Nei Lopes 12/02/2014 Ler a materia

Transcrição

Nei Lopes 12/02/2014 Ler a materia
Meu Lote
Blog sobre música, literatura e cultura negra mantido pelo
compositor, escritor, intérprete e palestrante Nei Lopes
DORINA, ELIANA, FABIANA
Publicado em 12/02/2014
A ordem é meramente alfabética, pois as três ocupam na minha visão e no meu coração o
mesmo lugar reservado às mulheres que admiro. Dorina, pela capacidade de criar
possibilidades; Eliana pela de se reinventar; Fabiana pela fé serena e inabalável.
Neste carnaval, Dorina, cantora e radialista, sai às ruas do nosso subúrbio com um bloco
chamado “Mulheres de Zeca”, prestando um tributo ao Pagodinho, vizinho de Irajá e amigo,
com quem dividiu muitas mesas de pagode no tempo das vacas menos gordas. E o faz depois de
outra sincera homenagem, talvez mais profunda e menos efêmera, que é o CD “Sambas de
Luiz”; no qual traz a público boa parte do melhor de Luiz Carlos da Vila, em criações
exclusivas, sem parceria. Nesse registro, Dorina reafirma em quatorze belas obras, toda a carga
de emocionalidade desse poeta refinadíssimo, numa antologia rara por sua beleza e seu
significado, mais perceptível ainda por quem conviveu, pelo menos um pouco, com o “Menino
da Vila”, como o chamava nosso Compadre Felipão, autoproclamado o “Negro de 200 anos”.
CD – Dorina – ‘Sambas de Luiz’ (2013)
Felipão floresceu para nós no Quilombo, de Candeia, experiência que nos aproximou também
de Eliana Pittman que, no reduto, formava uma espécie de trio de ouro (ou de ébano) com a
antropóloga Lélia Gonzaga e a atriz Jacira Silva, saudosas amigas.
Eliana é cantora das boas. Mas vem se reinventando como atriz. E que atriz! Só quem já viu a
serie “Preamar”, na TV por assinatura, pode entender do que estamos falando. Atriz de
expressões, olhares, gestos e falas perpassados de nuances incrivelmente sutis, coadjuvante
roubando cenas de ótimos atores, artista que faz a gente até esquecer a estereotipia de seu
personagem: empregada doméstica de família burguesa, conselheira e confidente – mas sem ser
“mammy”, “preta-velha”, “tia-nastácia”. Muito pelo contrário! A sua “Da Guia” é bonita,
suave, digna e real demais para ser um clichê.
Série “Preamar” – Eliana Pittman ‘Da Guia’
E chegamos a Fabiana – Fabiana Cozza, diva “afro-italobrasileira” de Sampa. Íntima dos
orixás lucumís e jeje-nagôs, ela ultrapassa fácil a legião de cantoras que, ano passado, botaram
um “adé” de conchas na cabeça e uma lei de incentivo debaixo do braço pra “saravá” Clara
Nunes. Porque Fabiana não “sarava”; “mojuba”. E como “mojubar” não é simplesmente
salvar, saudar e, sim, inclinar-se respeitosamente ante a grandeza infinita dos Ancestrais e
Forças Espirituais que nos protegem e conduzem os destinos, ela saiu-se airosamente em seus
objetivos. O projeto “Canto Sagrado: uma homenagem a Clara Nunes” contempla um DVD
primoroso e um belo CD com o mesmo repertório. Dos dois, elegemos o DVD, suporte
completo onde a teatralidade da bela e poderosa Fabi (“nascida por graça de Ifá”) faz passear
sua voz privilegiada, seu corpo e sua arte interpretativa.
CD/DVD – Fabiana Cozza – ‘Canto Sagrado’ (2013)
Pois é isto. A irracionalidade está lá fora explodindo seus rojões. E aqui no Lote (onde “rojão”
é apenas um estilo de baião popularizado por mestres afrodescendentes como Jackson do
Pandeiro e Ari Lobo), reina a paz e a espiritualidade transmitidas por essas três grandes
mulheres: Dorina, Eliana e Fabiana.