça no ombro,
E vou mostrar a conduta de quem ama,
Seja na condição em que for.
67
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
UM PÁSSARO
Iara Maria Carvalho
um nome secreto bem
no meio do meu corpo:
o que não traduz
persiste.
o que contradiz,
descansa.
meu corpo invadido
esquece valentias
na hora do batismo.
morna essa água do meu nome.
68
PRÊMIO CASSIANO NUNES
BRASILIA CONTADA EM VERSOS
Ilton Gurgel Fernandes
I
A capital do país
Um lugar especial
Bem no centro do Goiás
Neste Planalto Central
Foi um sonho de Dom Bosco
O qual se tornou real.
II
Brasília a capital
Fundada por Juscelino
Nosso grande Presidente
Um coração de menino
O orgulho dos mineiros
Planejou o seu destino.
III
Presidente Juscelino
Ele já estava certo
Construir a capital
Do qual teve o projeto
De Oscar Nier Méier
Esse grande arquiteto.
69
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
IV
E ele com o projeto
Começou a construção
O Congresso Nacional
Um lugar de decisão
Palácio que o Presidente
Comanda nossa nação
V
E na sua formação
Gente de todo o lugar
Norte a Sul deste país
Aqui veio habitar
A nossa população
Assim pode se formar.
VI
Também para trabalhar
Foi grande o movimento
Hoje tem arquitetura
Em todo o monumento
Com locais apropriados
Pra realizar evento.
70
PRÊMIO CASSIANO NUNES
NO FIM A IGUALDADE
Ítalo Augusto Camargos Pereira
Se no mundo a explosão, imaginem só
Elevasse-nos a poeira cósmica,
E o fim trouxesse às divisórias fórmicas
Na altiva condição de primo pó.
Se no mundo a explosão, imaginem só
Lançasse-nos crus na atômica essência,
Sendo a queda trunfo a má sapiência,
Afogando em sangue o atrevido a dó.
E que venha a nós, falência humana,
Exploda a terra e todos nesta crosta,
Pois a nós nada vale a derme oposta.
Seja impiedosa explosão mundana,
Pois na forma pó, negro e branco são iguais
A ti, a este, ao mundo, aos vermes e animais.
71
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
ANIVERSÁRIO
Jacqueline Beatriz Teixeira Barbosa
Os anos passam...
E ficam as lembranças:
São momentos transcendentes,
Cravados na memória.
Os planos mudam...
E fica a procura do essencial:
Atravessar o caminho da vida e ser esquecido,
Amar nos caminhos da vida e tornar-se memorável.
Os sonhos modificam...
Fica a alegria da realização:
Não ser nunca estático no tempo,
Ousar ser melhor que o segundo decorrido.
A sabedoria permanece.
Somos a totalidade de sentimentos:
Alegrias, tristezas, realizações, vitórias...
Compomos com os anos que o tempo consome,
O poema da experiência que conquistamos.
72
PRÊMIO CASSIANO NUNES
EVOCAÇÃO DE BRASÍLIA
Jaques Jesus
A minha cidade é feita de anseio,
Substância de sua carne é o futuro,
Construído sobre os ossos de quem veio
Semear luz e arte em chão bruto e obscuro.
A minha cidade parece criança.
Persegue o vento e sorri para a lua,
Mas pensa como o velho que se cansa
De insultar a mulher que samba e sua.
A minha cidade cheira a cor branca,
Seus prédios falam de ordem e saudade.
Negro e progresso e a liberdade canta
Quando o sono poderoso invade.
A minha cidade um róseo céu beija,
Deita e nuvens estreladas lhe cobrem,
A tarde laranja uma chama deixa,
Pra que à noite azuis incendiados sobrem.
A minha cidade flui e tem margem,
Terra vermelha, favelas e um lago
Onde homens de terno olham a miragem:
Rio de mel e leite a nós renegado.
A minha cidade lembra vovô.
Altos guapuruvus, sertões gerais.
73
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Jeito de Brasil no sangue, louvor.
Cabeça de todos e tantos ais!
A minha cidade na graça tomba.
De em suor escravo não se ter banhado.
País doce e ácido como pitomba,
A capital é uma flor do cerrado.
A minha cidade me quer inteiro:
Carne, riso, desejo, imperfeição.
Dá-me, Brasília, o mesmo direito
Dos que elevados feitos cumprirão.
74
PRÊMIO CASSLANO NUNES
MOEDAS
José Lima Garcia Júnior
Me jogam moedas.
E o produto bruto é o curto,
não cobre o tamanho da nossa miséria.
Ideias, caras idéias.
Deste acumulador de pratas,
mal sabemos das desgraças,
que este poder nos induz.
Numa calçada,
Nestes dias sem pão e água.
E nas noites frias percalço a ilusão,
que acorrentou nossas almas.
E muitos aí se têm,
vivendo com a opressão no pescoço,
clamando uma liberdade,
que voa não aqui nessas frestas.
Ela corre pelas florestas,
das nossas imaginações ingênuas.
Pequena,
como tornam a vida pequena.
Os homens desconcertam as lírias,
que almejam erguer-se no alvorecer,
dos horizontes de nossas crianças,
que mal conseguem entender,
as noites mal dormidas,
porque a fome pela igualdade,
75
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
sempre vem corroer.
Uma sede de dias melhores,
que não se detém.
Nos impasses desse mundo,
se perdem nossos meninos.
Deixai-os no esquecimento.
Ora esquecer é a política,
Que nos dita horas.
E nunca vamos conseguir enterrar esta arrogância.
Rezas,
Quem sabe as rezas.
E me jogam moedas.
Como se ao invés de pão,
Eu pudesse comprar esperança.
76
PRÊMIO CASSIANO NUNES
HISTÓRIAS DE PESCADOR
José Luiz Amorim
Perguntou o menino ao pescador:
- Qual será a verdadeira conexão,
que têm os fios da rede com o mar?
Como consegue o peixe ela buscar,
Neste profundo mar de escuridão?
Responde o vivido e bom senhor:
- Sabes a Rainha, a Rainha do mar?
Aquela que protege o pescador
seja no rio ou mar bravio.
Aquela que só ela tem o privilégio
de ganhar oferendas, florilégios.
Pois então:
Roubaram o véu de Iemanjá
e fizeram a tarrafa,
assim dizia a lenda
que o mar trouxe na garrafa.
77
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
SONETO DA REALIZAÇÃO
Juliana Rodrigues de Morais
Sentir falta da carne que te cobre a alma
Do brilho que teu olhar me mostrou
Da mão que ainda me arde, acalma
Da língua quente que a minha provou
Sou parte de tudo que aqui te prende
Dessa infinita grandeza que me faz viver
Solta entre mistérios que ninguém entende
Entregue ao enigma desse incorrigível prazer
Na tua terra regada de sonhos loucos
Hábito e te chamo em gritos roucos
E teu abraço acolhe minha aflita
Hoje sou filha de tudo que te compõe
Realizando segredos que tua boca propõe
Sou morada fixa na tua vida bendita!
78
PRÊMIO CASSIANO NUNES
O ARREMESSO DO POEMA BOOMERANGUE
Júlio Cesar Gentil de Mello
Eu quero uma poesia atômica,
uma poesia meteórica...
Eu quero uma poesia vulcânica,
uma poesia hídrica, aquática...
Eu quero uma poesia marítima,
uma poesia oceânica, rítmica...
Eu quero uma poesia que se mova
com acrobacias de boomerangue
e a certeza múltipla de três.
Eu quero o Às, a Dama, o Rei
E a angústia de um jogo incerto
pelo capricho das cartas que não vieram.
Eu não quero só um poema:
Eu quero três!...Quero seis!...
Eu quero uma poesia transitória,
Efêmera, móvel, veicular...
Uma poesia que eu a arremesse
e ela retorne para as minhas mãos.
79
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
POEMA III
Jussara Gabin
Primeiro me culpam
Que a cobra enfeitiçou Adão
Não tive nada com isso
Meu foi só o compromisso
De morder uma maçã.
Depois me julgam prostituta
Por não ser uma Maria
Se Jesus não chega em tempo
Hoje no Novo Testamento
A Madalena morria.
E assim segue a história
Culpando a mulher de tudo.
Se o homem vira cornudo
A mulher não tem valia
Se ela não lhe dá filho
É seca, uma figueira
Mas se é boa parideira
Só enchem ela de cria.
Quando é mãe
Tudo é bondade
Se sogra
Ninguém a quer
Cria o filho
Homem feito
Entrega-o a outra mulher.
Se fica em casa labutando
Dizem é ultrapassada
80
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Mas se ela vai à luta
Há sempre um filho da puta
A cochichar num ouvido:
Em vez de mãe e esposa
Veste a calça do marido.
Tem homem
Que morre de medo
E por isso a espezinha
Sempre fala que a vizinha
É a mulher e tanto
Fala grosso feito macho
Mas no fundo é um capacho
Ou uma velha galinha.
Tem hora que desatino
Jogo as pernas pro alto
Subo nas minhas tamancas
Reivindico o posto
Com direito à adoração
E quem não estiver satisfeito
Vá procurar seus direitos
Ou saia a lamber sabão!
81
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
OS OLHOS DE UM PEREGRINO
Karla Calasans de Mello
Templos de um anjo,
coloridos pela luz do sol poente,
refletem as mais diversas nuvens
e se comprazem na singularidade da melopéia cantilena.
Guerreiros na plataforma das sensações,
brincam com as selvagens flores de um jardim desconhecido
povoado por sonhos e fantasias
onde são revolucionários da alegria.
Nunca tardam em dizer se há
luz ou trevas,
pois, com eles, as aquarelas trazem a magia dos Universos
e o encantamento do Indivíduo.
82
PRÊMIO CASSIANO NUNES
CORAÇÃO ASTUTO
Kátia Rodrigues Baroni
Essas aves de rapina!
Querendo fazer ninho na minha cabeça
levando meu coração pro abismo!
Sai coração, foge!
Idéias infames
quinquilharias cerebrais
tentando aprisionar o cigano.
Ah não!
Não mais!
Já dei um basta
em qualquer que queira bater de frente
ou que venha com artimanhas.
O gato é astuto,
espreguiça... se estira... se estica... se esgueira
e displicente,
sai ronronando pelos telhados.
83
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
MORADA
Kybelle de Oliveira Rodrigues
em sua morada brotavam vaga-lumes
cisnes de asas quebradas
trotava o silêncio com sua longa cabeleira
escamas vermelhas arranhavam o sonho
(...)
em sua morada o sol escapava
as árvores fundiam o ouro e o vento
nas vértebras
das des-palavras acarinhava
em sua moradia as histórias apagavam o tempo
as larvas alongavam-se em solidão
antecediam o grito num breve sorriso
os sentimentos eram perfumes de vespas
em rodopio com estrelas e terra azul
uma criança em desamparo sobre a névoa das flores
a das cinzas esculpidas nos trovões (...)
em sua moradia as folhas eram as faces do escuro
do precipício ronronando dentro de seu coração
era a metamorfose das serpentes sangrando sob os olhos da neve...
em sua morada nascia o absurdo
cores borradas circundavam seus lábios
borboletas caminhavam nas pétalas da chuva
enquanto ela velejava em seu barquinho de papel.
84
PRÊMIO CASSIANO NUNES
TEMPO
Leandro Zacarias Gomide
Eu sou a tesoura
O ralo, o seu templo
A própria lavoura
O espelho e o exemplo
O umbigo do mundo
O barco e o remo
Ponteiro facundo
Monólogo extremo
Faminto incessante
Sem boca, sem rabo
Acorde infinito
Eu nunca me acabo
Abismo inescrito
Sempiterna amante.
85
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
O FRASCO
Leila Saads
Em águas turvas nado
E acho lá
No escuro
Um frasco
Que navega
Tão sem sentido
Tão vazio e limitado
E restrito e terminado
Que por um segundo eu
Invejo sua capacidade
De questionar o por quê
De sua existência tão mal
Aproveitada. Seu fundo
Pode carregar o mundo
Mas só carrega o vácuo
Se de si se tira o vazio
Não lhe resta nada.
Eu, ao contrário,
Carrego o mundo
No inacabado
De mim
86
PRÊMIO CASSIANO NUNES
CENTELHA
Leonardo Motta Tavares
Centelha é uma palavra feia
Com cara de inseto
Jeito de velho
E gosto de remédio.
Quer dizer que é uma luz
Quase apagada
Muito fraca, mas luz ainda.
Assim fica bonito,
Mas na verdade, remete a
“moribundo”
Há uma sentença para essa palavra.
Exalta-se nela uma persistência de vida.
Inútil, gasta e predestinada.
Há uma centelha de palavras
Na minha mão agora.
Reticências
Seriam as cinzas de um poema.
Em um dos três pontos, quem sabe
Uma centelha, uma brasa,
Uma fagulha, uma chispa, uma faísca.
(aqui é onde os sonhadores começam
a imaginar fogueiras)
Depois de finda,
Nunca a escuridão profunda,
Mas gelo branco enquadrado A4.
87
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
ESCADA VOLANTE
Lucas Mendes de Oliveira
E quando pensares em ir embora para lá,
A marca d agua da tua lágrima
Ficará para sempre escrita
Nos versos a cantá-la.
E como uma escada,
Que ascende na descida
E é deixada para trás na subida,
Ficará a sensação de uma volta em cada ida.
Porque quando você inventou a moda,
Eu, em devaneio, vim coa roda
Para seu poema rodar.
E quando pensei
Que não mais tinha você,
Descobri que você era, simplesmente, eu.
88
PRÊMIO CASSIANO NUNES
O ERÊ
Luciana da Silva Melo
Desenlace
Eu sou eu e o outro
Estou nele
Mas não deixo de me pertencer.
Nessa confusão de enlaces
Fizemos um nó.
Ele não precisa ser cortado,
muito menos virar pó.
Apenas ser desatado não importa como Se aos poucos ou
de uma vez só.
89
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
SAIA JUSTA
Luciano Dionísio dos Santos
Enlaça o meu destino em sua teia,
Penteia a cabeleira de medusa,
Abusa dos seus dotes de sereia
E ateia a chama doce de ser musa.
Desdenha o meu ciúme que lhe acusa,
Descruza as suas pernas e passeia
Alheia à poesia (que recusa)
Reclusa neste bardo que gorjeia.
Não basta ter o busto à taça meia,
Meneia seus contornos de cafuza,
E implico, pra vingar-me, que se enfeia!
Mas, quanto mais critico o que ela usa,
Mais minha saia justa lhe torneia
E o belo mais recheia a sua blusa!
90
PRÊMIO CASSIANO NUNES
CAMINHADA
Lucie Josephe de Lannoy
Nesse meu jeito perdido e encontrado
Nessa tua luta clareira sombria e densa
Nesse nosso andar desmesurado
Sem mais aonde, quando, por quê
Sopra um vento, uma consciência
Que a tudo varre, cava, revela
A infinita disposição para a fraqueza
E despe assim, deixa evidente
Qual a semente da nossa existência.
91
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
JULHO
Luiz Gustavo de Souza Alves
Brasília,
Domingo à tarde
Nada age nem arde
A não ser o sol
Que rouba toda a água do ar
Deposita-a num céu que mais parece mar.
92
PRÊMIO CASSIANO NUNES
CIRCO DE BOLSO
Marcel Francisco Veiga (El. Betin)
A vida é lida no circo!
I
Na lona acordada dos dias
o trapézio dos sonhos desafia,
provoca e também surpreende:
afia na corda-bamba da vida
a verdade malabarista da gente.
II
Gota sua
tingiu de sonho
minha noite passada.
Corou com tecido vermelho
o circo que me madrugava.
- “Tava” linda você brincando!
Até guardei num papel escrito
o recadiá que você dizia se rindo,
no picadeiro, entre o vôo das claves:
“Teu sono acabou na beira do circo!
É nosso sono quem está de passagem!”
III
A vertigem acessa no alto da lira.
O arrepio do trapézio na espinha.
93
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
A surpresa emaranhada no tecido
Como origami desdobrado nos braços.
Todas as sensações de arcos e músculos no espaço,
no instante em que o chão já desalcança o passo.
Elas todas pisam alto e voam fundo
sem derramar a saciedade do gesto:
não se contentam! Querem mais
é desaprender os limites,
descobrir a alma da graça
que passarinha fogo nos olhos.
Porque incandescer é sempre preciso.
No cotidiano, no sonho e no circo.
Em qualquer lugar. Sob todo sentido.
IV
A alegria e a verdade não dependem de tradução para existir.
Mais até do que outros atos originais, causam estranhamento.
Eu pega carona com elas.
V
Amor é malabares;
a gente, prato que ascende:
o circo, a vida
Sirva-se.
94
PRÊMIO CASSIANO NUNES
BRASILIANAS
Marcelo Ferreira Carámbula
I
O céu se abre ao infinito
Teus espaços são a capital dos meus pensamentos
Sorri o busto que fundou esse sentimento monumental
De poder, nas tuas letras, estar agora, brasiliana
II
Inauguram um monumento
Mas é a tua estampa
Que transforma meus pensamentos
Em traços curvos
Que nem Niemeyer sonhou
III
Tempo Estio
Em que corpo e alma tem mais sede
Embora muita água possa ver, em realidade
Não é fácil atingir teu lago
Mesmo assim,
Vou forjando uma orla
Pela beira Mar que, um dia, em sonhos verei
95
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
IV
Pesadelo alado
Que voa ao Norte
Mas é para o Sul que vertem tuas veias
No entanto, a alma, condor que vaga
Do alto vê: é um avião!
Quando enfim, ao leitor regresso
Eis que uma voz de metal me chama
Novamente ao teu aeroporto!
V
Ando em tua perspectiva
Por uma avenida sem fim e sem nome
Estonteante velocidade colorida
De sonhos em movimento
No rosto do menino
As luzes de uma cidade perdida
Olho para frente
O sinal deve abrir
(Qual será o caminho mais curto até o teu ser?)
VI
Abrindo picadas no teu seio
Pelo cerrado
Acreditando na visão
Vou quebrantando tua fé de pedra
Esse plano de gelo, bloco de certeza
De quem não quer me habitar
E sentir a paixão dos pioneiros
Com a força
96
PRÊMIO CASSIANO NUNES
E os sonhos
Nos quais sou operário
Que despenca de todos os andaimes
VII
Brasiliana tem olhos de gata
íris de velha xamã
Com tuas seitas
Seus novos mistérios
Feiticeira do altiplano
De bruxa, de benzedeira
E não foi a cruz em sua fortaleza
Que lhe livrou desse feitiço
De possuir toda a gente
E a cidade
Que no início
Não tinha Deus
Não tinha amor, nem nada
Passou a crer mais na vida
E os templos: a natureza!
VIII
Na noite em que parti
Levantei poeiras e dúvidas
Na bagagem que juntei
Um mapa sem legenda
E o coração como bússola
Apenas na procura de teus jardins em mudança de estação
Porque meus pastores
São os pássaros que desenham em teu céu
As luzes coloridas desses dias
97
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
IX
O expediente
O calhamaço, o ouro e o calmante
O lilás de bocas trêmulas
De longe brilham e fazem fama
A Brasiliana que me engana
É uma miragem em reluzente deserto
Sinuosa, prematura e disfarçada
Que agora caminha distante
Batendo asas
Buscando a mortal travessia
Em saltos loucos
Nos meios-fios de Brasília
98
PRÊMIO CASSIANO NUNES
A DENSA TERRA
Márcia Andréia Reis Pereira de Carvalho
Vim riscar o chão com palavras de sal,
Volver a terra à rama dum carvalho,
O barco das flores... Não mais ataca em meu quintal.
O brilho fosco da manhã, acoitada...
Meus olhos cansados que vislumbram o nada...
Os primeiros gorjeares da cotovia,
Triste! Melodiosa aos ouvidos, anuncia:
“O branco tom, que azuleja a dia!”
O verde escuro das pastagens,
Das moitas finas dos cabelos de capim...
Redemoinhos aos ventos as ramagens,
Põe no ar um estranho aroma de alecrim...
O relâmpago em lâmina fustigada,
Rasgando a cinza colcha de cetim...
E assim pranteia suas magoas, o dia...
Encerrando-as na densa terra, enterrando-as em mim...
Germinam flores no eito das pedras...
Lírios roxos dos meus lábios de carmim...
Aleijam os beija-flores exaustos...
Murmuram suas preces as pedras do claustro...
Com os pequeninos pulmões inflamados,
Pousado ao seco galho da videira:
Suplica o Bem-te-vi... “À Melancolia”...
O Triste-vida... declama... “A agonia”...
99
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
UM POEMA PARA GEORGE ORWELL
Marcos Alberto de Souza Oliveira
Quem vem lá?!... Vestido de rebeldia,
Com a revolução entre os dentes,
E entregue à própria sorte Mastiga o enredo, cospe a história!...
Como não se reconhece sem excessos
Quer-me parecer sem tradução.
Supõe existir fora da consciência,
Como algo que não pode ser pensado.
E para se encontrar consigo mesmo,
Anda por aí, distante da resposta.
Experimenta o lótus numa noite insone
Para se esquecer de pedir perdão Cria o significado - ama pela metade.
Assoprado para fora do seu tempo,
Sequer tolera um dia após o outro.
Avança!... Sem sombra de dúvidas,
Descansa certeza ao sol das possibilidades.
São os acasos da sua contínua ida!...
Amanhecer é quase um suicídio,
Depois de acordar do sonho vermelho.
E em fuga de um século não cantada
Não aproxima de explicações sem motivos.
Enxuga a palavra. Nem tudo é poesia
Antigos gestos repetem a novidade 100
PRÊMIO CASSIANO NUNES
À semelhança de Judas, Brutus e Calabar
Não se deixam ver por dentro...
Embriagados, seus anjos soluçam
E folgam as amarras da ideologia.
Não tardam a atirar a primeira pedra!
Frente a frente com os pecados Da sua via crucis de poeta - ressuscita-se
Numa interpretação para poucos...
Ao compor a toada triste do salvo-conduto Cessam os sinos! Emudecem os pardais!
Ecos não evolvem os gritos.
E todos se calam. E tudo é silêncio.
101
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
BURLE
Marina Mara da Silveira Chaves
Burle o que não for arte
Marques com cores as veredas
As varandas, as telas e teclas
E quando chover no jardim
E o sol trouxer as setes cores
O mestre dará sete notas
Todas mudas, que plantadas
Florescem como poesia
Enraizada em projetos
De cheiro, vida e simetria
Seja tela, terra ou tom
Sim, tudo são flores
Quando a magia é dom
É o poder da alquimia
Que tira som de planta
Como Maestro que encanta
Os pardais de orquestras naturais
Que lêem nas linhas das folhas
Suas partituras musicais
102
PRÊMIO CASSIANO NUNES
PRA'LARVAS
Marton ‘Olympio da Silva Santos
Brincar com palavras
Lavra minha terra
Erra sobre meus cabelos
Belos e inatos poemas
O sol abre quando sorrio
Rio que margeia a solidão
Dão dos meus olhos
Molho, inatos poemas
Ecos cospem uma resposta
Posta a mesa, fome alguma
Uma a uma letras engasgam
Parindo inatos poemas.
103
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
APONTAMENTOS PARA UMA POÉTICA
CANDANGA
Matheus Gregário Vinhal e Silva
Esqueça o adjetivo brasiliense.
É algo mais inventado que a própria cidade.
Não considere nada que seja mais
artificial que Brasília. É parte do inexistente.
O céu em Brasília: o Corcovado no Rio.
O concreto de Brasília: o ferro de Itabira.
O avião não decola em seu próprio céu.
Tesourinhas: uma ideia, uma estética
apoética.
Bebe Behr. Planta Marx. Pensa nos ladrilhos de Bulcão,
somente então, rima. O apostolado de Athos.
Niemeyer não morreu.
(entrequadras nas entrelinhas)
Brasília só é possível de óculos escuros.
O branco ofuscante, o fogo invernal.
Há de se tomar cuidado com o nome
Brasília. É traiçoeiro. Sugere
coisas demais, a rima tosca, a ilha,
a agudeza de um acento, o feminino de um país.
Brasília é um homem que trocou de sexo.
Sem gênero, sui generis.
104
PRÊMIO CASSIANO NUNES
TEATRO AMAZONAS
Michele Eduarda Brasil de Sá
As árvores brincam de roda
Na praça São Sebastião.
Suas copas, Copélias,
Movem-se verdes sempre,
Sempre Verdis,
Durante as Quatro Estações,
Vivaldíssimas.
São elas o coro das tragédias,
A risada das comédias,
E no Natal se enfeitam
Para a chegada do Messias.
Chamam os transeuntes ao espetáculo
Em rapsódias, valsas, polcas, marchinhas,
Samba, chorinho e boi.
Um minuto, um Minueto;
E continua a Dança das Horas,
Desde a manhã de Peer Gynt
Até os últimos Noturnos acordes
Que despertam as almas à arte
105
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
REVELAÇÃO
Nadyr Angela Berge Ceschim Oiticica
Alma que se rompe
Abrasa destilando
Lentamente este retroinverso. Vida.
Morte e vida há quem ouse negar?
Ramalhete indeciso de sentimentos
Imitando uma folha ao vento
Louva o porte deste feroz dilema
Um dia que parte uma noite que chega
Morte e vida redemoinho improfícuo
Nas dúvidas de mais uma tarde de sol
Arco retesado aguardando o tempo. Morte.
Insano perder de novas romarias.
106
PRÊMIO CASSLANO NUNES
QUE MÃOS MOLDAM O POEMA?
Odemir Paim Peres Júnior
A mão aflita, afeta
o gesto das auroras,
põe febre nas palavras
quando a verve dispara.
Rompe (alam) brados
e fere o assombro.
(que espírito invoca a luz
quando o verbo é silêncio?)
nas palavras a pesada
empunhadura dos sentidos
afia a sua dura adaga
nas quinas se seus labirintos.
(onde o poeta deixa os óculos
quando inventa a chuva?
Ainda:
Se são dois olhos gigantes,
duas lentes deságuam o infinito?)
A toda a arquitetura
- de ângulos ou curvas são permitido desvãos
onde adormeça o poema.
107
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Quando descerram os olhos
para o atrito das horas
desprende toda a aurora
nos limites dos sonhos.
(que instrumento inventa o silêncio
quando a vida rebenta?
Que quiromancia advinha
o destino nas linhas do poema?)
108
PRÊMIO CASSIANO NUNES
GATO E SAPATO
Oswaldo Pullen Parente
Agora, sou um gato,
Rapão de fato
engolindo sapo
mas!
Sonho um pássaro
morto em meu prato
este meu sujo lado
de comedor do real
Sou um gato
absorto em meu prato
vago, que o rato comeu
Malandro, gaiato,
se me assanho, safado
danço um tango de quatro patas...
mas agora, sou um fato:
sem tretas, nem poesià
sou o fato que se perdeu no sapato
meu gato este, lasso
que já não sou
Crítico, enfadado
agora sou, no máximo
pragmático.
109
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
BRASÍLIA
Paola Daniella da Fonseca Rodrigues
A letra trêmula
na carta da mãe
marca outro mês
neste calendário estóico.
A cidade continua,
ilustríssima desconhecida,
como todas as cidades são.
Em maior ou menor
grau de integridade.
Mas é diferente:
aqui desaprendi a chorar.
A sensação de não ter casa
faz a gente criar casulo dentro de si.
Ver beija-flor onde só tem solidão.
Beija-flor lembra a mãe
A mãe é a tradução da saudade.
Antes de dormir,
penso em voltar mais uma vez.
Avalio perdas e danos.
Fico.
Com ambos.
110
PRÊMIO CASSIANO NUNES
ENIGMA
Paulo Emílio Pereira Ferraz
Caminho entre as trilhas ou nuvens
Nado no lago ou no rio
Vôo na vegetação ou no mar
Corro rápido e às vezes devagar
Olho o horizonte ou a mim por dentro
Toco a pele ou o instrumento
Produzo o som ou até o silêncio
Saboreio o perfume das violetas
Sinto o riacho e as geleiras
Vago pela montanha
Afago a vegetação
Mergulho no oceano
Quisera poder tocar as estrelas
São belas, brilhantes, distantes, mas não solitárias.
Quisera poder girar o mundo
É pleno, envolvente, magnífico, parte do universo.
Sou apenas um dos milagres da natureza
Sou movimento, espaço, tempo
Sou o vento.
111
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
SONETO DO AMOR DESFEITO
Paulo Franco
O imperfeito amor que avassala
de infinito o coração em chama
e causa dor e embaraça a fala
atormentando o peito de quem ama
é o mesmo amor que a criança embala
quando recria num brinquedo um drama
ou o amor que o tirano cala
pra iludir e pôr a terra em chama.
É, com certeza, o sentir mais forte
que pode haver pra embriagar o peito,
pois gera vida e depois a morte
já que depois se torna rarefeito
e o sentimento que era a grande sorte
vira um vazio coração desfeito.
112
PRÊMIO CASSIANO NUNES
SONETO XIX
Paulo Rômulo Aquino de Souza
Passar não posso pelas tuas portas.
Hão de acusar-te os santos de revel.
Perguntariam por que te importas
Levar um ímpio como eu ao céu.
Passar não posso pelas tuas portas.
Sabes: não fui amante tão fiel.
Quanto perdoas mais e mais me exortas,
Sei que pretendes conduzir-me ao céu.
O que dirá tua madrinha Juno,
Vendo-te virgem abraçando um huno?
E me respondes sem nenhum receio:
“Não te incomodes do falar alheio.
Quando em meu corpo teu prazer investes,
Deixas cantando os pavilhões celestes.”
113
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
A MORTE DE RAFAEL ARCANJO
Pedro Gontijo Menezes
O dia amanheceu sem luz
com fusco de chama de vela
velada estava a janela.
Deitado a meio caminho
da Ladeira da Preguiça
coçava-se um cachorro cansado.
O chão de pé-de-moleque
deixou de ralar o joelho
da correria da molecada.
E o resto da enxurrada
Da chuva da última noite
Unia os paralelepípedos.
Os sinos da igreja matriz
chorosos que estavam, de bronze
não viram o dia nascer.
E o domingo, aquela vida besta
de vela defronte o oratório
sequer lhe deu as caras.
Os tapetes de milho e serragem
Sussurraram o batuque triste
do Reisado daquele ano.
114
PRÊMIO CASSIANO NUNES
A folia em honra à Virgem
e a procissão do Triumpho
perderam-se e se confundiram.
Em casa não houve abrição
bateram à porta surda
a vela num repente apagou-se.
As asas de pedra partiram-se
partiu o anjo do oratório
uma imagem barroca a menos.
115
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
TORRE DE HOMENS
Pedro Vinícius Cortez Nobre
No dia derradeiro em que pela última vez
iluminou o brilho do sol a velha torre,
construída sobre pedras e em pedras repousando,
subiu um jovem escravo ao último andar seu,
nas nuvens,
pegou uma lasca afiada, marcou
uma letra na rocha
Coube ali um toque de superstição,
lá no alto a que nenhum outro homem jamais chegara
Foi esse escravo o primeiro dos primeiros
sobre quem desceu do céu a loucura como silêncio;
ao que lhe vieram chamar: desça
ele não entendeu e até se assustou
Sem que se soubesse por quê
A paz e o sossego fugiram no
espaço de um fôlego apenas um fôlego
e nada mais, fugiram,
fustigados por um dedo celestial
que dançava e gargalhava,
pondo a correr pernas magras,
tingindo o pôr-do-sol com sangue vermelho,
que a terra seca avidamente bebia:
todos os homens sucumbiam —
pais às mãos dos filhos, filhos às mãos dos pais,
mas todos eles, todos
compelidos a um só tempo pelo mesmo dedo
116
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Sobre o primeiro escravo filho de Babel
a confusa ira divina caiu, despencou
na cabeça de homens honestos, embora
um tanto ambicioso, é claro,
eram-no, sim, - que mais poderiam ser?
Nascidos da Terra, não fortes como ela,
A torre mais alta que construíram suas mãos
a custo chegava aos pés da mais modesta das montanhas
E no entanto, Deus, Deus! sentira-se incomodado,
afinal o último andar o irritava em seu repouso,
pinicava-o em sua ira,
e por isso o desmanchou
permitiu ao pobre escravo, porém,
a quem faria ainda a vagar pelo deserto,
- injustiçado, estupefato, desamparado, amedrontado, abandonado um vago vislumbre do que se seguiria à primeira Babel,
e como ainda se juntariam os homens, teimosos
empilhando tijolo sobre tijolo, esperançosos,
para que em resposta dos céus a cada vez mais forte
soprasse um vento de um Ancião,
e que viesse ele varar o intento novo
ignorado este até então, e ditoso;
antes sobre a pedra dura os braços haviam se juntado
sob um só nome e sob uma só língua,
construindo de suas vidas algo maior
qual montanhas: mais forte, infinito,
para que cruzasse o espaço
a sua mensagem corajosa, chegando às nuvens
- dizendo, clamando:
“Estamos ainda aqui, vivos, unidos!”
117
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
FANTASIA
Perpétua Conceição da Cunha Amorim
feitas com papeis de balas,
são minhas vestes
de plumas,
os calçados que me aquecem
meu sombreiro
é de folhas de ciprestes
apóio-me em uma bengala
projetada só para mim
com fios prateados,
madeira de lei e um cheiroso capim
tenho uma cadeirinha de arruar
amarela-doirada,
com acentos cor de anis,
cortina de renda
e teto de ir e vir
onde ponho-me a ver estrelas
nas noites quentes de outubro.
Ah! meu escravo
é o meu guia,
com os seus olhos de esmeraldas
pele alva
alvinha
cabelos longos e negros
feito as crinas de um azarão.
Pois é
Feitas com papeis de balas,
são minhas vestes.
118
PRÊMIO CASSIANO NUNES
SURGI NO MUNDO EM CURTO TRAÇO AFLITO
Rafael Gomes Fernandes
E fui por tempos um rabisco breve.
Moldado em vida, fui-me sendo escrito
Como um Soneto que em si mesmo escreve.
Com a pena em punho pus-me ao brusco rito:
Compor-me em metro que um soneto deve...
Perfeitamente fui-me sendo escrito
Com certo metro que já não me serve.
Rasguei-me a folha em farta fúria e ofensa
À antiga língua amarga, muda e morta
E pus-me a redigir-me em novo ser...
Em novas letras e com nova crença
A cada tempo o texto certo entorta:
Sou mil sonetos... sempre a me escrever...
119
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
MAR IBÉRICO
Rafael Milliote Ramalho
Por mares tempestuosos avante
Conquista o globo com glória
E destemido lança espada incessante
Para que em terra celebre vitória
Mar Ibérico, só por tua fortuna
Foste tal vigilante nictemeral
Mal Bélico, em colônia oportuna
Obtiveste grosso lucro sideral
Não se sabe se o amor ou se a morte
Se há vida naquele gigante
Dominante de jamais visto porte
Para o qual bastou o tempo - este forte
A fim de pará-lo, para dar-lhe fim
Portugal das navegações adormeceu enfin
120
PRÊMIO CASSIANO NUNES
COREÓGRAFO
Ricardo Lahud
Menino moleque
solto no jardim
prende pelas cores
bailarinas borboletas
E com tesoura de ponta redonda
Separa
Na grama, cabeças a pensar sem vaidade
No jarro, asas e pernas a dançar sem compromisso
121
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
ROSAS DE AFRODITE
Robledo Neves Cabral Filho
Ó, rosas vermelhas! Em seu venoso brusco, torturante
Criadas em perfeição pelo sonho da infernal feiticeira
Afrodite! Soleníssima criança que, em andar errante
Encanta com suas sinfonias a volúpia derradeira!
Ó, rosas impuras, que brincam com o homem de anseios!
Paixões do outono cruel em seus tons avermelhados!
Perpétuas decorações à parede da Deusa dos Enleios:
Vermelhas gotículas do sangue dos encantados!
Em sua beleza me aprisionam, impetuosas rosas!
E tuas pétalas, oh! belas demais para a realidade!
No interior, entretanto, de virtudes tão airosas
Esconde-se a mais cruel e insensível fatalidade!
E nesta melodia de encantos, ri-se em satisfação
A domadora dos pobres corações humanos!
Já que suas belíssimas rosas os levam à desilusão
E transformam suas mentes em dizeres insanos!
122
PRÊMIO CASSIANO NUNES
MUDANÇAS
Rodrigo Domit
Sem palavras
o criado mudo
isolou-se em um canto
sempre tão fria
a geladeira
derreteu-se em lágrimas
Sempre tão quente
o chuveiro
agiu como se não ligasse
As paredes ecoaram
o silêncio da despedida
Algumas portas se fecharam
Enquanto outras se abriram
E eu, que já não me sentia mais em casa, parti
123
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
TELÊMACO E A PONTE
Rodrigo Vasconcelos Rodrigues Pinheiro
Culpar a ponte foi inevitável:
quem ou o que tornaria tão fácil
a ida do meu pai para o outro lado,
de onde os guerreiros saem exaustos?
Eu era uma criança quando as lanças
de ferro e bronze cruzaram a ponte
sobre o mar porque os guerreiros sedentos
de sangue e de glória queriam lutar.
Nem terra nem ar - o meio mais rápido
de aportar naquelas praias cinzentas
era a ponte sobre o mar. Ponte de aço,
firme, que nunca se enferrujará!
Foi pela ponte que alguns retornaram
uma década depois, carregados
de proezas terríveis e tesouros,
para enfim comprovar sua vitória,
e para reavivar esperanças:
o mar - água, sereias e sargaços não tardará a revelar à ponte
que o rei volta, sem sinal de velhice,
e ele dirá: “Sinto os passos de Ulisses!”
124
PRÊMIO CASSIANO NUNES
ÁTOICES
Ruth Meyre Rodrigues
Há um tempo escondido em cada
E o nada visível em tudo
Dentro de uns, muito,
Dentro de outros, outros
Como se maçã desse na bananeira
Como se velocidade fizesse a dor passar
Pipa sem vento num voa não
Vento sem pipa se perde sem graça
Tenho pena de poeta sem pena
Saudade de quem não está mais aqui, mas também não se foi
Ou se foi e agora é outro, num sei
Vida sem mote é morte, quero um
Estão levando o pão da vida, deixem o vinho, deixem
125
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
DÁDIVA
Sadat Gonçalves de Oliveira
Quando eu morrer, doem meus órgãos, doem tudo.
Levem as córneas com as quais eu vi o mundo.
Levem o fígado que provou uns poucos vinhos.
Levem um rim, levem também o seu vizinho.
Se, no momento em que me visitar a morte,
Os meus cabelos forem longos, então cortem.
A minha pele que sentiu toques e apertos
Podem usar para fazer alguns enxertos.
Doem meus ossos, cartilagem e, então,
Por fim retirem meu saudável coração.
E, para que nada de mim se desperdice,
Doem o resto do meu corpo à pesquisa.
Pois não há nada mais monstruoso e mais mórbido
Do que negar-se aos outros mesmo após a morte.
126
PRÊMIO CASSIANO NUNES
ANTIPOESIA
Salatiel Ribeiro Gomes
Onde o poema retalha o átomo
em bolas de água e sabão
ando simetricamente
e piso nos galhos rasteiros
fomento a firmeza das pedras
e enxoto as borboletas do céu
longe dos caminhos da fuga
desuso as lembranças
enquadro-me à cal
ao concreto, ao cimento
e chuto alvenarias de papel.
127
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
NO MUNICIPAL
Sara Mayara Martins Borges
Queria subir no palco do Municipal.
Dar show!
Queria arrancar palmas sinceras,
gritos de deboche, chuva de tomates
O que for!
Queria não estar lúcido.
Dizer aqueles monólogos
revestidos de inteligência
que os críticos a-do-ram!
Queria ser sarcástico.
Afiar bem a língua com dizeres ásperos.
Cuspiria ácido!
E ainda assim, eles me amariam.
Queria que a luz brilhasse sobre mim!
Revelando a face da máscara do poeta.
Rasgada com uma feição de pura dor
Onde minha alma, senhores,
é a própria tradução.
Depois de brilhar na noite paulistana
Queria ir em direção ao Planalto.
Ao Teatro Nacional.
Arrancar palmas sinceras, deboches,
chuva de tomate da Capital Federal.
128
PRÊMIO CASSIANO NUNES
GRITO DE DESASSOSSEGO
Savigny Machado Lima
Se a paixão não fosse
Uma louca desvairada
Eu te juraria certezas.
Se a paixão não fosse
Uma cega de toda hora
Eu te daria um caminho.
129
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
SOIS E POEIRAS
Sidnei Alves de Oliveira
No coreto da praça
Da língua do menino mudo,
Onde o mundo se denuncia pobre,
A palavra e o palavrear
Enriquecem a paisagem:
A borboleta pousa pausas
E a poesia conta causos No Cáucaso,
Um poeta no pico das montanhas
E mergulhado nas geleiras
Sonha abraços desde o Gama
Entre sóis e poeiras.
O menino, enriquecido,
Ri cachoeiras
E canta mariposas,
Sem cessar.
130
PRÊMIO CASSIANO NUNES
BOLERO DE RAVEL
Sônia Maria Carriel Brandão
O dia desliza
no tapete do tempo.
Uma vassoura varre
o pó dos homens
que arrastam na noite
as suas cicatrizes.
Um bêbedo conversa
com as pedras da calçada.
Na gaiola um papagaio
dança o Bolero de Ravel.
131
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
PANTUM
Ao maestro Sílvio Barbato
in memoriam
Suzane Lima Conceição
Passaste ao mundo como um meteoro
Lindo e brilhante, mas logo se foi.
E foste um sonho lindo e sonoro
Um lindo sonho que ainda hoje dói.
Lindo e brilhante, mas logo se foi,
Como quisera teu ousado orgulho.
Um lindo sonho que ainda hoje dói
E se entregou à canção do murmulho...
Como quisera teu ousado orgulho
Voaste e não voltaste pra cá.
E se entregou à canção do murmulho...
Regendo agora o murmúrio do mar.
Voaste e não voltaste pra cá
E nos deixou em inevitável pranto.
Regendo agora o murmúrio do mar,
Que nos consola como um acalanto.
E nos deixou em inevitável pranto
Da esperança no lindo improvável,
Que nos consola como um acalanto,
Que nega aquilo que é inegável.
132
PRÊMIO CASSIANO NUNES
Da esperança no lindo improvável
E da lembrança do teu belo riso,
Que nega aquilo que é inegável,
Sabemos que estás no paraíso.
E da lembrança do teu belo riso,
Ainda rimos com sua lembrança.
Sabemos que estás no paraíso
Agindo sempre como uma criança.
Ainda rimos com sua lembrança.
Foste tão cedo, ainda um aprendiz.
Agindo sempre como uma criança...
Deve ser perigoso ser feliz...
Foste tão cedo, um aprendiz
E é por isso que ainda hoje choro.
Deve ser perigoso ser feliz...
Passaste ao mundo como um meteoro.
133
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
O MUNDO DAS PALAVRAS
Tarciana Barbosa de Freitas
Apenas poetas entendem o balanço da poesia pelo mundo
Cobrindo o tempo, preenchendo esse vazio inoportuno
Que arrebata os corações dos que brincam
Com as palavras assim: Lispector, Neto, Rosa - talvez eu E, certamente, os poetas de botequim.
Colocar no papel a vida é uma arte!
Cada qual faz o que pode, escrever é vaidade!
As palavras martelam minha mente,
Furando minha alma, até que as escrevo
Minhas pequenas notas de felicidade
Que me ensinam o desapego
Deixo partir o que me atormenta, e releio
Corto o que sobra, edito o que floreio.
Pois carrego sentimentos no bolso e palavras no peito
A vida comprime mas se abre num pensamento rarefeito
Busco nas letras, não livros e nas leituras sem fim,
Alegria de tantos leitores e escape para mim,
Meu lugar de criação perfeito.
Quando cresce crescendo crescente
Essa vontade de escrever
Colocar no papel, com a mão a tremer
Todos os pensamentos que são vários
E as palavras voláteis demais
Toco meu pensamento num segundo
134
PRÊMIO CASSIANO NUNES
E no outro já não existe mais!
Agarro meu lápis e toco meu céu
É como se eu estivesse completa
Nesses raros instantes onde as palavras roçam o papel!
135
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
UVAS
Teresinha de Jesus Gonçalves Motta
Não sei
se corro
do cheiro da chuva
Não sei
se morro
da falta de sol
São tudo pretextos
para alguma prosa
Vontade insólita
de falar em voz alta
para ninguém
Me julgo louca
nesses monólogos
Até no pensamento
falo pelos cotovelos
Essa constância
de poesia
em rascunho rotos
nos bolsos das calças
nas entrelinhas das gavetas
ou no sigilo
das caixinhas de chá..
Acho que estourou alguma veia
Deve ser uma nova safra
de uvas sazonais.
136
PRÊMIO CASSIANO NUNES
ENCONTRO MARCADO
Terezinha Santos de Amorim
Somos chamados e avisados
para a reunião de despedida.
Alguém partiu, mas está presente.
Laços desfeitos, momentos de dor.
Inconsciência de quem se despede
Exposto a todos, no seu último dia.
Estando inerte sem tristezas ou alegria.
Enquanto isso, parentes e amigos
Se olham, conversam se abraçam.
Encontro marcado por conta da morte
Momento tácido, de apoio, de quem fica
Sem jeito de fugir deste lugar.
Encontro, onde alguns envelheceram,
tornaram-se feios, bonitos,
mais magros ou engordaram.
Vida pulsa, diante do escolhido em foco,
com a certeza efetiva que nosso dia chegará.
E quando chegar a hora da nossa partida,
no encontro, não podemos mais falar,nem reparar:
quem veio, quem deixou de nos prestigiar.
Vida e morte se entrelaçam, nesse triste dia de chorar.
137
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
BRASÍLIA
Thais Lima Rocha
Beleza que contorna a norma brusca, e renasce
Se torna inumerável de vida
Faz do céu uma plataforma azul
Onde mora o mistério do simples e infinito.
Em anos, dias mais belos e puros
Dançarei nos seus frágeis outonos
Cúmplices de seus seios brancos
Sem medo ou fúria de falsos donos
Mas nessa primavera de tristezas,
Acalento todas nossas saudades desatinadas
ao som de todo nosso silêncio amargo
Brincando fazer tuas esfinges de sol coroadas.
Amo mesmo tudo que não posso tocar, mas que me toca sem sentir.
138
PRÊMIO CASSIANO NUNES
A ILHA DO BRÁS
Thaisa Cristina Comelli Dutra
O avião que é borboleta
A cidade das silhuetas
Sinuosas como as belezas
Como as negras do meu país
Contornadas e imperfeitas
Seus defeitos? Incontáveis
“Não tem mar
e ninguém anda na rua”
A cidade quase nua
De mata seca
De lua discreta
Com clima de deserto
Mas grandeza de floresta
Assim eu imagino
Um triângulo divino
Um tripé de integração
Que nasceu como promessa
No seio da minha nação
E mesmo que seja ainda
Um símbolo de contradição
Eu te amo por ser linda
E ser um paradoxo
Presente
Neste e em todo coração
139
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
POEMA DE INVERNO
Thiago Cordeiro Moulin
Abençoada seja cada gota
De chuva, que cai sobre minha face,
Que me molha, me esfria,
E relampeia, e amedronta, e apavora.
Porque apesar de sua afronta
Gélida, abusada, prepotente,
Meu peito nunca mais esteve tão quente
E meu coração tão forte.
Pois é da mulher entre meus braços,
Protegida em meu acalento,
Donde pulsa o sangue que me aquece
E vem o ar que me mantém atento.
140
PRÊMIO CASSIANO NUNES
MODERNA CANTIGA DE AMIGO
(NAMORADO)
Thiago José Rodrigues de Paula
Ai prédios, ai prédios de cinza concreto,
Sabeis notícias de meu namorado?
Ai, Big Bang, onde ele está?
Ai prédios, ai prédios de cinza cimento,
Sabeis notícias do meu amado?
Ai, Big Bang, onde ele está?
Sabeis notícias do meu namorado
Aquele que não se separar de mim prometeu?
Ai, Big Bang, onde ele está?
Sabeis notícias do meu amado
Aquele que não se separar de mim jurou?
Ai, Big Bang, onde ele está?
Vós perguntais pelo vosso namorado?
E eu bem vos digo que não é são nem vivo.
Ai, Big Bang, onde ele está?
Vós perguntais pelo vosso amado?
E eu bem vos digo que não é vivo nem são.
Ai, Big Bang, onde ele está?
E eu bem vos digo que não é são nem vivo.
E que uma bala perdida sua vida roubou.
Ai, Big Bang, onde ele está?
141
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
E eu bem vos digo que não é vivo nem são.
E que uma bala perdida sua vida levou.
Ai, Big Bang, onde ele está?
142
PRÊMIO CASSIANO NUNES
RAMEIRA
Tiago da Silva Frota
Aqui forneço uma senha
Não para os de alma puritana
Não para aqueles que vêem o meu sexo como placebo
Sexo tão transcendente e além das estrelas, talvez
Metamórfico universo que me concedo
Um, dois, três, variados desejos
Feitos a partir da vara de condão aposentada
Da Rameira mais bem apessoada
De meia calça sedenta e olhar cabisbaixo
Que me teve na cama para revelar agouro
Dos infinitos corpos que passaram pelo teu
Como a transmigração da alma
Como a conversa entre fantasmas
Caricatos camaradas que falam o que convêm
Para te ter nua, para ver-te sambar sob seus corpos
Não uma musica qualquer, não um tom em vão
Desafio a mais pobre entre as almas
Ofereço o mais destrambelhado coração
Para ter todos aos meus pés
Ser adorado e idolatrado naquilo que chamo de sonho
Local onde as ondas passeiam a me fazer cafuné
Alfa e beta que tão bem me levam
Neste destemido percurso ao qual não dei nome
Simplesmente mantido afivelado
Onde ninguém poderia me passar a perna
Onde nenhum príncipe se tornaria idiota
Por seus meios, medos e ações
143
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
E é assim, assim que levanto teu rosto da sarjeta
Bregueira, rameira, prostituta, pura folha de oliva
Essas palavras já não te pertecem
O teu corpo já fora esquecido pelo diabo que é o passado
Pelo Deus que se diz poderoso concedo então o teu futuro
Longe da carne, fa r away dos pensamentos
Da lágrima que cai ao chão apenas a veja escorrer
Do espelho partido mantenha-se longe
Do punho ferido veja nascer o sangue
Que brota feito a semente já morta
Do teu maior carma que é a solidão
144
PRÊMIO CASSIANO NUNES
CONSAGRAÇÃO
Valberto Cardoso da Silva
A padaria quedava aberta, meio da tarde,
A moça loira comprou o vinho
e com o livro nas mãos
leu o poema para os meninos trabalhadores do pão.
Eles riam, consideraram bonitas aquelas palavras fermentadas
E pediram mais, esqueceram de vender.
E a cidade cresceu.
145
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
VOU-EMBORA
Valter Rosa da Silva Júnior
Há lugares incomuns
Que acabam incomodando feito não sei o quê
Eu preciso voltar pra Beja
Resgatar tal herança lusitana
Que me casou tamanhos desfavores
Eu preciso voltar pra Beja
E como beberei vinho-mel!
Como queijo querendo um tonel
Subo numa torre de mouro
Catarei pedras no céu
Eu preciso voltar pra Beja
Lá posso fingir ser descendente
Ou mesmo contraparente
De Dom Sebastião
Definitivamente
Eu preciso voltar pra Beja
146
PRÊMIO CASSIANO NUNES
CINCO POSTAIS FLORIDOS
Walther Moreira-Santos
i
O poeta Maiakovski viu as flores antes de morrer.
(36 anos. Arma de fogo. Suicídio.) Era primavera.
II
O homem triste - disse-me um anjo - não conhece as flores.
(Se são brancas as flores do lixo, de que cor as flores de minha estupidez?)
III
Não murchavam as flores que se foram com meu melhor amigo,
Não murchavam as flores que foram com a mulher que amei um dia,
Com o homem que eu amei um dia.
IV
Não murcharam as flores que se foram com aqueles que não amei
Por falta de coragem, dinheiro, cinismo ou sorte.
(Por não morar em Hollywood ou ter encontrado James Deam
Ou Eva Braun em Berlim ou Nova Iorque)
v
As flores que se vão com os nossos ficam plantadas em nós.
E não há nada além. (Além das flores há o silêncio: flor de Deus)
147
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
ROTEIRO PARA ACOMPANHAR A PROCISSÃO
DE SOLUÇOS
Whisner Fraga
Em Minas um boi cacareja a sua desconfiança de canário
Em Minas um pito estremece na boca despetalada do velho
(que nem supõe mais como ou quando morrer)
Em Minas o sol se melindra com a fecundidade esverdeada das coisas
O trem apara a preguiça das serras
(enigmático como tudo se torna trem em Minas)
Um compêndio de curas nas rezas calejadas das mulheres
As tripas das paredes escapando da erosão dos rebocos
(Minas é um povo caducando nas horas desabitradas)
Já é impossível pescar esta Minas em Minas
Libertar essa Minas de Minas
Ou desonrar o ventre que traduziu em desassossego essa rigidez mineral
Um galo esporeia, com sua covardia amolada, os chifres da morte
Enquanto uma rede nina uma selvageria de substratos:
Há um torrão de Minas engastalhado na minha garganta.
148
PRÊMIO CASSIANO NUNES
BELA DAMA
Willians Rodrigues da Silva
Mais uma vez lá está a Bela Dama,
Fraca de corpo e ausente de alma,
Sozinha à espera de alguém,
Com o rosto riscado por água salgada,
Clama palavrões para paredes pintadas de nada,
Fúria de fêmea golpeada pelo oposto,
Arrebata pelo desencontro contínuo,
A revolta se acalma em meio ao ápice da embriaguês,
Jogada ao vento pela própria benevolência,
Pouco a pouco é tomada por novas lágrimas de consternação,
O suicídio parece ser a fuga mais sensata após a última dose,
Tudo isso acontece pelo ingênuo fato de desejar ser amada,
Como ela sofre com suas belezas machucadas,
Está cada vez mais contaminada à espera do nada,
Após as dores mais profundas percorrerem os sete corpos,
Hipnos a contemplou com um calmo e profundo sono,
A agonia do abandono abdicou o seu lugar para os sonhos
aos olhos do pai,
A mulher apaixonada e não valorizada agora está abraçada,
A proteção é majestosa em um mundo longínquo,
Ao despertar estará mais viva e sensata,
Jamais será re-enganada, ferida ou machucada,
149
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
Em meio a tantas angústias passadas,
Poderá ser novamente amada,
Sem nenhum limite para aquele que mereça encontrá-la.
150
PRÊMIO CASSIANO NUNES
PASSEIO NOTURNO
Zilda Pedro da Silva
Meu verso passeia pela noite
adentra os bares enfumaçados,
contempla a triste figura
e do bêbedo acabrunhado
e o sórdido sorriso
do vendeiro trapaceiro.
Visita os bordéis chinfrins,
repousa no velho rosto
da prostituta menina
- Que sina! Que sina! Brinca no cabelo branco tingido
da prostituta cansada
- Que estrada! Que estrada! e nos bolsos vazios
do devasso depenado.
Invade as frias alcovas
dos lares bem comportados
onde o amor virou costume.
Saindo pela janela
encontra-se em plena avenida
onde o espaço é do moçoila
que brinca de super-máquina
em sua ausência de neurônios.
Enfim muitíssimo cansado
da fealdade no belo
que ele próprio criou
151
CONCURSO NACIONAL DE POESIAS
busca então o refúgio
desse poema intrigado
que o aceita sem delongas
tão calmo quanto o luar.
152
PRÊMIO CASSIANO NUNES
ANÚNCIOS
Renan Alves Melo
poética
vende-se uma poética falida
sem asas
apenas uma dessas poéticas
de funduras e penas
caladas
soneto inacabado
fato tem a mal(dita) mania de nuvem
a cada lance de olhar uma imagem
já viram adagas, orquídeas e felinos
nas lacunas da escrita
ou nas brumas da ausência
calça sentidos sem pé ou cabeça
(arabescos de um lago na margem esquerda)
que andam e pensam infernos dantescos
duma culpa (ou lua) chamada Valquiria
rima perfeita
alugo
mas não conto a ninguém
153
CONCURSO NACIONAL DE POESIA
três versos decassílabos
belo abandono que se encaixa em qualquer soneto
nênia ou poemeto
ode ou odisséia
lira ou melodia
(que não cantem a vida
nem água parecida)
prometo
carta suicida
amordaça
certa tentativa de morte
confundida
a uma tentativa de vida
acompanha um sol adormecido (e um acorda)
entre os seios incertos do além
preso nas entrelinhas da ida
ou prescritos nas linhas de alguém
um papel que poderia ter sido
barco, bilhete, primeiro capitulo de um romance
marco de silhuetas juvenis
e teus nuances
um papel errante que pudera ser eterno
sem singrar a calma inquieta
(a que todo poeta apelidou de vida
ou amante)
154
PRÊMIO CASSIANO NUNES
musa inspiradora
arca pedras no caminho, tece pasárgadas
cultiva palmeiras para o sabiá cantar
desnuda pessoas dentro de Pessoa
e ainda acompanha papel e caneta-tinteira
(para carta suicida)
poesia
troco essa poesia vendida
por um instante de regresso teu
nem que seja num suspiro de partida
ou num beijo de adeus
155
Universidade de Brasília / Biblioteca
Central / Espaço Cassiano Nunes
abriga o Prêmio Cassiano Nunes,
criado em 2009 na categoria de Poesia. Nasce
um prêmio literário que se faz importante
como um concurso de abrangência nacional
que premia a arte que consagrou Cassiano
Nunes Botica como poeta e professor.
A
Neste livro encontram-se os laureados
deste certame que se insere como um
importante evento literário do Brasil.
Cassiano Nunes

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