98 3.1 ARRANJO PRODUTIVO DE CALÇADOS DA REGIÃO DO
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98 3.1 ARRANJO PRODUTIVO DE CALÇADOS DA REGIÃO DO
98 3.1 ARRANJO PRODUTIVO DE CALÇADOS DA REGIÃO DO VALE DE TIJUCAS Fernando Seabra* Hoyedo N. Lins* Silvio A. F. Cario* A produção de calçados em Santa Catarina está concentrada principalmente no arranjo produtivo da microrregião de Tijucas, que compreende os municípios de Angelina, Canelinha, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, São João Batista e Tijucas. Observa-se um predomínio absoluto das pequenas e médias empresas, de capital nacional e de administração familiar. Nos últimos, constata-se crescimento no volume produzido e incursões no setor externo, cujas exportações não apenas têm caído, mas também são pouco expressivas em termos de valor. Neste arranjo existem condições fundamentais de competitividade para a indústria calçadista, como disponibilidade de mão-de-obra qualificada, acesso à matéria-prima (em especial, couro) e know-how empresarial (adquirido pela experiência de tecidos). Porém, são ainda desafiadores os esforços em criar condições de competitividade dinâmica baseada em processos inovativos, de estabelecer vínculos cooperativos entre os agentes visando maior propagação de ações coletivas e estabelecer estratégias visando adentrar de forma ativa no mercado internacional. Assim, o presente trabalho pretende caracterizar o arranjo produtivo da microrregião de Tijucas em seus diversos aspectos produtivos, tecnológicos, institucionais. Para tal, o trabalho é subdividido em quatro partes, além desta introdução. A primeira parte aborda a localização e caracterização produtivo-institucional do arranjo e subdivide-se em: configuração e trajetória de constituição; caracterização do arcabouço institucional público e privado; nível tecnológico do arranjo; impactos ambientais e incentivos públicos incidentes no arranjo. A segunda parte trata especificamente da capacitação tecnológica e inovação, subdividindo-se em fontes e formas de capacitação internas ao arranjo e fontes e formas de capacitação externas ao arranjo. A terceira parte apresenta as atividades relacionadas à cooperação e governança, e nela encontram-se os atores participantes em atividades de coordenação e mobilização coletiva. A quarta e última parte exibe as principais vantagens * Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação – Mestrado – em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina * Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação – Mestrado – em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina * Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação – Mestrado – em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina 99 competitivas e entraves ao desenvolvimento do arranjo, indicando políticas de desenvolvimento para o mesmo. 3.1.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.1.1.1 Configuração e trajetória de constituição 3.1.1.1.1 Composição do arranjo e população total e da microrregião A produção de calçados em Santa Catarina está concentrada principalmente na microrregião de Tijucas, que compreende os municípios de Angelina, Canelinha, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, São João Batista e Tijucas. Segundo dados da RAIS, os municípios de Angelina, Leoberto Leal e Major Gercino não participam da produção de calçados, pois o número de empregos nestas localidades é zero. A localização dos municípios que compõe o APL pode ser visualizada na Figura 3.1.1 abaixo. Canelinha Tijucas Nova Trento São João Batista Fonte: Governo do Estado de Santa Catarina. Figura 3.1.1 - Localização das áreas de produção de calçados no estado de Santa Catarina – 2005 A população total da microrregião é de aproximadamente 70.000 mil habitantes, dividida da seguinte forma: Tijucas é responsável por 34% do total (23.500 habitantes), seguida por São João Batista, com 22% da população (14.861 mil habitantes), por Nova Trento, a qual concentra 14% do total (9.850 mil habitantes), por Canelinha – que representa 13% (9.000 mil habitantes) – em seguida, por Angelina, que participa com 8,5% da população 100 (5.780 mil habitantes), por Leoberto Leal, que apresenta 5,5% do total (3.740 mil habitantes), e, por fim, Major Gercino, que representa 4,5% do total (3.200 mil habitantes). O PIB per capita da microrregião é de R$ 6.750,00, 14% inferior ao PIB per capita de Santa Catarina situado em R$ 7.920,00, conforme a Tabela 3.1.1, enquanto o PIB total da microrregião corresponde a 2,8% do PIB catarinense. Tabela 3.1.1 - PIB de Santa Catarina e PIB per capita dos municípios do APL de calçados da região de Tijucas – 2000 MUNICÍPIOS DO APL Canelinha Nova Trento São João Batista Tijucas MICRORREGIÃO SANTA CATARINA PIB PER CAPITA (1) 3.682 6.597 5.902 8.527 6.750 7.920 PIB (1) 33.355.000 65.303.000 88.514.000 202.945.000 390.117.000 42.428.000.000 Fonte: Elaboração própria com base no Atlas do Desenvolvimento Humano – 2000. (1) Valores em R$ de 2000. Os indicadores sociais relacionados à expectativa de vida (esperança de vida ao nascer), ao analfabetismo e à pobreza são listados na Tabela 3.1.2 e indicam um desenvolvimento médio da microrregião, embora haja uma evolução significativa destes indicadores entre os anos de 1991 e 2000. O município de Canelinha, por exemplo, que apresenta os maiores índices de analfabetismo, 14,2%, teve uma queda de quatro pontos percentuais nesta taxa em nove anos. Percebe-se também uma diminuição importante na proporção de pobres, que chega a cair mais de dez pontos percentuais em São João Batista, e mais de dezesseis pontos percentuais no município de Canelinha. Tabela 3.1.2 - Indicadores sociais dos municípios do APL de calçados da região de Tijucas – 1991, 2000 MUNICÍPIOS Canelinha Nova Trento São João Batista Tijucas POPULAÇÃO 1991 2000 8.165 8.346 13.541 19.650 9.004 9.852 14.861 23.499 ESPERANÇA DE VIDA AO NASCER (1) 1991 2000 72.7 72.6 72.1 71.2 76.0 76 75.7 75.7 TAXA DE ANALFABETISMO 1991 2000 20.2 12.1 14.8 17.3 14.2 7.2 6.1 11.4 PROPORÇÃO DE POBRES (2) 1991 2000 27.6 20.6 21.3 25.2 11.6 10.6 9.2 15.7 Fonte: Elaboração própria com base no Atlas IDH 2000. (1) Em anos. (2) Valores em percentual. No que se refere ao desenvolvimento e ao nível de renda da região, seus municípios mostram IDHs inferiores aos encontrados no estado de Santa Catarina, com exceção de Tijucas, cujo IDH é ligeiramente superior, e apresentam uma renda per capita média também inferior à observada no estado, com exceção de Tijucas. Cabe ressaltar, entretanto, que o 101 crescimento da renda per capita média dos municípios de São João Batista e Tijucas cresceu a taxas superiores à do Estado – mais de 51% entre 1991 e 2000, segundo a Tabela 3.1.3. Tabela 3.1.3 - IDH-M e PIB per capita e do APL da região de Tijucas do estado de Santa Catarina – 1991, 2000 MUNICÍPIOS Canelinha Nova Trento São João Batista Tijucas SANTA CATARINA IDH-M 1991 0.722 0.744 0.739 0.747 0.748 2000 0.795 0.815 0.819 0.835 0.822 RENDA PER CAPITA MÉDIA (1) 1991 2000 176.6 260.3 207.05 283.63 196.23 300.33 258.8 391.5 232.27 348.72 Fonte: Elaboração própria com base no Atlas IDH 2000. (1) Valores em R$ de 2000. 3.1.1.1.2 Elementos históricos de constituição De acordo com Oliveira (1998), a origem desse arranjo calçadista data do início do século XX, mais precisamente 1919, quando houve a instalação da primeira sapataria na residência de Aires Bernardes e Jovina Bernardes, em São João Batista. Em 1926, surge o primeiro estabelecimento especificamente comercial, fundado por Eleotério Vargas e contando com três sapateiros que juntos fabricavam dois pares de sapatos ao dia. Os calçados eram então puxados à mão e chuleados a torno e a fio. Em 1929, surge a primeira sociedade, Sapataria Pereira, na qual eram empregadas cinco pessoas e se fabricavam calçados, bonés e cintos com o auxílio de uma máquina motorizada. Em 1940, a Sapataria Pereira é vendida e passa a chamar-se Sapataria União. A partir desse período, o setor se fortalece na região, baseado em pequenas produções familiares. (Guia Industrial. Florianópolis: SEBRAE/FIESC, 1998). Segundo Oliveira (1998), o setor calçadista se desenvolve, na região, impulsionado pela demanda. Além disso, dado que a principal matéria-prima utilizada no processo produtivo (couro) era disponível na região – oriunda de Brusque, Blumenau e Jaraguá do Sul, situadas aproximadamente a 60 km de distância – não existiam barreiras significativas para o surgimento de novas empresas no setor de calçados de couro. Nos anos 60 já estavam instaladas no município de São João Batista cerca de 22 empresas, em sua maioria familiares ou com poucos empregados (não mais do que 15). Nesse período, a produção era concentrada em calçados masculinos, femininos (botas, sapatos e sandálias) e arriame para animal. O grande salto na produção de calçados do Vale do Rio Tijucas deu-se em 1986, facilitado pela conjuntura favorável ocasionada pelo Plano Cruzado. A região alcança então a 102 produção média de 20.000 pares ao dia, distribuídos em cerca de 300 empresas e 4000 trabalhadores que produziam aproximadamente 400 mil pares ao mês. No final de 1987, com a alta do preço do couro (quase 100%) e sem que fosse possível seu repasse aos preços, o arranjo calçadista perdeu cerca de 35% de suas microempresas (GOMES, 1997). Conforme Goularti Filho (2003), o setor experimentou uma significativa queda de demanda a partir da recessão de início dos anos 1990. A implantação do Real em 1994, a sobrevalorização da moeda doméstica e a abertura comercial reforçaram a retração do arranjo calçadista. Em 1995 havia em torno de 130 fábricas de calçados na região, e em 2000 este número caiu para aproximadamente 90. Atualmente, a indústria calçadista na região é formada sobretudo por micro e pequenas empresas, predominantemente familiares e de capital nacional. Uma característica peculiar à região é a crescente utilização de serviços terceirizados, através do sistema de facção domiciliar, em que as empresas utilizam mão-de-obra familiar, sem vínculo empregatício, para executarem uma determinada fase do processo produtivo da constituição do calçado. De acordo com Goularti Filho (2003), em 2002 havia na região cerca de 121 ateliês domésticos, que executavam as seguintes tarefas: corte 51%, costura 18%, solado 15%, palmilha 13% e forração de plataforma 3%. 3.1.1.2 Especialização produtiva e número e porte das empresas As empresas do setor coureiro-calçadista de grande porte concentram-se no estado do Rio Grande do Sul, embora a produção brasileira de calçados venha gradativamente sendo distribuída em outros arranjos, com destaque para o interior do estado de São Paulo (Jaú, Franca e Birigüi) e, principalmente, para estados emergentes, como Ceará e Bahia. Há também crescimento na produção de calçados no estado de Santa Catarina (Vale do Tijucas) e em Minas Gerais (região de Nova Serrana). Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Calçados (ABICALÇADOS), em 2004, o parque calçadista brasileiro alcança a produção de aproximadamente 665 milhões de pares/ano, sendo o estado de Santa Catarina responsável por 14 milhões de pares/ano, ou seja, 2,1% da produção nacional. Registros apontam que Santa Catarina possuía 300 empresas calçadistas, que geravam 4387 empregos, colocando-a em sétimo lugar dentre os estados brasileiros (1,61% do total dos empregos), conforme a Tabela 3.1.4. O primeiro lugar, Rio Grande do Sul, detinha 47,52% do total dos empregos da indústria calçadista nacional. A participação de Santa Catarina cresceu de 1,52%, em 2002, para os já referidos 1,61% em 2004. 103 No arranjo calçadista do Vale do Tijucas, as empresas são predominantemente familiares, de capital fechado e 100% nacional. Diversas empresas especializadas na fabricação de componentes para o setor calçadista facilitam a integração do arranjo e viabilizam o processo de compras de matérias-primas a partir de empresas locais, o que era antes feito junto a empresas gaúchas e paulistas. Nos últimos anos, devido ao aumento da produção de componentes, começaram a surgir no arranjo empresas especializadas no desenvolvimento de fôrmas, solados e saltos que até então eram desenvolvidos no Rio Grande do Sul (CORREIA, 2002). Tabela 3.1.4 - Principais Estados produtores de calçados do Brasil -2004 ESTADOS 129.300 48.005 41.454 18.760 15.418 6.185 4.387 1.775 1.399 1.354 989 890 852 558 404 75 71 67 54 44 18 16 9 8 1 MÉDIA EMPREGO POR EMPRESA 43 20 208 14 159 64 15 85 9 31 7 13 122 16 18 4 10 8 8 4 3 2 5 2 1 EMPREGO POR ESTADO (1) 47,52 17,64 15,24 6,89 5,67 2,27 1,61 0,65 0,51 0,50 0,36 0,33 0,31 0,21 0,15 0,03 0,03 0,02 0,02 0,02 0,01 0,01 0,00 0,00 0,00 272.093 34 100,00 EMPRESAS EMPREGO Rio Grande do Sul São Paulo Ceará Minas Gerais Bahia Paraíba Santa Catarina Rio Grande do Norte Paraná Espírito Santo Goiás Rio de Janeiro Sergipe Pernambuco Mato Grosso do Sul Mato Grosso Rondônia Alagoas Distrito Federal Piauí Pará Tocantins Roraima Maranhão OUTROS 2.970 2.329 199 1.350 97 97 300 21 155 44 143 66 7 34 23 18 7 8 7 12 6 7 2 5 1 TOTAL 7.908 Fonte: Abicalçados (www,abicalcados,com,br) com base em MTE/RAIS, 2004. (1) Valores em percentual. No arranjo em estudo, há o predomínio absoluto de PMEs, sem que se encontre registro de grandes empresas na região. Além disso, o peso das pequenas empresas é preponderante: 82% do total das empresas calçadistas da região são empresas de pequeno porte, conforme a Tabela 3.1.5. Vale destacar o papel de São João Batista, que reúne o maior número de empresas da região, sendo que quase sua totalidade, 90%, refere-se à de pequeno porte, todavia concentra 82% dos empregados do APL calçadista. Ademais, pode-se verificar o importante papel que o setor representa para a economia catarinense quando se observa a 104 indústria do ponto de vista de empregos gerados na região – cerca de 55% de todos os empregos ligados à produção de calçados encontram-se neste aglomerado produtivo. Tabela 3.1.5 – Tamanho e número de empresas do APL de calçados do Vale do Tijucas – 2002 CIDADES EMPRESAS PORTE PEQUENA MÉDIA EMPREGADOS Nova Trento S.João Batista Canelinha Tijucas 12 98 06 03 12 89 06 03 0 09 0 0 275 1597 57 23 TOTAL 119 110 09 1952 PARTICIPAÇÃO DO EMPREGO NO ESTADO (1) MÉDIA DE EMPREGO POR EMPRESA 55 13,4 Fonte: Correia (2002). (1) Valor em percentual. 3.1.1.3 Emprego: qualificação, escolaridade e remuneração A indústria de calçados é o setor industrial mais importante da região, com exceção do município de Canelinha, que é fortemente amparado na atividade cerâmica estrutural – vermelha. A importância deste setor pode ser avaliada do ponto de vista do emprego: cerca de 55% dos empregos da região são oriundos da indústria calçadista (CORREIA, 2002). O grau de escolaridade dos trabalhadores do arranjo calçadista concentra-se entre 1º grau incompleto e 1º grau completo – basicamente 65% de toda a mão-de-obra da região situa-se nesta faixa de instrução – e apenas 15,3% da mão-de-obra tem o 2º grau completo ou nível de instrução maior, como pode ser visto na Tabela 3.1.6. Tabela 3.1.6 - Nível de escolaridade média dos trabalhadores do APL de calçados da região de Tijucas - 2004 PERCENTUAL DE TRABALHADORES POR NÍVEL DE ESCOLARIDADE NÍVEL DE ESCOLARIDADE CANELINHA NOVA TRENTO SÃO JOÃO BATISTA TIJUCAS Analfabeto 1º grau incompleto 1º grau completo 2º grau incompleto 2º grau completo Superior incompleto Superior completo TOTAL TOTAL 0 26 51 3 15 5 0 0 21,15 24,04 36,86 14,42 1,60 1,92 0,27 31,94 35,69 17,22 12,66 1,09 1,14 0 100 0 0 0 0 0 0,2 30,4 34,3 19,7 12,9 1,2 1,2 100 100 100 100 100 Fonte: IBGE, RAIS, 2004. Nota: Valores em percentual. A remuneração média por trabalhador da indústria calçadista deste arranjo produtivo é de aproximadamente R$ 365,00 mensais. Este valor inclui todos os municípios do APL e níveis de escolaridade dos trabalhadores. A Tabela 3.1.7 diferencia as remunerações médias e 105 grau de escolaridade por município integrante, podendo-se notar que os trabalhadores de Tijucas e Nova Trento têm a maior remuneração média do arranjo, 7,5% maior do que a remuneração paga em Canelinha, a menor do arranjo. Deve-se ressaltar, contudo, que a remuneração média é bastante semelhante em todos os municípios, e é relativamente baixa. Tabela 3.1.7 - Remuneração média do trabalhador por nível de escolaridade do APL de calçados da região de Tijucas – 2004 NÍVEL DE ESCOLARIDADE CANELINHA Analfabeto 1º grau incompleto 1º grau completo 2º grau incompleto 2º grau completo Superior incompleto Superior completo 0 334.9 337.7 332.6 394 348 0.00 TOTAL 346.1 REMUNERAÇÃO MÉDIA SÃO JOÃO NOVA TRENTO BATISTA 0 359.9 349.5 358.7 404 363.2 357.2 350.8 363.9 379.1 377.6 504.9 550.8 522 371.8 TIJUCAS TOTAL 0 327.2 0 0 0 0 0 359.9 357.4 366.6 352.4 377 469.7 528.4 327.2 365.6 365 Fonte: IBGE, RAIS, 2004. Nota: Valores em R$ mensais. 3.1.1.4 Mercados de destino das vendas e canais de comercialização Os mercados consumidores prioritários são as classes A e B, o que acarreta, segundo Correia (2002), importantes implicações do ponto de vista das estratégias comercial e tecnológica. O principal destino das vendas é a região Sudeste (45% do total), seguida da região Sul (20% do total), como pode ser constatado na Tabela 3.1.8. Tabela 3.1.8 - Perfil do mercado consumidor interno do APL de calçados da região de Tijucas –2002 REGIÃO Sul Sudeste Nordeste Norte Centro-Oeste Lojas Tijucas e Florianópolis TOTAL PARTICIPAÇÃO (1) 20 45 10 5 15 5 100 CLASSES A B C D E .. ... PARTICIPAÇÃO (1) 30 35 18 9 8 .. 100 Fonte: Correia (2002). (1) Participação em percentual. Nota: Sinal convencional utilizado. .. Dado não disponível. ... Dado não aplicável. Quanto aos canais utilizados para comercialização, Correia (2002) também afirma que 65% das empresas vendem através de representantes comerciais, o que aponta para uma dependência excessiva destes. Em segundo lugar, vêm os agentes de exportação (12%) que 106 atuam na região por meio de consórcios de empresas. São também importantes os representantes comerciais no exterior (5,5%), entretanto, para mercados não exigentes – o que difere significativamente o arranjo em relação ao do Vale dos Sinos (RS) e ao de Franca (SP). As vendas pela Internet também apresentam alguma importância e são responsáveis por 5% do total comercializado, de acordo com a Tabela 3.1.9. Tabela 3.1.9 - Principais canais de comercialização utilizados pelas empresas do APL de calçados da região de Tijucas – 2002 PARTICIPAÇÃO (1) 65 12 5,5 5,5 3,1 1,9 1,8 5,2 100 CANAIS Representantes comerciais no Brasil Agentes de exportação Representantes comerciais no exterior Internet Vendedores diretos contratados da empresa Venda direta a grandes varejistas Venda direta na fábrica Demais canais TOTAL Fonte: Correia (2002). (1) Participação em percentual. No que diz respeito às exportações de calçados, Santa Catarina aparece como o sétimo estado exportador, com apenas 0,5% do total das vendas de calçados ao exterior. Em 2004, o estado vendeu cerca de US$ 10 milhões, a um preço médio de US$ 6,24 o par. Vale salientar que o preço médio do produto catarinense é bastante inferior ao da média nacional, que é de US$ 8,53, como pode ser observado na Tabela 3.1.10 na seqüência. Tabela 3.1.10 - Exportações brasileiras de calçados por Estado produtor - 2004 ESTADO Rio Grande do Sul São Paulo Ceará Bahia Paraíba Minas Gerais Santa Catarina Paraná Pernambuco Espírito Santo Sergipe Goiás Rio de Janeiro Pará Rio Grande do Norte OUTROS TOTAIS EXPORTAÇÕES (1) 1,272 221 186 51 38 17 10 6 4 2 2 1 1 1 1,809 PARTICIPAÇÃO (2) 70 12 10 2,8 2,1 0,9 0,5 100 QUANTIDADE (3) 120 24 40 8 11 3 2 1 3 212 PREÇO MÉDIO (4) 10,62 9,16 4,61 6,72 3,50 6,44 6,24 9,88 1,20 4,31 5,30 11,68 7,14 6,12 10,32 2,85 8,53 Fonte: Abicalçados (www,abicalcados,com,br) com base em MDIC/SECEX, 2004. (1) Exportações em US$ milhões. (2) Participação em percentual. (3) Dados em milhões de pares de calçados. (4) Preço médio em US$ por par. Nota: Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento. 107 No que concerne ao destino das exportações, os calçados da região de Tijucas têm como destino principal os países da União Européia (53% do total das vendas), particularmente a Alemanha (26% do total). Além destes países, as empresas têm como principal destino de sua produção os Estados Unidos (19% do total), conforme a demonstração na Figura 3.1.2. Demais países 15% EUA 19% Aladi 6% Mercosul 8% EU 52% Fonte: Elaboração própria com base em ALICEweb (2004). Figura 3.1.2 – Destino das exportações de calçados do estado de Santa Catarina - 2004 A evolução das exportações evidencia a rápida retração ocorrida. Segundo a informação da Figura 3.1.3, o valor anual das exportações, desde 1996, não atingiu a metade daquele valor apresentado nos anos de melhor desempenho do setor – registrados antes dos efeitos do Plano Real e da abertura comercial (1993 e 1994). A retomada das vendas ao mercado externo, após a desvalorização do câmbio em 1999, vem ocorrendo de forma gradual, em especial a partir de 2002. 50,000,000 45,000,000 40,000,000 35,000,000 US$FOB 30,000,000 25,000,000 20,000,000 15,000,000 10,000,000 5,000,000 0 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Exportações calçados SC Fonte: Elaboração própria com base em ALICEweb. Figura 3.1.3 - Exportações de calçados do estado de Santa Catarina - 1989-2004 2003 2004 108 A logística de transporte do APL de calçados foi bastante beneficiada pela recente duplicação da BR 101 (trecho norte de SC), uma vez que a região Sudeste é o principal mercado consumidor. O acesso aos mercados dos fornecedores de insumos – sobretudo do Rio Grande do Sul (principal fornecedor de couro, máquinas e equipamentos para a indústria calçadista) - é de custo relativamente elevado em função da precariedade da BR 101 (trecho Sul), que está em processo de duplicação. Quanto ao mercado externo, a produção calçadista do APL de Tijucas é embarcada via Porto de Itajaí, distante em torno de 100 km de São João Batista via BR 101 (trecho norte duplicado). Cabe salientar que o Porto de Itajaí é especializado em cargas conteinerizadas com custos competitivos em nível internacional. 3.1.1.5 Fornecedores dos insumos e de máquinas e equipamentos Observa-se que no arranjo produtivo calçadista em estudo há uma deficiência no que tange a fornecedores de insumos, máquinas e equipamentos. A região mostra-se praticamente dependente dos complexos coureiro e calçadista de Novo Hamburgo e Franca, visto que seus insumos, tais como aviamentos, fivelas, rebites, cola, solado, forro, tinta e a grande maioria das máquinas e dos equipamentos se originam dos referidos municípios. Os insumos comprados na região são aqueles de menor valor agregado e de pouco peso no preço final do produto. Este é, por exemplo, o caso de cadarços e passantes (adquiridos no arranjo por 60% das empresas). Os insumos que agregam maior valor ao produto são oriundos dos outros dois APLs já citados (Franca-SP e Novo Hamburgo-RS). Cerca de 60% das aquisições de materiais sintéticos e forros são de empresas do Rio Grande do Sul. Segundo Correia (2002), no caso do couro, 35% do produto é adquirido no próprio estado e o restante no Rio Grande do Sul, o que denota – para o caso do principal insumo desta indústria – a baixa integração com fornecedores locais. 3.1.1.6 Caracterização do arcabouço institucional público e privado O setor calçadista da região de Tijucas enfrentou várias dificuldades na década de 1990, especialmente o aumento da concorrência de produtos importados decorrente da abertura comercial e da valorização cambial. A conseqüência foi um processo de 109 reestruturação em que as empresas que subsistiram à crise passaram a valorizar a integração dos agentes no interior do arranjo produtivo local. Assim, pode-se perceber, ao longo da última década, o fortalecimento de várias instituições na região. Algumas destas instituições têm atuado de forma mais decisiva na promoção do arranjo. As principais instituições de apoio – seja ele público ou privado – encontram-se no Quadro 3.1.11. INSTITUIÇÃO Associação Brasileira da Indústria de Calçados ABICALÇADOS Associação Comercial e Industrial de São João Batista – ACISJB Associação Comercial e Industrial de Nova Trento Associação Comercial e Industrial de Canelinha Associação Comercial e Industrial de Tijucas SEBRAE – Agências em Tijucas e Nova Trento Sindicato Patronal das Indústrias de Calçados de São João Batista Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Calçadista – São João Batista Secretarias de Indústria e Comércio dos Municípios de São João Batista e Canelinha SENAI – Unidade de Calçados (São João Batista) ABRANGÊNCIA EM TERMOS DE ATUAÇÃO ANO DE FUNDAÇÃO Toda a indústria calçadista brasileira 1983 Todo o arranjo produtivo de calçados 1995 Indústria calçadista de Nova Trento Indústria calçadista de Canelinha Indústria calçadista de Tijucas Apoio às micro, pequenas e médias empresas 1998 2000 1994 1998 e 2001, respectivamente Todo o arranjo produtivo de calçados 1990 Representação trabalhista de todo o arranjo produtivo calçadista Empresas dos respectivos municípios Todo o arranjo produtivo de calçados 1996 1994 e 1997, respectivamente 1986 Fonte: Correia (2002). Quadro 3.1.1 - Instituições de apoio do APL de calçados da região de Tijucas - 2002 O Sindicato Patronal das Indústrias de Calçados de São João Batista possui uma abrangência que transcende o referido município e incide no arranjo como um todo. Cerca de dois terços das empresas são filiados a esse sindicato, entre elas as de maior expressão, o que confere significativa representatividade a esta instituição. Quanto ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), este encontra-se na região desde 1993 com uma agência dedicada à indústria calçadista que promove cursos e treinamentos envolvendo aprendizagem técnica, gerencial e envolvendo design, além de também operar como centro de consultoria tecnológica. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), de sua parte, passou a contar com uma agência exclusiva no município de Nova Trento em 2001 (embora já possuísse outra em Tijucas desde 1998) almejando auxiliar as empresas em termos de aumento de competitividade – apoio na solução de problemas técnicos e gerenciais, mediante realização de cursos e treinamentos –, de escoamento da produção e de obtenção de financiamento. Ambos, SENAI e SEBRAE, interagem entre si e com outras instituições locais, como as associações comerciais e industriais, as prefeituras e os conselhos municipais de desenvolvimento e o sindicato patronal. 1 Cabe ressalvar que ainda existem outras instituições públicas que incidem no arranjo, tais como universidades e bibliotecas especializadas. 110 3.1.1.7 Nível tecnológico Os investimentos em novas técnicas de produção e novos produtos têm tido papel decisivo na recuperação do arranjo produtivo de calçados da microrregião de Tijucas. A situação do arranjo no início desta década, em termos de padrão tecnológico, demonstrava uma indústria pouco inovadora, que construía sua competitividade principalmente a partir da mão-de-obra abundante, razoavelmente qualificada para as exigências do processo adotado, e de baixo custo, além da facilidade de acesso à matéria-prima. O processo de reestruturação produtiva que tomou conta do setor industrial calçadista brasileiro, a partir da segunda metade dos anos 90, permitiu que algumas empresas deste arranjo fizessem em u-grade tecnológico nas plantas produtivas, mas não foi um processo geral. Ressente o arranjo de um parque produtivo com padrão tecnológico avançado, à semelhança dos aglomerados calçadistas do Rio Grande do Sul e São Paulo. Em correspondência, ocorre a pouca efetividade dos cursos de treinamento de mão-deobra, uma vez que grande parte destes utilizavam máquinas e equipamentos defasados nas instituições de apoio existente. Este processo de qualificação não está em conformidade com o estágio mais atualizado tecnologicamente das máquinas e equipamentos que as principais empresas do arranjo possuem. Porém, nos últimos anos, em particular a partir de 2003, ocorre significativa mudança voltada a melhorar as condições inovativas do arranjo produtivo calçadista em estudo. Ação do SEBRAE junto às principais empresas do setor buscou enfatizar a importância de melhorias da qualidade, do design e da embalagem para aumentar a competitividade do setor no mercado doméstico e externo. Neste sentido, aproveitando espaço deixado pelas grandes indústrias gaúchas e paulistas – que optaram por focar sua produção no mercado externo – os fabricantes catarinenses investiram no mercado interno e experimentaram um crescimento de vendas de cerca de 40% em um ano, de 14 milhões de pares, em 2003, para 20 milhões de pares em 2004. Esta expansão das vendas está relacionada com a mudança de postura e estratégia à inovação e ao treinamento influenciada pela ação do SEBRAE, Prefeitura de São João Batista e Governo do Estado de Santa Cataria. Em 2003 e 2004, os empresários deste arranjo investiram em torno de R$ 3 milhões em 22 cursos de treinamento, sobretudo nas áreas de gestão e design. 111 3.1.1.8 Impactos ambientais A produção de calçados pode ser considerada como tendo efeitos poluentes, se for considerada toda a cadeia produtiva, em especial, a atividade dos curtumes. A produção dos curtumes, em função da legislação ambiental, apresenta significativas barreiras à entrada devido aos altos investimentos requeridos principalmente na área de tratamento de efluentes. O curtimento é um processo que consiste na transformação das peles em couros, isto é, transformações de peles, pré-tratadas na ribeira2, em materiais estáveis; que podem ser classificados em três tipos principais: mineral, vegetal e sintético. Um dos principais insumos utilizados no processo produtivo é a água, que exibe um alto grau de importância na operação dos curtumes (nas lavagens das peles). Comparando-se as fases do processo produtivo do curtume, pode-se notar que a fase de ribeira é a responsável pela maior parte das cargas poluentes e tóxicas dos efluentes. Com o objetivo de minimizar os impactos ambientais e atender a legislação vigente, muitos curtumes têm implantado estações de tratamento de efluentes, o chamado controle via tratamento “fim-de-tubo”. Vale destacar as técnicas redutoras de poluição, concebidas a partir de pesquisas ambientais em âmbito estadual, como o Projeto Couro – Curtumes Integrados ao Meio Ambiente – do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), e em âmbito nacional, como o Centro Tecnológico do Couro (CTC - SENAI, RS), o Centro Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL - RS) e o Projeto Produção Mais Limpa no Setor de Couro do Convênio Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresas SEBRAE, MG. No tocante a incentivos fiscais, registro da Secretaria do Planejamento aponta a inexistência de demanda de recursos provenientes do Programa de Desenvolvimento Econômico Catarinense (PRODEC) para o período de 1998-2004, voltado à reestruturação produtiva. 3.1.2 Capacitação tecnológica e para a inovação O ambiente em que se desenvolve o padrão tecnológico da indústria de calçados encontra-se estável em decorrência da maturidade tecnológica alcançada ao longo de sua 2 “Esta macro-etapa tem por finalidades a limpeza e a eliminação das diferentes partes e substâncias das peles que não irão constituir os produtos finais – os couros -, bem como preparar sua matriz de fibras colagênicas, para reagir adequadamente com os produtos químicos das etapas seguintes, o curtimento e o acabamento”. Curtumes Série P+L,CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. 112 trajetória. Nesta condição, as oportunidades das empresas do arranjo em introduzir inovações que provoquem mudanças técnicas são baixas na medida em que não se observam grandes incentivos. A tecnologia em uso não apresenta grande variedade de possibilidade (baixa variedade de solução tecnológica) e registra baixa penetrabilidade (aplicável em poucos produtos e mercados). Da mesma forma, a cumulatividade do conhecimento é baixa, uma vez que a natureza do conhecimento formal se expressa de forma genérica ou não específica e não-complexa ou simples, portanto, passível de acesso e de não apropriação por longo tempo. Neste sentido, existem limitações de se proteger as inovações e garantir lucros que se traduzem em baixas condições de apropriabilidade dos resultados inovativos. Considerando estes aspectos, as empresas do arranjo calçadista deparam-se com condições facilitadas para se ter acesso às tecnologias de processo e produto utilizadas em termos de valor do investimento, condições de financiamento, disponibilidade no mercado, etc. Tais facilidades possibilitam, em caso do surgimento de determinada oportunidade tecnológica gerada pela aquisição de novas máquinas e equipamentos, novos materiais e novos modelos de calçados, ganhos econômicos, porém, passíveis rapidamente de serem diluídos diante da rápida difusão e conseqüente imitação do produto pelos concorrentes. Sob este quadro abrem-se as possibilidades de ocorrência de mecanismos de aprendizado tecnológico como fonte para o desenvolvimento de processos inovativos, tanto interna como externa às empresas calçadistas do arranjo em estudo. Dentre estes são verificáveis os mecanismos de aprendizagem que se processam a partir do mecanismo de busca no Departamento de P&D – learning by searching -, âmbito da produção – learning by doing -, decorrente das relações interativas com fornecedores – learning by interacting -, que se processa a partir de interações com clientes – learning by using – e o derivado dos esforços imitativos – learning from inter-industry spillovers. Neste contexto, destaca-se o conhecimento do tipo como fazer - know-how - que expressa a capacidade de se produzir com competência, dado que este cria habilidades produtivas, gera capacitações, permite melhor prática organizacional, entre outros. 3.1.2.1 Fontes e formas de capacitação internas No âmbito das empresas calçadistas do arranjo produtivo em estudo, o departamento de P&D encontra-se ainda em fase de desenvolvimento infante e com estrutura bastante rudimentar. Nesta fase, apresenta estágio mais expressivo nas empresas de médio porte e 113 praticamente inexistente nas micro e pequenas empresas. As atividades desenvolvidas se restringem basicamente ao desenvolvimento (D) sem grandes dimensões e praticamente inexistentes em termos de pesquisa (P). Esta última se processa na busca de informações em revistas e catálogos, visitas a feiras e exposições e em raras consultas a agentes específicos. As atividades se desenvolvem em lugar específico ou em sala conjunta com outras atividades, sendo considerado pelas empresas como um espaço em que modelistas exercem a função de confecção, experimentação de cores e testes em materiais diversos, fortemente relacionados à atividade de adaptação ao modelo existente. Esta atividade não se equipara à empreendida por empresas que possuem infraestrutura tecnológica existente em outros APLs calçadistas como de Novo Hamburgo (RS), Franca e Birigüi (SP), onde boa parte das empresas possui orçamento próprio anual e conta com auxiliares, técnicos, designers e engenheiros que elaboram, de forma sistemática, diferentes modelos de calçados com base em simulações de cores, materiais, amplitude de adesão, resistência, durabilidade, etc. Considerando este aspecto, afirma-se que a competência das empresas para o desenvolvimento de produtos sob forma learning by searching é considerada baixa. Por sua vez, é considerado relevante o aprendizado sob a forma learning by doing, que se processa na produção a partir da capacidade dos trabalhadores proporem mudanças técnicas ao produto ou processo existentes. Os trabalhadores, por meio da experiência, habilidade e conhecimento do processo produtivo em etapas como corte, colagem, costura, montagem e acabamento, vão, através da rotina do trabalho, criando competência e percebendo possibilidades de proporem inovação. É freqüente ocorrer sugestões que resultam em redução do tempo de produção, dos custos, melhora da qualidade do produto em observações que vão desde a alteração no pesponto, na posição das partes, na adaptação das fôrmas, na indicação do melhor solado, etc. Ainda que se considere rudimentar as atividades voltadas a P&D de maneira formal nas empresas, existe determinado grau de interação entre os modelistas e os trabalhadores da área de produção, em procedimentos de feedbacks inovativos-produtivos acerca dos resultados obtidos. Este processo provoca movimento de acúmulo de conhecimento - knowhow – tanto tecnológico como produtivo com ganhos relevantes para o processo inovativo. Em tal situação, interagem os mecanismos learning by searching e learning by doing em favor de mudanças que quebram rotinas produtivas estabelecidas e abrem possibilidades da mudança técnica gerar oportunidades de aumentar a rentabilidade empresarial. 114 Nestes termos, observa-se que as inovações de produto ocorrem de forma incremental com a quase totalidade das empresas, 94%, lançando novos produtos, embora sejam fortemente relacionados a produtos já existentes no mercado. Empresas procuram promover alterações nas características técnicas e em design como principais ocorrências citadas, sobressaindo mudanças nas cores das matérias-primas, no estilo do solado, na fixação de enfeites e acessórios, no desenho, etc., que se enquadram em inovações que não provocam grandes modificações na performance dos produtos (CORREIA, 2002). Informações obtidas junto a profissional que realiza consultoria às empresas no arranjo em estudo apontam que as micro e pequenas empresas lançam em torno de 20 e as médias, 40 modelos diferentes por ano. As mudanças no âmbito de processos ocorrem em grande monta, 82% das empresas, a partir de aquisições de novas máquinas e equipamentos, principalmente relacionadas a balancim, extrusoras de cola, secadores e reativadores modernos, etc. Em muitos casos, tais equipamentos alteram o padrão produtivo existente impondo modificacões no ritmo e na natureza de produção que resulta em ganhos de qualidade, redução de custos, nível de operacionalização, etc. O registro dos esforços empresariais voltados a aumentar a capacidade de inovação comprova-se pelo número de empresas, cerca de 33% das pesquisadas utilizam software CAD/CAM no processo produtivo com o intuito de adaptar os produtos fabricados no arranjo à tendência do mercado nacional (CORREIA, 2002). Nesta perspectiva, as empresas ressaltam que, com a presença de novos equipamentos em relação aos existentes, abrem-se possibilidades de modificação e criação de produtos, ainda que estes já existam no mercado em processo de fabricação por outro concorrente. As empresas do arranjo promovem inovações organizacionais relevantes no interior de suas fábricas. As alterações, em maior e em menor intensidades, acontecem mediante a implementação de técnicas de gestão como aquisição de software de gestão, controle de produção, desverticalização do processo produtivo, redução dos níveis hierárquicos, mudança em conceitos e/ou práticas de marketing e de comercialização, etc. Pesquisa realizada indica que 76% das empresas empreendem mudanças organizacionais através da implantação do just in time. Em percentuais menores, ainda que razoável, 58% das empresas introduzem novas técnicas de gestão e 53% realizam mudança em lay-out da fábrica, expansão das instalações físicas e consultorias externas (CORREIA, 2002). 115 3.1.2.2 Fontes e formas de capacitação externas ao arranjo Ainda que no local existam empresas que comercializam insumos, tais como adesivos, solventes, vernizes, palmilhas, espuma, couro, jeans, entre outros, as fontes produtoras destes insumos localizam-se fora da região do arranjo. Os principais fornecedores de insumos estão situados nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, não só nos arranjos produtores de calçados, mas também em outras aglomerações industriais, considerando que muitos produtos fornecidos atendem diferentes demandas industriais. Neste contexto, as empresas calçadistas consideram muito importante as informações obtidas junto aos fornecedores de insumos, em face das modificações técnicas introduzidas nos últimos tempos terem resultado em melhor qualidade na composição química dos termoplásticos e no tratamento e beneficiamento do couro. No APL calçadista, as interações que ocorrem entre agentes contribuem para o desenvolvimento de processos inovativos. Corrobora, para tanto, a existência de divisão de trabalho relativamente densa em determinadas fases do processo de produção, posto que número significativo de empresas transfere parte das atividades para além dos limites da fábrica. Uma referência que justifica esta ocorrência é constatada pelas 64% das empresas que realizaram algum tipo de terceirização das atividades, tais como fabricação de solado préfabricado, forração de palmilha, corte, costura, bordados, tiras, etc. Em correspondência, há registro de cerca de 160 ateliês, da qual grande quantidade pertencente a pessoas que trabalharam na indústria local, executando função importante nesta divisão de trabalho. As relações decorrentes ultrapassam a forma mercantil de compra e venda dos produtos e serviços prestados, pois a interatividade cria possibilidade de desenvolvimento de processos de aprendizagem – learning by interacting. Informações tecnológicas, trocas de experiências, ações conjuntas, etc., formam um conjunto relacional que permite a ocorrência de mudança técnica, sobretudo no âmbito dos produtos. Registra-se a inexistência de empresas fornecedoras de máquinas e equipamentos relevantes no processo produtivo no local. As principais máquinas e equipamentos provêm de mercados externos ao arranjo, em particular dos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, especialmente provenientes de empresas fornecedoras que estão estabelecidas em arranjos produtivos consolidados. As relações firmadas com os fornecedores externos de máquinas e equipamentos principais ocorrem diretamente com as empresas e por meio de seus representantes de vendas. Tais fornecedores procuram manter as empresas calçadistas informadas sobre os avanços tecnológicos existentes, bem como disponibilizar serviços de 116 assistência técnica e oferecer treinamento operacional. Cria-se, com isto, um ambiente em que se trocam informações tecnológicas sobre as especificidades técnicas, levantamento de problemas e busca de soluções acerca da performance dos equipamentos. Nestes termos, 70% das empresas destacam os fornecedores externos como fonte de informação muito importante para o desenvolvimento de processos inovativos. As relações interativas das empresas calçadistas com os fornecedores de máquinas e equipamentos foram estimuladas sobretudo a partir do anos 90 por conta da mudança do marco regulatório do país, em que os processos de abertura de mercado e desregulamentação econômica levaram as empresas à maior exposição no mercado. Como resposta, 94% das empresas realizaram processos de reestruturação produtiva adotando estratégias ofensivas, sendo que, destas, 80%, empreenderam importantes melhorias através de aquisição de novos equipamentos. Deste período para cá, criaram-se maiores possibilidades de intercâmbio de informações tecnológicas entre produtor-fornecedor, pautadas pela necessidade de conhecimento das operações, expressão dos procedimentos técnicos mais relevantes, solução empreendida para os gargalos operacionais, etc. (CORREIA, 2002). Registra-se, também, a importância das opiniões dos clientes a respeito da performance dos produtos adquiridos. As empresas criam condições para se relacionar com clientes, buscam coletar informações sobre o nível de qualidade dos produtos, problemas técnicos não detectados, possibilidades de uso, etc. Para tanto, abrem canais para comunicação através de representantes de vendas, por meio de linhas telefônicas, via contato com empresas revendedoras, distribuição de formulários específicos, etc. No arranjo em estudo, empresas de maior porte contam com a área de vendas e marketing, que realizam contatos freqüentes com seus representantes para a transmissão de informações críticas sobre a qualidade dos produtos, disponibilidade de serviços de atendimento aos clientes e site da empresa na Internet. O registro das ocorrências conduz à busca de solução em atendimento às solicitações gerando mecanismo de aprendizado – learning by using -, cujo resultado permite à empresa conhecer e resolver os problemas de difícil previsibilidade ex-ante, bem como utilizar desta fonte para modificar seus modelos. A relevância deste quesito no item fonte de informação para desenvolvimento tecnológico pode ser constatada pela magnitude da resposta atribuída, já que cerca de 70% das empresas ressaltaram ser muito importante as interações para se criarem condições inovativas (CORREIA, 2000). O número de empresas que recorrem à estrutura institucional externa de apoio a P&D é extremamente reduzido em relação ao número total das que atuam nesta atividade no local. 117 Apenas 17% das empresas entrevistadas recorrem a Universidades e 23% demandam serviços de Centro Tecnológico para obterem informações visando melhor se capacitarem em processos inovativos. Estes percentuais demonstram desinteresse do empresariado calçadista em buscar informações nos locais externos privilegiados, que poderiam auxiliá-lo no complemento de informações tecnológicas. Corrobora, neste sentido, a inexistência de centro tecnológico à semelhança do Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins localizado no Vale dos Sinos (RS), importante instituição de apoio ao desenvolvimento tecnológico para as empresas localizadas nesta região. A mão-de-obra existente no arranjo situa-se em nível razoável de qualificação, ainda que os empresários, em suas declarações, apontem preocupação com a necessidade de melhor formação profissional. Justifica-se esta observação, considerando que a atividade produtiva de calçado apresenta grande número de operação manual, cuja habilidade e conhecimento do trabalhador são importantes na obtenção de eficiência produtiva. Preocupadas com esta questão, muitas empresas, sobretudo as de maior porte, possuem infra-estrutura interna para a realização de cursos e palestras a seus trabalhadores e dirigentes. Dentre os cursos oferecidos no arranjo, destacam-se os proporcionados pelo Centro de Educação do SENAI, de curta duração, nas áreas de corte, costura, montagem, confecção e modelagem de calçados e manutenção de máquinas. Cursos de maior duração em nível de pós-graduação especialização latu sensu – ocorrem de forma esporádica, como o de Gestão Estratégica das Organizações, realizado por fundações educacionais da região e fora da região em estudo. Além destes cursos, o destaque no campo da qualificação profissional é o curso superior de Tecnologia em Design de Calçados, firmado através do convênio Universidade do Vale do Itajaí e SENAI, de 1.890 horas/aula. Este curso tem como objetivo formar tecnólogos em design de calçados, em particular para a atividade de criação de produtos e de intervenção em processos industriais e mercadológicos dentro do processo de produção calçadista. Apesar de ser recente sua criação, a expectativa empresarial é elevada em relação aos efeitos positivos que trará para o desenvolvimento da atividade no local, pois espera-se que venha contribuir com informações e conhecimentos relevantes para a ocorrência de inovações de produtos e processos. As empresas do arranjo em estudo recorrem a feiras e exposições para aumentarem as informações a fim de promover desenvolvimento de processos inovativos internos. As feiras e exposições são freqüentadas por 82% das empresas, dentre as quais a Couro Modas, FIMEC, FENAC e FRANCAL realizadas nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Além destas, algumas empresas, principalmente as de maior porte, freqüentam feiras e exposições 118 internacionais, destacando-se as realizadas em Venezuela, Estados Unidos e Itália. Em algumas destas feiras, empresas locais alugam espaços para expor, divulgar e realizar negócios com seus produtos, como a FENAC e FRANCAL, e as demais valem-se destes espaços para obterem informações sobre as recentes novidades em produtos e processos calçadistas. Da mesma forma, utilizam o recurso de se atualizarem por meio de publicações específicas sobre tendência e moda do setor calçadista. Dentre as publicações relevantes citadas pelas empresas, sobressaem a Revista Tecnicouro editada pelo Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins (CTCCA) e a Revista Lançamentos editada pelo Grupo Editorial. Sob este quadro, cerca de 70% das empresas do arranjo utilizam-se deste mecanismo para se informarem com intuito de criar condições para o desenvolvimento de processos inovativos. Esta fonte de informação, dentre as citadas, é considerada pelas empresas menos custosa, de fácil acesso, de rápida circulação e de abrangente atualização. Dentre as fontes de informações que contribuem para a ocorrência de mecanismos de aprendizagem interativo – learning by interacting – salientam-se as ações desenvolvidas pelos órgãos representativos de classe – Sindicato da Indústria Calçadista do Vale do Tijucas e Associação Comercial de São João Batista. Existem ações voltadas ao desenvolvimento do arranjo focando a capacitação empresarial, em projetos individuais e com outras instituições locais – SENAI e SEBRAE –, para a realização de cursos, palestras, visitas a feiras e exposições, criação de incubadora de empresas e de cooperativa de exportadores, entre outras. Através destas ações, tais instituições estão criando um ambiente propício para a troca de informações, relato de experiências, ocorrência de empreendimentos conjuntos, enfim, estimulando, a partir da interação entre os pares, o desenvolvimento de ações coletivas que contribuam para aumentar a capacitação produtiva e inovativa local. Nestes termos, não é sem razão que 78% das empresas entrevistadas em pesquisa sobre as relações empresasinstituições para a troca de informações no arranjo relataram ser freqüentes as interações com estas instituições de apoio (CORREIA, 2002). Por fim, ressalta-se ainda, dentre os vários mecanismos de aprendizagem tecnológica que contribuem para as empresas adotarem postura voltada à inovação, o derivado por imitação – learning from inter-industry spillovers. Contribuem para esta ocorrência as informações obtidas sobre produtos existentes, relatos de experiências produtivas, visitas a feiras e eventos, estabelecimento de associação ou projeto comercial, etc., que criam condições para o desenvolvimento de engenharia reversa dos produtos concorrentes (GUERREIRO, 2004). Estes esforços resultam em produtos que se diferenciam em detalhes 119 de desenhos, modelos, cores, etc., que os colocam próximos dos produtos fabricados por concorrentes no mercado. Imitando concorrentes diretos ou líderes nas tecnologias estabelecidas, as empresas calçadistas do arranjo em estudo não almejam superá-los, mas contentam-se em seguir tendência próxima da existente e estar em linha com o padrão de produção e consumo daquele momento. Levando em conta estes aspectos, constata-se que, no arranjo em estudo, as principais fontes de informação para o desenvolvimento de processos inovativos encontram-se no âmbito da produção e nas relações que se firmam com fornecedores e clientes, conforme Quadro 3.1.2. POUCO IMPORTANTE FONTES Fontes Internas Departamento de P&D Área de produção Área de venda e marketing Fontes Externas Fornecedores de máquinas e equipamentos Fornecedores de insumos Clientes Concorrentes Universidades Centros de Pesquisas Feiras, exibições e convenções Sindicato e associação de classe IMPORTANTE MUITO IMPORTANTE X X X X X X X X X X X Fonte: Pesquisa de campo. Quadro 3.1.2 - Principais fontes de informações mais importantes na inovação de processo, de produto ou organizacional no APL de calçados da região de Tijucas - 2002 Outras fontes de informações, ainda que consideradas importantes, como as feiras e eventos e área de vendas e marketing, não chegam no nível das citadas. Tais fontes de informações de origens interna e externa das empresas são consideradas base para ocorrência de mecanismos de aprendizado tecnológico. Em correspondência às atribuições dos graus de importância atribuídos, registram-se os níveis de intensidade dos mecanismos de aprendizagem tecnológica, cujos destaques são aprender por fazer, por usar e por interagir, de acordo com o Quadro 3.1.3. TIPOS Learning by searching Learning by doing Learning by using Learning by interacting Learning from inter-industry spillovers BAIXA INTENSIDADE X MÉDIA INTENSIDADE ALTA INTENSIDADE X X X X Fonte: Pesquisa de campo. Quadro 3.1.3 - Principais mecanismos de aprendizagem tecnológica no APL de calçados da região de Tijucas - 2002 120 Nestes termos, observa-se que no arranjo em estudo as condições para processo inovativo precisam ser melhoradas, pois depende em grande monta de fatores externos ao local, dada a importância dos fornecedores e clientes externos, a inexistência de infraestrutura tecnológica de apoio e ainda incipiente infra-estrutura educacional. Verifica-se a existência de uma estrutura de produção que não se alimenta de uma estrutura de conhecimento fundada no ensino e na pesquisa, com isso, as inovações, que deveriam ser fonte importante para melhorar as condições competitivas, acham-se limitadas. O reflexo desta ocorrência vê-se na qualidade não-elevada dos calçados produzidos, no limitante número de lançamento/ano, nas restrições para alcançar mercados consumidores mais exigentes, etc. em relação aos principais APLs de calçados existentes no país. 3.1.3 Cooperação e governança 3.1.3.1 Principais atores em coordenação e mobilização coletiva Diferentes estudos sobre a produção calçadista no Vale do Tijucas permitem concluir que as relações interfirmas em escala de aglomeração têm sido escassas e de alcance limitado. Essa característica não possui um único tipo de determinante. Um desses determinantes refere-se aos vínculos dos fabricantes de calçados com os fornecedores de insumos e com os fornecedores de máquinas e equipamentos. É verdade que, na trajetória da aglomeração, empresas que atuam na produção de componentes instalaram-se na área, melhorando e ampliando as condições locais de abastecimento. Está-se falando de componentes como saltos, pré-solados e, talvez, principalmente, de solados e palmilhas, cuja produção local estaria atendendo cerca de 80% das necessidades dos calçadistas no período recente. Entretanto, os insumos que significam uma maior agregação de valor aos calçados têm origem sobretudo extra-regional: pesquisa recente, baseada em levantamento direto de dados - envolvendo entrevistas em 17 produtores de calçados locais –, informa que a maior parte desses materiais (com destaque para os sintéticos e também para o couro) é proveniente do Rio Grande do Sul e de São Paulo (CORREIA, 2002). O quadro é semelhante, e até com contornos mais fortes, no que toca às máquinas e equipamentos. A referida pesquisa constatou, igualmente, que a esmagadora maioria dos bens de capital utilizados é adquirida no Rio Grande do Sul. Em vários tipos de máquinas, essa origem representa a totalidade da capacidade instalada nas empresas estudadas. Origem 121 catarinense – porém não local, quer dizer, com produção no próprio aglomerado – só foi detectada no caso de lixadeiras e de máquinas de virar corte, e ainda assim em quantidades inferiores às provenientes do estado vizinho. Portanto, as possibilidades das interações verticais em escala de aglomerado apresentam-se condicionadas por essa configuração da estrutura de fornecimento quer de insumos e matérias-primas, quer de máquinas e equipamentos. Ainda assim, um certo número de empresas, 17 entrevistadas, indicou uma certa intensificação dos vínculos com fornecedores em nível local no período recente (CORREA, 2002). Esse foi o caso, especialmente, no que toca às ações conjuntas para obtenção de crédito, às trocas de informações, ao desenvolvimento e melhoria de produtos e às iniciativas objetivando uma maior capacitação dos recursos humanos, conforme a Tabela 3.1.11. Tabela 3.1.11 - Evolução das interações entre fabricantes de calçados e fornecedores locais na segunda metade dos anos 90 no APL de calçados da região de Tijucas - 2002 ATIVIDADES DE COOPERAÇÃO Troca de informações Ensaios para desenvolvimento de melhoria de produtos Ações conjuntas para capacitação de recursos humanos Ações conjuntas de vendas e marketing Ações conjuntas para obtenção de crédito NÚMERO DE EMPRESAS TOTAL 7 Forte aumento 1 9 6 2 17 1 8 7 1 17 0 2 8 5 2 17 0 0 6 9 2 17 Forte Diminuição 0 Diminuição Estabilidade Aumento 0 9 0 0 0 17 Fonte: Correia (2002). Ainda na esfera das relações verticais, cabe realçar a prática da subcontratação ou terceirização produtiva. Embora se observe um perfil de organização produtiva em que, nas empresas mais importantes, desponta a verticalização, algumas etapas do processo de fabricação de calçados revelam-se objeto de uma considerável terceirização. Os numerosos ateliês existentes cumprem um papel crucial nesse processo. Na maioria criados por exempregados de empresas calçadistas, e caracterizados sobretudo como empreendimentos familiares e instalados nos próprios domicílios, esses ateliês canalizam o essencial da produção terceirizada. Na pesquisa anteriormente referida, constatou-se que quase 2/3 do painel de calçadistas estudados transferiam algum tipo de atividade produtiva, a maior incidência das respostas recaindo nas cinco atividades seguintes, por ordem decrescente de indicação: produção do solado pré-fabricado, forração da palmilha, corte, forração de plataforma e costura, segundo a Tabela 3.1.12. 122 Tabela 3.1.12 - Aspectos da terceirização produtiva no APL de calçados da região de Tijucas 2002 ASPECTOS OBSERVADOS Principal objetivo da subcontratação reduzir gargalos na produção enfrentar problemas da sazonalidade usar a qualidade dos subcontratados Principais atividades subcontratadas fabricação do solado forração da palmilha corte costura forração da plataforma costura de cabedal fabricação de saltos realização de bordados fabricação de tiras encapamentos PARTICIPAÇÃO NO TOTAL DE RESPOSTAS 70 64 58 64 58 58 52 47 41 35 23 6 6 Fonte: Correia (2002). Representando uma certa tendência de divisão do trabalho no seio do aglomerado, essa prática escora-se em vínculos informais, na maioria dos casos, e apresenta como motivações principais a busca de superação dos gargalos existentes nas empresas que repassam as atividades, o usufruto da qualidade do trabalho prestado pelos ateliês e o trato com os problemas ligados à sazonalidade que geralmente marca o ritmo da produção na indústria calçadista, de um modo geral. Cabe assinalar que alguns ateliês repassam, parte das atividades transferidas a eles pelas empresas calçadistas. A lógica desse movimento tem a ver, antes de tudo, com a sazonalidade: os períodos de pico na produção representam grande intensificação do trabalho também para os ateliês, os quais, evitando recusar a prestação do serviço às empresas, repassam tarefas a outras famílias. Correia (2002) enfatiza que alguns desses microempresários atuam até mesmo “como intermediários entre as menores e as maiores empresas do arranjo, bem como no agenciamento de trabalhadores em domicílio”(p. 139). Em que medida se pode considerar que a prática da terceirização representa uma atmosfera de cooperação entre empresas e/ou unidades produtivas? Um aspecto a levar em conta é que o arranjo praticamente não registra relações de efetiva parceria, implicando, por exemplo, desenvolvimento de produto. As modalidades de interação interfirma que mais cresceram na localidade durante a segunda metade dos anos 90 dizem respeito, pela ordem, à troca de informações e às ações conjuntas com vistas à obtenção de crédito (CORREIA, 2002). A situação é diferente no que concerne, por exemplo, às ações conjuntas de marketing e venda, aos ensaios para melhorar e desenvolver produtos e até mesmo às iniciativas conjuntas que visam à capacitação de recursos humanos, conforme a Tabela 3.1.13. Portanto, mesmo que a produção de calçados mobilize na região dezenas de ateliês, configurando o que 123 Goularti Filho (2002) designa como “sistema de facção domiciliar” (p. 296), não há como reconhecer na área uma trama de relações “densas”, evocando a idéia de “eficiência coletiva”, onde, além de economias externas, marca presença a ação conjunta fruto de voluntarismo (SCHMITZ, 1995). Tabela 3.1.13 - Evolução das interações entre fabricantes de calçados na segunda metade dos anos 90 no APL de calçados da região de Tijucas – 2002 ATIVIDADES DE COOPERAÇÃO Troca de informações Ensaios para desenvolvimento e melhorias de produto Ações conjuntas para capacitação de recursos humanos Ações conjuntas de vendas e marketing Ações conjuntas para obtenção de crédito NÚMERO DE EMPRESAS Forte diminuição 0 TOTAL 0 4 10 Forte aumento 3 0 0 6 6 2 14 0 0 6 7 3 16 0 0 7 7 3 17 0 1 4 9 3 17 Diminuição Estabilidade Aumento 17 Fonte: Correia (2002). Corrobora esse entendimento o destaque dado por Orssatto (2002) a uma experiência local de parceria um pouco mais conseqüente, sugestivamente identificada na análise desse autor como figurando na “contramão” da tendência que prevalece no aglomerado. A empresa Raphaella Booz mantinha vínculo com a empresa N&C em torno da tecnologia de modelagem de calçados. A modelagem abrange criação, elaboração e acompanhamento dos modelos usados no processo de fabricação, e os termos do fornecimento da tecnologia da primeira para a segunda empresa (que produz calçados infantis) incluíam o comprometimento desta em produzir, mediante adaptação dos moldes, somente as numerações não fabricadas pela Raphaella Booz, evitando assim a concorrência nos mesmos espaços de mercado. Orsatto (op cit.) assinalou que essa experiência chama tanto mais a atenção haja vista que, segundo pode perceber, não teria, praticamente, paralelo na área. Diante do que observou localmente em matéria de interações, sua conclusão foi, portanto, taxativa: nada denota, no arranjo calçadista do Vale do Tijucas, a existência, ou mesmo um processo de formação, de redes cooperativas entre fabricantes. Assim, mesmo que, como indicam Correia e Lins (2003), os ateliês sejam alimentados com informações sobre as tendências da indústria calçadista pelas empresas que transferem etapas dos seus processos produtivos, e que, de uma forma geral, grande parte dos atores envolvidos na fabricação de calçados participe com alguma freqüência tanto das reuniões promovidas pelo Sindicato Patronal das Indústrias de Calçados de São João Batista quanto dos cursos realizados pelo SENAI local (instituições sobre as quais se falará posteriormente), 124 não se pode dizer que a atmosfera local seja de relações interfirmas densas. Os calçadistas, principalmente os mais importantes, miram a penetração em faixas de mercado de maior poder aquisitivo, para o que a qualidade dos produtos, a ágil incorporação das tendências da moda e a rapidez no cumprimento dos prazos de entrega configuram requisitos essenciais. Todavia, não há sinais de que essa aspiração tenha repercutido no plano da ação coletiva. As palavras de Orssatto (op cit.) são contundentes a respeito disso: A própria articulação entre os empresários parece ser um fator crítico, na medida em que existe uma grande dispersão entre os entendimentos do papel que estes devem exercer, tendendo sempre para uma avaliação negativa por parte dos pares. Isso é particularmente importante tendo em vista que existe uma grande heterogeneidade das empresas em termos de porte, qualidade de produtos e processos, de desenvolvimento tecnológico e de competências, fazendo com que exista uma imagem de amadorismo, influenciando negativamente a competitividade das empresas locais. A incapacidade do alcance de níveis maiores de integração e cooperação entre os atores do nível micro determina a perda de substanciais vantagens competitivas decorrentes da aglomeração e do estímulo à busca da eficiência coletiva no sistema industrial circunscrito pelo pólo calçadista da região de São João Batista. Este parece ser um dos principais empecilhos para a frutificação de qualquer esforço para elevar a competitividade do setor via adoção de ações que envolvam a capacidade regional de cooperação. (...). Grande parte dos problemas que afligem o setor (falta de colaboração entre os empresários; distanciamento do poder executivo; ações isoladas dos atores que compõem o setor; falta de suporte técnico; deficiência na formação da mão-de-obra; falta de apoio financeiro e conjuntura econômica) somente serão resolvidos se houver um esforço inicial no sentido de serem desenvolvidas ações para melhorar o nível de integração, cooperação e coordenação entre os vários segmentos do setor (...). (p. 147) Nesse aspecto, por conseguinte, o aglomerado do Vale do Tijucas não estaria a exibir grande contraste com a situação observada em Franca, um importante cluster calçadista brasileiro (situado no estado de São Paulo), ao mesmo tempo em parece mostrar elementos de diferenciação em face do que revela a trajetória do cluster do Vale dos Sinos (no Rio Grande do Sul, a mais importante área de produção de calçados do país). Em Franca, como apontam o estudo de Garcia (2002) e a reportagem de Nascimento (2001), o empresariado é fortemente refratário às práticas cooperativas. Não obstante a presença de instituições cujo papel tem sido importante na representação dos interesses das empresas e na coordenação das ações no seio do aglomerado, não se logrou superar o quadro de extrema dificuldade para o estabelecimento de vínculos horizontais (já que a cooperação vertical é percebida), prevalecendo a resistência às trocas de informações e às discussões de problemas comuns mesmo em áreas pré-competitivas. No Vale dos Sinos, ainda que a maioria das empresas não tenha desenvolvido uma visão de cluster, como detectou Ruas (1995), existindo entraves ao efetivo robustecimento de uma “eficiência coletiva”, há indicações de que a ação conjunta foi decisiva na trajetória do 125 arranjo. Schmitz (2002) atribui à capacidade de articulação demonstrada pelas instituições locais os principais saltos protagonizados naquele aglomerado: a mudança de orientação do mercado regional para o mercado nacional, a posterior projeção no mercado internacional e, nos anos 90, a reação às ameaças de concorrentes estrangeiros, quando o aumento na qualidade dos produtos e uma maior velocidade na produção mostraram-se requisitos indispensáveis. Claro que não há ausência de problemas, como forçam reconhecer as desavenças que acabaram afetando iniciativas destinadas ao maior aperfeiçoamento de atores do cluster, mas, segundo Schmitz (op cit.), as respostas aos desafios da globalização mostraram-se eficazes sobretudo por conta da grande e estreita cooperação entre calçadistas e seus fornecedores, localizados em situação de proximidade num mesmo espaço de relações. Todo o referido estimula, assim, a que se dirija a atenção ao papel desempenhado pelas instituições que operam no arranjo calçadista do Vale do Tijucas. Essas instituições marcam presença em atividades de coordenação e representação e também no apoio às empresas. O grande destaque na coordenação/representação reside no funcionamento do Sindicato Patronal das Indústrias de Calçados de São João Batista, cuja abrangência transcende o referido município, incidindo no arranjo como um todo. Cerca de 2/3 das empresas são filiadas a esse sindicato, entre elas as de maior expressão, o que confere significativa representatividade a essa instituição. Como se destacará posteriormente, tal entidade tem funcionado como uma espécie de pivô, interagindo com os demais organismos que mantêm vínculos com a indústria de calçados da área. Neste momento basta assinalar que a maior intensidade de interações das empresas locais ocorre com essa instituição: das 23 empresas, entre fabricantes de calçados e produtores/fornecedores de insumos, entrevistadas por Correia (2002), nada menos que 78% mantinham vínculos freqüentes com esse Sindicato, de longe a modalidade de interação de maior presença na área, segundo a Tabela 3.1.14. Isso representa forte contraste com as fracas interações envolvendo, por exemplo, bibliotecas especializadas e universidades, assim como (ABICALÇADOS) – certamente percebida como “distante” pelos produtores locais – e até os agentes que atuam com exportações (refletindo o fato de que a produção do arranjo é preponderantemente voltada ao mercado doméstico). O SENAI encontra-se presente na área desde 1993, com uma agência (instalada no município de São João Batista) dedicada à indústria calçadista que promove cursos e treinamentos envolvendo aprendizagem técnica, gerencial e ainda design, além de também operar como centro de consultoria tecnológica. O SEBRAE, de sua parte, passou a contar com uma agência exclusiva no município de Nova Trento em 2001 (embora já possuísse uma outra no município de Tijucas desde 1998) almejando auxiliar as empresas em termos de aumento 126 de competitividade (recobrindo atividades de apoio na solução de problemas técnicos e gerenciais, mediante a realização de cursos e treinamentos), de escoamento da produção e de obtenção de financiamento para as micro e pequenas empresas. Ambos, SENAI e SEBRAE, interagem consideravelmente entre si e com outras instituições locais, como as associações comerciais e industriais, as prefeituras e os conselhos municipais de desenvolvimento e o sindicato patronal. Tabela 3.1.14 - Perfil das interações protagonizadas por um painel de empresas no APL de calçados na região de Tijucas – 2002 ATORES Serviços de manutenção Agentes de exportação Representantes Consultorias Bibliotecas especializadas Universidades SENAI/ACI/SJB ABICALÇADOS Sindicato Patronal FREQÜENTE % OCASIONAL % NENHUMA % 12 3 17 8 0 3 14 2 18 52 13 73 35 35 13 60 9 78 3 14 4 10 4 3 5 8 4 13 60 17 43 17 13 22 35 17 8 6 2 5 11 17 4 13 1 35 27 10 22 48 74 18 56 5 TOTAL DE RESPOSTAS 23 23 23 23 23 23 23 23 23 Fonte: Correia (2002). Como sugerido, as empresas dão mostras de pouco interesse pela cooperação entre si, atribuindo escassa importância a ações como vendas conjuntas em feiras e criação de delegações comerciais. De fato, parecem preferir atuar individualmente mesmo no que concerne às exportações – o consórcio de exportações criado em 1999, a respeito do qual se falará posteriormente, foi desfeito em 2002 –, evidenciando um certo descrédito sobre a atuação em rede e parecendo até rejeitar a possibilidade de uma maior integração das atividades em nível de aglomeração (ORSSATTO, 2002). Assim, encontra-se na esfera das instituições o essencial da governança no plano local, incluindo a capacidade de promoção dos vínculos cooperativos. O que se logrou realizar na matéria é eloqüente sobre isso. 3.1.3.2 Caracterização e alcance das ações coletivas realizadas Parcela essencial, certamente a mais expressiva, da governança exercitada no aglomerado vincula-se às atividades do Sindicato Patronal das Indústrias de Calçados, sediado em São João Batista, porém, como já mencionado, com raio de ação que recobre toda a área calçadista. De fato, o Sindicato interage consideravelmente com as demais entidades que 127 formam o arcabouço institucional, tendo resultado desse inter-relacionamento muito – talvez quase tudo – do que se conseguiu realizar no plano da ação coletiva. As realizações não se referem só ao que frutificou dos vínculos entre o Sindicato e as demais instituições, todavia. Como afirmam Correia e Lins (2003), o Sindicato tem favorecido a participação de representantes dos fornecedores – localizados em grande medida, como já indicado, fora do arranjo – nas suas assembléias, “contribuindo para ampliar e fortalecer o intercâmbio de informações. Nessas reuniões abordam-se diferentes assuntos de interesse da indústria (...)” (p. 52), incluindo questões de interesse para o processo de inovação, para obtenção de financiamento, para capacitação de recursos humanos e para informação sobre experiências de outras realidades produtivas locais, o que abrange o acesso/informação no que concerne a feiras e publicações especializadas. Mas é sobretudo como coordenador, mobilizando e articulando o funcionamento de vários outros organismos, que o Sindicato Patronal revela atuação destacada. Correia (2002) frisa que, sob a sua orquestração, ...o SENAI [local] se fortaleceu, as associações comerciais se integraram ao arranjo, o SEBRAE se consolidou [localmente] como ator apoiador das (...) [micro e pequenas empresas] na região e o poder público aos poucos se conscientiza da importância da atividade [calçadista] para o desenvolvimento econômico (...) regional (...) (p. 154). Merece destaque, com efeito, o esforço dessa entidade: O sindicato desenvolve forte atuação direcionada no sentido de promover uma maior integração entre os empresários, e entre estes e as demais instituições, como o SENAI, que funciona no prédio ao lado (...). [Isso] facilita o fortalecimento dos vínculos e a (...) troca de informações, [sendo] a maioria das ações realizada em conjunto, como a programação (...) de cursos, ações de marketing, e a participação em feiras setoriais regionais, nacionais e internacionais. (...) Sistematicamente, o Sindicato articula benefícios, entre as entidades presentes no arranjo, que ampliam a capacidade das empresas. Essas ações (...) [beneficiam inclusive] firmas que não são (...) sindicalizadas. (...) [Várias destas] relataram (...) que adotam certas melhorias no produto (...) ou no processo (...) porque estas já foram adotadas pelos seus concorrentes, que se informaram por meio do Sindicato ou dos cursos do SENAI (...). (CORREIA, 2002, p. 154-155) Entre as iniciativas do Sindicato atuais cabe registrar a união de forças com o SEBRAE, Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) e governos municipais no projeto de criação de uma incubadora de empresas e o incentivo à comercialização, que inclui auxílio para viabilizar a participação das empresas em feiras e envolvimento nas ações de divulgação de seus produtos. Outro destaque refere-se a qualificação da mão-de-obra. Nas preocupações das empresas figura o que é por elas percebido como uma limitada formação educacional e um baixo nível de aprimoramento 128 profissional: no conjunto das empresas estudadas por Correia (2002), 60% do contingente empregado não tinha mais do que o primeiro grau. Diante de tal quadro, o Sindicato Patronal desencadeou iniciativa em parceria com a Fundação Catarinense de Educação na Empresa, pertencente ao Sistema FIESC/SESI/SENAI, para suprir as deficiências educacionais dos assalariados. No que se refere ao aperfeiçoamento profissional, esse movimento impulsionado pelo Sindicato incluiu empresas que “têm se envolvido no processo de requalificação com base em iniciativas que incluem a instalação de salas de aula nas suas próprias instalações, fazendo uso de professores tanto pertencentes aos seus quadros de funcionários, como buscados externamente”(CORREIA, LINS, 2003, p. 6061). O papel desempenhado pelo SENAI no arranjo não pode ser desvinculado da capacidade de articulação e mobilização demonstrada pelo Sindicato Patronal. De fato, conforme consta, foi uma parceria com o segundo que teria auxiliado decisivamente a expansão das instalações do primeiro em meados dos anos 90, período em que, no âmbito do mesmo esforço de mobilização-articulação, viu a luz uma fábrica modelo, dotada dos equipamentos necessários à produção de calçados. Cabe citar, no mesmo diapasão, a criação de um curso técnico em calçados – cuja primeira turma formou-se em 1999 – e o início de um curso de aprendizagem industrial (sobre confecção de calçados) na primeira metade do ano seguinte. Tal desempenho do SENAI – Unidade de Calçados do Vale do Tijucas justificou logo depois a reivindicação, junto à direção dessa entidade no estado de Santa Catarina, de um aumento considerável das sua instalações no arranjo, de forma a abrigar as atividades de formação profissional (além de assessoria técnica e tecnológica, o SENAI tem oferecido cursos de, por exemplo, corte, modelagem, montagem e costura de calçados, assim como de relações humanas no trabalho e desenvolvimento de líderes) e até um laboratório de ensaios físicos voltado à produção calçadista. Portanto, o ...nascimento [do SENAI no arranjo] foi resultado de negociações incentivadas por lideranças locais (...) (CORREIA, op cit., p. 150), cuja ação foi amplamente canalizada pelo Sindicato Patronal. O mesmo pode ser dito sobre a intensificação das atividades do SENAI, que derivou ampla e indiscutivelmente da “crescente ampliação da cooperação entre as entidades presentes [no arranjo], onde a colaboração da Prefeitura de São João Batista foi determinante para a reforma e ampliação das instalações físicas, alcançando a capacidade de promoção do SENAI/Escola. (...) [As ações] deram condições de instalação do Laboratório de CAD/CAM, para design de produtos, computação gráfica, programação visual e desenvolvimento de embalagens e marcas. (CORREIA, 2002, p. 151-152). 129 O esforço protagonizado revelou-se de grande importância, pois as atividades do SENAI local passaram a figurar como essenciais ao funcionamento do aglomerado. De fato, esse organismo coopera, por exemplo, com o SEBRAE com vistas a proporcionar condições para o “adensamento” dos vínculos entre os fabricantes, o que envolve o desenvolvimento de ações voltadas à adequação das empresas aos padrões produtivos necessários à exportação. Nesse processo, o SENAI tem enviado os seus próprios quadros técnicos para aperfeiçoamento em Novo Hamburgo (RS), centro de gravidade do cluster calçadista do Vale dos Sinos, e também trazido técnicos gaúchos para participar de cursos ministrados no Vale do Tijucas, entre os quais figuram programas de pós-graduação (latu sensu) em que atuam professores da Universidade Regional de Blumenau e da Universidade do Estado de Santa Catarina. Na atualidade, a unidade do SENAI de São João Batista oferece, além de um curso de aprendizagem industrial para confeccionador de calçados e de um curso técnico em calçados, uma formação de nível superior de Tecnologia em Design de Calçados, resultado de convênio com a Universidade do Vale do Itajaí. Merece realce, da mesma forma, a iniciativa – em parceria, entre outros organismos, com o SEBRAE, o Sindicato Patronal e as associações comerciais da área – que tomou a forma de uma “oficina de design”, com cursos de amplo acesso e programados conforme as necessidades das empresas. Cabe sublinhar ainda os serviços de assessoria técnica e tecnológica enfeixados em “Consultoria Técnica nos Processos de Produção de Calçados”. O SEBRAE, de sua parte, participa do arranjo com uma agência exclusiva em São João Batista desde 2001, embora atue no município de Tijucas desde 1998. Sua presença há de ser vinculada à iniciativa de lideranças políticas e empresariais do tecido produtivo calçadista. Conforme já salientado, essa instituição interage consideravelmente com o SENAI na busca de melhores condições de competitividade para os fabricantes, devendo-se destacar o seu papel na elaboração de diagnósticos empresariais, no treinamento gerencial (envolvendo treinamento sobre cálculo de custos) e no auxílio à promoção de feiras, atividades que assistem igualmente à colaboração do Sindicato Patronal. No que toca ao problema do financiamento, o SEBRAE opera por meio da elaboração de diagnósticos empresariais de forma articulada com agentes financeiros (BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) que possuem programas direcionados às micro e pequenas empresas. Igualmente digno de menção é o conjunto de iniciativas voltadas à promoção das vendas de calçados no exterior que redundaram na criação de um consórcio de exportação em 1999. Mesmo que, tradicionalmente, só uma pequena percentagem da produção de calçados 130 do arranjo seja objeto de exportação – pesquisa conduzida por Seabra et al. (2003) num painel de 6 empresas mostrou que apenas 2,5% da produção eram dirigidos para mercados estrangeiros, principalmente para países da América Latina, Argentina e Venezuela à frente –, e também que o consórcio não tenha sido o único instrumento de venda para o exterior – devendo-se referir igualmente, embora em posição inferior, ao agente de exportação local –, aquele mecanismo desempenhou um importante papel na projeção internacional dos calçadistas (QUEVEDO, 2001). Assim, o consórcio merece ser citado como uma importante realização em matéria de ação conjunta no Vale do Tijucas (tendo realizado vendas também para países como Estados Unidos e Emirados Árabes), tanto quanto o Programa Setorial Integrado que, apoiado pela FIESC e a Agência de Promoção de Exportações (APEX), do Governo Federal, tomou o lugar daquele instrumento em 2002 (BENTO, 2002), sob a expectativa de alavancar decididamente a comercialização no exterior. Cabe também referência a uma iniciativa – identificada pelo SEBRAE por meio da expressão “Arranjo Produtivo Local” (APL) – protanizada por essa entidade em conjunto com a Prefeitura de São João Batista e com o Governo Estadual, além dos próprios fabricantes, articulados pelo Sindicato Patronal. No âmbito dessa iniciativa, foram investidos R$ 3 milhões em duas dezenas de ações na forma de cursos de administração e design e de treinamento da mão-de-obra. De uma adesão que, no início de 2003, não ultrapassava uma dúzia de empresas, alcançou-se patamar de mais ou menos 130 nos primeiros meses de 2005, recobrindo seja fabricantes de calçados, seja produtores de componentes, como ateliês. Um resultado dessa iniciativa a ser destacado é a contratação de centenas de novos trabalhadores durante 2004, desde o início das atividades sob o signo do APL, e também uma expansão das exportações da ordem de 10%. De sua parte, o apoio à participação em feiras redundou no comparecimento de nove fabricantes locais na mais recente edição da Feira Internacional de Calçados, Artigos Esportivos e Artefatos de Couro (Couromoda), realizada em São Paulo, em espaço alugado pelo SEBRAE-SC. O objetivo principal, que era observar as novas tendências do setor calçadista e avançar na divulgação dos produtos do Vale do Tijucas, foi superado nas correspondentes expectativas, tendo em vista que todos os expositores do arranjo lograram encaminhar negócios inclusive com clientes europeus, além de diversos latino-americanos (ARRANJO..., 2005). 131 3.1.4 Principais vantagens competitivas, entraves ao desenvolvimento e políticas de desenvolvimento 3.1.4.1 Vantagens competitivas As vantagens competitivas da aglomeração calçadista do Vale do Tijucas vinculam-se à própria condição local de aglomerado produtivo com trajetória de especialização setorial que registra várias décadas. De fato, ainda que só nos anos 1980 a produção de calçados nessa área tenha apresentado um comportamento mais vigoroso, a presença das correspondentes atividades é notada desde as primeiras décadas do século passado. Assim, pode-se falar de uma certa “cultura calçadista”, querendo isso indicar a presença de economias externas e de conhecimento setorial mais ou menos difundido socialmente, algo evocado pela existência de numerosos ateliês, além das próprias empresas. Deriva dessa vivência, claro que na esteira dos esforços protagonizados em nível empresarial e institucional, o padrão de qualidade alcançado pelos produtos da área, conforme reconhecido em diferentes estudos (CORREIA, 2002; SEABRA et al., 2003). Ainda que existam restrições para ser melhor explorar a capacidade inovativa do arranjo, há condições estruturais para as empresas explorarem as possibilidades existentes a partir dos mecanismos de aprendizagem que ocorrem nos espaços da produção – learning by doing, learning by interacting e learning by using. Da mesma forma, existem condições para se explorar a habilidade e experiência dos trabalhadores e os fluxos de informações tecnológicas sobre problemas e desempenho técnico operacional, performance do produto e necessidades do mercado consumidor. A partir destas condições, as empresas estão construindo vantagem competitiva dinâmica importante para melhor se posicionarem no mercado consumidor e se firmarem como espaço produtivo com representatividade na produção industrial do estado. Integra o rol de vantagens competitivas uma aparente capacidade de mobilização institucional em escala de aglomerado, sobretudo a protagonizada pelo Sindicato Patronal das Indústrias de Calçados de São João Batista, entidade de maior destaque em matéria de coordenação e representação dos interesses dos agentes locais. Talvez quase tudo o que foi realizado no Vale do Tijucas, no que concerne às providências para capacitar a aglomeração calçadista em diferentes sentidos, implicou o envolvimento decisivo desse sindicato. Inseremse nessas realizações o fortalecimento e a ampliação das atividades de instituições como 132 SENAI e SEBRAE, incluindo-se, certamente, a iniciativa identificada como “Arranjo Produtivo Local”. No que se refere aos canais de comercialização das exportações de calçados do arranjo, podem ser encontradas mais algumas vantagens competitivas. Em pesquisa de campo, Seabra (2003) diz que os empresários calçadistas não apontam obstáculos internos e externos para alcançar o mercado estrangeiro. Afirmam que não têm nenhuma importância itens como preços não competitivos no mercado externo, qualidade inadequada para atender o mercado externo, assim como não há custo alto de transporte internacional e barreiras não tarifárias nos países importadores. Logo, se acham em plenas condições de atender o mercado externo, destacando que, das exportações alcançadas, o consórcio de exportação e o agente de exportação são considerados relevantes. Quanto ao consórcio de exportação, apontam papel importante quando há diferenciação do produto, uma vez que propicia canais de comercialização/promoção do produto com baixo custo, incentivo ao design e marca própria, além do acesso a informações sobre o mercado consumidor. O consórcio de exportação é uma estratégia de verticalização para frente da firma em termos de comercialização e também uma fonte de economic rent e utilizada por 2/3 das empresas exportadoras. Em relação ao agente de exportação, este é o principal instrumento de comercialização por 1/3 das empresas de calçados, porém nenhuma utiliza este mecanismo de comercialização isoladamente (SEABRA, 2003). 3.1.4.2 Carências e limitações A melhoria das condições locais, no bojo dos movimentos coletivos de apoio à indústria de calçados da região, não significou imunidade em face dos determinantes macroeconômicos observados no período atual, como indica um comunicado da ABICALÇADOS no mês de julho de 2005 (PÓLO..., 2005). A valorização da moeda brasileira frente ao dólar afetou a competitividade das empresas exportadoras locais, forçando alguns fabricantes não só a reduzirem a jornada de trabalho, mas também a demitirem, freando a produção. A concorrência dos produtos chineses, difícil de enfrentar mesmo em condições “normais” – tendo em vista o custo de fabricação bastante inferior e a enorme escala de produção naquele país –, adquire uma dimensão ainda maior, impondo mais uma vez o reconhecimento de que é necessário explorar ampla e profundamente elementos de diferenciação para os produtos locais. Avançar de modo resoluto e decidido no terreno do design revela-se, sem equívoco possível, uma providência crucial. 133 De fato, é importante que, em nível de arranjo, se migre da posição de mera cópia de modelos observados alhures e se foque o desenvolvimento de modelos próprios, com destaque para a diferenciação de produtos. Todavia, isso significa mudar o eixo da busca de competitividade, da ênfase nos custos de produção – mão-de-obra, matérias-primas e insumos – rumo às vantagens relacionadas à aprendizagem e à inovação. Um resultado desse processo haveria de ser o “desenvolvimento e consolidação da ‘marca’ São João Batista no mercado nacional e no mercado internacional (...)” (ORSSATTO, 2002, p. 211). É sugestivo da importância de tal assunto que, “apesar da alta qualidade dos calçados produzidos no pólo, estes não são exportados com o nome da empresa produtora” (SEABRA et al., 2003, p. 31). Para tanto, o processo inovativo pode ser melhor potencializado se a infra-estrutura do conhecimento – ensino e pesquisa - existente criar condições para explorar as possibilidades de mudança técnica que se abrem a partir do processo de produção. Neste arranjo, as estruturas de ensino e de pesquisa acham-se em formação e distam do padrão existente nos principais centros produtores calçadistas do país – Vale dos Sinos (RS) e Franca (SP). Diferente dos exemplos citados, a estrutura de ensino contém cursos profissionalizantes de curta duração e somente em período recente, foi criado curso superior de maior duração voltado a esta atividade produtiva. Assim como, o Centro de Educação e Tecnologia local carece de infra-estrutura tecnológica de maior qualidade posta em laboratórios, técnicos e equipamentos eficientes. Diante deste quadro, as empresas deparam com obstáculos para investirem em seus ativos intangíveis, bem como não se beneficiam amplamente dos serviços, pesquisa e desenvolvimento tecnológicos que tradicionalmente estariam disponíveis em centros tecnológicos com melhores condições infra-estruturais. Como expressão desta ocorrência, as empresas calçadistas carecem de maior capacidade de formulação de design, considerado fator importante do padrão de concorrência setorial pela atratividade gerada ao produto. As empresas se esforçam em criar designs próprios, mas em grande monta são seguidoras de designs estabelecidos por empresas concorrentes no mercado. Grande parte do design existente decorre de competência fortemente relacionada às práticas e experiências internas. Nestes termos, revelam atitude passiva diante deste quesito concorrencial e dificultam o estabelecimento de condições para fixar marca própria no mercado. Este quadro revela existência de comodismo empresarial no arranjo em estudo, cujas ações neste campo são de redução de custo e menor risco a fazer investimentos em aquisição de equipamentos - CAD - e treinamento de pessoal. Naturalmente, avanços nessa direção requerem capacidade de ação coletiva, quer dizer, cooperação. Ação coletiva que, além do que se falou, também se traduza em articulação 134 – no que diz respeito a aspectos de qualidade e envolvendo agilidade e sincronia nas atividades enfeixadas na produção de calçados – dos integrantes do tecido produtivo para responder em escala de cadeia às necessidades impostas pela sazonalidade e aos desafios da concorrência estrangeira (relativamente a esse segundo aspecto, nos termos, por exemplo, do que se observou no Vale dos Sinos durante a década de 90, conforme mencionado por Schmitz, 2002). Entretanto, como ressaltado anteriormente, a cooperação interfirma constitui uma das esferas – talvez a principal – em que são maiores as carências e limitações no Vale do Tijucas. O papel das instituições, em esforços de promoção de iniciativas conjuntas que envolvam os fabricantes, mostra-se, assim, imprescindível. É possível que no bojo da iniciativa designada “Arranjo Produtivo Local”, já assinalada, se possa pavimentar o caminho para um grau de interações superior, vis-à-vis ao observado até agora, permitindo desenvolvimentos em direções estratégicas para a aglomeração. Claro que só o futuro dirá se a tradição de individualismo e de condutas refratárias à ação conjunta dará lugar a um clima de interações mais densas e mais conseqüentes na produção calçadista do Vale do Tijucas. Contudo, reconhecida a necessidade, não há porque recusar medidas de cunho voluntarista em relação ao assunto. Desse modo, inocular e promover o sentido da cooperação no tecido empresarial são medidas que devem figurar em iniciativas de política para o desenvolvimento da aglomeração calçadista local. 3.1.4.3 Políticas de desenvolvimento As medidas de política para o aglomerado devem privilegiar várias questões voltadas à produção, tecnologia e educação, instituição e mercados. Ações nestes campos são importantes para pavimentar o caminho do desenvolvimento visando colocá-lo no patamar dos principais arranjos produtivos calçadistas do país. Dentre as principais medidas, destacam-se: a) No campo da produção Estimular a criação de empresas produtoras e fornecedoras no arranjo a fim de aumentar a densidade de sua estrutura produtiva. Desenvolver política voltada a incentivar os fornecedores externos a estabelecerem unidades produtivas no arranjo. Estimular e criar condições para empresas executarem processos de reestruturação produtiva através de aquisição de máquinas e equipamentos modernos. 135 b) No campo tecnológico e educacional Incentivar as empresas a criarem e atualizarem laboratórios internos para P&D. Promover processo de modernização no Centro Tecnológico local criando novos laboratórios, com equipamentos atualizados, diversificando os serviços tecnológicos. Aumentar a capacitação de trabalhadores mediante de cursos direcionados à moda e ao design Desenvolver política de aproximação com as empresas no intuito de oferecer os serviços e atender as necessidades empresariais nas áreas tecnológica e educacional. c) No campo de cooperação e institucional Estimular as interações entre as empresas para desenvolver produtos de forma conjunta mirando a maior agregação de valor. Encorajar o desenvolvimento de ações conjuntas entre os fabricantes, por meio da instalação de instrumentos de alcance coletivo como de uma central de compras, por exemplo. Criar e ou aperfeiçoar esquemas de financiamento para apoiar a modernização tecnológica do parque fabril. Criar e ou implementar programas de capacitação de microempresas e/ou ateliês, de modo a favorecer-lhes o envolvimento em esquemas de quick response nas cadeias de fornecimento. Orientar os integrantes do tecido institucional rumo à problemática do design, tornando prioritária nas suas atividades a capacitação do aglomerado nesse terreno. d) Quanto ao mercado externo Desenvolver programa de incentivo para empresas direcionarem parte da produção ao mercado externo disponibilizando informações sobre as características do mercado consumidor dos países, linhas de crédito para exportação, etc. Ampliar o escopo de participação das empresas nos consórcios de exportação. Realizar esforços voltados à diversificação de mercado externo.