Contrato de seguro e boa fé - Tribunal da Relação de Lisboa

Transcrição

Contrato de seguro e boa fé - Tribunal da Relação de Lisboa
JOSÉ VÍTOR DOS SANTOS AMARAL
JUIZ AUXILIAR NA RELAÇÃO DE LISBOA
CONTRATO DE SEGURO E BOA FÉ
Texto correspondente, com pontuais alterações, a
Dissertação de Mestrado na Área de Especialização de
Direito Civil apresentada na Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, em 2010.
A Sabedoria “... é mais bela do que o sol, supera o
conjunto dos astros, comparada à luz do dia
ela vence”.
LIVRO DA SABEDORIA, 7, 29
À Conceição,
ao Rafael e à Maria.
A minha Mãe.
À memória de meu Pai.
AGRADECIMENTOS
Devo expressar, em primeiro lugar, o meu reconhecimento ao Conselho
Superior da Magistratura e ao Ministério da Justiça pelo tempo que me foi
concedido de equiparação a bolseiro no País.
Não posso também deixar de agradecer ao Tribunal da Relação de Coimbra o
acesso concedido à respectiva biblioteca.
Devo igualmente uma palavra de agradecimento à Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, onde obtive a minha formação jurídica académica, ao
longo da Licenciatura e do Curso de Mestrado, sendo justo salientar, neste âmbito, o
Professor Doutor Joaquim de Sousa Ribeiro e o Professor Doutor Filipe
Albuquerque Matos, pelo seu ensino e disponibilidade.
É justo exprimir ainda um especial agradecimento ao meu orientador de
dissertação e coordenador do Curso de Mestrado, Professor Doutor Filipe
Albuquerque Matos, pela ajuda e acompanhamento que sempre me concedeu.
À minha família agradeço a compreensão e o apoio nunca negados, apesar dos
sacrifícios que a elaboração deste trabalho implicou.
SIGLAS E ABREVIATURAS
Ac
- Acórdão
art.
- artigo
BFD
- Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
BGH
- Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal)
BMJ
- Boletim do Ministério da Justiça
CC
- Código Civil
CCom - Código Comercial
CE
- Comunidade Europeia
CEst
- Código da Estrada
CJ
- Colectânea de Jurisprudência
CJ-STJ - Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
CPC
- Código de Processo Civil
CRPort - Constituição da República Portuguesa
DR
- Diário da República
FDUC - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
FGA
- Fundo de Garantia Automóvel
JOCE
- Jornal Oficial das Comunidades Europeias
LCCG - Lei das Cláusulas Contratuais Gerais
LDC
- Lei de Defesa dos Consumidores
LSOA - Lei do Seguro Obrigatório Automóvel
Proc.
- Processo
RFDUL - Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
RJCS
- Regime Jurídico do Contrato de Seguro
RLJ
- Revista de Legislação e Jurisprudência
ROA
- Revista da Ordem dos Advogados
STJ
- Supremo Tribunal de Justiça
TConst - Tribunal Constitucional
vi
TJCE
- Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
TRC
- Tribunal da Relação de Coimbra
TRP
- Tribunal da Relação do Porto
UE
- União Europeia
INTRODUÇÃO
É bem conhecida a importância do contrato de seguro. Com origens que
se perdem na bruma da História da civilização, os seguros cedo se assumiram
como um fundamental instrumento na vida económico-social, não surpreendendo que se tornassem, ante a sua importância prática, objecto de regulamentação específica desde há vários séculos, também em Portugal, país que
tem, aliás, relevante tradição nesta matéria.
A importância do sector dos seguros não se mitigou com o passar do
tempo, assumindo-se, ao invés, o contrato de seguro, nas suas múltiplas
vertentes, neste início do séc. XXI, como um meio imprescindível nas relações de mercado – estabelecidas já à escala global – e apresentando-se o
sector dos seguros como um importante pilar da economia dos diversos
países (1), designadamente da portuguesa (2).
Efectivamente, com a massificação do uso da informática e, especialmente, da Internet, e com os meios propiciados pelo comércio electrónico (3),
(1) A produção da actividade seguradora mundial encontra-se fortemente concentrada,
ocupando a Europa Ocidental o 1.º lugar por grandes regiões geográficas, com uma quota de
mercado mundial que correspondeu a 41,1% em 2008, apresentando índices de penetração
(Prémios/PIB) de 8,3% nesse ano e ocupando Portugal, no seio da UE, a 14.ª posição.
Porém, considerando o índice de penetração, Portugal (com 9,2% em 2008) atingiu a 7.ª
posição do ranking deste índice de mercado da UE e a 10.ª posição mundial – dados do Relatório do sector segurador e fundos de pensões/ano 2008, do ISP, www.isp.pt (consultado, tal
como todos os sites doravante citados, em Março de 2010).
(2) Como refere MARTINS, J. VALENTE – Contrato de seguro, notas práticas, Quid
Juris, Lisboa, 2006, p. 11 –, o sector dos seguros já representava em Portugal no ano de 2004
mais de 7% do produto interno bruto. No nosso País, em termos totais, em 2008 ocorreu um
crescimento na produção das empresas de seguros de 12,2%, cifrando-se em cerca de 15 mil
milhões de euros (cfr. Relatório do sector segurador…, cit.).
(3) Sobre comércio electrónico pode ver-se, entre outros, CORDEIRO, A. MENEZES,
Manual de direito comercial, Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 2007, ps. 534 e ss., bem como,
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é possível, com um simples clic, proceder à realização dos mais diversos
contratos, designadamente tendo por objecto serviços financeiros (4), em
qualquer parte do nosso país ou mesmo, em muitos casos, do mundo, tornado
já uma virtual aldeia global (5). No campo contratual dos seguros – fala-se
num mercado dos seguros (6) – a celebração dos contratos é, além disso,
comummente efectuada através da adopção de esquemas negociais de (mera)
adesão do tomador do seguro a cláusulas contratuais pré-formuladas (denominadas “condições”) e, assim, veiculadas pelos seguradores.
Esta massificação, de meios e de dispositivos contratuais, ocorrida
também quanto à celebração de contratos de seguro, alguns deles tornados
contratos obrigatórios – como é o caso do seguro obrigatório automóvel, com
a sua inerente dimensão de imperatividade legal –, logo deixa antever, igualmente, que a este domínio não é alheia a problemática dos contratos com
consumidores, onde se fazem sentir necessidades específicas de protecção
destes, bem como exigências de transparência nas relações contratuais.
A par dessa importância prática, é também conhecida a relevância
técnico-jurídica do contrato de seguro. Se, assim, no domínio legal se assiste
ao aparecimento de novos diplomas de relevância fundamental no campo dos
seguros, seja em geral, como é o caso do recente RJCS (7), seja no campo em
especial do seguro obrigatório automóvel, com o também ainda recente
Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, aprovado pela LSOA (8), também não é menos certo que a doutrina e
quanto a contratação de seguros, ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato de seguro, Estudos,
Coimbra Editora, Coimbra, 2009, ps. 39 e ss..
(4) Cfr., quanto a contratos de seguro celebrados à distância, SILVA, J. CALVÃO, Banca,
bolsa e seguros, tomo I, Almedina, Coimbra, 2005, ps. 67 e ss., e ALVES, P. RIBEIRO, Contrato de seguro à distância, o contrato electrónico, Almedina, Coimbra, 2009, ps. 137 e ss..
(5) Quanto à noção de globalização, cfr. ALARCÃO, RUI DE, Globalização, democracia
e direito do consumidor, in: Estudos de Direito do Consumidor, Centro de Direito do Consumo, n.º 8, 2006/2007, ps. 17 e ss.. Chamando, por sua vez, a atenção para a visão ilusória
da “aldeia planetária”, sem prejuízo, porém, da efectiva existência de um mercado virtual
mundial cibernético, cfr. SILVA, J. CALVÃO, Banca, bolsa…, cit., ps. 67 e s..
(6) E, no espaço da UE, alude-se ao mercado único europeu dos seguros.
(7) O Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL n.º 72/2008,
de 16 de Abril, entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2009.
(8) Este regime foi aprovado pelo DL n.º 291/2007, de 21-08 (LSOA), com entrada em
vigor em 21 de Outubro de 2007.
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a jurisprudência se têm vindo a debruçar sobre temas do universo jurídico dos
seguros, parecendo que mais se debruçarão no futuro, ante, não só a aludida
relevância de novos diplomas legais, sobretudo aquele RJCS, que veio
responder a uma necessidade antiga de tratamento legal sistemático e global
do contrato de seguro – de há muito era reclamado em Portugal um Código
dos Seguros (9) –, mas também face à grande importância económico-social
do sector dos seguros.
Acresce a incidência neste âmbito contratual de diplomas legais de
importância civilística indiscutível, como a legislação reguladora dos contratos de adesão ou do Direito dos consumidores – como os consumidores dos
denominados seguros de riscos de massa (10), entre eles o seguro obrigatório
automóvel.
Estamos, pois, na perspectiva que aqui importa, no campo contratual,
onde por excelência o princípio da liberdade contratual, decorrente da ideia
de autonomia privada (11), enraizada esta no valor da autodeterminação individual e na própria dignidade da pessoa humana, desempenha o seu imprescindível papel conformador, sendo que a própria noção de contrato e o
decorrente Direito dos contratos nos surgem como realidades em devir,
(9) A necessidade de um “Código dos Seguros”era já sentida na “década de 20” do séc.
XX – cfr. preâmbulo do Decreto n.º 17.555, de 05/11/1929.
(10) É conhecida a distinção entre seguros de grandes riscos e seguros de riscos de
massa. Os primeiros englobam os ramos Veículos ferroviários, Aeronaves, Embarcações
marítimas, lacustres e fluviais, Mercadorias transportadas, Responsabilidade civil de
aeronaves e Responsabilidade civil de embarcações marítimas, lacustres e fluviais, bem
como certos seguros dos ramos Crédito e Caução, os ramos Veículos terrestres, Incêndio e
elementos da natureza, Outros danos em coisas, Responsabilidade civil de veículos terrestres,
Responsabilidade civil geral e Perdas pecuniárias diversas, desde que o tomador do seguro
exceda certos montantes objectivos de total de balanço, de volume de negócios ou de número
de empregados durante o último exercício, nos termos do art. 2.º, n.º 4, do DL n.º 94-B/98,
de 17-04. Os seguros de riscos de massa serão, por sua vez, todos os demais, “… os que não
possam ser classificados como grandes riscos” – cfr., VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro,
Coimbra Editora, Coimbra, 1999, ps. 99 e 101.
Daí que o contrato de seguro obrigatório automóvel corresponda à categoria dos
contratos de riscos de massa. Como refere YVONNE LAMBERT-FAIVRE, o seguro automóvel
é, com o seguro multi-riscos habitação, precisamente o típico seguro de massa – cfr. Droit
des assurances, Paris, Dalloz, 10.ª ed., 1998, p. 513.
(11) Cfr., sobre o tema, PINTO, C. A. MOTA, Teoria geral do direito civil, 2.ª ed.,
Coimbra Editora, Coimbra, 1983, ps. 42 e ss. e 88 e ss..
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com as suas tendenciais colorações próprias, ao longo dos tempos e
na actualidade.
Mas os diversos sectores e ramos do Direito não vivem isolados entre si,
antes fazendo parte – assim o formando – de um sistema jurídico global, o
qual se afirma como um sistema normativo aberto, dotado de unidade de
sentido e materialidade intencional, uma ordem jurídica portadora de densidade valorativa para resolver os casos da vida e, assim, axiologicamente
estabelecida e orientada (12).
Tal sistema, que transcende os conceitos de que se serve e os interesses
que visa ordenar, é um sistema de Direito material – não meramente formal –, direccionado para a realização do valor da Justiça no tecido social
concreto, para o que se tem de deixar permeabilizar por valores e decorrentes
princípios jurídicos, a começar pelos mais fundamentais, à luz dos quais todo
o ordenamento vê atingida, para além da sua unidade interior, a sua
necessária legitimação (13).
Tais valores essenciais e princípios normativos, conferindo unidade e
materialidade normativa ao sistema, não podem, pois, deixar de ser
considerados em qualquer ramo do Direito, e também, por consequência, no
âmbito do Direito dos seguros, sem o que não seria possível discernir a razão
de ser das normas jurídicas respectivas – a ratio legis e, a mais disso, a
própria ratio iuris, essenciais em sede interpretativa (14) – e, bem assim,
aplicá-las adequadamente às situações concretas que visam regular.
A ideia de sistema e de valores e princípios jurídicos que o enformam
conduz-nos, desde logo, à matriz constitucional, ao conteúdo da Lei
(12) Cfr. NEVES, A. CASTANHEIRA, Relatório – Curso de introdução ao estudo do
direito, polic., Coimbra, 1976, ps. 7 e ss., 39 e ss. e 75 e ss.., e BRONZE, F. JOSÉ, Lições de
introdução ao direito, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, ps. 77 e ss. e 169 e ss..
(13) Sobre o conceito de sistema jurídico pode ver-se CANARIS, CLAUS-WILHELM,
Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, 4.ª ed., Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2008. Este Autor define o sistema jurídico como uma ordem
axiológica ou teleológica de princípios jurídicos gerais, referenciado às ideias de adequação
valorativa e unidade interior (op. cit., ps. 103 e 280). Sobre a dimensão de legitimação, cfr.
MACHADO, BAPTISTA, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Almedina, Coimbra,
1983, mormente p. 123.
(14) Cfr., por todos, CANARIS, op. cit., ps. 159 e ss., e MACHADO, BAPTISTA, op. cit.,
ps. 181 e ss..
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Fundamental, como topo da pirâmide normativa, na sua incidência sobre o
Direito dos contratos, pois que “a Constituição, com a eficácia preceptiva que
lhe é própria”, incide sobre “as instituições que amoldam a vida dos homens
em comum”, nenhum ramo do Direito ficando imune “à irradiação dos seus
comandos” (15).
E aí deparamo-nos com o basilar princípio da autonomia privada, como
autodeterminação na própria esfera jurídica, que se concretiza no princípio da
liberdade contratual, afirmando-se a celebração de contratos civis como “uma
forma de exercício da liberdade” (16), com consagração constitucional
(cfr. arts. 61.º e 26.º, n.º 1, da CRPort) e na lei civil (art. 405.º do CC).
Mas a ideia de autodeterminação pessoal, com os seus corolários da
autonomia privada e da liberdade contratual, verdadeira chave do paradigma
contratual em que se alicerça o nosso Direito dos contratos (17), não se quer
incondicionada, pois que, se exercida sem limites, sempre acabaria por levar,
no concreto, a excessos ou a práticas abusivas (18).
Se o contrato se assume, pois, como um mecanismo essencial de ordenação e conformação no âmbito das relações económico-sociais privadas,
sendo veículo privilegiado do princípio da liberdade contratual, seguro é
também, já por outro lado, que se tornou necessário, ao longo do século
passado, um esquema ordenado e ordenador de limites a tal princípio (19), por
forma a definir o seu exacto lugar e sentido no quadro de princípios que se
conjugam e entrecruzam nesta matéria.
Tal tarefa de delimitação cabe ao legislador ordinário, que não hesita,
em certos locais do sistema, em recorrer a uma malha, mais ou menos
(15) Cfr. RIBEIRO, J. SOUSA, Direito dos contratos, Estudos, Coimbra Editora, Coimbra,
2007, p. 7.
(16) Cfr. RIBEIRO, SOUSA, op. cit., p. 22.
(17) Cfr. RIBEIRO, SOUSA, O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o
problema da liberdade contratual, Almedina, Coimbra, 2003, ps. 21 e ss..
(18) Cfr. DRAY, G. MACHADO, Breves notas sobre o ideal de justiça contratual e a
tutela do contraente débil, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio
Galvão Telles, vol. I, Almedina, Coimbra, 2002, ps. 76 e s..
(19) No séc. XX assistiu-se a um paulatino estabelecer de limites à liberdade contratual.
Sinal marcante disso foi o eclodir dos seguros obrigatórios, entre eles o seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel. Para trás ficava, assim, a irrestrita visão de uma liberdade
contratual sem limites postulada pelo liberalismo do séc. XIX.
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apertada, de limites legais estritos, designadamente tendo em vista a protecção da parte contratual considerada tipicamente débil (20). Neste tipo de
conformação legal cabe, nomeadamente, a LCCG (21) e a LDC (22): visa-se,
com efeito, a protecção da parte considerada tipicamente débil e, por isso,
carecida de uma específica tutela legal, no primeiro caso o aderente, no
último o consumidor (23).
Daqui se infere a importância das normas jurídicas de natureza
imperativa como veículo da intencionalidade impositiva (ou de tipicidade,
no sentido aqui de imperatividade) do legislador ordinário, visando, por
esta via, o estabelecimento de um programa protectivo, no seio do contrato,
da parte considerada tipicamente débil e, por isso, mais carecida de tutela,
o que constitui clara limitação legal à liberdade contratual, a qual tem
que ceder, até certo ponto, nos âmbitos de intervenção legal escolhidos,
perante outros valores e inerentes exigências, também considerados relevantes, na espécie os que determinam a necessidade de procura de reposição da parificação mínima exigível de poderes contratuais entre as partes
e, assim, de obtenção material de uma maior Justiça contratual, mediante,
pois, a reposição, considerada necessária, do equilíbrio negocial entre
tais partes.
Ora, na esfera específica do contrato de seguro, como contrato nominado
e típico que é, também se surpreende, embora sem pôr em causa, obviamente,
o predomínio do princípio da liberdade contratual (cfr. art. 11.º do RJCS), um
amplo âmbito de normação legal imperativa. Daí a nota da tipicidade,
profundamente impressa no RJCS, agora já no sentido de um espaço definido
objecto de imperatividade legal – complexo de normas de cariz impositivo,
(20) É o que ocorre com os chamados regimes legais vinculísticos, como é exemplo a
legislação do contrato de arrendamento urbano (visando a protecção do arrendatário) ou do
contrato individual de trabalho (visando a protecção do trabalhador).
(21) A disciplina legal sobre cláusulas contratuais gerais (LCCG) consta do
DL n.º 446/85, de 25-10, alterado pelo DL n.º 220/95, de 31-08, e pelo DL n.º 249/99,
de 07-07.
(22) A disciplina legal sobre os direitos dos consumidores (LDC) consta da Lei
n.º 24/96, de 31-07.
(23) Em causa estão razões que se prendem com a chamada ordem pública de protecção
(cfr., infra, Cap. VI).
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como tal limitador da liberdade contratual, focadas sobre um dado espaço
do contrato (24).
Os motivos de tais limitações à liberdade contratual prendem-se com a
prossecução pelo legislador de certos objectivos, por si estabelecidos, no
âmbito da ponderação, a que procede, de determinados interesses conflituantes, à luz dos valores e princípios básicos do sistema, os quais, por seu lado,
podem nem sempre convergir entre si, implicando um esforço de compatibilização e harmonização legal, quadro este em que são estabelecidas as opções
legais, mediante a eleição dos interesses a proteger e dos fins a atingir.
Ora, se em muitos casos o contrato de seguro em geral postula uma
relação bilateral – entre tomador ou segurado (25), de um lado, e segurador,
do outro –, nos seguros de responsabilidade civil, designadamente no seguro
obrigatório automóvel, por sua vez, deparamo-nos ainda com o interesse de
um terceiro, o lesado ou vítima. Por isso se pode falar nesta sede de uma
estrutura inter-relacional complexa, a esquematizar como estrutura relacional
triangular, considerando os diversos laços, e seus conteúdos obrigacionais,
que se estabelecem entre os sujeitos envolvidos, visando aquela imperatividade ora proteger o tomador do seguro ou o segurado, ora já os lesados,
não podendo esquecer-se a sempre presente – e cada vez mais intensa –
função social do seguro obrigatório automóvel, no contexto do chamado
movimento de socialização do risco e no confronto com uma actividade
perigosa, como o é a condução terrestre de veículos (26) (27).
(24) Sobre os significados do termo “tipicidade”, cfr. DUARTE, R. PINTO, Tipicidade e
atipicidade dos contratos, Almedina, Coimbra, 2000, p. 34, bem como VASCONCELOS,
P. PAIS, Contratos atípicos, Almedina, Coimbra, 1995, ps. 21 e ss..
Utilizamos o vocábulo “tipicidade” no sentido, não só de taxatividade, mas também de
imperatividade legal. Com efeito, as notas de imperatividade (absoluta ou relativa) ínsitas
nas normas de um determinado regime legal – por contraposição às normas de cariz
supletivo, dominadas pelo princípio da liberdade contratual – decorrem de previsão
normativa tipificada pelo legislador, como acontece no RJCS (cfr. arts. 11.º a 13.º), ou de
critério de aferição por aquele positivado. Neste sentido, pois, tipicidade corresponderá a
taxatividade e também a imperatividade legal.
(25) Casos há em que não ocorre coincidência entre tomador do seguro e segurado,
como se pode inferir, por exemplo, do disposto no art. 6.º, n.º 2, da LSOA – cfr., infra,
Cap. IV, 1..
(26) Cfr. RIBEIRO, SOUSA, O ónus da prova da culpa na responsabilidade civil por
acidentes de viação, in: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II
8
Já noutro plano, há que contar ainda com as limitações que, nas relações
entre segurador e tomador, a boa fé pode impor à actuação dos sujeitos
privados na sua esfera de liberdade contratual (28), no exercício de direitos e
no cumprimento de deveres, mormente, quanto ao que aqui importa, no
contexto daquela estrutura relacional de seguro obrigatório automóvel, tanto
mais que nos movimentamos no âmbito de figura contratual – o contrato de
seguro – umbilicalmente ligada à boa fé, sendo bem conhecida a sua caracterização como contrato fiduciário (29), cuja legislação específica não olvida,
logo por isso, as exigências normativas impostas pelo princípio da boa fé.
A boa fé objectiva projecta-se, desde logo, como norma comportamental, postulando um certo padrão de conduta – honesta, correcta e leal (30) –,
sobre o campo da relação de seguro, acompanhando as diversas fases do
desenvolvimento dessa relação contratual. Mas não pode esquecer-se o papel
de grande relevo conferido à boa fé no âmbito dos contratos de adesão e sua
legislação (31), o que, a par das exigências decorrentes de outros diplomas
normativos aplicáveis na nossa ordem jurídica, referentes às relações de
consumo e às exigências de transparência nas relações contratuais, conflui no
Iuridica, Coimbra, ps. 413 e ss., e MARCELINO, AMÉRICO, Acidentes de viação e responsabilidade civil, 9.ª ed., Livraria Petrony, Lisboa, p. 298. Em sentido diverso, cfr. o
Ac do STJ, de 17/11/2005, Proc. 04B4372 (PIRES DA ROSA), www.dgsi.pt/jstj.nsf.
(27) Também o segurador pode surgir, por vezes, como parte carecida de protecção
legal. É o que ocorre em matéria de declaração inicial do risco (cfr. arts. 24.º a 26.º do
RJCS). Porém, tal ocorre em termos não imperativos quanto a este. É que os arts. 24.º a 26.º
do RJCS são normas dotadas de imperatividade apenas relativa, como resulta do disposto no
art. 13.º, n.º 1, do mesmo RJCS, permitindo, pois, o estabelecimento convencional de um
regime mais favorável, mas tão-só no sentido do favor do tomador, segurado ou beneficiário,
e não do segurador, podendo aqui distinguir-se, assim, entre uma dimensão objecto da
protecção originária da norma (de sentido favorável ao segurador) e uma outra objecto da
protecção decorrente da imperatividade dessa norma (a favor da parte contrária).
(28) A boa fé apresenta-se como “um instituto civil susceptível de operar, sempre que
necessário, uma limitação da autonomia privada em nome do ideal de justiça contratual e do
equilíbrio negocial” – DRAY, G. MACHADO, op. cit., p. 97.
(29) O contrato de seguro é classicamente reconhecido como contrato uberrima bona
fides, isto é, contrato da máxima boa fé.
(30) Que se reporta ao recto agir, ao viver honesto, segundo o qual “cada um deve
actuar como pessoa de bem” (cfr. VASCONCELOS, P. PAIS, op. cit., p. 398).
(31) Fala-se mesmo, neste horizonte normativo, em “aplicação do princípio da boa fé
como instrumento de limitação e controlo da liberdade contratual” – RIBEIRO, SOUSA, Direito
dos Contratos…, cit., p. 277. Cfr., sobre o tema, infra, Cap. VII.
9
sentido da imposição de determinados parâmetros objectivos e limitações
com que a actuação dos seguradores, no exercício da liberdade contratual, se
tem necessariamente de conformar.
Porém, a boa fé, nesta sua vertente objectiva, vista como cláusula
geral (32) ou princípio normativo, carece, para ter virtualidade aplicativa, da
necessária concretização, o que demanda um inalienável esforço do
interprete/aplicador, confrontado com os casos da vida, a que tem necessariamente de ser dada solução jurídica.
É que toda a tarefa de realização do Direito implica valorações, fazendo
apelo, assim, ao carácter axiológico e teleológico da ordem jurídica (33). Com
efeito, enquanto tarefa de realização da Justiça, não pode o Direito prescindir
de valores e princípios jurídicos – uma certa ordem de valores e decorrentes
princípios, aceite na comunidade – e da sua adequada ponderação e harmonização (34).
Ora, neste patamar assume especial relevo o princípio (35) da boa fé, cuja
operância tem a virtualidade de transportar para a norma do caso, numa
intervenção concretizadora, os valores básicos e essenciais do sistema (36),
(32) Sobre as características das cláusulas gerais, cfr. MACHADO, BAPTISTA, op cit.,
p. 116.
(33) Cfr. CANARIS, op. cit., ps. 30 e ss..
(34) Os valores e princípios não podem deixar de ter lugar de relevo, uma vez
explicitados, na compreensão e realização do Direito. Este “há-de corresponder a uma
projecção do valor da Justiça na cidade dos homens. Ou, pelo menos, a uma vocação destes
para atingirem o valor Justiça” – cfr. MARTÍNEZ, P. SOARES, Axiologia global do direito, in:
Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, cit., ps. 792 e s..
(35) Sobre a posição que os princípios ocupam no sistema, cabendo-lhes um lugar
intermédio entre os valores e os conceitos, cfr. CANARIS, op. cit., p. 87. Sobre a sua
importância, enquanto positivadores ou concretizadores dos valores, já foi dito que há
“princípios fundamentais de Direito que são mais fortes do que todo e qualquer preceito
jurídico positivo, de tal modo que toda a lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada
de validade” – assim RADBRUCH, GUSTAV, apud CUNHA, P. FERREIRA, Do direito natural
positivo, in: Estudos em homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço,
vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, p. 883.
(36) Sobre estes pode dizer-se que “valores morais como a igualdade, a confiança, o
respeito pela dignidade da pessoa, não são interesses quaisquer ao lado de outros: eles são
antes os elementos ordenadores do Direito privado (…) genuinamente decisivos; eles não se
situam ao lado dos factos a ordenar, no mesmo plano, mas por cima deles, num plano
superior” – assim COING, JurZ, p. 485, apud ENGISCH, KARL, Introdução ao pensamento
jurídico, 5.ª ed. port., 1979, p. 318, apud CUNHA, P. FERREIRA, op. cit., p. 883.
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levando ao estabelecer de soluções materialmente mais justas e permitindo a
indispensável filiação axiológica do ordenamento, maxime numa época em
que, a par de rápidas mutações em todos os domínios da actividade humana e
do exacerbar quantitativo da produção legislativa, se reclamam caminhos de
eticização do Direito (37).
(37) Cfr. ASCENSÃO, J. OLIVEIRA, Direito civil e direito do consumidor, in: Estudos de
Direito do Consumidor, Centro de Direito do Consumo, n.º 8, 2006/2007, ps. 29 e ss..
É relevante o papel que a boa fé desempenha neste âmbito, num contexto histórico em
que “o tratamento da questão do abuso da liberdade contratual continuará acrescidamente
presente na disciplina do contrato”, notando-se “uma crescente predisposição das ordens
jurídicas europeias à introdução de medidas correctivas de conteúdos grosseiramente atentatórios da justiça substancial dos contratos celebrados em condições não paritárias”
(cfr. RIBEIRO, SOUSA, Direito dos contratos…, cit., p. 277).
A boa fé transcende hoje a sua relevância de cláusula geral do Direito civil, elevando-se a princípio incontornável do sistema jurídico vigente. O mesmo acontece noutros
sistemas jurídicos, em especial no germânico, pioneiro, aliás, nesta matéria, que influenciou
vincadamente o ordenamento português, mormente no que concerne à Codificação
portuguesa de 1966 e sua subsequente aplicação até aos dias de hoje.
Capítulo I
O CONTRATO DE SEGURO,
SUA ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O Homem, enquanto existir, sempre se manterá – pela condição da sua
vida e pelas circunstâncias em que esta se desenvolve, marcadas pela
provisoriedade e caducidade do tempo e pelo confronto com forças incontroláveis que se lhe impõem – cercado dos mais diversos perigos, sendo
natural que, consciencializados estes, e na impossibilidade de os suprimir,
continue sempre, como sempre fez, a procurar formas de se colocar a coberto
das suas previsíveis consequências danosas.
Uma dessas formas encontradas é, desde há muito, a figura dos seguros (38). Perdidas no nevoeiro da História, são algo controvertidas as origens
mais remotas do contrato de seguro (39), o que se deve sobretudo à carência
verificada de dados precisos e concretos sobre a matéria, havendo, ainda
assim, quem sustente que as raízes mais profundas do fenómeno dos seguros
remontam a tempos anteriores aos do Império Romano (40).
(38) Refere LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, a este propósito, que a necessidade dos
seguros aparece ligada à precariedade da condição humana (cfr. op. cit., p. 4).
(39) Se é certo que o Direito dos seguros integra dois ramos distintos – por um lado, a
regulamentação do acesso, exercício e supervisão da actividade seguradora, o Direito público
ou institucional dos seguros, e, por outro lado, o complexo de normas e princípios referentes
ao contrato de seguro em geral e aos seus ramos, modalidades e sub-modalidades em especial, designado Direito do contrato de seguro ou Direito material dos seguros (cfr. VASQUES,
JOSÉ, Direito dos seguros, regime jurídico da actividade seguradora, Coimbra Editora,
Coimbra, 2005, p. 17) –, o que importa aqui é a problemática do contrato de seguro, o
Direito material dos seguros.
(40) Assim CORREIA, L. BRITO, e ALMEIDA, J. DIONÍSIO, que encontram os primeiros
sinais da origem do seguro há cerca de quatro mil anos, com o denominado Código de
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Alguns sinais históricos credíveis podem ser encontrados na Grécia
Clássica e na Roma Antiga. Com efeito, se há relatos que se reportam a um
fundo de entrada estabelecido com a finalidade de proteger artistas e artesãos
na Grécia Clássica (41), já na Antiga Roma, por sua vez, era comum que
classes profissionais de comerciantes e artesãos se associassem entre si por
forma a criarem fundos comuns, de modo a que, caso viessem a ocorrer
prejuízos dessas actividades, fossem eles objecto de ressarcimento. Alguns
autores identificam aqui os fundamentos das posteriormente denominadas
mutualidades ou sociedades mútuas.
Assim é que aludem os autores também às sociedades mutualistas no
âmbito náutico na Grécia (“sinédrios” e “eranistas”), em Roma (“sodalitates”
ou “collegia officium”) e na Idade Média (“ghildas”) (42) (43).
O desenvolvimento do comércio marítimo criou condições para o surgimento de costumes e usos marítimos – os autores falam aqui no foenus nauticum e foenus quasi nauticum (44), já referido na Lex Rhodia de Jactu (ano
475 a.C.) (45). Traduzia-se num empréstimo aleatório, prestado por um financeiro a um armador, a quem era cobrado um determinado juro e cujo reembolso dependia do regresso do barco, prática esta que, sendo corrente na Itália
medieval, viria a ser proibida, já no séc. XIII, pelo Papa Gregório IX (no ano
de 1236), por este tipo de empréstimo marítimo ter sido equiparado à
usura (46).
Hammurábi – cfr. Seguro, in: Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. 5.º,
ps. 713-744 e 721-722.
(41) Cfr. SILVA, R. G. FERREIRA, Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral,
seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 25.
(42) Estas últimas – segundo refere ALMEIDA, J. DIONÍSIO, op. cit., ps. 721-722 – tinham
inicialmente por objecto a defesa mútua religiosa, tendo os respectivos confrades posteriormente passado também a assistir-se mutuamente na doença ou em caso de incêndio ou
viagem.
(43) Cfr. MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, relatório, cit., p. 92, e bibliografia ali mencionada, e Direito dos seguros, cit., p. 27.
(44) Cfr. CORREIA, L. BRITO, op. cit., ps. 713-714.
(45) Em discordância com autores que vêem aqui já um prémio de seguro (e não apenas
um mútuo), refere CORDEIRO, MENEZES, a propósito do phoenus nauticum, que neste se
tratava de um “contrato de risco”, mas não mais, ainda assim, que “uma espécie de mútuo” –
cfr. Manual…, cit., p. 726.
(46) Cfr. MARQUES, OLIVEIRA, op. cit., ps. 16 e s..
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Por então surgiram, segundo alguma doutrina, formas de ultrapassar
aquela proibição, como o chamado câmbio marítimo, a ser pago noutra
moeda, com as consequentes questões cambiais a tornarem imperceptível o
pagamento acrescido ou “usura” (47).
Na Época Medieval, a partir do séc. X, ghildas, comunidades da Igreja e
certas corporações – como as designadas mútuas de pescadores – eram já
comuns na Europa como fenómeno associativo, tendo, entre outros fins, um
escopo de carácter assistencial (48).
Diversos autores encontram os primórdios do contrato de seguro na
Itália medieval, no período correspondente aos sécs. XII a XIV (49), o que
parece correcto (50).
(47) Cfr. MARQUES, OLIVEIRA, op. cit., p. 17, referindo que de tal câmbio marítimo se
passaria a “um autêntico empréstimo de seguro”, cujo primeiro caso conhecido data do ano
de 1287, tendo ocorrido na Sicília.
(48) Cfr. ALMEIDA, J. C. MOITINHO DE, O contrato de seguro no direito português e
comparado, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1971, p. 6, bem como CORREIA, L. BRITO,
op. cit., p. 714.
(49) Segundo CORREIA, L. BRITO – op. cit., p. 714 –, o mais antigo contrato de seguro
escrito conhecido é do ano de 1347, tendo sido redigido em Génova, Itália, sendo também
italiana a primeira lei sobre seguros (Génova, 1369). ALMEIDA, MOITINHO DE, por sua vez,
refere, a este propósito, que tudo leva a crer que muitos outros contratos de seguro foram
praticados anteriormente a 1347, nas cidades do Norte de Itália – cfr. O contrato de
seguro…, cit., p. 6.
(50) De notar, porém, que a própria concepção privatística de contrato foi evoluindo ao
longo da História, a partir do Direito romano – cfr. COSTA, M. J. DE ALMEIDA, Direito das
obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 215. Sobre o tema, cfr. ainda CORDEIRO,
MENEZES, Da natureza do direito do locatário, Separata da Revista da Ordem dos
Advogados, Lisboa, 1980, ps. 26 e ss..
À luz do nosso CC actual o contrato assume uma acepção lata (que o identifica com a
noção de negócio jurídico bilateral), prevendo-se uma disciplina específica e unitária/geral
para os contratos (arts. 405.º e ss. do CC), sem deixar de se prever, ao mesmo tempo, determinados tipos contratuais (contratos típicos), atenta a sua importância prática e económico-social.
O contrato de seguro, de natureza tipicamente mercantil, encontrava-se previsto e
regulado em geral no CCom (cujo art. 425.º qualificava tal contrato como comercial), sendo-lhe agora aplicável o RJCS (aprovado pelo mencionado DL n.º 72/2008, cujo art. 6.º, n.º 2,
al. a), veio revogar os arts. 425.º a 462.º do CCom, que continham aquela regulamentação
comercialística). Tal contrato, que mantém a sua tendência mercantil, tem como direito
subsidiário, desde logo, a lei comercial e, depois, a lei civil (art. 4.º do RJCS). Porém, a sua
natureza comercial mostra-se hoje atenuada no que tange aos seguros de riscos de massa –
sobretudo quanto às relações jurídicas de consumo –, prevalecendo “muitas das caracterís-
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Com efeito, argumentam alguns autores que é na Itália do séc. XII que
surgem as primeiras referências à regulamentação do seguro marítimo, a
Consolate de Mare (51). Na sequência, referem que já no séc. XIV existia a
Ordenação de Pisa e, novamente em Itália, as Ordenações de Veneza,
estabelecendo a apólice de seguro como instrumento jurídico com valor
comercial (52). Outros, escrevem que “o seguro marítimo a prémio nasceu,
nos finais do séc. XIII, no seio das cidades italianas”, vindo a desenvolver-se
e a generalizar-se durante todo o séc. XIV (53). E outros ainda, defendem que
o desenvolvimento sistemático do contrato de seguro com algum escopo
lucrativo apenas ocorreria no séc. XIV, mas sempre em Itália (54) (55).
Não oferece dúvidas, assim, que no decurso do séc. XV o contrato de
seguro tenha vindo, ante o seu interesse prático, a ser objecto de paulatina
divulgação pela Europa e, embora o negócio segurador não fosse ainda considerado rentável, os seguros tenham começado a estender-se aos transportes
terrestres. E o fenómeno ganharia depois, com o tempo, raízes fortes no
séc. XVI (56). Tal, porém, em termos ainda muito simples e sem quaisquer
bases matemáticas de exploração.
Quanto especificamente a Portugal, em 1293, correndo o reinado de
D. Dinis, surgiu a Sociedade de Mercadores Portugueses, tendo o escopo de
actuar em caso de sinistros e, em geral, no âmbito das necessidades do
comércio no estrangeiro – valia a regra de cobrar certa quantia por frete
marítimo para pagamento até certo montante por sinistro marítimo (57) (58).
ticas típicas do direito civil, especialmente nas novas tendências de tutela da parte débil” (cfr.
MARTINEZ, P. ROMANO, Lei do contrato de seguro, anotada, Almedina, Coimbra, 2009, p. 41).
Acresce que na relação complexa de seguro obrigatório automóvel, atenta a sua dimensão triangular, tem posição de destaque o lesado, com a sua acção directa contra o segurador,
onde têm papel decisivo as normas civilísticas atinentes à responsabilidade civil (extracontratual) e à fixação indemnizatória pelo sinistro (cfr. arts. 483.º e ss. e 562.º e ss., todos do CC).
(51) Assim MARTINS, J. VALENTE, op. cit., p. 16.
(52) Cfr. ainda MARTINS, J. VALENTE, op. cit., p. 16.
(53) É o caso de MARQUES, OLIVEIRA, op. cit., ps. 16-18, que acrescenta, porém, que já
nos sécs. XII e XIII “se observavam formas de «pré-seguro», sucedâneos com o nome de
empréstimo marítimo e, depois, de câmbio marítimo”.
(54) Cfr. CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., p. 726.
(55) Cfr. também MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, relatório, cit., p. 92.
(56) Como refere MARQUES, OLIVEIRA, op. cit., ps. 18 e s..
(57) Assim MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, relatório, cit., p. 92.
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Mais tarde, já na segunda metade do século XIV, os seguros marítimos,
segundo alguns sectores da doutrina especializada, desenvolveram-se com a
Companhia das Naus – instituída por D. Fernando, em 1367 – e com a Bolsa
do Porto (seguro para o caso de naufrágio) (59) (60).
O seguro marítimo, naturalmente em termos ainda muito simples, ia-se
tornando, assim, com o contributo dos portugueses (61), um sector importante, importância essa que se continuou a afirmar ao longo dos séculos
seguintes, reforçando-se com o intensificar do tráfego marítimo, sendo na
actualidade um ramo fundamental da actividade seguradora.
Por outro lado, outros eventos viriam a potenciar o aparecimento de
diferentes ramos dos seguros. O grande incêndio de Londres, ocorrido na
(58) Refere CORDEIRO, MENEZES que as primeiras regras sobre seguros em Portugal
datam do período inicial da nacionalidade (finais do séc. XIII) – cfr. Manual…, cit., p. 78.
Sobre a matéria, cfr. também MARQUES, OLIVEIRA, op. cit., ps. 20 e ss..
(59) Cfr., neste sentido, MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, relatório, cit.,
p. 93, bem como ALMEIDA, J. DIONÍSIO, op. cit., ps. 721-722. Cfr. também, CORDEIRO,
MENEZES, Manual…, cit., ps. 79 e 726.
Por sua vez, PINTO, E. VERA-CRUZ, alude à instituição, no reinado de D. Fernando,
do seguro obrigatório para todos os navios com 50 ou mais toneladas, a efectuar em
duas bolsas, uma em Lisboa outra no Porto (cfr. Os seguros marítimos nas rotas portuguesas do ultramar, in: RFDUL, vol. XXXIX, n.º 1, Coimbra Editora, Coimbra, 1998,
ps. 265 e s.).
(60) Já para MARQUES, OLIVEIRA, op. cit., ps. 23 e ss., na legislação fernandina ainda
não havia seguro, “mas caridade organizada, que lhe fazia as vezes” (cfr. p. 34).
(61) O contributo do génio português manifestou-se ainda no âmbito científico, sendo o
primeiro tratado de seguros, intitulado De securitatibus et sponsionibus mercatorum, escrito
por SANTARÉM, PEDRO DE, com 1.ª edição em 1552 – cfr. CORDEIRO, MENEZES, Manual…,
cit., ps. 82 e s., MARQUES, OLIVEIRA, op. cit., ps. 41 e ss., e PINTO, E. VERA-CRUZ, op. cit.,
p. 284. Porém, como refere este último Autor, a obra já se encontrava redigida em 1488 –
cfr. op. cit., ps. 284 e s..
Este Tratado assumiu-se como obra de referência de carácter internacional (por toda a
Europa mercantil da época), contendo já, não só a primeira exposição do princípio da boa fé
(a boa fé entre mercadores) como base do contrato de seguro – este é qualificado como
contrato de boa fé, daqui retirando o Autor diversos efeitos, que estão na origem do futuro
desenvolvimento doutrinal, legislativo e jurisprudencial da actividade seguradora –, mas
ainda uma construção científica deste contrato, estabelecendo rigorosa diferenciação entre
seguro e contratos que se lhe assemelham (designadamente, entre seguro e aposta) e
lançando as bases fundamentais do contrato de seguro, que define (de forma surpreendentemente actual) como a convenção pela qual, estipulado o preço de um risco, uma das partes
toma sobre si o infortúnio da outra (cfr., MARQUES, OLIVEIRA, op. cit., ps. 44 e s., e PINTO,
E. VERA-CRUZ, op. cit., ps. 285 e ss.).
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segunda metade do séc. XVII (ano de 1666), na sua destruição de habitações (62), impulsionou o aparecimento, em Inglaterra, do seguro terrestre,
dando, assim, origem à primeira modalidade deste tipo de seguro, o seguro
contra incêndios (63).
Ainda em Inglaterra, em 1686, no contexto da expansão marítima inglesa,
Eduard Lloyd constituiu uma associação de seguradores, que assumiu relevo
no desenvolvimento dos seguros modernos, levando a um surto segurador – o
Lloyd’s, um café onde se reuniam comerciantes com interesses em expedições marítimas, tornou-se lugar privilegiado da celebração de seguros (64).
Com o tempo, ocorreu o alargamento da actividade seguradora aos bens
móveis e, já no séc. XVIII, surgiu uma forma de seguro de vida, ainda com
ligação ao seguro marítimo. Por essa via se segurava o risco da captura originada por actos ilícitos de pirataria, designadamente o pagamento do resgate
exigido. Por então, também já se segurava os escravos contra o risco de
naufrágio do navio (65).
No período da revolução industrial deparamo-nos com o surgimento de
grande número de companhias e mútuas de seguros e com o rápido
desenvolvimento da actividade seguradora privada. Ante o desenvolvimento
tecnológico e as decorrentes transformações económicas, sociais e culturais,
resultantes da revolução industrial, com o processo de industrialização a
transportar consigo os correspondentes riscos de actividade, surgem novas
formas de seguro. É o caso dos acidentes de trabalho, mas também a cobertura de acidentes causados por veículos de transporte (66).
Por outro lado, os contratos de seguro passaram a ser celebrados em
grande escala, passando a calcular-se com precisão – assente em critérios
matemáticos – o risco associado a certo tipo de seguro e a taxa de rendibilidade respectiva para o segurador, considerando os dados quanto a prémios
(62) Cfr. ALMEIDA, MOITINHO DE, O contrato de seguro…, cit., p. 7, e CORDEIRO,
MENEZES, Manual..., cit., p. 727.
(63) Cfr. CORREIA, L. BRITO, op. cit., p. 714.
(64) Cfr. CORREIA, L. BRITO, op. cit., p. 714; CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit.,
p. 727; MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, relatório, cit., p. 93.
(65) Cfr. MARTINS, J. VALENTE, op. cit., p. 16.
(66) Como indica MARTINS, J. VALENTE, op. cit., ps. 16 e s..
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e sinistros (67), por forma a que fosse possível ao segurador obter lucros da
actividade de seguro (68).
Os seguros de vida, surgidos anteriormente, desenvolveram-se de forma
acentuada nos sécs. XIX e XX – ao lado dos seguros de danos assumiram
grande relevo os seguros de pessoas. Ocorreu, assim, diversificação dos seguros, a que passaram a associar-se finalidades financeiras, surgindo o seguro
como operação de capital, no âmbito de uma actividade em rápido desenvolvimento, tendo por objecto a realização de seguros em larga escala, considerando-se o risco associado ao cálculo probabilístico, ao risco dos grandes
números (69).
No séc. XIX – por vezes designado como o período individualista do
seguro (70) – e inícios do séc. XX começou o movimento de regulamentação
legislativa da actividade seguradora na Europa. Foi então que em Portugal
surgiram o CCom de 1888 e o Dec. de 21 de Outubro de 1907, contendo
regulamentação da actividade dos seguros no nosso país (71).
A actividade seguradora assumiu mesmo um peso importante na economia mundial do séc. XX – século sujeito a graves crises e convulsões, onde
se destacam as duas grandes guerras mundiais, e a períodos de acelerado
desenvolvimento económico e social –, até tornar o seguro um elemento
essencial à vida humana. Acompanhando a constante evolução económico(67) Defende LAMBERT-FAIVRE, YVONNE (op. cit., p. 3) a este propósito, que a história
dos seguros é relativamente recente, visto assentar numa técnica matemática cujas bases
foram elaboradas apenas no séc. XVII, aparecendo o seguro como um fenómeno de civilização ligado às novas condições de vida dos países urbanizados e industrializados no
decurso dos sécs. XVIII e XIX. No mesmo sentido, cfr. CHAGNY, MURIEL e PERDRIX,
LOUIS, op. cit., p. 16.
(68) Ver CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., p. 728; e MARTINEZ, P. ROMANO,
Direito dos seguros, relatório, cit., p. 96.
(69) Cfr. MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, relatório, cit., ps. 93 e s..
(70) Refere ALMEIDA, MOITINHO DE (O contrato de seguro…, cit., p. 9) que a legislação
do séc. XIX, tributária do individualismo e liberalismo, estabeleceu “uma disciplina facultativa do contrato em que se não tomam em conta os legítimos interesses dos segurados,
sujeitos ao poderio económico das empresas de seguros e aos contratos nos termos por estas
impostos”, dominando as normas dispositivas e pesando sobretudo as exigências da tradicional uberrimae bona fides, com o conteúdo das leis mais inspirado na tutela do segurador
do que na do segurado.
(71) Sobre o movimento legislativo surgido em diversos outros países da Europa,
cfr. CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., ps. 728 e ss..
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-social, surgem novas formas de seguro, e ocorre o aperfeiçoamento de
outras, como o seguro de responsabilidade civil (72), conhecendo o seguro de
vida um enorme desenvolvimento. É neste excepcional desenvolvimento dos
seguros, no séc. XX, que se afirma ainda a dimensão social dos mesmos
(seguros de doença, invalidez, previdência) (73), surgindo também, por outro
lado, os seguros obrigatórios nos moldes actualmente existentes, sendo exemplo paradigmático o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (74), com a sua vincada preocupação social de protecção da vítima/lesado.
Actualmente, é constante a evolução da actividade seguradora, por um
lado com as suas novas formas de seguros, novas coberturas, maior complexidade e especificidade, e, por outro lado, com a concentração empresarial e
de mercado e consequente diminuição das empresas de seguros (75), sob o
influxo das exigências do processo de globalização (76).
Notório é ainda o movimento de expansão da banca para o campo da
actividade seguradora e seu mercado – fenómeno chamado de “bancassurance” –, passando os bancos a comercializar contratos de seguro; simultaneamente, verifica-se o movimento inverso – denominado “assurbanque” e
“assurfinance” –, com os seguradores, reconhecidos legalmente como instituições financeiras, a expandirem-se para o espaço considerado tradicionalmente da actividade bancária, comercializando operações de crédito (77) (78).
(72) Cfr. ALMEIDA, MOITINHO DE, O contrato de seguro…, cit., p. 8.
(73) Cfr. MARTINS, J. VALENTE, op. cit., ps. 16 e s..
(74) Como refere ALMEIDA, MOITINHO DE (O contrato de seguro…, cit., ps. 9 e s.), ao
período individual e liberal sucedeu, no séc. XX, um período marcado por concepções
sociais, contendo as leis já uma dimensão de imperatividade, direccionada para a protecção
da parte considerada mais fraca, o segurado, notando-se ainda uma preocupação crescente de
defesa dos lesados nos seguros de responsabilidade civil.
(75) Também no panorama português actual dos seguros se nota a tendência para a
concentração do mercado segurador – cfr. Relatório do sector segurador…, cit..
(76) Cfr. ainda MARTINS, J. VALENTE, op. cit., ps. 16 e s..
(77) As empresas de seguros podem exercer, para além da sua tradicional actividade de
seguros, novas actividades, conexas ou complementares, designadamente as referentes a
actos e contratos relativos a aplicações de provisões, reservas e capitais (cfr. art. 8.º, n.º 1, do
DL n.º 94-B/98, de 17-04).
(78) Cfr. SILVA, J. CALVÃO, Banca, bolsa…, cit., ps. 22 e s. e 23 e s., e MARTINEZ, P.
ROMANO, Direito dos seguros, relatório, cit., ps. 91 e s..
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Relevante é também, como referido, no contexto do séc. XX, após a
2.ª Guerra Mundial, o desenvolvimento do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel – tornado seguro obrigatório. A generalização do uso
de veículos automóveis, imprescindíveis na sociedade actual, com o elevado
potencial de acidentes de viação e decorrentes danos, sendo muito elevadas
as taxas de sinistralidade rodoviária, com consequências nefastas, muitas
vezes mortais (79), tornou premente, a par das campanhas de prevenção
rodoviária de sinistros, a necessidade de reparação adequada às vítimas.
Reparação essa, pois, a dever ser efectiva e célere: obrigatoriedade do
seguro, com um limite mínimo de capital obrigatoriamente seguro, devendo a
acção judicial destinada a efectivar a responsabilidade civil ser intentada contra o segurador (acção directa), e apenas contra este se o valor do pedido indemnizatório se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro (80),
sendo, porém, que tão-só haverá litígio judicial no caso de os procedimentos
extrajudiciais prévios, legalmente previstos, de regularização de sinistros –
tendentes a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da responsabilidade dos seguradores e o cumprimento das indemnizações devidas – não
levarem à solução amigável do diferendo (81).
(79) Os acidentes de viação tornaram-se mesmo, sobretudo desde o último quartel do
séc. XX, uma importante causa de morte no conjunto dos países industrializados, a mais
importante entre os jovens, estimando-se que tenham chegado a provocar por ano na Europa
mais de 50.000 mortos e cerca de 1.500.000 feridos – só em França o número de mortos
desde 1950 ascenderá a cerca de 500.000 (cfr. LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., p. 495).
Os números da sinistralidade rodoviária começaram entretanto a baixar, também entre
nós – de forma ainda não muito significativa, é certo –, considerando, designadamente, o
esforço que vem sendo efectuado em campanhas de prevenção. Assim, em Portugal, no ramo
automóvel, em 2008, a taxa de sinistralidade reduziu-se para 64,5% (face ao valor verificado
em 2007, que foi de 67,5%), mantendo esta taxa uma tendência que se vem verificando
desde 2002; o n.º de sinistros cifrou-se em 2008 em mais de 750.000, com um custo médio,
por sinistro, que diminuiu 8,5%, correspondendo a cerca de 11.000,00 euros para sinistros
com danos corporais e 1.300,00 euros para sinistros apenas com danos materiais – cfr.
Relatório do sector segurador…, cit..
(80) Cfr. art. 64.º, n.º 1, al. a), da LSOA; quanto à legitimidade passiva do FGA, ver
art. 62.º da mesma LSOA.
(81) Cfr. arts. 31.º e ss. da LSOA.
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No momento presente a actividade seguradora mundial continua, apesar
de tudo, com um aspecto pujante, o mesmo acontecendo em Portugal (82). A
vida actual, marcada por crise mundial, desde logo no âmago dos mercados
de serviços financeiros (83), com repercussões na economia dos países, se, por
um lado, põe a nu limitações do capitalismo, deixando no ar preocupações de
carácter económico, já, por outro lado, não pode prescindir do mecanismo de
cobertura de riscos facultado pelos seguros, perspectivados cada vez mais
como essenciais na vivência de relação em sociedade.
Neste contexto complexo – caracterizado também por rápidas mutações
económicas, sociais e culturais –, ante a permanente necessidade dos seguros,
decorrente da sempre presente precariedade da condição humana, posicionada face a novos tipos de riscos e perigos (84), perspectiva-se como muito
relevante, de forma sustentada, no longo prazo – apesar dos ciclos e das
crises económicas e financeiras (85) –, o peso do sector segurador, seja na
vida das pessoas ou na economia das nações e comunidades de nações (86).
(82) Vive-se ainda – neste ano de 2010 – sob o influxo da crise dos mercados financeiros internacionais, que teve o seu início no Verão de 2007 e atingiu o seu ponto máximo
em Setembro de 2008, com os seus inevitáveis reflexos sobre o sector dos seguros, o qual,
porém, não perdeu, na essência, a sua vitalidade e fortaleza.
(83) São tradicionalmente dois os principais sectores do mercado de serviços financeiros: o sector bancário e o sector segurador. Tais sectores, embora historicamente distintos,
mutuamente se entrecruzam na actualidade, não perdendo, porém, a sua identidade própria,
sendo que sem seguros não seria viável a existência de actividade bancária, nem de certas
outras actividades económicas, pelo que, por este prisma, os seguros constituem a seiva de
toda a vida económica.
(84) Lembre-se, a título de exemplo, as novas doenças em humanos e/ou animais, a utilização da energia nuclear ou do espaço, o apertar de exigências quanto a responsabilidade civil
profissional (de construtores civis, arquitectos, médicos, advogados, engenheiros, juízes, etc.).
(85) Refere ALVES, P. RIBEIRO, seguindo SILVEIRA, MIGUEL, a propósito do desenvolvimento do mercado de seguros em Portugal, que o comércio dos seguros registou um
crescimento de mais de 62 vezes entre os anos de 1980 e 2005 – cfr. op. cit., p. 140.
(86) No espaço da UE foi implementado o mercado único europeu dos seguros,
decorrente de um trabalho realizado de harmonização das legislações nacionais, seja em
matéria de contrato de seguro, seja no que concerne a controlo e supervisão da actividade
seguradora, visando a liberalização do mercado comunitário dos seguros e, por essa via, a
protecção do consumidor de seguros e um quadro de concorrência mais justo e leal entre
entidades seguradoras. Fala-se a este propósito nas “três gerações de directivas” comunitárias
(cfr. MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, cit., p. 48, e SILVA, R. G. FERREIRA,
op. cit., ps. 56 e ss.).
Capítulo II
NOÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE SEGURO
1. Noção de contrato de seguro
Na legislação portuguesa anterior à entrada em vigor do RJCS não se
encontrava uma definição legal de contrato de seguro, nem no CCom, nem
em qualquer outra legislação sobre a matéria (87).
Porém, foram sendo propostas diversas definições doutrinais – é o caso,
por exemplo, das de JOSÉ VASQUES (88), MARCELLO CAETANO (89) e
P. ROMANO MARTINEZ (90) (91) –, cuja diferenciação deriva de perspectivas
explicativas distintas do fenómeno, tendo em conta a causa do contrato ou os
tipos de seguros (92), ou de diferentes entendimentos das funções do
seguro (93), perfilando-se, em síntese, dois ramos de teorias explicativas:
a) teorias unitárias; b) teoria dualista (94).
(87) Cfr. SILVA, R. G. FERREIRA, op. cit., p. 71.
(88) Cfr. VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., ps. 94 e 120.
(89) CAETANO, MARCELLO, Boletim de Seguros, Lisboa, n.º 2, p. 130, apud VASQUES,
JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 94.
(90) MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, cit., p. 51. Em termos algo similares,
cfr. CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., p. 725.
(91) Cfr., quanto ao contrato de seguro de responsabilidade civil geral, SILVA, R. G.
FERREIRA, op. cit., ps. 76 e s.. Na jurisprudência, cfr. a noção de seguro adoptada pelo STJ,
no seu Ac de 17/11/2005 (SALVADOR DA COSTA), CJ/Acs.-STJ, 2005, T. 3, ps. 120 e ss..
(92) Cfr. VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., ps. 90 e s..
(93) Ver CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., p. 731.
(94) As teorias unitárias (teoria indemnizatória; teoria da necessidade eventual; teoria
do risco; teoria da promessa de capital) defendem que, independentemente da modalidade ou
forma da prestação a cargo do segurador, sempre estaremos perante um mesmo contrato de
seguro, unificado, desde logo, por diversos elementos comuns. Ao contrário, a teoria dualista
22
Dentro das teorias unitárias, a teoria do risco perspectiva o contrato de
seguro como operando a transferência, do segurado para o segurador, do
risco que cabia inicialmente àquele (o segurador passa a suportar o risco
previsto no contrato) (95). A esta teoria é tecida a crítica de que não se dá, por
força do contrato de seguro, a transferência do risco, pois que o segurador
apenas assumiria a suportação das consequências patrimoniais da verificação
desse risco.
Já a teoria dualista defende a explicação diferenciada de dois irredutíveis
tipos de seguros, os seguros de danos, por um lado, e os de pessoas, por
outro, aqueles a conferirem ao seguro função indemnizatória e estes a
atribuírem-lhe função de previdência e poupança individual (96). A crítica a
esta concepção bipartida, aponta-lhe o fundar-se na função económico-social
de cada contrato, deixando de lado qualquer critério jurídico unitário de
explicação daquilo que é, realmente, um único contrato típico, o contrato de
seguro.
Parece-nos preferível a teoria do risco, que põe a tónica num elemento
fulcral do contrato de seguro, o risco. Embora se possa dizer, ex adverso, que
o risco naturalístico não se transfere, nem pode transferir-se – permanece,
nesse sentido, sempre na esfera do segurado –, é claro que a celebração do
contrato de seguro determina a suportação do risco, dentro dos limites
naquele definidos – em termos jurídicos, pois –, pelo segurador. Sem que tal
se confunda, no âmbito dos seguros de responsabilidade civil, com a
responsabilidade civil por facto ilícito geradora do dever de indemnizar, pois
que pelo ilícito é sempre responsável o seu autor. Mas o risco é coisa diversa,
perspectiva a diversidade de modalidades ou formas da prestação a cargo do segurador como
essencial, como tal determinante de dois diferentes tipos de contratos de seguro, já que se
considera ocorrer impossibilidade de explicação unitária de tal figura contratual – cfr.
VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., ps. 90 e ss., e CORDEIRO, MENEZES, Manual…,
cit., ps. 731 e s..
(95) Sobre a teoria do risco, e acolhendo-a, cfr. CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit.,
ps. 732 e 725. Propondo definição de seguro que acolhe também a teoria do risco, face à nota
da “suportação do risco”, cfr. ainda MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, cit., p. 51,
e Direito dos seguros, relatório, cit., p. 42.
(96) Sobre a teoria dualista, e aderindo a ela, cfr. GARRIGUES, JOAQUÍN, Contrato de
seguro terrestre, Imprenta Aguirre, Madrid, 1982, ps. 28 e ss..
23
traduz-se no concreto “perigo de um mal” (97), é a probabilidade de verificação de um evento danoso ou, ao menos, de um evento que determina no
segurado o surgir da necessidade de uma prestação, equivalendo, do ponto de
vista do segurador, a álea, à possibilidade de efectuar a prestação contratual
ao verificar-se um determinado evento (98).
O que se transfere para o segurador é, assim, a consequência do verificar
do risco, no campo patrimonial, tão-só nesse sentido parecendo dever falar-se
em suportação do risco pelo segurador, que, assumindo tal suportação contratual, fica adstrito, por isso, ao cumprimento da prestação convencionada a seu
cargo até ao limite das forças do seguro.
Com esta precisão, afigura-se-nos ser mais adequada a aludida teoria do
risco. Assim, voltando à noção de contrato de seguro, convém ter em conta o
preceituado no art. 1.º do RJCS, atinente ao conteúdo típico do contrato,
afigurando-se-nos poder encontrar-se a seguinte noção (unitária) de contrato
de seguro:
contrato pelo qual o segurador se obriga, em contrapartida do recebimento de certa retribuição a cargo do tomador do seguro, a cobrir um risco
determinado, suportando as suas consequências patrimoniais, até ao limite
estipulado, mediante a realização da prestação convencionada a seu cargo
em caso de ocorrência do evento aleatório contratualmente previsto.
2. Características do contrato de seguro
A doutrina e a jurisprudência mostram-se, no essencial, de acordo
quanto a alguns traços caracterizadores fundamentais do contrato de seguro,
havendo um conjunto de características comummente aceites. Assim, é tradicional perspectivar-se o contrato de seguro como: bilateral; oneroso; aleatório; consensual; típico; de boa fé (99).
(97) Cfr. VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 105. Veja-se também CORDEIRO,
MENEZES, Manual…, cit., p. 807.
(98) Assim STEIDL, ENRICO, Il contrato di assicurazione, Milano - Dott. A. Giufrè
Editore, 2.ª ed., 1990, ps. 22 e s. e 43.
(99) Esta é, no essencial, a caracterização apresentada por VASQUES, JOSÉ, Contrato de
seguro, cit., p. 103. Cfr. também FONTAINE, MARCEL, Droit des assurances, Larcier, 3.ª ed.,
24
Já outras características são objecto de discussão entre os autores ou
são consideradas dependentes de certas modalidades de contrato de seguro:
é geralmente contrato de adesão (100); em muitos casos é concluído intuitu
personae (101); apresenta-se muito frequentemente como contrato de
consumo (102).
A caracterização tradicional do contrato de seguro mantém-se no
essencial válida, razão pela qual a seguiremos de perto, com a precisão,
designadamente, de que tal contrato é agora – ante o disposto no art. 32.º do
RJCS – consensual, no sentido de não formal (103).
A tal caracterização geral acrescem as notas características específicas
do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a
saber: contrato obrigatório e de natureza pessoal.
2.1. Caracterização em geral
2.1.1. Contrato consensual quanto à forma
Em matéria de contrato de seguro vigora hoje, no nosso ordenamento
jurídico, a regra da liberdade de forma, pelo que estamos perante contrato
consensual quanto à forma (104). Assim, de acordo com o art. 219.º do CC, a
validade da declaração negocial não depende, na celebração do contrato de
seguro, da observância de forma especial, pois que não exigida por lei.
É certo que o contrato de seguro era – essa foi a nossa tradição jurídica –
um contrato formal (com redução obrigatória a escrito, na apólice, nos termos
2006, p. 125; GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., ps. 43 e ss.; MARTINS, J. VALENTE, op. cit.,
ps. 23 e ss.; e SILVA, R. G. FERREIRA, op. cit., ps. 176 e ss..
(100) Assim, por todos, VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., ps. 107 e s..
(101) Cfr., por todos, FONTAINE, MARCEL, op. cit., p. 125.
(102) Ver arts. 3.º e 19.º, n.º 2, do RJCS.
(103) Por limitações de extensão deste trabalho, aludiremos apenas a algumas das
características do contrato de seguro.
(104) O contrato de seguro tem ainda natureza consensual no sentido de que fica perfeito com as declarações de vontade das partes, independentemente de qualquer acto material
de que dependesse a sua validade. A sua finalidade atinge-se, pois, pela mera verificação do
acordo, independentemente de qualquer acto material – cfr. LAMBERT-FAIVRE, YVONNE,
op. cit., ps. 168 e s..
25
do art. 426.º do CCom). Porém, deixou de o ser, desde 01/01/2009, passando
a vigorar a liberdade de forma, com a revogação dos arts. 425.º a 462.º do
CCom pelo art. 6.º, n.º 2, al. a), do DL n.º 72/2008, de 16-04, diploma que
aprovou o RJCS, cujo art. 32.º dispõe, quanto à forma do contrato, que “a
validade do contrato de seguro não depende da observância de forma
especial” (n.º 1), muito embora o segurador seja obrigado a formalizar o
contrato num instrumento escrito (a apólice de seguro) e a entregá-lo ao
tomador do seguro (n.º 2).
Como vem referido no preâmbulo do RJCS, admite-se agora a validade
do contrato de seguro sem observância de forma especial, bastando o
consenso das partes, ainda que verbal. A apólice, contudo, tem ainda grande
importância nas relações entre as partes ao longo da vida do contrato,
mormente para facilitar a prova do mesmo (função probatória), mas também
consubstanciando uma função de determinação do conteúdo do contrato
(função de consolidação, a que alude o art. 35.º do RJCS), e ainda uma
função legitimadora, sendo que “entregue a apólice de seguro, não são oponíveis pelo segurador cláusulas que dela não constem, sem prejuízo do regime
do erro negocial” (art. 34.º, n.º 3, do mesmo RJCS).
2.1.2. Contrato de adesão
Ocorre neste âmbito, comummente, o uso das chamadas cláusulas
contratuais gerais, em que uma das partes (o tomador do seguro) se limita a
aderir aos termos que lhe são propostos pela outra parte (segurador), que,
para o efeito, os pré-formulou em geral, sem deixar qualquer margem para
alterações.
A figura dos contratos de adesão abrange, porém, dois tipos de situações:
a) desde logo, os contratos estandardizados, celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais (art. 1.º, n.º 1, da LCCG); b) mas também os contratos
individualizados em que são inseridas cláusulas cujo conteúdo, previamente
elaborado, o destinatário não pode influenciar (art. 1.º, n.º 2, da LCCG). Em
causa está, assim, “o peculiar modo de formação do consenso”, em que a uma
das partes “é apresentado um conteúdo contratual prévia e unilateralmente
26
fixado, de forma rígida, sem que lhe seja oferecida pela contraparte qualquer
oportunidade de negociação”, donde a situação de mera adesão (105).
Em tais situações, de contratos de adesão – como nos contratos de
seguro de massa –, têm aplicação os mecanismos previstos na LCCG, com o
seu regime especialmente protectivo do aderente, considerado a parte
tipicamente débil e, como tal, carecida de tutela.
2.1.3. Contrato oneroso
Implicando o contrato de seguro prestações por ambas as partes, com os
inerentes sacrifícios, não se trata aqui de negócio que possa qualificar-se de
gratuito. Efectivamente, no contrato de seguro a atribuição patrimonial do
tomador do seguro – traduzida no pagamento do prémio – encontra o seu
correspectivo na atribuição patrimonial da outra parte contratante (o segurador), traduzida esta, não só na prestação indemnizatória ou convencionada a
cargo do segurador, mas desde logo na cobertura do risco e decorrente
exposição às suas possíveis consequências.
O contrato de seguro é, pois, indubitavelmente, um contrato oneroso.
2.1.4. Contrato bilateral
O contrato de seguro é bilateral, gerando sempre obrigações para ambas
as partes. Ambos os contraentes, na realidade, assumem obrigações um para
com o outro (106). Ao tomador do seguro cabe, com efeito, a obrigação de
pagamento do prémio estipulado e ao segurador, por seu lado, cabe realizar a
prestação convencionada a seu cargo no caso de ocorrência do evento
previsto no contrato. Se tal evento não vier a ocorrer, então o segurador não
realizará essa prestação convencionada a seu cargo.
Mas a obrigação contratual assumida pelo segurador não pode reduzir-se
à realização de uma prestação em caso de verificação do sinistro, visto ser
(105) Segue-se a explanação de RIBEIRO, SOUSA, Direito dos contratos…, cit., ps. 183
e ss..
(106) Cfr. art. 1.º do RJCS, prevendo obrigações contratuais contrapostas a cargo das
partes.
27
também, e desde logo, o próprio cobrir do risco determinado, expondo-se às
consequências patrimoniais do mesmo (107).
Assim, o segurador só realizará a prestação convencionada a seu cargo
em caso de ocorrência de sinistro, mas desde logo cobre o risco, expondo-se
às consequências possíveis do mesmo. E neste particular estamos já no
âmbito de obrigação contratualmente assumida e realização da prestação, esta
precisamente consistente, desde logo, em tal cobertura/suportação do risco
contratualizado.
2.1.5. Contrato aleatório
A possibilidade de ganhar ou de perder depende de acontecimentos
futuros ignorados – as partes não sabem, aquando da celebração do contrato,
quais poderão ser as consequências económicas do evento previsto, desconhecendo mesmo, normalmente, se tal evento chegará alguma vez a ocorrer,
por forma a que o segurador nada tenha de vir a pagar, ou venha a pagar
menos que o valor dos prémios que recebeu, ou, em vez disso, tenha de
entregar quantia muito superior ao montante dos prémios que lhe foram
pagos.
A aleatoriedade é típica deste contrato, ficando a prestação do segurador
na dependência de um evento futuro e incerto, sendo a existência do risco
essencial na vida deste negócio jurídico bilateral (108).
2.1.6. Contrato sob a significativa influência do princípio da boa fé
A ideia da boa fé ou da máxima boa fé (os autores aludem a uberrima
bona fides) é o elemento peculiar deste contrato, sendo a boa fé no contrato
de seguro como que a “alma” que lhe dá vida, pelo que bem se compreende
que se trate aqui de característica da maior importância (109).
(107) Como dispõe o art. 1.º do RJCS, o pagamento do prémio é “correspondente” à
obrigação assumida pelo segurador. E estabelece o art. 51.º, n.º 1, do mesmo RJCS que “o
prémio é a contrapartida da cobertura acordada”.
(108) Assim também LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., ps. 169 e s..
(109) Assim, por todos, VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 110, e GARRIGUES,
JOAQUÍN, op. cit., ps. 46 e ss..
28
No seu sentido tradicional – mormente em atenção às suas origens
históricas –, esta característica peculiar e fundamental reporta-se à fase da
conclusão do contrato de seguro, focando-se nas declarações prestadas pelo
tomador do seguro, pois que nelas se baseia a conformação do conteúdo do
contrato, mormente quanto ao risco coberto. Pretende-se, nesta sede, “sublinhar a necessidade absoluta de lealdade do segurado para manter a equidade
da relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a
confiar nas suas declarações” (110), sem poder verificá-las – o que era especialmente sentido em séculos anteriores à era da informação, em que actualmente vivemos – aquando da conclusão do contrato (111) (112).
Na verdade, é com base nas declarações do tomador do seguro que o
segurador procede à sua avaliação quanto ao risco do contrato, termos em
que o incumprimento por aquele do seu dever de informação em sede de
declaração inicial do risco pode desvirtuar o equilíbrio de prestações do
contrato, fazendo incorrer em erro o segurador, com reflexos no montante do
prémio a cobrar e até, eventualmente, na decisão de suportar o risco, isto é,
de celebrar o contrato. Efectivamente, pode acontecer que, em caso de falsidade de declarações do tomador, o segurador venha a aceitar celebrar um
contrato de seguro que de outro modo não celebraria, por ser para si
inaceitavelmente gravoso, ou que apenas celebraria tendo como contrapartida
um prémio de valor mais elevado.
Daí, tradicionalmente, um severo regime de consequências legais,
mormente a invalidade do contrato de seguro, acolhido em diversos ordenamentos jurídicos (113) – e também no nosso –, no que concerne a omissões ou
inexactidões por parte do tomador do seguro nas suas declarações, ao segurador, quanto ao risco do contrato (cfr. arts. 24.º e ss. do RJCS).
(110) VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 110.
(111) Cfr., entre outros, GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., ps. 46 e ss., e MARTINEZ,
P. ROMANO, Direito dos seguros, relatório, cit., p. 98, e Direito dos seguros, cit.,
ps. 58 e s..
(112) Daí o disposto no art. 429.º do CCom (agora revogado) e, actualmente, nos arts.
24.º e ss. do RJCS, quanto ao dever de informação e seu incumprimento.
(113) A título de exemplo, cita-se o disposto nos arts. 1892.º e 1893.º do Codice Civile
italiano. Quanto, por sua vez, às soluções, na mesma linha, da Lei espanhola do contrato de
seguro de 8 de Outubro de 1980 (arts. 10.º, 12.º e 16.º), pode ver-se GARRIGUES, JOAQUÍN,
op. cit., ps. 47 e s..
29
Ora, se esta perspectivação ainda hoje se mantém (114), certo é também
que a boa fé entretanto se agigantou, seja no Direito civil obrigacional, seja
também, naturalmente, no âmbito do contrato de seguro.
Assim, o entendimento a apontar hoje a esta característica do contrato de
seguro é, a nosso ver, o de que a boa fé haverá de ser atendida com uma especial exigência em toda a vida do contrato (não só, pois, na formação do
mesmo) e não já apenas pelo lado do tomador do seguro (como tradicionalmente), mas também, em termos de reciprocidade, do lado do segurador. Tal
especial exigência faz com que a boa fé assuma em sede de contrato de
seguro, atentas a especificidade deste e as potencialidades daquela, uma
intensidade normativa ainda maior do que no Direito civil obrigacional em
geral (115) – ela assume-se como um verdadeiro princípio jurídico essencial
deste campo contratual (116).
Acresce que a relação contratual de seguro exige normalmente uma
especial ligação de confiança entre os contraentes, fruto também do carácter
tendencialmente duradouro da execução do programa contratual, levando ao
perspectivar do contrato como intuitu personae (117), confiança essa a dever
ser adequadamente tutelada.
2.1.7. Contrato típico
O contrato de seguro é um contrato nominado (com nomen iuris) e
típico, por especificamente tipificado – previsto e regulado – na lei (cfr. o
RJCS, regime geral vigente, bem como o regime especial, atinente ao seguro
obrigatório de responsabilidade civil automóvel, da LSOA).
(114) Veja-se a forma como, por exemplo, YVONNE LAMBERT-FAIVRE trata o tema,
ligando-o exclusivamente à conduta do tomador do seguro ou segurado, mormente em sede
de declaração do risco (cfr. op. cit., p. 172).
(115) Sobre o princípio da boa fé nos contratos bilaterais onerosos, cfr. VARELA,
ANTUNES, Das obrigações em geral, vol. II, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 1992, ps. 10 e ss..
(116) Assim VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 160. Cfr. ainda MARTINEZ,
P. ROMANO, Direito dos seguros, cit., p. 59.
(117) Cfr. MERZ, SANDRO, Manuale pratico dell’assicurazione della responsabilità
civile, Cedam, Casa Editrice Dott, Antonio Milani, 2003, p. 4.
30
O que, naturalmente, não impede as partes de disporem de liberdade
contratual para determinarem/conformarem o conteúdo do contrato, observando, porém, os limites impostos pelas normas legais de natureza imperativa, como ocorre, seja, em geral, em sede de RJCS, seja especialmente em
matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (118).
3. Caracterização do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel
3.1. Contrato obrigatório
No seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel ocorre
obrigatoriedade legal de celebração do contrato, como resulta do disposto no
art. 4.º da LSOA. Não se trata, pois, de um seguro facultativo, mas de seguro
legalmente imposto – obrigatoriedade legal de celebração, a cargo do
proprietário, usufrutuário ou locatário financeiro (119), tendo ainda que ser
observado o capital mínimo obrigatoriamente seguro a que alude o art. 12.º
da LSOA. O que constitui limitação à liberdade contratual, no que concerne,
desde logo, à liberdade de celebração de contratos, mas também à liberdade
de estipulação do seu conteúdo.
3.2. Contrato de natureza pessoal
Esta característica significa que a obrigação de segurar se liga à pessoa
que possa ser civilmente responsável e não ao próprio veículo, apesar de o
seguro se reportar a veículo(s) de circulação terrestre a motor. Donde que
seja um seguro de natureza pessoal e não real.
É, assim, na sua configuração legal, um seguro de responsabilidade civil
fundada em acidentes de viação e, como tal, um seguro de carácter pessoal, e
não seguro de coisas, obrigando-se o segurador a cobrir o risco de tal responsabilidade civil (pessoal), suportando as suas eventuais consequências dano(118) Cfr., designadamente, os arts. 11.º e ss. do RJCS, bem como o regime da LSOA.
(119) Cfr. art. 6.º da LSOA.
31
sas (em caso de sinistro por que seja responsável o segurado ou condutor),
mediante a reparação dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) decorrentes
de lesões causadas a terceiros por determinado veículo terrestre a motor e
seus reboques (120).
3.3. Síntese conclusiva: noção proposta de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel
Caracterizada nestes termos a figura do contrato de seguro, pode agora
propor-se uma noção de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade
civil automóvel, que, identificando-o, o distinga de figuras próximas.
Para tanto, são importantes os dados legais vigentes, dos quais podem
recolher-se elementos relevantes para o estabelecimento de uma possibilidade de noção jurídica. Assim, com base no que consta dos textos legais do
RJCS (121), enquanto regime geral, e da LSOA (122), enquanto regime especial aplicável, propõe-se a seguinte noção de contrato de seguro obrigatório
de responsabilidade civil automóvel:
contrato, legalmente imposto, pelo qual o segurador se obriga, mediante
o recebimento de um prémio a cargo do tomador do seguro, a cobrir o risco
de responsabilidade civil por acidentes de viação, suportando a reparação
dos eventuais danos, até determinado capital mínimo obrigatório, decorrentes de lesões causadas a terceiros por determinado veículo terrestre a
motor e seus reboques.
(120) Ver CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., p. 827.
(121) Mormente arts. 1.º, 137.º, 138.º e 146.º.
(122) Especialmente arts. 4.º e 12.º.
Capítulo III
Elementos essenciais do contrato de seguro
Cabe agora procurar surpreender os elementos essenciais do contrato de
seguro (123), ainda que de forma sumária, no escopo de melhor compreender
esta realidade contratual complexa. Tal permitirá depois, à luz dos princípios
de Direito com validade normativa neste âmbito, mormente o princípio da
boa fé, uma perspectiva mais adequada do conteúdo e contornos do contrato
e respectiva relação obrigacional, vista como relação obrigacional
complexa (124), bem como uma mais aproximada valoração das atitudes e
condutas dos sujeitos, no exercício de direitos e no cumprimento de deveres
que lhes competem.
Assim, pode dizer-se que no contrato de seguro se surpreendem, em
síntese, os seguintes elementos essenciais (125): os sujeitos; as obrigações dos
sujeitos; o objecto do contrato.
(123) Quanto à noção de elementos essenciais dos contratos pode ver-se TELLES,
GALVÃO, Manual dos contratos em geral, cit., ps. 254 e s..
(124) A ideia de relação obrigacional complexa, construída por referência à boa fé
objectiva, é bem conhecida da doutrina. Como, a este propósito, refere RIBEIRO, SOUSA
(O problema do contrato…, cit., ps. 16 e s.), do inter-relacionamento das partes, “do conteúdo
significativo das posições exteriorizadas na vida da relação, emergem deveres de conduta
cuja matriz ético-jurídica é o princípio da boa fé”, levando ao alargamento do “espectro dos
efeitos obrigatórios do contrato, dotando-o, simultaneamente, de mobilidade no tempo,
através de processos internos de selecção e reconstrução, activados pelo evoluir do contexto
relacional”, assim se perspectivando o conceito de obrigação entendida como relação obrigacional complexa, pensada especialmente para relações contratuais que se prolongam no
tempo, plano este em que normalmente podem surgir novas e mais profundas interdependências e expectativas inter partes. Sobre o tema pode ver-se também FRADA, CARNEIRO DA,
Teoria da confiança e responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2004, ps. 432 e s..
(125) Segue-se a classificação proposta por VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit.,
ps. 125 e ss.. Outras são possíveis; esta, porém, parece adequada ao presente estudo, dando
33
1. Os sujeitos
No que tange aos sujeitos da relação contratual, temos as seguintes
partes contratantes: o segurador, por um lado, e o tomador do seguro, por
outro lado (126).
No seguro obrigatório automóvel, em particular, a “obrigação de seguro”
impende sobre toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela
reparação de danos, corporais ou materiais, causados a terceiros por um
veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título
específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal – tais
pessoas devem, para que esses veículos possam circular, encontrar-se
cobertas por um seguro que garanta aquela responsabilidade civil, nos termos
da LSOA (cfr. art. 4.º, n.º 1).
A obrigação impende, assim, sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se as situações de usufruto, venda com reserva de propriedade e
regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respectivamente,
sobre o usufrutuário, o adquirente ou o locatário (art. 6.º, n.º 1, da LSOA).
Estes serão, pois, por regra, e conforme os casos, os tomadores do seguro
obrigatório automóvel. Porém, se qualquer outra pessoa celebrar – assumindo-se, pois, como o tomador do seguro –, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça as exigências legais em sede de seguro
obrigatório automóvel, ficará suprido, por essa forma, o dever legal de contratar daqueles sujeitos da obrigação de segurar (n.º 2 do mesmo art. 6.º).
2. As obrigações dos sujeitos
Quanto às obrigações, no que concerne a deveres principais de
prestação (127), desses sujeitos temos: o pagamento do prémio, pelo tomador
uma perspectiva global dos elementos essenciais do contrato e incidindo especialmente,
como aqui mais importa, sobre os deveres das partes e sobre o objecto contratual.
(126) Se as partes no contrato são o segurador e o tomador do seguro, na relação de
seguro há ainda de contar com o segurado, que pode, ou não, ser o tomador do seguro – o
segurado é a pessoa em cujo interesse o contrato é celebrado (ou a pessoa segura) –, e com o
beneficiário, a pessoa a favor de quem reverterá a prestação do segurador tal como prevista
no contrato.
34
do seguro, e o cobrir do risco, suportando as suas consequências, e realização
da prestação em caso de sinistro, pelo segurador.
O pagamento do prémio constitui a obrigação principal a cargo do
tomador do seguro e, assim, o correspectivo da obrigação do segurador de
suportar o risco e de efectuar a prestação convencionada em caso de sinistro
(cfr. art. 51.º do RJCS).
Mas o prémio pode também ser visto como elemento essencial de todo o
seguro. Com efeito, sem prémio o segurador não poderia formar o fundo
necessário ao pagamento dos sinistros, donde a necessidade do seu pagamento
antecipado, sem o que não pode operar a cobertura dos riscos (cfr. arts. 53.º
e 59.º, do RJCS). O prémio apresenta-se, assim, como factor imprescindível
na exploração em massa dos seguros, permitindo o cumprimento pelo segurador, resguardado no fundo formado pelo conjunto dos prémios recebidos, dos
seus deveres contratuais. Neste plano alargado – ou “estrutural” (128) – já não
interessam tanto as prestações das partes vistas no quadro dos contratos
individuais, mas a equivalência de prestações é encontrada, a mais disso,
entre o conjunto das prestações do segurador e o conjunto dos prémios dos
tomadores de seguro (129).
Assim se compreenderá que, em cada contrato individual, mas no
contexto daquele plano alargado, centrado no aspecto estrutural da relação, a
falta de pagamento do prémio seja suficiente, de per si, para conduzir o
segurador à libertação automática das suas obrigações – o art. 61.º, n.º 1, do
RJCS (que deve ser lido conjugadamente com o art. 59.º do mesmo diploma
legal, segundo o qual a cobertura dos riscos depende do prévio pagamento do
prémio) alude a “resolução automática do contrato a partir da data da sua
celebração” como consequência da falta de pagamento do prémio inicial,
tratando-se, pois, de uma resolução de direito, sem necessidade de declaração
à parte contrária, diversamente do que sucede no regime geral da resolução
(127) Ao lado dos deveres de prestar, no caso deveres principais de prestação, surgem,
na eclosão e no desenvolvimento da relação contratual de seguro, como relação obrigacional
complexa, diversos deveres laterais ou deveres de conduta, a que oportunamente se aludirá
(cfr., infra, Cap. IX).
(128) O termo é de GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., p. 103.
(129) Assim GARRIGUES, JOAQUÍN, op.e loc. cits..
35
dos contratos, constante do art. 436.º do CC, que obriga a uma declaração,
judicial ou extra-judicial, à contraparte.
O legislador, na sua ponderação de valores e interesses no campo específico do contrato de seguro, divergiu do regime geral do Direito dos contratos,
previsto no CC, estabelecendo um regime que pode sintetizar-se na máxima
“sem prémio não há cobertura” (“no premium, no cover”), com previsão legal
imperativa absoluta (cfr. arts. 12.º, n.º 1, e 59.º e 61.º do RJCS) de resolução
automática do contrato de seguro em situação configurável como de simples
mora debitoris (130) quanto ao pagamento do prémio.
Sem deixar de reconhecer a assimetria de soluções legais, nesta parte,
perante o regime geral do Direito dos contratos, parece-nos, contudo, que a
opção legislativa consagrada no RJCS poderá encontrar razão de ser bastante
na especificidade da relação contratual de seguro, em que o prémio se assume
no seu dito aspecto estrutural, pretendendo-se evitar situações porventura gravosas para os seguradores e, no limite, para os tomadores adimplentes, segurados ou beneficiários, que poderiam ficar colocados perante a possibilidade
de insolvência do segurador (131) (132).
Quanto à prestação contratual principal a cargo do segurador, ela reconduz-se a dois aspectos, desde logo à obrigação de suportar o risco contratualizado e, depois, à de efectuar a prestação, de natureza pecuniária ou não
pecuniária (133), convencionada em caso de sinistro.
O risco, enquanto probabilidade, maior ou menor, de verificação de um
evento danoso, constitui, de per si, um elemento essencial do contrato, pois
(130) Cfr. MARTINEZ, P. ROMANO, Lei do contrato de seguro, cit., p. 223, que chama a
atenção para a regra geral, do Direito dos contratos, segundo a qual a falta de pagamento da
contraprestação não determina a ineficácia do contrato, só permitindo a sua resolução em
caso de inadimplemento definitivo ou cumprimento defeituoso suficientemente grave. Regra
esta de que se afastou o legislador neste âmbito do contrato de seguro, pois que “em caso de
falta de pagamento do prémio não há cobertura, não produzindo efeito, e a resolução é
automática apesar de o incumprimento corresponder a uma hipótese de simples mora”.
(131) GARRIGUES, JOAQUÍN (op. cit., p. 107) refere que do pagamento do prémio
depende o nascimento da obrigação do segurador, aludindo, a este propósito, ao sinalagma
funcional que se eleva a sinalagma genético.
(132) Regime algo semelhante foi instituído em Espanha, com a Lei do Contrato de
Seguro de 8 de Outubro de 1980 – cfr. GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., ps. 107 e s..
(133) Cfr. FONTAINE, MARCEl, op. cit., p. 120, e MARTINEZ, P. ROMANO, Lei do contrato de seguro, cit., p. 38.
36
que sem ele não há seguro (134). É no cobrir de tal risco, no assumir sobre si
a possibilidade/probabilidade de que ocorra o sinistro, por forma a suportar as
suas consequências patrimoniais no caso de o mesmo se verificar, que se
caracteriza, desde logo, a obrigação do segurador. Caso não ocorra o sinistro,
por aqui se queda tal obrigação. No caso contrário, ocorrido o sinistro, terá
aquele de realizar a prestação convencionada a seu cargo.
3. O objecto contratual
Quanto ao objecto do contrato, temos a considerar: o interesse e o risco.
Sobre o interesse e o risco, dispõem os arts. 43.º e ss. do RJCS, estabelecendo que: a) o segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato (art. 43.º, n.º 1,
consagrando, assim, o chamado princípio do interesse); b) o contrato de
seguro é, por regra, nulo “se, aquando da celebração, o segurador, o tomador
do seguro ou o segurado tiver conhecimento de que o risco cessou” (art. 44.º,
n.º 1) e “não produz efeitos relativamente a um risco futuro que não chegue a
existir” (n.º 3).
Destes dispositivos legais logo se retira a essencialidade do risco e
do interesse em sede de contrato de seguro, pois que a falta, ab initio, de
qualquer deles é cominada com a nulidade do contrato – este considera-se
enfermo, desde o momento da sua celebração, de vício insanável, que lhe
confere a marca da invalidade (135). Bem se compreende, assim, que a tarefa
(134) Cfr. as consequências previstas no art. 44.º, n.os 1 e 3, do RJCS.
(135) Como refere SILVA, R. G. FERREIRA, a generalidade da doutrina concorda que o
risco é elemento essencial do contrato de seguro (cfr. op. cit., ps. 199 e s.). Há divergências,
porém, no que tange à qualificação desse elemento essencial dentro da estrutura do contrato:
para uns o risco é causa do contrato; para outros é objecto do mesmo. Assim, enquanto, por
exemplo, GARRIGUES, JOAQUÍN defende que o risco é a causa (cfr. op. cit., p. 114), já para
VASQUES, JOSÉ o risco constitui objecto do contrato (cfr. Contrato de seguro, cit., p. 125).
Neste mesmo sentido, entre outros, cfr. MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, cit., p.
57, e STEIDL, ENRICO, op. cit., ps. 22 e s..
Tomando posição, concordamos com os autores que defendem que o lugar do risco,
enquanto elemento essencial do contrato, é no âmbito do objecto contratual. Não que o risco
não esteja já perspectivado na origem do contrato, podendo concorrer para o motivar da sua
celebração. Mas o risco é mais que isso na economia do contrato: este versa sobre o risco,
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de delimitação do risco seja também essencial na vida do contrato de seguro,
a começar pela fase pré-contratual.
Questão que vem sendo colocada nesta sede de risco é a atinente aos
actos dolosos, isto é, os casos em que seja o “sinistro causado dolosamente
pelo tomador do seguro ou pelo segurado” (cfr. art. 46.º do RJCS), ou até, no
âmbito do seguro obrigatório automóvel, por outrem na condução de veículo
automóvel (cfr. também o art. 148.º do RJCS).
Com efeito, no âmbito de tal seguro obrigatório automóvel a jurisprudência dos nossos tribunais mostrava-se dividida à luz da legislação anterior
à LSOA, havendo arestos a defender a cobertura por tal seguro, mormente
ante o DL n.º 522/85, de 31-12, de todos os danos provocados por acidente
de viação, designadamente os causados com dolo – do tomador do seguro ou
de outrem na condução automóvel –, sem prejuízo, nesse caso, do direito de
regresso da seguradora contra o causador do acidente (136), e perfilando-se,
simultaneamente, outra jurisprudência em sentido contrário (137).
Esta última posição foi recentemente retomada, já à luz do RJCS, por
JOSÉ VASQUES, que defende uma interpretação restritiva do preceituado no
n.º 2 do art. 148.º do RJCS, onde se encontra uma previsão legal especial de
cobertura de actos ou omissões dolosos do segurado em matéria de seguro
obrigatório (138).
tendo-o por objecto. É o risco que se negoceia no contrato de seguro, mais propriamente a
sua cobertura, mediante o suportar das suas consequências patrimoniais. Assim, o risco está
na medula do contrato, é seu elemento nuclear, muito mais que um mero motivo da celebração do negócio, sendo por ele que se mede a própria contraprestação a cargo do tomador do
seguro, o quantum do prémio (cfr. arts. 1.º, 44.º e ss. e 51.º, n.º 1, do RJCS).
(136) Cfr. o Ac do STJ, de 01/04/1993, BMJ, n.º 426.º, p. 132, o Ac do TRP, de
18/01/2001, CJ, 2001, t. I, p. 186 (citados por SOARES, A. GARÇÃO, SANTOS, J. MAIA DOS e
MESQUITA, M. J. RANGEL, in: Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel,
Almedina, Coimbra, 3.ª ed. actualizada, 2006, ps. 72 e s.), e o Ac do STJ, de 18/12/1996, CJ,
1996, t. III, p. 210.
(137) É o caso do Ac. do STJ, de 13/03/2007, Proc. 07A197 (BORGES SOEIRO),
http://www.dgsi.pt/jstj.
(138) Cfr. VASQUES, JOSÉ, Lei do contrato de seguro, cit., p. 418.
38
A questão foi sendo também aflorada pela doutrina, mas ainda à luz do
regime estabelecido pelo DL n.º 522/85 (139), cabendo agora tomar posição,
designadamente ante o RJCS.
Assim, concordamos que a noção de “acidente” em sentido estrito dificilmente comporta actos dolosos (140). Também se compreende que pareça
chocante, ao senso comum, que a prática de um crime doloso, por exemplo
de homicídio, mediante a condução, para o efeito, de um veículo automóvel,
com o qual se atinge outrem, seja ainda enquadrada como acidente de viação,
a merecer indemnização pelas forças do seguro obrigatório automóvel.
Porém, afigura-se-nos líquido que o legislador – na sua necessária ponderação de valores e interesses – optou, esclarecida e conscientemente, pela
solução que expressamente consagrou no art. 8.º, n.os 2 e 3, do DL n.º 522/85,
e mais tarde renovou, expressis verbis, no art. 15.º, n.os 2 e 3, da LSOA. Isto
é, o legislador quis que o seguro garantisse a satisfação das indemnizações
devidas, não somente pelos autores de furto, roubo ou furto de uso do
veículo, mas também “de acidentes de viação dolosamente provocados”, tudo
sem prejuízo da excepção prevista no n.º 3 de qualquer daqueles dois
dispositivos legais.
Ora, em tal n.º 3 invariavelmente se estabeleceu que em todos esses
casos o seguro (só) não garante “indemnizações devidas pelos respectivos
autores e cúmplices para com o proprietário, usufrutuário, adquirente com
reserva de propriedade ou locatário em regime de locação financeira, nem
para com os autores ou cúmplices, ou os passageiros transportados que tivessem conhecimento da detenção ilegítima do veículo e de livre vontade nele
(139) Referências podem encontrar-se em SOARES, A. GARÇÃO, SANTOS, J. MAIA DOS e
MESQUITA, M. J. RANGEL, Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, cit.,
p. 71, bem como em LOPES, M. CLARA, Responsabilidade civil extracontratual, Rei dos
Livros, Lisboa, 1997, p. 96. Cfr. também CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., p. 828.
(140) O termo acidente deriva do vocábulo latino accidens (cadere ad), cair em, juntar-se a. Para o Direito, acidente significa normalmente “acontecimento, não intencionalmente
provocado, de carácter anormal e inesperado, gerador de consequências danosas” – cfr. Verbo
Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Editorial Verbo, Lisboa, vol. 1, p. 259. Na doutrina francesa, cfr. LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., p. 528, que refere que os actos
voluntários e intencionais, não acidentais, não são “acidentes da circulação”, pelo que as
vítimas serão indemnizadas à luz da legislação sobre vítimas de infracções e não pelas forças
do seguro automóvel.
39
fossem transportados”. Não se exclui, pois, a indemnização a terceiros
lesados vítimas de acidentes/actos dolosamente provocados pelo condutor do
veículo.
E compreende-se tal opção do legislador, que quis garantir a indemnização pelo seguro nestes casos. Da mesma forma que, a dada altura, em
paulatino processo de consideração do risco em novos moldes, foi estabelecido um seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório, à custa de
evidente limitação ao princípio da autonomia privada e da liberdade contratual, sacrifício este entendido necessário para tutelar outros interesses, considerados nesta parte essenciais, nisto se traduzindo, para além do mais, a
chamada socialização do risco (141), ou dimensão social do seguro, também
foi entendimento do legislador português, no âmbito deste movimento de
socialização do instrumento de cobertura do seguro, garantir a indemnização
às vítimas mesmo em caso de acidentes dolosamente provocados.
Quer dizer, no seu escopo de protecção às vítimas da sinistralidade rodoviária, o legislador entendeu alargar os mecanismos de protecção indemnizatória através do seguro, mesmo aos casos de condutas criminosas em que o
veículo automóvel é o instrumento do crime, pois que, na sua ponderação de
(141) A tradição em matéria de responsabilidade civil extracontratual no nosso ordenamento jurídico baseia-se na ideia de culpa (art. 483.º, n.os 1 e 2, do CC). É esse o pressuposto
originário. Por sua vez, a responsabilidade objectiva, designadamente pelo risco, foi assumindo com o tempo algum destaque, embora como modalidade excepcional relativamente à
responsabilidade por culpa. Destaque esse que tem vindo gradualmente a aumentar, como
ocorre no campo, que aqui importa, dos acidentes de viação. Assim, passou a ter de
considerar-se as exigências de reparação dos danos sofridos pelas vítimas do processo de
industrialização, com o admitir da responsabilidade de quem causa danos sem culpa.
O enorme aumento do parque automóvel e da consequente circulação de veículos nas
estradas levou ao aumento das taxas de sinistralidade por acidentes de viação, com os consequentes danos, quadro este que potenciou o surgir de uma consciência colectiva de que os
riscos e os acidentes de circulação rodoviária são cada vez mais um “problema social”, que a
todos respeita e de que todos podem ser vítimas, que deve ser encarado, por isso, pela colectividade, e não apenas um problema entre lesante e lesado (cfr. sobre o tema, MONTEIRO, J.
SINDE, Revista de Direito e Economia, ano IV, vol. 2.º, p. 332, citado pelo Ac do STJ de
05/06/1997, BMJ, 468.º, ps. 371 e ss.).
Tal levou, por um lado, ao aparecimento e aperfeiçoamento das normas da responsabilidade pelo risco em matéria de acidentes de viação (cfr. arts. 503.º e ss. do CC) e, por
outro lado, ao surgimento do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, com o
decorrente diálogo entre seguradores dos diversos intervenientes nos acidentes para efeitos
indemnizatórios. Este movimento é conhecido na doutrina como socialização do risco.
40
valores e interesses, foi considerado que o interesse indemnizatório das vítimas deveria prevalecer, ainda nestes casos, sobre o interesse contraposto da
não actuação do seguro obrigatório.
Não adianta, pois, contrapor que nos casos de actuação dolosa não se
trata de acidente, mas de conduta criminosa dolosa, posto que é o próprio
legislador que alude a “acidentes de viação dolosamente provocados”, querendo significar que, muito embora praticados com dolo, continuam, para este
efeito, a ser considerados acidentes de viação e, como tal, objecto de indemnização pelas forças do seguro obrigatório, sendo que a responsabilidade
civil nasce, ainda aí, no âmbito da circulação de veículo automóvel (142).
E se assim é à luz dos aludidos DL n.º 522/85 e LSOA, a conclusão não
pode ser diferente à luz do RJCS. Este, com efeito, estabelece logo no seu
art. 46.º, n.º 1, que o segurador não é obrigado a efectuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou
pelo segurado, salvo, porém – designadamente –, disposição legal em sentido
diverso, como é o caso do art. 15.º, n.º 2, da LSOA.
Mas a norma a convocar aqui nem sequer é a daquele art. 46.º, n.º 1, por
atinente ao regime geral do contrato de seguro; é antes a do art. 148.º do
mesmo RJCS, por ter lugar sistemático na parte especial do regime de tal
contrato, referente ao seguro de responsabilidade civil, como o é o seguro
obrigatório automóvel. E dispõe, desde logo, o n.º 1 de tal art. 148.º que no
seguro obrigatório de responsabilidade civil, “a cobertura de actos ou omissões dolosos depende do regime estabelecido em lei ou regulamento”, logo,
quanto ao que aqui importa, depende do expressamente disposto naquele
art. 15.º, n.os 2 e 3, da LSOA, o qual, como visto, consagra a solução – mais
favorável às vítimas, num claro escopo socializador do seguro, tão marcante
nos dias de hoje – que impõe que o seguro garanta a satisfação da indemnização mesmo em caso de acidentes dolosamente provocados.
(142) Note-se que logo na primeira al. das causas fundadoras do “direito de regresso”
do segurador surge a acção “contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente” (cfr. art. 19.º, al. a), do DL n.º 522/85 e art. 27.º, n.º 1, al. a), da LSOA). Quer dizer, o
segurador tem de satisfazer a indemnização à vítima de acidente dolosamente provocado,
dispondo, porém, uma vez prestada a indemnização, de “direito de regresso” contra o
causador doloso do acidente.
41
Nem sequer é caso, pois, de recurso ao preceito do n.º 2 do art. 148.º do
RJCS, já que nenhuma omissão existe na lei – e, se a houvesse, ainda assim
haveria cobertura de actos ou omissões dolosos do segurado, por força deste
mesmo preceito. E não será caso também, a nosso ver, de recurso, neste
particular, à interpretação restritiva de tal n.º 2 do art. 148.º, como pretende
JOSÉ VASQUES, pois que, longe de ter o legislador dito mais do que aquilo
que pretendia, o mesmo expressou-se, como referido, de forma adequada,
ante a ponderação a que procedeu (143), sendo ainda certo que também o art.
144.º, n.º 1, do RJCS, alinha no sentido de, por regra, o segurador ter direito
de regresso “contra o tomador do seguro ou o segurado que tenha causado
dolosamente o dano” (144) (145).
O risco, constituindo objecto do contrato, tem de encontrar-se ali bem
delimitado e, consistindo na possibilidade de realização do evento futuro e
incerto estipulado (146), liga-se ao sinistro, que mais não é que a concretização daquele risco (147).
À delimitação do risco pode proceder-se através de parâmetros causais
(por exemplo, a exclusão dos riscos de guerra, insurreição ou terrorismo, a
que alude o art. 45.º, n.º 2, do RJCS), espaciais (por exemplo, no seguro
obrigatório de responsabilidade civil automóvel ocorre fixação legal do
(143) Como refere FONTAINE, MARCEL, a preocupação de proteger a pessoa lesada
impregna fortemente a filosofia do regime dos seguros de responsabilidade (op. cit., p. 119).
(144) No sentido por nós perfilhado se pronunciou também ALMEIDA, MOITINHO DE,
Contrato de seguro, Estudos, cit., ps. 219 e ss..
(145) Situação diversa é a que se traduz em ser o próprio beneficiário do seguro a
causar dolosamente o sinistro ou dano (para poder, desse modo, receber a prestação a cargo
do segurador) ou ser o tomador/segurado a causá-lo com vista a obter vantagem para outrem
(beneficiário), casos esses em que a regra é a de não haver direito à prestação do segurador
(cfr. art. 46.º, n.os 1 e 2, do RJCS). Com efeito, nesses casos a ideia de risco como probabilidade de ocorrência do sinistro desaparece: o segurador não pode responder por sinistros
causados dolosamente por quem vai retirar vantagem do seguro (para si ou para outrem).
(146) No contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel o risco corresponde à
probabilidade de o segurado ser civilmente responsável pela reparação de danos causados a
terceiros lesados por (acidentes de viação consequência da circulação de) um dado veículo
terrestre a motor (cfr. art. 4.º, n.º 1, da LSOA).
(147) Segundo a sua noção legal, o sinistro corresponde à verificação, ainda que parcial,
do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato (art.
99.º do RJCS). No caso, pois, do seguro obrigatório automóvel o sinistro corresponde ao
acidente de viação gerador dos danos a indemnizar.
42
âmbito territorial do seguro, como decorre do art. 10.º da LSOA), temporais
(por exemplo, seguros temporários ou de riscos temporários) e objectivos (é o
que ocorre com a regra do afastamento dos danos dolosamente causados do
art. 46.º do RJCS) (148).
Quanto ao interesse, dispõe o n.º 2 do art. 43.º do RJCS que, no seguro
de danos, como é o caso dos seguros de responsabilidade civil, o interesse
respeita à conservação ou à integridade da coisa, direito ou património
seguros.
Assim, se o interesse que aqui releva consiste numa relação económica
existente entre uma pessoa e um bem exposto ao risco, relação essa apta a
satisfazer uma necessidade (149) ou a proporcionar uma utilidade, ou numa
justificação para se fazer o seguro com referência à coisa segura (150), e se em
sede de seguro de responsabilidade civil o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros (151), então o interesse relevante nesta sede é o que deriva da relação (económica) que existe entre o segurado e o (conjunto do) seu património (todos
os seus bens susceptíveis de penhora), pois que sobre este, como garantia
geral das obrigações (art. 601.º do CC), incidiria, na ausência do seguro, o
direito indemnizatório do lesado, com a consequente diminuição patrimonial
para o autor do dano/segurado na medida do valor da indemnização a
suportar, suportação essa que, por força do seguro, caberá ao segurador,
deixando intocado aquele património do segurado.
É controvertido o lugar que o interesse, enquanto elemento do negócio,
deve ocupar no âmbito do contrato de seguro (152). Assim, enquanto certos
autores o reconduzem à causa do seguro (153), outros parecem qualificá-lo
como um elemento peculiar do contrato, que não se encontra noutros contra-
(148) Cfr. VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 131, e SILVA, R. G. FERREIRA,
op. cit., ps. 204 e s..
(149) Veja-se VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 131. Também GARRIGUES,
JOAQUÍN alude a relação económica com a coisa segura, em termos de um interesse
subjectivo ou concreto – op. cit., p. 128.
(150) Assim MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, cit., p. 59.
(151) Art. 137.º do RJCS.
(152) Cfr. GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., p. 131.
(153) Neste sentido VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 139.
43
tos comutativos, um pressuposto lógico do negócio (154). Já outros autores
parecem desvalorizá-lo, negando-lhe importância jurídica, considerando-o
simplesmente como inútil e complicado (155), posição esta a que não pode
aderir-se à luz da nossa lei, já que o interesse é aqui tratado como elemento
essencial do contrato, sem o qual este é de todo inválido (art. 43.º, n.º 1,
do RJCS).
No quadro, contudo, deste pressuposto legal vigente entre nós, parece
que serão dois os caminhos que se mostram mais adequados de qualificação
jurídico-contratual do interesse, na senda, aliás, da maior parte da doutrina:
ou considerá-lo como causa ou, antes, como objecto do contrato de seguro.
Como refere JOAQUÍN GARRIGUES, a tese que vê o interesse como objecto do
contrato é a dominante na doutrina, tendo apoio em preceitos categóricos de
leis de outros países (156).
Entre nós, o legislador não definiu o interesse, estabelecendo, porém, o
conteúdo típico do contrato (art. 1.º do RJCS) e a necessidade de existência
do interesse, sob pena de nulidade de tal contrato (art. 43.º do RJCS), assim
dando algumas pistas para solução da questão.
Com efeito, se, quanto ao objecto do contrato, deve distinguir-se entre
objecto jurídico (correspondente ao conteúdo ou substância do negócio
jurídico) e objecto material (traduzido no bem de cuja fruição o negócio
trata) (157), então alguns elementos podem retirar-se da nossa lei no sentido
de melhor encontrar o lugar do interesse no seio do contrato.
Assim, se já concluímos que o risco integra o objecto do contrato, tendo
referência expressa em sede de conteúdo típico do mesmo, o interesse, por
sua vez, para além de claramente pressuposto no art. 1.º do RJCS (158), é
(154) Assim parece concluir GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., p. 131.
(155) Assim KÖNIG, Schweizerisches, privatversicherungsecht, p. 175, e PRÖLSS,
Versicherungsvertragsgesetz, 13.ª ed., München-Berlín, p. 249, apud GARRIGUES, JOAQUÍN,
op. cit., p. 131.
(156) GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., p. 131 (nota 10), referindo-se o Autor às leis francesa e suíça.
(157) Assim VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 137 – este Autor segue, por
sua vez, CASTRO MENDES.
(158) De facto, ao aludir a um risco do tomador do seguro ou de outrem, este preceito
tem em vista o interesse do segurado relativamente ao risco coberto.
44
tratado, em sede de conteúdo do contrato de seguro, lado a lado com o risco
– cfr. inserção sistemática de ambos no RJCS.
E, se a inserção sistemática do interesse, no RJCS, é junto do risco, e
dentro do conteúdo do contrato, também é certo que são semelhantes as
consequências legais previstas para a falta de qualquer deles: em ambos os
casos ocorre nulidade (159) do contrato de seguro (arts. 43.º, n.º 1, e 44.º,
n.º 1, do RJCS, tratando-se de normas absolutamente imperativas).
Ora, assim sendo, parece dever concluir-se – como se conclui – que o
interesse e o risco são elementos de uma mesma realidade, como faces de um
mesmo rosto: os dois fazem parte do objecto jurídico do contrato de seguro,
já que ambos integram o seu conteúdo, juntos formando, pois, a substância
desse negócio jurídico (160).
O interesse justifica mesmo, na sua relevância, um princípio orientador
do contrato de seguro, o princípio do interesse (161), e liga-se a um outro
princípio importante nesta matéria contratual, o princípio indemnizatório
(cfr. arts. 43.º, n.os 1 e 2, e 128.º e ss., todos do RJCS), por força do qual a
indemnização a cargo do segurador não pode ultrapassar o montante do dano
decorrente do sinistro (162). Mas esta é já matéria que se procurará perspectivar no capítulo seguinte.
(159) Cfr. Ac do STJ, de 22/03/2007, Proc. 07A230 (SILVA SALAZAR), www.dgsi.pt/jstj.nsf,
embora reportando-se ainda ao art. 428.º, n.º 1, do CCom.
(160) Cfr. GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., p. 132. De notar que a Lei do Contrato de
Seguro espanhola contém, no seu art. 25.º – tal como o art. 1904.º do Codice Civile italiano –, um pouco à semelhança do art. 43.º do nosso RJCS (este, porém, com um âmbito
mais amplo, pois que abrange todas as modalidades de seguros), um preceito que estabelece
a nulidade do contrato de seguro contra danos se, no momento da sua conclusão, não existir
um interesse do segurado à indemnização do dano (o Cód. italiano, por sua vez, alude ao
momento em que o seguro deva ter início).
(161) Cfr., por todos, MARTINEZ, P. ROMANO, Direito dos seguros, cit., p. 59, e
VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 142 e ss.. Este princípio significa que todo o
segurado deve ter uma justificação para efectuar o seguro, um interesse relevante ou segurável ou, nos termos da lei, “um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco
coberto”, sem o que o contrato é nulo (art. 43.º, n.º 1, do RJCS).
(162) Do mesmo modo, consagrando o princípio indemnizatório, o art. 1905.º do
Codice Civile italiano, enquanto que o art. 1904.º dessa codificação transalpina exprime o
princípio do interesse.
Capítulo IV
Princípios e tendências do direito material dos seguros
No âmbito do Direito do contrato de seguro a doutrina alude essencialmente ao princípio do interesse, ao princípio da individualização do risco, ao
princípio indemnizatório, ao princípio da sub-rogação, ao princípio da boa fé.
Classicamente, era usual ainda aludir-se, quanto à obrigação de pagamento
do prémio de seguro, aos princípios da indivisibilidade e da permanência do
prémio. Por limitações quanto à extensão deste trabalho, aludiremos apenas a
alguns desses princípios.
A par de tais princípios são notórias algumas tendências do actual
Direito material dos seguros, como a que se traduz na regra geral da defesa
do consumidor e da protecção do aderente em contratos de adesão, bem
como, em sede de seguros de responsabilidade civil, mais particularmente de
seguro obrigatório automóvel, a da protecção dos lesados, matérias estas a
que ulteriormente se aludirá.
1. O princípio da individualização do risco
Com o princípio da individualização do risco pretende traduzir-se a
exigência de uma clara identificação do risco no contrato de seguro, já que
nenhum segurador pode segurar todos os riscos que possam afectar as
pessoas, as suas coisas e o seu património (163).
(163) Assim GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., ps. 144 e ss.
46
Assim, ao celebrarem o contrato, tomador de seguro e segurador terão de
estar de acordo quanto à definição do risco objecto do contrato, pois que
dessa definição decorrerá, não só a decisão de contratar pelo segurador, mas
também, tomada tal decisão, o quantum das obrigações a cargo das partes,
seja o montante do prémio a pagar pelo tomador, seja o âmbito de suportação
do risco a cargo do segurador, seja mesmo o convencionar de limites para a
prestação devida em caso de ocorrência do sinistro.
Ora, cabe ao tomador do seguro, e não ao segurador, descrever as
circunstâncias do risco, daqui emergindo para este deveres de informação da
maior importância, que se fazem sentir mesmo antes da celebração do
contrato – é a chamada declaração inicial do risco (cfr. art. 24.º, n.º 1, do
RJCS).
Uma vez efectuada tal declaração inicial do risco, cabe ao segurador
apreciá-lo, determinando o grau de probabilidade de verificação do sinistro,
por forma a decidir se aceita, ou não, suportar a reparação patrimonial das
suas consequências económicas. Como esclarece JOAQUÍN GARRIGUES, em
geral não é necessário um acordo das partes sobre todos os factos ou
circunstâncias implicados, pois que a lei ou o costume ou a própria natureza
da coisa que se segura indicam, para cada tipo de seguro, quais os acontecimentos cuja realização engendrará a acção do segurado perante o segurador –
o tipo de risco logo resultará da própria denominação do contrato –, mas terá
sempre de concretizar-se as circunstâncias que permitirão decidir se um
determinado facto cai, ou não, no âmbito do risco ou riscos previstos no
contrato (164).
Neste âmbito cabem as exclusões convencionais do risco, havendo
múltiplos critérios de que as partes podem lançar mão para determinar o
risco, levando à indicação positiva ou negativa dos riscos excluídos. Aqui
alude-se tradicionalmente, desde logo, ao critério da causalidade – releva a
teoria operativa da causalidade adequada (165).
Mas a determinação do risco faz-se também através de outros critérios,
ditos objectivos, como a exacta descrição das coisas expostas ao risco e do
lugar onde se encontram, bem como do seu estado e condicionamentos.
(164) GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., ps. 144 e s..
(165) Cfr. GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., ps. 145 e s..
47
Assim, mediante a concretização do risco, o segurador só responderá, por
exemplo, por sinistros que afectem determinados bens ou, em vez disso, o
risco poderá reportar-se a um determinado direito ou mesmo a um certo património na sua totalidade (como no seguro de responsabilidade civil) (166).
No estabelecer de cláusulas de exclusão ou limitação do risco e da
responsabilidade do segurador se pode manifestar a liberdade contratual, mas
o exercício desta pode ser apenas aparente em sede de contratos de adesão,
em que as cláusulas de natureza limitativa podem traduzir apenas uma imposição da parte mais apetrechada (o segurador, com a sua alta capacidade
técnica e económica) à parte débil (o tomador de seguro, normalmente um
leigo), que se vê em situação de limitação de autodeterminação, casos esses
em que a liberdade contratual se limita ao exercício da posição contratual da
parte forte, impondo-se à parte contrária, o que pode determinar a intervenção dos mecanismos legais equilibradores de tutela previstos na LCCG.
Mas a própria lei também, por vezes, chama a si a tarefa de delimitar o
risco, mediante critérios positivos (de inclusão) e critérios negativos (exclusões). Com efeito, em certos contratos, por força de certas exigências a atender, e em limitação ao princípio da liberdade contratual, a lei impõe determinadas exclusões da garantia do seguro, como é o caso típico das exclusões em
sede de seguro obrigatório automóvel (art. 14.º da LSOA).
2. O princípio indemnizatório
Este princípio (167) vinca o carácter não especulativo do contrato de
seguro, fixando-lhe uma natureza estritamente indemnizatória, e não mais
que isso, pelo que a medida do ressarcimento do segurado deve corresponder
à estrita medida ou montante do dano sofrido. A prestação convencionada
a cargo do segurador em caso de sinistro não pode, assim, ultrapassar a
medida do prejuízo sofrido em consequência do evento aleatório previsto no
contrato.
(166) Assim GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., p. 146.
(167) Também chamado princípio da não especulação – cfr. MARTINEZ, P. ROMANO,
Direito dos seguros, cit., p. 59.
48
Tal prejuízo constitui, pois, fundamento e medida/limite daquela prestação, determinando o seu montante, ficando impedido o enriquecimento à
custa do seguro por parte dos lesados, tal como resulta inviabilizada a reparação de sinistros dolosamente causados pelo segurado ou beneficiário para
obtenção de lucros e até quaisquer especulações imorais (168) (169).
No nosso ordenamento jurídico, o princípio indemnizatório encontra
concretização, no campo do seguro de danos, de onde é originário, nos
arts. 128.º e segs. do RJCS. E logo no art. 128.º se estabelece a regra, quanto
à prestação a cargo do segurador, da sua limitação ao (montante do) dano
decorrente do sinistro, dentro, claro está, do montante do capital seguro,
regra essa reflectida no n.º 1 do art. 130.º, este atinente ao seguro de coisas,
onde se estabelece, por seu lado, que o dano a atender para efeitos
indemnizatórios corresponde ao valor do interesse seguro ao tempo do
sinistro.
3. O princípio uberrima bona fides
O princípio da máxima boa fé começa por se manifestar na fase précontratual, com a sua necessária concretização conformadora em sede de
deveres a cargo das partes no contrato de seguro. Não só, pois, quanto a
deveres de informação por parte do tomador do seguro antes da celebração do
contrato, onde pontifica a exigência da boa fé na declaração exacta e cabal
das circunstâncias que tal tomador conheça e razoavelmente deva ter por
significativas para a apreciação do risco pelo segurador (art. 24.º, n.os 1 e 2,
do RJCS), sendo a mesma exigência de especial boa fé que, conjugadamente
com o nível de relevância da matéria para a vida do contrato, determina a
gravidade das consequências do incumprimento desses deveres pré-contratuais. Mas também, do mesmo modo, quanto a deveres de informação e
esclarecimento do segurador ao tomador do seguro antes da celebração do
contrato, onde prepondera a mesma exigência da boa fé na prestação de todos
(168) Sobre as implicações do princípio indemnizatório, cfr. VASQUES, JOSÉ, Contrato
de seguro, cit., p. 146.
(169) Cfr. GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., p. 134.
49
os esclarecimentos exigíveis e informação das condições do contrato,
nomeadamente as previstas no art. 18.º do RJCS, no esclarecimento acerca de
que modalidades de seguro são convenientes para a concreta cobertura
pretendida pelo tomador (art. 22.º do RJCS), sem esquecer as informações
previstas, designadamente, no regime de defesa do consumidor quanto a
contratos de seguro em que o respectivo tomador deva ser considerado
consumidor (arts. 3.º e 19.º, n.º 2, do RJCS), e, bem assim, sem olvidar o
próprio dever de esclarecimento ao tomador do seguro quanto ao âmbito,
conteúdo e consequências do seu dever de declaração inicial do risco
(art. 24.º, n.º 4, do RJCS).
Mas não ficam por aqui os deveres iniciais do segurador que devem ser
perspectivados à luz do princípio da boa fé. Com efeito, beneficiando das
vantagens da contratação em massa, adoptando os mecanismos dos chamados
contratos de adesão, o segurador encontra-se, nesse campo contratual, sujeito
à LCCG (art. 3.º do RJCS), exigindo-se-lhe, desde logo, que actue de boa fé
na redacção, inclusão e conformação do conteúdo das cláusulas contratuais
gerais, adoptando, pois, para além do mais, um clausulado contratual claro e
não abusivo, dotado, além disso, de condições de transparência (cfr. também
art. 36.º, n.º 1, do RJCS).
E os deveres de informação recíproca das partes no contrato de seguro
prolongam-se por toda a vida do contrato, devendo tais partes, em postura de
boa fé, não só comunicar uma à outra, a cada passo, as alterações relevantes
do risco (art. 91.º do RJCS), mas ainda adoptar um padrão de conduta
pautado por uma indeclinável exigência de cooperação (cfr. arts. 44.º, 92.º,
93.º, 100.º, bem como 119.º e 126.º, todos do RJCS, e 34.º, n.º 1, da LSOA,
entre outros).
A boa fé impõe-se, assim, ao tomador do seguro ou ao segurado, na
medida em que se encontrem em posição privilegiada no que concerne,
designadamente, ao conhecimento das circunstâncias determinantes do risco
e da ocorrência do sinistro, posição essa acompanhada por um correspondente deficit de informação pelo lado do segurador. E impõe-se ao segurador,
na medida em que este se encontra em posição privilegiada decorrente da sua
qualificação de especialista – as mais das vezes a contactar com um leigo,
como ocorre geralmente nas relações de consumo –, com uma elevada estru-
50
tura organizacional, com desigual poderio técnico, económico e jurídico, o
que lhe confere um estatuto de clara superioridade sobre a outra parte,
tipicamente a parte débil, o que se faz sentir logo desde a fase pré-contratual,
ao ponto de colocar a parte contrária, mediante os mecanismos dos contratos
de adesão, em posição deficitária de autodeterminação.
Bem se compreende, pois, que, no contexto das relações civis e comerciais, surja uma outra atmosfera relacional, em que o campo contratual se
abre como espaço de novas inter-penetrações de interesses, com inovadora
compreensão da dinâmica dos direitos e deveres a cargo das partes, as quais
– tendo-se aproximado na celebração em comum do contrato –, em vez de se
oporem na pretensão de satisfação exclusiva por essa via de interesses
egoísticos próprios, são chamadas antes a concorrer, co-responsabilizando-se,
no imprimir de uma direcção de execução contratual duradoura que, de forma
equilibrada, possa dar os frutos contratuais típicos esperados para ambas,
numa liquidação materialmente justa do cumprimento da relação negocial
estabelecida.
Ora, nesta perspectiva é patente a importância do princípio da boa fé,
como veículo essencial concretizador insubstituível dos postulados ético-jurídicos do sistema, impressores de tal dimensão ética, dominantes na
ordem jurídica.
4. O princípio da tipicidade dos meios de defesa do segurador
Ao lesado, enquanto beneficiário do seguro, é conferido o direito próprio
de acção directa, permitindo-lhe “exigir o pagamento da indemnização
directamente ao segurador”, como decorre do disposto no art. 146.º, n.º 1,
do RJCS.
É neste âmbito da acção directa – nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil – que tem campo de aplicação o princípio da tipicidade dos
meios de defesa do segurador contra o lesado. Assim, nessa acção directa, o
segurador apenas poderá, nos seguros obrigatórios em geral, opor os meios
de defesa a que alude o n.º 1 do art. 147.º do RJCS, e, no seguro obrigatório
automóvel, tão-só aqueles a que alude o art. 22.º da LSOA.
51
Esta tipicidade dos meios de defesa oponíveis aos lesados tem em vista,
limitando os meios de defesa do segurador demandado, num escopo protector
da outra parte na lide judicial, a tutela do interesse indemnizatório do sujeito
lesado, enquanto demandante em tal lide. No campo especial do seguro
obrigatório automóvel protege-se, assim, as vítimas dos acidentes de viação,
não podendo esquecer-se a sempre presente função social de tal seguro
obrigatório.
Nisto se traduz, no essencial, o princípio da tipicidade dos meios de
defesa do segurador, postulando um vasto âmbito de inoponibilidade de
excepções perante o lesado, no escopo de tutela do interesse indemnizatório
deste – sem olvidar, porém, o interesse contratual da contraparte –, tratando-se de matéria de relevância prática e jurídica, a que se voltará ulteriormente (170).
(170) Cfr., infra, Cap. VIII, 4..
Capítulo V
A TIPICIDADE NO CONTRATO DE SEGURO
Já se aludiu (171) à tipicidade impressa no regime legal do contrato de
seguro, no sentido de espaço definido objecto de imperatividade legal. Não
que resulte infirmado o domínio do “princípio geral” da liberdade contratual
(consagrado no art. 405.º do CC), com a decorrente regra do carácter
supletivo dos preceitos do regime do contrato, como logo lembra o art. 11.º
do RJCS, continuando, pois, a ideia de autonomia privada a desempenhar o
seu papel preponderante no campo do contrato de seguro. Mas sim no sentido
de um conjunto articulado de limites àquele princípio geral, um amplo âmbito
de normação legal imperativa, quer seja em termos de imperatividade
absoluta (art. 12.º do RJCS), quer seja apenas relativa (art. 13.º do RJCS),
isto é, neste último plano, a “imperatividade mínima” em termos de a
solução legal só poder ser alterada em sentido mais favorável ao tomador do
seguro ou ao segurado ou ao beneficiário.
Já no seguro obrigatório automóvel, para além da margem de imperatividade geral decorrente do RJCS, uma segunda dimensão de imperatividade se
levanta, a que resulta do regime estabelecido, em especial, na LSOA.
1. Imperatividade no contrato de seguro em geral
O RJCS, dedicando toda uma secção (arts. 11.º a 15.º) às questões de
imperatividade no contrato de seguro, não se olvida de começar por estabe-
(171) Cfr., supra, Introdução.
53
lecer o princípio geral (cfr. art. 11.º): o princípio da liberdade contratual (172).
Por força deste princípio geral de Direito vigora, também em matéria de
contrato de seguro, a regra da liberdade de celebrar, ou não, contratos, de
escolher a outra parte e de estipular o conteúdo do pacto contratual.
O legislador teve aqui especialmente em vista o estabelecimento de
limites a tal princípio, como resulta da parte final do art. 11.º do RJCS, os
quais se consubstanciam em novas regras disciplinadoras do contrato de
seguro, revestidas de feição imperativa, impondo soluções de tutela da parte
considerada débil, o tomador do seguro ou o segurado (173), como se perspectiva perante o disposto nos artigos seguintes (desde logo, os arts. 12.º e
13.º do RJCS) (174).
Segundo o disposto no art. 12.º do RJCS, especialmente em matéria de
seguros de riscos de massa (aqueles que aqui importam), são absolutamente
imperativas – excluindo, pois, totalmente a liberdade contratual de
estipulação do conteúdo –, não apenas as disposições da secção atinente
à matéria de imperatividade (arts. 11.º a 15.º do RJCS), mas também
as do conjunto dos artigos expressamente mencionados no n.º 1 daquele
art. 12.º. E, também em matéria de riscos de massa, são relativamente
imperativas, na medida em que permitem, apenas, o estabelecimento de
um regime diverso mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou
ao beneficiário da prestação do seguro – mas não, pois, ao segurador –, as
disposições do conjunto dos artigos expressamente mencionados no n.º 1 do
art. 13.º do RJCS (175).
(172) Cfr., do mesmo modo, o anterior art. 427.º do CCom.
(173) Neste sentido se pronunciou também MARTINEZ, P. ROMANO, Lei do contrato de
seguro, cit., p. 63.
(174) Sobre a génese e o desenvolvimento das tendências que estão subjacentes a tais
limites, cfr. LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., ps. 6 e ss..
(175) O que fica dito vale para os seguros de riscos de massa, como se retira da
conjugação dos n.os 1 e 2 dos arts. 12.º e 13.º do RJCS, pois que só nesses seguros se
justifica a especial protecção conferida assim ao tomador do seguro, por se presumir ser este
a parte débil no contrato – cfr., no mesmo sentido, MARTINEZ, P. ROMANO, Lei do contrato
de seguro, cit., p. 64.
54
1.1. A imperatividade absoluta
Quanto à imperatividade absoluta, logo se constata que o próprio legislador procedeu à tarefa de expressa qualificação das normas desta natureza,
embora deva entender-se que esta tarefa não resulta acabada (o preceito não
deve interpretar-se como taxativo), pois que em sede interpretativa pode
concluir-se ainda pela imperatividade, em certo contexto, de uma norma não
presente naquele elenco do art. 12.º, n.º 1, do RJCS, sendo ainda que a imperatividade pode decorrer da relação entre norma do RJCS e norma complementar de diploma legal especial para a qual aquela norma (geral) remeta
(será o caso, por exemplo, da solução que, em matéria de seguro obrigatório
automóvel, se extrai das disposições conjugadas dos arts. 148.º do RJCS
e 15.º, n.º 2, da LSOA, quanto à cobertura de acidentes dolosos, solução essa
que aqui se reveste de natureza imperativa) (176).
Do catálogo de normas absolutamente imperativas fazem parte, para
além do mais (177), acrescendo aos preceitos dos arts. 11.º a 13.º do RJCS,
desde logo as disposições dos arts. 32.º, 34.º e 36.º do RJCS, referentes à
forma do contrato e à apólice de seguro.
Com este último conjunto de disposições visou o legislador conferir
grande importância, prática e jurídica, ao instrumento escrito do contrato de
seguro – a apólice – e estabelecer mecanismos rigorosos de tutela da parte
débil, o tomador do seguro, mediante vincadas exigências à outra parte, o
segurador. Daí, pois, a qualificação legislativa de tal complexo normativo no
âmbito da imperatividade absoluta, impedindo, assim, qualquer convenção
em contrário.
No rol dos preceitos absolutamente imperativos seguem-se os arts. 43.º
e 44.º do RJCS, atinentes, respectivamente, ao interesse e ao risco. Ante a
essencialidade destes, bem se compreende que os preceitos respectivos se
revistam de imperatividade absoluta, não podendo as partes convencionar em
sentido diverso.
(176) Em sentido algo semelhante, cfr. MARTINEZ, P. ROMANO, Lei do contrato de
seguro, cit., ps. 63 e s..
(177) Por limitações de extensão deste trabalho não será possível proceder a uma
análise desenvolvida dos preceitos de natureza absolutamente imperativa.
55
Já o art. 117.º do RJCS vale para a resolução do contrato de seguro de
riscos de massa após sinistro, admitindo o seu n.º 1 que as partes acordem,
mediante cláusula contratual, na possibilidade de resolução do contrato após
uma sucessão de sinistros. Porém, em contrário dispõe o seu n.º 3, enquanto
preceito revestido de imperatividade absoluta, que – salvo disposição legal
em contrário – a resolução do contrato pelo segurador após sinistro não pode
ser convencionada, designadamente, nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, como o seguro obrigatório automóvel.
A norma daquele n.º 1 visa, com efeito, conferir ao segurador a possibilidade de inserção válida no contrato de seguro de cláusula que lhe permita
resolver o contrato após uma sucessão de sinistros (não, pois, um só sinistro),
por forma a protegê-lo de situações de fraude ou má avaliação do risco. Tal
possibilidade não terá, porém, razão de ser em seguros em que está em causa
a tutela de terceiros – seguro obrigatório de responsabilidade civil. Daí, pois,
o preceito do n.º 3 daquele art. 117.º e a sua imperatividade absoluta, com a
consequente invalidade de quaisquer convenções contratuais em contrário,
visando-se, por isso, na parte que aqui importa, a tutela do beneficiário
daquele tipo de seguro (178) (179).
1.2. A imperatividade relativa
Se, no âmbito normativo do contrato de seguro, já era conhecida a
existência de normas jurídicas de natureza imperativa (absoluta) ou supletiva,
a entrada em vigor do RJCS trouxe consigo um regime inovador nesta
matéria, traduzido na adopção também da denominada “imperatividade
relativa”, isto é, um complexo de normas dotadas de uma dupla face, desde
logo constituída por uma dimensão imperativa, mas apenas para um dos
lados da relação jurídica, acompanhada por uma faceta de cariz supletivo,
virada esta para o outro lado da relação, na medida em que se admite o
(178) Em sentido semelhante, cfr. MARTINEZ, P. ROMANO, Lei do contrato de seguro,
cit., p. 337.
(179) Por fim, também com imperatividade absoluta, o art. 119.º do RJCS dispõe
relativamente ao dever de sigilo (profissional) que impende sobre o segurador e seus
administradores, trabalhadores, agentes e demais auxiliares. Sobre a motivação subjacente a
esta norma, cfr. MORGADO, J. PEREIRA, Lei do contrato de seguro, cit., p. 341.
56
estabelecimento, por via do contrato, de um regime mais favorável a uma
das partes.
Quer dizer, mantém-se aqui ainda alguma liberdade contratual, podendo
as partes, por isso, fazer constar do contrato cláusulas em sentido diverso do
constante da norma jurídica; porém, essa liberdade de estipulação do
conteúdo do contrato aparece aqui unidireccionalmente limitada, visto que a
alteração ao sentido da norma só pode ocorrer em termos de estabelecimento
de uma solução ou regime mais favorável a uma das partes, o tomador do
seguro ou o segurado, ou ainda ao beneficiário, como dispõe o art. 13.º, n.º 1,
do RJCS.
Na existência deste tipo de imperatividade (relativa), já conhecida
noutras latitudes do Direito dos contratos – como no domínio do contrato de
trabalho ou de arrendamento urbano –, se manifesta claramente a preocupação de tutela da parte considerada débil, o tomador do seguro ou
segurado, ou do lado da relação visto como mais fraco, o beneficiário, que no
seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel é o lesado (180).
Também nesta matéria se constata que o legislador procedeu de antemão
à tarefa de qualificação das normas de natureza relativamente imperativa (181), embora deva entender-se, também aqui, que esta tarefa não resulta
acabada (o preceito só será tendencialmente taxativo), pois que em sede
interpretativa pode concluir-se ainda pela imperatividade relativa, em certo
contexto, de uma norma não presente no elenco do art. 13.º, n.º 1, do
RJCS (182), isto é, de uma norma de pendor supletivo.
O elenco legal das normas que apenas admitem um regime contratual
mais favorável se em benefício do tomador, do segurado ou do beneficiário, é
extenso, como resulta da leitura do preceituado no art. 13.º, n.º 1, do RJCS,
contando-se um total de 53 artigos dotados de imperatividade relativa (183)
(180) Cfr. também o lugar paralelo, em termos de escopo de protecção prosseguido pelo
legislador, da disciplina do art. 410.º, n.º 3, do CC, estabelecendo nulidade atípica. Sobre o
tema pode ver-se SILVA, J. CALVÃO, Sinal e contrato-promessa, Coimbra, 1988, ps. 48 e ss..
(181) Este tipo de imperatividade só vale para os seguros de riscos de massa, excluindo
o n.º 2 do art. 13.º todos os seguros de grandes riscos, em relação aos quais, pois, nesta
matéria, o princípio da liberdade contratual não sofre limitações.
(182) Cfr., neste sentido, MARTINEZ, P. ROMANO, Lei do contrato de seguro, cit., p. 65.
(183) Cinco destes apenas quanto a parte dos respectivos números componentes.
57
– contra 12 dotados de imperatividade absoluta – num conjunto de 217
artigos que constituem o corpo do RJCS (184).
Deste sumário excurso já pode depreender-se a vastidão de normas e a
amplitude de áreas do âmbito do contrato de seguro a que o legislador quis
conferir a aludida dimensão de imperatividade relativa, acompanhando todas
as fases da vida do contrato e mesmo a relação de seguro alargada aos terceiros lesados, tudo no escopo de levar a cabo a protecção da parte tipicamente
considerada débil ou do lado da relação visto como mais carecido de tutela,
mesmo em âmbitos em que, como no que tange a declaração inicial do risco
(arts. 24.º a 26.º do RJCS), o conteúdo normativo originário do regime
respectivo visa a defesa do segurador.
2. Imperatividade no contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel
O fundamento da imperatividade, desde logo quanto à obrigação de
contratar, surge aqui ligado a uma ideia de necessidade social: a protecção,
a começar, do património do segurado, garantindo a sua integridade (como
seguro de responsabilidade civil que é), mas sobretudo uma eficaz protecção indemnizatória dos terceiros lesados, as vítimas dos acidentes rodoviários (185), falando-se nesta sede, por isso, num “direito da vítima”, que
passou a predominar, conduzindo a uma dupla especialidade diferenciadora
relativamente aos seguros clássicos de responsabilidade civil, traduzida, por
um lado, na obrigatoriedade do seguro, e, por outro lado, na acção directa do
lesado contra o segurador (186).
Tal dupla especialidade levou mesmo alguns autores a questionarem a
natureza do seguro obrigatório automóvel como seguro de responsabilidade
civil, considerando que os seguros de responsabilidade civil têm uma finalidade imediata voltada para o segurado, visando defender o seu património
(184) Ante a sua extensão, não pode analisar-se aqui todo o elenco de disposições legais
dotadas de imperatividade relativa.
(185) Cfr. LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., ps. 13 e 15.
(186) Assim também GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., ps. 405 e s..
58
das consequências económicas de uma determinada responsabilidade, ainda
que indirectamente tal concorra em benefício da vítima, enquanto que o
seguro obrigatório automóvel, por sua vez, se volta directamente para a
própria vítima, traduzindo-se a sua finalidade na protecção directa ao lesado,
embora também se repercuta positivamente no património do segurado.
Considerações deste tipo levam autores como JOAQUÍN GARRIGUES a,
por um lado, duvidar que possa aqui falar-se, tecnicamente, de um seguro de
responsabilidade civil, pois que, ademais, exista ou não responsabilidade do
autor do acidente, a vítima tem direito a ser indemnizada, e, por outro lado,
propor que se falasse antes de um “seguro contra o dano em si”, em termos
harmónicos com a ideia de um “fundo nacional de garantia”, defendida por
EHRENZWEIG e ASQUINI (187).
Porém, a maioria dos autores e das legislações continuam a apontar o
seguro obrigatório automóvel como um seguro de responsabilidade civil,
embora com características especiais, como o próprio JOAQUÍN GARRIGUES
reconhece (188).
É o que se passa também com a legislação portuguesa, à luz da qual
parece não restarem dúvidas quanto à pertença do seguro obrigatório automóvel aos seguros de responsabilidade civil – embora com especificidades
próprias –, como logo resulta, quanto ao RJCS, da inclusão sistemática das
disposições especiais de seguro obrigatório em secção dedicada ao seguro de
responsabilidade civil (cfr. arts. 146.º e ss.), e como se depreende da designação e disciplina acolhidas na LSOA e respectivas disposições legais
(cfr. arts. 1.º, 4.º, n.º 1, 11.º, n.º 1, e 31.º).
Assim, perante tal natureza e especificidades do seguro obrigatório automóvel, pode concluir-se que o mesmo visa, também no que concerne à imperatividade que em si transporta, a protecção do segurado, defendendo o seu
património da obrigação de indemnizar terceiros – o segurador cobre o risco
de constituição, no património do segurado, de tal obrigação (art. 137.º do
RJCS e arts. 4.º, n.º 1, e 15.º, n.º 1, da LSOA) –, mas ainda, e sobretudo, a
protecção dos lesados, mediante a satisfação efectiva do respectivo direito
indemnizatório.
(187) Cfr., por todos, GARRIGUES, JOAQUÍN, op. cit., ps. 412 e s.
(188) Op. e loc. cits.
59
Desta ordem de factores, projectando-se, pois, nas diversas dimensões
relacionais de seguro e envolvendo os diversos sujeitos aludidos, derivam,
assim, as limitações legalmente estabelecidas ao princípio da liberdade
contratual em matéria de contrato de seguro obrigatório automóvel, visando
as normas do respectivo regime legal, tal como estabelecido pela LSOA,
contendo a marca vincada da imperatividade, a tutela, desde logo, do tomador
do seguro ou segurado, mas sobretudo do lesado/vítima.
De tal marca de imperatividade estabelecida no escopo de protecção dos
lesados é expoente incontornável o art. 22.º da LSOA, impondo um apertado
elenco taxativo de meios de defesa oponíveis pelo segurador ao lesado no
âmbito da acção directa indemnizatória, como já referido anteriormente.
De referir ainda que nenhum dos sujeitos da relação de seguro pode
prescindir, renunciar ou excluir a regra de conduta conforme a boa fé, mais
ainda num contrato uberrima bona fides, pois em causa está um imperativo
legal – nenhuma das partes pode eximir-se aos ditames da boa fé, que estão
subtraídos à sua disponibilidade, constituindo, assim, designadamente nas
respectivas normas concretizadoras, verdadeiro direito imperativo do
contrato.
Capítulo VI
A PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR DE SEGUROS
A noção de consumidor (189) adoptada pela LDC – na senda, aliás, do
conceito de consumidor dominante na UE – perspectiva o consumidor como
alguém que não actua no exercício da sua actividade profissional. É “todo
aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos
quaisquer direitos, destinados a uso não profissional”, por quem, para além
disso, “exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a
obtenção de benefícios” (art. 2.º, n.º 1, da LDC). Trata-se, pois, das transacções de um profissional para quem actua fora do âmbito do exercício da sua
própria actividade profissional.
Assim, em matéria de seguros, na noção de consumidor fica abrangido
grandíssimo número dos comuns tomadores de seguros de riscos de massa,
designadamente no âmbito do seguro obrigatório automóvel (os que, ao
celebrarem o respectivo contrato, não actuem no exercício da sua actividade
profissional). O consumidor de seguros é, pois, a pessoa singular a quem
sejam prestados serviços (de seguros), não destinados a segurar a sua
actividade profissional, por um segurador (190).
(189) Sobre as raízes da defesa do consumidor, cfr. SILVA, J. CALVÃO, Responsabilidade civil do produtor, Almedina, Coimbra, 1999, p. 28.
(190) A doutrina não tem sido unânime quanto à noção de consumidor. Porém, a
Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 05 de Abril de 1993, referente às cláusulas abusivas
nos contratos com consumidores (JOCE, de 21/04/1993, n.º L 95/29, p. 29), visa, como
decorre do seu art. 2.º, al. b), “só os contratos de consumo, celebrados entre profissionais e
consumidores, stricto sensu – pessoas singulares que contratam para fins não profissionais”
(SILVA, J. CALVÃO, Banca, bolsa…, cit., p. 148), devendo, pois, adoptar-se nesta sede o
conceito restrito de consumidor. No mesmo sentido, cfr. LAMBERT-FAIVRE, IVONNE, op. cit.,
61
Ora, se, assim, cai na alçada dos preceitos da LDC uma muito vasta área
de contratos de seguro (cfr. arts. 3.º e 19.º, n.º 2, do RJCS), tal ocorre perante
a posição de inferioridade – tipicamente assim é – em que se encontra o
consumidor de seguros face ao segurador. Com efeito, enquanto o consumidor é normalmente um não especialista, alguém sem preparação técnica ou
jurídica, em matéria contratual de elevada tecnicidade, o segurador é, pelo
contrário, um especialista, alguém dotado, por ser um profissional e deter
uma organização apreciável, desses atributos. Assim, o consumidor de
seguros não tem a capacidade técnica e jurídica, nem o poderio económico,
que lhe permitam negociar o conteúdo do contrato. Tal conteúdo é, nesse
contexto e quanto ao contrato de seguro em geral, composto por cláusulas
(denominadas “condições”) gerais previamente redigidas unilateralmente
pelo segurador, não sendo dada à contraparte a possibilidade de as discutir,
restando-lhe apenas a possibilidade, em plano de acentuado desequilíbrio de
posições negociais, de as aceitar ou de não contratar.
Se a estas notas se acrescentar que, por um lado, a prestação contratual
convencionada a cargo do segurador deve, pela sua natureza, encontrar-se
adequadamente garantida (quanto a fundos disponíveis) perante o tomador do
ps. 117 e s., e OLIVEIRA, E. DIAS, A protecção dos consumidores nos contratos celebrados
através da internet, Almedina, Coimbra, 2002, ps. 52 e s.
A noção restritiva de consumidor é, contudo, passível de críticas, pois que um contrato
pode ser subscrito, por necessidades ligadas à sua actividade profissional, por uma pessoa
singular ou colectiva cuja competência específica seja totalmente estranha ao tipo de contrato
celebrado, pessoa essa que, nesse caso, estará no mesmo estado de ignorância que qualquer
consumidor, o que normalmente ocorrerá com os pequenos empresários e pequenas e médias
empresas ou associações, que, não ligados ao sector dos seguros, celebrem contratos de
seguro (tal como nas relações de consumo, estará um especialista perante um não especialista, que age, por isso, como qualquer consumidor) – cfr. LAMBERT-FAIVRE, IVONNE, op.
cit., p. 122, e ALVES, P. RIBEIRO, op. cit., ps. 29 e ss. e 60 e s.
Já, por outro lado, L. SILVEIRA RODRIGUES defende que a noção de consumidor de
seguros é extensível a sujeitos que não são parte no contrato de seguro, abrangendo, assim,
para além do tomador do seguro, também o segurado e o beneficiário ou o lesado
(cfr. op. cit., p. 237). Concorda-se com este Autor, pois que a LDC não restringe a qualidade
de consumidor a quem seja parte no contrato. Com efeito, mais que o contrato de consumo,
em si, importa a relação (de seguro) que do mesmo promana, a qual pode ser apenas bilateral
ou ter outros mais lados (como no seguro obrigatório automóvel, onde tem papel de relevo
um terceiro, o lesado – cfr. art. 45.º, n.º 1, da LSOA, permitindo procedimentos mais céleres
de regularização dos sinistros, em beneficio dos lesados, sem diminuir a protecção dos
mesmos como consumidores assegurada pela lei, a LDC).
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seguro ou segurado, e, por outro, que este não está em condições de poder
apurar da solvabilidade financeira do segurador, bem como que em certas
modalidades de seguro, como nos obrigatórios de responsabilidade civil, há
que considerar, para além dos interesses das partes contratantes, os de terceiros beneficiários, então já se compreende que o legislador de diversos países
– também o nosso –, impulsionado, para além do mais, pelas directivas, de
feição uniformizadora, da UE (191), se visse na necessidade de intervir,
convocando diversos mecanismos de protecção da parte considerada débil, no
caso o consumidor de seguros (192).
Desde logo, assim, mecanismos de protecção económica, através do
chamado Direito público dos seguros, com um conjunto articulado de regras
de controlo, fiscalização e supervisão dos seguradores, incluindo o concernente
à sua autorização de actividade, quanto a condições de acesso e de exercício,
e apreciação de solvabilidade, abarcando, pois, um controlo de cariz administrativo e um controlo de pendor financeiro de solvabilidade (193).
Mas também múltiplos mecanismos de protecção jurídica – no seio dos
quais a boa fé assume, entre nós, um papel essencial –, constituindo, nesta
perspectiva, uma ordem pública de protecção (194), direccionada para a tutela
de certa categoria de contraentes (195), ante a estrutural posição de inferioridade
(191) É conhecido o movimento de harmonização comunitária em sede de mercado
único europeu dos seguros, com as aludidas “três gerações de directivas” a imporem-se com
vista à liberalização do mercado comunitário dos seguros e, assim, à protecção do consumidor de seguros, num clima de concorrência mais justa e leal entre seguradores.
(192) Cfr., neste sentido, LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., ps. 96 e ss., com análise
do tema.
(193) Em Portugal cabe ao ISP, pessoa colectiva de Direito público, o papel de autoridade de supervisão da actividade seguradora, tendo atribuições que, para além do mais, se
traduzem em regulamentar, fiscalizar e supervisionar a actividade seguradora, resseguradora
e de mediação de seguros – cfr., sobre o tema, VASQUES, JOSÉ, Direito dos seguros, cit.,
p. 66. Sobre o papel do ISP em matéria de fiscalização e regulamentação em sede de seguro
obrigatório automóvel, cfr., respectivamente, os arts. 84.º e 91.º da LSOA.
(194) Sobre a noção de ordem pública de protecção, oriunda da doutrina francesa,
cfr. MACHADO, BAPTISTA, Do princípio da liberdade contratual, in: Obra dispersa, vol. I,
Scientia Iuridica, Braga, 1991, ps. 642 e s.
(195) Este movimento de intervenção legislativa dos estados no âmbito do contrato,
tutelando o interesse da parte considerada mais fraca, insere-se naquilo a que pode chamar-se
“a materialização do direito dos contratos”, por oposição e como superação da “concepção
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negocial em que se encontram, mas ainda, ao mesmo tempo, actuando sobre
as condições de formação da vontade negocial, de molde a suprir posições
deficitárias de informação e de capacidade técnica de uma das partes, quanto
ao objecto ou às condições do contrato. Tal ordem pública de protecção, que
se vem expandindo paulatinamente, é veiculada em Portugal por diversos
diplomas legais, seja, pois, através da dita LDC, seja da LCCG, seja através
de exigências de transparência nas relações contratuais de seguro (196), ou
seja ainda no estabelecimento, em moldes de imperatividade, de específicos
deveres de informação e esclarecimento a cargo do segurador (cfr. arts. 18.º
a 23.º do RJCS) ou na demais regulamentação legal tuteladora do tomador
ou segurado nos seguros de riscos de massa, normalmente contratos de consumo, ou ainda na publicação de outra legislação avulsa aplicável (197).
A LDC dedica todo um seu capítulo (o segundo) aos direitos dos consumidores, começando por elencá-los (art. 3.º) e passando depois a desenvolvê-los (arts. 4.º a 15.º). E, face ao disposto no art. 16.º da mesma LDC, é
manifesto o carácter imperativo das disposições concernentes a tais direitos dos consumidores, imperatividade essa destinada sempre a proteger o
consumidor.
Nos contratos de seguro em que o tomador do seguro intervenha como
consumidor – aqueles em que actua fora do exercício da sua actividade
profissional –, aos direitos que lhe são conferidos pelo RJCS acrescem os
previstos na LDC (cfr. arts. 3.º e 19.º, n.º 2, ambos do RJCS).
Relevante é, assim, o “direito à protecção dos interesses económicos”,
previsto no art. 9.º da LDC, tendo o consumidor de seguros direito a uma
relação jurídica de consumo caracterizada pela “igualdade material dos
intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na
vigência dos contratos” (n.º 1). O segurador está obrigado, neste contexto,
estritamente formal-jurídica da liberdade” – cfr. RIBEIRO, SOUSA, Direito dos contratos…,
cit., ps. 39 e ss.
(196) O denominado Regime da Transparência nos Seguros decorre do DL n.º 176/95,
de 26-07, alterado pelo DL n.º 60/2004, de 22-03, e pelo DL n.º 357-A/2007, de 31-10.
(197) Por exemplo, o DL n.º 95/2006, de 29-05, sobre contratos relativos a serviços
financeiros a consumidores através de meios de comunicação à distância, ou o DL
n.º 57/2008, de 26-03, sobre práticas comerciais desleais das empresas nas relações comerciais com os consumidores.
64
nos contratos pré-elaborados, com vista à prevenção de abusos, não só “à
redacção clara e precisa, em caracteres facilmente legíveis, das cláusulas
contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares” (al. a)
do n.º 2), como ainda “à não inclusão de cláusulas em contratos singulares
que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor”
(al. b) do n.º 2), ficando a inobservância desta dupla injunção sujeita ao
regime das cláusulas contratuais gerais (n.º 3).
Ora, na nossa doutrina, vendo-se, embora, naquela disposição alusiva ao
“significativo desequilíbrio” a influência do art. 3.º, n.º 1, da dita Directiva
93/13/CEE (198), não oferece dúvida que o preceito daquele art. 9.º, n.º 2,
al. b), “deve ser visto como uma sequência concretizadora da imposição
genérica de observância da boa fé, em tutela dos interesses económicos do
consumidor, estabelecida no número anterior” (199). E, se assim é, então a boa
fé assume-se, neste patamar normativo, como critério de aferição do grau
– ou intensidade – da lesão dos interesses económicos do contraente tomador
de seguro consumidor em consequência da inclusão, no contrato de seguro,
de cláusulas determinantes, em maior ou menor medida, e em função do seu
conteúdo, de um significativo desequilíbrio em prejuízo daquele contraente.
Quer dizer, o que está então em causa é o conteúdo, em si significativamente
desequilibrado, de tais cláusulas contratuais, por isso mesmo proibidas pela
lei (200), numa valoração objectiva dos efeitos produzidos pelo contrato sobre
os interesses de uma das partes.
Neste contexto, a boa fé é convocada, pois, como critério de controlo de
conteúdos contratuais desequilibrados em prejuízo do contraente consumidor
de seguros, actuando pela perspectiva da inclusão destes no programa contratual. Nessa perspectiva, a boa fé assume-se como “fundamento e critério de
(198) A qual adoptou a expressão, de origem francesa, “cláusulas abusivas”, difundindo-a depois pelos países da UE – cfr. LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., ps. 119 e ss.
(199) Cfr. RIBEIRO, SOUSA, Direito dos contratos…, cit., p. 272.
(200) A cláusula abusiva é a que o é em si e por si própria – pelo seu conteúdo –, e não
por força de factores ou circunstâncias que lhe sejam exógenos ou “do desempenho contratual no exercício de uma posição activa que dela resulte” – RIBEIRO, SOUSA, Direito dos
contratos…, cit., p. 230. Do mesmo modo, o significativo desequilíbrio consequente à inclusão de certa cláusula decorre do conteúdo da mesma, tornando-a contrária à boa fé.
65
limites” à liberdade contratual de estipulação (201), para além de regra ou
padrão de conduta que preside, desde logo, a todo o fluir da relação jurídica
de consumo de seguros, projectando-se sobre os comportamentos das partes,
mostrando o que neles é devido, desde, pois, os preliminares do negócio e
formação do contrato, até aos diversos passos da sua execução e vigência,
nos termos do n.º 1 daquele art. 9.º.
Conclui-se, assim, que, nesta sede, a boa fé assume um relevante papel
no âmbito do controlo do conteúdo dos contratos de consumo de seguros por
adesão, enquanto critério de proibição de conteúdos constantes de cláusulas
cuja inclusão em contratos singulares cause desequilíbrio significativo em
desfavor do consumidor de seguros aderente. Quer dizer, é a boa fé que, com
os seus critérios valorativos, permite qualificar o conteúdo contratual transportado por certa cláusula pré-elaborada como significativamente desequilibrado, como determinante de um prejuízo desproporcionado, constituindo-se,
pois, como medida dessa desproporção ou deficit de equidade no interior do
contrato (202). A bitola última da proibição legal de conteúdos é aqui constituída, assim, pelo parâmetro legal “desequilíbrio significativo”, mas a medida
deste é conferida pela boa fé.
(201) A expressão é ainda de RIBEIRO, SOUSA, Direito dos contratos…, cit., p. 274.
(202) É conhecida a controvérsia sobre o papel da boa fé como causa, ou não, de invalidade ou ineficácia dos contratos que com ela se não conformem – sobre o tema,
cfr. RIBEIRO, SOUSA, Direito dos contratos…, cit., ps. 207 e ss.
Capítulo VII
A PROTECÇÃO DO TOMADOR DE SEGUROS
NOS CONTRATOS DE ADESÃO
A utilização das cláusulas contratuais gerais – com as características da
pré-formulação, por serem redigidas prévia e unilateralmente por uma das
partes, da generalidade, por se destinarem a pessoas indeterminadas, e da
rigidez, por serem adoptadas em bloco por quem as subscreva ou aceite, sem
possibilidade de alteração do seu conteúdo (203) – tornou-se essencial na contratação de seguros em massa (204), permitindo a racionalização de tempo e
de meios, tão necessária na actualidade, seja para os seguradores seja para os
seus clientes, bem como a normalização dos riscos cobertos e o âmbito
exacto de responsabilidade que dos mesmos possa resultar para o segurador.
Nesta perspectiva, tais moldes de contratação em massa, assim tornada
expedita e sem dificuldades de negociação, são a contento dos seguradores e
parecem sê-lo, também, dos tomadores de seguros. Porém, só na aparência é
assim quanto a estes últimos. Normalmente, o predisponente segurador,
sendo um especialista, é dotado de manifesta superioridade organizacional,
económica, técnica e jurídica perante os seus massificados interlocutores,
comummente simples leigos na matéria, com o que logo se estabelece marcada assimetria estrutural entre as partes, uma desigualdade típica manifesta,
ponto de partida para a sujeição, na regulação do negócio, da contraparte
inferiorizada.
(203) Assim CORDEIRO, MENEZES, Manual..., cit., ps. 499 e s., e LEITÃO, MENEZES,
Direito das obrigações, vol. I, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 32 e s.
(204) Sobre as origens deste modo de contratação, já usado no sector segurador no
séc. XIX, cfr. CORDEIRO, MENEZES, Manual..., cit., ps. 498 e 767.
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Tal superioridade permite ao segurador o total domínio da estrutura e
conteúdo do contrato, por si previamente elaborado, de acordo com os seus
conhecimentos técnicos e jurídicos e segundo a total salvaguarda dos seus
interesses negociais, contrato esse normalmente hiper-clausulado, seja pela
extensão e detalhes, seja pela abrangência de conteúdo, das “condições”
produzidas unilateralmente, ademais frequentemente inter-conexionadas
entre si – dependendo o sentido de umas da sua conjugação, aliás, não linear,
com outras –, o que confere grande complexidade aos dados contratuais apresentados à contraparte, à qual esta forma de contratação é imposta. Ora, ante
as exigências de celeridade no apressado ritmo de vida da sociedade de
produção e consumo em que vivemos, em que ninguém pretende perder
tempo, aquela complexidade e massificação leva a que o tomador do seguro
seja tentado, muitas vezes, a assinar o contrato sem sequer o ler na totalidade
das suas “condições”.
Tudo isto transporta inúmeros perigos para o aderente/tomador do
seguro ou segurado, o qual pode vir a sentir-se enganado quando, efectuado o
contrato, se sente seguro, e, ocorrido finalmente o sinistro (porventura depois
de inúmeros prémios pagos), vem a verificar, por exemplo, que o segurador,
escudado no jogo articulado das “condições”, afirma que ocorre exclusão da
garantia ou cláusula de exoneração e se recusa a realizar a prestação esperada
a seu cargo – a que é típica daquela modalidade de seguro em caso de sinistro, mas cuja concreta e complexa delimitação contratual do risco vem a
deixar obstaculizada – ou invoca franquias contratuais que, embora formalmente constem do clausulado, não haviam sido devidamente apreendidas por
tal tomador do seguro ou segurado e vêm a inviabilizar na prática (total ou
parcialmente) a realização daquela prestação a cargo do segurador.
Consciente de tais perigos, o legislador optou por intervir, fazendo-o em
termos imperativos, através, entre nós, da publicação da dita LCCG (205),
(205) Entendeu o legislador que se tornava necessária aqui regulamentação legal específica, com um controlo diferenciado, mais rigoroso e tutelador da parte débil, decorrente de
regras próprias, relativamente às vigentes em geral no Direito dos contratos, pois que estas
últimas, pela sua abstracção, são inadequadas para o efeito, não dispensando toda a protecção
que este tipo de contratação reclama, atenta a marcada desigualdade estrutural que se
estabelece entre as partes, geradora, para uma delas, de situações constrangedoras da capacidade de exercício de uma verdadeira autodeterminação negocial.
68
onde se estabeleceu a nulidade das cláusulas contratuais gerais proibidas por
disposições de tal lei (art. 12.º), tratando-se assim, por um lado, de um vasto
elenco de cláusulas absolutamente proibidas nas relações entre empresários
ou entidades equiparadas (cfr. art. 18.º) ou apenas relativamente proibidas
neste âmbito (art. 19.º), e, por outro lado, de múltiplas cláusulas proibidas nas
relações com os consumidores finais, sejam elas absolutamente proibidas
(art. 21.º) ou relativamente proibidas (art. 22.º), enumeração essa, em
qualquer dos casos, não taxativa.
Ora, se a LCCG se aplica às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem
prévia negociação individual, que os tomadores de seguro indeterminados se
limitam a subscrever ou aceitar (art. 1.º, n.º 1), ela regula igualmente todas as
cláusulas inseridas em contratos individualizados de seguro cujo conteúdo,
previamente elaborado, o destinatário (206) não pode influenciar (n.º 2 do
(206) Quanto ao âmbito subjectivo de aplicação da LCCG perante o disposto no n.º 2 do
seu art. 1.º, concordamos com a doutrina que entende que tal âmbito de aplicação é geral:
não só, pois, para destinatários consumidores, mas para todos os aderentes, consumidores ou
não, a esse tipo individualizado de contratação – cfr., neste sentido, RIBEIRO, SOUSA, Direito
dos contratos…, cit., ps. 190 e ss..
A circunstância de a LCCG ter um âmbito subjectivo geral de aplicação dá azo a críticas, a nosso ver infundadas, no sentido da não compatibilidade com a Directiva 93/13/CEE
ou com outras disposições de Direito comunitário. De facto, certa doutrina defende que a
extensão da protecção legal aos profissionais contraria os objectivos prosseguidos pela
directiva, consubstanciados na protecção dos consumidores, pois que esta protecção poderia
resultar afectada por critérios seguidos na prática da contratação entre profissionais (cfr.,
sobre o tema, ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato de seguro, Estudos, cit., p. 78).
Ora, cabe dizer, quanto à pretendida incompatibilidade com a directiva, que esta,
aplicando-se às relações de consumo, tem em vista a protecção dos consumidores, estabelecendo níveis mínimos de protecção para estes. Quer dizer, visto o seu escopo e a sua razão
de ser, a directiva não impede nem a protecção de aderentes não consumidores (alargamento
da protecção), nem a fixação de níveis superiores, ou mais rigorosos, de protecção dos
consumidores (aprofundamento da protecção). O facto de se protegerem os aderentes na
contratação entre profissionais não deixa prejudicada a posição dos aderentes consumidores
– a LCCG mostra isso mesmo, consagrando uma protecção superior para os aderentes
consumidores (cfr. arts. 20.º e ss.) comparativamente com os demais aderentes (cfr. arts. 17.º
a 19.º). Donde que não exista incompatibilidade com aquela directiva.
E também não se vê que haja incompatibilidade com o restante ordenamento comunitário, designadamente com o Tratado CE. A crítica poderá assentar aqui em que a
aplicação da LCCG – com o seu controlo, de inclusão e de conteúdo abusivo, sobre cláusulas
contratuais em contratos de adesão – fora das relações de consumo pode constituir entrave à
livre circulação de mercadorias e de prestação de serviços (arts. 28.º e 49.º do Tratado CE)
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mesmo art.), excepcionadas, em qualquer dos casos, na parte pertinente, as
inaplicabilidades desta lei, tal como previstas no preceito do respectivo
art. 3.º, o qual agora não carece de maior explicitação (207).
Havia, pois, que estabelecer mecanismos de controlo adequado de tais
cláusulas. A opção legislativa foi, nesta sede, em primeiro lugar, por um
controlo de inclusão. Por isso, a inclusão de cláusulas contratuais gerais em
contratos singulares de seguro depende, desde logo, da sua específica aceitação pelo aderente tomador do seguro – a inclusão só opera se as cláusulas
forem aceites como integrantes do conteúdo do contrato pelo tomador de
seguros aderente, o que implica o necessário e específico acordo de vontades
(cfr. art. 4.º da LCCG).
Daí a necessidade e importância, no âmbito deste primeiro tipo de
controlo, da adequada comunicação de tais cláusulas: elas devem – imperativamente – ser integralmente comunicadas ao tomador do seguro aderente
(art. 5.º, n.º 1, da LCCG); e devem sê-lo de modo adequado e com a antequanto a contratos entre profissionais. Porém, como refere MOITINHO DE ALMEIDA, o TJCE
considera não constituírem entraves ao comércio entre os Estados-Membros, nem medidas
restritivas proibidas pelo art. 28.º daquele Tratado, as legislações nacionais limitadoras ou
proibitivas de certas modalidades de venda; e, mesmo a considerar-se que tais legislações
constituem, de alguma forma, à luz do art. 49.º de tal Tratado, entraves à livre prestação de
serviços (como poderá suceder com as cláusulas de delimitação ou exclusão do risco no contrato de seguro), esses entraves, desde que “não sejam directamente discriminatórios, podem
ser justificados por razões de interesse geral, designadamente a necessidade de assegurar a
lealdade nas transacções comerciais” (cfr. Contrato de seguro, Estudos, cit., p. 80). Ora, é
patente que a LCCG não visa estabelecer quaisquer entraves de natureza discriminatória às
liberdades de circulação de mercadorias e de prestação de serviços no espaço comunitário,
antes visando a protecção de todos os aderentes em contratos de adesão, vista a posição de
desequilíbrio estrutural, decorrente dessa forma de contratação, em que se encontram, sejam
ou não consumidores, por forma a defendê-los de abusos a que essa específica contratação
tipicamente pode dar lugar. Quer dizer, está em causa a justiça contratual como limite à
liberdade contratual e à liberdade de circulação, havendo que harmonizar valores e princípios
de sentido não exactamente coincidente, tarefa que, não constituindo, obviamente, medida
discriminatória, cabe nos objectivos de política legislativa no âmbito dos ordenamentos
nacionais dos Estados-Membros. Donde que se considere justificada a opção do legislador
português em sede de LCCG e, a mais disso, compatível com o ordenamento comunitário.
(207) É pacífico, face à redacção actual da al. c) do art. 3.º da LCCG (introduzida pelo
DL n.º 220/95), que tal lei se aplica ao sector segurador. Com efeito, limita-se este preceito a
estabelecer, quanto ao que aqui importa, a não aplicação da LCCG a “contratos submetidos a
normas de direito público”, sendo evidente que o contrato de seguro, de pendor comercial,
está submetido a normas de Direito privado.
70
cedência necessária, em cada caso, a possibilitar o seu conhecimento (208),
completo e efectivo, por um tomador de seguro aderente normalmente diligente (n.º 2) (209); sendo que o ónus da prova dessa exigente comunicação
impende sobre o segurador predisponente (n.º 3 do mesmo artigo).
Mas a esse dever de comunicação acresce um imperativo dever de
informação: o segurador predisponente deve informar o tomador do seguro
aderente dos aspectos compreendidos nas cláusulas gerais utilizadas cuja
aclaração se deva ter por justificada (art. 6.º, n.º 1); devendo ainda prestar
todos os esclarecimentos razoáveis que lhe sejam solicitados nesse processo
negocial, desde que reportados a tais cláusulas (n.º 2), no escopo de que estas
sejam realmente entendidas pelo aderente.
Cumprido este requisitório legal, as ditas cláusulas contratuais gerais
consideram-se aceites pelos aderentes e, como tal, objecto de inclusão nos
singulares contratos de seguro (arts. 4.º e 8.º, este a contrario sensu). Caso
contrário, tais cláusulas consideram-se excluídas desses contratos (art. 8.º),
tendo-se como não escritas.
Verificada fica, assim, a influência do princípio da transparência,
enquanto sub-princípio decorrente da boa fé, a impor uma conduta de lealdade, abertura e cooperação informativa da parte mais forte perante a parte
débil, disponibilizando-lhe um conjunto de informações contratuais indispensáveis a conferir paridade material à relação negocial, por forma a superar o
deficit estrutural de capacidade negocial de uma das partes, repondo-se nessa
relação o equilíbrio necessário, reclamado pelas exigências de justiça contratual, próprias do princípio da boa fé.
Mas ao lado deste princípio tem também importância um outro princípio
básico, o do maior aproveitamento dos contratos singulares (cfr. arts. 9.º
(208) A lei alude a “tornar possível” tal conhecimento. Basta, pois, que o segurador predisponente dê essa possibilidade nos moldes legais. Se tal acontecer, o seu dever fica, nesta
parte, cumprido, ainda que o aderente – nesse caso por negligência sua – não adquira esse
cabal e efectivo conhecimento.
(209) O preceito alude a “quem use de comum diligência”, tratando-se, assim, da
diligência que é apanágio de um “declaratário normal, colocado na posição do real declaratário” (cfr. art. 236.º, n.º 1, do CC), isto é, do homem comum ou padrão, do normal tomador de seguros, ou, por outras palavras, a “diligência de um bom pai de família, em face das
circunstâncias do caso” (art. 487.º, n.º 2, do CC).
71
e 13.º da LCCG), pois que estes são usualmente relevantes para os aderentes,
que se veriam prejudicados pela nulidade total do negócio (210).
Uma segunda – e sucessiva – dimensão de controlo consiste no sindicar
do conteúdo de quaisquer cláusulas pré-formuladas e não negociadas nos
contratos de seguro de adesão. Quer dizer, tais cláusulas são agora objecto de
controlo imperativo quanto ao seu conteúdo, o que se traduz em novas
restrições à liberdade contratual, sempre em tutela da parte débil na relação, o
tomador de seguros aderente. Com efeito, ao sindicar o conteúdo de certas
cláusulas inclusas no contrato, por forma a verificar do seu carácter proibido
e, por isso, nulo, está-se a impor limitações à liberdade de estipulação (211).
Ora, no âmbito deste controlo do conteúdo o destaque cabe à boa fé: são
proibidas – logo, nulas – “as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”
(cfr. arts. 15.º e 12.º da LCCG) (212). Quer dizer, o critério de aferição do
conteúdo é aqui exclusivamente dado pelo princípio da boa fé, constando a
sua concretização do art. 16.º da LCCG.
Assim, à luz deste último preceito, o critério material de ponderação,
valorando os conteúdos contratuais, terá de ser encontrado junto dos valores
fundamentais do direito, na espécie os ligados, desde logo, à justiça contratual em matéria de seguros, relevantes em face da situação concreta considerada. E, concretizando mais, no âmbito de tais valores fundamentais do
direito merecem especial ponderação, em primeiro lugar, a confiança suscitada, nas partes, seja pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa,
seja pelo processo de formação do contrato singular celebrado, seja ainda
pelo teor deste ou por quaisquer outros elementos atendíveis (al. a) do
art. 16.º), e, em segundo lugar, o objectivo negocial que as partes quiseram
atingir com a celebração daquele contrato, buscando-se a sua efectivação à
luz do tipo de contrato utilizado (al. b) do mesmo artigo).
Quer dizer, se a referência concretizadora nos conduz para o domínio
dos valores fundamentais do sistema em sede de Direito dos contratos, onde
se salienta o postulado da justiça contratual, os dois pilares determinados à
partida – outros são possíveis, dependendo da situação considerada – são
(210) Cfr. CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., ps. 516 e s. e 519.
(211) Cfr. SILVA, J. CALVÃO, Banca, Bolsa…, cit., p. 158.
(212) Cfr. SILVA, J. CALVÃO, op. e loc. cits..
72
constituídos pela tutela da confiança e pela primazia da materialidade subjacente. Devem, pois, operar especialmente o princípio da justiça contratual,
enquanto justiça reportada ao equilíbrio dos direitos e deveres – sem excluir
totalmente os deveres de prestação (213) – que cabem a ambas as partes, e os
princípios da confiança, tutelando expectativas fundadas à luz do sentido da
relação negocial estabelecida, e da primazia da materialidade subjacente às
relações jurídicas ou do fim contratual projectado pelas partes (214), discernido em face do tipo contratual escolhido pelos contraentes.
Por isso, na contratação de seguros através de contratos de adesão, o
controlo do conteúdo orientado a aferir da não conformidade à boa fé poderá
implicar, designadamente, na avaliação de direitos e deveres resultantes do
negócio, a ponderação desde a concreta delimitação (positiva e negativa) de
riscos, incluindo exclusões (215), até às próprias prestações a cargo de cada
uma das partes, incluindo mesmo, se necessário e excepcionalmente, a
apreciação quanto a desequilíbrios clamorosos entre prestações do segurador
e do tomador do seguro, por forma a apurar, nomeadamente, se o recorte das
exclusões é manifestamente excessivo ou irrazoável (216) ou é irrazoável a
(213) Do contrato de seguro emergem direitos e deveres de prestação principal para
ambos os contraentes, em termos de nexo de reciprocidade, o que pode levar a ter de
ponderar-se quanto ao equilíbrio entre direitos e deveres de cada uma das partes e, neste
quadro, em casos excepcionais, entre deveres de prestação recíprocos.
(214) Cfr. RIBEIRO, SOUSA, “Economia do contrato”, autonomia privada e boa fé, in:
BFD, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. IV, Coimbra
Editora, Coimbra, 2010, ps. 974 e ss.
(215) As exclusões contratuais, delineando os riscos excluídos da garantia do seguro,
podem resultar expressamente de uma “condição” geral da apólice ou de ser considerado um
só evento ou grupo de eventos (com o consequente relegar de todas as outras possibilidades
de eventos para os riscos não compreendidos na garantia) – assim STEIDL, ENRICO, op. cit.,
ps. 44 e ss.
(216) Cfr. a exemplificação de LAMBERT-FAIVRE, IVONNE, op. cit., p. 441. A este
propósito, quanto a exclusões da garantia, M. F. MAIA GOMES refere-se ao princípio geral
que deve estar na base do equilíbrio e justeza do conteúdo do contrato, o princípio da equivalência das prestações nos contratos bilaterais – cfr. O contrato de seguro, condições gerais
da apólice, formas de controle, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais
(FDUC), 1990, p. 141.
Quanto à interpretação de cláusulas de exclusão, à luz do princípio da boa fé, no
âmbito do disposto nos arts. 10.º, 11.º e 15.º da LCCG, cfr. Ac do STJ, de 04/10/2004
(ARAÚJO BARROS), CJ-STJ, 2004, t. III, ps. 39 e ss., e Ac do STJ, de 10/09/2009, Proc.
n.º 602/04.6TBVFR.S1 - 7.ª (LOPES DO REGO), www.dgsi.pt/jstj.nsf.
73
forma de cálculo do prémio (217), ou mesmo, sobretudo em casos extremos
– designadamente os de prática generalizada de preços artificial ou abusivamente elevados –, se, ante o valor económico global efectivo da prestação
convencionada a cargo do segurador (medido pelo conjunto dos seus elementos), o montante do prémio se apresenta como clamorosamente desproporcionado ou injustificado, mormente por de valor económico excessivo
(significativamente desequilibrado), implicando para o tomador do seguro
aderente um sacrifício manifestamente injusto e, como tal, inexigível, por
consequência abusivo, no seu balanço com o que, finalmente, obterá em caso
de ocorrência do sinistro a que se reporta o seguro pretendido, caso este em
que as respectivas cláusulas contratuais, não negociadas, implicadas serão,
por impostas e iníquas, contrárias à boa fé (218), com o seu consequente
carácter proibido, determinante da sua nulidade (219).
(217) A Comissão das cláusulas abusivas de França, nas suas recomendações de
19/05/1989, alertou para cláusulas abusivas quanto ao montante do prémio, tratando-se de
cláusulas de indexação do prémio – por exemplo, a um índice como o de reparação de veículos – sem precisar que nenhum aumento de montante poderia ocorrer antes do termo do
contrato e que o devedor poderia contestá-lo (cfr. LAMBERT-FAIVRE, IVONNE, op. cit.,
p. 513).
(218) Nesta parte da matéria da vinculação contratual podem, afinal, fazer-se sentir as
exigências do princípio da justiça, enquanto concretização da boa fé. Este princípio, por sua
vez, prende-se com ditames de proporcionalidade e razoabilidade no seu projectar sobre o
contrato, cuja não observância poderá levar, a nosso ver, em casos excepcionais, à consubstanciação de conteúdo abusivo, decorrente de uma distorção considerável ou significativa (excessiva, desproporcionada, inadequada, como tal inaceitável) do equilíbrio
(prestacional) correspondente a uma sã composição dos interesses contratuais das partes
(face ao que é normal naquele tipo de negócio).
Não se desconhece que há objecções de peso quanto ao sindicar do conteúdo abusivo
dos contratos de adesão no que concerne à equivalência das prestações principais, designadamente, em matéria de contrato de seguro, quanto ao montante do prémio respectivo. De
facto, argumentam diversos sectores da doutrina que a questão do montante do preço,
mormente quanto à sua equivalência relativamente à prestação da contraparte, é objecto,
cumpridos os ditames de transparência, de representação e ponderação pelo contratante
aderente. E, por norma, assim é, já que o aderente se encontra em mercado de livre concorrência, sendo-lhe fácil, geralmente, verificar onde pode encontrar o preço mais baixo.
Porém, a liberalização dos preços não garante que fique totalmente impedida toda e
qualquer distorção no funcionamento do mercado, pois que a experiência mostra que, mesmo
em mercado de livre concorrência, a liberalização dos preços pode ser aproveitada, pelo lado
da oferta, para práticas generalizadas de preços abusivamente elevados – tenha-se como
exemplo episódios recentes de preços artificialmente elevados alegadamente praticados por
74
toda a oferta do mercado abastecedor de combustíveis derivados do petróleo, aproveitando as
oscilações do preço do crude nos mercados internacionais, práticas similares podendo ser
adoptadas por todos os operadores de um certo sector do mercado, como, por exemplo, o dos
telemóveis ou da banca, quanto a certos componentes do preço dos seus produtos ou
serviços. Ora, onde se demonstrem condições de mercado de prática generalizada de preços
abusivamente elevados no âmbito da contratação por adesão, designadamente de seguros –
pode colocar-se a hipótese, de si possível, de prática generalizada, por parte da oferta de
seguro obrigatório automóvel, traduzida no manter dos respectivos prémios artificialmente
elevados apesar de significativas baixas nas taxas de sinistralidade rodoviária e no valor do
custo médio por sinistro, consabido que se trata aqui de elementos objectivos (logo,
objectivamente controláveis) decisivamente influentes no montante dos prémios e tendo em
conta, por outro lado, que vigora em Portugal um sistema de não aprovação prévia administrativa das apólices, pois que o controlo contratual específico evoluiu, não para um
controlo material sistemático por via administrativa (visando a conformação dos produtos,
incluindo preços/prémios), mas para um sistema de controlo normativo, interessado, já não
tanto na conformação dos produtos, matéria em que predominam antes as exigências legais
de transparência, mas na fiabilidade financeira das empresas de seguros –, deve poder, nessa
medida, operar o controlo sobre o conteúdo abusivo das respectivas cláusulas nos termos
estabelecidos pela LCCG.
Com efeito, se a boa fé obriga, na sua concretização legal em matéria de contrato de
seguro, à renegociação e alteração desse contrato, segundo o princípio da justiça contratual,
em caso de alteração significativa, durante a execução do contrato, das circunstâncias
atinentes ao risco (diminuição ou agravamento deste, nos termos, respectivamente, dos arts.
92.º e 93.º do RJCS), por forma a obter-se uma nova fixação, que se mostre ajustada ou
equilibrada, do valor do prémio, assim se repondo o equilíbrio perdido entre as prestações
contratuais, então o mesmo mecanismo corrector da boa fé, enquanto emanação do sub-princípio da justiça contratual, deverá poder operar também se, ante as circunstâncias que
presidiram à fase pré-contratual e à conclusão do negócio jurídico, o tomador do seguro veio
a contratar em situação de mercado de prática generalizada de prémios artificial ou
abusivamente elevados, impostos uniformemente, pelo lado da oferta, pela via da contratação
por adesão. Em tais casos, a liberdade de escolha resulta prejudicada, ficando o tomador do
seguro na impossibilidade de negociar um prémio equilibrado, tendo, pois, de aceitar um
prémio de valor abusivamente elevado, pelo que não deverá qualquer contrato assim
celebrado eximir-se à censura ou correctivo do princípio da boa fé, que terá de poder entrar
no campo do conteúdo abusivo do negócio, em matéria de equivalência das prestações, e, se
não introduzir-lhe o equilíbrio subtraído (pela via da integração, em concreto, a que alude o
art. 239.º do CC), possibilitar a desvinculação do tomador do seguro, pela via da nulidade do
contrato (a nulidade da cláusula que fixa o valor da prestação do tomador do seguro
determinará, por regra, a invalidade total do contrato, já que lhe ficará a faltar um elemento
essencial, o prémio, cujo montante não poderá ser determinado através de critérios legais ou
convencionais plasmados no contrato – cfr. arts. 12.º a 14.º do RJCS e 292.º do CC).
A situação não é semelhante à dos negócios usurários, pois que, por um lado, podem
não estar preenchidos os requisitos, de si próprios de feição mais exigente, da usura, a que
alude a previsão legal do art. 282.º, n.º 1, do CC, e, por outro lado, a sanção também não é
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igual, visto aos negócios usurários corresponder a anulabilidade, como resulta deste preceito
citado.
(219) É certo, ainda, que há controvérsia na Europa sobre a admissibilidade do controlo
do conteúdo abusivo de cláusulas que definam o objecto principal dos contratos de consumo,
ante o disposto na Directiva 93/13/CEE. Com efeito, segundo o art. 4.º, n.º 2, desta directiva,
estão subtraídas ao controlo quanto ao carácter abusivo do seu conteúdo as cláusulas que definem as prestações principais, bem como a equivalência entre elas, “desde que essas cláusulas
se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível” – cfr. RIBEIRO, SOUSA, Direito
dos contratos…, cit., ps. 64 e s., bem como, em matéria de contrato de seguro, o considerando
19.º dessa directiva e ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato de seguro, Estudos, cit., p. 93.
Subjacente a este regime está a ideia de uma certa incompatibilidade com os princípios
da economia de mercado e de que, cumpridas as exigências de transparência, o aderente logo
fica posicionado em condições de comparar e decidir, face às condições concorrenciais do
mercado, qual a oferta mais conveniente para si, de nada mais necessitando.
Ora, Portugal, tal como outros Estados-Membros, ao transpor a aludida directiva, não
fez qualquer menção ao seu art. 4.º, n.º 2, ou ao respectivo conteúdo – cfr. ALMEIDA,
MOITINHO DE, Contrato de seguro, Estudos, cit., ps. 93 e s.. Face, pois, ao articulado da LDC
e da LCCG não existe no nosso ordenamento jurídico qualquer preceito legal que constitua
entrave ao controlo do conteúdo abusivo de quaisquer cláusulas em contratos de adesão,
mormente tratando-se de contratos de adesão com consumidores, sejam elas relativas a
prestações principais ou aos aspectos laterais dos contratos (assim resulta dos arts. 9.º do
LDC e 16.º e ss. da LCCG, que fixam âmbito irrestrito ao controlo legal do conteúdo).
Assim, é de colocar a questão: haverá dissonância entre tal legislação nacional e a dita
directiva ou o demais ordenamento comunitário? Pensamos que não.
Em primeiro lugar, não há incompatibilidade com os princípios da economia de
mercado. Com efeito, não resulta posta em causa a livre concorrência, que se mantém (as
condições de determinado mercado são iguais para todos os que ali se apresentam pelo lado
da oferta). Nem ocorre restrição inadmissível das liberdades de circulação de mercadorias e
de prestação de serviços (os entraves, desde que não directamente discriminatórios, podem
ser justificados por razões de interesse geral, no caso a necessidade de assegurar a lealdade e
um mínimo indispensável de justiça material nas transacções comerciais em situações de
acentuado desequilíbrio entre as partes, com vista à protecção da parte débil, os aderentes em
contratos de adesão, sejam consumidores ou não, por forma a defendê-los de abusos a que
essa específica contratação tipicamente pode dar lugar, tornando-se necessária a harmonização de valores e princípios de sentido não exactamente coincidente e de cariz não
absoluto). Nem, tão-pouco, é violado o princípio da liberdade contratual (ou da livre iniciativa económica), que deve poder sofrer limitações determinadas, não só em nome da defesa
dos direitos dos contratantes consumidores, mas também em protecção de todos aqueles que
são aderentes em contratos de adesão.
Em segundo lugar, o art. 4.º, n.º 2, da directiva decorre muito mais de exigências de
certos Estados-Membros nesse sentido do que de uma própria intenção do legislador comunitário, não se vislumbrando aqui uma imposição aos Estados-Membros em que predomina a
protecção do consumidor (cfr. ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato de seguro, Estudos, cit.,
p. 95). Aliás, “a directiva integra-se na legislação comunitária de tutela do consumidor. É
essa a sua inspiração básica”, sendo que as restrições que vieram a ser estabelecidas no seu
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texto resultam de “forte pressão de influentes sectores doutrinais da área germânica”
(RIBEIRO, SOUSA, Direito dos contratos…, cit., p. 185).
Em terceiro lugar, a transparência pode não ser suficiente, mormente tratando-se de
clausulados complexos e extensos, como sucede normalmente na contratação de seguros por
adesão, para obviar à natureza abusiva do conteúdo de determinada cláusula contratual geral,
mesmo quanto às prestações principais (neste sentido, ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato de
seguro, Estudos, cit., p. 95). De facto, tem vindo a apostar-se no sector financeiro essencialmente na vertente de imposição de deveres de informação como parâmetro de protecção aos
consumidores, em sintonia com o imperativo de transparência. Porém, a transparência não
resolve todos os problemas, mormente se o clausulado é, para além de extenso, complexo e
técnico, como ocorre por norma na contratação de seguros. Nestes casos, excesso de
informação não significará segura absorção e compreensão. Perante matérias de elevada
complexidade e tecnicidade, o consumidor, normalmente um não especialista, submerso em
material informativo, por muito que ultrapasse o esforço de apreensão e compreensão ao
alcance do homem comum, dificilmente conseguirá, muitas vezes, alcançar o nível de
domínio do clausulado que lhe permita ajuizar de forma totalmente esclarecida sobre o
conteúdo do contrato e, designadamente, sobre o próprio equilíbrio das prestações, mormente
se o âmbito da prestação a cargo da contraparte é de difícil compreensão. Efectivamente, a
definição de prestações principais não é igualmente fácil de estabelecer para todos os tipos
contratuais – se pode ser fácil numa simples compra e venda, não o é seguramente em muitos
contratos de seguro, quanto ao âmbito do risco a cobrir, na necessária conjugação de
múltiplas cláusulas delimitatórias, exclusões e franquias, e consequente correspondência, em
termos de equilíbrio prestacional e justiça contratual, com o montante do prémio. Numa
época marcada por grande complexidade e especialização, os não especialistas tendem a
ficar arredados do domínio das matérias altamente especializadas, ao que acresce, na contratação por adesão, que o consumidor sabe que as “condições” não são para si negociáveis, o
que o leva a sentir-se tentado à indiferença por ler e informar-se ou não o fazer. Não será,
pois, de descurar a possibilidade de, na sua relação com um profissional predisponente altamente especializado na contratação de seguros, vir a não lograr detectar a existência no
clausulado predisposto de cláusulas abusivas quanto às prestações principais do contrato ou à
sua equivalência, matéria esta onde, pelo seu relevo, se fazem sentir as exigências de justiça
contratual. Assim, “há que reconhecer que é uma ilusão pensar que quanto maior for a quantidade de informação, maior será a protecção” (ALVES, P. RIBEIRO, op. cit., p. 33). E, como
relata MOITINHO DE ALMEIDA acerca da posição da doutrina dominante alemã e da jurisprudência do BGH, o tomador de seguros, “para apreciar as vantagens de um seguro, deve
compreender o conjunto das cláusulas que delimitam o risco, o que, na prática, se revela
impossível. Frequentemente, porque ignora se os riscos a ele respeitantes entram no âmbito
de aplicação de tais cláusulas, o tomador do seguro não pode avaliar o interesse que para ele
representam as limitações do risco” (cfr. Contrato de seguro, Estudos, cit., p. 94).
Em quarto lugar, acompanhando largos sectores da doutrina e jurisprudência alemãs,
considera-se ser compatível com o ordenamento comunitário o alargamento do controlo do
conteúdo abusivo às prestações principais, e sua equivalência, nos contratos de consumo de
seguros por adesão, pois que aos Estados-Membros não é vedado, no âmbito do movimento
de protecção aos consumidores, o estabelecimento de regimes legais mais rigorosos em
protecção destes, tanto mais que, como visto, tal não determina a violação de qualquer
77
princípio do Direito comunitário – cfr. as referências de ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato
de seguro, Estudos, cit., p. 95, nota 46. Com efeito, a directiva estabelece patamares mínimos
de protecção aos consumidores em matéria de controlo de conteúdos contratuais abusivos,
patamares esses a deverem ser obrigatoriamente observados pelos Estados-Membros, os
quais não podem, no Direito interno, estabelecer níveis de protecção inferior. Mas podem,
em vez disso, estabelecer níveis de protecção superior, consabido que a protecção dos consumidores é uma das grandes preocupações da UE.
Em quinto lugar, nada impede os Estados-Membros de fixarem, na ordem jurídica
interna, em protecção aos aderentes não consumidores, na contratação por adesão, patamares
tais de protecção que contemplem o controlo de conteúdos contratuais abusivos, por
contrários à boa fé, mesmo quanto às prestações contratuais principais e sua equivalência. A
directiva não o proibiria, desde logo por ter o seu campo de aplicação restrito às relações de
consumo. Ora, Portugal adoptou, desde a década de 80 do século passado, na sua ordem jurídica (arts. 15.º e ss. da LCCG), patamares de protecção para os não consumidores que
contemplam o controlo de conteúdos contratuais contrários à boa fé e, como tal, abusivos,
sem excluir as prestações contratuais principais e sua equivalência. Por isso, não havendo
razões de contrariedade à directiva nesta protecção a não consumidores, não se compreenderia, à luz do sistema jurídico e do próprio escopo fundador da directiva, que os consumidores – aqueles que carecem de maior protecção – ficassem, por sua vez, menos protegidos
que os não consumidores. Conclui-se, pois, pela compatibilidade da dita legislação nacional
com o ordenamento comunitário.
MOITINHO DE ALMEIDA defende que as cláusulas respeitantes ao “núcleo” do contrato
de seguro deveriam estar isentas do controlo sobre o conteúdo (cfr. Contrato de seguro,
Estudos, cit., ps. 95 e s.). Trata-se das cláusulas que estabelecem as condições e delimitam a
prestação do segurador, argumentando-se que sem elas o conteúdo essencial do contrato
careceria de precisão, determinando a sua nulidade, como no caso, designadamente, das
cláusulas atinentes às condições mínimas exigidas pela mutualização de riscos homogéneos.
Cumpre tomar posição. Nesta parte, dir-se-á que as exigências de transparência não
resolvem, como visto, por si só, o problema, pois que, embora importantes, não protegem
suficientemente o tomador do seguro, sobretudo se for um não especialista, como normalmente acontece. Quanto, por sua vez, ao princípio da proporcionalidade, a questão deve
colocar-se entre a “livre prestação de serviços” e a justiça contratual, entre os entraves àquela
e os custos para esta. Ora, não parece que o princípio da justiça contratual deva ser totalmente sacrificado, in limine, perante a livre prestação de serviços, no que concerne ao
“núcleo” do contrato de seguro, ao menos no nosso ordenamento jurídico, onde, à luz dos
arts. 15.º e 16.º da LCCG, nada determina tal sacrifício total, não havendo quaisquer restrições à apreciação de conteúdos contratuais contrários à boa fé e, como tal, abusivos e
proibidos, designadamente em sede de qualquer parcela do contrato de seguro, desde que
celebrado através da contratação por adesão, sendo ainda que a nulidade, verificada a
violação das exigências da boa fé, é sempre uma consequência legal possível, dependendo da
vontade do aderente (arts. 12.º e 13.º da LCCG).
O que não parece ajustado é, à luz do nosso ordenamento jurídico, limitar liminarmente
o âmbito do controlo do conteúdo contratual se o contrato, de seguro ou não, de consumo ou
não, for celebrado mediante adesão a cláusulas predispostas, que o destinatário não pode
influenciar, por apenas lhe ter sido permitido subscrevê-las ou aceitá-las, tanto mais que o
78
Ponderação esta, pois, no âmbito do dito princípio da justiça contratual,
atenta, ainda, aos demais valores ou princípios fundamentais do direito,
relevantes em face da situação considerada, cujos contornos concretos, por
isso, nunca poderão ser negligenciados.
Mas poderá o controlo incidir também, obviamente, sobre outras
cláusulas, se resultantes de contratação por adesão, do contrato de seguro em
geral, como sejam, desde logo, todas as que regulam aspectos laterais – desde
que, naturalmente, não subtraídos à liberdade contratual – da execução do
contrato (220), matéria esta sobre que não há controvérsia.
A boa fé, concretizada no princípio da justiça contratual, surge assim
como critério de controlo directo do conteúdo das ditas cláusulas – logo,
verificados os respectivos pressupostos, verdadeiro fundamento da proibição
e consequente invalidade do conteúdo contratual implicado –, “a fim de
evitar que, tendo em conta o fim contratual e a legítima confiança das partes,
desequilíbrio relevante não é qualquer assimetria de conteúdo, só o sendo o decorrente de
cláusulas excessivamente desequilibradas (as que incorrem em “significativo desequilíbrio”).
E, se no nosso sistema vigora um regime geral e irrestrito de controlo do conteúdo abusivo, à
luz da boa fé, em matéria de contratos de adesão, então tal controlo também se justificará
quanto a contratos fiduciários firmados por via de adesão, designadamente quanto ao
contrato de seguro (contrato da máxima boa fé).
Concordamos que há especificidades técnicas a considerar no que tange ao contrato de
seguro – as “condições” gerais e especiais são úteis aos seguradores predisponentes, não só
por razões de economia de escala, mas ainda de homogeneidade dos riscos assumidos e sua
compensação estatística. Mas não se concorda que tal especial utilidade – ou até necessidade
– no recurso à contratação por adesão justifique que as cláusulas que definem o risco e
limitam a garantia sejam «objecto de um controlo “liberal” da sua natureza abusiva»
(ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato de seguro, Estudos, cit., p. 99), mormente no que tange
aos seus reflexos na equivalência entre as prestações das partes. De facto, parece-nos dever
distinguir-se entre, por um lado, utilidade ou necessidade no recurso a certa forma de
contratação e, por outro lado, uso indevido, por abusivo e proibido, dessa forma de
contratação (este, sim, a dever ser controlado e impedido, onde exista, pois que se não vê aí
razões válidas para desistir, em medida maior ou menor, do imperativo de justiça contratual
mínima determinado pelo sistema jurídico).
(220) Interessa aqui, como é próprio da boa fé, uma perspectiva material ou substancial
– e não formal – de avaliação do desequilíbrio provocado na economia do contrato, pelo que,
como ensina SOUSA RIBEIRO, não deve atender-se a um balanço meramente mecanicista de
direitos e deveres, mas antes olhar-se aos efeitos reais derivados para ambos os contraentes,
vistos os interesses que cada um prossegue e as utilidades que procura atingir – cfr. Direito
dos contratos…, cit., ps. 263 e s.. Sobre o tema, cfr. também LAMBERT-FAIVRE, IVONNE, op.
cit., p. 493.
79
essas cláusulas sejam abusivas e draconianas, dando origem a um desequilíbrio significativo, em detrimento do aderente, entre os direitos e obrigações
das partes decorrentes do contrato”, como refere CALVÃO DA SILVA (221),
socorrendo-se de parâmetro similar ao já aludido critério do “significativo
desequilíbrio em detrimento do consumidor” a que se reportam os arts. 9.º,
n.º 2, al. b), da LDC, e 3.º, n.º 1, da Directiva 93/13/CEE (222).
Claro que onde houver, na ponderação de direitos e obrigações emergentes do negócio, à luz do fim contratual típico prosseguido e na consideração dos interesses contrapostos de predisponente e aderente, uma onerosidade
consideravelmente acrescida para o tomador do seguro aderente – um
prejuízo ou desequilíbrio significativo, irrazoável ou inadequado, perante o
que é normal no tipo de contrato escolhido –, haverá, por norma, também, do
outro lado da relação contratual, simetricamente, um desproporcionado
benefício, logo, inequitativo (223), desequilibrado, injustificado e, por consequência, injusto, por contrário à boa fé (224).
Serão ainda de considerar todas as circunstâncias relevantes da relação
contratual em concreto, designadamente o sentido global do clausulado, o
processo negocial concreto entabulado, e todos os demais elementos atendíveis que estiveram presentes na formação das expectativas contratuais das
partes, incutindo-lhes certos níveis de confiança, a dever merecer também
protecção nesta sede. Com efeito, se a conduta do segurador predisponente,
ao longo do iter negocial, é de molde a criar a expectativa fundada e a confiança legítima, na contraparte aderente, num certo âmbito de cobertura do
risco e/ou de montante indemnizatório em caso de sinistro, deve tal confiança
ser protegida se, correspondendo o valor do prémio, na sua onerosidade,
àquele âmbito de cobertura e de risco, vem a verificar-se que o conteúdo de
(221) SILVA, J. CALVÃO, Banca, Bolsa…, cit., ps. 160 e s..
(222) A Directiva, no seu aludido preceito, situa esse desequilíbrio significativo na
comparação “entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.
(223) Com referência à equidade (ou equilíbrio) contratual, enquanto exigência de
justiça comutativa.
(224) A própria medida do afastamento, em desfavor do aderente, do regime decorrente
das cláusulas contratuais gerais em relação ao equilíbrio do regime supletivo legal do tipo de
contrato de seguro em causa, constituirá já elemento elucidativo quanto ao carácter abusivo
e, assim, contrário à boa fé, das cláusulas excludentes de tal regime supletivo legal.
80
certas cláusulas é de molde a restringir fortemente aquele âmbito esperado de
cobertura ou de montante indemnizatório.
Quanto especificamente à tutela da confiança, pode dizer-se que esta tem
pressupostos bem definidos na doutrina (225), por marcada influência germânica, e acolhidos na jurisprudência. Com efeito, é pacífico que a protecção
jurídica da confiança sempre implica: a) uma situação de confiança,
traduzida na boa fé subjectiva (226) e ética; b) uma justificação para essa
confiança; c) um investimento de confiança; d) a imputação da situação de
confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção conferida ao
confiante (227).
Já o princípio da primazia da materialidade subjacente – focado na finalidade contratual projectada – parte da ideia de que o Direito tem como escopo
a obtenção de soluções efectivas, não se bastando, pois, com aparências, como
a mera adopção de condutas apenas formalmente conformes aos objectivos
jurídicos, antes exigindo uma conformidade no plano material, em termos
substanciais. Daí a prioridade para soluções jurídicas de materialidade ou
substância – a justiça material – em vez de soluções meramente formais (228).
É com tais ingredientes que se realiza o aludido controlo directo do
conteúdo dos contratos de seguro de adesão em geral (229), no que se
estabelecem limites, impostos pela boa fé e seu critério, ao exercício abusivo
da liberdade contratual (230), na vertente de liberdade de fixação do conteúdo
dos contratos.
(225) Cfr., CORDEIRO, MENEZES, Tratado…, cit., t. I, ps. 175 e ss., mormente 184 e ss.,
e Da boa fé no direito civil, Almedina, Coimbra, 3.ª reimp., 2007, ps. 1248 e s..
(226) A boa fé subjectiva contrapõe-se à boa fé em sentido objectivo. Esta última reporta-se a princípios, regras, ditames ou limites por ela transmitidos ou a um modo de actuação
dito “de boa fé”, enquanto regra ou padrão de conduta dos sujeitos. A boa fé objectiva actua,
assim, como uma regra de conduta imposta do exterior e que os sujeitos devem observar –
cfr. CORDEIRO, MENEZES, Tratado…, cit., t. I, p. 180.
Por sua vez, a boa fé subjectiva reporta-se a um estado interior/subjectivo da pessoa.
No nosso ordenamento jurídico a boa fé subjectiva é sempre ética, só a podendo invocar, e
dela beneficiar, quem, sem culpa, desconheça certa ocorrência – cfr. CORDEIRO, MENEZES,
Tratado…, cit., t. I, p. 182.
(227) Assim CORDEIRO, MENEZES, Tratado…, cit., I, t. I, ps. 186 e s..
(228) Cfr., sobre o tema, CORDEIRO, MENEZES, Tratado…, cit., t. I, ps. 189 e s..
(229) Cfr., sobre o tema, RIBEIRO, SOUSA, Direito dos contratos…, cit., ps. 202 e ss..
(230) Cfr. ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato de seguro, Estudos, cit., ps. 98 e ss..
81
Em matéria, porém, de contrato de seguro obrigatório automóvel há
especificidades a considerar. Desde logo, o facto de se tratar de seguro
obrigatório, com uma vasta área de normas de pendor imperativo, referentes
também ao conteúdo do contrato, impõe marcados limites à liberdade de
estipulação, estando as partes, a começar pelo segurador predisponente,
vinculadas a tal imperatividade sobre o conteúdo do contrato (231). Donde que
não possam ser predispostas cláusulas contratuais que se oponham àquela
esfera de imperatividade legal sobre o conteúdo contratual. É o que ocorre,
por exemplo, em matéria de definição legal do risco (cfr. arts. 4.º e ss. da
LSOA), de montante do capital mínimo obrigatório (art. 12.º da LSOA), de
exclusões da garantia (art. 14.º da LSOA), de pessoas cuja responsabilidade é
garantida (art. 15.º da LSOA), de direito de regresso (art. 27.º da LSOA) ou
de meios de defesa do segurador no âmbito da acção directa (art. 22.º da
LSOA), âmbitos estes do conteúdo do contrato em que, assim, por força do
regime imperativo legal, inexiste liberdade de estipulação, o que deixa prejudicada a possibilidade de predisposição de cláusulas abusivas.
Acresce que, em matéria de seguros obrigatórios, os seguradores estão
vinculados ao cumprimento de regulamentação administrativa concernente às
“condições” gerais e especiais das apólices, com competências do ISP neste
âmbito, podendo o ISP impor o uso de cláusulas ou apólices uniformes, como
ocorre em sede de seguro obrigatório automóvel (232) (233).
Ora, a intervenção administrativa em sede de conteúdo do contrato, através da aprovação das condições da apólice uniforme do seguro obrigatório
(231) Refere MENEZES LEITÃO que a liberdade de estipulação pressupõe a liberdade de
celebração, “pois quando uma parte não é livre de celebrar um contrato, também não é livre
de determinar o seu conteúdo e qualquer limitação à liberdade de celebração acarreta também uma limitação à liberdade de estipulação” – Direito das obrigações, cit., vol. I, p. 30.
(232) Dispõe o art. 16.º, n.º 1, da LSOA, que só poderão ser contratados seguros nos
precisos termos desse diploma legal e nas condições contratuais estabelecidas pelo ISP, ao
qual compete, nos termos do art. 91.º do mesmo diploma, “aprovar as condições da apólice
uniforme do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, o que o ISP fez através
da vigente Norma Regulamentar n.º 14/2008-R, de 27-11, publicada no site do ISP
(www.isp.pt) e no DR, II série, n.º 240, Parte E, de 12-12-2008, com entrada em vigor em
01-01-2009, de acordo também já com o RJCS.
(233) Como refere JOSÉ VASQUES, no seguro obrigatório automóvel “a exaustiva
regulamentação legal e regulamentar deixa pouca margem para a conformação contratual do
seguro” (Contrato de seguro, cit., p. 31).
82
automóvel, se é vinculativa para os seguradores, não transforma, porém, as respectivas cláusulas em verdadeiras normas jurídicas, mantendo aquelas, pois,
no que concerne aos tomadores de seguros, a sua natureza contratual (234).
Com efeito, o controlo administrativo visa proteger a parte débil, o
tomador do seguro ou segurado, inserindo-se no movimento de protecção
destes – mormente se consumidores –, permitindo uniformizar o conteúdo
das apólices, o funcionamento das garantias, em benefício dos segurados,
facilitando-lhes designadamente a mudança de segurador (235).
Ora, ante tal escopo de protecção, não poderia a intervenção pública
administrativa contrariar a finalidade que lhe subjaz, de molde a estabelecer
uma situação de maior sujeição do aderente ao conteúdo contratual predisposto, embora de forma controlada, transformando este em normação jurídica, logo mais fortemente vinculativa, pela sua natureza, que a regulação
meramente contratual (236). Quer dizer, aquela intervenção administrativa,
visando compensar um deficit na capacidade de autodeterminação de uma das
partes, não poderia traduzir-se numa maior sujeição (ou heteronomia) sobre
essa parte ante o tipo de contratação em causa (237).
O que ocorre é que a intervenção administrativa, com o seu poder
regulamentar e controlo específico, imperativos para os seguradores, torna
naturalmente mais difícil a existência de quaisquer cláusulas contratuais
gerais contrárias à boa fé e, como tal, proibidas (cfr. arts. 15.º e ss. da
LCCG), trazendo, pois, vantagens para a posição débil do aderente. Mas – o
que não é impossível – se, ainda assim, alguma falha houver (238), o carácter
proibido de qualquer cláusula desse tipo pode ser objecto de controlo judicial
à luz da LCCG (239).
(234) Cfr., sobre o tema, VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., ps. 32 e ss..
(235) Cfr., neste sentido, LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., ps. 103 e ss., mormente
106, bem como CHAGNY, MURIEL e PERDRIX, LOUIS, op. cit., p. 45.
(236) Cfr., sobre a distinção entre normas jurídicas e cláusulas contratuais, TELLES,
GALVÃO, Manual dos contratos em geral, cit., ps. 20 e ss..
(237) Cfr. também CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., p. 510.
(238) A experiência mostra que são possíveis falhas de controlo, fiscalização ou supervisão por parte das autoridades com competência de supervisão do sector financeiro.
(239) Cfr., neste sentido, o Ac do STJ, de 12/09/2006, Proc. 06A2276 (ALVES VELHO),
www.dgsi.pt/jstj.nsf.
Capítulo VIII
O SEGURO OBRIGATÓRIO
DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
1. Origem e evolução legal
Em Portugal o seguro obrigatório automóvel tardou em se impor, não
por falta de necessidade, mas por inércia do legislador. Assim, começou o
seguro de responsabilidade civil por acidentes de viação por ser obrigatório
apenas para transportes colectivos e condução por menores, conforme o
previsto no CEst de 1954 (240).
Foi preciso esperar pelos DL n.º 165/75, de 28-03, e DL n.º 166/75, de
28-03, os quais constituíram a primeira regulação da matéria, cujo regime,
contudo, nunca chegou a entrar em vigor. Aguardou-se então pelo DL n.º
408/79, de 25-09, que veio regular a matéria do seguro de responsabilidade
civil automóvel, institucionalizando-o como obrigatório.
Já o DL n.º 522/85, de 31-12, que substituiu aquele, veio, por sua vez,
rever o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, apresentando-o em conformidade com o Direito comunitário.
Mais recentemente, o DL n.º 291/2007, de 21-08, actualmente em vigor,
veio aprovar o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade
civil automóvel, revogando, entre outros, o dito DL n.º 522/85, e transpor
parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do
(240) Cfr. CORDEIRO, MENEZES, Manual…, cit., p. 826.
84
Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/05/2005, a chamada 5.ª Directiva
Automóvel (241).
2. Âmbito de garantia do seguro obrigatório automóvel
2.1. Limitação da cobertura aos danos materiais e corporais
O DL n.º 522/85 aludia – nos seus arts. 1.º e 7.º – a “danos decorrentes
de lesões corporais” e a “danos decorrentes de lesões materiais”. Por isso era
necessário traçar a linha de distinção entre lesões corporais, por um lado, e
lesões materiais, por outro lado. Quanto a este particular, na senda do
DL n.º 522/85, veio o DL n.º 383/89, de 06-11 (responsabilidade civil do
produtor), adoptar a mesma distinção, pois que, quanto a danos ressarcíveis,
veio separar “danos em pessoas” de “danos nas coisas” (art. 8.º, n.º 1). O
entendimento que passou a ser adoptado foi o de considerar (242): a) “lesões
corporais”, os danos causados em pessoas; b) “lesões materiais”, os danos
causados em coisas.
A LSOA, por sua vez, vem agora aludir – arts. 4.º e 14.º – a “danos
corporais” e a “danos materiais”. Pelo que é necessário traçar a linha de
distinção entre tais danos, sendo que neste âmbito a LSOA conservou,
no essencial, a tradição que já vinha do DL 522/85, continuando a ser
essencial a ideia de terceiro para efeitos de aplicação do regime do seguro
obrigatório.
(241) Referências desenvolvidas às normas comunitárias em matéria de seguro
obrigatório automóvel, mormente às cinco “Directivas Automóvel”, podem encontrar-se em
SOARES, A. GARÇÃO, SANTOS, M. J. DOS, MESQUITA, M. J. RANGEL, op. cit., ps. 607 e ss.,
mormente 623 e ss., bem como em SOARES, A. GARÇÃO, As normas comunitárias e o seu
reflexo no direito português relativo ao seguro obrigatório de responsabilidade civil
automóvel, in: II Congresso Nacional de Direito dos Seguros, Almedina, Coimbra, 2001,
ps. 129 e ss.
(242) Cfr., na doutrina, MATOS, F. ALBUQUERQUE, Contrato de seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel, Alguns aspectos do seu regime jurídico, BFD,
vol. LXXVIII, Coimbra, 2002, ps. 329 e ss; na jurisprudência, Ac do TRP, de 04/07/1990,
CJ, 1990, t. IV, p. 239; Ac do TRP, de 27/10/1992, CJ, 1992, t. IV, p. 262; e Ac do TRC, de
05/05/1992, CJ, 1992, t. IV, p. 102.
85
Neste enquadramento, parece adequado considerar: a) os “danos corporais”, como os que decorrem de lesões corporais, os que atingem a integridade física das pessoas, ofendendo-a, em síntese, os danos causados em
pessoas, incluindo os danos não patrimoniais; b) os “danos materiais”, como
os que decorrem de lesões materiais, os que atingem as coisas, deteriorandoas ou destruindo-as, em resumo, os danos causados em coisas (243).
2.2. A noção de terceiros
Face aos dados da lei, importa atender também à noção de terceiros, no
caso terceiros para efeitos de indemnização em matéria de seguro obrigatório
automóvel, no âmbito da LSOA, cujo art. 4.º alude à “reparação de danos
(…) causados a terceiros”.
A noção de terceiros tem vindo a sofrer progressivos alargamentos no
campo do seguro obrigatório automóvel, de molde a cada vez mais, ante a
função social deste seguro, incluir todas as vítimas dos acidentes de viação,
garantindo-lhes a correspondente indemnização. Porém, há que atender aqui
a um princípio básico dos seguros de responsabilidade civil, traduzido na
oposição irredutível entre os conceitos de responsável, por um lado, e vítima,
por outro lado, de modo a que ou se esteja abrangido pelo primeiro ou já pelo
segundo desses conceitos, não podendo ser-se responsável e vítima ao
mesmo tempo (244).
É, pois, na conjugação do critério postulado por este princípio básico e
originário com a ideia, mais recente, de progressivo alargamento da abrangência do seguro obrigatório automóvel, ante a sua cada vez mais marcada
função social, a qual leva ao paulatino estender da esfera de protecção a todos
os que, sofrendo danos, são lesados – centrando o enfoque, já não tanto na
relação contratual de seguro, em si, mas sobretudo na relação de responsabilidade decorrente do acidente –, que se alcança hoje, afinal, o recorte
jurídico da figura dos “terceiros”.
(243) Na doutrina francesa distingue-se, a este propósito, entre danos corporais, danos
materiais e danos imateriais (pecuniários ou económicos puros). Assim, LAMBERT-FAIVRE,
IVONNE, op. cit., ps. 442 e s.
(244) Assim LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., p. 441.
86
Neste âmbito, são de considerar como terceiros, desde logo, todas as
pessoas, directamente envolvidas no acidente, que, estando fora do veículo
seguro (sendo a ele estranhas), venham a sofrer danos por ele causados.
Assim, são terceiros todos os peões – mesmo aqueles que tenham deixado
por momentos de conduzir um veículo automóvel, assim que saem para o
exterior do veículo –, tal como todos os lesados não motorizados, sejam os
que circulem de bicicleta, patins, ski, a cavalo, ou através de outros meios
similares, envolvidos em acidente causado por um veículo terrestre a
motor (245). Mas também são terceiros todos os ocupantes de um outro
veículo terrestre a motor em caso de acidente que lhes cause danos. No caso
de colisão de veículos, quer o condutor, quer os passageiros, desse outro
veículo são considerados terceiros (246).
A mais disso, são terceiros as pessoas transportadas no veículo causador
dos danos (a partir da entrada em vigor do DL n.º 130/94, de 19-05, também
estas pessoas passaram a ser consideradas “terceiros”, pois que este DL veio
alargar o âmbito do seguro obrigatório aos prejuízos sofridos pelas pessoas
transportadas no veículo). Sendo, porém, que até à entrada em vigor do
DL n.º 14/96, de 06-03, nos casos de transporte gratuito, o transportador
apenas respondia nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual
(em sede de culpa) – o transportado lesado tinha de provar que o acidente
resultou de culpa do condutor, sem o que não teria direito indemnizatório. A
partir de 1996, mediante a alteração legislativa operada, o transportador
passou a responder também nos termos da responsabilidade objectiva nas
situações de transporte gratuito (cfr. art. 504.º, n.º 3, do CC). Tal alteração
normativa veio, assim, ajustar as normas da responsabilidade civil e a garantia oferecida pelo seguro obrigatório.
Mas a figura conceitual complexa (247) de terceiro tem ainda outros limites, decorrentes já das exclusões a que alude o art. 14.º da LSOA (corres(245) Cfr., na doutrina, LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., ps. 550 e s., e, na lei, o
art. 11.º, n.º 2, da LSOA.
(246) Cfr., a este propósito, LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., p. 551.
(247) A sua feição complexa advém, desde logo, da necessidade de conjugar, em termos
evolutivos, orientações nem sempre coincidentes, designadamente entre a perspectiva tradicional da responsabilidade civil extracontratual, vertida no CC, agregada à ideia de um puro
seguro de responsabilidade civil, e a perspectiva do Direito comunitário, de pendor mais
87
pondente ao anterior art. 7.º do DL n.º 522/85). Tais exclusões levam, por sua
vez, a uma definição pela negativa (“excluem-se da garantia do seguro…”).
2.3. Critérios subjacentes às exclusões da garantia do seguro
Ao considerarmos agora as ditas exclusões, pode dizer-se, utilizando
uma imagem sugestiva, que toda a exclusão se situa no “perímetro da cobertura”, sendo “um buraco” na garantia (de cobertura) do contrato (248). Ora,
por força do dispositivo legal do art. 14.º da LSOA, embora o sinistro se
insira no perímetro dos riscos cobertos, estão excluídas da garantia do seguro
– total ou parcialmente – diversas categorias de pessoas, as quais, nessa
medida, não podem ter-se por terceiros.
I – É o caso, desde logo, do condutor do veículo.
Este não é terceiro, estando totalmente afastada, quanto a si, a indemnização de quaisquer danos ao abrigo do seguro obrigatório de que tratamos.
Na verdade, o condutor do veículo não tem direito, ao abrigo da garantia do
seguro obrigatório, a indemnização por danos corporais, nem tão-pouco por
quaisquer danos materiais – cfr. art. 14.º, n.os 1 e 2, al. a), da LSOA (anterior
art. 7.º, n.os 1 e 2, al. a), do DL n.º 522/85).
Compreende-se a razão de ser desta exclusão: trata-se de danos sofridos
pelo próprio condutor do veículo seguro, isto é, o condutor responsável pelo
acidente e pelos decorrentes danos. Ora, sendo o responsável pelo sinistro,
não é terceiro. Os seus danos, a si próprio imputáveis, sendo da sua responsabilidade pessoal, não são passíveis de indemnização pelo seguro obrigatório automóvel (249).
protector das vítimas e, assim, direccionada para o alargamento subjectivo dessa protecção,
conciliada, por sua vez, com uma visão do seguro obrigatório automóvel como um fundo
formado no âmbito de uma comunidade de riscos ao serviço de todas as vítimas desses
riscos.
Sobre a tendência para a substituição da responsabilidade civil e do respectivo seguro
automóvel por um novo Direito e um novo seguro de acidentes de trânsito, um “seguro de
circulação ou de segurança rodoviária”, cfr. MONTEIRO, J. SINDE, Reparação dos danos em
acidentes de trânsito, BFD, suplemento XIX, 1972, ps. 3 e ss..
(248) Cfr. FONTAINE, MARCEL, op. cit., p. 235.
(249) Podendo sê-lo, porém, por um seguro facultativo contra danos próprios.
88
É que o seguro obrigatório automóvel, como seguro de responsabilidade
civil que é, encontra-se estabelecido sobre a aludida ideia de relação de
oposição irredutível entre responsável e lesado, entre causador do sinistro e
vítima dele, sendo a protecção do seguro dirigida aos lesados-vítimas e não
aos condutores-responsáveis, cujos danos a si próprios são imputáveis (250),
não se podendo ser, como dito, responsável e vítima (251).
(250) A exclusão de todos os danos do responsável abrange os seus familiares, no que
concerne a quaisquer danos decorrentes dos danos sofridos pelo responsável (art. 14.º, n.º 1,
da LSOA). Quanto aos familiares, há que distinguir, assim, consoante sejam ou não transportados no veículo ou, melhor, sejam ou não vítimas (directas) do acidente. Se são passageiros do veículo ou vítimas directamente atingidas pelo acidente e, por isso, nele sofreram
danos, impõe-se o disposto no art. 14.º, n.º 2, als. e) e f), da LSOA, a que ulteriormente se
aludirá (não existe exclusão dos danos corporais próprios). Já no caso contrário, se não são
vítimas do acidente, apenas sofrendo danos decorrentes dos danos sofridos pelo responsável,
não terão, então, direito por isso a qualquer indemnização, como no caso, por exemplo, dos
seus próprios danos morais decorrentes da morte do responsável seu familiar (neste caso não
terão também, obviamente, direito indemnizatório pelos danos que o próprio responsável
sofreu).
A questão da cobertura pelo seguro obrigatório automóvel dos danos morais pessoalmente sofridos pelos familiares do condutor responsável em consequência da morte deste por
força de acidente de viação é objecto de divergência na jurisprudência nacional à luz do
DL n.º 522/85, o qual, apesar de revogado, continua a ter de ser muito aplicado (obviamente
aos acidentes ocorridos no âmbito da sua vigência temporal). Assim, enquanto o Ac do STJ,
de 08/01/2009, Proc. 08B3722 (JOÃO BERNARDO), www.dgsi.pt/jstj.nsf, considerando que,
em caso de morte do responsável, ficam excluídos da garantia do seguro os danos não
patrimoniais que dessa morte resultaram para os seus familiares, tomou posição no sentido
que defendemos, já, por sua vez, o Ac do mesmo STJ, do mesmo dia 08/01/2009, Proc.
08B3796 (ALBERTO SOBRINHO), publicado no mesmo site, se posiciona no sentido contrário,
afirmando que o ressarcimento dos danos próprios de natureza não patrimonial que os
familiares sofreram com a morte do responsável pelo acidente não está excluído da garantia
do seguro (cfr. demais jurisprudência do STJ citada por este Ac). Temos, pois, oposição de
julgados: dois acórdãos do STJ que, à luz dos mesmos parâmetros de Direito, dão respostas
opostas à mesma questão jurídica, abrindo caminho para possível uniformização de jurisprudência (cfr. arts. 763.º e ss. do CPC), tanto mais que se trata de questão relevante e com
elevado interesse prático.
A questão mostra-se mais clara à luz da LSOA, cujo legislador, mantendo, embora, no
essencial, a construção das exclusões do art. 7.º do DL n.º 522/85, começou logo por aditar
ao n.º 1 do art. 14.º da LSOA o segmento “assim como os danos decorrentes daqueles”, pelo
que ficam expressamente excluídos, não só os danos de natureza corporal (incluindo a morte,
nos termos do art. 3.º, n.º 2, da LSOA) sofridos pelo responsável, mas também todos os
danos que sejam decorrência desses danos do responsável. Ora, os danos não patrimoniais
sofridos pelos familiares do responsável em consequência da morte dele, mais não são do
89
E, mesmo nos casos em que ao condutor não seja atribuída culpa na
produção do sinistro, tal condutor fica ligado ao acidente, a cujo eclodir,
decorrente dos riscos do veículo e da circulação rodoviária, não é estranha a
actividade de condução e circulação da viatura e, por consequência, o respectivo autor, pois que os riscos próprios do veículo respeitam mais à forma
como o mesmo é conduzido do que à máquina em si mesma (252).
II – Num outro plano, já não totalmente coincidente com o do condutor
do veículo, está o tomador do seguro (cfr. art. 14.º, n.º 2, al. b), da LSOA) (253).
Haverá, em certa perspectiva, alguma proximidade à figura do condutor
do veículo quanto ao fundamento da exclusão, no que concerne a danos
materiais. Com efeito, se tomarmos por referência o contrato de seguro, não
estamos, em rigor, perante um terceiro. Aqui, trata-se do tomador do seguro
(o titular da apólice), uma das partes no contrato, logo, um não terceiro na
perspectiva da relação contratual. Porém, quanto a danos corporais não
ocorre exclusão.
que danos decorrentes dos danos corporais (morte) sofridos por esse responsável, logo, são
danos excluídos da garantia do seguro obrigatório automóvel.
À luz, por sua vez, do DL n.º n.º 522/85, embora a redacção do respectivo art. 7.º possa
dar azo a algumas dificuldades, parece-nos que a solução não pode ser outra. Os princípios e
fundamentos dos seguros de responsabilidade civil – e o seguro obrigatório automóvel continua a ser, apesar das suas especificidades, um seguro de responsabilidade civil – assim o
determinam. De facto, tais seguros assentam na dualidade entre responsável e vítima,
visando o seguro obrigatório automóvel apenas a protecção das vítimas. Por isso, o responsável está sempre excluído da indemnização pelas forças do seguro. E o mesmo acontece,
naturalmente, com os seus herdeiros, mas também com aqueles que, não sendo vítimas do
acidente, sofrem danos que são mera consequência dos danos sofridos por aquele responsável, pois que o princípio que leva à exclusão dos danos do responsável deve levar, do
mesmo modo, à exclusão dos danos dos seus familiares que são simples decorrência daqueles danos excluídos.
(251) Cfr. LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., p. 553.
(252) Neste sentido se pronunciou o TConst, no seu Ac n.º 25/2010, Proc. n.º 991/07,
DR, 2.ª série, de 30-03-2010 (parte D), considerando não ser inconstitucional a norma do
art. 7.º, n.º 1, do DL n.º 522/85, enquanto exclui da garantia do seguro obrigatório automóvel
os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro, mesmo
quando o lesado não seja o detentor do veículo ou o tomador do seguro e não lhe seja
imputada culpa na produção do acidente.
(253) Na terminologia do DL n.º 522/85, o “titular da apólice” (cfr. art. 7.º, n.º 2, al. a),
deste DL).
90
O critério subjacente à exclusão prende-se, assim, com a natureza deste
seguro: trata-se de um seguro de responsabilidade, cujo sistema assenta na
dita relação de oposição entre responsáveis e vítimas, bem se compreendendo
que a obrigação de segurar incida sobre toda a pessoa (desde logo, o
proprietário do veículo) que possa ser civilmente responsável pela reparação
de danos a outrem (vítima), responsabilidade essa, para com outrem, que
deve encontrar-se coberta pelo seguro, direccionado, pois, para as vítimas
(cfr. arts. 4.º e 6.º da LSOA).
Por isso, visando o seguro cobrir o tomador ou segurado, garantindo a
sua responsabilidade civil, resulta o tomador do seguro, em conformidade,
excluído da garantia nos termos do n.º 2, al. b), daquele art. 14.º, isto é,
quanto a danos materiais. Estes, como refere YVONNE LAMBERT-FAIVRE,
concernentes aos bens do tomador ou proprietário confiados ao condutor,
desde logo o veículo (a que se refere o seguro), devem permanecer excluídos
da garantia, já que a obrigação de seguro não se aplica à reparação de danos
em coisas confiadas ao condutor a qualquer título, cujo risco deve ser objecto
de um seguro de coisas facultativo (254).
Já relativamente à não exclusão dos danos corporais decorrentes do
acidente, o legislador atendeu, na senda do Direito comunitário, à relação de
responsabilidade decorrente do acidente. Aqui o tomador, não condutor,
que sofre danos corporais – enquanto passageiro, peão ou utente de outro
veículo – causados por aquele a quem confiou o seu veículo, aparece como
vítima do acidente, a dever ser garantida, e não como um responsável.
Por isso, e vista a natureza corporal dos danos, a dimensão social do
seguro leva à sua indemnização, apesar de o lesado ser também o tomador do
seguro (255).
(254) LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., p. 554.
(255) Cfr. Ac do STJ, de 16/01/2007, Proc. 06A2892 (BORGES SOEIRO),
www.dgsi.pt/jstj.nsf, segundo o qual, «contrariamente ao entendimento anterior, hoje, “terceiro”, em matéria de acidente de viação, é todo aquele que possa imputar a responsabilidade do evento a outrem – e, não, como anteriormente, aquele que não era o tomador do
seguro», assim decidindo que o proprietário e tomador do seguro que é transportado como
passageiro no seu próprio veículo, sendo outrem o respectivo condutor, está coberto pela
responsabilidade civil automóvel quanto aos seus danos decorrentes de lesões corporais.
91
III – Em posição semelhante ao tomador do seguro estão as pessoas cuja
responsabilidade é garantida nos moldes a que alude o n.º 1 do art. 15.º da
LSOA.
Com efeito, ficam excluídos da garantia do seguro quaisquer danos
materiais – que não corporais – causados às pessoas mencionadas na al. c) do
n.º 2 do art. 14.º, da LSOA (256). Assim, não são considerados terceiros, para
efeitos de indemnização por danos materiais: a) os sujeitos da obrigação de
segurar previstos no art. 4.º; b) os legítimos detentores e condutores do
veículo, designadamente as pessoas cuja garantia se reporta a uma situação
de compropriedade do veículo a que respeita o seguro. Porém, já quanto a
danos corporais, tais pessoas são consideradas como terceiros (com direito,
pois, a indemnização pelas forças do seguro).
O critério subjacente à exclusão é, no essencial, o já mencionado para a
exclusão do tomador do seguro: trata-se de pessoas que, como o tomador do
seguro, estão especialmente ligadas ao veículo sinistrante, tendo a sua
responsabilidade civil garantida pelo contrato de seguro, o que justifica a sua
exclusão quanto a danos materiais (mormente bens confiados ao condutor,
em relação aos quais se justificaria um seguro facultativo, não tendo o seguro
obrigatório automóvel vocação para os cobrir). Já quanto a danos corporais,
atendendo à definição de terceiros com referência à relação de responsabilidade derivada do facto do acidente (e não com relação ao contrato), a
função social do seguro leva a que tais pessoas (não condutores do veículo)
sejam vistas como vítimas, de modo a não ocorrer exclusão.
IV – Ficam também excluídos da garantia do seguro obrigatório quaisquer danos materiais causados às “sociedades ou representantes legais das
pessoas colectivas responsáveis pelo acidente, quando no exercício das suas
funções”, como resulta da al. d) do n.º 2 do art. 14.º da LSOA (257).
No que concerne a sociedades (pessoas colectivas), é difícil admitir a
ocorrência de danos que não sejam os de natureza material, pelo que não
restarão outros danos em que as forças do seguro possam aqui responder – na
(256) Preceito análogo ao do art. 7.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 522/85, que remetia para o
art. 8.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
(257) Preceito análogo ao do art. 7.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 522/85.
92
prática tal solução legal corresponderá a afastar do âmbito do seguro obrigatório automóvel todos os danos sofridos pelas sociedades. Já no que concerne
a representantes legais das pessoas colectivas, é possível que estes, sendo
pessoas singulares, sofram danos de natureza material e de cariz corporal,
pelo que as forças do seguro já responderão perante estas pessoas pelos danos
corporais que sofram, garantindo-se nesta parte a indemnização pelo
segurador.
O critério subjacente à exclusão volta a ser o da responsabilidade pelo
acidente, atenta a dita oposição entre responsável e vítima, sendo que às
pessoas colectivas responsáveis (proprietárias ou utilizadoras equiparadas)
são equiparados os seus representantes legais, desde que em exercício de
funções (258).
V – Ocorre também exclusão, quanto a danos materiais, tendo em conta
o critério do parentesco, reportado a determinados membros da família do
condutor, do tomador do seguro ou das outras pessoas cuja responsabilidade
é garantida. Critério esse subjacente às als. e) e f) do n.º 2 do dito art. 14.º (259),
sendo que a al. e) também alude a relações de afinidade, até certo grau
(3.º grau), desde que conjugadas com um outro requisito, o da coabitação
ou vivência a cargo das pessoas referidas nas als. a) a c) do mesmo n.º 2 do
dito art. 14.º (260) (261).
(258) Ocorre, assim, nesta parte, assimilação dos gerentes, presidentes, directores gerais
e administradores, se no exercício de funções, aos proprietários do veículo da sociedade,
diversamente do que acontece em França, onde os representantes legais da pessoa colectiva
proprietária do veículo são garantidos como terceiros – cfr. LAMBERT-FAIVRE, YVONNE,
op. cit., p. 554.
(259) Anteriores als. d) e e) do art. 7.º, n.º 2, do DL n.º 522/85.
(260) Requisito este que justifica a equiparação dos laços de afinidade aludidos aos de
parentesco (para estes últimos, já por natureza de ligação muito estreita, não opera o
requisito da coabitação ou da particular situação de dependência).
(261) Assim, excluem-se da garantia do seguro todos os danos materiais – que não
corporais – causados: a) ao cônjuge, aos ascendentes, aos descendentes, aos adoptados, das
pessoas aludidas nas als. a) a c) do dito n.º 2 do art. 14.º; b) aos demais parentes ou afins das
mesmas pessoas até ao 3.º grau, desde que tais afins com aquelas coabitem ou vivam a seu
cargo; c) às pessoas que, “nos termos dos arts. 495.º, 496.º e 499.º do CC, beneficiem de uma
pretensão indemnizatória decorrente de vínculos com alguma das pessoas referidas nas
alíneas anteriores” (al. f) do dito art. 14.º, n.º 2).
93
Termos em que tais pessoas, transportadas no veículo, com relação de
parentesco com o transportador, são consideradas como terceiros no que
concerne a danos corporais, tendo, pois, nesta parte direito indemnizatório a
satisfazer pelo segurador.
Não assim quanto a danos materiais, como visto, nada podendo exigir
nesta parte ao abrigo do seguro obrigatório automóvel – a solução legal justifica-se face à confluência de interesses dos membros de um mesmo agregado
familiar, a aconselhar a não autonomização dos danos materiais de qualquer
deles (são prejuízos que não são vistos como alheios ao agregado familiar do
responsável, antes devendo ser assumidos no próprio seio dessa comunidade
de vida e de relações patrimoniais).
VI – Outro critério legal de exclusão da garantia do seguro é o chamado
da assunção do risco. Critério esse subjacente à al. g) do n.º 2 do dito
art. 14.º (262), segundo a qual estão excluídos da garantia do seguro obrigatório os danos materiais causados a passageiros transportados em contravenção às regras relativas ao transporte de passageiros constantes do
Código da Estrada.
O seguro obrigatório cobre, por regra, os danos sofridos pelas pessoas
transportadas no veículo a que se refere o seguro. Mas assim não será quando
tais pessoas transportadas (passageiros) seguirem em infracção às ditas regras
relativas ao transporte de passageiros, caso em que está excluída, por isso, a
ressarcibilidade, através das forças do seguro, não dos danos corporais (que
continuam a ser ressarcíveis), mas, sim, de quaisquer danos materiais.
O critério subjacente a esta exclusão legal é o da aludida assunção do
risco por parte das pessoas transportadas: aceitando (aderindo a) um transporte naquelas condições – em infracção às regras atinentes ao transporte de
passageiros, designadamente regras de segurança –, as pessoas transportadas
colocam-se conscientemente em situação de maior perigo ou risco, assumem
essa situação e esse risco acrescido (263). Donde que não possam depois
(262) Anterior al. f) do art. 7.º, n.º 2, do DL n.º 522/85.
(263) Questão que pode colocar-se nesta sede é a de saber se a exclusão a que alude a
al. g) do n.º 2 do dito art. 14.º exige o nexo de causalidade entre a infracção das regras do
CEst e os danos materiais sofridos pelos passageiros transportados. Para F. ALBUQUERQUE
94
beneficiar da garantia do seguro, quanto a danos materiais – situação que
poderia fazer lembrar a figura civilística do abuso do direito, na modalidade
do venire contra factum proprium (264).
VII – É ainda o critério distintivo entre responsável e vítima que fundamenta, afinal, a exclusão do preceito do n.º 3 do art. 14.º aludido, segundo o
qual, em caso de falecimento, por força do sinistro, de certos membros da
família do responsável do acidente, a este fica excluída qualquer indemnização (seja, pois, por danos corporais ou materiais e seja por danos sofridos
na esfera jurídica desses familiares falecidos, de que o responsável seja
herdeiro, ou na própria esfera jurídica do responsável, como, por exemplo, a
dor moral por si sofrida resultante da morte ocorrida).
O dito pressuposto da oposição irredutível entre responsável e vítima
determina, pois, aqui o afastamento de qualquer indemnização ao responsável
do acidente (265).
MATOS não deve exigir-se tal nexo de causalidade, por duas razões: a) uma decorrente da
letra da lei, pois que no elemento literal não é feita referência à ideia de causalidade; b) outra
ligada ao espírito da norma, atendendo à ideia aludida de assunção do risco, pois que, ao
colocarem-se voluntária e conscientemente em situação de violação das regras de segurança
do CEst., os passageiros transportados bem sabem do maior risco a que se submetem (maior
probabilidade de ocorrência de danos), com a vantagem, por outro lado, de mais eficazmente
se alcançarem objectivos de prevenção rodoviária, que estão na base deste preceito legal (cfr.
Contrato de seguro obrigatório…, cit., ps. 341 e s.).
Concorda-se com esta posição face à formulação do preceito, parecendo que o legislador teve em vista, no modo de formulação adoptado, fixar também, a par do acolher da ideia
de prevenção rodoviária, uma disciplina moralizadora e simultaneamente dissuasora, sendo
sensível, ao mesmo tempo, à legítima protecção dos interesses das empresas de seguros.
Por outro lado, concorda-se também com a posição de quem entende que, nas hipóteses
de excesso de lotação do veículo, não é toda e qualquer sobrelotação que determina o afastamento da garantia do seguro. Antes deve ser deixada ao juiz a necessária margem de liberdade de apreciação quanto à medida em que tal excesso de lotação ultrapassa os limites do
que é razoável, por forma a desencadear a exclusão da dita al. g) do n.º 2 do art. 14.º (cfr.,
neste sentido, o Ac do TRC, de 21/11/1995, CJ, 1995, t. V, ps. 40 e s.).
(264) O legislador, porém, entendeu não estender este critério aos danos corporais,
tendo em conta a gravidade que as lesões corporais muitas vezes assumem, vista a dimensão
social do seguro.
(265) O preceito do dito art. 14.º, n.º 3, é o “sucessor” do n.º 3 do art. 7.º do DL n.º 522/85,
com disciplina, pois, algo semelhante. Dele diverge, porém, num ponto, aliás, importante. É
que a exclusão da garantia do seguro do n.º 3 daquele art. 7.º tinha um âmbito mais restrito
do que a do actual art. 14.º, n.º 3. Assim, aquele preceito do DL n.º 522/85 apenas excluía, na
95
VIII – Passando às situações previstas no n.º 4 do art. 14.º aludido (266),
constata-se que o legislador adoptou diversos critérios de exclusão.
Desde logo, no que concerne às als. a) e b), atendeu à natureza dos danos
sofridos, enquanto que na al. d) considerou a causa dos danos. Já quanto às
demais hipóteses ali previstas, foi considerada a natureza da actividade
exercida.
O enfoque incide, desde logo, sobre o objecto atingido (als. a) e b)).
Compreende-se que estejam excluídos os danos causados no próprio veículo
seguro, aqueles danos materiais que o responsável do acidente nele causou
– a razão é a mesma, anteriormente explicitada, que justifica a exclusão dos
danos materiais sofridos pelo condutor, pelo tomador do seguro e pelos
demais sujeitos cuja responsabilidade é garantida. Quer dizer, no âmago da
oposição entre responsável e vítima, o veículo a que se refere o seguro obrigatório deve permanecer excluído da garantia, já que a obrigação de seguro
não se aplica à reparação de danos em coisas afectas ao responsável pelo
acidente, mas à indemnização das vítimas. Donde que os danos causados no
próprio veículo devam ser objecto de um seguro de coisas facultativo. E o
mesmo se diga, mutatis mutandis, para os danos causados em bens transportados nesse veículo, entendendo-se que se não trata aqui de danos exteriores
ou alheios ao veículo, o que justifica a dita exclusão.
Quanto à exclusão da al. d) – danos devidos a explosão, libertação de
calor ou radiação, decorrentes de desintegração ou fusão de átomos, aceleração artificial de partículas ou radioactividade –, estão em causa danos não
resultantes do perigo, em si, da utilização de veículo terrestre motorizado.
Não se tratando de danos resultantes da circulação do veículo a que se refere
hipótese normativa ali referida (falecimento, em consequência do acidente, de qualquer das
pessoas referidas nas als. d) e e) do número anterior, designadamente, cônjuge, ascendentes e
descendentes), “qualquer indemnização ao responsável culposo do acidente por danos não
patrimoniais”, ficando salvaguardada, pois, a indemnização por danos patrimoniais. Enquanto
que no novo art. 14.º, n.º 3, com semelhante hipótese normativa, mas pondo totalmente de
lado a distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, já se estabelece, mais
amplamente, que “é excluída qualquer indemnização ao responsável do acidente”. Este teria
direito, à luz do CC (arts. 495.º, 496.º e 499.º), a indemnização por morte dos seus familiares,
mas fica dela excluído como pessoa responsável pelo acidente.
(266) Semelhante ao anterior art. 7.º, n.º 4, do DL n.º 522/85.
96
o seguro, os mesmos assumem, face à sua causa, uma feição ou natureza
especial, ficando excluídos, por isso, do seguro obrigatório automóvel.
Quanto, por sua vez, à exclusão da al. c) – danos causados a terceiros
em consequência de operações de carga e descarga –, em causa está já a
natureza da actividade desenvolvida (operações de carga e descarga). O
seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel corporiza preocupações quanto à circulação dos veículos, e ao inerente risco, visando tão-só
garantir o ressarcimento dos danos causados no âmbito dessa circulação
rodoviária. São-lhe estranhas preocupações quanto a outras actividades que
não as específicas de circulação rodoviária, como é o caso das operações de
carga e descarga e respectivo risco. Donde que as cargas e descargas e seus
riscos específicos, e decorrentes danos, fiquem fora do seguro obrigatório
automóvel.
Quanto, por fim, à al. e) – danos ocorridos durante provas desportivas e
respectivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguro celebrado ao abrigo
do artigo 8.º –, está em causa, como critério de exclusão, a natureza específica da actividade desenvolvida. Assim, os danos decorrentes desta actividade, causados a terceiros, devem ser objecto de um seguro especial, a que
se reporta o art. 8.º (“seguro de provas desportivas”), devendo ser este, e não
o seguro obrigatório automóvel, a garanti-los, dando-lhes cobertura ressarcitória. Caso tal seguro de provas desportivas não seja efectuado, os danos
decorrentes dessa actividade ficam sem garantia de seguro, já que excluídos
da garantia daquele seguro obrigatório.
O segurador, pois, uma vez instado em sede indemnizatória, oporá todas
as ditas exclusões da garantia, na medida em que se verifiquem – como
matéria de defesa por excepção –, aos lesados, tratando-se aqui já do
chamado plano das relações externas, matéria que nos reporta para o domínio
da acção directa entre lesado e segurador de responsabilidade civil.
3. A acção directa no âmbito do seguro obrigatório automóvel
No seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, como seguro
de responsabilidade que é, a garantia do seguro cobre uma obrigação de
97
indemnizar – trata-se de um risco de responsabilidade civil, um risco
jurídico –, a qual se constitui na esfera patrimonial do segurado-responsável
em consequência do sinistro (acidente de viação) e dos danos pelo mesmo
causados a terceiros, sendo que a medida dessa obrigação indemnizatória
corresponde ao montante dos danos causados à vítima-lesado, os quais são
cobertos pelo seguro (267) desde que se comportem dentro do montante do
capital mínimo obrigatoriamente seguro (268). Estamos, pois, no âmbito dos
seguros de danos, mas com a especificidade de a feição indemnizatória se
referir aqui a uma obrigação ou dívida de responsabilidade do segurado para
com outrem, a vítima do sinistro, que tem de ser ressarcida.
A essa obrigação de indemnizar corresponde, pelo lado oposto da relação
jurídica – assim estabelecida por via extracontratual, já que decorrente de facto
ilícito ou do risco –, um direito a ser indemnizado, encabeçado por tal vítima-lesado, que, por isso, o deve exercer como credor, devendo fazê-lo apenas
contra o segurador do responsável se o seu pedido indemnizatório se contiver
dentro daquele montante de capital obrigatoriamente seguro, ou contra tal
segurador e contra o civilmente responsável se o pedido ultrapassar aquele
montante de capital (art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), da LSOA). Esse exercício do
direito indemnizatório começará normalmente por via extrajudicial, com
vista à obtenção de uma composição ressarcitória amigável entre as partes.
Se, porém, da via extrajudicial não resultar consenso indemnizatório,
terá então o lesado de intentar a acção judicial adequada. Trata-se, assim, da
acção directa contra o segurador de responsabilidade civil, destinada à efectivação desse tipo de responsabilidade, decorrente de acidente de viação, a que
alude o dito art. 64.º da LSOA (269), sendo o tribunal chamado a disciplinar
juridicamente o litígio. Só então fica definida a responsabilidade civil e determinado o montante do crédito de reparação do lesado, cujo ressarcimento
caberá ao segurador demandado por força da cobertura do seguro obrigatório
automóvel (270).
(267) Cfr. art. 137.º do RJCS.
(268) Cfr. arts. 138.º, n.º 1, do RJCS, e 12.º da LSOA.
(269) Cfr. também art. 146.º do RJCS.
(270) Assim perspectivadas as coisas, importa determinar se o contrato de seguro
obrigatório automóvel configura um contrato a favor de terceiro, matéria sobre que há
divergências na doutrina e na jurisprudência, pelo que se impõe uma tomada de posição.
98
Enquanto na doutrina SERRA, VAZ (RLJ, 97, p. 297, apud ALMEIDA, MOITINHO DE,
O contrato de seguro…, cit., p. 291), CAMPOS, D. LEITE DE (Contrato a favor de terceiro,
2.ª ed., Coimbra, 1991, p. 36, e Seguro de responsabilidade civil em acidentes de viação,
Coimbra, 1971, ps. 105 e ss.), PINTO, C. A. DA MOTA (Cessão da posição contratual,
Coimbra, 1970, p. 33) e VASQUES, JOSÉ (Contrato de seguro, cit., ps. 120 e ss.), entre outros,
defenderam ser o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel de qualificar como
um contrato a favor de terceiro, e na jurisprudência essa é a orientação dominante – cfr.,
entre outros, Ac do TRC, de 23-11-2004, Proc. 2568/04 (REGINA ROSA), www.dgsi.pt/jtrc.nsf,
Ac do TRP, de 02/12/2004, Proc. 0436044 (FERNANDO BAPTISTA), www.dgsi.pt/jtrp.nsf,
bem como Ac do STJ, de 11/03/1997, BMJ, n.º 465, p. 537 (citado por aquele Ac do TRP) –,
já outro sector da doutrina nega, por sua vez, que tal contrato seja um verdadeiro contrato a
favor de terceiro (cfr. MATOS, F. ALBUQUERQUE, O contrato de seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel, BFD, vol. LXXVII, ps. 394 e ss., bem como, quanto ao
contrato de seguro de responsabilidade civil em geral, ALMEIDA, MOITINHO DE, O contrato
de seguro…, cit., ps. 291 e s.).
Ora, o contrato a favor de terceiro (arts. 443.º e ss. do CC), como refere ANTUNES
VARELA, “é o contrato em que um dos contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem
do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), estranho à relação contratual”, sendo essencial que “os contraentes procedam com a intenção de atribuir, através
dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário” – o benefício do terceiro “nasce directamente
do contrato, e não de qualquer acto posterior”, sem prejuízo de o seu nascimento poder ser
“diferido para momento posterior à celebração do contrato, se a lei (cfr. art. 451.º, 1) ou os
contraentes (mediante condição ou fixação de prazo) assim o determinarem” (Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 410). E, continua este autor, “no
contrato a favor de terceiro, o direito do beneficiário resulta imediatamente do contrato, pois
o promitente fica vinculado perante ele à prestação” (op. cit., p. 414).
É com este seu enquadramento que ANTUNES VARELA considera, quanto ao contrato de
seguro de responsabilidade civil (em geral), que, em princípio, o sentido normal das declarações dos contraentes não aponta para a consideração do negócio como contrato a favor de
terceiro, pois que “o segurado não quer, em regra, atribuir desde logo um direito ao credor da
indemnização eventual contra a companhia seguradora, mas reservar apenas para si a faculdade de, à custa da seguradora, se desonerar da responsabilidade em que venha a incorrer
perante terceiro”. Mas logo acrescenta este Autor: “Diferente, nesse aspecto, é a fisionomia
do seguro obrigatório” (op. cit., p. 412, em nota); e continua mais adiante: “Não é essencial à
figura do contrato a favor de terceiro o carácter gratuito da vantagem proporcionada ao
beneficiário. Basta pensar nos casos em que o seguro da responsabilidade civil é imposto no
interesse de terceiro (a vítima do acidente de viação; e credor da disposição destinada a
garantir dívida futura e eventual” (op. cit., ps. 417 e s.).
Com MATOS, F. ALBUQUERQUE (O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, cit., ps. 394 e ss.), concordamos que, tal como no contrato a favor de
terceiro, se verifica no contrato de seguro obrigatório automóvel uma “certa erosão” do princípio da relatividade dos contratos (positivado no art. 406.º, n.º 2, do CC), pois que a relação
contratual de seguro produz efeitos, para além de inter partes, também em relação a terceiros, os lesados, que são verdadeiros titulares de direito indemnizatório pelos danos sofridos
99
em acidente de viação, embora se mantenham sempre estranhos à relação contratual, ao que
acresce, no mesmo sentido, a circunstância de no seguro obrigatório automóvel também se
surpreender uma relação de cobertura ou de provisão, com o segurador a realizar a prestação
ao terceiro à custa ou por conta do segurado.
Ao lesado, enquanto vítima de acidente de viação, assiste um verdadeiro direito de
crédito indemnizatório, que o mesmo deve exercer directamente contra o segurador. É certo
que o seu direito depende sempre da verificação dos pressupostos legais da responsabilidade
civil extracontratual – o segurador só responde na medida da responsabilidade do segurado.
Mas o contrato de seguro obrigatório (de responsabilidade civil) automóvel já prevê essa
situação, sendo celebrado de acordo com esse específico condicionalismo (em que sinistro e
lesado são elementos futuros hipotéticos), para a eventualidade de vir a verificar-se.
Ora, no âmbito do contrato de seguro obrigatório automóvel, o seguro de responsabilidade civil é, ab initio, imposto legalmente no interesse de terceiro (é a protecção das
vítimas que motiva a obrigatoriedade do seguro). Tal terceiro (o lesado), sendo vítima de
sinistro automóvel, adquire, de acordo com os pressupostos da lei civil, um direito de crédito
indemnizatório por responsabilidade civil extracontratual, sendo responsável o lesante. Mas,
como refere ANTUNES VARELA, esse terceiro é, ao mesmo tempo, o “credor da disposição
destinada a garantir a dívida futura e eventual”, já que aquele contrato de seguro visa
precisamente garantir tal dívida, futura e eventual, decorrente de responsabilidade civil
extracontratual.
Concorda-se, assim – com ANTUNES VARELA –, que o contrato de seguro facultativo de
responsabilidade civil não é, por regra, um contrato a favor de terceiro: o segurado não
pretenderá, por princípio, conferir desde logo um direito ao eventual lesado credor contra o
segurador; tem antes, normalmente, a intenção de reservar para si a opção de, no momento
oportuno, se desonerar, à custa do segurador, ou não, da responsabilidade em que venha a
incorrer. Diversamente, no contrato de seguro obrigatório automóvel (tal como noutros
seguros obrigatórios de responsabilidade civil, todos previstos nos arts. 146.º e ss. do RJCS),
por imposição legal fica desde logo atribuído – contratualmente – ao eventual lesado (na
medida em que venha a ser credor de indemnização) um direito próprio, a exercer em acção
directa, contra o segurador (art. 146.º, n.º 1, do RJCS). Direito esse que tal lesado terá, no
domínio do seguro obrigatório automóvel, de exercer obrigatoriamente contra o segurador, e
apenas contra ele se o seu pedido se contiver no capital obrigatoriamente seguro.
Quer dizer, o contrato de seguro obrigatório automóvel logo posiciona o eventual
lesado (beneficiário) como titular de um direito próprio contra o segurador, desde que o seu
direito de crédito se venha a constituir, o que já respeita à álea específica do contrato e
decorre dos pressupostos legais respectivos. Verificado esse condicionalismo ou álea do contrato, logo emerge o lesado como terceiro (beneficiário do seguro) com um direito próprio
contra o segurador (promitente), à custa do segurado (promissário).
Assim, se o direito de crédito do terceiro não resulta aqui exclusivamente do contrato
de seguro (ele nasce no domínio da relação entre lesante e lesado), pois que o mesmo sempre
dependerá de um acontecimento futuro e incerto (a ocorrência do sinistro e os consequentes
danos, para além da responsabilidade do condutor, cujos pressupostos resultam da lei), já o
seu direito contra o segurador nasce directamente de tal contrato, no qual se estabelece uma
atribuição patrimonial imediata (embora eventual e a determinar futuramente) para o beneficiário, logo que este se constitua como tal, a suportar pelo segurador mas à custa do segu-
100
Ora, como refere YVONNE LAMBERT-FAIVRE (271), se o fundamento da
acção directa resulta do direito à reparação da vítima – trata-se de uma acção
de reparação do dano sofrido, baseada em responsabilidade civil extracontratual –, já o seu exercício está limitado pelo contrato de seguro de
responsabilidade, sendo accionado o respectivo segurador, o qual não é
pessoalmente responsável, mas apenas devedor de uma obrigação de garantia
nascida do contrato de seguro.
Assim, na acção directa cabe ao autor-lesado fazer a prova de todos os
factos constitutivos do seu direito indemnizatório (272): a) os determinantes
da existência do seu crédito, e respectivo montante, sobre o responsável-segurado – pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, por facto
ilícito (273) ou pelo risco (274) –, com a correspondente obrigação a cargo
rado. Tal é, a nosso ver, quanto basta – presentes os elementos essenciais respectivos – para
qualificar o contrato de seguro obrigatório automóvel como contrato a favor de terceiro,
sendo que as pontuais diferenças entre o regime dos arts. 444.º e ss. do CC e o do contrato
de seguro obrigatório automóvel, decorrendo da especificidade deste último (regime
especial), não parecem ser, logo por isso, dotadas de projecção bastante para infirmar esta
conclusão.
Como refere VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 121, se é certo derivar, no
contrato a favor de terceiro, o benefício de tal terceiro do próprio contrato, enquanto no
seguro de responsabilidade civil o direito do lesado resultará desde logo da lei, tal não se
afigura relevante para efeitos qualificativos do contrato de seguro obrigatório automóvel, “na
medida em que o direito do lesado, emergindo da lei, se dirige ao lesante, enquanto o direito
de ressarcimento ao abrigo do seguro que lhe advém do contrato se dirige à seguradora para
quem foi transferida a obrigação de indemnizar”.
Concluímos, pois, pela qualificação do contrato de seguro obrigatório automóvel como
contrato a favor de terceiro, ao lado, do mesmo modo, dos outros contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil; mas consideramos que os contratos de seguro facultativo
de responsabilidade civil não são, por regra, de qualificar como contrato a favor de terceiro.
(271) LAMBERT-FAIVRE, YVONNE, op. cit., ps. 481 e 488.
(272) Nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do CC.
(273) A responsabilidade civil por facto ilícito depende da verificação simultânea de um
conjunto de pressupostos: a acção, a antijuridicidade, a culpa do agente, o dano e o nexo de
casualidade entre o facto e o dano.
(274) A invocação da responsabilidade por culpa, como causa de pedir, e o respectivo
pedido indemnizatório, têm normalmente implícita a invocação (tácita) da responsabilidade
pelo risco, no caso de não se lograr provar a culpa – cfr. Ac do STJ, de 04/10/2007,
Proc. 07B1710 (SANTOS BERNARDINO), www.dgsi.pt/jstj.
101
deste; b) os determinantes da existência da obrigação de garantia do segurador de responsabilidade, com base no contrato de seguro (275).
Já ao segurador-demandado na acção directa cabe defender-se, invocando as excepções que ao caso couber, para o que alegará os pertinentes
factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito indemnizatório
contra si invocado (276). Porém, com limites legais, matéria a explicitar no
ponto seguinte.
4. A tipicidade dos meios de defesa do segurador
Estamos, como referido, no plano das relações externas, importando aqui
especificamente o art. 22.º da LSOA, norma especial do seguro obrigatório
automóvel, com escopo essencialmente tutelador das vítimas dos acidentes de
viação, estabelecendo o elenco taxativo dos meios de defesa (ou excepções)
que, neste âmbito, o segurador-demandado pode opor ao lesado-demandante.
Assim, perante este preceito imperativo, o segurador-demandado apenas
pode opor: a) as exclusões ou anulabilidades estabelecidas na LSOA;
b) a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do art. 21.º da LSOA (cessação
por alienação do veículo); c) a resolução ou a nulidade do contrato, nos
termos legais e regulamentares em vigor; porém, desde que, em qualquer
caso, anteriores à data do acidente (277).
I – Quanto às exclusões ou anulabilidades estabelecidas na LSOA.
Começando pelas exclusões, estas são as estabelecidas no art. 14.º: as
exclusões da garantia do seguro, já apreciadas anteriormente (278). Assim,
(275) Releva a garantia nos termos em que definida no contrato de seguro vigente ao
tempo do sinistro.
(276) Cfr. art. 342.º, n.º 2, do CC.
(277) No plano de tais relações externas não pode, pois, o segurador excepcionar
quaisquer outras causas de exoneração. Não esqueceu o legislador, assim, os interesses dos
seguradores, empenhado em que se mantenha o equilíbrio das prestações das partes no
contrato de seguro – cfr. MATOS, F. ALBUQUERQUE, O contrato de seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel, Alguns aspectos do seu regime jurídico, cit., p. 345.
(278) Cfr., supra, 2.3. deste Cap..
102
quaisquer das pessoas e danos aludidos nesse preceito ficam fora da garantia
do seguro, motivo pelo qual o segurador pode excepcionar tais exclusões no
âmbito da acção directa, opondo-as aos lesados.
De notar também que ficam excluídas da garantia do seguro obrigatório
automóvel quaisquer indemnizações devidas pelos autores e cúmplices de
roubo, furto ou furto de uso de veículos e acidentes de viação dolosamente
provocados para com: a) os sujeitos da obrigação de segurar (proprietário,
usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade ou locatário em regime
de locação financeira); b) os autores ou cúmplices; c) os passageiros transportados que tivessem conhecimento da detenção ilegítima do veículo e de
livre vontade nele fossem transportados (art. 15.º, n.º 3, da LSOA).
Oponível aos lesados é ainda, neste âmbito, a cessação da validade do
certificado internacional de seguro (“carta verde”) a que alude o n.º 2 do
art. 28.º da LSOA. Quer dizer, no que respeita a documentos comprovativos
do seguro, estabelece a al. c) do n.º 1 deste artigo, quanto a veículos matriculados em países cujos serviços nacionais de seguros não tenham aderido ao
Acordo entre os serviços nacionais de seguros, que o certificado internacional
de seguro constitui documento para tanto comprovativo em Portugal,
“quando válido e emitido por serviço nacional de seguros ao abrigo da relação contratual entre serviços regulada pela secção ii do Regulamento Geral
do Conselho dos Serviços Nacionais de Seguros anexo àquele Acordo”.
Ora, o Gabinete Português da Carta Verde, na qualidade prevista no
art. 90.º da LSOA – enquanto entidade competente para satisfação de indemnizações, nos termos da LSOA, aos lesados por acidentes ocorridos em
Portugal e causados, designadamente, por veículos matriculados em países
cujos serviços nacionais de seguros não tenham aderido ao Acordo entre os
serviços nacionais de seguros –, pode opor aos lesados, por forma a exonerar-se, a cessação da validade, quando esta ocorra, do certificado internacional
de seguro nos termos previstos na secção ii do Regulamento Geral do
Conselho dos Serviços Nacionais de Seguros anexo àquele Acordo,
em conformidade com o disposto naquele preceito do art. 28.º, n.º 2, da
LSOA (279).
(279) Cfr. art. 20.º, n.os 1 e 9, do DL n.º 522/85, cujo regime já previa a cessação da
validade do certificado internacional de seguro como excepção oponível aos lesados.
103
No que concerne às referidas anulabilidades, percorrido o articulado da
LSOA nenhuma outra causa de invalidade desse tipo se encontra que ali
tenha sido cominada.
II – Passando à cessação do contrato por alienação do veículo, dispõe o
n.º 1 do art. 21.º da LSOA que o contrato de seguro não se transmite em caso
de alienação do veículo – o que se compreende, já que se trata de um contrato
de natureza pessoal (seguro de responsabilidade civil) e não real (seguro de
coisas). Por isso, ocorrendo alienação do veículo, o contrato de seguro obrigatório automóvel cessa automaticamente (ope legis) os seus efeitos às 24
horas do dia da alienação, a não ser que o respectivo tomador do seguro o
utilize para segurar outro veículo.
Ora, cessando os efeitos do contrato de seguro por alienação do veículo
e não cumprindo o adquirente a sua obrigação de segurar (arts. 4.º e 6.º da
LSOA), os acidentes que depois do momento temporal dessa cessação
venham a ocorrer não se encontram cobertos por qualquer seguro, pelo que
ao segurador anterior, cujo contrato cessou, não pode ser exigida a indemnização dos respectivos danos. Se lhe for peticionada essa indemnização, tal
segurador oporá ao lesado a cessação do contrato de seguro, já que ocorrida
anteriormente ao sinistro, assim ficando desonerado, ante o disposto no
art. 22.º da LSOA.
III – Restam as situações de resolução ou nulidade do contrato – anteriores ao sinistro –, nos termos legais e regulamentares em vigor.
Temos, assim, quanto à resolução do contrato, a situação de não pagamento do prémio de seguro. Nesta parte, dispõe o art. 19.º da LSOA que ao
pagamento do prémio do contrato de seguro e consequências do seu não
pagamento são aplicáveis as disposições legais em vigor, no caso, pois, os
arts. 53.º e ss. do RJCS. E, segundo o preceituado no n.º 1 do art. 61.º do
RJCS, a falta de pagamento do prémio inicial, ou da primeira fracção deste,
na data do vencimento, determina a resolução automática do contrato a partir
da data da sua celebração. Já a falta de pagamento do prémio de anuidades
subsequentes, ou da sua primeira fracção, aquando do vencimento, impede a
prorrogação do contrato (n.º 2 do mesmo art.).
104
Como já referido (280), a falta de pagamento do prémio determina a exoneração automática do segurador, pois que a cobertura do risco depende do
prévio pagamento do prémio. A resolução opera aqui ope legis, sem necessidade de declaração à parte contrária (arts. 59.º e 61.º do RJCS). Assim,
ocorrendo acidente de viação após a resolução do contrato de seguro obrigatório automóvel por falta de pagamento do prémio devido, o segurador oporá,
por via de excepção, tal extinção do contrato, anterior à data do sinistro, ao
lesado (281).
Já quanto a nulidades, é de mencionar, desde logo, a nulidade por falsificação e utilização de documentos falsos de certificado provisório de seguro,
certificado de responsabilidade civil, certificado internacional (“carta verde”)
ou seguro de fronteira, a que alude o art. 83.º da LSOA (282). Claro que em
tais casos de falsificação de documentos relevantes referentes ao seguro
obrigatório automóvel, e sua utilização abusiva, não existe uma válida
cobertura de seguro de responsabilidade civil automóvel, donde a dita nulidade, oponível pelo segurador – prejudicado pela falsificação – aos lesados
em acidente de viação.
Questão algo controvertida é a de saber se a invalidade do contrato de
seguro por omissões ou inexactidões dolosas quanto à declaração inicial do
risco, estabelecida no art. 25.º do RJCS, cabe, ou não, nas excepções que o
art. 22.º da LSOA permite opor aos lesados. É que aquele art. 25.º do RJCS
qualifica tal invalidade como “anulabilidade” e o art. 22.º da LSOA refere-se,
como visto, apenas a “nulidade nos termos legais e regulamentares em
vigor”, já que, quanto a anulabilidades, só valem as estabelecidas na LSOA, o
que não é o caso. Daí que se questione se a referência a “nulidade” em tal
art. 22.º deve ser interpretada literalmente, o que colocará aquela anulabilidade por omissões ou inexactidões dolosas fora das excepções oponíveis
pelos seguradores, ou se deverá, em vez disso, interpretar-se extensivamente,
(280) Cfr., supra, Cap. III, 2.
(281) Cfr., sobre o regime actual de consequências do não pagamento do prémio
(art. 61.º do RJCS), MORGADO, J. PEREIRA, Lei do contrato de seguro, cit., p. 219.
(282) Assim também, mas à luz do art. 35.º do anterior DL n.º 522/85 (preceito similar
ao aludido art. 83.º do RJCS), LOPES, M. CLARA, Responsabilidade civil extracontratual,
cit., p. 100.
105
por forma a incluir a dita anulabilidade, podendo então os seguradores
demandados opô-la aos lesados.
A polémica já existia à luz do art. 14.º do anterior DL n.º 522/85,
conjugado com o art. 429.º do CCom (283). De facto, enquanto algumas vozes
da doutrina defendiam que a invalidade por falsas ou inexactas declarações
em sede de declaração inicial do risco pelo tomador do seguro (“declarações inexactas ou reticentes”) cabia no elenco taxativo do art. 14.º do DL
n.º 522/85, sendo, pois, oponível pelo segurador aos lesados (284), já a
jurisprudência dominante foi perfilhando decididamente o entendimento
contrário (285).
O aludido art. 429.º do CCom reportava-se à “nulidade” do contrato de
seguro por via de declarações inexactas ou reticentes do segurado, sendo,
porém, que a jurisprudência largamente maioritária entendia, e continua a
entender, tratar-se aqui de mera anulabilidade (286), solução que, aliás, veio a
(283) Este também entretanto revogado – cfr. art. 6.º, n.º 2, al. a), do DL n.º 72/2008.
(284) Cfr., neste sentido MATOS, F. ALBUQUERQUE, O Contrato de seguro obrigatório
de responsabilidade civil automóvel, Alguns aspectos do seu regime jurídico, cit., ps. 345 e
ss., bem como LOPES, M. CLARA, Responsabilidade civil extracontratual, cit., p. 100.
(285) Cfr., entre outros, Ac do STJ, de 18/12/2002, Proc. 02B3891 (MOITINHO DE
ALMEIDA), Ac do STJ, de 18/11/2004, Proc. 04B3374 (ARAÚJO BARROS), Ac do STJ, de
08/06/2006, Proc. 06A1435 (AZEVEDO RAMOS), Ac do STJ, de 20/10/2005, Proc. 05B2347
(OLIVEIRA BARROS) – bem como os Acs de 18/11/2004, Proc. n.º 337/04-7.ª, e de
07/04/2005, Proc. n.º 205/05-7.ª, ambos do mesmo STJ, mencionados em nota àquele
Ac –, Ac do STJ, de 12/09/2006, Proc. 06A2276 (ALVES VELHO), Ac do STJ, de
14/11/2006, Proc. 06A3465 (ALVES VELHO), Ac do STJ, de 02/10/2007, Proc. 07A2728
(MÁRIO CRUZ), Ac do STJ, de 06/11/2007, Proc. 07A3447 (NUNO CAMEIRA) – bem como os
Acs proferidos nos recursos de revista 2276/06-1.ª, 1435/06-6.ª e 3811/06-6.ª, todos do
mesmo STJ, mencionados em nota àquele Ac –, e Ac do STJ, de 16/10/2008, Proc. 08A2362
(ALVES VELHO), todos em www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
(286) A letra do preceito refere-se a nulidade, mas o intérprete não está vinculado às
classificações legais (matéria que não deve caber ao legislador). Por isso, e atentos os
interesses em jogo, foi sendo debatido, sobretudo na jurisprudência, se estamos perante
nulidade ou antes anulabilidade. A favor da solução da anulabilidade invoca-se que a natureza dos interesses em causa não é de molde a justificar a sanção, mais grave, da nulidade –
não está em causa a salvaguarda do interesse geral (não existem quaisquer motivos de
interesse público), mas uma situação paralela à dos vícios na formação do contrato (dolo e
erro), determinantes da mera anulabilidade (tutela de interesses particulares) – e que o
sentido do conceito de nulidade do legislador do CCom (do séc. XIX), correspondente à
nulidade absoluta do CC de 1867, era diverso do constante do CC actual (de 1966), que
distingue já entre nulidade e anulabilidade, pelo que, numa interpretação actualista,
106
ser adoptada pelo art. 25.º do RJCS, que se reporta à figura da anulabilidade (287).
Em favor da tese que defende a interpretação extensiva do art. 22.º da
LSOA – anterior art. 14.º do DL n.º 522/85 – pode argumentar-se que o legislador disse aqui menos do que aquilo que queria, pois que devia ter-se referido a “invalidade” em vez de “nulidade”, já que os efeitos das invalidades
– nulidades ou anulabilidades – são os mesmos sobre o contrato de seguro e
sobre a sua cobertura, provocando, invariavelmente, o desaparecimento do
contrato, com efeitos retroactivos (288), logo, a cessação do seguro e da
teleológica e sistemática, deve fazer-se corresponder a “nulidade” do art. 429.º do CCom à
actual anulabilidade.
Assim, vendo no preceito do art. 429.º do CCom um afloramento do erro vício da vontade, com referência ao objecto do negócio – que torna este anulável desde que o declaratário
conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre
que incidiu o erro –, levando o segurador a decidir-se pelo negócio partindo de um conhecimento erróneo ou de uma previsão enganosa, a jurisprudência dominante conclui que,
tratando-se de mera anulabilidade, não pode esta ser oposta pelos seguradores aos lesados, já
que tal é vedado pelo art. 14.º do DL n.º 522/85, que apenas permite opor nulidades – e não
meras anulabilidades – previstas noutros diplomas legais. Argumenta-se ainda que, tratando-se da socialização do risco e havendo imperativas razões de ordem social a reclamar que a
reparação da vítima seja rápida e segura, tais exigências impõem um seguro obrigatório em
que a responsabilidade seja garantida pelo segurador, salvo casos excepcionais, prevalecendo, nos regimes de seguro obrigatório, o princípio da inoponibilidade das excepções
contratuais, de que resulta que só a nulidade do contrato de seguro pode ser oposta aos lesados em acidente de viação, e não já a anulabilidade. Neste sentido, cfr., entre outros, os Ac
do STJ, de 18/12/2002, Proc. 02B3891, Ac do STJ, de 18/11/2004, Proc. 04B3374, Ac do
STJ, de 08/06/2006, Proc. 06A1435, Ac do STJ, de 20/10/2005, Proc. 05B2347, Ac do STJ,
de 12/09/2006, Proc. 06A2276, Ac do STJ, de 14/11/2006, Proc. 06A3465, Ac do STJ, de
02/10/2007, Proc. 07A2728, Ac do STJ, de 06/11/2007, Proc. 07A3447, e Ac do STJ, de
16/10/2008, Proc. 08A2362, aludidos na nota anterior. No sentido da nulidade se pronunciou, por sua vez, o Ac do TRP, de 16/10/1990, CJ, 1990, t. IV, ps. 230 e ss., criticado por
GOMES, JÚLIO, em O dever de informação do tomador do seguro na fase pré-contratual,
in: II Congresso Nacional de Direito dos Seguros, Almedina, Coimbra, 2001, p. 102.
(287) Parece-nos não merecer contestação o entendimento que, pelas razões expostas,
vê no vício cominado no art. 429.º do CCom uma anulabilidade, razão pela qual damos por
adquirido aqui que se trata de simples anulabilidade. Com efeito, não concorrem na situação
razões de interesse público que justifiquem a figura, mais gravosa, da nulidade, antes estando
em causa a tutela de interesses particulares, para os quais é adequada já a figura da anulabilidade, figura esta que, porém, por tardia, não existia aquando da feitura do CCom, pelo que
se impõe a aludida interpretação actualista, teleológica e sistemática, a que aderimos.
(288) As invalidades (nulidade e anulabilidade) distinguem-se, não só da inexistência e
da ineficácia, mas também das causas de extinção da relação jurídica validamente constituída
107
cobertura respectiva (art. 289.º, n.º 1, do CC), não havendo, por isso, razões
para distinguir entre os dois tipos de invalidade.
Cabe tomar posição. Ora, sendo de entender que o vício cominado no
art. 429.º do CCom é o da anulabilidade, a situação é, nesta perspectiva,
semelhante à do art. 25.º do RJCS, que também se reporta à figura da anulabilidade, a qual não cabe, na verdade, numa interpretação literal do art. 22.º
da LSOA (ou do art. 14.º do DL n.º 522/85). Mas imporão os princípios
aplicáveis ou os interesses atendíveis no caso uma tal interpretação literal?
Deve notar-se que o sistema tem, desde 01/01/2009, um elemento novo,
o RJCS, que contém, entre as suas disposições especiais de seguro obrigatório, o art. 147.º, atinente a meios de defesa do segurador. Também aqui se
estabeleceu a tipicidade dos meios de defesa do segurador em matéria de
seguros obrigatórios. Porém, a moldura taxativa deste art. 147.º é mais ampla
que a dos arts. 22.º da LSOA e 14.º do DL n.º 522/85, pelo que em matéria de
seguro obrigatório de responsabilidade civil em geral é permitido ao segurador lançar mão de um leque mais alargado de excepções (289) do que no
seguro obrigatório automóvel.
E compreende-se que assim seja, atenta a especificidade do seguro
obrigatório automóvel, vistas as especiais exigências de protecção das
vítimas da sinistralidade rodoviária perante os lesados em sede de riscos de
responsabilidade civil em geral. Por isso, constituindo a LSOA legislação
especial face ao RJCS, deve prevalecer, em matéria de seguro obrigatório
automóvel, o preceituado no art. 22.º da LSOA face à disposição, de regime
mais amplo, daquele art. 147.º do RJCS. Quer dizer, em matéria de seguro
(resolução, revogação ou denúncia). Assim, enquanto as invalidades “atingem o próprio
negócio jurídico de onde a relação emerge, impedindo que produza os efeitos normais”, por
ocorrer a “falta ou irregularidade de algum dos seus elementos internos”, já aquelas causas
de extinção visam, por sua vez, a dissolução de um vínculo contratual válido e em tempo de
vigência – cfr. COSTA, M. J. ALMEIDA, op. cit., ps. 317 e ss.
(289) Efectivamente, permite aquele art. 147.º que o segurador oponha ao lesado os
meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do
segurado ocorrido anteriormente ao sinistro, designadamente, a invalidade (nulidade ou
anulabilidade) do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato.
108
obrigatório automóvel as excepções oponíveis aos lesados são as do dito
art. 22.º (290), e não outras (291).
Pensamos que a chave para se alcançar o sentido deste preceito está na
parte final do mesmo, onde se estabelece um critério temporal (o da
anterioridade em relação à data do acidente). O que importa é determinar se à
data do sinistro o contrato de seguro – e a decorrente cobertura de responsabilidade civil – se mantém de pé, por nenhuma causa de invalidade ou de
extinção atendível ter sido exercida (292).
Caso se mantenha, então, não invocada/verificada anteriormente qualquer cessação, resolução ou nulidade do contrato, permanece, face a terceiros, a relação de seguro, subsistindo a cobertura do risco, pelo que o segurador tem de responder pela indemnização dos danos em conformidade com a
garantia subsistente do seguro contratado. Ainda que, após o acidente, venha
a efectivar-se a cessação, resolução ou nulidade, as mesmas não são oponíveis aos lesados – apesar da eficácia retroactiva da nulidade nas “relações
internas” (cfr. art. 289.º do CC), ocorre inoponibilidade aos lesados, os quais
mantêm o seu direito indemnizatório, a satisfazer pelo segurador. Por isso é
que nos casos, normalmente discutidos nos tribunais, em que só após o
acidente, no decurso da acção directa, o segurador demandado deduz contra o
lesado demandante a excepção da nulidade do contrato de seguro nos termos
legais, como forma de se livrar da indemnização, tal matéria de excepção é
sempre inoponível àquele.
Vejamos a hipótese contrária. Se, ao invés, o segurador, anteriormente à
data de qualquer sinistro, vem exercitar devidamente uma causa de invalidade ou de extinção atendível do contrato de seguro perante a contraparte,
efectivando, assim, a cessação, a resolução ou a nulidade do contrato, cessa
então, ou fica invalidada, por isso, a relação contratual de seguro, e com ela a
(290) Norma esta que, tal como o demais regime da LSOA, atenta a sua natureza especial, não deve considerar-se revogada face à entrada em vigor do RJCS, designadamente na
parte em que este estabelece regime geral diverso.
(291) Não deixamos de notar, ainda assim, que o art. 147.º do RJCS trata do mesmo
modo as nulidades e as anulabilidades, referindo-se apenas, genericamente, a invalidade
(cfr. n.º 2 desse art.).
(292) No mesmo sentido aponta o art. 147.º, n.º 1, in fine, do RJCS (“ocorrido anteriormente ao sinistro”).
109
respectiva cobertura do risco, que desaparece, pelo que o segurador não
garantirá para o futuro, extinto ou invalidado o contrato, a responsabilidade
civil do segurado. Por isso, não seria razoável que, extinto/cessado ou
invalidado o contrato (não existindo já relação de seguro, cobertura ou
garantia), ainda o segurador houvesse de ficar vinculado – perguntar-se-á: até
quando? – a suportar as indemnizações decorrentes de futuros acidentes
de viação.
O que parece ter sentido é, extinto ou invalidado o vínculo contratual,
que as partes fiquem desvinculadas das suas obrigações decorrentes do
contrato, cessando o pagamento de quaisquer prémios e a cobertura do risco,
não respondendo o segurador por indemnizações devidas em consequência de
futuros sinistros. Em relação a estes o caso será de “não existência de
seguro”, respondendo, por isso, em sede indemnizatória, o FGA (cfr. arts.
47.º, 49.º, 62.º e 64.º da LSOA), pelo que não fica inviabilizada a reparação
às vítimas – preocupação do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel –, que terão nesse caso de accionar, não o anterior
segurador (que não o é ao tempo do sinistro), mas o FGA e o responsável
civil (art. 62.º, n.º 1, da LSOA), com “sub-rogação” do FGA nos direitos do
lesado na parte em que tiver indemnizado (art. 54.º, n.º 1, da LSOA). Este é,
assim, o modo de funcionamento adequado do mecanismo legal do dito
sistema do seguro.
E se ocorrer a anulabilidade a que alude o do art. 25.º do RJCS (anterior
art. 429.º do CCom)? Nesse caso, não vemos que o sistema deva funcionar de
modo diverso. De duas, uma. Ou a invalidade (no caso anulabilidade) é verificada – declarada/invocada – anteriormente à ocorrência de acidente, caso
em que a anulação determina o desaparecimento do vínculo contratual
(e inerente garantia de cobertura), numa altura em que não há sinistro nem,
consequentemente, qualquer credor de indemnização por sinistro. Não resta,
pois, nesse caso, relação de seguro, nem cobertura ou garantia, pelo que, se
posteriormente algum sinistro vier a ocorrer, a situação será de não existência
do seguro (os lesados, caso não tenha sido celebrado novo seguro, terão então
de accionar o FGA e o responsável civil). Ou, ao invés, a anulação não é
anterior à data do acidente, caso em que será inoponível aos lesados, tendo o
segurador, não obstante essa anulação – com o seu efeito retroactivo entre as
110
partes –, de suportar a indemnização, já que não pode opor tal invalidade às
vítimas do sinistro.
Assim, a nosso ver, deve o preceito do art. 22.º da LSOA (e o do art. 14.º
do DL n.º 522/85) ser objecto da referida interpretação extensiva, por forma a
que onde consta “nulidade” se entenda “invalidade”, contemplando, pois, a
situação prevista no art. 25.º do RJCS (e no anterior art. 429.º do CCom).
Entendimento este que, embora por outra via, não leva a uma solução oposta
à da jurisprudência dominante, no que concerne aos casos que comummente
têm chegado aos tribunais – casos em que o segurador, para se livrar da
indemnização devida ao lesado, não tendo anulado o contrato anteriormente
ao acidente, vem, só após o sinistro, excepcionar essa invalidade. Enquanto
tal jurisprudência dominante considera não ser a excepção oponível pela sua
própria natureza, o nosso entendimento é o de que a inoponibilidade deriva
antes do critério temporal da parte final do art. 22.º da LSOA – não verificação da anulação antes da ocorrência do sinistro (293).
Vejamos agora qual, nesta perspectiva, o regime decorrente da conjugação da LSOA com o RJCS quanto a omissões ou inexactidões dolosas no
âmbito da declaração inicial do risco.
A anulabilidade, agora expressamente prevista – para o caso de incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco –, opera mediante
declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro (arts. 24.º, n.º 1,
e 25.º, n.º 1, do RJCS). Quer dizer, consubstanciado o incumprimento doloso
que determina aquela anulabilidade, a anulação tem de ser efectuada, pelo
segurador, mediante declaração à parte contrária, por escrito, como se infere
da obrigatoriedade do seu “envio” à contraparte, no prazo de três meses a
contar do conhecimento do incumprimento, caso não tenha ocorrido sinistro
(n.º 2 do art. 25.º). Efectivada, assim, tal declaração de anulação, o contrato
de seguro fica anulado, com os legais efeitos. A partir de então nenhum
terceiro/lesado em ulteriores acidentes de viação poderá invocar, por não
existir, a relação de seguro e decorrente cobertura, pelo que os eventuais
(293) A solução já será diversa, se bem vemos, num caso em que só depois de ocorrida
tal anulação venha a ter lugar um sinistro. Nesse caso, ao contrário do que parece ser a
posição daquela jurisprudência dominante, entendemos que a excepção da anterior efectiva
anulação é oponível aos lesados.
111
acidentes de viação futuros não estarão cobertos pelo segurador, que poderá
opor a anulação aos futuros lesados (294).
Caso tenha, pelo contrário, já ocorrido sinistro, então não é aplicável, em
matéria de seguro obrigatório automóvel, o regime previsto no n.º 3 do
art. 25.º do RJCS, pois que prevalece aqui a norma especial do art. 22.º da
LSOA. Por isso, o segurador, para poder opor esta invalidade aos lesados,
tem de declarar a anulação à parte contrária anteriormente à data do sinistro.
Se tal declaração só ocorrer após o acidente, então prevalece a inoponibilidade a que alude aquele art. 22.º – o segurador está obrigado a cobrir o sinistro, quer este ocorra antes ou depois do seu conhecimento do incumprimento
doloso e antes ou depois do decurso do aludido prazo de três meses (295).
Em conclusão, afigura-se-nos que, se a letra do art. 22.º da LSOA não é
clara (296), a sua melhor interpretação não será no sentido, de feição literal, da
existência de uma estreita taxatividade das causas de invalidade oponíveis,
mas no sentido da cabal aplicação do exigente critério temporal do segmento
final de tal preceito, razões não se vendo para uma diferenciação entre efeitos
de invalidades. Se estas, traduzam-se em nulidade ou em anulabilidade, uma
vez verificadas, não deixam de ter, à luz dos princípios gerais, o mesmo
(294) Como esclarece F. ALBUQUERQUE MATOS, anulado o contrato de seguro antes de
ocorrido o acidente e clarificada, assim, a questão da validade desse contrato, não se encontram razões justificativas para manter a obrigação (de cobertura) do segurador, já que “não se
revelaria justo, do ponto de vista comutativo, manter vinculada a seguradora a um evento
contratual inexistente ao tempo da ocorrência do sinistro”. Não sendo o valor da segurança
jurídica posto em causa, a ratio legis do preceito do art. 22.º da LSOA traduz-se “na exigibilidade de uma prévia definição da questão da validade, ou seja, do seu esclarecimento antes
da ocorrência do sinistro” – cfr. Uma outra abordagem em torno das declarações inexactas e
reticentes no âmbito do contrato de seguro, in: BFD, Estudos em homenagem ao Prof.
Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, ps. 630 e s..
(295) Aqui reside, pois, uma diferença assinalável entre o regime especial do contrato
de seguro obrigatório automóvel e o regime geral do contrato de seguro, pois que, enquanto
naquele regime especial o segurador só pode, na nossa perspectiva, opor aos lesados a anulação declarada anteriormente ao acidente, no regime geral pode opô-la, ficando desobrigado
da cobertura, quanto a sinistros ocorridos até ao termo do prazo de três meses a contar do seu
conhecimento do incumprimento doloso da parte contrária. Tal diferença decorre da especial
protecção que o legislador quis conferir às vítimas dos acidentes de viação, vista a específica
função social deste seguro, que o distingue de todos os demais.
(296) E podia sê-lo, não só por ser herdeira da longa tradição do art. 14.º do DL n.º 522 /85,
como por ter entrado em vigor em tempo de um novo arquitectar da legislação dos seguros
em geral (fase final de preparação do RJCS, que foi publicado alguns meses depois).
112
efeito jurídico invalidante sobre o contrato, não seria harmónico com a globalidade do sistema, nem com a natureza de tais vícios e sua projecção, a
respectiva separação para efeitos de oponibilidade a terceiros no campo
especial de que tratamos, tanto mais que o ordenamento, no seu regime especial, comporta um critério temporal geral de adequada aferição de meios de
defesa oponíveis, prevenindo, ao mesmo tempo, incoerências de regime,
como a que resultaria de um contrato de seguro ser declarado anulado e, não
obstante isso, ter de cobrir acidentes futuros, por essa efectiva anulação não
poder ser oposta a lesados de sinistros ocorridos posteriormente.
O legislador, ao aludir a nulidade nos termos legais e regulamentares em
vigor, cometeu uma imprecisão na redacção do art. 22.º da LSOA, pois que a
letra desse preceito fica aquém do espírito da lei, dizendo menos do que
aquilo que se pretendia dizer, devendo, por isso, estender-se o texto, dando-lhe um sentido correspondente ao espírito da lei, isto é, devendo entender-se
que onde o legislador alude a “nulidade” queria referir-se a “invalidade”,
onde, assim, alude a uma espécie de um género queria reportar-se ao próprio
género, justificando-se a correspondente extensão teleológica (297).
Tal interpretação extensiva adequa-se àquele exigente critério temporal
geral de aferição de meios de defesa oponíveis, levando a soluções razoáveis
à luz do sistema (298), dos seus princípios e dos interesses que importa ter em
consideração, sem esquecer a função social do sistema do seguro obrigatório
automóvel, onde o FGA assume relevante papel – entretanto alargado – em
sede indemnizatória às vítimas de acidentes não cobertos por seguro, as
quais, por isso, não ficam desprotegidas.
Cremos, assim, poder interpretar-se o art. 22.º da LSOA no sentido de
todas as causas de resolução ou invalidade (nulidade ou anulabilidade), nos
termos gerais e regulamentares em vigor, desde que verificadas (ocorridas e
invocadas ou declaradas) anteriormente à data do acidente, poderem ser
opostas pelo segurador aos lesados.
(297) Cfr., quanto aos parâmetros da interpretação extensiva, MACHADO, BAPTISTA,
Introdução ao Direito…, cit., ps.185 e s..
(298) Harmoniza-se com o art. 147.º, n.º 2, do RJCS (que se reporta a “invalidade do
contrato”, abrangendo nulidade e anulabilidade).
Capítulo IX
A BOA FÉ NO SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
1. A boa fé na relação pré-contratual de seguro
O princípio da boa fé (299) revela determinadas exigências objectivas de
comportamento impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, num campo normativo onde operam
sub-princípios, regras e ditames ou limites objectivos, indicando um certo
modo de actuação dos sujeitos, considerado conforme à boa fé (300), que pode
o próprio legislador plasmar nos preceitos da lei positiva, cabendo então ao
intérprete e ao aplicador da lei proceder, não só à interpretação situada desses
preceitos, em conformidade com o princípio em que se enraízam, como
também integrá-los, onde necessário, de acordo com a boa fé, a qual deve
estar sempre presente no âmbito das tarefas valorativas de aplicação daqueles
preceitos aos casos concretos que visam regular, tendo em conta a natureza e
função económico-social do contrato (301) que se visa disciplinar (302).
(299) Sobre as origens e a evolução histórica da boa fé, desde o Direito romano até à
actualidade, cfr. CORDEIRO, MENEZES, Da boa fé..., cit., ps. 53 e ss..
(300) Cfr. CORDEIRO, MENEZES, Tratado…, I, cit., p. 180.
(301) O contrato é visto na sua função instrumental de realização de interesses, falando-se a este propósito em “economia do contrato” – cfr. RIBEIRO, SOUSA, “Ecomonia do
contrato”…, cit., ps. 969 e ss.. Como refere este Autor, a boa fé pode ser perspectivada como
“fonte normativa dos comportamentos devidos para o atingimento dos fins contratuais”, aparecendo os seus ditames como instrumento apontado à conformidade da execução contratual
aos objectivos negociais das partes (cfr., op. cit., p. 974).
(302) Cfr. MARTINS-COSTA, JUDITH, Os campos normativos da boa-fé objetiva: as três
perspectivas do Direito privado brasileiro, in: Estudos de Direito do Consumidor, Centro de
Direito do Consumo, n.º 6, 2004, p. 105.
114
Ora, um exemplo deste tipo de concretização da boa fé por via legislativa é constituído pelas normas do RJCS atinentes à fase pré-contratual,
tratando-se dos arts. 18.º a 23.º, quanto aos deveres do segurador, e dos
arts. 24.º a 26.º, quanto aos deveres do (futuro) tomador do seguro ou segurado, deveres estes, de protecção, de lealdade e informação, de cujo encadeamento decorre que são estabelecidos com base no princípio da boa fé,
estando pressupostas exigências de transparência e de justiça contratual, bem
como de protecção da confiança das partes, ou uma linha de rumo baseada na
dita regra de conduta a fixar padrões ou critérios de razoabilidade, probidade
e equilíbrio de actuação, no sentido do comportamento correcto, leal e
honesto, a dever ser adoptado pelas partes, no âmbito das suas negociações,
em termos de reciprocidade, o que é tanto mais expressivo quanto é certo que
tal complexo de deveres recíprocos é imposto numa fase em que nem sequer
há contrato algum. Ora, não existindo ainda um vínculo contratual – pode das
negociações nem resultar qualquer contrato –, torna-se notório que aqueles
deveres legais pré-contratuais recíprocos assentam no princípio da boa fé, o
qual lhes confere a necessária legitimação e sustentação.
E, em alguma assimetria com o tradicional enfatizar da declaração inicial
do risco como o aspecto caracterizador do contrato de seguro como uberrima
fides, o legislador começou mesmo, eloquentemente, pelos deveres do segurador, só depois passando aos da contraparte na negociação – note-se que o
próprio dever de declaração inicial do risco surge enquadrado num prévio
dever do segurador de esclarecimento acerca do conteúdo daquele dever do
tomador e regime do seu incumprimento (cfr. art. 24.º, n.º 4, do RJCS).
Tal prioridade aos deveres de informação e esclarecimento pré-contratuais do segurador insere-se, por sua vez, também na conformação valorativa
operada pela boa fé, visando a protecção da parte considerada débil, no
intuito de conferir o equilíbrio mínimo imprescindível a uma adequada relação negocial, à partida desigual, por forma a que resultem criadas as condições negociais que permitam uma justa composição, em moldes substanciais,
dos interesses das partes, em caso de celebração do contrato, não só, pois, em
termos de consciente e esclarecida celebração do mesmo (exigências de
transparência no relacionamento negocial), como ainda de permitir alcançar o
fim contratual visado por ambas as partes (exigências de mitigação/compen-
115
sação de desequilíbrios de poderes negociais, decorrentes, designadamente,
de deficits de informação ou de preparação técnica, com vista à salvaguarda
do mínimo indispensável de justiça contratual) (303).
Quanto aos deveres pré-contratuais do segurador, estabelece o art. 18.º
do RJCS deveres de esclarecimento e informação a cumprir perante a contraparte, o possível tomador (304), deveres esses consistentes na prestação de
“todos os esclarecimentos exigíveis” e na informação quanto às “condições
do contrato”. Trata-se, pois, de um dever geral de esclarecimento e informação de uma parte perante a outra, por forma a colocar o futuro tomador
(normalmente um não especialista, em posição deficitária de conhecimento)
em condições de compreender o conteúdo e regime legal do contrato
(cfr. als. b) a l) daquele art. 18.º) e a denominação, o estatuto legal e a localização da sede do segurador (arts. 18.º, al. a), e 20.º do RJCS).
Em matéria de seguro obrigatório automóvel é ainda relevante, neste
particular, o dever a cargo do segurador de “esclarecer especial e devidamente o eventual cliente” acerca do teor do art. 27.º, n.º 1, da LSOA,
impondo-se, assim, um dever pré-contratual de esclarecimento, atenta a
importância da matéria, quanto ao regime legal do direito de regresso de tal
segurador (cfr. n.º 2 desse art.), dever esse, a recair sobre a parte tipicamente
melhor apetrechada em termos jurídicos, em atenção à parte frágil, o tomador, normalmente um leigo em matérias jurídicas.
Visa-se, assim, que o futuro tomador, antes de se vincular, esteja em
condições de conhecer e poder compreender o conteúdo e regime do contrato,
de modo a poder tomar uma decisão livre e esclarecida, tanto mais que as
informações devem ser prestadas por escrito, em língua portuguesa e de
forma clara (art. 21.º, n.º 1, do RJCS).
(303) Visa-se, nesta sede pré-contratual, garantir o respeito pelos valores gerais e essenciais da ordem jurídica, sendo que o contraente que, por razões económicas ou de conhecimento, se deva considerar em posição de inferioridade, apresenta-se no palco negocial, à
luz da boa fé, como credor, por isso, de uma especial protecção, traduzida num esclarecimento e uma lealdade acrescidos, cujo incumprimento gera responsabilidade civil (cfr. art.
23.º, n.º 1, do RJCS) por inobservância dos ditames da boa fé – cfr. CORDEIRO, MENEZES,
Tratado…, I, cit., ps. 339 e ss.
(304) No Direito comparado encontram-se disposições legais similares no Code des
Assurances Francês (art. L 112-2) e no Codice delle Assicurazioni Private italiano
(art. 185.º) – cfr. RIBEIRO, EDUARDA, Lei do contrato de seguro, cit., ps. 82 e s.
116
Quer dizer, as exigências do princípio da transparência, assente na boa
fé, concretizadas nestes preceitos legais, impondo aqueles deveres de esclarecimento e informação ao segurador, estão aqui direccionadas para o garantir da margem de liberdade contratual necessária a uma livre, consciente e
esclarecida decisão de contratar da outra parte, superando desequilíbrios
decorrentes de posições deficitárias de conhecimento da parte mais fraca, no
sentido de criar as condições negociais adequadas a uma composição de
interesses capaz de conduzir à celebração de um contrato de conteúdo
equilibrado – uma vinculação que, comprometida com o fim contratual das
partes, seja conforme com o princípio da justiça contratual, corolário também
da boa fé.
Neste âmbito, a medida da exigibilidade dos esclarecimentos – ou o
limite dos “esclarecimentos exigíveis” – deve também ser dada pelo critério
material da boa fé, tendo em conta a natureza e o fim do contrato, podendo
ser exigidos pelo futuro tomador do seguro todos os esclarecimentos, para
além dos exemplificados nas diversas als. do art. 18.º do RJCS, que se mostrem necessários, em concreto, a uma livre, consciente e esclarecida decisão
de contratar, isto é, todos os imprescindíveis à apreensão e compreensão do
conteúdo, características e regime legal do contrato e das características do
segurador, nomeadamente, caso tal se mostre adequado face às características
do seguro, a situação patrimonial geral de tal segurador (305), na medida
necessária a aferir da fortaleza da garantia do seguro durante o período de
vigência do contrato, tudo segundo parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, tal como facultados pelo princípio da boa fé.
Àquele dever geral de esclarecimento e informação acresce um dever
especial de esclarecimento, previsto para os casos em que “a complexidade
da cobertura” do seguro e “o montante do prémio” respectivo “ou do capital”
a fixar “o justifiquem”, devendo nesses casos o segurador, se o meio de
contratação o permitir, na fase pré-contratual, esclarecer especificamente a
contraparte sobre quais as modalidades de seguro, dentre as disponíveis, mais
“convenientes para a concreta cobertura pretendida” pelo cliente (art. 22.º,
(305) O art. 185.º do Codice delle Assicurazioni Private italiano determina que o segurador preste informação sobre as suas características, designadamente, se adequado, sobre a
sua situação patrimonial (cfr. RIBEIRO, EDUARDA, Lei do contrato de seguro, cit., p. 83).
117
n.º 1, do RJCS), estando aqui em causa, pois, o âmbito de cobertura, positiva
e negativa, do futuro contrato de seguro, convocando-se o segurador para
uma tarefa de aconselhamento ao cliente (306), tendo em conta as necessidades deste, o seu nível de capacidade de compreensão da matéria técnica em
negociação e a complexidade, maior ou menor, do objecto do contrato de
seguro pretendido, por forma a habilitar o eventual tomador a uma escolha
adequada (conveniente) quanto à(s) modalidade(s) de seguro cuja cobertura
mais o favorece.
Nesses casos, impende sobre o segurador o dever de “responder a todos
os pedidos de esclarecimento” do tomador do seguro, bem como chamar-lhe
a atenção ou “prestar esclarecimentos pormenorizados” quanto a certos
aspectos essenciais do seguro (n.os 2 e 3 do mesmo art.). Neste particular,
verifica-se que o especial dever de esclarecimento assim imposto (até aconselhamento), em matéria de cariz técnico, decorre da maior complexidade do
seguro em negociação, o que se pode justificar na contratação de seguros de
riscos de massa, aqueles normalmente submetidos também a contratação por
adesão e que se enquadram nas comuns relações de consumo – excluídos
ficam os seguros de grandes riscos, tal como os seguros em que intervenha
mediador de seguros (n.º 4 do mesmo art.), estes últimos sujeitos a regime
legal próprio (307).
(306) Sobre a distinção entre conselhos, informações e outras figuras próximas, cfr.
MONTEIRO, J. SINDE, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações,
Almedina, Coimbra, 1989, ps 14 e s. Aderindo ao enquadramento deste Autor, afigura-se-nos que os esclarecimentos consistem numa informação detalhada e proporcionada ao
destinatário, levando, pois, em consideração a concreta situação deste e os seus objectivos,
podendo traduzir-se num chamar de atenção ou numa explicação, designadamente sobre
aspectos de carácter técnico, mas sendo sempre uma elucidação ou informação qualificada –
vão além da mera comunicação objectiva de factos (informações), pois que implicam uma
explicação ou uma adequação ou adaptação da informação à condição e fins do destinatário,
mas ficam aquém da exortação segundo juízos de valor próprios (conselhos). Por isso, o
dever especial de esclarecimento a que alude o n.º 1 do art. 22.º do RJCS, implicando uma
tomada de posição (pessoal) sobre quais as modalidades de seguro convenientes para a
situação concreta do destinatário, fazendo, assim, apelo já a um juízo de valor comparativo
sobre adequação e conveniência de modalidades de seguro, com obrigatoriedade de
ponderação sobre uma multiplicidade de factores, inclusive de cariz tributário, extravasa de
um simples esclarecimento, comportando uma tarefa de aconselhamento.
(307) DL n.º 144/2006, de 31-07, com o seu regime específico em matéria de dever de
esclarecimento do mediador de seguros.
118
Ora, tal dever legal de especial esclarecimento e até de conselho,
entrando, assim, já num âmbito de protecção ao interesse da contraparte na
negociação, em termos de transparência, lealdade e solicitude, quando não
existe qualquer vínculo contratual, só o poderia o legislador fundar, como
fundou, no princípio da boa fé, em clima negocial que se pretende de cooperação (308), cuja inobservância é geradora de responsabilidade civil – caso o
incumprimento se reporte aos deveres de informação, pode até ocorrer
resolução do contrato pelo tomador, a não ser que, designadamente, a falta
cometida “não tenha razoavelmente afectado a decisão de contratar da
contraparte” (309), matéria esta em que, assim, o legislador apela a critérios de
razoabilidade e proporcionalidade que também a boa fé pode facultar, em
termos de adequado padrão de medida dos casos concretos (310).
Tudo a mostrar o papel relevante do princípio da boa fé, fundando a
imposição legal de deveres de informação, mas ainda de lealdade e protecção, ao segurador perante alguém com quem ainda não se vinculou contratualmente, mas a quem deve já atenção e cooperação, até ao ponto de assumir
a defesa de interesses da contraparte na negociação (311), por forma a salvaguardar o fim contratual tido em vista por esta última – aqui o princípio da
boa fé “constitui o fundamento jurídico”, enquanto o “fundamento material”
se encontra “na desigualdade ou desnível da informação” (esta de carácter
técnico e complexo), em situação de “particular necessidade de protecção” de
um dos interlocutores (312), no escopo de, na medida do possível, deixar,
afinal, compensada, em termos substanciais, aquela desigualdade anterior.
(308) Cfr. MONTEIRO, J. SINDE, Responsabilidade por conselhos…, cit., ps. 358 e s..
(309) Art. 23.º, n.os 1 a 3, do RJCS. Cfr. também, quanto à responsabilidade civil,
art. 485.º, n.º 2, do CC.
(310) Como explica RIBEIRO, SOUSA, “o que a boa fé impõe não é possível enunciar
pré-determinadamente, de modo acabado e fixo, em abstracto”, tal só podendo entrever-se
depois de “conexionarmos as suas directrizes de base com o concreto-factual a que elas se
vão aplicar” (Direito dos contratos…, cit., 216).
(311) Isto, pois, contra a regra, de pendor individualista, de que a cada qual o cuidado
pelos seus próprios interesses, em que se filia o princípio caveat emptor, nos termos do qual
a omissão de um dever de comunicação, esclarecimento ou revelação não provoca invalidade
contratual nem responsabilidade (cfr. MONTEIRO, J. SINDE, Responsabilidade por conselhos…, cit., ps. 155 e s.).
(312) Cfr. MONTEIRO, J. SINDE, Responsabilidade por conselhos…, cit., ps. 360 e ss..
119
Quanto agora aos deveres pré-contratuais do (eventual) tomador do
seguro ou segurado, centram-se estes no art. 24.º do RJCS, que estabelece um
exaustivo dever de informação para com o segurador, concernente à declaração inicial do risco, cujo incumprimento está sujeito, consoante a gravidade
dos casos, às consequências previstas nos arts. 25.º (inadimplemento doloso)
e 26.º (inadimplemento negligente) do mesmo RJCS.
Ocorre aqui um “dever pré-contratual qualificado de apresentação da
informação relevante” (313), o de dar a conhecer, prestando as necessárias
informações, ao segurador todos os factos relevantes para a sua delimitação e
apreciação do risco – a lei alude a declarar, com exactidão, “todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco” (art. 24.º, n.º 1, do RJCS).
Assim, a conduta do obrigado à declaração informativa (314) está sujeita
a diversos parâmetros, num encadeamento de deveres de completude, de
verdade e de razoabilidade e proporcionalidade, do que o próprio segurador
(um especialista) deve, por sua vez, prestar esclarecimento prévio ao tomador
do seguro ou segurado (tipicamente um não especialista) – quanto ao âmbito,
conteúdo e regime de incumprimento do dever de declaração inicial do risco
(art. 24.º, n.º 4, do RJCS) –, sendo, pois, à luz dessa elucidação ou explicação
do segurador, obrigado ao dever de esclarecimento, que a contraparte deve
aferir dos limites concretos da sua própria obrigação, logicamente posterior,
de informação, sem perder de vista, por outro lado, o questionário facultado
para o efeito por tal segurador, o qual tem de reputar-se peça importante nesta
matéria.
Quanto ao dever de completude, dispõe a lei que devem ser declaradas
ao segurador todas as circunstâncias conhecidas do tomador do seguro
declarante que devam (por este) ser tidas por significativas para a delimitação
e apreciação do risco, tenham ou não menção no questionário, de si não
obrigatório, fornecido para o efeito pelo segurador (n.os 1 e 2 do dito
art. 24.º). Poderá, pois, perante a situação concreta a motivar a celebração do
(313) Assim, FRADA, CARNEIRO DA, op. cit., p. 491.
(314) Aqui, com efeito, o dever é de informação, cumprindo-se normalmente através
das respostas ao questionário fornecido pelo segurador para o efeito (cfr. n.º 2 do dito
art. 24.º), como ocorre também em matéria de contrato de seguro obrigatório automóvel.
120
seguro, haver circunstâncias pessoais ou conhecidas do tomador ou segurado
que, pela sua patente importância, embora não mencionadas no questionário
– designadamente, ante a sua particularidade ou raridade (315) –, este deva
justificadamente reputar de relevantes para a contraparte na negociação, por
significativas para determinação do risco, caso em que deverá declará-las ao
segurador. Se o não fizer, incorre em omissão de informação relevante, passível de consubstanciar incumprimento do dever de informação legalmente
imposto.
Se o questionário não tem, assim, uma função delimitadora do objecto
do dever de declaração inicial do risco, a verdade é que o mesmo constitui
para o tomador do seguro um elemento de grande relevância, não só porque
este deve responder adequadamente (de forma completa, clara e verdadeira,
como lhe prescreve o padrão de conduta imposto pela boa fé) às questões que
ali lhe são colocadas, sobre circunstâncias significativas para determinação
do risco, assim cooperando com a contraparte, mas também porque tais questões não podem deixar de significar para ele um elemento essencial sobre o
que o segurador considera como circunstâncias relevantes neste âmbito.
Assim, se o segurador opta por apresentar à contraparte um questionário,
normalmente pré-formulado segundo todas as condicionantes técnicas, para
declaração do risco – e não é obrigado, como dito, a fornecê-lo (art. 24.º,
n.º 2, do RJCS) –, tal peça, elaborada para o efeito pelo interessado, tratando-se de um especialista, não pode deixar de constituir seguro elemento sobre o
que, aos olhos do tomador do seguro (tipicamente um não especialista), é
importante para tal segurador.
Daí que deva o segurador ser cuidadoso, na elaboração e no fornecimento do questionário (316), quanto ao nível de expectativas, empenhamento
e confiança que o seu comportamento vai gerar na contraparte, não só no que
se refere ao âmbito circunstancial de cada uma das questões e, por
(315) Poderá ser, por exemplo, no âmbito do seguro obrigatório automóvel, o caso de
uma doença recente (superveniente à obtenção da licença de condução) do condutor habitual
do veículo que, só dele conhecida e não aparente, influa na sua destreza, sem a comprometer,
na actividade de condução, designadamente limitando-lhe os sentidos, os reflexos ou o
domínio do corpo.
(316) Cfr. GOMES, JÚLIO, op. cit., p. 98.
121
consequência, ao objecto do questionário em geral, mas ainda quanto à forma
como as questões são elaboradas e colocadas (clareza, precisão e perceptibilidade), de modo a poderem ser adequadamente respondidas (317), também
em termos de completude. Por isso, optando o segurador por apresentar questionário, é seu o risco decorrente de deficiências de que enferme, tais como
lapsos de redacção ou de elaboração e obscuridades que o mesmo contenha
(cfr. al. b) do n.º 3 do art. 24.º do RJCS), tal como deve presumir-se que o
mesmo é completo quanto ao objecto das questões atinentes à declaração
inicial do risco (318), a não ser que o segurador, em sede de esclarecimentos
devidos, dê explicação em sentido contrário.
Donde que, a nosso ver, se quedem no campo da excepcionalidade as
situações em que o tomador deva declarar circunstâncias cuja menção não
seja solicitada no questionário fornecido pelo segurador – será o caso das
supra exemplificadas e não comuns circunstâncias pessoais ou particulares
conhecidas do tomador ou segurado (319) –, a não ser que o segurador elucide,
em termos de razoabilidade, em sede de esclarecimentos a que alude o art.
24.º, n.º 4, do RJCS, dos motivos pelos quais o questionário não deverá ter-se
por completo e da tipologia de circunstâncias deixadas fora do seu âmbito e
que deverão, apesar disso, ser declaradas.
É o princípio da boa fé que, por outro lado, determina, como solucionou
o legislador, que não possa o segurador valer-se, com aproveitamento em seu
favor, salvo certas situações de dolo do tomador ou segurado, de: a) omissão
de resposta a perguntas do questionário, pois que cabe ao segurador, em
actuação diligente e de boa fé, suprir atempadamente qualquer omissão ou
(317) Sobre as exigências da boa fé na elaboração do questionário, cfr. MATOS, F.
ALBUQUERQUE, As declarações reticentes e inexactas no contrato de seguro, BFD, Estudos
em homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, vol. II (Studia Iuridica 91, Ad
Honorem - 3), Coimbra Editora, Coimbra, 2008, ps. 470 e ss. e 477 e ss..
(318) Cfr. Ac do STJ, de 27/05/2008, Proc. 08A1373 (MOREIRA CAMILO),
www.dgsi.pt/jstj.nsf, defendendo que o elemento decisivo para a celebração do contrato de
seguro é “o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume
que não são feitas aí perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao
tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar”.
(319) Cfr. GOMES, JÚLIO, op. cit., p. 101, que alude, por sua vez, ao dever de revelar
“aquelas circunstâncias anómalas que, ainda que não referidas no questionário, influem
notoriamente no risco”.
122
deficiência notória nas respostas (se o não fizer, não poderá aproveitar-se
disso para, ocorrido o sinistro, se eximir às suas obrigações contratuais, já
que, tendo-se conformado com a incompletude das respostas, fica impedido
de adoptar posterior comportamento contraditório com tal conformação);
b) respostas imprecisas se decorrentes de questões formuladas em termos
vagos, pois que o risco resultante de deficiências do questionário correrá
contra si; c) incoerência ou contradição evidentes nas respostas dadas, pois
que lhe cabe tarefa de imprescindível controlo sobre aquelas (se o não faz em
tempo oportuno, também não o poderá fazer, por mera conveniência, em face
de ulterior sinistro ocorrido); d) factos, inexactamente declarados ou omitidos, conhecidos dos seus representantes ao tempo da celebração do contrato,
visto tratar-se de circunstâncias que, devendo considerar-se do conhecimento
do segurador, através dos seus representantes, o mesmo não relevou para
efeitos de celebração do contrato, vinculando-se apesar disso, pelo que não
poderá depois valer-se deles para obter o efeito contrário; e) circunstâncias
conhecidas do segurador, especialmente as que são públicas e notórias, já
que, se o seu conhecimento não impediu o segurador de firmar o contrato,
assim irrelevando tal circunstancialismo, seria contraditório e incoerente vir
depois, afinal, atribuir-lhes a relevância que anteriormente não haviam obtido
(cfr. n.º 3 do dito art. 24.º).
Em causa estão, assim, elementares deveres de diligência a cargo de uma
das partes, a parte mais forte (320), na sua conjugação com a tutela da confiança da contraparte e com a proibição de comportamentos contraditórios,
em corolário, pois, do princípio da boa fé, que não se alheia da forma como o
questionário é elaborado e são sindicadas as respectivas respostas (321), competindo ao segurador conformar-se com as legítimas expectativas e confiança
(320) Alude-se na doutrina ao “ónus de controlar e aferir a exactidão e completude das
respostas”, imposto pela boa fé ao segurador, por forma a “contrariar a tentação de um
comportamento oportunista”, não devendo a avaliação inicial do risco ser adiada para
momento posterior ao sinistro – cfr. GOMES, JÚLIO, op. cit., ps. 104 e s..
(321) Sobre o dever do segurador de sindicar as respostas do tomador ao questionário,
designadamente quanto à propriedade de veículo automóvel em matéria de seguro
obrigatório automóvel, cfr. Ac do STJ, de 06/11/2007, Proc. 07A3447 (NUNO CAMEIRA),
www.dgsi.pt/jstj.nsf.. Tal dever de controlo ou sindicância filia-se, a mais da facilidade do
seu exercício, no princípio da boa fé.
123
por essa via geradas na contraparte, impondo-se-lhe uma linha de coerência
de conduta ao longo de toda a relação negocial (322).
Questão que deve colocar-se é a de determinar se o dever de declaração
cabal incide apenas sobre as circunstâncias que sejam conhecidas do tomador
(ou do segurado) ou se abrange as desconhecidas mas que o mesmo razoavelmente deva conhecer. Em causa está a aplicação do disposto no art. 26.º do
RJCS apenas quanto a circunstâncias conhecidas do declarante ou também
aos casos de desconhecimento culposo dessas circunstâncias.
Havia divergências na doutrina quanto a este aspecto à luz do art. 429.º
do CCom, com MOITINHO DE ALMEIDA a defender que este preceito exige
que se trate de circunstâncias conhecidas, não podendo as circunstâncias
desconhecidas por negligência levar à invalidade do contrato (323), e JOSÉ
VASQUES a defender o contrário (324).
Ora, reportando-se tal art. 429.º aos “factos ou circunstâncias conhecidos
pelo segurado” – enquanto o art. 24.º, n.º 1, do RJCS, se refere a “todas as
circunstâncias que conheça” (325) –, parece-nos que a razão estava do lado de
MOITINHO DE ALMEIDA, sendo o art. 429.º do CCom explícito em considerar
que apenas eram relevantes as circunstâncias conhecidas do declarante (326) e,
dentre essas, apenas as que pudessem influir sobre a existência e condições
do contrato (327) (328).
(322) É conhecida a relevância dos comportamentos contraditórios em sede de abuso do
direito, na modalidade de venire contra factum proprium, figura tributária também da boa fé.
(323) ALMEIDA, MOITINHO DE, O contrato de seguro…, cit., ps. 79 e 82.
(324) VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro, cit., p. 224.
(325) A. COSTA OLIVEIRA defende, à luz deste preceito do RJCS, que, dentre as
circunstâncias desconhecidas, apenas as que resultarem de desconhecimento com negligência
grosseira (critério da diligência mínima) serão relevantes, permitindo então a alteração do
contrato prevista no art. 26.º do RJCS – cfr. Lei do contrato de seguro, cit., ps. 119 e s..
(326) Cfr., neste sentido, GOMES, JÚLIO, op. cit., p. 89.
(327) Para efeitos de invalidade do contrato só relevam – como também refere GOMES,
JÚLIO – as circunstâncias “que pudessem contribuir para a avaliação do risco como sendo
maior daquele que o segurador acreditou existir e decidiu assumir”, o que exclui as que
levariam a “avaliar o risco como sendo inferior ao que ele acreditou existir ou que seriam
irrelevantes para a apreciação do risco” (op. cit., ps. 89 e s.).
(328) Impendendo nesta matéria o ónus da prova sobre o segurador – cfr. GOMES,
JÚLIO, op. cit., p. 89 e jurisprudência ali citada.
124
E no mesmo sentido parece apontar o art. 24.º, n.º 1, do RJCS. Com
efeito, conhecendo o legislador – que tem de presumir-se informado, razoável
e com adequada capacidade de expressão (art. 9.º, n.º 3, do CC) – a
divergência anterior sobre o tema (329) e intervindo de forma sistematizada
em tal matéria, fácil lhe seria, se o quisesse fazer, proceder a uma inflexão no
sentido de consagrar a relevância das omissões ou inexactidões quanto a
circunstâncias objecto de desconhecimento culposo do declarante.
Porém, não o fez, antes dando sinais no sentido contrário: utilizando-se
no texto legal o elemento gramatical de ligação “e”, em vez de “ou”, o que se
retira é que o conhecimento das circunstâncias e o seu carácter significativo
para a delimitação do risco são elementos cumulativos. Se a solução legal
fosse no sentido da consagração da relevância de omissões ou inexactidões
mesmo quanto a factos não conhecidos do declarante, então a redacção do
preceito teria de deixar expresso que a hipótese normativa se referia a
circunstâncias que o declarante conheça ou razoavelmente deva ter por significativas, nestas últimas se podendo incluir as desconhecidas de forma
culposa – ainda assim a norma ficaria desequilibrada, pois que passaria a
impor a declaração de todas as circunstâncias conhecidas, mesmo as sem
relevo, o que seria incoerente e sem fundamento justificativo. Como, porém,
o legislador se reportou a circunstâncias que o declarante conheça e razoavelmente deva ter por significativas, só pode concluir-se, a nosso ver, que se
trata aqui de requisitos cumulativos, pelo que o dever de declaração incide
sobre todas as circunstâncias conhecidas do declarante, e só essas, desde que
com significado para a apreciação do risco. No mesmo sentido parece depor a
regra do art. 487.º, n.º 2, por remissão do art. 799.º, n.º 2, ambos do CC,
apreciando-se a culpa pela diligência de um bom pai de família em face das
circunstâncias de cada caso concreto, critério que não parece conciliar-se
bem com aqueles requisitos em formato alternativo, mormente o da
razoabilidade em termos de prefiguração da essencialidade do facto desco-
(329) Veja-se a forma como o legislador do RJCS solucionou, por exemplo, a questão
da qualificação da invalidade decorrente do incumprimento do dever de declaração inicial do
risco (art. 25.º, n.º 1, do RJCS, por contraposição ao art. 429.º do CCom).
125
nhecido, tanto mais que se trata de declarante não especialista perante matéria
de elevada complexidade técnica (330).
Quanto ao dever de verdade, determina a lei que a obrigação de declaração seja cumprida com exactidão, pelo que as informações prestadas terão de
ser exactas, verdadeiras, conformes com a realidade dos factos, sendo que,
caso o declarante não tenha o domínio total do conhecimento desses factos,
deve dizê-lo, por forma a que o segurador disso fique consciente e possa agir
em conformidade em sede pré-contratual (331). Caso contrário, faltando o
declarante ao dever de verdade, configura-se uma inexactidão da informação
prestada, que, se reportada a factos relevantes, por significativos para a
delimitação do risco, consubstanciará, por isso, incumprimento do dever de
informação (332), o qual pode ser, como dito, doloso ou negligente.
Quanto ao dever de razoabilidade e proporcionalidade, impõe a lei ao
tomador ou segurado a declaração das circunstâncias que, sendo suas conhecidas, o mesmo deva ter, em termos de razoabilidade, por significativas.
Importa, pois, determinar o critério normativo de tal razoabilidade.
A ideia de razoabilidade implica o abdicar do arbítrio, característico do
mero subjectivismo, e a adopção das exigências da razão, com o seu consequente proibir de juízos ou condutas arbitrários. Importa, assim, a objectivação dos fundamentos da conduta, permitindo o seu controlo normativo em
termos de aferir da justificação do comportamento adoptado (333).
Assim, o tomador do seguro tem de pautar a sua conduta informativa
pelo critério da razoabilidade ou racionalidade para efeitos de aferição do
(330) Neste sentido, à luz da legislação belga, FONTAINE, MARCEL apud OLIVEIRA,
ARNALDO COSTA, Lei do contrato de seguro, cit., p. 119, e, à luz do art. 1892.º do CC
italiano, MERZ, SANDRO, op. cit., p. 34.
(331) Pode acontecer que o declarante só tenha conhecimento parcial de certos factos ou
circunstâncias, caso em que deve tornar conhecido do segurador esse seu conhecimento
apenas parcial.
(332) Será o caso, por exemplo, de se declarar, no âmbito do seguro obrigatório automóvel, que o proponente, pessoa de 48 anos de idade e titular de licença de condução há
mais de 02 anos, é o condutor habitual do veículo, quando o condutor habitual é um filho
daquele, de 18 anos de idade e com licença de condução há menos de 01 ano, circunstâncias
estas que determinam o aumento do risco – cfr. Ac do STJ, de 30/10/2007, Proc. 07A3428
(JOÃO CAMILO), www.dgsi.pt/jstj.nsf.
(333) Cfr. MACHADO, BAPTISTA. Obra dispersa, cit., p. 464.
126
carácter significativo das circunstâncias atinentes à delimitação do risco pelo
segurador (334). A tal declarante exige-se, pois, no cumprimento do seu dever
de informar, que seja normalmente diligente, avisado, previdente e capaz,
bem como leal e correcto, para percepcionar e ajuizar da relevância para a
contraparte das circunstâncias a declarar (335).
Estamos, pois, perante um critério objectivo de aferição, coincidente
com o do homem médio – o declarante normal, dotado de normal bom senso,
discernimento, previdência ou diligência –, no caso o tomador de seguros ou
segurado normalmente previdente e diligente, tipicamente um não especialista em matéria de carácter técnico, sendo perante este critério que haverá de
verificar-se, de acordo com as regras da normalidade e da experiência
comum, se determinada circunstância se apresenta, ou não, como relevante
para o segurador, por significativa para a delimitação inicial do risco do contrato, seja pela sua idoneidade para influir no conteúdo do clausulado do
negócio, seja por poder influir na decisão de contratar.
Tal tem já implicada, assim, uma ideia de proporcionalidade, de graduação de importância, com apelo a um critério qualificador de circunstâncias
(como relevantes ou significativas, ou não) para efeitos de apreciação do
risco pelo segurador, de que depende a sua decisão de vinculação contratual e
os termos dessa vinculação. Este dever de razoabilidade e proporcionalidade
transporta, pois, consigo um necessário juízo de prognose sobre a dita idoneidade, em termos de relevância, das circunstâncias conhecidas, o qual assenta
(334) Critério este que também se impõe ao segurador, o qual não pode deixar de ter em
conta “a redacção do questionário e o conjunto de respostas dadas pelo tomador do seguro e
não apenas algumas delas isoladamente, pois que se com os dados e informação prestados
pelo tomador, um segurador prudente, aplicando a técnica seguradora normal, devesse aperceber-se de um risco real, não há que falar de uma infracção ou violação do dever de declaração do tomador do seguro” – cfr. GOMES, JÚLIO, op. cit., p. 92.
(335) Como refere F. ALBUQUERQUE MATOS, a razoabilidade não implica um dever de
informar tão amplo que abranja todas as questões conexas com o objecto contratual relativamente às quais o segurador nunca tenha manifestado qualquer interesse; se nem de modo
implícito o segurador pretendeu averiguar certos factos ou circunstâncias, então é de concluir, por regra, que os mesmos não devem considerar-se relevantes – cfr. Uma outra
abordagem…, cit., ps. 619 e s..
127
normativamente na boa fé, que confere, deste modo, o fundamento e a
medida do critério de avaliação dessa relevância (336).
Cumpridos todos os aludidos deveres integrantes da obrigação legal de
declaração pré-contratual do risco, de acordo com a boa fé, estará o segurador
em condições de decidir, de forma livre, consciente e esclarecida, sobre a sua
vinculação contratual e seus termos, designadamente quanto ao valor do
prémio do seguro. Nesse caso, levando as negociações à celebração do
contrato, este será, a esta luz, um contrato válido.
Mas pode assim não suceder, por incumprimento daqueles deveres,
através de omissões ou inexactidões na declaração das circunstâncias que,
conhecidas do declarante, se apresentem como relevantes para a apreciação
do risco, considerando, pois, a sua influência em sede de maior probabilidade
e/ou intensidade desse risco. Em caso de tal incumprimento, e não sendo
aplicável nenhuma das hipóteses do n.º 3 do art. 24.º do RJCS, aplicar-se-á o
preceituado nos arts. 25.º ou 26.º do RJCS, consoante se trate de actuação
dolosa ou negligente do declarante.
É que a lei procede agora, ao contrário do art. 429.º do CCom, a uma
distinção de regime entre situações de incumprimento doloso e de incumprimento negligente do dever de informar, distinguindo também agora, para
efeitos de tal incumprimento, entre omissões e inexactidões (antes distinguia
entre declarações inexactas e reticentes).
Contrariamente àquela relevante distinção de regime – com consequências, desde logo, em termos de anulabilidade do contrato, que só é prevista
nos casos de incumprimento doloso (art. 25.º do RJCS) –, esta alteração
terminológica relativa às duas categorias de incumprimento não traduz
qualquer alteração de substância. Assim, se era pacífico, à luz daquele
art. 429.º do CCom, o entendimento de que as declarações inexactas correspondiam a comportamentos activos, traduzidos na declaração de factos ou
circunstâncias não correspondentes à verdade, enquanto as reticências correspondiam em geral a omissões, isto é, ao silenciar do que se sabia, mas podendo
também resultar de hesitações ou do carácter inconclusivo das informações
(336) Cfr., a propósito do art. 429.º do CCom, ALMEIDA, MOITINHO DE, O contrato de
seguro…, cit., p. 74.
128
prestadas (337), também parece claro que as actuais omissões correspondem
àquelas declarações reticentes, enquanto as inexactidões correspondem às
anteriores declarações inexactas.
Já o incumprimento doloso a que alude o art. 25.º do RJCS reporta-se ao
dolo definido no art. 253.º, n.º 1, do CC, traduzindo-se na utilização pelo
tomador do seguro ou segurado, no exercício da sua declaração inicial do
risco, de “sugestão ou artifício” com a “intenção ou consciência de induzir ou
manter em erro” a contraparte, “bem como a dissimulação” do erro do segurador (338). Por sua vez, o incumprimento negligente, previsto no art. 26.º do
RJCS, reporta-se a situações em que as inexactidões ou omissões decorrem
de falta de cuidado do declarante, tratando-se sempre, pois, de condutas não
intencionais.
Assim se compreende, ante tal diferença de gravidade, o diverso regime
legal, não prevendo o art. 26.º do RJCS a anulabilidade do contrato, mas tão-só a sua alteração ou, em casos limite, a sua cessação pelo segurador. Regime
este que, deste modo, na graduação das consequências do incumprimento do
dever de informação, atende à natureza da relação de seguro como relação
fiduciária, valorando-se como mais censurável a conduta do tomador do
seguro que age com dolo, aquele que actua em acentuada dissonância, pois,
com os ditames de lealdade, honestidade e correcção no agir impostos pela
regra de conduta da boa fé, enquanto para as situações meramente negligentes prevalece o princípio da conservação dos negócios jurídicos (manutenção
com alterações), que só cederá quando o segurador lograr demonstrar que em
caso algum celebra contratos para cobertura de riscos relacionados com o
facto objecto de omissão ou inexactidão (art. 26.º, n.º 1, do RJCS).
(337) Cfr., por todos, na doutrina, MATOS, F. ALBUQUERQUE, As declarações reticentes
e inexactas no contrato de seguro, cit., ps. 462 e s., e VASQUES, JOSÉ, Contrato de seguro,
cit., p. 222. Na jurisprudência pode ver-se, entre outros, o Ac do STJ, de 24/04/2007, Proc.
07S851 (SILVA SALAZAR), in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
(338) O “dolo” pode ter ainda outro significado, já enquanto pressuposto da responsabilidade civil (art. 483.º, n.º 1, do CC), traduzindo então a situação interior do agente que,
directa, necessária ou eventualmente, dirija a sua conduta contra um preceito jurídico – cfr.
CORDEIRO, MENEZES, Tratado de direito civil português, t. IV, Almedina, Coimbra, 2007,
p. 265.
129
Por outro lado, os contratos de seguro, na perspectiva dos seguradores,
fundam-se na lei dos grandes números, que pressupõe, em termos de operação de seguro, uma comunidade de riscos da mesma natureza, visando-se a
homogeneidade dos riscos que os seguradores se dispõem a assumir (339),
para o que é instrumento relevante a contratação através de cláusulas contratuais gerais. Daí que seja comum os seguradores adoptarem procedimentos
de agrupamento de riscos por tipos ou categorias, assistindo-se à criação de
tabelas ou grupos homogéneos de riscos, por referência à sua natureza e
gravidade, tudo por forma a conferir à operação de seguro (ao contrário do
contrato de seguro) uma feição não aleatória, situação que tem reflexos,
designadamente, em matéria de apreciação do risco de cada contrato individual de seguro e de determinação do respectivo prémio.
Ora, nesta perspectiva, o que essencialmente releva para efeitos de apreciação do risco no campo do seguro obrigatório automóvel é um conjunto
limitado de parâmetros bem conhecido dos seguradores e que os mesmos
facilmente podem transportar para o questionário a fornecer na fase pré-contratual, tal como se encontra facilitada a sua tarefa de esclarecimento a
que alude o n.º 4 do art. 24.º do RJCS.
Assim, no seguro obrigatório automóvel a apreciação do risco depende,
desde logo, de factores objectivos ligados à actividade seguradora, cujo
conhecimento é dos próprios seguradores: são os factores ligados às taxas de
sinistralidade e seus custos, tratando-se de elementos estatísticos de cariz
objectivo. Depois, há que considerar elementos ligados ao veículo, também
de cariz objectivo e cuja veracidade é fácil de sindicar, já que passíveis de
prova documental: características do veículo, tais como cilindrada, potência e
número de lugares. Por fim, elementos ligados ao segurado/condutor habitual, alguns deles também de veracidade fácil de sindicar, por passíveis de
prova documental ou de cómoda e pronta averiguação, nomeadamente com o
auxílio de bases de dados informáticos a que têm acesso os seguradores:
identidade e idade do segurado/condutor, há quantos anos é titular de carta de
(339) Cfr. ALMEIDA, MOITINHO DE, Contrato de seguro, Estudos, cit., ps. 92 e 95 e s..
130
condução, ocorrência e número de sinistros e local de risco onde circulará
(normalmente a zona da sua residência) (340).
Facilitada, pois, a tarefa do segurador, não só quanto à elaboração precisa e exaustiva do questionário, mas também quanto ao sindicar de respostas
respectivas e, por consequência, quanto à fixação do correspondente prémio
de seguro, restarão, as mais das vezes, as situações particulares ou excepcionais, normalmente ligadas à pessoa do segurado/condutor (por exemplo,
problemas de saúde, não aparentes, limitadores da aptidão para o exercício da
condução ou a identidade do condutor habitual do veículo).
2. A boa fé na relação contratual de seguro
Passando à fase contratual de seguro, constata-se que os deveres de
informação recíproca das partes tendencialmente se perpetuam pela vida do
contrato, marcada esta, ademais, pelo signo da cooperação entre as partes,
como instrumento direccionado para o cumprimento comprometido com a
realização satisfatória do fim contratual (341), focando-se a boa fé na representação e balanço de realização das utilidades contratuais (342).
Assim o mostra o dever legal, em sede de seguro obrigatório automóvel,
do segurador de, aquando da celebração do contrato, prestar informação
relevante quanto aos procedimentos que adopta em caso de sinistro, devendo
disponibilizar informação escrita – de forma legível, simples e objectiva –
quanto aos prazos a que se compromete, tendo em conta a tipologia dos
sinistros, informação essa a dever estar disponível para consulta pelo público,
e dispor de um manual interno de regularização de sinistros de que constem
os procedimentos a adoptar (art. 33.º, n.os 1 a 4, da LSOA). Ao assim dispor,
o legislador positivou as exigências do princípio da transparência, tributário
da boa fé, em matéria de regularização de sinistros no âmbito da relação de
seguro obrigatório automóvel, por forma a que o tomador ou segurado se
(340) Cfr. COUILBAULT, FRANÇOIS e ELIASHBERG, CONSTANT, Les grands principes de
l’assurance, 9.ª ed., L’Argus, Paris, 2009, p. 206.
(341) Cfr. MARTINS-COSTA, JUDITH op. cit., ps. 104 e s.
(342) Cfr. RIBEIRO, SOUSA, “Economia do contrato”…, cit., ps. 975 e ss.
131
encontre, desde o momento da celebração do contrato, informado quanto aos
princípios base da gestão de sinistros a cargo do segurador, mormente os
procedimentos que este se compromete a adoptar em caso de sinistro. O
critério de aferição e delimitação da “informação relevante” a prestar é, por
sua vez, proporcionado também pela boa fé, segundo padrões de necessidade,
razoabilidade e proporcionalidade por esta veiculados, tendo em conta o fim
contratual das partes.
No mesmo quadro geral se insere o dever de informação consagrado no
art. 91.º do RJCS, por força do qual devem as partes, em postura de boa fé,
comunicar uma à outra, a cada passo, as alterações relevantes do risco, assim
actualizando, sempre que tal se justifique, as informações prestadas na fase
pré-contratual.
De acordo ainda com as exigências do princípio da boa fé, o segurador
tem o dever, em caso de diminuição inequívoca e duradoura do risco, de
fazer repercutir essa diminuição no prémio do contrato, por forma a baixá-lo,
beneficiando, assim, a contraparte (343), e isto de forma pronta, a partir do
momento em que tenha conhecimento das novas circunstâncias (art. 92.º do
RJCS). Em termos de reciprocidade, o tomador do seguro ou o segurado, por
seu lado, deve, na vigência do contrato, em prazo curto (de 14 dias a contar
do conhecimento do facto), comunicar, por regra (344), ao segurador as
circunstâncias que conduzam ao agravamento do risco (art. 93.º, n.º 1, do
RJCS), facultando então a lei ao segurador, consoante os casos, ante a superveniente alteração de circunstâncias, a possibilidade de apresentar à contra-
(343) Trata-se normalmente de cessação de circunstância agravante, como no seguro
obrigatório automóvel, em virtude do decurso de certo período de tempo sem sinistros. A
propósito dos elementos de tarifação no seguro automóvel, cfr. COUILBAULT, FRANÇOIS e
ELIASHBERG, CONSTANT, op. cit., ps. 206 e ss..
(344) Sempre que as novas circunstâncias sejam relevantes: todas as que (não sendo
notórias ou conhecidas do segurador, nem constituindo agravamento natural e previsível do
risco inicial), caso fossem conhecidas pelo segurador ao tempo da celebração do contrato,
tivessem podido influir na decisão deste de se vincular contratualmente ou nos termos do
contrato. Trata-se normalmente de factos atinentes aos aspectos que o segurador considerou
relevantes para efeitos de apreciação inicial do risco, trazendo agravamento do risco
inicialmente definido, seja por tornarem maior a probabilidade de verificação do sinistro,
seja por aumentarem o perigo quanto à dimensão das suas consequências danosas – cfr.
GOMES, JÚLIO, op. cit., ps. 108 e s..
132
parte uma proposta razoável de modificação do contrato ou até a sua
resolução (345), neste caso mediante a demonstração de que, em caso algum,
celebra contratos com cobertura de riscos nos termos decorrentes da superveniente conformação de circunstâncias.
Em atenção à natureza fiduciária e tendencialmente duradoura do
contrato (346), o legislador, segundo as exigências do princípio da boa fé, quis
que o conteúdo contratual pudesse flexibilizar-se ao longo do período de
vigência do negócio, de molde a que circunstâncias supervenientes incidentes
sobre a execução contratual não tivessem um efeito de significativa distorção
do equilíbrio de direitos e deveres das partes, mormente em sede de
equivalência das prestações principais, quanto, pois, à relação prémio/risco,
no que se pode surpreender os efeitos do princípio da justiça contratual, que
até ao fim da relação se mantém vigilante por que a mesma decorra segundo
parâmetros de razoabilidade, lealdade e equilíbrio prestacional.
Também o dever de participação do sinistro é tributário da boa fé
(arts. 100.º do RJCS, 34.º e 35.º da LSOA). Se, em caso de sinistro, o
tomador, o segurado ou o beneficiário devem participá-lo prontamente ao
segurador, no seguro obrigatório automóvel até sob pena de responsabilidade
civil, tal decorre também de dever de informação que se filia no princípio da
boa fé em sede de execução contratual. Com efeito, estabelecem-se deveres
de informação, segundo a boa fé, a cargo daqueles para com o segurador uma
vez verificado o sinistro e o consequente dano: dever de comunicação da
ocorrência do sinistro, de explicitação das suas circunstâncias, eventuais
causas e consequências e, em geral, de prestar todas as informações relevantes que o segurador solicite (347) relativas ao sinistro e suas consequências
(arts. 100.º do RJCS e 34.º, n.º 1, al. a), da LSOA).
(345) Cfr. o lugar paralelo do art. 437.º do CC, que também remete para o critério de
aferição da boa fé, para efeitos de verificação e graduação do tipo e intensidade das
alterações relevantes em caso de alteração (anormal) das circunstâncias que formaram a base
da decisão de contratar (cfr. CORDEIRO, MENEZES, Da boa fé…, cit., ps. 1108 e ss.).
(346) Sobre os negócios fiduciários, implicando uma “relação de especial confiança
entre as partes”, normalmente também intuitu personae, “pressupondo de modo especial
qualidades de lealdade, probidade ou honorabilidade entre os contraentes”, cfr. FRADA,
CARNEIRO DA, op. cit., ps. 544, 548 e ss. e 561 e ss..
(347) Mas também o segurador se terá de conformar com a regra de conduta de boa fé
na solicitação de informações, submetendo-se a ditames de necessidade, adequação e propor-
133
O fundamento material destes deveres encontra-se no desequilíbrio de
informação que nesta matéria existe entre as partes, estando o segurador em
posição de manifesto deficit informativo. De facto, enquanto a contraparte
normalmente conhece o sinistro, com o qual teve contacto, e, assim, as suas
causas, amplitude e consequências, já o segurador, por seu lado, tudo desconhece sobre tal sinistro, encontrando-se em posição de manifesta dependência
informativa, sobre matéria relevante para a execução contratual, quanto à
prestação que lhe cabe cumprir, pelo que importa compensar tal desequilíbrio, conferindo paridade a este passo do iter da relação, o que o legislador
faz, ancorado na boa fé, mediante a imposição de deveres estritos de
informação – a cumprir com a diligência normal, a que é de esperar e exigir
de um tomador ou segurado comum (348) – à parte em posição vantajosa para
com a parte neste aspecto carecida de protecção (349).
Estabelecem-se também deveres de prestação negativa a cargo do tomador e do segurado, em sede de seguro obrigatório automóvel, em caso de
sinistro (cfr. n.º 2 do art. 34.º da LSOA): obrigação de não abonar extrajudicialmente indemnização ou adiantar dinheiro, comprometendo o segurador,
sem autorização deste, ou de não dar ocasião a sentença favorável a terceiro
ou, quando não der imediato conhecimento ao segurador, a qualquer procedimento judicial intentado contra este por motivo de sinistro a coberto da
respectiva apólice.
Estes deveres visam, pois, não onerar a situação do segurador em caso
de sinistro, sendo o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário os
cionalidade, pelo que não poderá exigir informações que, em concreto, se mostrem
irrazoáveis, desnecessárias, invasoras da esfera de intimidade e privacidade das pessoas ou
demandando esforço desproporcionado da contraparte para a sua obtenção.
(348) Neste sentido, cfr. OLIVEIRA, A. COSTA, Lei do contrato de seguro, cit., p. 316.
(349) Se o contrato de seguro pode prever, em caso de incumprimento de tais deveres, a
redução da prestação do segurador ou até, em certos casos, a perda da cobertura do seguro,
tal não é oponível aos lesados no âmbito do seguro obrigatório automóvel (art. 101.º, n.os 1,
2 e 4, do RJCS), ante a função social deste seguro, nem é aplicável quando o segurador tenha
tido oportuno conhecimento do sinistro por outro meio ou o obrigado prove que não poderia
razoavelmente ter cumprido em momento anterior àquele em que o fez (n.º 3 do mesmo art.).
Tanto, pois, o efectivo e oportuno conhecimento do sinistro, como a inexigibilidade, em
concreto, de comportamento mais diligente, levam a que à luz da boa fé não possam ser
desencadeadas consequências contra aquele que incorra em falta de participação do sinistro.
134
detentores da informação relevante e da posição de proximidade ao sinistro,
enquanto o segurador é quem sofrerá, afinal, na medida da cobertura contratada, o resultado negativo das suas consequências patrimoniais. Daí que, em
protecção da posição contratual deste, e em decorrência dos deveres de lealdade, correcção e cooperação emergentes da boa fé, aqueles detentores da
informação, para além de não concorrerem em nada para a agravação dos
danos, devam, em atitude positiva, contribuir para a superação daquele deficit
informativo.
Essa situação de desigualdade de informação leva mesmo a que seja
devida ao segurador toda a colaboração necessária, designadamente para efeitos de determinação de causas e consequências do sinistro e em matéria
probatória, com vista à determinação de responsabilidades pela produção
daquele, tudo, pois, em nome da necessária superação da posição deficitária
do segurador, sendo a contraparte chamada a uma tarefa de cooperação
contratual e protecção, que o princípio uberrima bona fides por via legal
deste modo impõe.
Em sede de seguro obrigatório automóvel deve ainda referenciar-se
certos deveres legalmente impostos ao segurador no tocante a regularização
de sinistros: cabe-lhe levar a cabo, regularmente, auditorias internas para avaliação da qualidade nas diversas fases do processo de regularização dos sinistros, bem como dispor de um sistema que garanta adequado tratamento das
queixas e reclamações apresentadas pelos clientes ou por terceiros lesados em
sede de regularização de sinistros, sistema esse cujos princípios de funcionamento, consignados em documento escrito, devem estar disponíveis para
consulta pelos clientes, ou ainda garantir que o seu serviço responsável pela
aceitação e regularização de sinistros esteja efectivamente acessível aos seus
clientes e terceiros lesados e disponibilizar a qualquer interessado informação
relativa aos tempos médios de regularização de sinistros (art. 33.º, n.os 5 e 7
a 9, da LSOA).
Notória é aqui também, pois, a preocupação de impor práticas consentâneas com os ditames da transparência e de efectiva auto-avaliação por parte
dos seguradores em matéria de regularização de sinistros, no sentido, não só
de os interessados poderem ficar elucidados quanto à actuação dos diversos
seguradores nessa matéria, como de aperfeiçoamento dos procedimentos
135
adoptados, no escopo da melhoria da qualidade em benefício dos clientes e
dos terceiros lesados, o que constitui aprofundamento dos deveres de informação, lealdade e cooperação impostos pela boa fé.
3. A boa fé na relação entre segurador e lesado
Uma vez ocorrido o acidente de viação com cobertura pelo seguro
obrigatório automóvel, torna-se essencial, no domínio das “relações externas”, a relação entre segurador e lesado, a vítima do sinistro, que se tornou,
por isso, na medida dos danos sofridos, credor indemnizatório por responsabilidade civil. Definida, pois, a identidade do segurador do responsável,
deve o lesado dirigir-se-lhe, seja em fase extrajudicial, seja em caso de
necessidade de recurso aos tribunais com competência cível.
Ora, na fase extrajudicial, a LSOA disciplina pormenorizadamente a
relação entre segurador e lesado, estabelecendo um conjunto de regras e
procedimentos atinentes à regularização dos sinistros, destinados a garantir a
pronta e diligente assunção pelo segurador da sua responsabilidade e o consequente pagamento das indemnizações devidas no âmbito do seguro de
responsabilidade civil automóvel (art. 31.º da LSOA), tenham os interessados
chegado ou não a acordo sobre os factos ocorridos aquando do sinistro
(art. 32.º, n.º 6, da LSOA), formando, assim, um regime onde se nota a
conjugação de duas ideias força, traduzidas na preocupação de efectiva
protecção das vítimas da circulação automóvel e na requisição do concurso
dos parâmetros da boa fé.
Não surpreende, pois, que a boa fé esteja presente no âmbito dos
métodos de avaliação dos danos a utilizar pelo segurador. Desde logo, os
métodos de avaliação dos danos materiais decorrentes de um sinistro
devem pautar-se pela razoabilidade, adequação e coerência (art. 33.º, n.º 6,
da LSOA). Quer dizer, devendo inserir-se numa linha de conduta do
segurador marcada por atitudes não contraditórias, de modo a não ferir a
confiança que a cada passo é gerada, a tais métodos, que terão, por outro
lado, de ser adequados, no sentido de ajustados ao objectivo pretendido,
deve corresponder um critério e um modo de aplicação que se mostrem
136
razoáveis, justificados e proporcionados, atentas as circunstâncias em
concreto, por forma a alcançar-se uma equilibrada composição de interesses
e, nesse sentido, a solução mais consentânea com a justiça material, corolário
da boa fé.
Acresce que o segurador está obrigado a exigências de diligência e
prontidão, sobre si impendendo vários deveres legais funcionalizados para tal
– designadamente, deveres de contacto, informação e disponibilização de
elementos periciais –, no sentido de comunicar com brevidade a assunção, ou
não assunção, de responsabilidade, informando em conformidade o tomador
do seguro ou o segurado e o terceiro lesado (cfr. arts. 36.º e 37.º da LSOA),
no que pode ver-se, para além da imposição de certos níveis de diligência e
celeridade, a concretização de princípios de cooperação e transparência
radicados na boa fé, em protecção da parte ou sujeito da relação carecido de
tutela, sobretudo o lesado.
No mesmo sentido da transparência, corolário da boa fé, e de protecção,
milita o dever, a cargo segurador, de proporcionar informação regular sobre o
andamento do processo de regularização do sinistro (art. 36.º, n.º 7, da
LSOA), o qual, por outro lado, deve culminar, em caso de assunção de
responsabilidade, numa “proposta razoável” de indemnização, se o dano for
quantificável, no todo ou em parte, sob pena de sanções determinadas para o
caso de incumprimento (arts. 38.º e 39.º da LSOA) (350).
Ora, o que seja a aludida proposta razoável di-lo o art. 38.º, n.º 4, da
LSOA (351): é aquela que não gere um significativo desequilíbrio em desfavor
(350) O procedimento de oferta razoável, previsto na 4.ª Directiva Automóvel
(2000/26/CE) – transposta para o ordenamento português pelo DL n.º 72-A/2003, de 14-04,
que contemplava já aquele procedimento –, foi objecto de alargamento, quanto ao seu
âmbito, na 5.ª Directiva Automóvel (2005/14/CE), a qual, por sua vez, veio a ter transposição, desde logo, pelo DL n.º 83/2006, na parte em que prevê a extensão do dito procedimento de oferta razoável a todos os acidentes de circulação rodoviária regularizáveis no
quadro do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, transposição
essa que ficou completa com a LSOA, que procedeu à abolição de certas restrições
anteriores, em consequência do que o procedimento passou a aplicar-se a todos os sinistros
geradores de responsabilidade civil automóvel, incluindo, ao contrário do regime anterior,
aqueles em que ocorra dano corporal, mesmo que regularizáveis pelo FGA ou pelo Gabinete
Português da Carta Verde, que assim também passaram a ficar abrangidos.
(351) Cfr. também o art. 39.º, n.º 6, da LSOA.
137
do lesado. Repete-se, pois, mutatis mutandis, a fórmula do art. 9.º, n.º 2,
al. b), da LDC. E qual o respectivo critério de determinação?
Considerando a homogeneidade dos interesses em causa numa e noutra
das situações (a matéria é aqui de seguro obrigatório automóvel, enquanto
contrato de seguro de comum formato massificado e de consumo) e a unidade
do sistema jurídico, parece-nos que o critério adequado será essencialmente o
mesmo. Isto é, no critério de determinação do desequilíbrio significativo deve
estar implicada a boa fé, enquanto mecanismo de medida desse desequilíbrio.
Também aqui, pois, a boa fé se disponibiliza, com apreciável interesse,
como critério de aferição do grau – ou intensidade – da lesão dos interesses
económicos da vítima/lesado em consequência da apresentação de proposta
indemnizatória determinante, em maior ou menor medida, e em função do
seu conteúdo, de um significativo desequilíbrio em prejuízo daquela vítima.
O que está em causa é o conteúdo, em si significativamente desequilibrado,
de tal proposta, numa valoração objectiva dos efeitos que produzirá sobre os
interesses de um dos sujeitos da relação, o considerado parte débil.
Também neste contexto, assim, a boa fé deve ser convocada como
critério de controlo de conteúdos desequilibrados, agora em prejuízo do
lesado, na perspectiva da colocação destes na proposta indemnizatória do
segurador. A boa fé, neste âmbito, tem virtualidades que lhe permitem
desempenhar um relevante papel em sede de controlo do conteúdo da proposta de indemnização, enquanto critério de proibição de conteúdos causadores de desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.
Quer dizer, o princípio da boa fé, com os seus critérios valorativos,
permite qualificar o conteúdo indemnizatório proposto como significativamente desequilibrado, como determinante de um prejuízo desproporcionado,
nesse sentido irrazoável, constituindo-se, pois, como medida dessa desproporção ou deficit de equidade em desfavor do sujeito débil. Também aqui,
assim, a bitola última é constituída pelo parâmetro legal “desequilíbrio significativo”, mas a medida deste é conferida pela boa fé, que permitirá distinguir, afinal, em atenção a cada caso concreto e de acordo com o princípio da
justiça, entre razoabilidade e desrazoabilidade do conteúdo indemnizatório
proposto, o qual só poderá ter-se por razoável se não conduzir a um prejuízo
138
desproporcionado, arbitrário ou injustificado para o lesado, à vista do dano
sofrido.
Se o montante indemnizatório indicado na proposta dita razoável, a que
alude o art. 38.º da LSOA, for manifestamente insuficiente e, como tal, determinante do aludido prejuízo desproporcionado, então a proposta não será
razoável mas irrazoável, por portadora de indicação indemnizatória em montante de tal maneira baixo que logo determina um desequilíbrio significativo
em detrimento do lesado.
Por sua vez, o art. 40.º da LSOA impõe um dever de fundamentação, a
ser pontualmente cumprido – em termos de tempestividade, vistos os prazos
fixados, e de completude, quanto a todos os pontos invocados no pedido –,
estando, por isso, o segurador obrigado a emitir, comunicando-a, resposta
escrita fundamentada, sempre que a responsabilidade seja rejeitada ou não
tenha sido claramente determinada ou quando os danos sofridos não sejam
totalmente quantificáveis, o que traduz a preocupação do legislador, não só
de transparência de procedimentos e decisões, como ainda de razoabilidade
dos fundamentos e do sentido destas, tudo no escopo da protecção da parte ou
sujeito considerado débil, que pode ser um consumidor (cfr. também os arts.
45.º, n.º 1, e 92.º, da LSOA).
Este regime, assim recortado, tem como campo de aplicação apenas a
regularização extrajudicial de sinistros. Se na fase extrajudicial não for,
porém, obtido acordo, então mais não restará ao lesado do que intentar a
pertinente acção judicial para efectivação de responsabilidade civil.
Ora, na fase judicial já não tem justificação a aplicação do aludido
regime, podendo, pois, o lesado fazer valer a sua pretensão em conformidade
com as normas do CC atinentes à responsabilidade extracontratual e obrigação indemnizatória (352) (353).
O lesado, por sua vez, enquanto beneficiário, tem o dever, não só de não
agravar os danos sofridos, mas de contribuir, na medida das suas possibili-
(352) Cfr., neste sentido, Ac do TRC, de 11/03/2008, Proc. 3318/06.5TBVIS.C1
(VIRGÍLIO MATEUS), in www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
(353) Sobre as exigências da boa fé quanto a interrupção de tratamentos médicos a
sinistrado, causando risco para a saúde do assistido, cfr. Ac do STJ, de 12/02/2009, Proc.
09A073 (FONSECA RAMOS), in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
139
dades e do que é razoável em face da situação concreta, para o seu afastamento e mitigação – deve empregar os meios ao seu alcance para, em homenagem ao princípio da boa fé, prevenir ou limitar danos decorrentes do sinistro, adoptando atitude positiva de cooperação com o segurador, por forma a
colaborar para que o esforço de cumprimento indemnizatório por este seja o
menos oneroso possível (cfr. art. 126.º, n.os 1 e 2, do RJCS).
CONCLUSÃO
O princípio da liberdade contratual, expressão da autonomia privada,
radicado no valor da autodeterminação pessoal, é um princípio essencial do
sistema jurídico, que se liga ao imperativo da dignidade da pessoa humana e
da sua radical esfera de livre conformação de vida, vendo o indivíduo como
um fim em si mesmo, a pessoa como sujeito de relações de liberdade. Nessa
medida, este princípio é inafastável, embora admita limitações.
O contrato de seguro, perspectivado em tais relações de liberdade e
revestindo-se de elevada importância económica e social, tem por objecto
nuclear o risco e por deveres principais de prestação o pagamento do prémio,
pelo tomador do seguro, e o cobrir do risco, suportando as suas consequências, e realização da prestação convencionada em caso de sinistro, pelo
segurador.
No contrato de seguro obrigatório automóvel a cobertura reporta-se ao
risco de responsabilidade civil por acidentes de viação, obrigando-se o
segurador, ao cobrir esse risco, a suportar a reparação dos eventuais danos,
até determinado capital mínimo obrigatório, decorrentes de lesões causadas a
terceiros por determinado veículo terrestre a motor e seus reboques.
O avolumar das taxas de sinistralidade por acidentes de viação, com os
consequentes danos, em contexto de generalizado uso de veículos automóveis, conduziu ao emergir de uma consciência colectiva que encara os riscos
e os acidentes de circulação rodoviária como um “problema social” a exigir
respostas colectivas, numa perspectiva de socialização do risco ou dimensão
social do seguro, num movimento em que o seguro automóvel, tornado
obrigatório, garante a indemnização às vítimas, até nos casos de acidentes
dolosamente provocados, assim prevalecendo o escopo legal de protecção
dos lesados.
141
As relações contratuais do nosso tempo, tecidas na era da informação, da
tecnologia e da especialização, são marcadas, mormente na esfera da
contratação massificada de seguros, por acentuadas assimetrias de poderes
económicos e de conhecimento entre as partes, do que é exemplo típico o
contrato de seguro obrigatório automóvel.
O contrato de seguro vem sendo objecto de intervenções legislativas
diversas, sendo notória a preocupação de tutela da parte considerada débil,
seja o tomador do seguro ou segurado, seja, nos seguros de responsabilidade
civil, os lesados, assumindo-se estes últimos, no âmbito do seguro obrigatório
automóvel, como beneficiários do seguro, com um direito de acção directa
contra o segurador.
O princípio da boa fé, por sua vez, eleva-se também a princípio essencial
do sistema jurídico, estabelecendo a necessária ligação entre o Direito e os
seus fundamentos éticos, assim lhe conferindo a indispensável legitimação,
na oferta concretizada de soluções moldadas, para além do mais, pelo
princípio da justiça contratual.
Esta, traduzindo uma aspiração da ordem jurídica, e carecendo do
necessário ambiente de liberdade para se poder realizar, reclama intervenções
selectivas do sistema, que fixem limites ao princípio da liberdade contratual,
mormente no sentido do evitar de abusos no uso de tal liberdade, na medida
em que, praticados pela parte mais forte, são geradores de deficits de
exercício da liberdade contratual da parte débil ou a conduzem para soluções
contratuais desequilibradas e, como tal, indesejadas e injustas, matéria
especialmente relevante em sede de contrato de seguro, ante a sua natureza
fiduciária, visto como contrato da máxima boa fé.
Na contratação do seguro obrigatório automóvel, perspectivado como
contrato de consumo, fazem-se sentir as exigências de protecção legal do
consumidor de seguros, encarado como parte débil, âmbito em que vigoram
mecanismos de protecção económica e jurídica, tratando-se, quanto a estes
últimos, de uma ordem pública de protecção, onde o princípio da boa fé
assume papel essencial, colocando limites à liberdade contratual, designadamente no escopo da prevenção e do sancionamento de abusos dessa
liberdade pelo segurador. Nesta matéria a boa fé objectiva assume-se
como apto critério de aferição do grau de lesão dos interesses económi-
142
cos do consumidor de seguros quanto à inclusão no conteúdo contratual
de cláusulas determinantes de “significativo desequilíbrio” em desfavor
daquele.
Relevo tem ainda, na óptica da tutela da parte débil, em limitação ao
princípio da liberdade contratual, a protecção do tomador de seguros nos
contratos de adesão, também no âmbito do seguro obrigatório automóvel,
estabelecendo o legislador mecanismos imperativos de controlo das cláusulas
contratuais impostas ao aderente, como forma de garantir paridade material à
relação negocial e sancionar situações de abuso da liberdade contratual por
parte do segurador predisponente.
Desde logo, assim, um controlo de inclusão, com específicos deveres de
comunicação e informação, onde releva o princípio da transparência, tributário da boa fé objectiva. Mas também um sucessivo controlo do conteúdo,
onde o juízo sobre o carácter proibido do clausulado contratual é disponibilizado pelo princípio da boa fé, com os seus parâmetros direccionados,
designadamente, para a justiça contratual, reportada ao equilíbrio de direitos
e deveres das partes – incluindo, se necessário, embora excepcionalmente, a
apreciação quanto a desequilíbrios clamorosos entre as prestações principais
de segurador e tomador do seguro em desfavor deste último –, sendo,
contudo, que tal controlo assume um menor relevo em sede de seguro
obrigatório automóvel ante a vasta esfera de imperatividade legal existente
sobre o conteúdo do contrato, não podendo os seguradores predispor
cláusulas contratuais que se oponham aos preceitos legais imperativos, nem
afastar-se da regulamentação administrativa da competência do ISP neste
campo contratual.
No seguro obrigatório automóvel tem especial relevo a noção de
terceiros – os lesados, beneficiários do seguro, visto como contrato a favor de
terceiro –, a qual tem vindo a ser objecto de alargamentos, no sentido da
progressiva prevalência da função social deste seguro, de molde a estender o
seu âmbito subjectivo de protecção, sem deixar de atender, no mínimo
necessário, ao princípio básico da radical oposição entre os conceitos de
responsável e vítima, sendo da conjugação e evolutiva harmonização destes
dois vectores que se obtém hoje a definição de terceiros, conexionada com os
critérios subjacentes às exclusões da garantia do seguro.
143
No âmbito da acção directa contra o segurador vigora o princípio da tipicidade dos meios de defesa daquele, consagrado, em matéria de seguro
obrigatório automóvel, no art. 22.º da LSOA, apenas podendo ser opostas ao
lesado, assim, as excepções ali legalmente previstas, regime este estabelecido, de forma imperativa, em tutela das vítimas, sem esquecer os interesses
dos seguradores.
Sendo controvertido se pode o segurador, nesse âmbito, opor a anulabilidade do contrato de seguro por incumprimento do dever de declaração
inicial do risco, entendemos, diversamente da jurisprudência dominante, que
tal dependerá do momento em que seja declarada a anulação do contrato,
devendo adoptar-se, não uma concepção de estreita taxatividade quanto a
causas de invalidade oponíveis, mas o critério temporal geral de aferição dos
meios de defesa oponíveis previsto no segmento final daquele art. 22.º,
conjugado com uma interpretação extensiva do seu segmento intermédio, por
forma a que onde se lê “nulidade” se considere “invalidade”.
Assim, se o segurador declarar a invalidade do contrato (nulidade ou
anulabilidade) anteriormente à ocorrência de sinistro, tal verificada invalidade, para além de produzir efeitos entre as partes, é oponível aos lesados de
futuros sinistros. Já no caso contrário, sendo a invalidade declarada depois da
ocorrência de determinado sinistro, tal invalidade, embora produzindo efeitos
entre as partes, é inoponível aos lesados naquele anterior sinistro, sendo,
porém, oponível quanto a sinistros futuros.
Como negócio fiduciário, o contrato de seguro deixa-se moldar pelo
princípio da boa fé, o qual tem, por isso, papel de relevo ao longo de toda a
relação de seguro. Desde logo, na fase pré-contratual, onde preponderam
deveres de informação – bem como de protecção e lealdade – a cargo do segurador, mas também deveres de informação do tomador ou segurado, deveres
esses legalmente estabelecidos, mas ancorados na boa fé, e destinados a compensar posições deficitárias de conhecimento das partes. Neste âmbito, a
prioridade foi conferida aos deveres de informação e esclarecimento a cargo
do segurador, enquanto parte poderosa na negociação, atenta a sua superioridade económica e técnica, visando-se a criação de condições negociais de
transparência, capazes de superar desequilíbrios decorrentes de posições
deficitárias de conhecimento da parte menos apetrechada e, assim, conduzir à
144
celebração de um contrato de conteúdo equilibrado, sendo que a medida dos
esclarecimentos exigíveis deve ser dada pelo critério material da boa fé ante
as circunstâncias do caso.
Na sequência, surge o dever de informação pré-contratual do tomador ou
segurado, o dever de declaração inicial do risco, tratando-se de um encadeado
de deveres de completude, verdade, razoabilidade e proporcionalidade,
destinados a colocar o segurador em condições de conhecimento que lhe
permitam avaliar adequadamente quanto ao risco e, assim, decidir quanto à
sua vinculação contratual e aos respectivos termos, mormente quanto ao
montante do prémio de seguro.
Mas os deveres de informação recíproca da partes perduram por toda a
vida do contrato, designadamente, na fase contratual, quanto a alterações
relevantes do risco – e, por isso, com repercussões no montante do prémio –
ou a participação de sinistros, estando sempre em causa, pois, um desequilíbrio de informação de uma das partes perante a outra, que os respectivos
mecanismos legais, ancorados na boa fé, procuram compensar.
A boa fé impõe-se ainda na relação entre segurador e lesado, âmbito em
que o legislador, nela inspirado e dela se socorrendo, corporiza a sua
preocupação de protecção das vítimas dos acidentes de viação, destacando-se
o princípio da boa fé no quadro dos métodos de avaliação dos danos a utilizar
pelos seguradores, seja em termos de promoção da necessária relação de
transparência, seja em termos de concessão de critério material operativo de
controlo do conteúdo da “proposta razoável” de indemnização a apresentar
pelo segurador ao lesado.
Nesta sede, se a bitola última do carácter “irrazoável” da proposta é
constituída pelo parâmetro “desequilíbrio significativo”, a medida deste é
conferida pelo princípio da boa fé, que permitirá distinguir, em atenção a
cada caso, o que é razoável do que o não é, só podendo ser razoável a
proposta que não conduza a um prejuízo desproporcionado, arbitrário ou
injustificado para o lesado, à vista do dano sofrido.
Ao longo de séculos – desde o Tratado de PEDRO DE SANTARÉM –, o
princípio da boa fé vem inspirando soluções jurídicas no âmbito do contrato
de seguro, assumindo-se como fonte de conformações voltadas para a Justiça
contratual, património jurídico em que se ancoram as soluções positivadas
145
pelo legislador actual, o que não impede que tal princípio, para além da sua
importância na interpretação, aplicação e integração das normas nele inspiradas, possa, na sua aptidão comunicadora de valores e princípios essenciais,
continuar a ser fecundo campo de novas soluções.
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ÍNDICE
SIGLAS E ABREVIATURAS ...........................................................................................
v
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................
1
Capítulo I – O contrato de seguro, sua origem e evolução histórica .......................
11
Capítulo II – Noção e características do contrato de seguro ......................................
21
1. Noção de contrato de seguro .....................................................................................
2. Características do contrato de seguro .....................................................................
2.1. Caracterização em geral ..........................................................................................
2.1.1. Contrato consensual quanto à forma .........................................................
2.1.2. Contrato de adesão .........................................................................................
2.1.3. Contrato oneroso .............................................................................................
2.1.4. Contrato bilateral ............................................................................................
2.1.5. Contrato aleatório ...........................................................................................
2.1.6. Contrato sob a significativa influência do princípio da boa fé .........
2.1.7. Contrato típico .................................................................................................
3. Caracterização do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade
civil automóvel ............................................................................................................
3.1. Contrato obrigatório .................................................................................................
3.2. Contrato de natureza pessoal .................................................................................
3.3. Síntese conclusiva: noção proposta de contrato de seguro obrigatório
de responsabilidade civil automóvel ..................................................................
21
23
24
24
25
26
26
27
27
29
Capítulo III – Elementos essenciais do contrato de seguro ........................................
1. Os sujeitos ......................................................................................................................
2. As obrigações dos sujeitos .........................................................................................
3. O objecto contratual ....................................................................................................
32
33
33
36
Capítulo IV – Princípios e tendências do direito material dos seguros ..................
1. O princípio da individualização do risco ..............................................................
45
45
30
30
30
31
155
2. O princípio indemnizatório .......................................................................................
3. O princípio uberrima bona fides .............................................................................
4. O princípio da tipicidade dos meios de defesa do segurador ..........................
47
48
50
Capítulo V – A tipicidade no contrato de seguro ..........................................................
52
1. Imperatividade no contrato de seguro em geral ..................................................
1.1. A imperatividade absoluta ...............................................................................
1.2. A imperatividade relativa .................................................................................
2. Imperatividade no contrato de seguro obrigatório de responsabilidade
civil automóvel ............................................................................................................
52
54
55
Capítulo VI – A protecção do consumidor de seguros ................................................
60
Capítulo VII – A protecção do tomador de seguros nos contratos de adesão ......
66
57
Capítulo VIII – O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel .......... 83
1. Origem e evolução legal ............................................................................................. 83
2. Âmbito de garantia do seguro obrigatório automóvel ...................................... 84
2.1. Limitação da cobertura aos danos materiais e corporais ........................ 84
2.2. A noção de terceiros .......................................................................................... 85
2.3. Critérios subjacentes às exclusões da garantia do seguro ...................... 87
3. A acção directa no âmbito do seguro obrigatório automóvel .......................... 96
4. A tipicidade dos meios de defesa do segurador .................................................. 101
Capítulo IX – A boa fé no seguro obrigatório automóvel .......................................... 113
1. A boa fé na relação pré-contratual de seguro ...................................................... 113
2. A boa fé na relação contratual de seguro .............................................................. 130
3. A boa fé na relação entre segurador e lesado ...................................................... 135
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 140
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 146

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