Reabilitação pós-cirúrgica do ombro
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Reabilitação pós-cirúrgica do ombro
Reabilitação pós-cirúrgica do ombro MARCO ANTONIO CASTRO VEADO 1, WALACE FLÓRA2 RESUMO O PROGRAMA DE REABILITAÇÃO Os autores apresentam um programa de reabilitação aplicado nas cirurgias do ombro, de forma individualizada para os diferentes procedimentos cirúrgicos. Esse programa caracteriza-se por encaminhamento precoce à fisioterapia, com mobilização articular passiva iniciada logo após o ato cirúrgico, seguida de exercícios isométricos, ativos e proprioceptivos, e finalmente exercícios ativo-resistidos. Os resultados têm sido mais satisfatórios, com redução do tempo de reabilitação, diminuição da incidência de rigidez articular e maior participação do paciente. O presente artigo é uma comunicação provisória, pois terá um follow-up de dois anos, para que sejam testados os equívocos, ainda não detectados, e/ou os limites do protocolo proposto. O ombro é uma estrutura capaz de realizar movimentos de mais de 180 graus em alguns planos, graças aos movimentos coordenados das várias articulações que o compõem, e possui a maior liberdade de movimento do corpo humano. Por essa razão, alguns preferem a denominação de complexo do ombro (3), para se referirem às articulações verdadeiras (glenumeral, acromioclavicular e esternoclavicular) e mecanismos articulares (escapulotorácico, subacromial e bicipital). Qualquer distúrbio em uma dessas articulações, ou nesses mecanismos de deslizamento, pode afetar a coordenação rítmica, acarretando prejuízos a toda a cintura escapular(4). O ombro está sujeito à rápida instalação de um quadro de rigidez e atrofia muscular no período pós-operatório. É um complexo articular que precisa constantemente equilibrar duas forças aparentemente incompatíveis(3): mobilidade e estabilidade. Com o volume cirúrgico crescente em nosso serviço, deparamo-nos com o problema da demora no tempo de recuperação dos pacientes operados. Apesar da correta prescrição dos exercícios pós-operatórios, o encaminhamento à fisioterapia se fazia tardiamente e ainda havia um hiato de tempo consideravelmente grande até a admissão no Serviço de Fisioterapia, devido à grande demanda existente. Outro fator agravante é a tendência dos pacientes, mesmo que previamente orientados, a não realizar movimentos com o membro operado e a mantê-lo junto ao corpo. Isto ocorre particularmente com os de meia-idade, os mais idosos e aqueles psicologicamente deprimidos. Com o objetivo de prevenir a instalação de uma capsulite adesiva, que sabemos pode ocorrer em poucas semanas após a cirurgia, e promover mais rapidamente a reabilitação, passamos a adotar um programa de tratamento que conta desde o início com a participação efetiva do fisioterapeuta. O programa adotado só se tornou factível devido ao bom entrosamento existente entre o fisioterapeuta e o cirurgião. As informações passadas pelo médico ao fisioterapeuta acerca do ato cirúrgico e aquelas que recebe dele a respeito de SUMMARY Post-surgical rehabilitation of the shoulder The authors present a rehabilitation program to be used in shoulder surgery as an individual basis, in different surgical procedures. The program is based on early start of physiotherapeutic treatment, with passive articular movements being introduced immediately after surgery, followed by isometrical, active and proprioceptive exercises. Eventually dynamic resistance exercises are used. The results have been satisfactory, with a reduction of the rehabilitation time, a reduction of articular stiffness, and a better participation of the patient. This paper is a previous communication because there is less than 2 years of follow-up. Afterwards, the pitfalls will be checked, as well as the limits of the proposed program. 1. Prof. da Clín. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. Univ. São José, da Fac. de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG; Ortop. do Hosp. Mater Dei, Belo Horizonte, MG. 2. Prof. Assist. de Fisioter. do Hosp. Univ. São José e do Ambulat, Central, da Fac. de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. Rev Bras Ortop - Vol. 29, Nº 9- Setembro, 1994 661 M.A.C. VEADO & W. FLÓRA Fig. 1 Movimentos pendulares em decúbito ventral Fig. 2 Elevação passiva em decúbito dorsal todo o processo de tratamento fisioterápico contribuem sobremaneira para o sucesso. O paciente interna-se um dia antes do previsto para a operação e recebe a visita do fisioterapeuta, que lhe ensina os exercícios a serem realizados no período de hospitalização e presta esclarecimentos adicionais sobre o processo de reabilitação a que se submeterá posteriormente. Em muitos casos, o paciente já esta familiarizado com as técnicas fisioterápicas, pois já terá cumprido longo período de tratamento antes da cirurgia, como é comum nos casos de síndrome do (11) impacto graus I e II e nas instabilidades atraumáticas . Cerca de doze horas após o ato cirúrgico, além da visita do cirurgião, o paciente tem a presença do fisioterapeuta, que inicia o trabalho de reabilitação. A tipóia é retirada e são aplicadas compressas de gelo por 20 a 30 minutos, seguindose exercícios ativos de flexoextensão de cotovelo e punho e elevação anterior passiva do membro, em duas sessões diárias. A participação do paciente é de fundamental importância na realização das técnicas auto-assistidas de mobilização. A elevação anterior passiva é sempre realizada nos primeiros dias com o paciente em decúbito dorsal e com o cotovelo fletido, pois dessa maneira diminui-se o braço de alavanca e pode-se contar com a colaboração da gravidade a partir de 90 graus, dando mais segurança ao paciente, facili(4) tando assim o movimento . Os exercícios pendulares em 662 Fig. 3 – Rotação externa passiva com o uso de bastão Fig. 4 – Exercício isométrico de rotação externa decúbito ventral ou de pé são de grande valia para aliviar a dor, através do relaxamento por tração das estruturas envol(3) vidas, permitindo mobilidade articular mais precocemente (fig. 1). Os exercícios passivos são instituídos precocemente vi(5,9) sando manutenção e/ou restauração da mobilidade . Exercícios devem ser vistos como potencialmente nocivos, bem como de grande utilidade na reabilitação do ombro, dependendo de como são prescritos, devendo-se portanto utilizá-los com bastante cautela. Removido o dreno, estando o paciente bem instruído em relação aos exercícios autopassivos, e com elevação anterior de amplitude em torno de 120 graus e rotação neutra, é dada alta hospitalar. Isso ocorre, em geral, em 48 horas (figs. 2 e 3), exceto aos submetidos a artroplastia, que permanecem mais tempo internados. Após a alta hospitalar, o paciente já terá seu lugar garantido no Serviço de Fisioterapia, quando dará continuidade imediatamente ao trabalho iniciado no hospital, sempre acompanhado pelo monitor de ombro e supervisionado pelo fisioterapeuta. Precedendo a mobilização passiva, o programa terapêutico terá a cada sessão exercícios de relaxamento da cintura escapular e alongamento do trapézio, visando man(7) ter o ritmo escapulotorácico e o abaixamento do ombro . O programa terapêutico será acrescido de exercícios isométricos leves, logo na lª semana, dependendo do proce(3,12) dimento cirúrgico . Essa conduta, além de prevenir atrofia muscular e dar aporte sensorial proprioceptivo, aumenta a força muscular sem movimento articular, eliminando o agra(3) vamento dos sintomas pela atividade dinâmica (fig. 4). Nos reparos do manguito rotador, evitamos exercícios isométricos para os rotadores externos e abdutores, até por volta da 6ª semana, tempo aproximado de cicatrização dos (11) tendões . Rev Bras Ortop - Vol 29, N° 9- Setembro, 1994 REABILITAÇÃO PÓS-CIRÚRGICA DO OMBRO Nas capsuloplastias para as instabilidades, os isométricos para abdutores e rotadores externos são iniciados precocemente, sendo que, para os rotadores internos, somente após a 4ª semana. Vale ressaltar que a mobilização passiva, nestes casos, só pode ultrapassar 45 graus de abdução e 20 graus de rotação externa (9) após a 6ª semana . Nas instabilidades multidirecionais, os exercícios de fortalecimento são prescritos com cautela, começando somente aos três meses com exercícios isométricos le(6,8) ves . Nas artroplastias par- Fig. 5 – Elevação passiva com o cotociais pós-fratura cominuti- velo estendido, em posição ortostática va do colo do úmero, permitimos isométricos suaves para o deltóide e manguito. A rotação externa passiva deve ser lenta e delicada, respeitando o limite ditado no ato cirúrgico. Movimentação ativa nunca a deve iniciar-se antes da 8 semana, tempo mínimo exigido para a consolidação das tuberosidades na região metafisária do úmero proximal. Nos casos em que o paciente não for capaz sequer de realizar contrações isométricas, um recurso terapêutico coadjuvante muito útil será a estimulação elétrica mioexcitante, cuja utilização dar-se-á pelo período estritamente necessário para que ele consiga contrair voluntariamente, o que ocorre após quatro a cinco aplicações. Na seqüência do processo de reabilitação do paciente operado, haverá maior complexidade na realização dos exercícios j por volta do 10° dia. Estando o paciente mais confiante e com menos dor, poderá fazer o exercício de elevação anterior passiva com o cotovelo estendido. Por volta do 15° dia, já sentado ou de pé, deverá fazer esse mesmo exercício em plano paralelo ou inclinado (fig. 5). A dor é um parâmetro da maior importância no segmento do processo de reabilitação. Sua continuidade deve ser reavaliada sempre que este sintoma reaparecer ou agravarse. Rev Bras Ortop – Vol. 29, N° 9 – Setembro, 1994 Fig. 6 – Exercícios de resistência dinâmica com o uso de tensor elástico. Os rotadores externos, rotadores internos, deltóide anterior e lateral, bíceps e trapézio são reabilitados. O gelo deve ser continuamente usado durante todo o processo de reabilitação, antes e após os exercícios, por seus efeitos analgésicos e principalmente antiinflamatórios, prevenindo aderências secundárias à presença de edema. A associação de calor profundo (ultra-som) e massagens é de grande valia para manter a cicatriz cirúrgica móvel e indolor. Diatermia de ondas curtas ou microondas geralmente são aplicadas sobre ombros que persistem difusa e inespecificamente dolorosos, mas somente após a 3ª semana, quando já houve redução do edema. Outra medida analgésica usada rotineiramente é a estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS), que precede o início de todas as seções de tratamento, enquanto houver sintoma de dor. A programação terapêutica deve ser seguida no domicílio pelo paciente, que fará uso de gelo e exercícios leves, de curta duração e pouca repetição, algumas vezes ao dia. Nas acromioplastias, interrompemos o uso da tipóia por volta da 3ª semana, quando permitimos a movimentação ativa global leve do ombro, exceto nos casos em que não conseguimos uma sutura segura do deltóide no acrômio. Adotamos conduta semelhante nas luxações acromioclaviculares. Por volta da 6ª semana, nas acromioplastias, e, mais tarde ainda (8ª a 10ª semanas), nos reparos de manguito, artroplastias, capsuloplastias anteriores e osteossínteses do úmero proximal, introduzimos exercicios de resistência dinâmica com o tensor elástico. Visam enfatizar o balanço de forças objetivando corrigir qualquer diferença biomecânica exis(8) tente (fig. 6). Ressaltamos que nas instabilidades multidirecionais os exercícios com tensor elástico só são introduzidos após seis meses. Nesse momento, o paciente deve estar sem dor e com ADM completa ou quase completa. Utilizamos esquema de exercícios de baixa tensão e número mode(5) rado de repetições . A elevação gradual da tensão aumentando primeiramente a distância do braço de alavanca e posteriormente a largura do tensor tem por objetivo ganhar, progressiva e lentamente, resistência muscular, preparando o paciente para retornar às atividades rotineiras. 663 M.A.C. VEADO & W. FLÓRA dução faz-se simultaneamente ao início da movimentação ativa, através do uso de bolas (fig. 8), e segue até que esteja restabelecido o equilíbrio de forças, ao final do processo de reabilitação. CONCLUSÃO Fig. 7 – Exercícios de alongamento da cintura escapular Fig. 8 – Exercício de estimulação proprioceptiva Mobilização passiva e alongamentos da cintura escapular devem sempre preceder os exercícios ativos resistidos, pois contribuem para a manutenção da ADM e de flexibili(2,5) dade (fig. 7). Os mecanismos de lesão, durante o exercício ativo, devem ser prevenidos, evitando-se produzir isquemia da zona crítica do tendão do supra-espinhoso durante a adução extrema, ou reproduzir inadvertidamente os mecanismos de im(10) pacto durante a abdução . Com a posição de partida sempre de 15 graus de flexão-abdução, o arco de movimento ideal para trabalho ativo esta entre 15 e 75 graus, tanto para elevação anterior, quanto para abdução. A progressão segue uma seqüência que começa com os rotadores, avança para os flexores e termina com abdutores e adutores, que são realizados em outros planos de movimento que têm tendência a (1) estressar o manguito . Os músculos escapulotorácicos são subseqüentemente solicitados para promover um balanço de força e ativação sincronizada. Um componente importante de nossa rotina de reabilitação pós-cirúrgica do ombro é a estimulação proprioceptiva. Ela contribui sobremaneira para a conscientização do movimento e do esquema corporal, ao mesmo tempo que dá o (5) aporte sensorial necessário à proteção articular . Sua intro- 664 O êxito dos procedimentos cirúrgicos do ombro deve-se a quatro princípios básicos: 1) Escolha cuidadosa do paciente, que deve estar bastante motivado e cooperativo; 2) Esclarecimentos ao paciente, pela equipe interdisciplinar, quanto ao seu prognóstico e tempo de reabilitação. 3) Técnica apurada, entrosamento entre o cirurgião e o fisioterapeuta e um início precoce do processo de reabilitação; 4) Reavaliações constantes e a curtos períodos, pelo cirurgião. REFERÊNCIAS 1. Butters, K. & Rockwood, C.A.: Office evaluation and management of the Shoulder Impingement Syndrome. Orthop Clin North Am 19: 41, 1988. 2. Connoly, J. & Regen, E.: The management of the painful, stiff shoulder. Clin Orthop 84: 97, 1972. 3. Donatelli, R.: Fisioterapia del hombro, lr ed., Barcelona, Editorial JIMS, 1989. 4. Hawkins, R. &Abram: Impingement syndrome in the absence of rotator cuff tear. Orthop Clin North Am 18: 3, 1987. 5. Kisner, C. & Colby, L.A.: Exercícios terapêuticos. 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