Trabalhar Em Conjunto Para Parar O Tráfico
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Trabalhar Em Conjunto Para Parar O Tráfico
Comissão Nacional Justiça e Paz Declaração das Comissões Europeias Justiça e Paz Trabalhar Em Conjunto Para Parar O Tráfico Humano Requer-se urgentemente uma acção coordenada dos governos, se queremos parar com o crescente problema do tráfico de seres humanos. Trata-se de um fenómeno mundialmente disseminado, que envolve um vasto leque de violações dos direitos do indivíduo, nomeadamente: exploração sexual, trabalho forçado ou formas de escravatura, tais como, exploração através da mendicidade ou servidão doméstica e roubo de órgãos para fins comerciais. Apesar da natureza escondida deste crime, que cruza nações e continentes, dificultar o chegar a um número preciso do volume de vítimas, as estimativas da UNESCO para o ano de 2007 apontam entre 500 000 a 2 milhões1. O limite superior desta escala corresponde aos dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que estima, num dado momento, que cerca de 2,45 milhões de mulheres, homens e crianças são vítimas do tráfico humano, no mundo. Enquanto cerca de 43 por cento deste total, sobretudo mulheres mas, também, homens e crianças, foram traficados para exploração sexual, 32 por cento foram objecto de exploração laboral na agricultura, no trabalho doméstico e em fábricas ou oficinas em que as condições de trabalho são extremamente gravosas, e 25 por cento numa combinação das duas. O número de pessoas envolvidas em trabalho forçado a nível mundial é estimado em 12,3 milhões e aproximadamente 50 por cento de todas as vítimas de tráfico são menores de 18 anos2. Este é um crime que afecta todas as nações, enquanto fonte, trânsito ou destino, ou uma combinação destas categorias. Os factores que explicam que adultos e crianças sejam vítimas dos traficantes são muitos e complexos. Alguns foram enganados, atraídos para outras nações ou centros urbanos nos seus próprios países, com a promessa de empregos. À chegada, foram-lhes retirados os seus documentos e presos, e muitos outros sofreram violências às mãos dos traficantes. Particularmente vulneráveis são aqueles indivíduos que, conscientes dos riscos, permitiram-se ser “contrabandeados” através das fronteiras, porque não lhes era permitido entrar legalmente nos países de destino3. Outros factores adicionais explicativos são os conflitos violentos. As consequências do Tráfico Humano não são apenas devastadoras para as vítimas, mas são danosas para a sociedade como um todo. Segundo o Papa João Paulo II este comércio de seres humanos constitui uma ofensa chocante contra a dignidade humana 1 UNESCO, Trafficking Statistics Database, Data comparisons sheet # 1,www.unescobkk.org. Fighting Human Trafficking: The Forced Labor Dimension – ILO background paper for the Vienna Forum on Human Trafficking, 13-15 February 2008. 3 Trafficking in Persons Report – released by the U.S. Department of State’s Office to Monitor and Combat Trafficking in Person, on June 4, 2008. 2 Quinta do Cabeço, Porta D - 1885-076 Moscavide – Tel: 218 855 480 www.ecclesia.pt/cnjp ● E-mail: [email protected] 1 Comissão Nacional Justiça e Paz e uma grave violação dos direitos humanos fundamentais4.Disse ainda que já o Concílio Vaticano II (1962-65) apontava para a escravatura, a prostituição, a venda de mulheres e crianças, e as condições de trabalho indignas em que as pessoas eram tratadas como instrumentos de ganho e não como pessoas livres e responsáveis, como “infâmias” que “envenenam a sociedade humana, aviltam os seus perpetradores” e constituem “uma suprema desonra para o Criador”5. Tais situações são uma afronta aos valores fundamentais, partilhados por todas as culturas e povos, valores enraizados na natureza humana. O crime do Tráfico de Seres Humanos não pode assim ser ignorado e pede uma resposta imediata, coerente e integral. Esta deveria tomar em conta não só os interesses da vítima, mas também o justo castigo dos que beneficiam dele. Deveria ainda incluir a introdução de medidas preventivas, tais como, por um lado, crescente consciência e conhecimento e, por outro lado, medidas que têm a ver com as causas profundas do fenómeno, entre as quais aparecem, em primeiro lugar, a situação macroeconómica e as suas consequentes desigualdades6. Embora só a pobreza não pode explicar esta tragédia, que é conduzida por recrutadores fraudulentos, empregadores e funcionários corruptos, que procuram rapinar lucros ilegais do desespero7 de outros, não podemos evitar uma análise dos factores que produzem este desespero, designadamente a pobreza e a privação existente em muitas nações do mundo e a ausência de canais legais para os nativos desses países entrarem noutros estados para trabalhar. Reconhecendo que o crime do Tráfico Humano representa uma violação séria dos direitos dos indivíduos e uma afronta à dignidade da pessoa humana, a Conferência das Comissões Europeias Justiça e Paz compromete-se a combater este crime em todas as suas formas, incluindo o trabalho forçado, a exploração sexual, a escravatura e a remoção ilegal de órgãos. Com esta finalidade, apelamos aos países e governos da Europa a: • Ratificarem a Convenção Europeia contra o Tráfico de Seres Humanos (CETSno.197). Esta convenção entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 2008. 4 Papa João Paulo II – Carta ao Arcebispo Jean-Louis Tauran, pela ocasião da conferência internacional “21st. Century Slavery – The Human Rights Dimension to Trafficking in Human Beings”, 15 de Maio de 2002. 5 Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 27 6 Discurso da Santa Sé ao Fórum de Viena da Luta contra o Tráfico de Seres Humanos – Arcebispo Agostinho Marchetto, Secretário do Conselho Pontifício para os Migrantes e Itinerantes. 7 A Caritas Europa definiu o “ Contrabando de Migrantes” como “a intervenção, com vista a obter, directa ou indirectamente, um lucro financeiro ou outro, da entrada ilegal de pessoas num Estado de que as pessoas não são nacionais ou residentes permanentes “. Fórum Migrações da Caritas Europa, 8-10 Novembro 2001. Quinta do Cabeço, Porta D - 1885-076 Moscavide – Tel: 218 855 480 www.ecclesia.pt/cnjp ● E-mail: [email protected] 2 Comissão Nacional Justiça e Paz • • • • Mas, ainda que tenha sido assinada por 40 dos 47 membros do Conselho da Europa, só foi ratificada por 19 deles8. Trabalhar em conjunto para a implementação de todas as medidas fornecidas pela Convenção do Conselho da Europa, bem como as do Protocolo das Nações Unidas para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças (2000). As clausulas da Convenção e do Protocolo, combinadas com as protecções relevantes incluídas noutras convenções – tais como a proibição de ganhos financeiros com o tráfico de órgãos do art. 22 do Protocolo Adicional da Convenção sobre Direitos Humanos e Bio-medicina no Transplante de Órgãos e Tecidos de Origem Humana (que entrou em vigor em 2001) – fornecem um quadro legal internacional para responder a este problema. Lutar para um maior progresso para se alcançarem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, estabelecidos pelas Nações Unidas, e honrar os nossos compromissos na área da ajuda internacional. Esta é a forma de responder às causas profundas do tráfico de seres humanos, entre as quais estão a falta de desenvolvimento em largas regiões do mundo, a pobreza e o crescente desespero em encarar o futuro. Reconhecer que os migrantes contribuem para o desenvolvimento dos seus países de destino, e que as suas remessas jogam um papel económico substancial no bem-estar das famílias dos países de origem9. Elevar o estatuto dos migrantes nos nossos países europeus é uma das maneiras de assegurar que a exploração laboral seja removida. Tal inclui que os migrantes sejam pagos com salários justos elo trabalho que desempenham nos nossos países. Dar aos migrantes um acolhimento caloroso e humano, de acordo com as obrigações do acolhimento ao estrangeiro, expresso na Mensagem do Evangelho e o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Reconhecer que temos a obrigação moral de denunciar a “procura” nos países de destino, que está a alimentar o mercado para o tráfico de seres humanos. Tal inclui tanto a procura de trabalho barato como a de “serviços sexuais”. Para as organizações de negócios, de empregadores e de trabalhadores, isto significa, entre outras coisas: colocar as questões do trabalho forçado e do tráfico nas negociações e acordos bilaterais e tripartidos; promover apoio político e material às organizações sindicais para o desenvolvimento de políticas contra o trabalho forçado; monitorizar as agências de emprego, bem 8 A Convenção foi ratificada por Albânia, Arménia, Áustria, Bósnia-Herzegovina, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia e Eslováquia. Foi também assinada, mas não ratificada pelos seguintes estados: Andorra, Bélgica, Finlândia, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, San Marino, Sérvia, Eslovénia, Espanha, Suécia, SUIÇA, “ A ANTIGA república Jugoslava da Macedónia”, Ucrânia e Reino Unido. (Informação da Homepage da Acção Contra o Tráfico de Seres humanos do Conselho da Europa). 9 Joint Declaration by SECAM and CCEE – Symposium of Episcopal Conferences of Africa and Madagascar (SECAM ) and the Council of European Bishops’ Conferences (CCEE) in Elmina; Ghana, 13-18 November 2007 Quinta do Cabeço, Porta D - 1885-076 Moscavide – Tel: 218 855 480 www.ecclesia.pt/cnjp ● E-mail: [email protected] 3 Comissão Nacional Justiça e Paz • como as empresas, incluindo os seus fornecedores, para detectarem e combaterem o trabalho forçado e as práticas de tráfico; alcançar e dar apoio directo aos trabalhadores migrantes em risco, informais e não protegidos, para resolverem as suas situações e necessidades específicas, inclusivamente através da sua integração nos sindicatos10. Reconhecer as nossas obrigações para cuidar das muitas necessidades das vítimas do tráfico humano – tais como o acesso ao tratamento médico, aconselhamento e apoio psicológico, assistência legal e criação de sistemas de pagamentos – em todos os estados da sua recuperação. A concessão de uma tal assistência não deve ser condicionada à participação da vítima nos processos criminais contra os alegados traficantes. Como o Papa Bento XVI declarou na sua recente encíclica sobre a esperança: A verdadeira medida da humanidade é essencialmente determinada em relação ao sofrimento e ao sofredor. Isto é verdade tanto para o indivíduo como para a sociedade11. Tem sido sugerido que os sistemas de pagamento sejam financiados pela confiscação dos lucros e activos ganhos pelos traficantes, através das suas actividades criminosas12. Para que este objectivo possa ser realizado será necessária maior cooperação entre Estados na área da acusação dos traficantes. Esta Declaração foi adoptada pela Assembleia-geral da Conferência das Comissões Europeias Justiça e Paz em Belgrado, Servia, em 30 de Setembro de 2008. 4 Associaram-se à Comissão Nacional Justiça e Paz de Portugal as seguintes organizações: Capelania da Comunidade Brasileira Cáritas Portuguesa CAVITP - Comissão de Apoio às Vítimas do Tráfico de Pessoas Comissão Justiça e Paz dos Institutos Religiosos Portugueses Irmãs Adoradoras Escravas do Santíssimo Sacramento e da Caridade Irmãs Missionárias Combonianas JRS – Serviço Jesuíta de Apoio aos Refugiados LOC/MTC – Liga Operária Católica OCPM – Obra Católica Portuguesa de Migrações 10 Fighting Human Trafficking: The Forced Labor Dimensions. Carta Pastoral Spe Salvi, 38. 12 Holy See Address to the Vienna Fórum to Fight Human Trafficking. 11 Quinta do Cabeço, Porta D - 1885-076 Moscavide – Tel: 218 855 480 www.ecclesia.pt/cnjp ● E-mail: [email protected]