Jornal da Imagem
Transcrição
Jornal da Imagem
Parte integrante da Edição nº 369 – Maio de 2009 Jornal da Imagem Caderno 2 Este encarte contém casos diversos enviados pelos leitores do Jornal da Imagem Caso 1 • História clínica Figura 1 – Radiografia de tórax PA evidencia opacidades intersticiais com predomínio nas regiões centrais dos campos pulmonares inferiores Figura 4 – TCAR exibe padrão de nódulos e opacidades mal definidas e espessamento do interstício peribroncovascular Identificação: GJSF, 33 anos, pintor, com diagnóstico de HIV há 10 anos. Há três meses iniciou quadro de dispnéia, astenia e emagrecimento. Nega febre. Em tratamento antiretroviral irregular, com pouca adesão (SIDA C3). Procurou Unidade de Emergência devido à piora da dispnéia. Figura 2 – Radiografia Figura 3 – TC com contraste EV em perfil corrobora a pre- demonstra focos de consolidação com dileção das opacidades padrão peribroncovascular pelas regiões peribroncovasculares inferiores Figura 5 – Neste corte de TCAR, percebe-se a o acometimento peribroncovasculocêntrico entremeado a opacidades em vidro fosco Exame físico direcionado: Estado geral ruim, desidratado 1+/4+, descorado 1+/4+, dispneico. Figura 6 – TCAR, corte inferior a da figura 5, evidencia nódulos mal definidos, em forma de “chama”, alguns tendendo a confluência e opacidades em vidro fosco. Repare também o espessamento cissural irregular Respiratório: MV reduzido em bases, com estertores crepitantes bibasais. FR : 30 IR / min. Tegumento: Lesões maculosas violáceas na região lateral esquerda do tronco, região abdominal anterior e membros superiores. História patológica pregressa: dois episódios de neurotoxoplasmose tratado, último há dois anos. Exames: Hemograma completo: Leucopenia com CD4 de 30 céls/mm. Carga Viral: 182.494 cópias BAAR e pesquisa de hifas negativas no escarro. Caso 2 • História clínica CV, sexo feminino, 27 anos, natural e procedente de Americana (SP), encaminhada de outro serviço para a Unicamp, devido à suspeita de síndrome da veia cava superior. Na admissão referia dor torácica, proeminência dos vasos do pescoço e emagrecimento de cinco quilos em quatro meses. Tomografia computadorizada de tórax de outro serviço evidenciava massa no mediastino anterior e compressão da veia cava superior. Exame físico: Estado geral regular, dispneico. Abdome sem alterações ao exame físico. Exames laboratoriais: Leucocitose (19750 céls/mm). US Doppler de MMSS: trombose jugular bilateral em recanalização. US de abdome: Diversas lesões sólidas no parênquima renal bilateralmente. Figura 1 – TC abdome sem contraste demonstra nódulos renais bilaterais discretamente hipodensos/ isodensos ao parênquima renal Figura 4 – Há nódulo parcialmente exofítico à esquerda Figura 2 – TC abdome, fase precoce, demonstra natureza sólida com centro liquefeito das lesões, já evidenciada em ultrassonografia pregressa (não exibida) Figura 3 – Nódulos sólidos apresentam hiporrealce pelo meio de contraste EV. Repare à esquerda, nódulo com área central fluida (necrose) Figura 5 – Nódulos mantém hipoimpregnacão na fase tardia (excretora) 2 Jornal da Imagem São Paulo | MAIO | 2009 Caso 1 Autores: Drs. Ricardo Barros e Patrick Pereira, residentes da Unicamp Sarcoma de Kaposi pulmonar Diagnóstico Sarcoma de Kaposi pulmonar. Discussão O sarcoma de Kaposi, descrito inicialmente por Moritz Kaposi em 1872, é um tumor mesenquimal que envolve vasos sanguíneos e linfáticos, afetando primariamente a pele e causando doença disseminada em uma variedade de órgãos. Quatro variantes com manifestações clínicas diversas são reconhecidas: forma clássica (esporádica ou mediterrânea), forma endêmica (africana), forma iatrogênica (relacionada a transplante de órgãos) e a forma relacionada à AIDS (principalmente se CD4 < 150). Caso 2 A forma torácica da doença é encontrada em 45% dos pacientes com sarcoma de Kaposi. As manifestações podem ser parenquimatosas, traqueais, linfáticas e pleurais. Os sintomas mais comuns incluem tosse, dispneia, febre e hemoptise. A radiografia simples mostra anormalidades bilaterais e difusas, caracterizadas pela presença de opacidades intersticiais que são predominantemente peribroncovasculares, nódulos mal definidos, que podem ter até vários centímetros de diâmetro, e áreas de consolidação mal definidas. Os derrames pleurais em geral são bilaterais e vistos em 30% dos casos. O achado tomográfico característico é a presença de nódulos mal definidos (em forma de “chamas”), bilaterais e simétricos, com distribuição peribroncovascular, geralmente excedendo 1cm de diâmetro. Opacidades em vidro fosco podem ser vistas adjacentes aos nódulos (sinal do halo). Outros achados comuns incluem espessamento peribroncovascular e dos septos interlobulares, nodularidade fissural, adenopatias mediastinais e anormalidades pleurais. O diagnóstico diferencial deve incluir linfoma, carcinoma broncogênico, angiomatose bacilar e outras infecções. Referências bibliográficas 1.Webb WR, Muller NL, Naidich DP. Tomografia Computadorizada de Alta Resolução do Pulmão. Editora Guanabara-Koogan, terceira edição. 2.Restrepo CS, Martinez S, Lemos JA, Carillo JA, Lemos DF, Ojeda P, Koshy P. Imaging Manifestations of Kaposi Sarcoma. Radiographics 2006; 26:1169-1185. 3.da Silva Filho FP, Marchiori E, Valiante PM, Escuissato DL, Gasparetto TD. AIDS-related Kaposi sarcoma of the lung presenting with a “crazy-paving” pattern on high-resolution CT: imaging and pathologic findings. J Thorac Imaging 2008 May;23(2):135-7. Autores: Dra. Vanessa A. Vieira Patrício, Drs. Lúcio F Buzolin e Leopoldo Blanco Araújo, residentes da Unicamp Linfoma renal secundário Diagnóstico Linfoma renal secundário. Discussão O aparelho geniturinário é frequentemente afetado pela disseminação extra-nodal de linfoma, sendo a segunda entidade anatômica mais afetada depois do sistema hematopoiético. O linfoma renal ocorre normalmente em decorrência de quadro sistêmico de linfoma não-Hodgkin, do tipo B, de grau intermediário a alto. Pacientes imunocomprometidos apresentam risco significativamente maior de desenvolver a doença. Linfoma renal primário, sem manifestações sistêmicas, é inco- mum, representando menos de 1% dos casos. A tomografia computadorizada (TC) com protocolo de estudo de fases renais é o método de imagem de escolha. Há formas variadas de apresentação, incluindo lesões múltiplas (mais comum), lesão solitária, infiltração difusa de um ou ambos os rins, além de extensão direta a partir de linfonodomegalia retroperitoneal, este com acometimento preferencial do espaço perirrenal. A administração endovenosa de contraste e aquisição de imagens na fase nefrográfica são essenciais para a detecção de lesões sutis, particularmente na porção medular do rim. Depósitos linfomato- sos tendem a ser hipovasculares, sendo a aquisição na fase arterial importante para diferenciá-los de tumores primários hipervasculares. Se o tumor é predominantemente central e afeta a região hilar ou sistema coletor, a fase excretora é necessária. Em algumas séries, a ressonância magnética (RM) mostrou-se tão eficaz quanto a TC contrastada em demonstrar doença renal e perirrenal, sendo o método de escolha em casos de alergia ao contraste iodado. O linfoma exibe hipossinal nas sequências ponderadas em T1 e hipo a isossinal em T2, mostrando menor realce que o parênquima normal após a ad- ministração de meio de contraste paramagnético. Entre os diagnósticos diferenciais para a forma de apresentação mais comum (lesões múltiplas), podemos citar oncocitomatose múltipla, metástases e apresentação multifocal do carcinoma de células renais. Referências bibliográficas 1.Sheth S, Ali S e Fishman E. Imaging of Renal Lymphoma: Patterns of Disease with Pathologic Correlation. RadioGraphics 2006; 26:1151–1168. 2.Urban B e Fishman E. Renal Lymphoma: CT patterns with emphasis on Helical CT. Radiographics 2000; 20:197- 212. 3 Caderno 2 São Paulo | MAIO | 2008 Caso 3 • História clínica Identificação: P.D, masculino, 37 anos, natural de Patrocínio (MG), funcionário público. Figura 1 – Radiografia AP de bacia mostra lesão lítica permeativa com textura óssea heterogênea Figura 2 – TC pelve, janela óssea, revela agressividade de lesão, com ruptura da cortical óssea e massa de partes moles Figura 3 – TC pelve, mesmo corte da figura 2 com janela de partes moles, demonstra grande componente de partes moles HDA: Há três meses abriu quadro de dor lombar com irradiação para membro inferior direito(MID). Nos últimos 30 dias, houve piora da dor e limitação de movimentação do MID. Nega trauma. Relata febre não aferida. Exame físico: Bom estado geral, com sinal de Lasegue presente no MID. Figura 4 – TC pelve evidencia natureza indeterminada da matriz da lesão Figura 5 – Lesão se apresenta com discreto hipossinal nas sequências de RM ponderadas em T1. Perceba a extensão da lesão para musculatura paravertebral Figura 6 – Nesse corte de RM, com ponderação em TR longo, massa possui hiperssinal heterogêneo, com focos lineares de hipossinal intralesional Encaminhado para investigação de “hérnia de disco lombar”, após refratariedade de tratamento analgésico. Caso 4 • História clínica Paciente feminino, 73 anos, natural e procedente da Bahia, do lar, procurou atendimento médico com queixa de dor e aumento do tamanho do membro superior direito há três meses, com piora progressiva, seguidos de aparecimento de nodulações indolores no pescoço e axila ipsilaterais. Figuras 1 e 2 – TC de pescoço (figura 1) e tórax (figura 2) com contraste demonstra imagens nodulares isodensas conglomeradas, ocupando as cadeias jugulocarotídea e supra-clavicular direitas, compatíveis com linfonodomegalia, estendendo-se para a região axilar direita. Não há linfonodomegalia mediastinal Figuras 3 e 4 – RM de plexo braquial, coronal T1 pré (figura 3) e pós-contraste (figura 4), proporciona uma avaliação panorâmica do acometimento linfonodal, isointenso à musculatura, que se estende pela parede torácica lateral direita até o nível do diafragma. Há realce intenso e heterogêneo pela massa axilar, destacando-se área caudal da lesão que não apresenta realce, podendo corresponder à área de necrose Figura 5 – RM de plexo braquial, axial T2. A massa axilar desloca e oblitera parcialmente os vasos axilares. Há aumento da espessura e hipersinal do tecido subcutâneo compatíveis com acentuado edema do membro superior direito Figura 6 – RM de braço direito, coronal T1 póscontraste. O tumor tem comportamento agressivo nesta região, evidenciado através da invasão dos planos musculares braquiais, que apresentam aumento de volume e realce heterogêneo 4 Jornal da Imagem São Paulo | MAIO | 2009 Caso 3 Autor: Dr. Patrick Nunes Pereira, residente da Unicamp Linfoma ósseo de grandes células anaplásicas Diagnóstico Linfoma ósseo de grandes células anaplásicas. Discussão Linfoma ósseo primário é uma rara patologia neoplásica, sendo responsável por cerca de 3% das malignidades ósseas. Possui ampla faixa etária de incidência, desde a segunda até sétima década de vida, com predileção pelo sexo masculino. Há os subtipos linfoma de Hodgkin e Não-Hodgkin, sendo o último o tipo mais comum. Os sítios mais frequentes de acometimento são a região metafisária do femur, tíbia, bacia, coluna vertebral e arcos costais. Quadro clínico é amplo, desde pacientes assintomáticos, sintomas regionais (dor, massa palpável) Caso 4 até sintomas sistêmicos (febre e emagrecimento). Relata-se que a desproporção entre doença extensa regional e bom estado geral sugeriria esse diagnóstico. Sua apresentação imaginológica é variável: Na radiografia simples há uma variedade esclerótica, principalmente na coluna (“vértebra em marfim”); outro padrão de lesão lítica permeativa ou moteado; ou se manifestar puramente com heterogeneidade da textura óssea. Em praticamente todos os casos, o acometimento de partes moles é comum e extensa, com reação periosteal agressiva. Pode haver também implante secundário na medula óssea (ausente no caso em questão). A TC pode evidenciar ruptura da cortical óssea, estima o compo- nente de partes moles e pode detectar os casos de sequestro ósseo, presente em até 11% dos casos e orientar a biopsia. O melhor método é RM, que caracteriza adequadamente a invasão de partes moles e possibilita avaliar infiltração medular. Possui hipossinal nas sequências em T1 e hiperssinal heterogêneo nas sequências ponderadas em TR longo, com captação significativa pelo meio de contraste paramagnético. Quando há invasão da medula óssea, há hiperssinal medular nas sequências com supressão de gordura, traduzindo a disseminação linfomatosa. Os diagnósticos diferenciais incluem doença metastática, osteosarcoma, linfoma ósseo secundário, fibro-histiocitoma maligno e doença de Paget. A presença de lesão óssea lítica permeativa, solitária, metadiafisária num paciente com mais de 30 anos, com reação periosteal agressiva e grande componente de partes moles favorece o diagnóstico de linfoma ósseo primário. A invasão da medula óssea e pouca destruição cortical favorecem ainda mais o diagnóstico. Referências bibliográficas 1.Krishnan A, Shirkhoda A, Tehranzadeh J, Armin A, Irwin R, MD e Les K. Primary Bone Lymphoma: Radiographic–MR Imaging Correlation. RadioGraphics 2003; 23:1371–1387. WC Phillips, SV 2.Greenspan A, Jundt G e Remagen. Differential Diagnosis in Othopaedic Oncology. LWW 2007: capítulo 5. Autores: Dra. Renata de Oliveira e Silva e Drs. Nathanael Pinheiro, Leonardo Sugawara, Artur da Rocha Corrêa Fernandes e Marcello Franco, da Unifesp/EPM Linfoma não-hodgkin de grandes células B Diagnóstico Linfoma não-hodgkin de grandes células B. Discussão Ao interrogatório complementar referia parestesias nos dedos da mão direita, perda de peso não aferida e astenia, negava febre. Apresenta antecedentes patológicos de tabagismo (fumo de corda) e hipertensão arterial sistêmica controlada com medicamentos (AAS, metildopa, propranolol e HCTZ). Possui antecedente familiar de neoplasia de pescoço não especificada (irmão). Ao exame físico observou-se extensa massa pétrea, sem sinais flogísticos, na região cervical direita estendendo-se para parede torácica lateral, axila e face medial do braço ipsilaterais. Além disso, apresentava um edema de 3+/4 no membro superior direito (MSD), com sinais flogísticos, limitação do movimento deste membro e parestesias nos dedos da mão direita. A complementação diagnóstica revelou discreta anemia, PCR aumentada, ausência de sinais de trombose venosa ao US Doppler do MSD. O estudo tomográfico do pescoço e tórax demonstrou extensa linfonodomegalia cervical e axilar direitas, confluentes e que se estendiam caudalmente pela parede torácica lateral e face medial do braço direito, sem comprometimento intratorácico ou do lado contra lateral, associado à acentuado edema do MSD. A ressonância magnética mostrou o envolvimento do plexo braquial e do suprimento e drenagem vasculares do MSD pela formação expansiva lobulada (linfonodal confluente), que apresentava algumas áreas internas de necrose. Foi realizada a biópsia da lesão, que confirmou o diagnóstico de linfoma não Hodgkin de grandes células B. O linfoma não Hodgkin de grandes células B é um dos tipos mais comuns de linfoma não Hodgkin e ocorre preferencialmente em pacien- tes mais idosos (idade média de 65 anos). O sintoma mais frequentes é o de massa (usualmente tecido linfonodal) com crescimento rápido, sendo um em cada três destes linfomas confinado a uma parte do corpo (i.e. localizado) e, nestes casos, há maior chance de cura. Apesar de se tratar de um tumor de crescimento rápido, apresenta boa resposta ao tratamento quimioterápico. Em geral, três em quatro pessoas não apresentarão sinais da doença após o início do tratamento e cerca de 50% estarão curadas com a terapia. Referência • American Cancer Society.