Abscesso hepático_1997.p65

Transcrição

Abscesso hepático_1997.p65
C O M O
D I A G N O S T I C A R
E
T R A T A R
Orlando Jorge Martins Torres
Professor assistente de Clínica Cirúrgica da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mestre
em Clínica Cirúrgica e coordenador do Programa de
Residência Médica em Cirurgia Geral da UFMA.
Walquíria Lemos Ribeiro da Silva
Residente de Clínica Cirúrgica da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA).
Osvaldo Malafaia
Professor titular e coordenador do Curso de PósGraduação em Clínica Cirúrgica da Universidade
Federal do Paraná, níveis Mestrado e Doutorado.
Trabalho realizado no Serviço de Clínica Cirúrgica
do Hospital Universitário da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA) - São Luís - MA.
Endereço para correspondência:
Orlando Torres - Rua Ipanema, 1 - Ed. Luggano B1 I/204 - São Francisco - CEP 65076-060 São Luís - MA.
ABSCESSO
HEPÁTICO
RESUMO
Hepatic abscess
Unitermos: abscesso hepático, fígado, abscesso.
Uniterms: hepatic abscess, liver, abscess.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
Abscesso hepático piogênico e
amebiano são entidades raras que
ameaçam a vida. A sobrevivência do
paciente depende do diagnóstico precoce e tratamento imediato. Vários fatores, incluindo os mais novos métodos de imagem, agentes amebicidas,
antibióticos, melhores técnicas de drenagens, cuidados anestésicos, cirúrgicos e de pós-operatório, têm melhorado a sobrevida de pacientes com
abscesso hepático. Os autores fazem
uma revisão do tratamento do abscesso hepático, com particular interesse
à incidência, etiologia, patogenia, meios diagnósticos e avanços terapêuticos.
COMO DIAGNOSTICAR E TRATAR
ABSCESSO HEPÁTICO
INTRODUÇÃO
A primeira descrição de abscesso
hepático foi feita por Bright, em 1836(7).
A partir daí, a mortalidade tem diminuído e a incidência parece ter aumentado. Em 1938, Oschner(22) observou
que 0,0008% dos pacientes hospitalizados apresentavam abscesso hepático, enquanto que Branum e col., em
1990, registrou uma incidência de
0,022%(6). Isto pode ser atribuído, entre outros fatores, ao aumento de recursos diagnósticos como ultra-sonografia e tomografia computadorizada
nos anos 70, bem como as mudanças
no padrão etiológico, particularmente
quando relacionado a abscesso hepático piogênico.
A frequência do abscesso amebiano tem mostrado alterações similares.
Enquanto o abscesso piogênico predomina claramente em países desenvolvidos, o abscesso amebiano constitui menos de 2%(4,15). Este é mais frequente em países em desenvolvimento. No passado, o abscesso hepático
piogênico ocorria principalmente em
homens e com elevada incidência em
pacientes jovens ou naqueles entre a
terceira e quarta década de vida. Atualmente, a doença predomina no idoso e sem particularidades por sexo.
Esta mudança aparente pode ser devido à diminuição da importância da
apendicite aguda como fator etiológico e ao aumento das neoplasias e
doenças debilitantes complexas, contribuindo para abscesso hepático em
pacientes idosos(14,17,31).
ETIOLOGIA
Abscesso piogênico
Os fatores responsáveis por abscesso hepático piogênico são registrados na Tabela 1(2,6). Estes abscessos
são frequentemente de causa primária
conhecida. Antes da era dos antibióticos, a causa primária era infecção abdominal, particularmente apendicite
TABELA 1
Etiologia do abscesso hepático piogênico(2,6)
Etiologia
%
Doença biliar extra-hepática
Benignas
Malignas
47
Infecção abdominal
Apendicite, perfuração intestinal, sepse
12
Contiguidade
Lesão gastroduodenal (úlcera perfurada), cólon e vesícula biliar
5
Tumores hepáticos primários e metastáticos
16
Infecção hepática primária
Trauma e cisto infectado
9
Desconhecida (criptogênica)
5
Trauma hepático extenso
3
Hematogênica
Endocardite, pneumonia, abscesso perinéfrico, infecção urinária,
tuberculose miliar
3
TABELA 2
Patogênese do abscesso hepático(12,19)
Patogênese
Localização
Infecção
Bactéria
Circulação portal
Lobo D > E
Infecção abdominal
Polimicrobiana
gram+ e gram-
Biliar ascendente
Ambos lobos
difuso/múltiplo
Colangite/obstrução
Único organismo
E. coli
Circulação arterial
Qualquer lobo
geralmente único
Infecção sistêmica
bacteriana
Único organismo
S. aureus
Criptogênica
Lobo D > E
Desconhecida
Único organismo
anaeróbio
B. fragilis
aguda, diverticulite e infecção pélvica.
A via de infecção era o sistema venoso portal onde se desenvolve a pileflebite. Outras lesões na área portal que
causavam abscesso hepático piogênico eram hemorróidas infectadas, abscesso entre o estômago e o reto. Embora a bacteremia portal seja comum
em retocolite ulcerativa e enterite regional, abscessos hepáticos raramente ocorrem nestas lesões(3,6,10,17,19).
A mudança na etiologia ocorreu em
parte devido ao tratamento antibiótico
para infecção abdominal e ao aumento da incidência de doença biliar no
paciente de meia-idade e no idoso.
Quando o abscesso hepático ocorre
após cirurgia biliar, a causa é invariavelmente iatrogênica. Os abscessos
secundários à colangite ascendente
são geralmente múltiplos devido a distribuição uniforme do agente infeccio-
COMO DIAGNOSTICAR E TRATAR
ABSCESSO HEPÁTICO
so no sistema biliar ductal. Infecções
dentro dos órgãos drenados pela circulação portal são dependentes de
doenças subjacentes. Infecção por
contiguidade para o fígado por perfuração biliar ou do trato gastrointestinal
(úlcera perfurada) ocorre em 5% a 10%
dos casos, enquanto o trauma hepático direto é menos frequente e ocorre
por tratamento inadequado e presença de tecido desvitalizado. O comprometimento das defesas do hospedeiro tem sido implicado no desenvolvimento do abscesso criptogênico e provavelmente representa papel principal
na etiologia da maioria dos abscessos.
Embora o sangue venoso portal humano seja geralmente estéril, a
bacteremia portal transitória pode ocorrer. Abscessos hepáticos têm sido
registrados em crianças com leucemia
ou outros distúrbios imunológicos, e
diabetes mellitus tem sido notada em
15% dos pacientes adultos(5,10,11).
Abscessos hepáticos únicos gigantes são encontrados no lobo hepático
direito e a maioria deles no segmentos
póstero-superior próximo à cúpula diafragmática. Infecções no trato gastrointestinal drenado pela veia mesentérica superior teoricamente predispõem a
abscesso no lobo hepático direito, enquanto infecções esplênicas e do cólon esquerdo originam abscessos localizados no lobo hepático esquerdo. Abscessos piogênicos múltiplos são observados em 40% dos casos e se originam de infecção biliar ascendente ou
bacteremia sistêmica (Tabela 2)(12,19).
Abscesso amebiano
O abscesso hepático amebiano
ocorre devido a infestação por Entamoeba histolytica, protozoário mais
frequentemente encontrado em climas
tropicais e associado com precárias
condições sanitárias. Os cistos contendo parasitas permanecem nas fezes humanas e podem sobreviver por
períodos prolongados. Os cistos são
ingeridos através de água e alimentos
contaminados. A ameba invade o sistema porta através da parede intestinal, indo para o fígado onde os trofozoítos causam necrose celular. A coalescência de múltiplas áreas de necrose focal leva ao desenvolvimento
do abscesso hepático. A lesão é usualmente solitária e envolve mais frequentemente o lobo direito do fígado.
Entretanto, múltiplos abscessos podem ocorrer em casos avançados. O
abscesso é envolto por uma fina camada de tecido de granulação(25,26,28).
BACTERIOLOGIA
As bactérias mais frequentemente
identificadas no abscesso hepático
piogênico são demonstradas na Tabela 3(1,2,3,6). Uma avaliação acurada da
população microbiana dos abscessos
hepáticos tem sido prejudicada pela
coleta inadequada da amostra, técnicas de transporte e meios de cultura
impróprios. Embora virtualmente todos
os organismos patogênicos possam
ser identificados, há um predomínio da
flora entérica, com a Escherichia coli
sendo identificada em 25% a 30% dos
casos. Streptococus sp. gram-positivos e Staphylococcus aureus são ob-
TABELA 3
Microrganismos observados no
abscesso hepático piogênico(1,2,3,6)
Bactéria
%
Escherichia coli
20,0
Streptococcus sp.
11,2
Klebsiella enterobacter
6,4
Staphylococcus aureus
9,4
Bacteróides
8,0
Pseudomonas aeruginosa
3,2
Flora mista
20,0
Estéril
16,8
Proteus vulgaris
2,5
Clostridium
2,5
servados em aproximadamente 20%
cada. Staphylococcus aureus e Escherichia coli são encontrados mais
frequentemente em cultura pura, o primeiro alcançando o fígado por via hematogênica e o último, por infecção
ascendente dentro do sistema biliar
ductal. Infecção polimicrobiana é observada na maioria dos casos em que
o antecedente de infecção tem origem
dentro da área de drenagem do sistema venoso portal(18,31).
A incidência de cultura estéril tem
diminuído significantemente a partir do
momento em que técnicas de cultura
se tornaram disponíveis. Nos primeiros registros da literatura, a incidência
de cultura estéril era de 38%. Relatos
mais recentes mostram uma incidência de 7% a 13%. Os anaeróbios têm
sido mais reconhecidos como responsáveis pela formação do abscesso
hepático, com incidência de 13% a
20%. A verdadeira incidência de abscesso hepático por anaeróbios pode
ser mais elevada, pois em muitos estudos nenhuma técnica de cultura para
anaeróbio era realizada ou, quando
realizada, era inadequada. Os
anaeróbios contribuem para o desenvolvimento de abscesso piogênico
quando a infecção é criptogênica ou
quando a origem é dentro da circulação venosa portal. Uma explicação
similar para anaeróbios tem sido proposta para abscessos formados por
neoplasias em que há diminuição do
potencial de oxirredução, propiciando
um meio adequado para proliferação
de anaeróbios. Os organismos anaeróbios mais frequentes encontrados
em abscesso hepático piogênico são
estreptococos anaeróbio e microaerófilo, Fusobacterium necrophorum, F.
nucleatum, Clostridium sp, Bacteroides fragilis e Actinomyces sp. Floras
mistas de origem intestinal são comuns em infecção biliar e sistema porta e os anaeróbios são parte desta flora. As características que indicam a
presença de infecção por anaeróbio
COMO DIAGNOSTICAR E TRATAR
ABSCESSO HEPÁTICO
incluem secreção purulenta com odor
fétido, morfologia única de organismos
vistos na coloração pelo Gram, ausência de crescimento na cultura aeróbica e presença de gás na cavidade do
abscesso(3,20,28).
DIAGNÓSTICO
Pacientes com abscesso hepático
piogênico ou amebiano apresentam
sinais e sintomas mais ou menos similares.
Abscesso hepático piogênico
A maioria dos pacientes se apresenta com menos de três semanas
entre o início da infecção e o desenvolvimento dos abscessos. Entretanto, 30% dos pacientes podem apresentar sintomas que se iniciaram de seis
semanas a um ano. As queixas mais
comuns são febre, dor, calafrios, sudorese e icterícia. Outros sintomas que
podem também ser observados são
perda de peso, anorexia, náuseas,
vômitos, indisposição, fraqueza, diarréia com muco e sangue, constipação,
ascite, desorientação, hepatomegalia,
atelectasia e derrame pleural. A febre
pode apresentar-se em qualquer padrão. A tradicional oscilação febril de
40-41ºC é observada em 30% a 40%
dos casos. Pode ser remitente, intermitente ou contínua, dependendo do
tipo de abscesso e do organismo envolvido. O padrão clássico em “cerca
de estaca”, descrito por Price e col.(23),
não tem sido muito observado. A dor é
frequentemente confirmada no quadrante superior direito sobre a área
hepática, geralmente intensa e constante, devido a congestão hepática.
Menos frequentemente pode ser localizada em todo abdome, lado direito do
tórax, dorso ou epigastro. É agravada
com a inspiração profunda e à percussão. Esses sintomas são mais pronunciados no abscesso amebiano. Icterícia pode ser observada em 20% a 40%
dos pacientes, principalmente quando
secundária a doença biliar. Pode estar
associada a colangite supurativa, indicando prognóstico desfavorável(21,26,27).
Os achados mais comuns de exames físicos são a dor à percussão, que
pode ser observada em até 95% dos
pacientes, e hepatomegalia dolorosa
em até 85% dos casos. Eliason(12) observou sensibilidade dolorosa sempre
presente sobre a décima costela na
linha axilar média(12,27).
Abscesso hepático amebiano
Os mesmos achados clínicos podem ser verificados, com exceção da
curva febril mais observada no abscesso piogênico. Os pacientes podem
referir história de viagens nas últimas
quatro a seis semanas ou clínica prévia de amebiase intestinal com diarréia ou disenteria, observado em até
30% dos pacientes. O tempo decorrido entre a infestação intestinal e o
desenvolvimento de abscesso hepático varia de 4 a 12 semanas e não é
influenciado pela severidade da infecção. Icterícia pode ser observada em
até 60% dos pacientes. Estes podem
apresentar ainda alterações à ausculta do pulmão, massa epigástrica, choque, esplenomegalia e ascite. Embora o número e a localização dos abscessos variem, estes em geral são
únicos e ocorrem no lobo direito, próximo à cúpula frênica no segmento
póstero-superior ou na superfície inferior, próximo à flexura hepática do cólon(4,6,15,26). As principais complicações
observadas em pacientes com abscesso hepático são os abscessos subfrênico e subepático, peritonite generalizada, insuficiência hepática, hemorragia, hemobilia, empiema e sepse.
EXAMES LABORATORIAIS
A maioria dos pacientes com abscesso hepático apresenta leucocitose
de aproximadamente 15000 a 20000/
mm3. Entretanto, um terço dos paci-
entes com abscesso piogênico não
apresentam leucocitose e, em casos
fatais, 50% deles não exibem leucocitose. Anemia moderada e severa está
presente em pacientes graves e é mais
marcada em abscesso piogênico de
longa duração. Hemoglobina varia de
7% a 14%. Em relação à função hepática, observa-se hipoalbuminemia que,
quando severa (abaixo de 2g/dl), indica mau prognóstico. A hiperbilirrubinemia sugere icterícia obstrutiva indicativa de obstrução biliar ou colangite
ascendente. As aminotransferases
apresentam elevação moderada e não
são específicas; os testes de função
hepática em geral não diferenciam o
abscesso piogênico do abscesso
amebiano. Bacteremia está presente
em mais de 50% dos casos onde a
cultura é realizada e, quando presente, o conhecimento do componente
bacteriano pode ajudar na etiologia e
seleção do regime antibiótico adequado(3,6,11).
Testes sorológicos são utilizados
nos diagnósticos do abscesso amebiano do fígado. O mais utilizado é o teste
de hemaglutinação indireta por ser
mais sensível, com até 95% de positividade (títulos acima de 1:64). Estes
títulos podem persistir por 6 a 12 meses. O teste não é específico para
abscesso hepático amebiano e sim
para amebíase invasiva, intestinal ou
extra-intestinal. Pacientes com abscesso piogênico e amebíase invasiva
podem apresentar testes sorológicos
positivos(3,14,15).
ESTUDO DE IMAGEM
As mais frequentes observações
radiológicas são elevação e alteração
do contorno da cúpula diafragmática
direita com restrição respiratória. Compressão segmentar e atelectasia com
reação pleural, derrame ou empiema
no pulmão direito podem ser observados em até 80% dos pacientes. Estes
achados podem ser observados oca-
COMO DIAGNOSTICAR E TRATAR
ABSCESSO HEPÁTICO
sionalmente no pulmão esquerdo se o
abscesso envolver grande parte do
lobo hepático esquerdo(15,18). Radiografia simples do abdome em duas incidências demonstra sombra hepática
alargada no abdome superior direito
devido à hepatomegalia. A presença
de ar nas vias biliares em pacientes
não operado confirma o diagnóstico de
colangite ascendente com etiologia do
abscesso hepático. Deslocamento lateral e inferior do intestino delgado e
cólon pode ser observado na radiografia simples e no enema baritado(3,6).
O exame ultra-sonográfico tem sido
utilizado de rotina em pacientes com
suspeita de abscesso hepático, e lesões de 2 cm podem ser observadas
no parênquima. Como o centro desses
abscessos contém fluídos, eles apresentam aparência de cistos de parede
espessa com margem central irregular e debris. Não tem sido observada
diferença confiável entre abscesso
amebiano e piogênico. O diagnóstico
pode ser positivo em até 95% dos pacientes(5,20,21).
A tomografia computadorizada tem
se tornado um importante e valioso
método diagnóstico para detecção de
lesões que ocupam espaço. A detecção de abscessos ou cistos são geralmente inequívocos se únicos ou
múltiplos e com até 0,5 cm de diâmetro. Essas lesões são geralmente bem
definidas devido a sua baixa densidade tecidual quando comparadas ao
parênquima hepático normal(20,21).
Estudo com radioisótopos é um
método que pode definir a extensão e
funcionalidade do tecido hepático e
distinguir entre abscesso e massas
associadas de outra natureza. A angiografia nem sempre é realizada rotineiramente, porém tem provado ser útil
no diagnóstico de abscesso hepático(20,21). A ressonância nuclear magnética tem surgido como importante meio
para identificar lesões hepáticas, incluindo abscessos, com a vantagem
sobre a tomografia por proporcionar
informações úteis sobre a anatomia
venosa hepática(20,21).
Quando comparamos a ultra-sonografia com a tomografia computadorizada, observamos que a ultra-sonografia apresenta acurácia de 80% a 90%
e pode diferenciar, em algumas situações, o abscesso amebiano por demonstrar paredes lisas, ecos internos
menos densos circundados por tecido
normal, contiguidade com a cápsula
hepática e ligeira intensificação sônica
distal. Pode ainda distinguir lesões císticas e sólidas identificadas pela tomografia. Esta apresenta vantagens
sobre a ultra-sonografia por detectar
lesões de até 0,5 cm, acurácia de 90%
a 95% e, quando disponível, deve ser
o procedimento de escolha para pacientes com suspeita de abscesso hepático(6,20,21).
A aspiração é um procedimento
técnico que pode ser perfeitamente
empregado para assegurar o diagnóstico de abscesso hepático, guiado por
ultra-sonografia ou tomografia. Esta
técnica deve ser reservada para pacientes com suspeita de abscesso amebiano em que os dados sorológicos não
contribuem para o diagnóstico ou existe contaminação bacteriana secundária. Pode ser também utilizada para
diferenciar um abscesso de ou forma
de lesão que ocupa espaço quando as
técnicas menos invasivas não foram
bem-sucedidas(14,31).
TRATAMENTO
O tratamento do abscesso hepático varia com a etiologia, tipo de abscesso, localização e ocorrência de
complicações. Pacientes com supuração hepática podem apresentar-se
toxêmicos, anêmicos e desidratados.
A correção destas alterações são fundamentais no tratamento. A drenagem
da coleção purulenta combinada com
antibioticoterapia sistêmica é a base
para o tratamento de abscesso hepático. Antibioticoterapia pré-operatória
deve ser iniciada em todos os pacientes que serão submetidos à cirurgia.
Abscesso hepático piogênico em que
o agente etiológico suspeitado é anaeróbio, metronidazol ou clindamicina e
gentamicina são as drogas de escolha. Preferimos tratar abscessos hepáticos piogênicos solitários por um
período mínimo de um mês. Em colangite supurativa os pacientes devem
ser tratados por até seis meses(9,11,18).
A escolha do antibiótico é feita de
acordo com o conhecimento clínico do
microrganismo mais comum do abscesso hepático. Aproximadamente
60% dos casos se originaram de infecção dentro do sistema de drenagem
portal e ducto biliar, nos quais a bactéria gram-negativa entérica e organismos gram-positivos estão invariavelmente envolvidos. As bactérias anaeróbicas são também encontradas com
frequência no trato alimentar. A combinação de antimicrobianos geralmente garante o tratamento até que a identificação bacteriana definitiva esteja
disponível. Cefalosporina com atividade contra organismos anaeróbios combinada com aminoglicosídeos é uma
associação inicial satisfatória. Metronidazol associado a aminoglicosídeo
e cefalosporina de primeira geração
pode ser utilizado quando não se conhece a origem do abscesso. O metronidazol tem a vantagem adicional
de proporcionar tratamento para
Entamoeba hystolitica e deve ser incluído como regime inicial quando há
suspeita de abscesso amebiano(5,18,20,29).
A administração de antibióticos
deve ser continuada por período prolongado para ajudar na erradicação de
infecção invasiva residual na área do
abscesso e para tratar pequenas coleções hepáticas coexistentes não diagnosticadas e antecedentes de infecção focal. O uso sistêmico prolongado é especialmente garantido quando
os abscessos hepáticos são múltiplos. O tempo exato de terapia antibi-
COMO DIAGNOSTICAR E TRATAR
ABSCESSO HEPÁTICO
ótica deveria ser individualizado com
base no número de abscessos, resposta clínica e toxicidade do regime
terapêutico. Pacientes com abscessos
de origem biliar, múltiplos, devem receber, no mínimo, quatro a seis semanas de antibioticoterapia. Inicialmente, o antibiótico deve ser utilizado parenteralmente. Naqueles pacientes que
necessitam de curso prolongado de antibióticos, os agentes orais apropriados podem ser usados após duas a
quatro semanas de terapia sistêmica.
Rubim e col.(26) tratam seus pacientes
por três a quatro semanas quando o
abscesso é totalmente excisado, quatro a oito semanas quando é somente
drenado e seis a oito semanas quando múltiplos abscessos macroscópicos estão presentes e são drenados.
A razão para terapia prolongada é não
somente para impedir recorrência ou
complicações, mas para erradicar infecção focal antecedente(14,29,31).
A antibioticoterapia utilizada como
única forma de tratamento leva em
geral ao insucesso. Entretanto, quando existem microabscessos e a disseminação bacteriana difusa está presente no fígado, a única alternativa é
o uso de antibioticoterapia sistêmica,
pois estes múltiplos pequenos abscessos são impossíveis de serem drenados cirurgicamente e raramente são
bem localizados. Níveis bactericidas
de antibióticos não atingem os grandes abscessos e, portanto, o índice
de mortalidade para infecção macroscópica não drenada dentro do fígado é
de 100%(31,32).
Além do uso sistêmico de antibióticos, outra conduta utilizada de rotina
nos abscessos hepáticos são as drenagens, que dependem do tamanho,
multiplicidade e localização da infecção, grau de debilidade do paciente e
antecedente de infecção intra-abdominal tratada incompletamente(31,32).
Drenagem cirúrgica
A drenagem extraperitoneal era o
procedimento de escolha antes da era
dos antibióticos, pois se evitava a contaminação da cavidade peritoneal.
Aderências densas entre o fígado e o
peritônio parietal permitem uma abordagem anterior ou posterior através do
leito da 12ª costela sem o temor da
disseminação da infecção. Entretanto,
a exploração transperitoneal com drenagem de toda coleção hepática
piogênica sob proteção pré-operatória
de antibióticos é, atualmente, a abordagem operatória mais frequentemente utilizada. Após exploração abdominal completa, a área de fígado envolvida é isolada do restante da cavidade peritoneal com compressas. O abscesso é geralmente aparente, mas, na
ocasião, aspiração com agulha localiza rapidamente a coleção purulenta e
proporciona material para bacteriologia.
Após evacuação completa, a cavidade deve ser alargada para permitir ruptura de todas as lojas do abscesso.
Uma biópsia deve ser realizada, da
parede do abscesso, para descartar
tumor infectado, necrose e para excluir
trofozoítos de ameba. Cateteres de
sucção macios são colocados dentro
da cavidade e trazidos, por contra-incisão, para a pele, por via peritoneal
mais curta. Este cateter pode ser utilizado para irrigação e realização de
exames radiológicos para avaliação da
regressão. Estes drenos podem ser
removidos gradualmente em três a
quatro semanas. Quando há recorrência do abscesso após drenagem mecânica adequada, invariavelmente significa etiologia incorreta e doença biliar
deve ser investigada. O manuseio definitivo de doença biliar associada é
mandatória antes do tratamento do
abscesso(1,2,23,24).
Drenagem percutânea
A drenagem percutânea direta do
abscesso hepático guiado por ultrasonografia ou tomografia é um procedimento bem-sucedido em 75% a 90%
dos pacientes bem selecionados com
abscesso hepático piogênico, e tem se
tornado uma técnica aceitável quando
clínicos, radiologistas e cirurgiões cooperam na seleção e cuidados com
estes pacientes. Do ponto de vista do
cirurgião, entretanto, pacientes em que
a drenagem percutânea do abscesso
não deve ser empregada inclui aqueles com abscessos múltiplos, atingindo ambos os lobos, infecção intra-abdominal conhecida que necessite de
cirurgia, abscessos de etiologia desconhecida, localização distante da
parede abdominal, pequenos abscessos e presença de ascite. A passagem do cateter também deve ser evitada onde existam estruturas vasculares pelo risco de sangramento subsequente. Infelizmente uma ou mais
destas categorias podem estar presentes em muitos pacientes com abscesso hepático piogênico. A simples aspiração pode ser um método aceitável
para tratamento do abscesso piogênico. Devemos acrescentar que a aspiração com agulha ou a drenagem percutânea deve ser realizada sob condições assépticas, de preferência em
centro cirúrgico. A drenagem percutânea deve ser utilizada preferencialmente em pacientes com risco cirúrgico
elevado(1,8,16,30,34).
Existem diferentes formas de tratamento do abscesso amebiano do fígado. Alguns cirurgiões preferem a punção
drenagem percutânea; entretanto, existem relatos de tratamento medicamentoso isolado. Em nosso ponto de vista,
a drenagem cirúrgica deve ser realizada
sempre que o paciente apresentar condições satisfatórias. Balasegaram observou uma média de internação de 28 dias
para punção percutânea e 12 dias para
os pacientes submetidos a tratamento
cirúrgico. Quase todos os pacientes aspirados necessitaram de aspirações repetidas. Estes pacientes desenvolveram
abscesso subfrênico e abscesso peritoneal(1,8,13,16,30,33,34).
No tratamento cirúrgico, as complicações abservadas, tais como abscesso subfrênico, contaminação peritone-
COMO DIAGNOSTICAR E TRATAR
ABSCESSO HEPÁTICO
TABELA 4
Complicações pós-operatórias em
abscessos hepáticos - 442 pacientes
(27,8%) (3)
Nº de
Complicações
pacientes
Complicações pulmonares
Pneumonite
Atelectasia
Derrame pleural
Empiema
25
15
13
5
Insuficiência hepática
7
Fístula biliar
8
Abscesso subfrênico
15
Hemorragia secundária
6
Diátese hemorrágica
8
Infecção da ferida
22
do tratamento dos abscessos hepáticos são mostradas na Tabela 4(1,2,3,6,13).
As complicações são observadas
em 15% a 35% dos pacientes e muitas podem estar presentes antes do
tratamento e contribuir para resultado
pós-operatório. As complicações pulmonares podem ser tratadas com antibióticos ou drenagem torácica. Outras intercorrências são manuseadas
de forma conservadora com reposição
hidroeletrolítica, antibióticos e correção
das alterações dos fatores de coagulação. A mortalidade varia de 5% a
35% e está diretamente relacionada às
condições associadas antes do tratamento(17,18,21,28).
SUMMARY
al, hemorragia e peritonite biliar, são
limitadas. A intervenção cirúrgica é
mandatória nas seguintes situações:
pacientes que não respondem ao tratamento clínico, apesar de repetidas
aspirações ou terapia amebicida, presença de abscessos múltiplos, dúvida diagnóstica ou presença de carcinoma associado, lesões situadas abaixo da reborda costal, abscessos de
lobo esquerdo do fígado e abscessos
recorrentes(1,23,24,30,34). O tratamento clínico complementar dos abscessos
amebianos deve ser realizado com
metronidazol ou tinidazol. Este último
parece ter melhor efeito terapêutico
com mais rápido e completo alívio de
sinais e sintomas que o metronidazol.
PROGNÓSTICO
Os abscessos macroscópicos piogênicos não drenados são frequentemente fatais, enquanto que abscessos múltiplos, especialmente quando
associados a obstrução biliar ou infecção polimicrobiana apresentam mortalidade similar. A idade avançada, estado geral comprometido e disfunção
hepática são indicadores do mau prognóstico. As complicações resultantes
Both amebic and pyogenic intrahepatic abscesses are rare, lifethreatening entities. Survival depends on early
diagnosis and prompt treatment. Various factors including newer imaging
modalities, improved amebicidal
agents and antibiotics, availability of
drainage tecniques, and improved anesthetic, surgical, and postoperative
management have improved survival
of patients with hepatic abscess. The
authors present a review of management of hepatic abscess with particular reference to the incidence, etiology,
pathogeneses, recent diagnostic aids,
and therapeutic advancement.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
11. Aeder, M.I.; Well Man, J.L.; Haaga, J.L. &
Hau, T. The role of surgical and percutaneous
drainage in the treatment of abdominal
abscess. Arch Surg 118: 273-280, 1983.
12. Altemeier, W.A.; Schowengerdt, C.G. &
Whitely, D.H. Abscess of the liver: surgical
considerations. Arch Surg 101: 258-266,
1970.
13. Balasegaram, M. Management of hepatic
abscess. Curr Probl Surg 18: 281-340, 1981.
14. Bergamini, T.M.; Larson, G.M.; Malangoni,
M.A. & Richardson, J.D. Liver abscess:
review of a 12 year experience. Am Surg
53:596-599, 1987.
15. Bowers, E.D.; Robison, D.J. & Soberneck,
R.C. Piogenic liver abscess. World J. Surg
14: 128-132, 1990.
16. Branum, G.D.; Tyson, G.S.; Branum, M.A. &
Meyers, W.C. Hepatic abscess: change in
etiology, diagnosis and management. Am
Surg 212: 655-662, 1990.
17. Bright, R. Observations on jaundice: more
particular on that form of the disease which
accompanies diffused inflammation of the
liver. Guys Hosp Rep 1:604-637, 1836.
18. Brolin, R.E.; Flancbaun, L. & Ercoli, F.R.
Limitations of percutaneous catheter
drainage of abdominal abscess. Surg
Gynecol Obstet 173: 203-210, 1991.
19. Chu, K.; Fan S.; Lai E.C.; Lo C. & Wong J.
Pyogenic liver abscess. Arch Surg 131:148152, 1996.
10. Cohen, J.L.; Martin, F.M.; Rossi, R.L. &
Schoetz, D.J. Liver abscess: the need for
complete gastrointestinal evoluation. Arch
Surg 124: 561-564, 1989.
11. Donovan, A.J.; Yellin, A.E. & Ralls, P.W.
Hepatic abscess. World J. Surg 15: 162-16,
1991.
12. Eliason, E.L. Pylephlebitis and liver abscess
following appendicitis. Surg Gynecol Obstet
43: 510-517, 1926.
13. Huang, C.; Pitt, H.A.; Lipsett, P.A.; Osterman,
F.; Lilemoe, K.; Cameron, J. & Zuidema, G.D.
Pyogenic hepatic abscess. Changing trends
over 42 years. Ann Surg 223: 600-609, 1996.
14. Kinney, T.D. & Ferrebe, J.W. Hepatic
abscess: factors determining it localization.
Arch Pathol 45: 41-47, 1948.
15. Klatchko, B.A. & Schwartz, S.I. Diagnostic
and therapeutic approaches to pyogenic
abscess of the liver. Surg Gynecol Obstet
168: 332-336, 1989.
16. Kraulis, J.E.; Bird, B.L. & Coapinto, N.D.
Percutaneous catheter drainage of liver
abscess: an alternative to open drainage. Br
J. Surg 67:400-402, 1980.
17. Lee, K.T.; Sheen, P.C. & Chen, J.S. Pyogenic
liver abscess: multivariate analysis of risk
factors. World J Surg 15:372-377, 1991.
18. Mc Donald, W.P. & Howard, R.J. Pyogenic
liver abscess. World J Surg 4:369-380, 1980.
19. Matthews, J.B.; Gertsch, P.; Baer, H.U. &
Blumgart, L.H. Hepatic abscess after biliary
tract procedures. Surg Gynecol Obstet 170:
469-475, 1990.
20. Miedema, B.W. & Dineen, P. The diagnosis
and treatment of pyogenic liver abscess.
Ann Surg 200:328-335, 1984.
21. Northover, J.M.; Jones B.J.M.; Dawson, J.L.
& Williams, R. Difficulties in the diagnosis
and management of pyogenic liver abscess.
Br J Surg 69:48-51, 1982.
22. Ochsner, A.; Debakey, M. & Murray, S.
Pyogenic abscess of the liver: an analysis
of forty-seven cases with review of the
COMO DIAGNOSTICAR E TRATAR
ABSCESSO HEPÁTICO
literature. Am J Surg 40: 292-319, 1938.
23. Pitt, H.A. Surgical management of hepatic
abscess. World J Surg 14: 498-504, 1990.
24. Pitt, H.A. & Zuidema, G.D. Factors influencing
mortality in the treatment of pyogenic hepatic
abscess. Surg Gynecol Obstet 140:228234, 1975.
25. Price, J.E.; Joseph, W.L. & Mulder, D.G.
Diagnosis and treatment of intrahepatic
abscess. Ann Trop. Med Parasitol 63: 139146, 1967.
26. Ribaldo, J.M. & Ochsner, A. Intrahepatic
abscess: amebic and pyogenic. Am J. Surg
125:570-574, 1973.
27. Robert, J.H.; Mirescu, D.; Ambrosetti, P.;
Khoury, G. & Rohner, A. Critical review of
the treatment of pyogenic hepatic abscess.
Surg Gynecol Obstet 174:97-102, 1992.
28. Rubin, R.H.; Swartz, I. & Malt, R. Hepatic
abscess: changes in clinical, bacteriological
and therapeutic aspects. Am J Med 57: 601607, 1974.
29. Sabbaj, J.; Sutter, V.L. & Finegold, S.M.
Anaerobic pyogenic liver abscess. Ann Int
Med 77: 629-638, 1972.
30. Sheinfeld, A.M.; Steiner, A.E. & Rivkin, L.B.
Transcutaneous drainage of abscess of the
liver guided by computed tomography scan.
Surg Gynecol Obstet ISS: 662-664, 1982.
31. Sherman, J.D. & Robbins, S.L. Changing
trends in the casuistics of hepatic abscess.
Am J. Med 28: 943-950, 1960.
32. Stain, S.C.; Yellin, A.E.; Donovan, A.J. & Brien,
H.W. Pyogenic liver abscess: modern
treatment. Arch Surg 126:991-996, 1991.
33. Torres, O.J.M.; Duarte, J.N.L.; Servin,
S.C.N.; Servin, S.O.N.; Santos, K.M.V. & Silva, J.R.S. Tratamento do abscesso hepático amebiano por punção percuntânea guiado por ultra-sonografia. XIV Jornada de
Parasitologia e Medicina Tropical do
Maranhão. São Luís - 1996.
34. Wong, K.P. Percutaneous drainage of
pyogenic liver abscess. World J Surg 14:
492-497, 1990.

Documentos relacionados

Abscesso anorretal

Abscesso anorretal durante a primeira visita do escritório, é imperativo observar que um abscesso anorretal pode ser a primeira apresentação de um câncer anorretal, além disso, os pacientes com doença anorretal crôni...

Leia mais

Complicações Cirúrgicas das Infecções Bacterianas Intracranianas

Complicações Cirúrgicas das Infecções Bacterianas Intracranianas O desenvolvimento de novas técnicas de diagnóstico por imagem e de novos antibióticos tem reduzido a morbidade e a mortalidade de infecções intracranianas, mas as infecções bacterianas ainda consti...

Leia mais

abscessos cervicais

abscessos cervicais infecções. Pode ser dividido pelo processo estilóide em dois compartimentos: o pré-estilóide (anterior, ou muscular) contém linfonodos, gordura, músculo, tecido conectivo e o lobo profundo da parót...

Leia mais