Kretzmann - Mateus
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Kretzmann - Mateus
O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS INTRODUÇÃO O apóstolo e evangelista Mateus é o autor do primeiro evangelho sinótico. Era um publicano. Chamava-se Levi, e era filho de Alfeu. Exercia seu ofício, antes de sua conversão, em ou perto da cidade de Cafarnaum, Mt.10.3. Estava assentado na exatoria, quando Jesus o chamou, Mt.9.9; Mc. 2.14-15; Lc.3.27-29. Não há dúvida, quanto à identidade do antigo publicano Levi com o posterior apóstolo Mateus, quando se compara as passagens paralelas, como também o costume dos judeus de, por ocasião de algum evento importante na vida, adotar um novo nome. Cf.At.4.36; 12.12;13;9. Está evidente, através de todo este evangelho, que o autor foi um judeu-cristão da Palestina, cuja familiaridade com o método romano de coletar impostos indica para um conhecimento pessoal do trabalho dos publicanos. Mateus nunca foi alguém distinto no círculo dos apóstolos. Era quieto e sem ostentação. Um discípulo feliz na companhia de seu Senhor. Somente tanto é registrado de sua atividade depois da ascensão de Cristo, que ele esteve empenhado como missionário entre os judeus da Palestina. A tradição diz que ele passou seus últimos anos da vida na proclamação do evangelho na Etiópia e outros países gentios, e que morreu em idade avançada. O objetivo do evangelho segundo Mateus está indicado, quase, em cada seção do livro. Escreveu para seus concidadãos. Não, porém, na língua hebraica ou aramaica, como alguns têm pensado12), mas em grego que, naqueles dias, era a língua comum do oriente. Seu alvo foi mostrar a gloriosa culminação do tipo e da profecia do Antigo Testamento, ou seja, provar que Jesus Cristo, o filho de Davi, o rebento do tronco de Jessé, é o Messias prometido. Mostrar que toda a vida, sofrimento, morte e ressurreição de Cristo é o cumprimento da Antiga Aliança. Fornecem abundante evidência disso, tanto a tabela genealógica que estabelece a reivindicação que Jesus é o filho de Davi, como a referência contínua ao Antigo Testamento, e a freqüente repetição da frase “para que se cumprisse”. Este é o fato principal que o autor deseja imprimir em seus ouvintes. No que se refere à data do evangelho, vê-se do capítulo 27.8 e 28.15, que foi escrito algum tempo depois do acontecimento dos fatos neles escritos. Também parece evidente, que foi composto antes da destruição final de Jerusalém. Pois, o autor, sem dúvida, teria feito, no evento referido, referência ao cumprimento da profecia de Cristo sobre a ruína daquela cidade. Relatos antigos dizem, que o evangelho de Mateus foi o primeiro a ser escrito, sendo sugerida, com algum grau de plausibilidade, a data de 60 AD. O fato que a posterior e final atividade missionária de Mateus não lhe permitiam o tempo para um trabalho literário, torna possível que ele o escreveu enquanto ainda vivia na Palestina, compondo-o em Jerusalém. A autenticidade deste evangelho não pode ser colocada em dúvida. Considerações históricas e textuais sustentam, não só a autoria de Mateus, mas também que este livro faz parte do cânon e pertence aos escritos inspirados da Bíblia. Podemos estar seguros que temos hoje o evangelho tal como Mateus, um dos apóstolos do Senhor, o escreveu e na mesma forma em que o redigiu pela inspiração do Espírito Santo 1 2 Veja Schaller, Book of Books, § 180. O conteúdo do evangelho pode ser resumido, brevemente, como o que segue. Mateus apresenta, antes de tudo, uma narrativa breve do nascimento e da primeira infância de Jesus. Segue, então, um relato do ministério do Senhor que foi introduzido com o batismo de João. O evangelista dedica a maior parte do seu evangelho ao trabalho do Senhor na Galiléia. Nesta época ele treinou seus discípulos para o trabalho da pregação do evangelho do reino, o que, por fim, trouxe sobre ele o ódio sempre crescente dos judeus, em especial dos seus líderes. Na segunda parte do evangelho há um relato detalhado da última jornada do Salvador para Jerusalém, dos seus últimos sermões e milagres, dos seus sofrimentos, morte e ressurreição. O evangelho finaliza com o notável comando missionário do Senhor e de sua promessa confortadora: “Eis, que estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos”. Capítulo 1 A Genealogia Legal de Cristo. Mt.1.1-17. v.1.Livro da genealogia de Jesus Cristo, Filho de Davi, filho de Abraão. Este é o título, ou legenda, que Mateus coloca no cabeçalho de seu livro. Todo o evangelho é um livro da genealogia de Jesus Cristo, no sentido em que os judeus, em geral, empregavam a expressão em situações semelhantes. Significa uma narrativa dos acontecimentos mais importantes na vida duma pessoa, relatados de maneira mais ou menos breve, Gn.2.4;5.1;6;9;37.2; Nm.3.1. O evangelista apresenta a história do nascimento, dos feitos, sofrimento, morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo. Mas os primeiros versículos são uma genealogia no sentido mais restrito do termo. Apresentam uma lista dos antepassados legais de Cristo, por meio do padrasto José que era um herdeiro legítimo do reino, o que também era uma idéia que interessava sumamente aos judeus cristãos. Mateus chama a Jesus o filho de Davi, que foi o rei da idade de ouro do povo judeu. A promessa do Salvador, finalmente, foi restrita à sua família, 2.Sm.7.12-13; Sl.89.3-4; 132.11; Is.11.1; Jr.23.5. Cristo foi profetizado sob o próprio nome “Davi”, Ez.34.2324; 37.24-25. “Filho de Davi” era o título oficial que os judeus aplicavam ao esperado Messias, Mt.9.27; 12.23;21.9. Por autoridade profética, haviam sido conduzidos a esperá-lo sob esta designação. Mas, também, deveria despertar a atenção e conservar o interesse dos cristãos de origem judaica, saber que o Cristo, que Mateus proclamava, era o filho de Abraão. Pois, eles sabiam que o pai de sua raça recebera a promessa do Senhor: “Em ti e na tua semente serão benditas todas as nações da terra”, Gn.12.8; 18.18; 22.18. Por esta razão, ele se refere somente a estes dois pais, tendo em vista que, neste povo, a promessa de Cristo foi feita somente a estes dois. Mateus, por isso, enfatiza as promessas feitas a Abraão e Davi, porque ele tem uma intenção definida em relação a esta nação, querendo, como herdeiros da promessa, influenciálos, num modo agradável, a aceitar o Cristo que lhes foi profetizado, e a crer que Jesus a quem haviam crucificado, foi este homem”3. . 3 ) v.2-16: 2) Abraão gerou a Isaque; Isaque, a Jacó; Jacó, a Judá e a seus irmãos; 3) Judá gerou de Tamar a Perez e a Zera; Perez gerou a Esrom; Esrom, a Arão; 4) Arão gerou a Aminadabe; Aminadabe, a Naassom; Naassom, a Salmom; 5) Salmom gerou de Raabe a Boaz; este, de Rute gerou a Obede; e Obede, a Jessé; 6) Jessé gerou ao rei Davi; e o rei Davi, a Salomão, da quie fora mulher de Urias; 7) Salomão gerou a Roboão; Roboão, a Abias; Abias, a Asa; 8) Asa gerou a Josafá; Josafé, a Jorão; Jorão, a Uzias:9) Uzias gerou a Jotão; Jotão, a Acaz; Acaz, a Ezequias; 10) Ezequias gerou a Manasses; Manasses, a Amom; Amom, a Josias; 11) Josias gerou a Jeconias e a seus irmãos, no tempo do exílio em Babilônia, Jeconias gerou a Salatiel; e Salatiel, a Zorobabel; 13) Zorobabel gerou a Abiúde; Abiúde, a Eliaquim; Eliaquim, a Azor; 14) Azor gerou a Sadoque; Sadoque, a Aquim; Aquim, a Eliúde; 15) Eliúde gerou a Eleazar; Eleazar, a Mata; Mata, a Jacó; 16) E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo. Em três secções, em que cada uma tem quatorze membros, que retrocedem até Abraão que é o pai dos fiéis, são relacionados os progenitores de José. Nenhuma pessoa, já nascida neste mundo, podia gabar-se de uma ancestralidade direta mais elevada ou ilustre, do que Jesus Cristo. Estavam representados, nesta lista, os ofícios real, sacerdotal e profético em toda sua glória e esplendor. “São Mateus escreve seu evangelho numa maneira sumamente magistral, e faz três distinções dos pais de que Cristo procedeu: quatorze patriarcas, quatorze reis e quatorze príncipes. Há três vezes quatorze pessoas, como o próprio Mateus os chama. De Abraão a Davi, incluídos os dois, são quatorze pessoas ou membros. De Davi ao cativeiro babilônico novamente quatorze membros;... E do cativeiro babilônico a Cristo há também quatorze membros”4 . Uma comparação cuidadosa da lista, tal como dada aqui, e o relato encontrado no Antigo Testamento, 2.Cr.22.-26, mostra uma discrepância sem importância. Pois, Acazias, Joás e Amazias seguiram após Jorão , antes de Uzias. A explicação desta dificuldade se encontra no fato que Mateus pegou as genealogias tal como as encontrou nos repositórios públicos judaicos que, mesmo que corretas no principal, em algumas partes eram diferentes. Mas a omissão dos três reis não trouxe conseqüências ao argumento do evangelista, que consistia em mostrar a descendência legítima de José, o pai adotivo de Jesus, e, por isso, do próprio Jesus, numa linha ininterrupta, de Davi e Abraão. “Que necessidade há para muitas palavras? O próprio Mateus mostra suficientemente que não desejou enumerar as gerações com correção judaica, e, assim, estimular a dúvida. Pois, quase à moda judaica, coloca três vezes quatorze membros de pais, de reis e príncipes mas, com noção proposital, omite três membros da segunda secção, como se dissesse: As tabelas genealógicas, realmente, são devem ser desprezadas, mas a coisa principal reside nisso que Cristo é prometido através das gerações de Abraão e Davi” 5. Outra dificuldade está no versículo onze, onde Josias é citado como pai de Jeconias, quando foi seu avô, 1.Cr.3.14-16. A solução é encontrada, ou na referência à exposição feita acima que mostra que Mateus fez uso duma contradição deliberada, visto que os judeus tinham o costume de estender a denominação “pai” também ao avô; ou podemos adotar a leitura marginal que está baseada em alguns manuscritos gregos: “Josias gerou a Jaquim, e Jaquim gerou a Jeconias”. Isto também 4 2)Lutero11.2344. Lutero, 7.7. 5 forneceria o décimo quarto membro desta secção, a não ser que incluamos Jesus neste grupo. De maneira semelhante, ainda que Jeconias não tinha irmãos mencionados nas Escrituras, seu pai os tinha, e não é em nada incomum encontrar parentes mais afastados sendo referidos deste modo, Gn. 28.13; 31.42; 14.14; 24.27; 29.15. “Não se deve supor que o evangelista estivesse preocupado que algum elo na linha tivesse sido omitido. Sua única preocupação era tornar certo que nenhum nome aparecesse que não pertencesse a esta linha”6 . Outro fato interessante: São mencionadas somente quatro mulheres nas tabelas, e, destas, duas eram originalmente membros de nações gentias – Raabe e Rute – e duas eram adúlteras – Tamar e Bate-Seba. Também é de observar, que a última não é citada pelo nome, sendo a referência tanto uma delicadeza como uma censura. Dos reis e príncipes, que Mateus enumera, havia alguns velhacos muito maus, como lemos no livro dos Reis. Deus, no entanto, permitiu-lhes que entrassem e fossem tão preciosos que ele quis nascer deles. Ele também não descreve nenhuma mulher piedosa. As quatro mulheres mencionadas eram consideradas como velhacas e ímpias pelo povo, e consideradas mulheres más, como Tamar que recebeu Perez e Zera de Judá, o pai de seu esposo, como está escrito em Gn.38.18. Raabe é chamada prostituta, Js.2.1. Rute era uma mulher gentia, Rt.1.4. Ainda que fosse piedosa na honra, visto que não se lê algo de mau sobre ela, no entanto, porque era uma gentia, ela era desprezada qual cachorro pelos judeus e considerada como uma indigna diante do mundo. Bate-Seba, a mulher de Urias, foi uma adúltera antes que Davi a tomasse por mulher e gerasse dela a Salomão, 2.Sm.11.4. Sem dúvida, todas elas são enumeradas para que nós pudéssemos ver o quanto quis espelhar a todos os pecadores, e que Cristo foi enviado a pecadores e quis nascer de pecadores. Sim, quanto maior o pecador, tanto maior o refúgio que teriam com o misericordioso Deus, Sacerdote e Rei. Ele é nosso irmão, em quem e em nenhum outro, somos capazes de cumprir a lei e receber a graça de Deus. Ele, para isto, veio do céu, e de nós não deseja mais do que isto, que permitamos que ele seja o nosso Deus, Sacerdote e Rei. Então tudo será bom e claro. Somente por ele nos tornamos filhos de Deus e herdeiros do céu 7. A tabela de Mateus finda com as palavras, v. 16a: “E Jacó gerou a José, marido de Maria”. Este fato, e as circunstâncias adicionais em Lucas cap.3, que tem uma lista bem diferente dos ancestrais de Jesus, precisam ser considerados como prova positiva de que temos em Mateus a genealogia de José, o pai adotivo de Jesus. Por isso, o objetivo do evangelista foi, sem dúvida, apresentar Jesus em seu nascimento, como filho legal de José, esposo de Maria, e, como tal, sendo o herdeiro legítimo do trono de Davi. José foi, perante a lei, o pai de Jesus. Todos os seus direitos e privilégios foram, em vista do seu nascimento e descendência, pela lei transferidos ao seu filho. José, enquanto vivia, continuou no seu papel de antepassado paterno legal de Jesus, Mt.13.35; Jô.6.42. Desta maneira o nome e a posição de Jesus, especialmente durante seu ministério, estavam acima da censura, Dt.23.2, e a sua pretensão de ser o herdeiro da linhagem de Davi, estava sobre bases sadias, até aos olhos dos obstinados defensores da lei.Observem a fraseologia cuidados empregada por Mateus nesta sentença, v.16b: “Maria, da qual nasceu Jesus”. O Salvador não foi gerado dos dois, como de pais naturais, mas só de Maria. Desta maneira o evento que Mateus está por relatar, está colocado fora do curso da natureza, para além do nível da compreensão humana. O nome de seu filho é Jesus, segundo a realização da grande obra para a qual ele veio ao mundo – a salvação da humanidade. E ele é chamado o Cristo, que tem exatamente o mesmo significado como o hebraico Messias – o Ungido de Deus. Era o seu título oficial, segundo o seu ofício triplo, como o legítimo descendente de Davi, que a genealogia mostrou dele. Só ele é, acertadamente, chamado o Cristo, acima de todos os seus companheiros segundo a carne. Ele é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores. O grande Rei que com seu poder onipotente governa o universo inteiro, e que reina nos corações dos seus seguidores com sua misericórdia benigna. Ele é o Profeta, maior do que Moisés, que tem uma mensagem divina de verdade e amor e graça para todas as pessoas. Ele é o grande 6 7 Expositor’s Greek Testament, 1.63. Lutero, 11.2346. Sumo Sacerdote, que, em seu próprio corpo e pelo derramamento do seu próprio santo e precioso sangue, fez plena propiciação pelos pecados do mundo inteiro. É esta a introdução de Mateus ao seu evangelho. Concluindo esta genealogia, que imediatamente coloca Jesus o Cristo no centro diante das mentes e corações de seus leitores, ele dá um resumo breve, de acordo com as divisões da história judaica, V.17: De sorte que todas as gerações desde Abraão até Davi, são catorze; desde Davi até ao desterro para a Babilônia, catorze; e desde o desterro de Babilônia até Cristo, catorze. Os três períodos representam, respectivamente, as três formas de governo que os judeus tiveram: A teocracia, a monarquia e a hierarquia, tendo juizes, reis e sacerdotes em sua liderança. Mas, casualmente, a mesma divisão resume a sorte de Israel. Primeiro veio a época do crescimento lento mas constante, com todas as manifestações do zelo do primeiro amor e fervor a Deus, que culminou no reinado de Davi. Após veio o período do declínio lento e a desintegração gradual, introduzido com o reinado luxurioso de Salomão e caracterizado pelo conflito contínuo e desvantajoso com a idolatria. E por fim veio o período duma igreja restaurada, mas internamente arruinada, duma ortodoxia morta e dum ritualismo insípido. Se neste contraste algo se ressalta, é isto, que a redenção foi desejada intensa e urgentemente. O Anúncio a José e o Nascimento de Jesus – Mt.1.18-25. V.18a: Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim, escreve o evangelista. A referência não diz respeito tanto ao real processo de gerar, como à idéia geral de origem. Foi desta forma que o Messias assumiu a natureza humana, tomando sobre si mesmo a forma da nossa carne pecaminosa. Como Filho de Deus, ele não teve começo mas está desde a eternidade no seio do Pai, Jo.1.18. Como ser humano, ele teve princípio. E o evangelista relata esta origem, V.18b: Estando Maria, sua mãe, desposada como José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Maria havia entrado numa promessa de casamento ou num contrato nupcial com José. Ela havia concordado com o casamento, ou havia empenhado sua palavra a José que desta forma estava preso a ela pela sua promessa de noivado. Enquanto Maria estava neste compromisso com José, e depois que lhe dera seu penhor de ser sua prometida noiva, ela ainda vivia em sua própria casa ou na de seu pa.i. Era regra, que se passava algum tempo antes que uma noiva virgem era dada formalmente em casamento e levada à casa de seu esposo, Dt.20.7; Jz.14.7-8; 15;1-2. Neste ínterim, não ocorria a coabitação, ainda que o contrato matrimonial fosse legal e obrigatório. Foi, no tempo antes da celebração das núpcias, que Maria esteve grávida dum filho. Sua situação não era só delicada, mas a mais angustiante e humilhante que podia cair sobre o destino duma jovem pura. Mesmo sabendo que era inocente, até mesmo da menor transgressão, e inteiramente convicta do fato que sua situação era devida unicamente ao agir sobrenatural do Espírito Santo, ela, ainda assim, podia esperar que ninguém acreditaria em sua defesa, caso tentasse faze-lo. “Nada, a não ser a mais plena consciência de sua própria integridade, e a mais firme confiança em Deus, podiam suporta-la numa situação, em que estavam em jogo a sua reputação, sua honra e sua vida” 8. José mostrou-se em tudo, nesta situação crítica, como um verdadeiro cristão deve ser, V. 19: Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixa-la secretamente. Incapaz de acreditar na inocência dela, diante das evidências que eram maiores do que a força duma pessoa comum, ele, ainda assim, achou uma saída deste dilema tão difícil. Como esposo prometido em casamento, tinha os direitos e as responsabilidades dum esposo. E ele era um homem justo, reto e respeitador da lei a qual, em relação ao assunto da infidelidade da mulher, era muito rija e descomprometedora, Dt.22.22-24. José, porém, não desejava expor Maria publicamente, e, desta maneira, amontoar sobre ela ignomínia e vergonha. Pois, ela era a mulher a quem ele votara o amor 8 Clarke, Commentary, 5.39. de um esposo. Sua humanidade e bem-querer, isto é, seu afeto, haviam sido postos num teste severo. Mas o resultado da sua avaliação do caso foi, não tomar medidas rigorosas, antes, resolveu cancelar secretamente o laço do noivado, sem dar qualquer motivo para tanto, para que a vida dela fosse salva. A justiça havia sido temperada com a misericórdia. Foi neste ponto que Deus interferiu em favor da mãe de seu Filho, conforme a sua humanidade, V.20: Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. A mente de José, ainda, estava ativamente envolvida com o embaraçoso problema. Estava lutando com pensamentos dolorosos, angustiantes e confusos, e, talvez, seu expediente tão bondoso, até lhe parecia duro demais. Mas eis! Uma manifestação vívida dum anjo, para enfatizar a intervenção de Deus. A visão veio a José num sonho, para salvar a ele a sua noiva duma ação que teria dado em conseqüências desastrosas. A aparição dum anjo num sonho era um dos métodos usados por Deus para tornar conhecida a sua vontade, ou para, em casos especiais, revelar o futuro. O anjo se dirige a José: “José, filho de Davi”, não para lhe despertar o humor heróico, como foi sugerido, mas para enfatizar o pensamento do reconhecimento da adoção legal da criança. Ele não devia temer levar para casa, de aceitar publicamente, Maria como sua mulher. Esta aceitação singela das palavras do anjo significou para José um ato de fé, semelhante aos realizados pelos grandes heróis do Antigo Testamento, a saber: crer inteiramente no Senhor, apesar de todas as evidências dos sentidos. Este reconhecimento público salvaria a honra de Maria, e, também, da criança. Pois, em vez de ser um fruto dum relacionamento adúltero e licencioso, e o produto duma coabitação muito ímpia, a criança que dela devia nascer era do Espírito Santo, concebida pela deliberada intervenção de Deus agindo contra o curso da natureza. O ponto alto da mensagem do anjo, V.21: Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles. Estava decidido no conselho de Deus: Ela dará à luz uma criança; ela se tornará mãe, não só por uma intervenção sobrenatural em que Deus dará nova vida a órgãos que já haviam passado da idade de conceber, como aconteceu com Sara e Isabel, Gn.18.10-14; Lc.1.7,13,18, mas por uma maravilhosa suspensão do processo usual da natureza, segundo a qual as pessoas nascem do desejo da carne e do desejo do homem, havendo uma ação ativa de ambos os sexos. José devia dar o nome Jesus a este filho de Maria. Esta é uma ordem na forma duma predição. José, dando à criança este nome, iria reconhecer publica e formalmente adota-la como seu filho legal. O nome da criança deve ser Jesus, mas não como mera denominação para o distinguir de outras pessoas, como no caso do sinônimo hebraico Josué, Nm.13.17; Zc.3.1, mas, como uma expressão da real essência da personalidade divina que era, pela qual seria alcançada a salvação das pessoas . O anjo, por isso, expõe o nome: “Ele salvará o seu povo dos pecados deles”.Este é, resumido numa frase, o fim e o objetivo da sua vinda.Este é o recado e a missão do anjo: Ele, e ninguém outro, só ele, e ele em sua inteireza, salva; ele traz pleno perdão, livre salvação, libertação total, não só da poluição e poder do pecado, mas também da sua culpa; ele traz ao seu povo este benefício inestimável, não somente aos membros de sua nação segundo a carne ou seja ao povo judeu, mas a todos que estão em necessidade um Salvador, Mt.18.11. Esta é a mensagem do evangelho, não que Jesus fez pouco caso do pecado, mas que ele fez sua expiação. Cristo não tolera o pecado, mas ele o destrói. Agora, Mateus junta uma nota explicativa, para mostrar o cumprimento dos tipos e das profecias do Antigo Testamento na pessoa e obra de Cristo, V.22-23: Ora, tudo isto acontece, para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel que quer dizer:Deus conosco! Não foi por um incidente, que tudo ocorreu do modo como o evangelista o registra, mas foi uma ocorrência definitivamente decidida e totalmente planejada, séculos antes, pelo Senhor. Pois, foi ele que falou a profecia através de Isaías, capítulo 7.14. As palavras, como escritas pelo profeta, se referiam a um sinal ou milagre, que o Senhor prometeu ao rei Acaz, para lhe assegurar que os conselhos e planos dos inimigos de Israel não ficariam de pé mas que, finalmente, seriam totalmente frustrados. Dando este sinal, o Senhor teve em mente o Israel espiritual e seus inimigos, sendo o resgate a redenção conseguida pelo Messias. Diante do Deus eterno, o espaço de setecentos anos é como a vigília da noite. Agora o sinal será dado e a profecia seria cumprida.A virgem, não qualquer uma das virgens, mas aquela designada e escolhida por Deus, estando grávida, estava no tempo de dar à luz um filho. E eles, não só seus pais, mas os homens e o povo que o conheceriam, em especial, os que aceitaram sua salvação, chamariam seu nome Emanuel: Deus conosco. Estas palavras se cumpriram no filho de Maria. Seu filho é o próprio Deus. Em sua pessoa o próprio Deus forte, o Senhor onipotente, está conosco, não conforme sua justiça condenatória, mas conforme sua bondade amável e suas ternas misericórdias, Jr.9.6;Jô.1.1,14; 1 Tm.3.16. O resultado da visão Angélica, V. 24: Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor, e recebeu sua mulher. Tão logo que acordou do sono, esteve imediata e decididamente ativo e começou a pôr em prática as instruções divinas. Conduziu Maria para casa como sua esposa. Celebrou o noivado com todas as cerimônias costumeiras dos judeus. Aquela que era sua mulher pelo noivado, recebeu agora esta posição aos olhos de todos. Mas o casamento não foi consumado nesta ocasião, V.25: Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus. José não consumou as relações naturais do casamento com Maria, até que nasceu seu filho, o Messias prometido. É questão discutível, se Maria e José alguma vez viveram juntos no relacionamento conjugal e se geraram filhos. Teólogos da igreja católica e muitos comentaristas protestantes argumentam, com muito ânimo, que o primogênito de Maria foi seu único filho. Alguns asseguraram com um dos pais da igreja, que os “irmãos” de Jesus, citados em várias passagens, Mt.12.46;13;55;Mc;3;31;Lc.8.19; Jô.2. 12; 7.5; At.1.14; Gl.1.14, eram os primos do Senhor, os filhos de Alfeu, irmão de José e de Maria, a mulher de Alfeu, e cunhada (não irmã) da mãe do Senhor. Outro mantiveram que eles eram os meio-irmãos de Jesus, nascidos a José dum casamento anterior. Na verdade, a questão é de somenos importância e não consegue ter significado doutrinário. Não foi por razões históricas, exegéticas ou dogmáticas, mas tão só por motivos de reverência, que homens se sentiram movidos a insistir no alegado fato da perpétua virgindade de Maria.9 O evangelista conclui a narrativa, afirmando que José pôs o nome de Jesus ao filho de Maria, seguindo, assim, a ordem divina, assumindo a paternidade legal da criança e, incidentalmente, expressando sua esperançosa crença no Salvador da humanidade. Sumário: Jesus Cristo, o Filho e herdeiro legítimo de Davi, além do qual sua genealogia pode ser traçada até Abraão, o pai dos fiéis de todos os tempos, foi concebido e nasceu de Maria, a virgem mãe, depois que José, seu pai adotivo, fora instruído por meio duma ,maravilhosa visão angélica quanto à intervenção de Deus. O Nascimento duma Virgem O fato do nascimento duma virgem não foi questionado e as doutrinas consoladoras tiradas dela eram aceitas universalmente, por quase XVIII séculos, depois da ascensão de Cristo e da fundação da igreja cristã. As palavras do Credo Apostólico: “Concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria” eram confessadas e cridas em toda a igreja cristã. Mas a era do racionalismo ou de crer somente o que a razão admite como verdade, trouxe uma nova concepção de criticismo bíblico e causou destruição em nossa doutrina. Certo crítico atacou a idéia duma origem sobrenatural de Jesus e tentou achar uma explanação natural para o caso. Outro declarou que José foi o pai de Jesus. Um terceiro, calmamente, tratou as histórias da natividade de Cristo como mitos. Agindo assim, o relato inteiro da Bíblia foi, rapidamente, 9 Veja Schaller, Book of Books, § 276. desacreditado, sendo negados, tanto o fato do nascimento duma virgem, como a doutrina da necessidade do nascimento inocente do Salvador. É afirmado que o mundo moderno já não pode crer em milagres, e, por isso, não há mais lugar para eles. Esta posição, evidentemente, derruba toda a Bíblia e a história da igreja, estando ambos cheios de milagres. Alguns têm afirmado, que o nascimento duma virgem tem nenhum significado doutrinário, não sendo a base física da existência de Cristo mas o caráter moral e espiritual de sua personalidade que estão envolvidos na redenção. Mas tais afirmações revelam o fato de que eles estão muito bem informados da conecção vital que há entre a doutrina do nascimento duma virgem e a fé na divindade de Cristo. Uma terceira classe de críticos é a favor da explanação mitológica, declarando que lendas e mitos brotaram, em todos os tempos, em relação ao desenvolvimento de todas as religiões. Os próprios críticos, infelizmente, não concordam entre si, assumindo alguns deles uma origem hebraica da história, outros uma grega, e outros uma hindu. Além disso, os exemplos deles são uma escolha muito fraca, sendo assumida, na maioria das vezes, uma paternidade divina por meio dum relacionamento carnal. E um escritor recente mostrou que todas estas teorias são insustentáveis e que não semelhantes, referindo-se, além disso, ao fato que os mitos gentios sobre tais histórias são de um caráter incrivelmente vil e imoral, enquanto que nada consegue ser igual à linguagem simples, casta e convincente da narrativa da Bíblia. O argumento final dos críticos, de que o criticismo histórico e textual provou que houve edições seguidas das histórias do Novo Testamento, e que há a presença de material alheio às fontes essenciais do evangelho, revela a sua ansiosa intenção que querem pôr em prática, a saber destruir a fé dos cristãos bem como a verdadeira história da Bíblia. Apoiemo-nos, para combater estes ataques, nas armas que o próprio Cristo nos indicou, a saber: “Está escrito”. Está claramente escrito, Is.7.14, que o Messias deveria nascer duma virgem. Pois, a palavra hebraica, usada na passagem, tanto pela sua etimologia como pelo emprego, designa, não meramente “uma mulher em idade para casar”, mas um virgem, uma jovem que não conheceu a um homem. O Dr. Stoeckhardt provou este significado, até, na passagem de Pr.30.18-20 10. O nascimento duma virgem é ensinado de modo mais decisivo na passagem acima, Mt.1.20-25, com também em Lc.1.34-35. Ele, além disso, concorda com a profecia de Gn.3.15, onde a Semente só da mulher é citada como o esmagador da cabeça da serpente. Ele encontra sua confirmação total no fato a que São Paulo se refere no modo mais manifesto, quando fala do Filho de Deus, como tendo nascido de mulher, Gl.4.4. À luz destas passagens tão evidentes, temos todas as razões para dizer: “Por isso, os falsificadores são esses homens e críticos estudados e os visionários e os que escrevem lendas, mas não os apóstolos e evangelistas. A sua pesquisa histórico-crítica é pura fraude. Do ponto de vista da sua incredulidade, até, não podem agir diferentemente. É deles a experiência dos judeus. Têm olhos mas não vêem, e ouvidos para ouvir e não ouvem, e eles já receberam a sua recompensa. O diabo lhes agradece por isso” 11. Queremos conservar a doutrina do nascimento duma virgem, como uma parte necessária da nossa fé. Cremos que isto é essencial para uma apreciação total do caráter sobrenatural, sim, divino, do Salvador. “O divino ser, para constituir uma pessoa divino-humana, teve que entrar na profundeza procriadora da humanidade, e selecionar e assumir uma natureza humana, que ele purificou em sua formação, e se unir pessoalmente com ela. Precisou ser osso de nosso osso, carne de nossa carne, alma de nossa alma, a fim de estar organicamente unido com a raça humana. Mas precisou ser a nossa natureza elevada acima de si mesma, separada, purificada, transmutada – uma natureza humana que, de modo muito estranho e misterioso, podia ser 10 11 Der Prophet Jesaias. Die ersten zwoelf Kapitel, 84. Clarke, Commentary, 5.40. Synodalbericht, Mo.Syn., Mich. Dist., 1904.29. ‘tentada em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado’” 12. Cristo “de fato se tornou uma natureza humana real e verdadeira, mas que não foi concebida e nasceu em pecados, como os demais filhos de Adão. Por isso, sua mãe precisou ser uma virgem, que homem nenhum havia tocado, para que ele não fosso concebido e nascesse sob a maldição, mas sem pecado, e para que o diabo não tivesse direito ou poder sobre ele... Celebramos tal misericórdia neste dia, para agradecer a Deus que ele purificou a nossa concepção e nascimento impuros e pecaminosos pela sua concepção e pelo seu nascimento. Assim ele tirou de nós a maldição e nos trouxe a bendição. Nós, por natureza, temos uma concepção e nascimento pecaminosos, mas Cristo tem uma concepção e um nascimento puros e santos. E por meio da sua concepção e do seu nascimento santos são abençoados e santificados a nossa natureza, sangue e carne” 13.O fato da santa humanidade de Cristo, que nos são assegurados pelo seu nascimento duma virgem, fez com que seu ser fosse colocado sob a lei e fê-lo cumprir perfeitamente a lei, e, assim, tornou possível toda a sua obra da redenção. O Compromisso Dum Noivado Legítimo Tendo em vista o fato, que o conceito moderno do laço matrimonial está afundando rapidamente ao nível da idéia gentia em suas manifestações mais imorais, e, tendo em vista que está na ordem do dia brincar com a santidade do laço matrimonial, é necessário enfatizar a visão escriturística do dever dum noivado legítimo, como indicado no texto acima Vv.18-20. Manter que passagens desta espécie só têm valor histórico, e que elas, por isso, só dizem respeito aos judeus, e que suas ordens não são obrigatórias aos cristãos de hoje, é inconsistente com a exigência que, de modo correto, faz da Bíblia a regra do viver como também a norma de doutrina. Entra-se num noivado legítimo, quando um e uma mulher, estando em idade de casar e não estando impedidos por empecilhos da Escritura ou legais, tendo o consentimento expresso ou implícito de seus pais ou responsáveis, e pelo seu próprio consentimento livre e mútuo, prometem um ao outro ser e permanecer marido e mulher em união vitalícia. Esta é a visão escriturística dum noivado legítimo. Um tal noivado, sem tomar em consideração os regulamentos estatais e eclesiásticos dos judeus, é equivalente ao casamento, no que concerne à indissolubilidade do laço matrimonial. Quando Ló foi instado a sair da amaldiçoada cidade de Sodoma, pelos anjos foi enviado a falar aos seus “genros, aos que estavam para casar como suas filhas”. Eles haviam noivado com elas e tencionavam, mais tarde, o casamento, Gn.19.14. Quando Jacó, com a vontade e o consentimento dos pais dos dois lados, Gn.28.2;29.18-19, era noivo de Raquel, filha de Labão, falou dela como de sua “mulher”, mesmo antes que as núpcias haviam sido realizadas, Gn.29.21. Estes dois acontecimentos ocorreram antes que existissem as leis eclesiásticas judaicas. Caso semelhante é o de nossa passagem. Quando Maria estava “desposada com José, sem que tivessem coabitado”, José é chamado seu “esposo”, e ela é chamada a “mulher desposada de José”. Cf. Lc.1.27; Dt.22.22-29;28.30; Os.4.13. Em adição a estas passagens claras e óbvias, temos outra razão para considerar um noivado legítimo como equivalente ao casamento, e isto é por analogia com trechos das Escrituras Sagradas, tanto do Antigo como do Novo Testamento, nas quais se fala da união de Cristo com sua Igreja. Encontramos em todas estas passagens, que os termos “esposado” ou “noiva” (no texto original, o equivalente ao alemão Braut, uma mulher noiva), e “mulher” são usados como sinônimos e de modo totalmente indiscriminado. O grande “mistério” a respeito de Cristo e sua 12 13 Keyser, The Rational Test, 97.98. Lutero 13.2676,2679. Cf. Pieper, Christliche Dogmatik,2.76,77. Igreja, Ef.5.32, perderia seu sentido, caso noivado e casamento, como empregados na Palavra de Deus, não fossem idênticos. “Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor dos Exércitos é o seu nome”, Is.54.5. “Nunca mais te chamarão Desamparada; nem a tua terra se denominará jamais: Desolada; mas chamar-te-ão: Minha-delícia; e à tua terra: Desposada; porque o Senhor se delicia em ti; e a tua terra se desposará. Porque, como o jovem esposa a donzela, assim teus filhos te esposarão a ti, como o noive se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus”, Is.62.4-5. “Desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdia”, Os.2.19. “Vem comigo do Líbano, noiva minha”, Cantares de Salomão 4.8-12. “O que tem a noiva é o noivo”, Jô.3.29. “Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo... Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro”, Ap.21.2,9. Comparem com elas ainda as seguintes passagens: “São chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou”, Ap.19.7. “Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja”, Ef.5.21. E muitas outras afirmações em que a falta de lealdade e fidelidade do povo de Israel é comparada com o adultério. Uma passagem que é, especialmente, clara é 2.Co.11.2. Dados estes fatos, só há uma conclusão: “Um noivado válido, o consentimento mútuo legítimo e incondicional dum homem e duma mulher que podem casar, para serem marido e mulher, torna as partes, por meio deste pacto, essencialmente marido e mulher diante de Deus... A rescisão de esponsais legítimos ou dum noivado válido é deserção ilegal do laço matrimonial, da mesma forma como se ocorresse após a consumação do casamento” 14.A parte da doutrina das Escrituras a respeito do compromisso do noivado, se olharmos somente o noivado, tal como o temos hoje, e julgarmos conforme a razão, isto é, de acordo com a compreensão da moral natural, precisamos considerar o noivado, tal como o temos hoje, com sua obrigação, como equivalente ao casamento. 15. Capítulo 2 Os Magos do Oriente, Mt.2.1-12. V.1a: Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes. A transição que o evangelista emprega, conecta, apropriadamente, a narrativa das circunstâncias que envolvem o nascimento do Salvador com a história da adoração dos magos. É um relato da “recepção dada pelo mundo ao recém-nascido rei Messias. Homenagem de longe, hostilidade em casa! Um prenúncio das venturas da nova fé: aceitação pelos gentios, rejeição pelos judeus”16 .Enquanto Mateus não fixa o tempo do nascimento tão exato, como Lucas, Lc.2.1-2, ele, ainda assim, menciona um ponto muito importante, que confirma a profecia do Antigo Testamento, de modo muito notável. Pois, Herodes era rei nesta época. A história o chama de Herodes o Grande, visto que foi grande em astúcia política, grande em sagacidade diplomática, grande em capacidade de gastar em obras de beleza e grandeza exterior, mas também grande, de modo quase incrível, em maldade. Ele era o filho do idumeu Antipater, procurador romano da Judéia. Sua ambição teve sucesso, quando, tendo apenas vinte e cinco anos, conquistou para si o governo da Galiléia. A seguir se tornou governador da Celessiria (hoje, vale de Bekaa), o vale fértil entre o Líbano e a cordilheira dos montes Anti-Líbano, incluíndo o sul da Síria e Decápolis. Depois, ele foi feito tetrarca pelo triúmviro romano, Antonio. Afastado de sua província, onde sua situação sempre estivera insegura, pelo macabeu Antígono, Herodes fugiu para Roma, onde conseguiu o auxílio de Antonio e Augusto, e, pelo senado romano, foi declarado rei da Judéia, 714 anos após a fundação de Roma e 37 a.C. Foi-lhe necessário 14 ) Theol. Quart., 2.350; 3.408. ) Lehre und Wehre,1915,242; Cf. Jahn, Von der Verlobung,43; Lutero,10,655; Kretzmann, Keuschheit und Zucht, 76,77; Theol. Quart., 20. 136-143. 16 ) Expositor’s Greek Testament, 1,69. 15 conquistar seu reino pela força das armas, mas,logo que o teve por posse, usou seu poder de maneira cruel e implacável para o seu próprio engrandecimento. Lisonjeou o partido influente dos fariseus com a construção do magnífico templo e por outros sinais fingidos de zelo religioso. Cortejava a favor de Roma com uma servidão bajuladora, fazendo várias concessões ao paganismo, e com a introdução de costumes gregos. De suas dez esposas, executou a asmonea Mariana, filha de Hircano, e foi culpado que três de seus filhos, Antípater, Alexandre e Aristóbulo, fossem mortos. Sem mencionar a multidão de outras execuções que foram tão cruéis quanto injustas. Com tal grau de sangüinolência, com que seu reino esteve caracterizado, a morte dos inocentes de Belém passa desapercebida por escritores seculares, por ser considerada algo insignificante. Este foi o caráter de Herodes o Grande. Com o estabelecimento final e definitivo do seu reino, cumpriu-se a palavra do Senhor; “O cetro não se arredará de Judá... até que venha Siló”, Gn.49.10. Cf.27.40. “ Em primeiro lugar, o evangelista cita o rei Herodes, para lembrar a profecia do patriarca Jacó, que disse, Gn.40.10: O cetro não se arredará de Judá, nem um mestre dos seus lombos, até que venha aquele que deve vir. Desta profecia está claro, que Cristo só então teve que aparecer quando o reino ou o governo dos judeus tivesse sido tirado deles, não se assentando nele algum rei ou governante provindo da tribo de Judá. Isto aconteceu por meio deste Herodes, que não era da tribo nem do sangue de Judá mas era de Edom, sendo um estrangeiro que foi estabelecido pelos romanos como rei dos judeus. Mas, com grande indignação dos judeus, assim que por trinta anos ele se esfregou com eles sobre o caso, tendo derramado muito sangue e morto os melhores dentre eles, até os atordoar e forçar à submissão. Quando, então, este primeiro estrangeiro havia governado trinta anos e trazido o regime sob o seu poder, assim que se pôde assentar tranqüilo e os judeus se acalmado por não terem mais esperança de se livrarem dele, e tendo-se cumprido a profecia de Jacó, então havia chegado a hora. Então veio Cristo e nasceu sob este primeiro estrangeiro, e apareceu, conforme a profecia. Como se dissesse: O cetro de Judá acabou; um estrangeiro está assentado sobre o meu povo; agora é a hora, para que eu chegue e também me torne um Rei; o governo pertence a mim” 17. Jesus nasceu em Belém da Judéia, de acordo com o dito profético. Esta Belém é outra do que a vila do mesmo nome na Galiléia, na antiga tribo de Zebulom, Js.19.15. O povoado do nascimento de Cristo é chamado Belém da Judéia, 1.Sm.17.12, e Efrat ou Efrata, Gn.48.7; Mq. 5.2. Está situada numa estreita crista ou elevação contemplando uma região de rica agricultura. Daí seu nome sugestivo, que significa “casa de pão”. Era um nome bem apropriado para um povoado que produziu, como seu filho maior, aquele que apropriadamente é chamado o “pão da vida”, Jô.6.35-48. O evangelista, tendo indicado o lugar e o tempo da natividade, prossegue, V.1b: Eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém. Ele introduz este novo tema, de um modo vívido, tendo também em mente ressaltar o contraste entre o rei que governava a Judéia e estes estrangeiros duma terra gentia. Ele os chama de homens sábios, ou, de modo mais literal, de magos. Não os chama de reis, como o registra a lenda medieval. Eram os cientistas daquele tempo que, em muitas côrtes, formavam o conselho privado do rei, Jr.39.3; Dn.2.48. Eles cultivavam, na maioria das vezes, a medicina, ciências naturais, especialmente em seus usos ocultos, a interpretação de sonhos, e a astronomia. “Por isso, os magos, ou homens sábios, não eram reis, mas pessoas estudadas e peritas em ciências naturais... Os magos não eram algo outro do que foram os filósofos da Grécia e os sacerdotes do Egito e os homens eruditos das nossas universidades. Em resumo, eles eram os teólogos e sábios da Arábia Fênix, e foram enviados exatamente, como se clérigos e sábios de universidades de hoje fossem enviados a um príncipe” 18. Eles eram magos do Oriente. É provável que Mateus usa, intencionalmente, a 17 18 Lutero, 11,296. ) Lutero, 11,299. indicação vaga da localidade. Pouco interessa se os homens vieram da Arábia, da Pérsia, da Média, da Babilônia ou da Partia. A tradição dos judeus afirma que houve profetas nos reino da Sabá e Arábia, que descendiam de Abraão e Quetura, os quais transmitiram a promessa de Deus, dada a Abraão, de uma a outra geração. Tudo isto significa nada. O mais importante, porém, é que estes estrangeiros de uma terra distante vêm, numa missão tão extraordinária, a Jerusalém. “Aquele, que os seus próprios moradores e cidadão não quiseram, estas pessoas estranhas e estrangeiras procuraram numa jornada de tantos dias. Aquele, a quem os sábios e sacerdotes não quiseram chegar para o adorar, a este vêm os adivinhos e astrônomos. Isto, certamente, foi uma desgraça imensa para toda a terra e povo dos judeus, a saber que Cristo havia nascido em sem meio, mas que eles iriam aprender dele, primeiramente, de estranhos, gentios e estrangeiros” 19. A mensagem dos magos foi breve, V.2: Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no Oriente, e viemos para adora-lo. Havia uma afirmação em sua pergunta. Sabiam, com absoluta certeza, que ele nasceu. Isto lhes era um fato inquestionável e indiscutível. Havia nascido uma criança que era o Rei dos judeus. Fora de dúvida, sua realeza já está estabelecida. A evidência que os magos citam para a sua convicção é sensacional. Haviam visto o surgimento duma estrela, no exato momento em que o fenômeno aconteceu. Não uma estrela qualquer, não um meteoro providenciado para a ocasião, não um cometa de brilho singular, não uma junção extraordinária de planetas, mas a SUA estrela, uma estrela que foi colocada no firmamento, ou que irradiou com brilho intenso, exatamente, na mesma hora. O aparecimento e, de acordo com o versículo nove, também a condução desta estrela foi-lhes um sinal definitivo, uma prova certa do cumprimento duma profecia, tradição ou revelação que lhes foi dado a conhecer. Talvez, a profecia de Balaão, Nm.24.17, lhes tivesse sido exposta pelos seus mestres, como a se referir a uma estrela verdadeira e física. Ou, talvez, Daniel, como diz a lenda medieval que foi acolhida no poema “The Heliand” dos antigos saxões tenha transmitida aos sábios do Oriente uma tradição a respeito desta peculiar estrela. De qualquer maneira,haviam vindo para adorar aquele cuja vinda a estrela indicava, a fim de lhe dar honra e adoração divina, por meio dum gesto de extrema humildade, colocando à sua disposição tanto a si mesmos, como a todas as suas posses. O efeito deste anúncio alarmante, V.3; Tendo ouvido isto, alarmou-se o rei Herodes e, com ele, toda Jerusalém. A consternação de Herodes pode ser exposta de duas maneiras. Herodes, como rei e tendo em vista sua posição de rei, estava preocupado. Tendo ele próprio alcançado sua posição de governo absoluto, por meio de métodos que não eram em tudo inquestionáveis, este estrangeiro e usurpador temia um rival. O tirano temia a alegre aceitação deste rival pelo povo. Ao mesmo tempo, Herodes sentia grande temor, porque fora abertamente predito que um personagem ilustre, o Messias, o Rei dos judeus, julgaria tanto a nação como o mundo. E a consciência de Herodes não estava limpa. O povo, do outro lado, estava excitado, por diversos motivos. O alarme dele era devido à má consciência e ao sentimento de culpa, por causa de sua hipocrisia e egoísmo que, certamente, seriam notados pelo Messias. Mas, misturado a isto, estava a excitação da espera dum libertador do jugo de Roma, que era uma esperança, carinhosamente, acalentada pelos fariseus. Herodes avalia enfrentar a emergência, V.4: Então, convocando todos os principais sacerdotes e escribas do povo, indagava deles onde o Cristo deveria nascer. Não foi todo o sinédrio, também chamado o grande conselho do povo judeu, pois isto também incluiria os anciãos dos quais Herodes matara a muitos, mas os principais dos sacerdotes, tanto os atuais incumbentes dos cargos como também os antigos sumo sacerdotes.Também foram convocados os escribas que eram funcionários políticos, assistindo aos magistrados civis no papel de secretários 19 ) Lutero, 300. confidenciais e como estatísticos. Todos eram pessoas estudadas. Neste ponto também foi planejada uma mudança política para fortalecer o prestígio vacilante de Herodes. Pois, ser convocado para uma reunião secreta podia ser considerado uma distinção rara pelos líderes judeus. E Herodes, acostumado como estava a dar ordens, neste caso foi muito cauteloso. Ocultou sua solicitação em termos polidos, ainda que urgentes. A questão, que lhes submeteu, foi teológica: Onde, de acordo com os registros transmitidos, de acordo com a tradição aceita, é o lugar do nascimento de Cristo? A resposta dos teólogos judeus traz em si o gosto uma satisfação oculta, V.5: Em Belém, terra de Judá, responderam eles, porque assim está escrito por intermédio do profeta: 6) E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá. Sua opinião foi dada sem hesitação. Isto refletia a opinião corrente e concordava com a tradição do Talmude. Em sua comprovação das Escrituras, não citam literalmente a passagem do Antigo Testamento, mas combinam as palavras do profeta, Mq.5.2 com 2.Sm.5.2. A propósito, sua resposta foi um pouco formatada conforme os ensinos rabínicos. “Não és tu a menor?” pergunta o texto. Belém, talvez, seja pequena em tamanho e em influência. Especialmente, quando comparada com o seu vizinho metropolitano. Mas, de modo algum, é a mais inferior em dignidade e distinção. Talvez, tenha sido considerada pequena e insignificante entre os milhares de Judá, as cidades que se podiam orgulhar com uma população de mil ou mais famílias, mas ela, ainda assim, tinha a reivindicação melhor fundamentada pela excelência entre os principais de Judá, V.6b: Porque de ti sairá o Guia que há de apascentar a meu povo Israel. Desta vila desprezada virá, considerará a ela como sua cidade natal, aquele que combinará as qualidades dum governante com as dum amigo terno e amável e dum guarda vigilante. Ele, cujo nascimento daria distinção a Belém de Judá, será um Príncipe e um Guia, que fará da devoção vigilante do pastor de ovelhas sua missão de vida sobre aqueles que lhe foram confiados. Herodes se convenceu que a informação recebida era confiável. Por isso, ele resolveu eliminar algum possível rival por meio dum método rápido e completo, mesmo que cruel. Necessita, porém, de mais informação, V.7: Com isto Herodes, tendo chamado secretamente os magos, inquiriu deles com precisão quanto ao tempo em que a estrela aparecera. Foi uma conferência secreta, bem de acordo com suas trapaças políticas. Tivesse ele feito seus inquéritos numa assembléia pública, então seus próprios palacianos poderiam ter-se tornado suspeitos. Mas, numa assembléia privada, seus visitantes, sem terem suspeição, poderiam ser persuadidos a falar livremente e sem ficarem alarmados. O que Herodes queria, era saber do tempo exato do primeiro aparecimento da estrela, assumindo, provavelmente, que o nascimento da criança tivesse ocorrido naquele mesmo tempo. Tudo não passava duma hipocrisia muito repugnante, um fingimento dum interesse gentil em tudo o que se relacionava com a criança em cujo destino as próprias estrelas pareciam envolvidas. Herodes executa seu esquema, V.8a: E, enviando-os a Belém, disse-lhes: Ide informar-vos cuidadosamente a respeito do menino; e, quando o tiverdes encontrado, avisai-me. Ansioso pelo sucesso dos seus planos, ele, ainda assim, consegue que seus sinceros visitantes sentem que ele não tem mais em mente, do que o resultado favorável de sua busca. O texto sugere a idéia de muita pressa. Ele os despediu imediatamente com o urgente pedido, que é quase uma ordem: Ide e procurai; não deixeis nada por realizar; fazei vossa busca a mais completa, para que o menino seja encontrado. E não só isto, V.8b: Para eu também ir adorá-lo. Ele coroa sua hipocrisia como uma última mentira deslavada. Pois, ele não queria dobrar-se diante do menino para o adorar em devoção, mas intentava prostrar a alma do menino no pó da morte. Os magos, em sincera confiança, prosseguem, agindo segundo as palavras do rei, V.9: Depois de ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela que viram no Oriente os precedia, até que, chegando, parou sobre onde estava o menino. Deixaram Jerusalém, aparentemente sozinhos e, tendo somente indicações gerais para os guiar. Herodes não queria que algum dos seus adeptos fosse o portador das notícias. Mas, os magos, olhando para o céu, viram novamente seu guia no firmamento. Reconheceram o sinal celeste que, no princípio, lhes chamara a atenção ao milagre. E esta estrela continuou a andar diante deles em todo o trajeto, até que, chegando a Belém, parou exatamente sobre a casa onde o menino estava. Pois, ele foi o alvo de sua procura. E a ele foram dirigidos. Uma outra prova é que a estrela, aqui referida, foi criada exatamente para este objetivo: ela andou de norte a sul. Ela deve ter parado bem mais baixo do que as demais estrelas, visto que indicou exatamente para a casa em que o menino estava. “Mas esta estrela, porque vai com eles de Jerusalém a Belém, ia de morte a sul, o que, por isso, estabelece claro que ela era de espécie, curso e lugar diferentes do que as estrelas no firmamento. Não foi uma estrela fixa, como os astrônomos chamam as estrelas, mas uma estrela livre que podia subir a descer e girar para todos os lugares” 20. O efeito de sua aparição sobre os magos, V.10: E, vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo. Sua longa peregrinação teve sucesso. Sua busca ardente estava no fim. Tomou posse deles o mais intenso júbilo, um prazer de estase, como o evangelista o expressa. Imediatamente cumprem o propósito de sua peregrinação, V. 11a) Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram. A descrição de Mateus é tão vívida, que as palavras lhe fluem de modo honrado num fluxo jubiloso. Os magos viram, eles mesmos, àquele que tinham desejado contemplar, a Criança, o Messias, a prometida Estrela de Judá. Sua mãe Maria e seu padrasto, que é omitido intencionalmente, haviam encontrado abrigo numa casa da vila. Os magos adoraram ao menino, segundo o costume oriental, caindo sobre seus joelhos e tocando o chão com seus frontes, numa completa entrega. V.11b: E, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra. Aproximaram-se, tendo as mãos cheias, como convém aos que desejam achegar-se à presença duma realeza. Abrem suas caixas de tesouros. Apresentam ouro, o metal mais precioso, incenso e mirra, resinas preciosas e aromáticas, destiladas de árvores e muito usadas em cerimônias religiosas, Sl.7.10; Is.60.6. Se há algum significado especial, ou um sentido místico nestes dons, é uma especulação ociosa que preocupou a muitos comentaristas. Via de regra se afirmou, que o ouro deve ser destinado para o Rei; o incenso, como dedicado a Deus; e a mirra, como destinado a quem deve morrer. Uma rima medieval o tem assim: “O primeiro foi ouro, como um onipotente Rei; o segundo foi mirra, como sendo Sacerdote de sacerdotes; o terceiro foi incenso, como para assinalar para o enterro”. A explicação de Lutero é simples: “Ainda que eles (os magos) entrem numa casa pobre, encontram uma mulher jovem e pobre, com um menino pobre. Há, também, lá um aspecto tão desigual a um rei, sendo que o servo deles é mais digno e ilustre. Eles, porém, não se preocupam, mas, em fé imensa, forte e plena, afastam de seus olhos e mentes tudo o que a natureza, como sua arrogância, possa apresentar e produzir. Seguem, simplesmente, o versículo do profeta e o testemunho da estrela, e crêem que este é o Rei; prostram0se, adoram-no, e lhe dão presentes”21 . Mateus encerra a narrativa da adoração, V.12: Sendo por divina advertência prevenidos em sonho para não voltarem à presença de Herodes, regressaram por outro caminho a sua terra.Aqui está um outro exemplo da intervenção divina para frustrar os desígnios sanguinários de Herodes em relação ao Salvador. No texto não transparece que a confiança singela dos magos lhes desse espaço para suspeitar da intenção do rei, e que tivessem pedido a Deus por algum sinal. É dito, tão somente, que, por ordem de Deus, eles receberam u8m conselho decisivo, para não voltar em seu caminho a Jerusalém. Não tem maior importância, se cada um do grupo teve a visão, ou se o líder recebeu a ordem de Deus. Basta que eles concordaram com 20 21 ) Lutero, 11,331, 2105. ) Lutero, 11.355, 2113. a ordem. Partiram, afastaram-se, e fugiram para o seu próprio país, indo por um caminho diferente daquele que as caravanas usavam, e longe da vizinhança perigosa de Herodes. Haviam alcançado seu objetivo. Haviam visto a Luz dos gentios. Seus corações estavam plenos daquela satisfação que sente a alma crente que viu a salvação do Senhor. A Fuga para o Egisto e o Retorno a Nazaré. Mt.2.13-23. Uma parte do plano de Herodes não funcionou: Os magos não retornaram para lhe revelar o paradeiro exato do menino. Agora o Senhor também frustrou o desígnio contra a vida do menino, V.13: Tendo eles partido, eis que aparece um anjo do Senhor a José em sonho, e diz: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito, e permanece lá até que eu te avise; porque Herodes há de procurar o menino para o matar. Deus, mais uma vez, usa uma visão angelical para proteger seu Filho, dando as necessárias instruções a José. Cf. capítulo 1.20. Está manifesta a necessidade da pressa: Dispõe-te; pega logo; sem perda de tempo. Mais uma vez o menino é citado primeiro. Tudo gira em redor do seu bem-estar. “E sua mãe”, diz o anjo. A fraseologia é muito cuidadosa e, mais uma vez, com exatidão, indica para o nascimento duma virgem. Também está exposta a razão da ordem dada, a fim de prevenir delonga. Herodes tem a idéia, ou, ele planejou e está à procura do menino, tendo o propósito de mata-lo. Até o lugar de refúgio do menino é citado na divina mensagem. O Egito seria, temporariamente, seu novo lar, até ao tempo, quando, como uma ordem ou comunicação futura a José, iria permitir sua volta à pátria. É provável que o Egito foi escolhido, porque nele se haviam fixado muitos judeus. A santa família estaria, por isso, entre seus concidadãos e entre uma província romana onde a fúria de Herodes não os podia perseguir. José, também nesse ponto, foi obediente à palavra do anjo, V. 14-15: Dispondo-se ele, tomou de noite o menino e sua mãe, e partiu para o Egito; e lá ficou até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor, por intermédio do profeta: Do Egito chamei o meu Filho. Mateus narra o cumprimento da ordem nas palavras exatas em que o anjo as havia falado, a fim de mostrar a índole submissa de José. Naquela mesma noite ele escapou calmamente, e com os que lhe era confiados. Fez do Egito o seu lar, até à morte de Herodes, a qual, segundo os cálculos históricos mas próximos, ocorreu naquele mesmo ano. Ele morreu de uma doença singular e repugnante, que fez que suas carnes lhe apodrecessem nos ossos, fazendo com que, antes que a alma lhe saísse do corpo, ele já fosse um cadáver horrendo. De passagem, deve ser observado, que os relatos sobre a estada de Cristo no Egito, tal como encontrados em fontes apócrifas, são totalmente fantasiosas e peças de superstição. Mas é de interesse encontrar, também, nisso o cumprimento duma profecia do Antigo Testamento, Os.11.1. Ainda qu8e nela seja referida a libertação de Israel da escravidão do Egito, o Espírito Santo dá-nos, aqui, uma outra exposição verdadeira, mostrando que a profecia se refere ao menino Jesus em sua peregrinação segura mo país, em que seus antepassados haviam sido conservados em cativeiro, e de seu retorno ileso do mesmo. Guardemos na mente a referência à inspiração divina da profecia! V. 16: Vendo-se iludido pelos magos, enfureceu-se Herodes grandemente, e mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, conforme o tempo do qual com precisão se informara dos magos. O evangelista, depois de sua breve digressão, retorna para sua história propriamente dita. Herodes foi que, do seu ponto de vista, fora enganado, feito um bobo, pelos magos. Quando esteve convicto que eles não retornariam a Jerusalém para relatar o que haviam achado em Belém, enfureceu-se em extremo. Estava enraivecido duma fúria irracional. Esta cólera exigia uma saída. Ela só podia ser apagada com sangue. Herodes enviou executores a Belém, com a ordem de matar todas as crianças que fossem encontradas na própria vila e nos seus arredores, inclusive no distrito rural que o circundava. Nem um só foi poupado, nem mesmo, segundo relato antigo, o seu próprio filho. Fixando a idade de suas vítimas, ele fez uso da informação repassada pelos magos, tendo, provavelmente, aumentado o tempo para se certificar que nenhum pudesse escapar. Herodes não seria muito escrupuloso: duma hora de vida a dois anos, não interessava; quando muito, assegurava-lhe uma ampla margem de acerto nas duas direções. Aqui, novamente, há um comprimento, não literal mas típico, duma profecia, V. 18-18: Então se cumpriu o que fora dito, por intermédio do profeta Jeremias: Ouviu-se um clamor em Rama, pranto,choro e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem. A passagem, como o profeta a escreveu, Jr.31.15, é a narração duma visão sobre a deportação de Israel ao cativeiro, sendo que Raquel era a mãe representativa da nação, e Rama tendo sido uma fortaleza de Israel junto à fronteira onde os cativos deviam se juntados. Mateus aplica esta passagem à matança dos inocentes. Raquel é representada como a mãe de Belém e de sua vizinhança. Foi aqui que ela morreu quando deu à luz, Gn.35.16-20. Sua dor pelo infortúnio de seus filhos levaram-na a um choro e lamento tão amargo, como ao que as mães de Belém, com certeza, se entregaram diante da flagrante, revoltante e tola crueldade de Herodes. Palavras de consolo e conforto pouco adiantavam, sendo elas forçadas a testemunhar o massacre de seus filhos diante dos seus próprios olhos, restando a elas, como única reação, contorcer as mãos em desesperada tristeza e agonia. O evangelista retorna à história do Salvador, V.19-20: Tendo Herodes morrido, eis que o anjo do Senhor apareceu em sonho, a José no Egito, e disse-lhe: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, e vai para a terra de Israel; porque já morreram os que atentavam contra a vida do menino. Herodes morreu no ano 750, após a fundação de Roma. E seu filho Antípatro, herdeiro natural do trono, que tinha herdado o caráter cruel do pai, havia sido morto, a mando deste tirano, cinco dias antes que ele próprio rendeu sua alma. Assim, já não existiam mais aqueles cujo propósito assassino era mais ostensivo. O anjo, em vista disso, deu a ordem a José, para retornar à terra de Israel. Nenhum perigo imediato ameaçava a vida do Salvador. Não precisava haver qualquer apreensão em relação à sua segurança. Como se dissesse: Não há nada e nenhuma pessoa a temer, por isso: Vão. Notemos, mais uma vez, que Mateus sempre dá ao menino Jesus a posição proeminente a que o elevava sua divindade. Assim ele deve ser guardado nas mentes e corações de todos os leitores. José não se delongou em obedecer a ordem, V. 21: Dispôs-se ele, tomou o menino e sua mãe, e regressou para a terra de Israel. Mas, quando chegou à Judéia, confrontou-se com um novo perigo que lhe causou renovados temores. V.22a: Tendo, porém, ouvido que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá. Herodes, de fato, estava morto. Mas Augusto havia dividido o seu reino entre seus três filhos. Arquelau obteve Judéia, Iduméia e Samaria, recebendo o título de etnarca. Herodes Antipas, recebeu a Galiléia e a Peréia. E Filipe, a Batânia, Traconites e Auranites. Os dois últimos receberam o título de tetrarca. Arquelau, semelhante ao pai, era um tirano suspeito e cruel. Conta-se dele que, uma certa páscoa, massacrou três mil pessoas no templo e na cidade. Não admira que José estivesse cheio de apreensões, quanto à segurança de suas tarefas. O caminho mais natural a seguir, era fixar-se na Judéia, talvez, até, em Jerusalém. Mas Deus, mais uma vez, usa o concurso dum anjo, resolvendo a dificuldade e i8ndicando-lhe um lugar bem mais seguro. E José se desviou, fazendo a viagem até a Galiléia que é a parte norte da Palestina, anteriormente dividida em Galiléia superior e baixa. A superior era a Galiléia propriamente dita, Mt.4.12;Jô.4.13. A Galiléia baixa compreendia o antigo território de Zebulom. E foi para a Galiléia baixa que se José se dirigiu com a criança e sua mãe. V. 22b-23: E, por divina advertência prevenido em sonho, retirou-se para as regiões da Galiléia. E foi habitar numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito, por intermédio dos profetas: Ele será chamado Nazareno. Foi assim, que José retornou para sua antiga cidade, que também fora o lar de Maria, Lc.1.26;2;4. Nazaré era uma pequenina cidade a sudoeste do Mar da Galiléia, não longe de Caná que ficava no lado leste, ficando a oeste o Monte Tabor. Localizava-se no declive duma colina, circundada por um cenário lindo e agradável. Foi aqui que Jesus viveu até principiar seu ministério, Lc.2.51; 4.16;Mt.3.13. Esta referência do evangelista ao cumprimento duma profecia do Antigo Testamento, sempre causou dificuldades. Pois, não há uma passagem individual, com o conteúdo exato do citado, entre os escritos referidos. “O que foi referido pelos profetas” indica antes para um tipo geral do que a um texto explícito. A explicação mais razoável é: “Nazareno” ou “o homem de Nazaré” acomoda a referência. Pois, o nome Nazaré é derivado dum radical hebraico que significa ramo ou broto tenro. É assim que o Messias é chamado, Is.11.1. E esta passagem é análoga a expressões usadas em Is.53.2;4.2;Jr.23.5;33;15; Zf.3.8;6;12, e de outras descrições da manifestação humilde do Messias. Cf.Jô.1.16. Outros têm sugerido, que a referência diz respeito a Jz.13.7. “Com as referências proféticas nos evangelhos ocorre o que acontece com hinos sem palavras. O compositor tem em mente uma certa cena ou situação, e sob sua inspiração se põe a escrever. Mas, tu não estás no seu íntimo, por isso não podes contar o que significa a música que ouves. Mas, quando se te dá a solução, encontras um novo sentido na música. As profecias são a música; a história é a solução” 22. Sumário: Os magos, sendo dirigidos a Belém por meio duma estrela especial e por direção profética, rendem ao menino Jesus divina adoração, enquanto a vida do Salvador é preservada da crueldade de Herodes, por intervenção divina, que conduz José, primeiro, ao Egito, e, então, à Galiléia. CAPITULO 3 O Ministério de João Batista, Mt.3.1-12. V.1a: Naqueles dias apareceu João Batista. O método, usado por Mateus para introduzir uma nova secção em sua história do Salvador, é o que os santos escritores empregam para se referir a uma data ou ocorrência do passado, Ex.11.23; Is.38.1. Estamos no tempos em que Jesus morou em Nazaré, que foi o período de sua obscuridade, quando tranqüilamente crescia em sabedoria e estatura, e em favor diante de Deus e do homem, Lc.2.52. A narrativa de Lucas, neste ponto, se caracteriza por uma fixação mais precisa do tempo, Lc.3.1-2, como convém a um historiador tão preciso. Mas a presente passagem é dramaticamente mais impressionante. Aqueles era dias e anos memoráveis, a que se volta o nosso olhar atento e reverente e cheio de expectativa, mas que os olhos de nosso espírito não se atrevem a encarar. João, apelidado de “o Batista”, apareceu naqueles dias. Principiou seu ministério, para o qual fora preparado, mesmo antes de nascer, Lc.1.15-17; 76-77. Ele se distingue do apóstolo João e tem o nome Batista por causa da principal tarefa do seu trabalho público, visto que batizava aqueles que confessavam seus pecados. Era necessário, para que isto acontecesse, que os corações do povo estivessem devidamente preparados. Para isto veio João, V.1b: pregando no deserto da Judéia. Antes de tudo, ele veio, não como um mestre, mas como um pregador e admoestador, proclamando ou anunciando, solenemente, a vinda do reino do céu. Tudo isto, com a máxima impressão, visto que seu domicílio ficava no deserto da Judéia, distante da assiduidade humana, nas montanhas e terras ásperas em direção do Mar Morto, e nas planícies ou campos que de lá se estendiam para o vale do Jordão. Algo bem curioso, porque muito diferente! 22 ) Expositor’s Greek Testament, 1,78. A ênfase da João se fixou num só fato, V.2: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus. Este foi o conteúdo maior, ou a substância, a carga, de sua mensagem. A admoestação ao arrependimento foi a divisa que caracterizava sua pregação. Ele se fixava numa mudança completa de mente e coração, como a preparação necessária para o advento do Messias. Pois Seu reino, ou o reino de Deus e dos céus, está próximo. Está iminente que ele se revele em toda sua glória. É um reino dos céus, em oposição ao reino terreno, com o qual os judeus sonhavam, porque Jesus, o Senhor do céu, é seu governante, e porque este reino, cuja beleza no mundo está muitas vezes oculta pela miséria da vida presente, será revelado plenamente na luz da glória futura lá no alto. Lá, todos aqueles que de corações compungidos e contritos aceitaram o Salvador, em sua fraqueza e humildade, serão participantes de seu reino, tendo eterno esplendor e majestade. Arrependimento sincero, seguido por uma fé singela, abre o caminho para toda esta grandeza. “Mas, isto é arrependimento, se creio na Palavra de Deus que me revela e me acusa de ser um pecador e um condenado diante de Deus, e fico aterrado de todo o meu coração, porque sempre tenho sido desobediente ao meu Deus. Não olhei nem considerei corretamente seus mandamentos. Muito menos guardei o maior ou o menor deles. Mas, ainda assim, não desespero, porém, me deixo direcionar para Jesus, para nele procurar misericórdia e socorro, e creio, também, firmemente, que o acharei. Pois, ele é o Cordeiro de Deus, desde a eternidade destinado para este propósito, que ele carregue os pecados do mundo inteiro e por eles pague com sua própria morte”23 . A maneira de Mateus, para expor a passagem profética, é peculiar no caso presente. V.3: Porque este é o referido por intermédio do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Ele o separa de quaisquer outros, a respeito dos quais houve alguma profecia. Este é o homem que Isaías teve em mente, quando escreveu as palavras de conforto a Jerusalém, Is.40.3. Temos aqui uma alusão ao costume muito conhecido do oriente, de anunciar a vinda de um príncipe e preparar-lhe o caminho em suas viagens. A profecia típica de Isaías se tornou um anúncio distinto em Malaquias, cap.3.1. Cf. Ml.4.6; Lc.1.17; Mt.11.10,14; 17.11. João foi o arauto de Jesus. O propósito do seu ministério foi preparar, por meio da pregação e do batismo, os corações e as mentes do povo, para a vinda do grande Rei da Misericórdia. A avenida do Rei precisa ser reta, sem os desvios da hipocrisia, sem dar as voltas e curvas do egoísmo. Este é o impacto da voz que clama no deserto. A aparência e os costumes do Batista também devem ser notados, V.4: Usava João vestes de pêlos de camelo, e um cinto de couro; a sua alimentação era gafanhotos e mel silvestre. João foi um antítipo de Elias, o grande profeta e pregador de Israel, tanto em sua aparência e comportamento pessoal, como nas dificuldades peculiares sob as quais sua mensagem ecoou, 2.Pe.1.8; 1.Rs19.10. Suas vestes usuais não eram uma vestimenta ou manto completo, mas uma cobertura ou peça de vestuário atirada sobre seu ombro, tecida de pêlos de camelo, que era uma proteção áspera e não confortável contra os elementos da natureza. Estava juntada por um cinto de couro em seus lombos, e não possuía qualquer ornamento. Seu alimento principal eram gafanhotos de u8ma espécie comestível, como citadas em Lv.11.22, e que ainda são usados como comida no Oriente. Seus membros eram tirados e o restante, cozido ou assado. Para dar, ao menos, alguma variação à dieta, ou para se sustentar quando os gafanhotos escasseavam, João comia mel silvestre, que era depositado por abelhas em fendas de árvores e rochas, ou o “mel-de-árvore” que segrega de figueiras, palmeiras e outras árvores. A aparência austera e ascética e o modo de vida de João correspondem à sua mensagem, que ordenava a renúncia ao mundo e o arrependimento. 23 ) Lutero, 7,689. O efeito de sua pregação, V.5: Então saíam a ter com ele Jerusalém, toda a Judéia e toda a circunvizinhança do Jordão. O sucesso foi rápido, se não instantâneo. A notícia correu célere. Primeiro vieram os da circunvizinhança. Era gente de ambos os lados do Jordão, cujas moradias ficavam perto ou no próprio ermo. Depois, o grande movimento se espalhou em círculos crescentes para dentro da Judéia. E, finalmente, a Jerusalém arrogante e desdenhosa é arrastada para a agitação. O evangelista anuncia isto, citando a capital em primeiro lugar. Até a Jerusalém conservadora vai ao deserto. É um penitente que atende ao chamado de João. É um testemunho extraordinário a favor do poder da Palavra, quando proclamada de maneira pública e destemida. João exerce seu ministério para com todos, V.6: E eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados. Seu chamado poderoso e insistente ao arrependimento teve efeito. As pessoas acorriam em número sempre crescente. Homens e mulheres, carregados de culpa, cujas vidas se haviam passado em simulação e engano, voluntariamente, faziam confissão franca e pública dos seus pecados, ora de modo geral, ora de modo específico, conforme eram envolvidos pela mensagem e a pessoa de João. “Esta confissão de pecados, feita por indivíduos, foi coisa nova em Israel. Havia uma confissão coletiva no grande Dia da Expiação e, em certos casos, uma confissão individual, Nm.5.7. Mas não havia uma confissão pessoal espontânea para almas penitentes – cada pessoa por si mesma. Deve ter sido uma cena comovedora” 24. E, na medida que, numa fila contínua, se achegavam e confessavam seus pecados, também eram batizados por João nas águas do rio Jordão. Foi um despertamento tal, como a terra não havia experimentado desde os tempos dos antigos profetas. Uma situação perplexa e desagradável, V.7: Vendo ele, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao Batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Mateus inclui os adeptos das duas seitas numa só e na mesma categoria de intrusos indignos. Os fariseus sobressaiam, especialmente, em sua insistência na observância exterior da lei e das tradições dos anciãos. Os saduceus eram racionalistas. Rejeitavam todos os escritos inspirados, menos os livros de Moisés. Em ambos os casos, sua religião era nada mais do que uma magra casquinha de forma e ostentação de pompa, sem a aceitação do coração. Tanto mais repreensível é, por isso, seu insulto, comparecendo ao batismo de João, onde a principal exigência era o arrependimento ou a mudança de coração. Talvez houvesse neles alguma curiosidade e fascinação que os levou a João, visto que não podiam ficar indiferentes diante dum movimento que assumira tais proporções. De qualquer maneira, descobriram o local dos acontecimentos, e compareceram ao lugar onde João batizava. Sua recepção diante dele foi tudo menos agradável. “Raça de víboras” é o título que lhes dá. Crias de serpentes, imbuídas com a natureza desses répteis magros e peçonhentos. É uma explosão de aversão moral intensa que o levaram a recuar desses visitantes e a, publicamente, denunciá-los como mentirosos e maliciosos, Sl.140.3; Is.14.29;59.5; Sl.58.4. Até parecia que eles fugiam da ira vindoura, apelando por entrada no reino. Havia, porém, todas as razões para desconfiar da sua sinceridade. É impossível escapar da ira que a santa justiça punitiva de Deus trará sobre os hipócritas, e, assim, ao próprio castigo, Rm.1.18; Ef.2.3. Tendo-os desmascarado, o Batista faz sua exigência, V.8: Produzi, pois, fruto digno do arrependimento. Uma mudança completa de coração precisa anteceder a produção de boas obras que preencham a medida dum arrependimento sincero e que se conformem a uma mudança real de vida. João, antes que possa concordar de lhes administrar o batismo, insiste na sua produção adequada, evidente, apropriada e suficiente dum verdadeiro arrependimento, frutos esses que têm um aroma divino. Sua advertência seguinte é, particularmente, apropriada no caso dos fariseus, V.9: E não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão: 24 ) Expositor’s Greek Testament, 1,81. porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. O fato que eram, de acordo com a carne, membros do povo escolhido de Deus, o fato que eram descendentes diretos de Abraão, sempre havia sido o argumento dos fariseus, Jo.8.33,39. Contudo, uma mera filiação externa na igreja de Deus tem nenhuma valia. Ele é o Juiz dos corações e das mentes, e pode, por causa disso e a qualquer momento, rejeita-los como filhos espúrios. Além disso, seria facílimo para Deus criar das próprias pedras do deserto, para si filhos mais genuínos na fé do que eram os fariseus e os saduceus. “Somos, diziam eles, o povo de Deus que ele escolheu de todas as nações da terra, e a quem ele concedeu a circuncisão. Por isso temos que observar a lei, visitar o templo de Deus em Jerusalém, e exercitar-nos em préstimos santos que o próprio Deus ordenou. Em resumo, nós nos dirigimos, em assuntos de governo espiritual e mundano, assim como os dois foram estabelecidos e ordenados pelo mandamento de Deus por meio de Moisés. Somos também o sangue e a tribo dos santos patriarcas: Abraão é nosso pai, etc. O que ainda nos falta para sermos piedosos e santos, amados e agradáveis a Deus, e sermos salvos? Tudo isto, diz ele, não interessa. Pois, Deus não está interessando em saber que sois hábeis e orgulhar-vos muito intensamente sobre a lei, o templo, os pais, etc. Ele quer que temais a Ele e que creiais em sua promessa, que obedeçais e aceiteis àquele que ele vos prometeu e agora envia. Do contrário, ele vos rejeitará e exterminará com toda vossa glória, com a qual Ele vos dotou e ornamentou diante de todas as demais nações”25 . E isto não é tudo. V. 10: Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto, é cortada e lançada ao fogo. O machado já está posto. Já está pronto para iniciar seu trabalho de justa retribuição, de justiça severa sobre cada descendente espúrio de Abraão. Cada árvore, que provou ser desesperadamente estéril, não poderá escapar da próxima inevitável ruína. E João usa palavras cuidadosamente escolhidas. Não somente são exigidos frutos. Pois, estes, sob certas circunstâncias, poderão ser ruins e, até, venenosos. Mas é exigido que a árvore produza bom fruto. Até que esta exigência seja preenchida, não há outra alternativa: A árvore inútil está condenada a servir de lenha ao fogo. O judeu descrente estará excluído do reino do Messias. O sermão de João teria estado incompleto, sem uma referência àquele cujo caminho ele foi enviado a preparar. V.11: Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. Sua missão foi meramente temporária e simbólica.Ele foi só o precursor, o arauto, e esteve totalmente satisfeito com sua posição secundária e inferior. Seu batismo era só de preparação. Levando as pessoas ao arrependimento e administrando-lhes o batismo, ele as preparava para compreender a missão superior do Messias. Mas aquele que está vindo, que, quanto ao tempo, segue imediatamente a mim, é maior do que eu. A ele compete a onipotência. Divina dignidade está unida com seu poder. Ele é tão ilustre, tão augusto, tão exaltado, que João não se sente digno, até mesmo, de despir-lhe as sandálias, que no oriente era a tarefa do escravo mais humilde. O ministério deste homem se salientará por um contraste maravilhoso. Ele vos batizará, dar-vos-á um batismo peculiar, com o Espírito Santo e com fogo. Aqui está referido um efeito duplo da obra de Cristo: Aos que, de coração penitente, o aceitarem como Salvador, ele dará o valioso favor do Espírito Santo com todos os seus gloriosos dons e poderes, Jo.1.33; Mc.1.8; At.1.5; mas aos que de coração impenitente rejeitarem a salvação adquirida, ele mergulhará em fogo. Eles recusaram aceitar o Espírito com o seu poder que dá vigor e ilumina. E, por isso, a onipotência de sua insultada os consumirá e devorará.26. 25 ) Lutero, 7,682. ) A expressão “com o Espírito Santo e com fogo” também pode ser tomado como um ‘hendiadyoin’ e ser entendido sobre o poder purificador do Espírito Santo, por meio do qual Ele examina e purifica os corações, Ml.4.1. 26 Este pensamento é exposto ainda mais. V.12: A sua pá ele a tem na mão, e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível. O quadro é o duma eira no Oriente: um espaço plano e aberto calçado com pedras. O dono da casa já tocou seus bois sobre a eira, que pisam e debulham os grãos. Ou os seus escravos o debulharam com seus malhos. Agora vem a limpeza da eira para separar dos grãos as astes e cascas, e a aeração do material solto, usando uma peneira para que o vento carregue a palha mas deixe o que é mais pesado que são os grãos. A grande eira de Deus é a Terra. O teste, pelo qual ele decide o destino de cada pessoa no mundo, por meio do qual ele separa o trigo da palha, é o relacionamento com Jesus e sua salvação. Aqueles que por meio da fé são encontrados firmes em sua redenção, são recolhidos a salvo ao celeiro do céu. Mas aqueles que forem encontrados em falta, seja por causa de sua confiança em sua própria justiça ou porque consideravam uma mera associação exterior à igreja como suficiente garantia das alegrias do céu, encontrar-se-ão sujeitos ao fogo violento e inextinguível, não somente do juízo, Ma.4.1, mas do próprio inferno, Mt.25.4l. O Batismo de Jesus, Mt.3.13-17. Chegara o tempo para Jesus dar início ao seu ministério, de ser instalado em seu ofício por meio dum ato público. V.13: Por esse tempo, dirigiu-se Jesus da Galiléia para o Jordão, a fim de que João o batizasse. Estando João no auge de sua carreira evangelística, veio a hora de Jesus deixar sua obscuridade. Desceu até João, não à semelhança dos fariseus e saduceus, que, na verdade, sempre rejeitaram o desígnio de Deus para com eles, Lc.7.30, mas numa maneira franca e amigável, para entrar num relacionamento sincero com ele, e também para receber o batismo de suas mãos. No que diz respeito à maneira de sua vinda, não havia qualquer diferença entre o seu desejo pelo batismo e o das multidões. Contudo, Mateus escreve: V.14: Ele, porém, o dissuadia, dizendo: Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim? Esta passagem não está em desacordo com Jô.1.31,33, onde João diz que não conhecia a Jesus. A aparente contradição acontece só na tradução. A palavra usada no original significa “reconhecer para além da possibilidade de dúvida, estar certo da identidade”. João sabia da existência do Messias, seja por parte de sua mãe ou por revelação direta, mas não o conhecia pessoalmente. Quando Jesus veio, a majestade e dignidade do seu comportamento levaram João a presumir sua identidade. Daí sua hesitação. Mas, o sinal que realmente o identificou, que desfez todas as dúvidas e tornou absoluto o reconhecimento, só aconteceu depois do batismo, como (o evangelista) João relata em seu evangelho. Enquanto isso, João, impressionado pela elevação moral que provinha da pessoa que o visitava, procurava, com alguma persistência, dissuadi-lo e, assim, impedi-lo de cumprir o seu desejo. Ele não consegue livrar-se da impressão, de que este homem é maior do que ele, e julga necessário que o menor receba o batismo do maior. João, certamente, se perguntava pela razão que motivava Cristo a vir e buscar o batismo com ele. “Por que vem ele e busca o batismo, visto que nele não há pecado e impureza que o Batismo precise remover? Isto deverá ser um batismo bendito. João tem diante de si um pecador que em si mesmo não tem pecado algum, e, ainda assim, é o maior dos pecadores, que tem e carrega em si o pecado do m8undo inteiro. Ele permite por este motivo ser batizado e com esta ação confessa ser pecador. Contudo, não por si mesmo, mas por nós. Pois, aqui ele toma o meu e o teu lugar, e se coloca em pé em nosso lugar – de nós que somos pecadores. E, visto que todos, em especial os santos arrogantes, não queremos ser pecadores, ele precisa se tornar pecador em lugar de todos. Ele assume a forma de nossa carne cheia de pecados e lamenta na cruz sob muita dor, como o testificam muitos salmos, o peso dos pecados que ele carrega” 27. 27 ) Lutero, 7.691; 11.2130. É assim que Jesus rejeita as objeções de João, V.15: Mas Jesus lhe respondeu: Deixa por enquanto, porque assim nos convém cumprir toda a justiça. Então ele o admitiu. Obedecer e cumprir eram as características principais da obra vicária do Messias. Sendo fiel a isto, não podia admitir oposição. Cada regulamento legítimo, todos os usos religiosos que eram impostos ao povo, ele quis cumprir. Nisto é que Jesus insistiu, de modo gentil mais firme. Esta era a coisa apropriada, certa e conveniente a ser feita. E foi assim que João concordou. Os mestres da igreja, desde tempos antigos, têm encontrado aqui uma referência maior e extensa. “Jesus diz:... Se isto for realizado, que os pobres pecadores venham à justiça e sejam salvos, tu me deves batizar. Porque foi por causa dos pecadores que eu me tornei um pecador. Preciso, por isso, fazer o que Deus impôs aos pecadores como obrigação, para que eles se possam tornar justos por meio de mim” 28. A ocasião precisa ser marcada por acompanhamentos sobrenaturais. Vv.16-17: Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em que me comprazo. Aqui ocorreu uma revelação da essência divina. Jesus, tão logo batizado, subiu à margem do rio. Seu batismo fora necessário, mas o milagre que ocorreu a seguir, foi ainda mais importante, visto que manifestou o relacionamento existente entre ele e as outras pessoas de Deus. De maneira maravilhosa, causando uma exclamação de surpresa na narrativa do evangelista. Os céus se abriram na mais gloriosa das visões. Foi um acontecimento real e não uma visão, como nos casos de Jacó, Estevão e outros, Gn.28.12; At.7.55-56; 10.11. É especulação fútil, inquirir porque uma pomba foi escolhida e julgar que a comparação esteja na perfeita mansidão, pureza e autonomia deste pássaro. Enfatizamos, em lugar disso, o fato que Deus transmitiu uma concessão ilimitada do Espírito Santo a seu Filho, de acordo com sua natureza humana, Sl.45.8; Hb.1.9; At.10.38. As maravilhas ainda não acabaram. Mateus, mais uma vez, exclama: Eis! Deus Pai também está manifesto por uma voz do céu, identificando tanto a ele como ao Filho. Cf.Is.42.1; Sl.2.7. Este homem, que desta forma foi inteiramente distinto e separado das demais pessoas que estavam presente, é o verdadeiro Filho de Deus, amado por ele num sentido todo especial. Cristo entre em seu ministério, tendo consciência de que tem o favor do Pai e o seu pleno consentimento e bênção. O Deus trino, junto ao batismo de Jesus, imprime o seu selo da aprovação sobre a obra da redenção. Sumário: No transcurso do ministério de João Batista, no qual teve a oportunidade de administrar uma repreensão severa a fariseus e saduceus, Jesus também recebeu o batismo de suas mãos, depois do que ocorreu uma revelação maravilhosa do Deus trino. O Batismo de João João Batista, quando apareceu no deserto da Judéia, com a mensagem e o batismo de arrependimento, não estava impingindo no povo uma cerimônia nova e estranha, da qual nunca tinham ouvido. Ao contrário, já eram conhecidas diversas abluções e formas levíticas de batismo, desde os tempos de Moisés. O rito originou da purificação cerimonial dos impuros, Gn.35.2; Ex.19.10; Nm.19.7; Judite 12.7, e foi estendida para abranger todas as formas de purificação levítica, feitas com água, Hb.9.10. Uma das formas mais antigas de abluções com água foi o batismo dos sacerdotes no ato de sua consagração, Ex.29.1-9; 40.12. Há, em Hb.10.22, uma alusão a este lavar. Qualquer impureza do corpo, contraída pelos sacerdotes, depois da sua ordenação, na realização diária de seus 28 ) Lutero, 13. 1575; 11.2139. deveres, em especial, pelo contato de suas mãos e pés com coisas impuras, ao entrarem no santuário, precisava ser removida pelo lavar dos membros afetados, Ex.30.17-21; 40.30-32. .Duas passagens dos salmos referem a este costume, Sl.26.6;73.13. Quando um israelita havia tocado nalgum esqueleto de animal ou havia removido alguma parte dele, era considerado impuro, precisando lavar suas vestes e corpo, Lv.11.24-28,39,40; 5.2;22;4-6. Havia o batismo daqueles que haviam curado da lepra, Lv.13.6,34. O sumo sacerdote, no grande dia da expiação, realizava abluções muito cuidadosas, tanto no início como no fim dos seus serviços, Lv.16.4,24. O homem que havia levado o bode emissário ao deserto e, também, aquele que levara o novilho e o bode da oferta pelo pecado para fora do arraial, eram obrigados a banharem seu corpo em água, Lv.16.26-28. Quando levitas eram consagrados, eles eram respingados com água, Nm.8.5-7,21. O sacerdote e os dois leigos que haviam preparado as cinzas da novilha vermelha, tinham que banhar seu corpo em água, Nm.19.7-10. Havia ainda outras abluções ou batismos cerimoniais, com os quais os judeus eram familiares, Lv.15.1-29; Nm.19.11-22; Dt.21.1-9; 23.10-11. Mas a mais interessante das abluções religiosas dos judeus era o batismo dos prosélitos, que, depois de terem sido instruídos em certas partes da lei, e tendo feito recente confissão de sua fé, eram mergulhados em água, sendo, após isto, em tudo considerados israelitas plenos. É a esta cerimônia que o batismo de João, em sua forma externa, se relacionou 29. Outra pergunta curiosa é a que diz respeito à diferença, caso haja, entre o batismo de João e aquele instituído por Cristo. Precisa ser notado, dum lado, que há muitos pontos de concordância. João batizava por ordem divina, Lc.3.2,3; Jô.1.33; Mt.21.25; Lc.7.30. Era um batismo em e com água, Mt.3.11; Mc.1.8; Lc.3.16; 3;23. Finalmente, era um batismo para arrependimento, para perdão dos pecados, Mc.1.4; Lc.3.3. Em todas estas partes ele concordava com o batismo de Cristo. Havia, contudo, uma diferença entre o batismo de João e o de Cristo. Quando Paulo veio para Éfeso, encontrou certos discípulos que somente haviam sido batizados com o batismo de João. Ele os batizou em o nome do Senhor Jesus, At.19.1-16. Os principais pontos de diferença entre os dois batismos estão indicados nesta passagem. O batismo de João é chamado claramente um “batismo de arrependimento”. Era administrado só a adultos, que confessaram seus pecados, e que tinham atingido a idade de discrição, Mt.3.6; bMc.1.5, enquanto o batismo de Cristo é para todas as pessoas, incluídas as crianças, At.2.39,41; Cl.2.11. O batismo de Jesus opera e transmite o perdão de pecados, como um dom que foi adquirido.O batismo de João indica para adiante, para a conquista do precioso dom pela redenção, por vir a ser realizada por Jesus Cristo. Em suma, o batismo de João foi típico, preparatório, tal como foi sua pregação. O glorioso cumprimento veio em e com Cristo.30 Capitulo 4 A Tentação no Deserto – Mt.4.1-11 Jesus, pelo seu batismo e pelas manifestações sobrenaturais que acompanharam o fato, havia sido dedicado publicamente ao seu ministério. Mas, ele não deveria iniciar logo sua pregação. 29 30 ) Theol. Quart., 13.219-232; Edersheim, Life and Times of Jesus the Messiah, 1.273; 2.745. ) Syn.Ber., Mo.Syn., Minn.Dist., 1912.36-41; Lutero, 7.1733; Pieper, Christliche Dogmatik, III,377-339. V.1: A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. “A seguir”, imediatamente após seu batismo ou logo que recebera a participação extraordinária do Espírito. Este Espírito enchia agora sua humanidade e dirigia suas ações, conduzindo-o a fazer o trajeto para a solidão do deserto, chamado o covil de animais selvagens e não a morada dos homens, Mc.1.13. Foi uma viagem voluntária da parte de Jesus, que em tudo tinha como única preocupação cumprir a vontade de seu Pai celeste, Sl.40.7-8; Hb.10.7,9, podendo ter acontecido que a fraqueza de sua natureza humana tenha requerido algum estímulo, Mc.1.12. Pois, o objetivo deste retiro não foi, simplesmente, conseguir algum tempo para um abençoado repouso e alegria, nem para se dedicar a uma incômoda contemplação quanto aos métodos para se revelar ao seu povo, como o fizeram Buda e Maomé, mas para ser tentado pelo diabo. Esta tentação ocupou todo o período desse viver solitário, Mc.1.13; Lc.4.2. Este combate ao diabo fez parte do ofício e obra para os quais ele havia sido enviado pelo Pai e ungido com o Espírito. Tal como o arquiinimigo da humanidade havia tentado e vencido o primeiro Adão, precipitando por meio dela a humanidade inteira na condenação, assim ele também se propôs vencer ao segundo Adão, obstruindo e frustrando a obra da redenção. “Levado pelo Espírito”; “ tentado pelo diabo” – que contraste forte! Um teste duro, até do ponto de vista da natureza física de Cristo, V.2: E, depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome. A expressão indica que foi um espontâneo e voluntário abster-se de comida. A severidade dos testes, a preocupação mental causada pelas tentações reprimia-lhe o desejo natural por alimento, semelhante ao caso de Moisés, Ex.34.28, e Elias, 1.Rs.19.8. Mas toda esta abstinência de comida, o que também incluía abstinência de bebida, não fazia parte da natureza dum exercício ascético. “Esta é também a razão porque o evangelista registra e diz: Ele foi impelido pelo Espírito ao deserto, para que lá jejuasse e fosse tentado, para que ninguém, por escolha própria, o imite no exemplo, fazendo disso um jeju8m egoísta, obstinado e auto-assumido; mas espere pelo Espírito, o qual lhe enviará o suficiente de jejum e tentação” 31). Dos muitos e variados assaltos que o diabo empregou durante os quarenta dias, Mateus, como também Lucas, menciona três ocorreram no fim deste período. Notemos, que a ordem cronológica dos fatos, aqui narrados, é de menor consideração. O objetivo principal do evangelista é retratar a maneira astuto da tentação. V.3: Então o tentador, aproximando-se, lhe disse: Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães. A palavra “tentador”, aplicada ao diabo, descreve, com muita propriedade, sua obra má, ou sua ocupação preferida e seus ataques incessantes, Lc.22.31; 1.Ts.3.5. Tanto o tempo como a forma desta tentação foram escolhidos com astuta avaliação. É natura que a fome abala a resistência do corpo, tanto física como mentalmente.Ela enfraquece e inquieta a mente, e interfere no juízo sadio. A sugestão ardilosa, por isso, pode, com facilidade, encontrar uma recepção favorável. Até o fraseado da insinuação do diabo deve ser notado. Em harmonia com seu caráter, oculta na forma duma frase, está uma dúvida, tanto em relação à filiação divina do Salvador, como em relação à sua habilidade de, por meios milagrosos, prover alimento par si. É, como se ele estivesse dizendo: “Não consigo acreditar que tu és o Filho de Deus; dá-me, por isso alguma prova. Fala, para que estas pedras, espalhadas ao acaso pelo deserto, por um milagre, sejam tornadas em pães”. Render-se ao que foi pedido, teria significado entregar-se ao espírito do mal e das trevas; teria significado falta de confiança na providência e apoio divinos, deixando que o egoísmo reinasse e, lugar da prática da abnegação. O Salvador está á altura da ocasião: V.4: Jesus, porém, respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Eis a arma mais poderosa e eficiente. Uma simples afirmação da verdade escriturística, Dt.8.3. Jesus, prontamente, 31 ) Lutero, 11.5344 (traduzi do alemão). reconhece a ordem natural das coisas: Quanto aos meios ordinários de viver, o homem depende do alimento. Ele também declara, que Deus não está preso a estes meios, mas pode sustentar a vida por meio duma palavra da sua boca. É assim, que ele, de modo franco, coloca sua confiança em seu Pai, dependendo, quanto à conservação de sua vida terrena, não em qualquer tolo interferir nos meios de Deus, nem em esquemas e ações satânicas, mas só no poder de sua palavra. E isto sempre é verdade. “Todas as criaturas são máscaras e fantoches de Deus, que ele permite agirem por meio dele e ele ajuda que façam muitas coisas, que ele, quando quiser, pode fazer sem eles – e realmente faz, para que nós nos atenhamos tão somente à sua Palavra. Se for pão, que não confiemos no pão. Ou, se não o houver, que nem por isso desesperemos. Mas o usemos quando o temos, e passemos sem ele, quando não há. Estando certos, que ainda assim vivemos e somos alimentados em ambas as épocas pela Palavra de Deus, havendo ou não havendo pão. Com uma tal fé se vence, acertadamente, a ganância, a glutonaria e a preocupação terrena da alimentação” 32. “Aquele que quiser precaver-se contra tal tentação, aqui pode aprender de Cristo que uma pessoa tem duas espécies de pão. O primeiro e melhor pão, que desce do céu, e que é a Palavra de Deus. O outro pão, que é o menos importante, é o pão terreno que cresce do solo. Se, por isso, tenho o primeiro e o melhor, a saber o pão do céu, e não permito que seja afastado dele, então o pão terreno também não faltará ou ficará longe; mas, antes, as pedras se transformarão em pão” 33. O diabo, repelido mas não desmantelado, busca uma nova linha de ataque. V. 5-6a: Então o diabo o levou à cidade santa, colocou-o sobre o pináculo do templo, e lhe disse: Se és Filho de Deus, atira-te abaixo. Satanás, tendo falhado no seu intento de provocar desconfiança na habilidade de Deus, de sustentar a vida por meio de condições incomuns, tenta plantar no coração de Jesus a semente da auto-glorificação e da presunção. Ele mostra maior audácia, levando Jesus consigo como se fosse seu companheiro. Praticamente, se apossa dele, e o leva para Jerusalém, pelo evangelista , carinhosamente, chamada a “cidade santa”. Aqui ele o coloca no pináculo do templo. Este se refere, talvez, ao ângulo sudoeste do pátio do templo onde Herodes havia erigido uma galeria de grande altura, de cujo cimo estonteante se via a profundeza do Vale do Cedrom. Nesse caso o perigo dum salto teria dado maior impacto ao estímulo do diabo. Ou, Mateus tem em mente o telhado do Santo dos Santos, que era o lugar mais alto do próprio templo. Teria sido um salto ousado, um milagre aparatoso, se Jesus, na presença da multidão reunida, se tivesse jogado deste ponto proeminente abaixo e alcançado ileso o chão. Entregando-se ao diabo por meio desta sugestão, ele teria ganho numa hora mais seguidores, do que todo o número de discípulos reunido pelo método desgastante do ensino. O inimigo, tendo sido tornado mais cauteloso por meio de sua primeira experiência, está determinado a se desviar duma segundo citação das Escrituras. Por isso, ele cita uma passagem em seu favor. V.6b: porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito, que te aguardem; e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra. O diabo, realmente, sabe citar as Escrituras em favor dos seus fins, e na maneira que lhe é peculiar, omitindo alguma parte essencial. No texto a que se refere, Sl.91.11-12, as palavras “para te guardar em todos os teus caminhos” são indispensáveis para uma interpretação correta. Não é nos caminhos que o próprio homem escolheu, que a mão protetora de Deus lhe é assegurada, mas unicamente nos caminhos que concordam com a ordem racional e as leis do universo. Isto está implícito na resposta do Senhor. Notemos, que ele nem mesmo se preocupa em repreender Satanás por ter citado mal as Escrituras, V.7: Respondeu-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus. Ele não oferece uma contestação, mas uma qualificação para enfatizar a necessidade de expor a Escritura com a Escritura. Um fato 32 33 ) Lutero, 11.539. ) Lutero, 13.1687. significativo: Jesus cita no singular a passagem a que se refere, Dt.6.16, fazendo, assim, quanto ao caso presente, aplicação da sua verdade a si mesmo. O salto do pináculo, neste caso, não somente teria significado a busca dum escape da cruz, deixando de cumprir o seu dever, mas teria sido, porque baseado numa compreensão falsa da Bíblia, um desafio atrevido da providência, e por isso em si mesmo pecaminoso. O método do Senhor de administrar a situação deve ser básico para cada cristão. “Esta é, por isso, uma tal tentação, que ninguém entende, a não ser que a tenha vivido. Pois, assim como a primeira induz ao desespero, assim esta induz ao atrevimento e a tais atos que não têm o mandamento da Palavra de Deus. Em tal situação um cristão deve andar o caminho do meio, para que não desanime nem seja atrevido. Ambos são contra a Palavra de Deus. Mas, que ele permaneça singelamente na Palavra, tendo verdadeira confiança e fé. Deste modo, e não de outro, os anjos devem ficar com ele 34). Mas o diabo ainda não está derrotado, V.8: Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles. O tentador ataca mais uma vez. Seus empenhos para destruir a obra de Deus, não cessam, 1.Pe.5.8. E ele, como o príncipe da potestade do ar, Ef.2.2, tem grande poder. Controla, até certo ponto, as forças e a riqueza da terra. Cf.Jô.12.31; 14.30; 16.11; Ef.6.12. Aqui o diabo empregou um estratagema de encantamento, evocando, numa figura cativante, apelativa e quase irresistível, por um momento as riquezas e as glórias de todos os reinos da terra, Lc.4.5. A localização do monte muito alto, referido aqui, não é importante. O mesmo acontece com a pergunta, se a cena foi uma demonstração física ou uma sugestão mental. O fato principal da narrativa de Mateus é a referida subtilidade e também a extrema estupidez do tentador. V.9: E lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. Para um ser humano comum, nenhuma proposta, quanto a si mesma, podia ser mais atraente. Que quadro fascinante do domínio absoluto sobre o mundo e a posse de sua glória foi, aqui, oferecido ao descendente humilde e rejeitado de Davi! Mas que bobice é querer tirar vantagem da disposição ilimitada da riqueza do mundo e do seu fausto, na presença daquele que, por direito, mantém todas as nações da terra, como sua herança35, e os confins da terra como sua propriedade! A condição de Satanás, exigindo adoração, como sendo o maior, foi, por isso, totalmente ingênua e desastrada. Mas ele empenhou tudo neste seu último apelo por ambição terrena, que envolvia o desejo voluntário à forma mais abjeta de idolatria. Jesus passa com a adequada dignidade pelo insulto. V.10: Então Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto. Aqui Jesus se ergue no poder de sua suprema autoridade e, irado, repele a sugestão satânica. No grego temos aqui uma só palavra: Fora! Some da minha frente! É uma ordem peremptória. Ela acaba com a companhia desagradável que o diabo estendera ao Senhor. Ele dá o epíteto “Satanás”, isto é, adversário ou inimigo, ao tentador, 1.Rs.11.14; Sl.109.6, porque ele não só interfere no trabalho messiânico de Cristo, mas é, desde o início, o arqui-inimigo de toda a humanidade. Por ora, o Senhor condescende dar suporte à sua majestosa despedida, citando um texto da Escritura, Dt.6.13, que ele adapta às circunstâncias presentes. Somente o Senhor dos Exércitos (Javé) é digno de honra, louvor e adoração. O ministrar culto, a veneração religiosa, deve ser dada só a ele. Esta última demonstração de onipotente autoridade concluiu o dia, V.11: Com isto o deixou o diabo, e eis que vieram anjos, e o serviram. A expulsão do inimigo foi completa. Foi estabelecida a gloriosa supremacia do Senhor, não somente sobre o homem, mas também sobre o mundo espiritual. Por um certo tempo, o diabo o deixou, Lc.4.13. E anjos vieram e agiram como seus servos, não, primeiramente, em lhe trazer comida, mas em dar-lhe a confirmação do 34 35 ) Lutero, 13.1690. solidário apoio e suporte divino. Estes ele, agora, usufruiu da parte dos espíritos bons. Estes, desta foram, o serviram com um conforto que visava su8portá-lo nos dias futuros. Todos os cristãos deviam observar: “Contudo, isto está escrito para o nosso conforto, que saibamos que, enquanto um diabo nos tenta, são muitos os anjos que nos servem. Se nós lutarmos e nos mantivermos bravamente, Deus não permitirá que soframos falta do que é necessário. Mas, antes, precisarão vir os anjos do céu e se tornar nossos padeiros, nossos garçons, nossos cozinheiros, para nos servir em tudo o que é necessário.Isto não está escrito, por causa de Cristo, que não o precisa. Se os anjos o serviram, que o façam também conosco. Por isso, devíamos estar bem equipados com a Palavra de Deus, para que nos defendamos e mantenhamos com ela. Nosso querido Senhor Jesus Cristo, que por nós subjugou estas tentações, nos dê força, para que por meio dele vençamos e sejamos salvos”34}. O Início do Ministério da Galiléia e a Vocação dos Quatro – Mt.4.12-25. O evangelista, com uns poucos lances rápidos, neste ponto, delineia o começo da obra messiânica de Cristo na Galiléia. Ele não está muito preocupado sobre o fornecimento duma seqüência cronológica dos fatos, mas sobre como agrupar os incidentes de tal forma que apresentem um relato contínuo. Aqui ele omite o retorno de Jesus para o Jordão, Jô.1.35, sua jornada para a Galiléia, Jô.1.41, o casamento de Cana, a viagem para Cafarnaum e aquela para Jerusalém antes da prisão de João, e o seu ministério na Samaria, Jo.3 e 4. Ele dá, como introdução, um resumo das diferentes atividades de Cristo no norte. V.12: Ouvindo, porém, Jesus que João fora preso, retirou-se para a Galiléia. João Batista, em sua habitual maneira destemida, não hesitara em provocar Herodes Antipas, o etnarca de Galiléia e Peréia, por causa da sua união adúltera com Herodias, sua sobrinha que já era esposa de seu meio-irmão Herodes Filipe. A conseqüência foi, que o encolerizado príncipe o prendeu, Lc.3.19-20; Mc.6.17. O último campo de atividade de João havia sido no vale de Enom, Jô.3.23, tendo, provavelmente, estendido seu trabalho até a Galiléia. Quando a boca deste testemunha fiel havia sido silenciada, Jesus reconheceu que para ele havia chegado o tempo de entrar publicamente em seu trabalho profético. Seu ministério na Galiléia principiou quando o de Batista chegara ao fim, Jo.3.30. Sua cidade natal, naturalmente, foi a primeira. V.13: E, deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum, situada à beira-mar, nos confins de Zebulom e Naftali. A recepção desagradável que lhe fora dada em Nazaré, Lc.4.16-30, motivou-o a ficar lá por pouco tempo. Instalou-se,fez seu lar, em Cafarnaum, que, por todos os relatos do evangelho, aparece como o centro do ministério do Senhor na Galiléia. Era uma cidade progressista junta ao Mar da Galiléia, na grande estrada de Damasco ao Mediterrâneo. Em cumprimento à profecia de Cristo, Mt.11.23, esta metrópole comercial foi, mais tarde, destruída tão completamente, que, até, o seu lugar, em meio às ruínas de cidades, é incerto, sendo Tell Hum tida, comumente, como o seu antigo lugar.36 O evangelista localiza a cidade só tanto, que seja suficiente para ajustar seu itinerário para um outra referência profética, V.14-16: Para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: Terra de Zebulom, terra de Naftali, caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios! O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz. O que Isaías havia escrito, capítulo 8.22 e 9.1-2, cumpriu-se no ministério de Jesus nesta região. As tribos de Zebulom e Naftali tinham aqui, em tempos antigos, sua morada. Seu território se estendia em direção ou no encosto do mar. Era um lugar onde as raças se misturavam, formando uma população de fronteira, especialmente deste lado – o lado oeste do Jordão – de acordo com o emprego hebraico do termo, ou além do Jordão, de 36 35) Barton, Archeology and the Bible, 98. acordo com o emprego grego, numa referência à Peréia que também foi cenário da atividade de Cristo. É desse população mista de judeus e gentios, em cujo meio os governantes gregos haviam fundado novas cidades com costumes e instituições gentias, que o evangelista diz que jazia em trevas, aplicando as palavras do profeta. A condição espiritual do povo era tal, que significava um crescimento na cegueira espiritual, até mesmo no tempo de Isaías, uns 700 anos antes. E o evangelista repete no verbo “viviam” o mesmo sentido de “jaziam”. Reinava uma atitude indiferente e preguiçosa. A sombra da morte espiritual os havia envolvido. De fato, se havia apagado a luz da vida que irradiava das profecias do Antigo Testamento. Mas, agora, “Jesus Cristo, a verdadeira Luz, brilhou na beleza da santidade e da verdade. Cristo iniciou seu ministério na Galiléia e freqüentou este lugar inculto mais do que Jerusalém e outros lugares da Judéia. Foi aqui que sua pregação era, especialmente, necessária, e foi assim que a profecia se cumpriu”36. A forma da mensagem de Cristo era familiar ao povo, V.17: Daí por diante passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus. Isto já havia sido proclamado por João Batista em seu apelo urgente por uma mudança de coração. Mas com Jesus isto teve significado ainda maior. Ele precisa pregar o arrependimento para preparar o caminho da proclamação da salvação. Ele não agiu como um guia para uma salvação distante que se aproxima, mas como o arauto do reino da graça que nele estava à mão. Seu apelo foi por uma mudança do velho para o novo, da profecia e do tipo para o cumprimento. Foi assim que a estrela d”alva raiou em Cristo e seu evangelho, e agora começou a brilhar sobre os que estavam envoltos em trevas, para que vissem esta luz e regozijassem em sua luz e calor misericordiosos. A vocação dos discípulos, um dos primeiros atos oficiais de Cristo. V.18: Caminhando junto ao mar da Galiléia, viu dois irmãos,Simão, chamado Pedro, e André, que lançavam rede ao mar, porque eram pescadores. O Mar da Galiléia, também chamado Lago de Genezaré, Lc.5.1, e Mar de Tiberíades, Jô.21.1, é uma pequena porção d’água formada por rio Jordão, tendo, mais ou menos, treze milhas de comprimento e sete de largura. Suas águas são frescas e claras, com abundância de peixes. As colinas à sua margem oeste são de natureza baixa e calcária. As montanhas, que se erguem na margem direita, são muito mais altas. Jesus, deliberadamente, seguiu o atalho pela costa desde Cafarnaum, acompanhado por uma grande multidão que persistia no desejo de ouvir seus sermões, Lc.5.11. Foi então, que ele enxergou Simão, que ele, no primeiro encontro, Jô.1.42, havia chamado de Cefas, o equivalente aramaico de Pedro, e seu irmão André, que eram de Betsaida e estavam empenhados em seu negócio, pois eram pescadores. Os dois não eram desconhecidos do Senhor, tendo já estado com ele nas campinas do Jordão, Jô.1.40-42, e, depois, em Caná. Tendo vindo com Jesus para a vizinhança de sua morada, retornaram à sua antiga ocupação. Eles também, movidos pela palavra do Senhor, lançam suas redes ao mar para uma pescaria maravilhosa, Lc.5.4-6. Mas, o Senhor precisava deles. V.19-20: E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então eles deixaram imediatamente as redes, e o seguiram. Esta não foi uma solicitação para mero companheirismo, mas uma vocação poderosa, ainda que genial, ao apostolado, expressa em palavras que apelaram às suas mentes incultas. Já eram seus discípulos, mas sem obrigações especiais, quanto ao segui-lo. Agora eles foram escolhidos como seus constantes seguidores, para serem treinados para o seu importante e elevado chamado. “Este foi o começo e a primeira vocação, a saber, para ouvir o evangelho de Cristo o Senhor. Pois, se devessem pregar a outrem, eles, primeiro, o deveriam ouvir e aprender. Depois disso, quando deveriam pregar a outrem, o Senhor os chamará por uma outra vocação e lhes dá a ordem como e em que deveriam concordar, Mt.10” 37. Jesus chama-os, mais apropriadamente, “pescadores de homens”, visto que queria treina-los para ganhar almas imortais para o céu, 37 ) Lutero, 11.1910. mesmo que fossem tão somente homens simples e incultos, “para que o poder e a força de Deus fossem apontados nisso,que Ele principiou este trabalho tão imenso com pessoas tão humildes e simples, e por eles o realiza; para que cada um pudesse entender que isto não feito por poder humano, mas unicamente pelo poder e força divina” 38. Seu emprego secular serviu, neste sentido, como o símbolo do seu chamado espiritual. O impacto forte que ap presença e o ensino de Cristo deve ter provocado nestes pobres pescadores galileus, aparece no fato, que não houve nenhuma hesitação, nenhuma consulta a carne e sangue. Imediatamente deixaram suas redes, desistiram de sua vocação terrena, abandonaram a tudo, e o seguiram, tornando-se seus discípulos e estudantes de teologia. No mesmo dia outros se juntaram a eles: V.21-22 Passando adiante, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco em companhia de seu pai, consertando as redes, e chamou-os. Então eles, no mesmo instante, deixando o barco e seu pai, o seguiram. Isto aconteceu na mesma vizinhança, do relato recém descrito, e logo em seguida, Lc.5.10. João, provavelmente, esteve entre os que, no Jordão, haviam seguido Jesus, Jô.1.35-40, e, brevemente, havia contado sua experiência maravilhosa ao irmão mais velho, Tiago. Por isso, ainda que estivessem dedicadamente empenhados na rotina de sua vocação, e ainda que a vocação de Jesus implicava em cortar as relações familiares, não havia neles a menor hesitação. A honra de servir seu Senhor, mesmo na pobreza e humildade, elimina todas e quaisquer considerações temporais. Com estes homens, como núcleo de um grupo leal de discípulos, Jesus principiou, agora, seu ministério na Galiléia, do qual Mateus dá, neste ponto, um resumo, na forma de uma introdução aos capítulos seguintes. V.23: Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo. A Galiléia inteira era seu campo de atividade, tanto a Galiléia superior, com seus vales férteis, como a Galiléia baixa, com seus muitos vilarejos pontilhando a paisagem. Jesus, em suas idas e vindas, estava dedicadamente engajado e constantemente ativo nas três funções do seu ministério. Ensinava nas sinagogas ou escolas dos judeus, principalmente, expondo o Antigo Testamento. Pregava o evangelho do reino, a gloriosa nova da redenção messiânica. Curava os enfermos, não só por uma mera sugestão mental como tantos o fazem, mas com a aplicação deliberada do seu poder divino sobre qualquer forma de mal e doença que se manifestasse. O resultado foi evidente. V.24: E a sua fama correu por toda a Síria; trouxeram-lhe, então, todos os doentes, acometidos de várias enfermidades e tormentos: endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os curou. Os relatos sobre os poderes miraculosos do Senhor se espalharam por toda a Síria , mais provavelmente ao longo da estrada freqüentada pelas caravanas. E assim todos aqueles que estavam atormentados ou aflitos de qualquer espécie de doença eram trazidos a Cristo, pelos seus familiares ou amigos. Segue uma lista de doenças. Havia as indisposições doloridas menores que exigiam o toque da sua mão curadora. Havia os endemoninhados, ou seja, os que, pela influência de espíritos imundos, estavam sujeitos a doenças. Havia os lunáticos ou epilépticos, sobre os quais mudanças dos astros influenciavam, em especial as fases da lua. Havia os paralíticos, que estavam aleijados, em resultado de desordens nervosas e das mudanças do tempo. Mas, de todos estes o evangelistas tem a dizer a mesma coisa, o que ele faz em três palavras: “Ele os curou”. A força da doença precisou render-se diante da onipotência do divino médico. Com sua fama cresceu também o número dos seus seguidores. V.25: E da Galiléia, Decápolis, Jerusalém, Judéia e dalém do Jordão numerosas multidões o seguiam. A extraordinária impressão que este profeta de Nazaré criou não ficou limitada à Galiléia. Pessoas vinham de 38 ) Lutero, 11.1917. Decápolis, a sudeste do Lago de Genezaré, cuja população era, predominantemente, grega. Não tomaram em consideração a viagem longa desde o extremo sul da arrogante Judéia, da Jerusalém que não se misturava, da bem distante Peréia, dalém do Jordão na Judéia. Todos queriam ver e ouvir o homem, cujos milagres estavam deixando perplexa a nação. Sumário: Jesus, tendo, depois de 40 dias de jejum, resistido com sucesso à tentação do diabo, principiou seu ministério da Galiléia, ensinando, pregando e curando, sendo Pedro, André, Tiago e João os seus primeiros discípulos. A Sinagoga Judia As sinagogas, ou as casas de reuniões, que, tão freqüente, são citadas no Novo Testamento, particularmente nos evangelhos e em Atos, se originaram durante ou em conseqüência do cativeiro babilônico. Foram, provavelmente, o resultado da grande necessidade em conjunto, sentida por todos, quando o templo estava em ruína. No tempo de Jesus estavam espalhadas por toda a terra da Palestina. Até mesmo em vilas pequenas, sendo que dez pessoas honradas era o suficiente para compor uma sinagoga. Em Jerusalém havia 480, ou, se pouco, 460, destas casas de culto. Uma comunidade, geralmente, construía sua própria sinagoga, a não ser, quando era assistida por vizinhos caridosos, ou, até, por generosidade privada, Lc.7.5. No que diz respeito à sua disposição e mobília, as sinagogas,usualmente, eram de forma retangular, tendo uma nave central e corredores de ambos os lados, que corriam por fora das colunas que sustentavam o telhado.Geralmente havia uma galeria para as mulheres, apoiada nestas colunas. Numa das pontas se localizava o cofre sagrado ou arca, contendo os rolos da lei e dos profetas, que estavam escritos em longas folhas de pergaminho ou papiro e enrolados de ambas as pontas sobre uma vara roliça. A arca estava protegida por uma cortina, e degraus conduziam a ela. A lâmpada sagrada, com sua luz eterna, nunca faltava. O púlpito ou cátedra, do qual a lei era lida, estava no meio da construção. Os que a liam, ficavam de pé, enquanto quem pregava ou expunha o texto, o fazia sentado. Bem em frente da arca e direcionado para as pessoas, estavam os acentos de honra, onde sentavam os anciãos, sendo que os acentos ou bancos para os homens preenchiam o espaço restante. O culto público na sinagoga era iniciado com o Shema, Dt.6.4-9; 9.13-21; Nm.15.37-41. De manhã e de tarde, era precedido por dois votos de bendição, e seguido, de manhã, por um voto de bênção, enquanto, que de tarde, por dois. Estas são orações de beleza singular, no tom geral dos salmos. Estas orações, antes e depois do Shemá, estão no Mishnah, e, praticamente, permaneceram inalteradas até o dia de hoje. Depois vinham as orações diante da arca. Consistiam de dezoito eulogias ou bendições, chamadas Tephillah. As três primeiras e as trtês últimas elogias são muito antigas, sendo possível afirma que já estavam em uso no tempo do Senhor. As orações eram proferidas em voz alta por um homem escolhido para a ocasião, e a congregação respondia com amém. A parte litúrgica do culto era concluída com a bênção araônica, proferida pelos descendentes de Arão ou pelo líder das devoções. Após isto seguia a leitura da lei. Sete pessoas eram pedidas a ler, e as leituras eram arranjadas de tal forma, que o Pentateuco (os Livros de Moisés) fosse lido duas vezes em sete anos. Em dias da semana, só eram pedias três pessoas para ler a lei. Após a lei seguia a leitura dos profetas. No tempo de Jesus, toda leitura era acompanhada duma tradução ao aramaico por um “meturgo” ou intérprete. Depois da leitura dos profetas vinha o sermão ou alocução. Quando aparecia um mestre muito instruído, ele não falava diretamente ao povo, mas um orador dava uma transcrição popular da discussão com ele. O sermão mais popular do ancião ou mestre era chamado de “meamar”, isto é um discurso ou conversa, via de regra, baseada numa passagem da Escritura, Lc.4.47. Depois do sermão o culto era encerrado com breve oração.39 Capítulo 5 As Bem-aventuranças. Mt.5.1-12. A secção do evangelho de Mateus, que está nos capítulos 5 a 7, é uma das mais belas e impressionantes de todo o Novo Testamento. Jesus, neste trecho e na linguagem mais simples, porém com força singular e pertinência, deu um resumo do seu ensino moral, a doutrina “dos frutos e boas obras dum cristão”, como escreve Lutero. Pois, o “sermão da montanha” não é a proclamação do evangelho mas a pregação da lei. Jesus objetiva despertar e promover a conscientização e a percepção, não só duma relativa fraqueza e insuficiência em coisas espirituais, mas duma total e absoluta incapacidade de pensar, falar e agir conforme a santa vontade de Deus. Ele quer causar a convicção humilhante mais, incidentalmente, a mais bendita convicção, quanto a sermos infelizes, miseráveis, pobres, cegos e nus em coisas espirituais, Ap.3.17. Quer ensinar aos regenerados que, sem ele, não podem fazer nada e, desta forma, guia-los pelo caminho da verdadeira santificação. Este foi o alvo de Cristo ao proferir este maravilhoso sermão. A ocasião e o lugar para esta grandiosa lição foram escolhidos por Jesus, com particular cuidados. Ele havia passado a noite em oração num monte, e, após, havia separado doze dos seus discípulos para serem apóstolos, Lc.6.12-16. Feito isto, estava a caminho do vale, V.1a: Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte. O povo, em números crescentes, se agrupava a ele. As pessoas vinham para ouvi-lo. Insistiam em tocá-lo, e serem curadas de várias doenças, Lc.6.17-19. Jesus, para se livrar das multidões abaixo, cuja ânsia ameaçava esmaga-lo, subiu novamente ao monte. Saber seu nome e localização, seria interessante, só por razões sentimentais. Nas encostas mais elevadas ele estava livre do aperto do povo. V.1b: E como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos. Não só os apóstolos, ainda que estivessem entre os primeiros, mas seus discípulos em geral, que já era um grupo considerável, se reuniram ao seu redor. Seu discurso se dirigiu, principalmente, a eles, mas os demais não estiveram excluídos. O lugar era ideal para repassar um ensino sem distração, longe do ruído da multidão que se acotovelava e acima do alvoroço e do calor abafado da planície. 39 )Clarke, Commentary, 5,62; Schaff, Commentary, Matthew, 95; Edersheim, Life and Times of Jesus the Messiah, I.430-450; In the Days of Christ, cap. XVII; Dembitz, Jewish Services in Synagog and Home, Book II, cap.I; Gwinne, Primitive Woship and the Prayer Book, cap.I; Mercer, The Ethipic Liturgy, 29. Uma descrição solene e dramática do começo dum discurso de peso. V.2: E ele passou a ensina-los, dizendo: Esta foi, da parte do grande Mestre, uma informação confidencial e que inspirava temor, registrada pelo evangelista, Jô 3.1; Dn.10.16; Sl.78.2. É dado um discurso bem preparado e cuidadosamente disposto, em que, com total destemor, foi feita referência a condições deploráveis que existiam. “Também isto, como afirmado acima, pertence a um pregador, a saber, que não cale sua boca, que não somente em público exerça seu ofício, assim que todos devam calar-se e permitir que ele siga em frente como quem tem direito e ordem divinos, mas que ele também abra sua boca de modo alegre e confiante, isto é, para pregar a verdade e tudo o mais que lhe foi incumbido. Não calar ou falar de modo confuso, mas sem ansiedade e sem temor confessar e falar francamente, sem considerar ou poupar qualquer pessoa, deixando que acerte a quem e o que quer que seja” 40. Jesus ensinou-os, não somente seus discípulos, mas a todos que sua voz podia alcançar. Foi um ensinamento, não um sermão, que lhes dirigiu. Aqui Jesus é o Mestre e Professor, não o evangelista e profeta.Suas primeiras palavras tangem a nota-chave de todo o discurso. V.3: Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Aqui a referência de Jesus, antes de tudo, não é para a pobreza temporal, ou à miséria terrena, como acontece em outras passagens do Novo Testamento, 1.Co.1.26-28; Tg.2.5. Ele está falando dos pobres e miseráveis “de espírito”, isto é, daqueles que se encolhem e recuam de medo e terror, dos que de modo assustado estão conscientes das carências e necessidades de sua alma, dos que sentem em seu próprio coração, no que concerne às bênçãos espirituais, nada mais do que um grande vazio e desespero em suas próprias habilidades, Mt.11.5,28; Is.61.1; 62.2; Sl.70.5. Pessoas, como estas, que estão consciente e dolorosamente informadas, de suas deficiências morais, o Senhor chama bemaventuradas, felizes. Se ainda estivessem sob a impressão enganosa, de que eram espiritualmente ricas e sem carências em qualquer coisa, iriam iludir-se com uma falsa segurança, que os impediria de alcançar a verdadeira riqueza ou a única felicidade que é eterna. Mas em suas reais condições, nenhum falso orgulho irá impedi-los de aceitar as riquezas insondáveis do reino dos céus, que são suas de graça. Pois, o reino dos céus é a totalidade de todos os dons de Deus em Cristo Jesus, assim como são desfrutados aqui na terra na Igreja Cristã, e, finalmente, lá em cima, no reino da glória. Sendo isto verdade, e sendo já agora sua a posse das riquezas do reino, os discípulos devem empenhar-se, com diligência ainda maior, em cultivar a pobreza que o Senhor elogia, e exercitar-se nela diariamente. O que segue está intimamente conectado com este pensamento, V.4: Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Os discípulos estão sujeitos a condições e circunstâncias tais, que lhes causam ou ocasionam choro, Lc.6.21,25; Jo.16.20; At.14.22. Mas, o motivo principal do seu lamento está no fato que sentem sua pobreza espiritual. Seu pesar está sobre a esterilidade de sua natureza carnal, que os separa do manancial das bem-aventuranças. Este pesar, por causa da ausência e da perda das posses espirituais, é uma tristeza profunda e enorme. Ela, em agudo arrependimento, faz compreender o pecado e suas conseqüências, tanto naquele que lamenta, como nos demais.Suas conseqüências, contudo, precisam ser barradas, para que não levem ao desespero. “Pois, que também Cristo coloca exatamente estas palavras e promete o consolo, para que não desesperem na sua dor, nem se deixem apagar e roubar a alegria de coração, mas misturem tal tristeza com o consolo e o refrigério. Do contrário, se jamais tivessem consolo e alegria, precisariam enfraquecer e secar de sede” 41. Por isso serão confortados. Sua amarga tristeza será convertida em consolo e júbilo abundante e final, Rm.14.17. O próprio reino do Messias, com sua mensagem de esperança, é chamado a consolação de Israel, Lc.2.25. 40 41 ) Lutero, 11.353,354; Para uma aplicação prática e extensa do Sermão da Montanha, veja 7.350-677. ) Lutero, 7.368. (traduzi do alemão) Estas duas condições formam o pré-requisito da terceira bem-aventurança, V.5: Bemaventurados os mansos, porque herdarão a terra. Seu coração não está cheio de auto-justiça, de orgulho e presunção. Eles estão curvados de pesar, e por isso, tendo um espírito dócil, estão prontos e voluntários a perseverar, Sl.37.11. A característica deles é sofrer e suportar sem resmungar. Em seu comportamento não há arrogância obstinada. “Porque não deixará de acontecer, que teu vizinho, às vezes, atentará contra ti, indo além do que deve, seja por engano ou propositalmente. Quando foi por engano, tu, por não querer ou poder suportá-lo, da tua parte não o tornarás em bem. Mas, se foi propositalmente, tu o piorarás, quando hostilmente esgravateias e reclamas, enquanto ele ri e tem seu prazer em ver-te zangado e aflito, não tendo você paz e nem sendo capaz de servir-te tranqüilamente do que é teu”42 . Os discípulos de Cristo, contudo, tendo corações mansos e ternos, serão abençoados e felizes, pois têm a promessa da terra como sua herança. Esta afirmação, em sua forma paradoxal, é muito estranha. A expressão, como o Senhor a usa, não se pode referir, tão somente, a dons espirituais, ainda que estes, sem dúvida, estejam incluídos. Jesus enfatiza o fato, que a mansidão, pela vontade de Deus, é uma “máxima que conquista o mundo”. Como senhores legítimos da criação, aqueles a que a promessa de Cristo diz respeito, usarão, com boa consciência, os dons temporais de Deus, 1.Co.3.22, e estarão certos que a generosidade de Deus haverá de prover. “A expressão ‘herdarão a terra’ significa, neste lugar, possuir todas as maneiras de bens na terra. Não, que cada um vá ocupar um país inteiro, caso contrário, Deus deveria criar mais mundos, mas os bens que Deus confere a cada um, quando lhe dá mulher, filhos, gado, casa, lar, e o que a isso pertence, para que permaneça decididamente na terra onde vive e seja dono de suas posses, como a Escritura em geral o afirma” 43. O Senhor, tendo enumerado algumas poucas virtudes negativas, passa a mencionar algumas qualificações positivas, que devem caracterizar seus discípulos, V.6: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Esta justiça não é a de Cristo, que é imputada pela fé. Neste caso, esta uma sentença de evangelho estaria fora de lugar nestes admoestações a respeito da vida e do comportamento dos seus seguidores. É a justiça exterior diante do mundo, ou seja, a piedade no viver que ele recomenda. “ Entenda, por isso, aqui a justiça externa diante do mundo, como nos comportamos um perante o outro. Que isto é, de maneira breve e simples, o significado destas palavras: Esta é verdadeiramente, uma pessoa bem-aventurada que sempre persevera e com todas as suas forças por isso, a saber, que todas as coisas em todos os lugares estejam em ordem e que cada pessoa faça o que é certo, e, com palavras e atos, conselhos e ação, coopera a manter e fomentá-las.” 44) Os discípulos de Cristo deviam ter fome e sede, ser extremamente desejosos pela posse duma tal piedade, a fim de receberem a bênção de se sentirem plenamente satisfeitos. Esta é a recompensa desta virtude, concedida pela misericórdia de Deus, de n ao só ter a satisfação de ter feito bem as coisas, mas de tê-las feito de acordo com a vontade de Deus e que disso recebe uma recompensa temporal, Sl.37.25; Is.3.10; Pr.11.18,19; Ap.7.16; Sl.17.15. Uma das provas maiores da piedade do cristão é a misericórdia, V.7: Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Um coração pleno de profunda simpatia e de sincera compaixão pela necessidade temporal e espiritual do próximo; um coração que está intimamente preocupado e sinceramente empenhado pelo bem de todos, em especial, pelos que são da família da fé este é do agrado do Senhor. E todos os esforços feitos neste sentido, por mais insignificantes que possam ser ante a avaliação do próprio cristão, certamente recebem, como recompensa misericordiosa, a compaixão do próprio Deus. 42 ) Lutero, 7.372. (traduzi do alemão). ) Lutero, 7.369. 44 ) Lutero, 7.373. 43 Mas, um comportamento hipócrita não resistirá o teste de Seu exame criterioso, V,8: Bemaventurados os limpos de coração, porque verão a Deus. Uma pureza meramente exterior no cumprimento das injunções cerimoniais da lei não basta na economia de Deus. Ele deseja corações tais, que se guardam a si mesmos puros, incontaminados das concupiscências da carne, da concupiscência dos olhos e da soberba da vida, Is.1.16; Tg.4.8; 2 Co.6.17. Mas esta pureza também encontra sua expressão na coerência de propósito que rejeita qualquer pensamento que possa restringir ou distrair, mas de coração sincero busca ao Senhor e ao seu reino, Fp.2.12. Felizes, bem-aventurados são os que são encontrados praticando esta pureza, pois o seu galardão ultrapassa, mais uma vez, as suas mais agradáveis esperanças. Eles, até, nesta vida verão a Deus com os olhos do espírito, erguendo-os, em jubilosa confiança, ao Deus de sua salvação, Is.17.7; Mq.7.7; Sl.25.15. Mas a essência real da felicidade celeste será o ver Deus de face a face na vida que há de vir, Sl.17.15; 42.3; Jó 19.27. Uma terceira virtude cristã positiva, que reflete a perfeição do próprio Cristo, V.9: Bemaventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Os discípulos de Cristo são filhos da paz. Eles, não somente têm paz em suas almas, pela pureza do seu viver, mas são promotores ativos e fervorosos da paz num mundo que está rebentado em pedaços, por causa do ódio, do interesse partidário e de todas as formas de alienação, Rm.12.18; Sl.34.15. Mc.9.50; 2.Tm.2.22; Hb.12.14. Usando seus melhores préstimos para acalmar as paixões, para acomodar bairrismos, eles se afirmam como verdadeiros filhos de Deus, que têm somente pensamentos de paz para com todas as pessoas. Este é seu galardão gracioso: Deus é seu Pai, Cristo é seu irmão, e o céu é sua herança e seu lar, 1.Pe.3.10-11; Is.57.2. É inevitável, que a censura a Cristo acertará os discípulos em seu empenho de seguir estas regras. Por isso, Jesus acrescenta, V.10: Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Vivendo estes princípios de Cristo diante das pessoas, a retidão das vidas dos cristãos tende a torna-los notados diante das pessoas, e faze-los parecer diferentes e moralmente mais puros do que os outros. E, por isso, os filhos do mundo se ressentirão com este seu distanciamento, interpretando sua atitude como uma crítica ao seu comportamento. O ódio do mundo, devido a este seu pensamento, resulta em perseguição, Jô.15.19. Neste caso, o consolo dos seguidores de Cristo é que as várias evidências de ódio que precisam suportar, lhes são mais do que compensados pela sua herança que é o reino dos céus. Jesus aplica isto aos seus mais próximos discípulos, V.11: Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Estas são algumas das formas em que o ódio dos inimigos, provavelmente, se manifestará. É uma perseguição persistente e contínua por palavras e atos, que será particularmente dura de suportar por causa das mentiras maldosas com que apontam e acusam aos discípulos como praticantes de todas as espécies de males. Há dois fatos que servem para consola-los. As afirmações, feitas dessa maneira, são mentiras deslavadas, inteiramente, apropriadas a preconceitos violentos. E o ódio das pessoas fere a eles por causa do Seu nome. É uma distinção, uma honra, sofrer por sua causa, porque carregam o seu nome. Por isso, apesar da perseguição, V.12: Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. Alegria e júbilo em máxima medida são algo possível. É esperada uma demonstração irresistível de exultação dos seguidores de Cristo. Pois, todo o ódio que for possível ser derramar pelos inimigos, não pode ser medido com e nem mesmo entrar em consideração com o galardão da graça no céu. Eles serão mais do que amplamente recompensados por toda a desagradável demonstração de ódio que foram obrigados a suportar aqui, Rm.8.17-18; 2;Co.4.17. Outro conforto que os conserva fortes, quando provados: por meio disso eles se tornam, aos menos nesse sentido, iguais aos profetas. Ser odiado, não pode ser só uma fonte de tristeza que precisa ser suportada por um certo tempo, sabendo que os antigos profetas foram martirizados da mesma forma mas, ainda assim, alegremente suportaram as aflições por causa do seu nome, 2.Cr.36.16; Hb.11.33-40. Por isso, assumam o trabalho, e suportem os sofrimentos daqueles que os precederam, sabendo que o galardão também será de vocês, 45. Os Principais Encargos dos Discípulos no Mundo – Mt.5.13-16. O Senhor ainda se dirige aos seus discípulos, V.13: Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Os discípulos, tendo experimentado o poder santificador da palavra e do Espírito de Cristo, são sal. Notemos as quatro qualidades principais do sal. Ele é branco e puro. Ele previne de uma corrupção rápida. Ele preserva seu valor e o sabor. Ele faz com que o alimento seja palatável e saudável. Os cristãos são o sal da terra. É sua a tarefa de preservá-la da corrupção e da putrefação, empenhando-se com todas as forças para que a corrupção moral dos filhos do mundo não se torne excessiva e por sua contaminação torne mal-cheirosa todas as classes e idades da sociedade, 1.Co.15.33. Isto não é tarefa fácil. Mas, “este é o nosso desafio, quando as coisas vão mal e quando o mundo e o diabo nos dirigem olhadelas perversas, e são,como gostam de ser, violentos. Então ele nos diz: Vós sois o sal da terra. Onde esta palavra ilumina o coração, assim que, sem vacilar, confie e se glorie nisso que somos o sal de Deus, então quem não quiser sorrir que fique zangado. Mas eu posso e vou colocar mais desafio e jactância em uma só de Suas palavras, do que eles colocam em seu poder, espadas e armas” 46. Se, pois, este sal perde o seu sabor, ele se torna insípido. Isto acontece só com sal que é submetido a um processo químico, sendo exposto à chuva, ou sendo armazenado por muito tempo, segundo relatam viajantes da Terra Santa. Assim, a figura de Cristo é particularmente inteligente. Um sal insípido, que não tem gosto de sal, é, na verdade, por si mesmo uma contradição. Cristãos que perderam suas propriedades distintivas, e assim não mais influenciam seu meio para o bem, também perderam sua condição de discípulos. O sal que não sabor não tem valor algum e é tratado como lixo. Isto acontecia com uma certa espécie de sal betuminoso, encontrado na Judéia, que rapidamente se tornava enfadonho e sem gosto, e, por isso, era espalhado pelo pátio do templo para prevenir que se tornasse escorregadio em tempo de chuva. Da mesma forma os cristãos que deixaram de aplicar-se na tarefa de agir como um poder moral no mundo, incorrerão no juízo do mundo. Lutero, provavelmente, está correto quando diz: “Por isso sempre admoestei, tal como o faz Cristo aqui, que o sal permanece sal e não se torna insípido, isto é, que o artigo central da fé seja enfatizado. Pois, quando isto acaba, então, nem mesmo um só pedaço sobrará, e tudo já está perdido; e já não há mais fé nem entendimento, e ninguém já não mais ensina ou aconselha de modo correto” 47. A mesma admoestação sob uma figura diferente, V.14-15: Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos que se encontram na casa. Cristo é, em sentido restrito, a única e verdadeira luz do mundo, Jó. 8.12; 9.5; 12;35. Mas os seus discípulos partilham de sua natureza. Eles, em e por meio dele, são luz. Recebem Dele luz, bem como o poder de alcançar luz aos outros, 1.Ts.5.5; Fl.2.15; Ef.5.8. O seu irradiar luz, semelhante ao de Cristo, não está limitado à sua vizinhança mais próxima, mas está implícito que se estenda até aos confins da terra. Este pensamento é tão evidente, que Cristo se refere a ele como u8m fato bem conhecido aos seus ouvintes. Muitas cidades da Terra Santa, sendo, provavelmente, algumas menores visíveis da colina onde estavam reunidos, localizavam0se sobre elevações maiores. Como exemplo, todos os judeus eram familiares com o Monte de Sião. Cidades, assim situadas, não podiam ser escondidas. Eram os alvos mais notáveis em toda a paisagem. Os cristãos, em virtude de sua condição de discípulos, são semelhantes a uma tal luz, e semelhantes a uma tal cidade. Sua verdadeira diferença 45 ) Cf. Lehre und Wehre, 1913, Mai-Juni. ) Lutero, 7.406. 47 ) Lutero, 7.413. 46 torna-os em pessoas marcadas. Assim é que deve ser, pois isto concorda com a natureza e o alvo da sua vocação. Acender uma vela ou uma lâmpada, uma daquelas lâmpadas pequenas usadas na Palestina, e então colocá-la sob uma bacia emborcada, um (modius), um utensílio de barro para medir grãos que continha um pouco mais do que nove litros, por vezes, podia ocorrer por razões especiais. Mas o objetivo deste acender foi, evidentemente, outro. A lâmpada deve ser colocada no velador, uma pedra que se projetava da parede na cabana dos pobres, ou uma estante na forma dum tripé, que, facilmente, podia ser trocado de lugar na casa. Somente assim uma lâmpada pode servir ao seu propósito, que é alumiar a casa. Jesus aplica a parábola, V.16: Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus. A política da obscuridade, de ocultar crenças e convicções, é, não pouco, recomendada por cristãos mornos. São as, assim chamadas, “razões de prudência e sabedoria, de acostumar as pessoas, gradualmente, a novas idéias, de fazer deferências aos preconceitos das pessoas de bem, de evitar a ruptura porque se falou atrevidamente. Mas a verdadeira razão é, via de regra, o medo das conseqüências desagradáveis que poderão sobrevir a própria pessoa” 48. Pensar e agir assim, é infidelidade deliberada a Cristo. A tua luz, que do alto foi dada a ti, não é para ser usada conforme a conveniência, mas para brilhar. Não tu deves brilhar, mas a tua luz, sendo o objetivo não fazer tua pessoa ser proeminente mas o teu cristianismo. Os cristãos, tanto individual como coletivamente, devem cumprir esta tarefa como seu encargo constante. Pois, a luz que deve ser irradiada deles em todas as direções, diante de todas as pessoas, consiste em suas boas obras que são os frutos de sua regeneração e a prova de que foram iluminados por Jesus. Elas devem ser vistas por todas as pessoas, como sendo algo totalmente evidente. Todas as pessoas que entram em contato com suas obras, devem ser levadas a concluir sobre a força que as inspira. Assim, a glória, a honra, será colocada lá onde, correta e exclusivamente, deve estar: será dada ao Pai no céu. Este fato torna urgente a admoestação e lhe dá sua verdadeira base. A fé é a lâmpada. O amor é a luz. As boas obras são a irradiação da luz. Tão pouco como a lâmpada pode gabar-se de sua luz, tão pouco podem os cristãos gloriar-se em suas boas obras. Toda glória precisa ser de Deus. Cristo Confirma e Expõe a Lei de Moisés. Mt.5.17-37. Jesus acabou de enfatizar as boas obras. Ele continua, dando uma definição de boas obras, com base na lei. Ele coloca a claro sua posição em relação à lei. V.17: Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir. O ensino do Reino, o evangelho que ele veio proclamar, é uma doutrina radicalmente diferente do ensino de Moisés. Mas, ele não invalida as exigências da lei moral, como ensinadas por Moisés. Ele não coloca em seu lugar uma nova lei moral. Jesus, antes, enfatiza a compreensão correta da lei, e, visando isto, expõe com seriedade o seu conteúdo espiritual. Ele quer cumprir, expor inteiramente o verdadeiro significado da lei, para contrapor-se à influência da exposição rasa e superficial, então em voga, e apresentar uma obediência perfeita da lei. Ele, que podia abolir todas as suas ordenanças, que tem o poder para modificar qualquer uma das suas injunções, coloca-se sob a lei, Gl.4.4, e, cumprindo cada uma de suas letras, cancela a lei da letra. Ele também cumpre os profetas. Qualquer coisa na revelação do Antigo Testamento, seja um tipo ou profecia, encontra seu cumprimento, sua realização em Cristo o Redentor, Cl.2.17. Notemos a ênfase de sua afirmação, V.18: Porque em verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra. Cristo, nesta passagem e com um juramento solene, afirma que a lei também deverá ser retida, em toda a sua força, na igreja 48 ) Expositor’s Greek Testament, 1.103. do Novo Testamento. Todo o Antigo Testamento é revelação divina, por isso, seu menor preceito tem significado religioso que deve encontrar reconhecimento e compreensão apropriados em o Novo Testamento. Enquanto a terra existir, a sacralidade das Escrituras mais antigas deve permanecer tão absolutamente forte, que, nem mesmo um “i” que é a menor letra do alfabeto hebraico, ou um “til”, aquele sinal pequenino que aparece em algumas de suas letras, cairão por terra. Aqui há o cintilar da glória do evangelho em meio à proclamação da lei, inferindo um cumprimento de deveria ser realizado – e. de fato, foi realizado – em e por meio da pessoa de Jesus Cristo. Enquanto isto, todas as pessoas devem saber, V.19: Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Aqui há uma conclusão. Visto que o dito acima é a visão de Cristo, ele está obrigado a assumir sua função em referência aos transgressores dessa norma. Aquele que dissolve, revoga ou põe de lado, mesmo aqueles mandamentos que parecem pequenos e de pouca importância; aquele que despreza algo tão insignificante como um daqueles sinais ou ganchos cuja presença ou ausência, realmente, pode mudar o significado de toda uma passagem, - esse cai sob a sentença condenatória de Cristo. É declarado como o menor no reino dos céus. A sinceridade de suas convicções não será aceita como escusa, e sua culpa pela propalação de sua opinião falsa que está em seus ensinos. Será chamado o menor. Será rejeitado do Seu reino e excluído de Sua glória. Por outro, aquele que ensina em total conformidade com o Antigo Testamento, que não somente prega o evangelho mas também a lei com seu grande objetivo de preparar os corações; aquele que não se cala em relação a nada, que não faz qualquer acréscimo nem tira qualquer coisa da lei, - esse terá um nome ilustre no reino dos céus, e receberá a recompensa da fidelidade. Este ensino é, por isso, essencial na educação das pessoas sobre a verdadeira justiça no viver, mantendo uma conduta apropriada diante dos cristãos. Esta característica e ressaltada, de modo forte, pelo contraste. V.20: Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus. Tão somente Nele, e não nos mestres do povo, como, naquele tempo, eram conhecidos, há o cumprimento perfeito do ensino e do agir. Os escribas eram os mestres reconhecidos da lei, e muitos deles eram membros da seita, do partido, dos fariseus. A principal acusação que Cristo trouxe contra eles, está registrada em muitas passagens do evangelho. Cf. Mt. 23. O feitio da doutrina e vida deles era que eles trocavam o grande pelo pequeno, o divino por amor ao tradicional. O resultado disso foi uma observação servil das coisas externas, que lhes deu diante do povo grande ostentação de piedade, o que eles alimentavam com muito carinho. Mas em relação à maioria deles, seus corações estavam distantes da piedade e da justiça daquele coração que busca, em verdadeiro amor ao próximo, fazer a vontade de Deus por meio de palavra e ação.. Sempre que este é o caso, não há fé, e, por isso, nenhuma idéia de entrar no reino dos céus. A seguir, o Senhor procede, provando suas afirmações condenatórias, com a exposição de alguns mandamentos da lei, segundo o seu pleno sentido espiritual. V. 21: Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento.Era isto que estavam acostumados a ouvir nos serviços religiosos regulares das sinagogas, onde nunca faltava a leitura da lei. As duas afirmações foram ditas aos de antigamente, Ex.20.13; Dt.5.17; Gn.9.5-6, e pelos antigos, nos preceitos entregues pela tradição de pai a filhos, bem como pelos mestres do povo, 2.Cr.17.7-9. Mas a adição que fixava os castigos foi feita na interpretação dos rabis. Mas por esta explicação o significado de “matar” ficou restrito só ao assassinato propriamente dito, e o mandamento de Deus se tornou em mero decreto externo. Foi penalizada a consumação da transgressão, mas a sua origem, nos desejos, pensamentos e palavras, não foi restringida. “Vede, esta é a bela santidade dos fariseus, que se pode manter puro e permanecer piedoso, enquanto não se mata com a mão, mesmo que o coração esteja cheio de raiva, ódio e inveja, e também a língua cheia de maldições e blasfêmias” 49. 49 ) Lutero, 7.429. A exposição de Cristo não é tão restrita, V.22: Eu, porém, vos digo que todo aquele que, sem motivo, se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. A afirmação do Senhor é genérica: Todos, ninguém excluído. É uma proibição universal da explosão raivosa. A pessoa que dá lugar à cólera, é culpada de julgamento e condenação. A raiva contra um irmão, qualquer membro da família humana, é pecado mortal. E, com muita propriedade, cai sob a jurisdição do conselho ou corte, Dt.16.18; 2.Cr.19.5. Este é um falar relativo. A pessoa que dá lugar a ira é um ofensor tão grande aos olhos de Deus, como aquele que abate friamente seu irmão, Gl.5.20; Cl.3.8; Tg.1.19-20. A mesma condenação, mas com maior ênfase, cai sobre aquele que não consegue controlar sua ira, permitindo que ela irrompa em maldições. “Raça” é uma palavra aramaica que significa “cabeça oca” ou estúpido. A pessoa que emprega tais epítetos irados, é culpada do sinédrio, a corte suprema dos judeus que julgava as ofensas piores e que impunha as penas mais severas. Uma ira que não é controlada rapidamente, se tornará em ira combinada com desprezo que abertamente se satisfaz em revidar, 1.Pe.3.9. Um insulto ainda maior está no epíteto “tolo”. Este era usado para apontar um tolo imprestável, sem esperança, irremediável, moralmente imprestável, e expressava desprezo quanto à alma e caráter de alguém. Esta expressão de máximo desprezo sobre a posição dum companheiro é, aos olhos de Deus, uma ofensa igual a dum assassino. É um pecado abominável, 1.Jo.3.15; Ap.21.8. É punível com o fogo do vale do Hinom, o vale em que era queimado o lixo de Jerusalém, que é uma figura empregada, muitas vezes, por Jesus, quando fala do castigo do fogo do inferno. Jesus apresenta o lado positivo de sua exposição, V.23-24: Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta. A atitude perdoadora é ilustrada com um acontecimento que era muito freqüente entre os judeus, sendo-lhe inteiramente familiar. Um judeu tinha o direito de trazer o seu “corbã”, seu dom, escolhido de qualquer espécie de sacrifício sangrento ou não, que era trazido ao templo, Mt.8.4; 15.5; 23.8. Mas, no exato momento de entrega-lo ao sacerdote que oficia junto ao altar, acontece a lembrança. Repentinamente lampeja em sua mente, que ele foi culpado dum ato ou palavra que poderá ter provocado um irmão. A maneira usual de lidar com a situação poderia ser, continuar com o culto, e, então, correr e fazer a paz com o ofendido. Cristo, contudo, nos diz que interrompamos nosso culto e realizemos a missão, de buscar, primeiro, perdão, mesmo que possa parecer humilhante proceder assim. É mais importante que o coração esteja livre da ansiedade por causa da paz de consciência dum irmão, do que ser cumprido um ato externo: misericórdia antes do sacrifício. Haverá abundância de tempo para o sacrificar posterior. Cf.Is.58.4-7. A mesma verdade em outra parábola, V.25-26: Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo. O quadro é o de um devedor a caminho do tribunal, Dt.21.18; 25.1. Com ele está o seu credor que é seu adversário, mas que, provavelmente, poderia estar disposto a acertarse fora do tribunal. O conselho é, que o devedor tenha uma índole muito conciliadora. Esteja pronto e desejoso para falar francamente e sem demanda sobre o problema. No caso de não ser encontrada um acerto, desta forma, o perigo está nisso que o adversário, perdendo inteiramente a paciência, entregue ou, até, arraste o devedor à força diante do juiz. Isto garantirá ao credor uma decisão favorável, sendo o caso executado pelo oficial de justiça, e ele terá a satisfação de ver o devedor ser levado à prisão. Então todas as esperanças de alcançar misericórdia, estariam perdidas. Pois, até mesmo o último “quadrante” que é a quarta parte dum “assarion” romano, que não valia dois cents de dollar, seria-lhe requerido. Seria exigido o pagamento, até, da última fração dum centavo. É uma admoestação muito séria, que não esperemos ou hesitemos sobre a reconciliação com o nosso adversário, com qualquer pessoa a que devamos a mão da paz. O período breve da vida vai, rápido, ao passado e quem é insensível e recusa entrar em acordo, encontrará no Senhor um Juiz igualmente insensível. Uma lição do sexto mandamento, V.27-28: Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já adulterou com ela. O sexto mandamento, de fato, foi dado “aos antigos”, Ex.20.14; Dt.5.18. Mas foi entendido pelos mestres judeus somente sobre o pecado consumado da deliberada infidelidade daqueles que estão unidos em casamento, ou do relacionamento carnal dos não casados. Muitos “rabis” afirmavam expressamente, que o mau pensamento não devia ser considerado igual ao ato pecaminoso 50. A explanação de Cristo abre o sentido mais profundo do mandamento. Ele vê o início do adultério no fomento deliberado do desejo, quando este acorda no coração. Uma mulher pode ser vista, pode entrar na linha de visão dum homem, sem que haja algo errado no ato. Sem isto, seria impossível um relacionamento humano normal. Mas, quando o olhar dirigido sobre qu8alqauer mulher, casada ou solteira, é deliberado e intencional, consciente e persistente, como a uma pessoa do sexo oposto, e isto é seguido por um desejo impuro de cobiçá-la com intenções imorais, então, de fato, foi cometido adultério, mesmo que o pecado esteja profundamente oculto no coração. O conselho de Cristo ao tentado é, V.29-30: Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros e não vá todo o teu corpo para o inferno. O olho direito e a mão direita são citados como os membros que são proeminentes na consumação do pecado, pelos quais o mau desejo do coração encontra sua manifestação. São apresentados como os órgãos da tentação. De acordo com a opinião popular, eles são os membros que ofendem, que incitam à real consumação do pecado. Por isso, falando simbolicamente, estes membros e todos os demais do corpo precisam ser controlados, se necessário, por meio duma renúncia incondicional e dolorosa. É melhor estar sem alguns órgãos e membros individuais do corpo, do que ter condenado todo o corpo. Cristo fala figuradamente. Suas palavras precisam ser entendidas no sentido espiritual. Pois, uma mutilação, evidentemente, poderá prevenir o ato externo, mas não matará o desejo. Cada membro do corpo deve ser controlado e governado de tal modo pela vontade santificada, que não se renda ao pecado,levando o corpo inteiro à condenação. Jesus, mais uma vez, usa a figura do fogo constante do vale de Hinom, onde o refugo e o lixo da cidade de Jerusalém era queimado, pelo castigo do inferno. “Este é, pois, o significado: Quando sentes que olhas com mau desejo uma mulher, então, por ser contra o mandamento de Deus, arranca este olho ou visão, não do corpo mas do coração, do qual procedem o ardor e o desejo, assim o terás extraído corretamente. Pois, quando o mau desejo está longe do coração, então o olho também não pecará nem te ofenderá, e tu olharás esta mesma mulher com os mesmos teus olhos do corpo, mas sem desejo, e te será, como se nem a tivesses visto. Pois, já não haverá mais aquele olho que havia antes, que é chamado o olho do ardor ou do desejo,. Mesmo que o olho do corpo permaneça sem dano” 51. Mais uma ilustração, V.31-32: Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada, comete adultério. A forma em que Jesus fala neste ponto, indica que ele desaprova a interpretação literal da permissão dada por Moisés, Dt.24.1. A lei mosaica foi dada no interesse da mulher, de dar-lhe, ao menos, alguma aparência de direito. Mas os doutores judeus, preocupados somente com a forma exterior e sobre a concessão legal duma carta de divórcio, permitiram uma autorização que logo se desviou para excessos escandalosos e criminosos. Martelando sobre a frase: “Ela não encontrou favor aos seus olhos”, permitiam o divórcio a um homem que, tendo encontrado uma esposa idônea, não se agradando do seu jeito de cozinhar ou de suas maneiras. A única coisa em que se insistia, era que a carta de divórcio fosse elaborada, tornando o caso formal. Mas, um tal rompimento proposital do laço matrimonial, mesmo que sancionado pelo tribunal civil, não tem validade perante Deus. O Senhor reconhece, tão somente, uma razão para o divórcio, a saber, 50 51 ) Tholuck, Bergrede Christi, sobre v. 27. ) Lutero, 7.448. quando há um caso manifesto de infidelidade, de adultério, de qualquer relacionamento ilícito duma pessoa casada com qualquer outra pessoa do que com quem é seu consorte legal. Neste caso, um divórcio pode ser conseguido, mas isto não é lei. “Nós não ordenamos nem impedimos um tal divórcio, mas deixamos que neste caso o governo aja... Porém, para dar conselho aos que desejam ser cristãos, seria melhor admoestar e instar ambos os lados a permanecerem juntos, e que o cônjuge inocente seja reconciliado com o culpado (caso este for humilde e disposto a se emendar) e a perdoar em amor cristão” 52. Caso seja alegada qualquer outra razão, e o divórcio for efetuado, é cometido adultério, tanto pelo queixoso quando rompe o laço matrimonial, como pelo acusado que permite a dissolução leviana. Da mesma forma, aquele que casa com uma mulher divorciada de seu esposo legítimo, visto que ela ainda lhe pertence perante Deus, é adúltero aos olhos do Senhor. Uma ilustração do segundo mandamento, V.33-37: Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vos digo: De modo algum jureis: Nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não,não. O que disto passar, vem do maligno. Jesus introduz o assunto, como antes, referindo-se à leitura costumeira da lei e ao ensino que a acompanhava. A implicância de Cristo é que o povo havia sido mantido numa impressão falsa, que, daquilo que ouvia, podia tirar a conclusão de que eram as próprias palavras de Moisés. As palavras, como ditas, são, de fato, encontradas na lei, Lv.19.12; Nm.30.3; Dt.23.22. Mas sua interpretação deixava muito a desejar. Não se enfatizava a sinceridade do coração. Se esta, porém, falta, que sentido têm todos os juramentos? Todas as distinções cuidadosas, quanto a graus de juramentos, e, por isso, de perjúrio, eram um jugo nas nucas dos judeus mas não em seus corações. Era coisa de mero subterfúgio sofístico, que lhes permitia toda sorte de afirmações em que de Deus não era mencionado diretamente, Dt.6.13, fugindo eles, desta forma, da obrigação do juramento. Não há a menor diferença entre um juramento em nome de Deus e quaisquer afirmações que substituam os nomes das coisas santas, como, do céu, ou aqueles sobre os quais só Deus tem o controle: Sua cidade, que é Jerusalém, a terra que é o estrado dos seus pés, a cabeça ou a vida duma pessoa. Todos estes juramentos envolvem uma referência a Deus. E todos eles, como ele distintamente os identifica, um após o outro, são supérfluos, quando o coração é puro e sincero. O Senhor condena, expressamente, o invocar incessante e frívolo da Divindade e em quaisquer formas distorcidas. Ele não afirma que juramentos, em certas circunstâncias, não sejam legítimos e corretos. “O homem mais fiel, na vida civil, tem de fazer um juramento, por causa da falsidade e da conseqüente desconfiança que prevalece no mundo, e, procedendo assim, ele não peca contra os ensinos de Cristo. O próprio Cristo fez um juramento diante do sumo sacerdote”53). Sua exigência é absoluta fidelidade e honestidade no trato das pessoas umas com as outras. Ali a afirmação terá o valor total e a força do “Sim”, e a negativa terá o poder singelo do “Não”, para que haja uma dependência imperturbável sobre todas as afirmações, sem a necessidade dum juramento. Qualquer coisa que ultrapassa esta definição simples, é do mal, até tem cheiro da influência do maligno, o diabo que é o pai da mentira. Jesus se expressou meigamente como uma situação que acontece, e não negou a necessidade de juramentos num mundo cheio de falsidade. “Eu sei, parece que ele diz, que, em certas circunstâncias, será requerido de vós algo que vai além do sim e do não. Mas isto provém do mal, do mal da falsidade. Vede que o mal não esteja em vós”. A lei do amor em relação ao inimigo. Mt.5.38-48. V.38: Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Aqui, Jesus se refere à lei da retribuição, ou da compensação, como registrada nas ordenanças levíticas, Ex. 21.24. Isto está escrito para o governo, e é um princípio sadio para a instrução do juiz: Compensação justa deve ser 52 53 ) Lutero, 7.452. )Expositor’s Greek Testament, 1.111. dada por injúrias que se recebeu. Mas os escribas e fariseus aplicavam a afirmação para o relacionamento de cada pessoa para com seu próximo. Ensinavam e declaravam que cada um tinha o direito de vingar-se e exigir compensação. Cristo continua, afirmando algo bem diferente desta explanação: V.9a: Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso, seja, tentando evitar injúria ou exigindo vingança do mal sofrido, ou repelindo um ultraje com outro. Ele tinha apropriada autoridade para a sua explanação, Lv. 19.18; Pr.24.29. O amor cristão precisa estar disposto a carregar e a conter-se, mesmo que seja permitido a defesa do que é justo, Jo. 18.23; At.23.3; 22.25. Não fosse também isto verdade, seguiria que toda injúria ficaria sem cobrança, e um cristão perderia casa e lar, mulher e filhos, como afirma Lutero. Mas um discípulo de Cristo devia ser disposto e paciente no sofrer, mesmo que seja injustamente, e não procurar vingança nem retribuir mal com mal. Cristo expõe este caso com alguns exemplos. V.39b-41: Mas a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; 40) e ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixalhe também a capa. 41) Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Há um clímax nos exemplos escolhidos por Cristo. A injúria vai de mal a pior. Haverá tempos e circunstâncias, quando o amor estará pronto a, pacientemente, suportar a repetição da mesma injúria: A desgraça de ser batido com a palma da mão, a humilhação de entregar manto ou toga juntamente com a túnica ou roupa íntima, sendo que a demanda e, até, coação vem, provavelmente, da parte dum soldado que exige que se o acompanhe por alguma distância ajudando-o a carregar o seu equipamento. Um cristão irá, no que concerne à sua própria pessoa, realizar alegre este trabalho que lhe foi imposto e, até, fará mais do que lhe foi imposto, sem se mostrar emburrado, em sujeitarse ao que lhe foi imposto. Doutro lado, contudo, um tal comportamento submisso deve cessar, tão logo, que entra em conflito com a lei do amor. Um discípulo de Cristo tem obrigações para como sua família, sua comunidade, seus pais, o que, às vezes, o obriga a proteger e defende-los contra injustiça e insulto. Mas para a própria pessoa é verdade: Aquele que carrega, perdoando, esse supera. Em vez de abrigar pensamentos e desejos maus e vingativos, o cristão estará pronto a oferecer, sempre que for preciso, a oferecer assistência. V.42: Dá a quem te pede, e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes. Dar e emprestar são duas obrigações da caridade que Cristo coloca no mesmo nível, sendo ambas guiadas pela prudência e pelo interesse para com o próximo, 2.Ts.3.10; Pr.20.4. Os mordomos dos dons de Deus deverão dar contas no último dia, e sua sentença poderá depender, em grande parte, da maneira em que eles estimaram o encargo de Deus. Toda e qualquer assistência ao próximo necessitado deve ser feita alegremente, sem qualquer idéia de recompensa. Uma ilustração final, tirada da lei geral do amor, V.43: Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. O primeiro imperativo se encontra na lei, Lv.19.18. A segunda parte da sentença é uma adição feita pelos rabinos. Eles, argumentando das muitas passagens da lei em que Deus ordenou aos filhos de Israel a destruir as nações gentias, compreendiam as palavras “próximo” só dos membros de sua própria nação. Em todas estas passagens, os filhos de Israel, porém, executavam unicamente a justiça punitiva de Deus. O seu argumento, por isso, não podia valer, especialmente, tendo em vista Ex.22.21; 23.9; Lv.19.33; Dt.10.18-19; 24.17; 27.19. Jesus insiste que todo e qualquer ódio é contrário ao que é humano e oposto ao espírito que ele se empenha a promover. A sua lei é diferente, V.44: Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. O imperativo recebe sua aplicação em todos os tempos e em todas as ocasiões. A grande impressão da passagem é destacada pelo contraste apresentado em cada parte da expressão. O amaldiçoar é confrontado com o abençoar. O ódio, que conduz às injúrias, com o fazer do bem. E o abuso de todas as espécies, que culmina na perseguição que acontece por causa do ódio religioso, é contrastado com a oração e a intercessão. A ingenuidade do amor encontrará um meio para subjugar com a bondade toda e qualquer mesquinhez que os inimigos possam imaginar. Pois, seu objetivo sempre é achar caminhos e meios para vencer o adversário e, acima de tudo, ganhá-los para o Senhor. Tal comportamento está de acordo com a verdadeira natureza dos cristãos, V.45: Para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos, - tornar-se e ser realmente filhos de Deus, possuindo e mostrando a semelhança do Pai celeste. Eles deverão compartilhar da natureza de seu Pai, porque Seu coração está cheio de bondade para com todas as criaturas, porque ele, em sua providência, não faz distinção entre bom e mau. Pois, com absoluta imparcialidade e sem referência ao caráter pessoal, se mais avarento ou mais generoso, Ele faz seu sol nascer e envia sua chuva. Bem da mesma forma, não devia haver indiferença nem ignorância, mas preocupação séria e terna benevolência nos corações daqueles que, sinceramente, se empenham para se parecerem com o grande Amigo e Benfeitor, descrito acima. E há também a distinção moral, V. 46: Porque se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? 47) E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? A maneira usual ou ordinária do proceder no mundo é esta: Atos gentis são recompensados com atos gentis; palavras amigas são correspondidas com palavras amigas. Esta é a altura moral humana. A palavra “saudar” pode ser tomada em seu sentido literal, como uma mera saudação. Pois, até isso os judeus negavam aos gentios. Ou, ela pode incluir relações de amizade e uma disposição de servir, como acontecia entre os que estavam unidos na mesma confissão. Para além disso eles nada sabiam e se negavam realizar, Jo.4.96. Para os discípulos de Cristo não serve um nível moral tão baixo. Ele espera que eles se destaquem sobre a moral vigente, que realizem a ambição de excederem, de serem, realmente, superior ao espírito caracterizado por pequenez e mesquinhez. Este último espírito podia ser esperado dos publicanos, os cobradores de impostos da Palestina, que eram muito detestados por serem os representantes do poder de Roma, e por suas trapaças e extorsões. Não é um orgulho e arrogância farisaica que o Senhor deseja despertar, mas o desejo íntimo de estar acima duma etiqueta e mero costume, que se podem tornar na mais refinada forma de crueldade. Um fato significativo: Jesus encontra algo de bom, até, nos socialmente banidos! O resumo desta secção, V.48: Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste. Visto que todos estes argumentos devam ser aceitos, e visto que o amor é o cumprimento da lei, o Senhor traça sua conclusão: Vós, que quereis ser contados como meus discípulos, deveis destacarvos em contraste àqueles cuja idéia de altruísmo está modelada pelos padrões convencionais. Nada abaixo deste grande ideal deve satisfazer-vos. Com uma coerência de propósito, que deixa de lado os demais, eles devem esforçar-se pela perfeição que é de acordo com seu grande modelo, que é seu Pai celeste. Deus é a perfeição, a plenitude, a consumação de todo o bem. E a perfeição dos cristãos consiste no esforçar-se pelos ideais que Deus lhes colocou em sua santa vontade. É assim, que eles, diária e constantemente, são renovados no conhecimento, na santidade e na justiça, segundo a imagem daquele que os criou e redimiu, até que o dia de sua final perfeição raie no céu. Resumo: Cristo inicia o sermão da montanha com as bem-aventuranças, dá uma breve disposição da vocação dos discípulos no mundo, mostra o entendimento espiritual da lei por meio dum bom número de exemplos, e ensina o amor para com o inimigo e o verdadeiro altruísmo. Capítulo 6 A Respeito do Dar Esmolas, da Oração e do Jejum – Mt.6.1-18. A primeira parte do sermão de Cristo havia tratado da correta interpretação da lei, que ele mostrou por meio de muitos exemplos. Agora ele passa da lei dos escribas para a prática farisaica. Eles sustentavam a justiça falsa e oca em suas zombarias. Uma característica muito marcante na vida religiosa dos fariseus, V. 1: Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte não tereis galardão junto a vosso Pai celeste. A referência a uma prática generalizada logo iria ser entendida por todos. É uma advertência contra a forma usual de ostentar probidade, de praticar a caridade diante de todas as pessoas, tendo a intenção de trazer sua própria pessoa para a proeminência. A idéia de Cristo é que boas obras devem ser vistas e que devem falar por si mesmas, mas que a pessoa que as pratica deve permanecer totalmente no fundo. Os fariseus se preocupavam muito em serem observados enquanto realizavam obras que eles, erradamente, julgavam boas. A virtude deles era teatral. Buscavam somente sua própria honra e a reputação de serem santos. Qualquer pessoa que pensa que é discípulo de Cristo, mas que é culpada de uma tal ostentação, não pode esperar qualquer recompensa do Pai celeste. É doido quem se satisfaz como uma confiança baseada sobre tal base falsa. Não tem nada em comum com a índole do Senhor. A maneira falsa de dar esmolas, V.2: Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Cristo não cita nomes, mas com palavras caracteriza àqueles que fazem ostentação de sua caridade. São hipócritas e atores. Estão agindo por causa do efeito. Mas não há nada verdadeiro e sadio quanto à justiça que pretendem. O tocar trombetas, o chamar a atenção era seu alvo, e não a ajuda aos pobres. Quando era procedida a arrecadação das ofertas nas sinagogas, eles eram os mais proeminentes no ato, ainda que não na oferta. Quando os mendigos forçavam aos fariseus a parar na estrada, estes, primeiro se certificavam da atenção de todos os transeuntes, fazendo assim uma ostentação no dar esmolas. Queriam a floria que, propriamente, só pertence a Deus, como está em 5.16. Cristo, em amarga ironia, afirma deles, que já possuem sua recompensa. A palavra é buscada da linguagem bancária. “Eles podem assinar o recibo de sua recompensa; está executado o seu direito de receber a recompensa, exatamente, como se eles já tivessem passado recibo por ele” 54 . Eles não têm mais nada a esperar. Não receberão nada de Deus. A maneira correta de praticar a caridade. V.3: Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que faz a tua direita; 4) para que a tua esmola fique a secreto: e teu Pai que vê em secreto, te recompensará. Cristo não condenou o ato de dar esmolas, mas somente a maneira. A obra lhe agradava. Dá com simplicidade de coração, e com tão pouca ostentação de auto-glorificação, que, por assim dizer, a mão esquerda não possa participar neste sigilo, para que a satisfação que possas sentir, porque praticaste mais uma boa obra, não te prive da glória de Deus. Que a obra brilhe intensamente, mas que o doador permaneça oculto, a não ser diante de Deus, que sabe os segredos dos corações e das ações das pessoas. Ele sabe de todos os sacrifícios que são trazidos, e ele, no tempo próprio, dará o galardão misericordioso. Ele fará a proclamação pública no dia em que ele revelará todas as coisas. A maneira errada de orar, V.5: E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. A oração é a comunhão da alma com Deus. É o compartilhar confiante de todas as necessidades, desejos e situações de sentimento com o Pai celeste. Os israelitas crentes tinham o costume de observar as horas de oração, fosse em seus lares ou nalgum lugar solitário do templo, Dn.6.10; At.3.1. Mas os fariseus se revelaram verdadeiros atores. Gostavam de ficar de pé. Isto lhes afagava os corações. Faziam dela uma prática que agrada sua própria vaidade e orgulho. Faziam suas orações, parados nos lugares mais destacados, tanto na sinagoga diante da congregação reunida, como nas esquinas das ruas e nas encruzilhadas, onde podiam esperar grande número de desocupados e transeuntes pasmados a observá-los. Seu real objetivo, por isso, era serem vistos dos homens, atraírem a sua atenção. Nisto estava o objetivo da sua ostensiva postura de orar em pé. É estranho que a hora da oração sempre os surpreendia nos lugares mais públicos! A correta maneira de orar, V.6: Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto, e teu Pai que vê em secreto, te recompensará. O contraste é enfático. “Tu, porém”. Sê o quanto mais diferente possível destes hipócritas. Caso contrário a tua maneira de orar terá o cheiro da hipocrisia deles. Cristo não restringe a oração a horas fixas. 54 ) Deismann, Bibelstunden,229. Sempre que sentires a necessidade da comunhão com Deus, tantas vezes quantas sentires estar imperturbável e a sós com ele. Alguma sala no interior da casa ou sobre o seu eirado, longe de qualquer interferência e intromissão, ser-te-á o lugar mais apropriado para isso. Cristo, até, aconselha fechar a porta, para enfatizar a intimidade que um tal orar sugere. Aqui, com ninguém a te perturbar, com ninguém presente, a não ser aquele que está em secreto, cuja onipresença te convida a confiar sinceramente nele, poderás abrir francamente teu coração, até mesmo em relação a assuntos que, apropriadamente, devam permanecer ocultos aos olhos do mundo inteiro. Todo aquele que está acostumado à oração particular, segundo esta descrição do Senhor, também encontrará plena edificação na oração pública nas devoções domésticas e no culto congregacional. Seu coração foi treinado a centrar-se só no Senhor e a banir todas as idéias de distração. Notemos, em especial, que o Senhor diz “teu Pai”, o que convida e impele para uma fé e confiança filiais. “Mesmo que eu seja um pecador e um indigno, tenho ainda assim aqui a determinação de Deus, que me ordena a orar, e sua promessa de que ele, misericordioso, me ouvirá, não por causa da minha dignidade, mas por amor de Cristo o Senhor. Com esta fé podes afugentar quaisquer pensamentos de dúvida, e ajoelhar confiadamente e orar, não considerando a tua dignidade ou indignidade, mas a tua aflição e a sua palavra na qual ele manda que confies”55 Uma lição com respeito à forma de orar, V.7: E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. A maior característica no culto gentio é um falar confuso ou um tagarelar, repetindo sem cessar as mesmas formas de palavras, 1.Rs.18.26; At.19.34. Tais costumes eram familiares aos judeus, bem como aos galileus, por causa da população mista e da presença de estrangeiros em seu meio. A idéia, que suportava tais repetições sem sentido, parece ter sido que a própria abundância de palavras argumentava pela sinceridade da pessoa q eu prestava culto e condicionava os deuses a consentir em seus desejos. Advertência contra tais práticas absurdas, V.8: Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais. Os cristãos deviam, por meio duma clara distinção, diferenciar-se dos gentios. Não devem ser parecidos com os gentios. Não deve haver qualquer ponto de referência entre o seu culto e o dos gentios. Sua idéia de oração é, essencialmente, diferente da dos gentios. “A oração requer mais do coração do que da língua. A eloqüência da oração consiste no fervor do desejo e na simplicidade da fé. A abundância de idéias esplêndidas, emoções veementes e intencionais, e a ordem e polidez das expressões, são coisas que compõem tão só uma arenga humana, mas não uma oração humilde e cristã. Nossa fé e confiança devem proceder do que Deus é capaz de realizar em nós, e não do que nós somos capazes de lhe dizer”56. Outro ponto que ressalta o absurdo de orações tagarelas, é: As nossas necessidades são sabidas de Deus, antes que nós as comuniquemos em nossas orações. Ele, como um verdadeiro Pai, está preocupado a respeito das necessidades e ansiedades dos seus filhos, e já conseguiu suas informações, em muitos casos, antes que eles estejam conscientes das suas próprias insuficiências, Is.65.24. “Deus manda que oremos, mas não para que o instruamos com nossa oração sobre o que nos deva dar, porém, antes, que reconheçamos e confessemos que espécie de bens ele nos dá, e que ele quer e pode dar-nos ainda muito mais. Assim, pela nossa oração instruímos muito mais a nós mesmos do que a ele”57. Uma oração modelo para mostrar que uma variedade infinita de necessidades e de pedidos pode ser reduzida numas poucas e modestas petições, V.9: Portanto, vós orareis assim: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome. Não diminui o valor da oração, que muitas das suas palavras e pensamentos são encontradas no Antigo Testamento e nas fórmulas, então, em uso entre os judeus. A maravilha de sua beleza está nisso, que o Senhor arranjou as petições, tomando em conta a importância das necessidades humanas e as impregnou com o seu espírito, fazendo, desta foram, esta breve fórmula a oração mais perfeita que há no mundo. Vejam, como ele destaca esta ponto. 55 ) Lutero, 7.503. ) Clarke, Commentary, 5.84. 57 ) Lutero, 7.506.33. 56 Assim, a vossa oração habitual deve ser segundo esta maneira e não segundo a maneira dos gentios. Pois, sois um povo que está numa situação diferente em relação a Deus. Vós conheceis o único e verdadeiro Deus, a quem devem ser dirigidas todas as orações. Ele o chama Pai, para destacar a filiação dos crentes. Sua confiança e fé nele é a de filhos que estão certos do amor de seu pai. Ele é o nosso Pai, no sentido mais completo, tanto pela sua obra da criação, como pela da redenção. Ele é o Deus e Senhor onipotente, que no céu reina sobre todo o universo e, desta forma, tem o poder voluntarioso de ouvir nossas orações, Ef. 3.14-15; 4.6; Is.66.1; At.7.55-56. Seu nome, que é a inteira manifestação de sua essência, ou a revelação do seu ser, que o distingue e nos dá uma idéia de sua grandeza, Sl.48.11; Ml.1.11, seja santificado, louvado e glorificado. Isto é feito, não somente por tê-lo em toda estima e reverência, por render-lhe a posição que é sua por direito eterno, por fazê-lo o único objeto de culto por toda a terra, mas por levar vidas tais que cada desejo, pensamento, palavra e ato redunde em sua glória, cap.5.16. Tendo confessado sua majestade, poder e força, onipresença e onisciência, o pensamento continua, V. 10: Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu. O reino do céu, que é a suma total dos dons e misericórdias de Deus em Jesus, que ele intentou para todas as pessoas e que se cumpre nos fiéis, como sendo o reino da graça, deve vir. Deus precisa outorgar a fé e conservar-nos na fé, e, desta forma, em seu reino, Jo.15.1-5. Mas a nossa prece também é pelos outros, que Deus abra seus corações e mentes à gloriosa nova da sua salvação, enviando-lhes pastores e missionários fiéis, e que ele, em breve, irá absorver a igreja militante na igreja triunfante. Esta petição conclui que tal é a boa e graciosa vontade de Deus. Segue, então, que esta vontade de Deus deve ser feita e cumprida de modo pleno, e que todas as forças que se lhe opõem, devem ser derrotadas e impedidas. Incidentalmente, também em nossas vidas a sua vontade e concordância devem ser cumpridas. Sejam quais forem os sofrimentos e as provocações, que ele se agrada impornos, eles devem ser suportados de bom grado, visto que os próprios anjos são exemplos no fazer a vontade de Deus. Oramos, em todos os tempos, em todos os lugares e em tudo, que seja feita a sua vontade. Dons temporais também estão inclusos, V.11: O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Cristo, colocando esta petição desta forma, nos ensina humildade e frugalidade. Oramos para o dia de hoje, não nos preocupando pelo amanhã, não nos entregando a cuidados ansiosos. É pelo pão diário que devemos rogar, por aquilo que é o suficiente para o dia presente, o suficiente para nos alimentar dia por dia.58 Deus, em sua bondade infinita, inclui muito mais do que nos é necessário para a nossa existência, como mostra Lutero em sua exposição desta petição. Uma das maiores necessidades espirituais e materiais, V.12: E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores. Nós, diariamente, contraímos um volume enorme, até, inacreditável, de dívidas perante Deus. E, quanto mais desejamos o cumprimento das primeiras petições, tanto mais cônscios ficamos de nossos defeitos. Esta dívida, por sua natureza, sendo uma conta de Deus contra nós, seja o pecado cometido diretamente contra ele ou fira ao próximo, transgredindo assim a lei de Deus, nos precisa ser imposta para sempre, tornando-nos sujeitos à condenação dum devedor, Mr.18.24-25, a não ser que recebamos da imensa misericórdia de Deus em Jesus o perdão total e gracioso que aqui suplicamos.Vingança e ódio não podem, certamente, estar no coração de qualquer pessoa, quando suplica esta petição. Quanto mais alguém está cônscio de seus próprios erros e falhas, tanto mais indulgente será seu coração para com as faltas de outros, mesmo quando cometidas contra ele. Leva-lo-ia à eterna condenação, caso seu perdão não fosse modelado segundo o de seu Pai celeste, VV.14-15. Uma súplica final por amparo, V.13a: E não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal. Não são muitos os que alcançam as alturas do heroísmo moral pelo qual, de bom grado, aceitam as perseguições, Mt.5.10; Tg.1.2. O pensamento de perseguição e provação é, para o cristão em geral, em si mesmo deprimente. Por isso, é muito necessária a petição para não ser exposto à tribulação moral, a assaltos violentos de Satanás, e a tais circunstâncias que, para mera carne e sangue, são extremamente duras de carregar.Deus, por vezes, e por razões que só ele sabe, tolera e permite que 58 ) Cf. Potwin, Here and There in the Greek New Testament, 182-193; Theol.Quart.,22,25-43. alguma tentação se aproxime dum cristão, para testar e fortalecer sua fé, 1.Co.10.13. Suplicamos, que nos guie de tal forma e nos induza a caminharmos cautelosamente, para que nenhum mau resultado da tentação nos acerte, mas que o resultado final sempre seja proveitoso. Isto está dentro do “livra” da última petição. Visto, que provações e tentações, certamente, ocorrem, nós nos voltamos a Deus, para que nos livre de suas armadilhas, do seu cativeiro, e, especialmente, nos livre do maligno que é o diabo, o qual aproveita cada ocasião para nos colocar sob seu poder. Desta forma tudo foi providenciado para toda e qualquer contingência na vida das pessoas em geral. Desta forma a doxologia é muito apropriada, V.13b: Pois teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém. Ele é o nosso grande Rei e Governador, que tem na alma o nosso bem-estar. Ele é o Deus onipotente, em cujo poder está o cumprimento de todas as nossas necessidades. A ele, por isso, desejamos dar toda honra e glória por todos os dons e benefícios que, tão liberalmente, faz chover sobre nós. Estamos tão certos disso, que concluímos a Oração do Senhor com um fervente “Amém”, para indicar nossa fé e confiança em nosso Pai. 59 Uma advertência necessária, V. 14: Porque se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; 15) se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tão pouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas. A escuta de nossa oração, a outorga dos benefícios pedidos, depende do nosso relacionamento correto em relação a Deus, que é realizado pela garantia e certeza do perdão dos pecados. E isto, por sua vez, depende da maneira em que damos provas da condição correta de nossos corações quanto ao próximo. Nossos pecados contra Deus foram chamados dívidas, e eles se amontoaram em horrível rapidez. Os pecados de nosso próximo contra nós são descritos como meros tropeços e faltas no cumprimento do seu dever. Ser vingativo, em tais circunstâncias, é, por si mesmo, loucura, e prova que a misericórdia de Deus não é valorizada. Caso, realmente, desejamos o perdão de Deus, primeiro, devemos mostrar que estamos conscientes da nossa própria pecaminosidade e merecida punição, perdoando os pecados ao próximo. Uma lição sobre o jejum, V.16: Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. O jejum fazia parte dos ritos religiosos dos judeus. Tendo o objetivo de mostrar arrependimento e humildade, era um costume que não merecia censura. Mas os hipócritas, pondo em prática sua ação em tudo, faziam do seu jejum uma outra forma de auto-glorificação, não só adicionando aos já prescritos na lei judaica a observação de outros dias de jejum, mas, também fingindo um rosto melancólico para despertar dó e elogios. Negligenciavam o cuidado diário do rosto, para tornar mais triste o efeito do jejum que faziam no meio da semana. Era uma demonstração vazia, para alcançar maior hegemonia e uma reputação se serem mais piedosos. Eles têm o galardão que sempre terão. Do Senhor não precisam esperar nada. A maneira correta de jejuar, V.17:Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto; 18) com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e, sim, ao teu Pai em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. O Senhor enfatiza novamente o contraste. Uma mera ostentação externa de arrependimento, sem uma mudança de coração, não condiz aos seguidores de Jesus. Eles, até, podem praticar o jejum. É um costume louvável e proveitoso. Mas, fazendo-o, deve ser evitada toda ostentação. O coração, e não o corpo, é que deve sentir a tristeza e humildade. Por isso, o usual e diário lavar e ungir-se não devia ser omitido, a fim de que as pessoas não saibam do caso. Deus, o Pai celeste, que vive em secreto, cuja onisciência examina mentes e corações, o saberá. Ele, no tempo apropriado, fará as revelações necessárias e concederá a recompensa misericordiosa. Advertência contra a avareza e a preocupação – Mt.6.19-34. 59 ) Sobre a autenticidade da doxologia, veja Lehre und Wehre, 1918, 408-409; Hom. Gag. 1919, Dez. 567568. É um novo trecho, que introduz uma exposição da primeira taboa da lei, V.19: Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam. A pergunta do armazenar, o culto às riquezas, requeria uma discussão relacionada com a justiça das obras e a presunção. Pois é o presunçoso que está sujeito a se tornar um viciado da avareza. Quão tolo é tal acumular! O Senhor, em amargo desdém, castiga este pecado – o amontoar riquezas, tesouros desta vida, tingidas com a maldição desta terra, sujeitas à corrupção da terra. Sejam vestimentas, tapeçarias e tapetes, a traça os destruirá. A ferrugem, o mofo e o cancro vão corroê-los. Ou, sendo ouro e prata e jóias, ladrões descobrirão um meio para os roubar, mesmo sendo preciso que devam cavar um buraco pela parede da casa. Que tesouros incertos, para que neles depositeis vossa confiança! Os únicos tesouros seguros, V. 20: Mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, o0nde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam nem roubam; 21) porque onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. A repetição das mesmas palavras serve de ênfase. Podeis e deveis ter tesouros, mas da espécie verdadeira. Entesourai tesouros da única espécie duradoura, no céu, tesouros celestes, que vos são dom e posse concedida graciosamente por Deus. Valorizai estes, acima de todas as jóias e riquezas de todo o mundo. “Mas vós, que não sois do mundo, mas pertenceis ao céu e sois comprados pelo meu sangue com o fim que tenhais uma outra e eterna possa que vos está pronta e encomendada, - vós não deveis permitir que vossos corações sejam tornados cativos aqui no mundo, mas, mesmo que vos encontreis numa situação tal, que precisais lidar com ela,, não a almejeis nem sirvais. Ao contrário, empenhai-vos por aqueles tesouros que vos são guardados no céu. Estes são verdadeiros tesouros, que traça nem ferrugem conseguem corroer, e seguros contra todos os que os queiram devorar e roubar. Pois, eles estão dispostos assim, que sempre permanecem sadios e novos, e tão seguros que ninguém consegue escava-los”60. Os tesouros dos cristãos estão, mesmo agora, seguramente colocados na Palavra de misericórdia, e sua plenitude e eterno gozo se realizam no céu, 1.Pe.1.4; 2.Tm.1.12,14. Por isso os corações e mentes dos fiéis estão centrados no céu, sobre seu maior tesouro, seguro nas mãos de Deus, para eles. A parábola do olho, V.22: São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; 23) se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! Aqui está registrado o absurdo e o perigo da cobiça, provavelmente, com referência aos fariseus, cujo cuidado e afetos estavam divididos entre as coisas espirituais e temporais, e que, em vista disso, se haviam tornado cegos espirituais. O olho é o órgão da visão, e, incidentalmente, a sede da expressão facial. Ele, para cumprir corretamente a sua função, deve ser a luz do corpo, dando luz aos movimentos e atividades do corpo. O olhos sincero, franco e sadio, prestará este serviço de modo correto. O olho mau e indisposto fará com que o corpo inteiro esteja em trevas, mesmo que a pessoa esteja em meio à luz. Em outras palavras: O olho é a luz do corpo, porque o olho conduz a luz para dentro do corpo e a torna proveitosa ao corpo. Quando o olho da alma está nas condições apropriadas, livre do desejo de entesourar, então o verdadeiro conhecimento cristão pode comandar e dirigir a pessoa para toda boa obra. Mas, quando paixões sórdidas dominam a alma, então o conhecimento cristão está suprimido, coração e mente estão cegados, o juízo é pervertido, e só não há nada mais do que resultados maus. Então reina a treva espiritual, sem um só raio de luz, assim como o apagar da lâmpada, que ilumina uma sala escura, aumenta ainda mais as trevas. Advertência contra a ganância por riquezas, V.24: Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um, e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. É verdade geral, que todos aceitam: É impossível a um escravo servir a dois senhores. Um servir sincero e íntegro pressupõe amor e união firme, ou, ao menos, um interesse muito forte. Considerará a um com devoção, mas ao outro com aversão. Assumirá a parte dum, ou, ao menos, proverá por ele, mas não fará caso do outro. Conclusão: É impossível ser fiel a Deus e, ao mesmo tempo, ser um escravo das riquezas, fazendo delas um ídolo. Cristo não condena a posse mas o culto das riquezas. A pessoa só pode ter um bem e objetivo supremo de vida. O 60 ) Lutero, 7.539. serviço do céu não pode ser misturado com as inclinações terrenas. Estes dois não podem ser reconciliados. Se alguém escolhe o lucro imundo como seu bem maior, o servir a Deus está fora de questão, e ele perde a bendição real e eterna. Os discípulos de Cristo, usando todas as forças da alma, fugirão da cobiça, e darão a devoção de suas vidas ao seu Deus e Salvador. Conselho contra a preocupação sobre comida e vestimenta, V.25: Por isso vos digo: Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer e beber; nem pelo vosso corpo quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que as vestes? A ligação de pensamento é esta: A avareza flui da falta de confiança em Deus. E esta falta de confiança se manifesta na preocupação ansiosa. Evitai à primeira, e sereis mais fortes para resistir à outra. Incidentalmente, as advertências, dadas aqui, são mais suscetíveis às circunstâncias dos discípulos, cuja preocupação seria mais vezes sobre as necessidades da vida, do que com as estupefação dos tesouros. Não penseis só neles, não vos interesseis com eles e não vos preocupeis com eles. O alimento, mesmo o necessário para o sustento da vida, e a vestimenta, mesmo a que é exigida para o aquecimento, não devem ser objetos de preocupação. Os cuidados dividem e desviam a mente, causando a falta de confiança que precede a negação. O argumento de Cristo vai do mais importante ao menos importante: A vida natural é mais importante do que o alimento que a sustém. E o corpo, no qual habitas esta vida, é mais importante do que a veste que o protege. Acaso, não se pode confiar no que dá o maior ou o mais importante, que ele também dará o menos importante? A ansiosa solicitude por comida e vestes, em seguida, não só fazem esquecer o Doador de todas as boas dádivas e dons, mas também enfraquecem os membros do corpo, Assim que já não são mais capazes de realizar as tarefas da vocação diária. Uma consideração adicional para os de pequena fé, V. 26: Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? Elas são exemplos de confiança perfeita em Deus, que por eles sempre provê. As aves realizam, até, menos do que o que se espera das pessoas no prover pelo futuro, Pr.6.6; 20.4. Para elas não há nem tempo de sementeira e nem de colheita. Elas não têm celeiros e silos para armazenar alimentos como segurança diante da penúria. E, ainda assim, observai-as! Fixai os olhos nelas e pensai naquele que as conserva na vida, que se preocupa com elas. A mesa delas sempre está posta, às vezes, com os melhores alimentos, e, outras, com o mínimo necessário para a vida. Mas, Ele as alimenta. Se Ele cuida destas criaturas humildes e por elas provê, acaso não há razões para crerdes que seus filhos não vão carecer pão? Quão inútil e a preocupação, V. 27: Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? Será que haverá um caso em que, quem,constantemente, se preocupa com estas coisas, pode alcançar o proveito de aumentar sua altura, ou, antes, em aumentar seu tempo de vida? Sl.39.5. É, simplesmente, impossível para uma pessoa, afligindo-se com algo, produzir tanto o crescimento que provém do alimento, como estender os dias de sua vida. Por isso, por que não deixar estes assuntos à Providência? Cristo, até, aponta para as criaturas inanimadas, como exemplos do cuidado amável de Deus, V. 28: E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. 29) Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Preocupar-se com o vestuário, para cobrir a nudez, deve parecer-nos estranho diante dos milhares de milagres que nos circundam. Considerai, observai bem, aprendei a lição dos lírios, diz ele, incluindo na expressão todas as flores, sendo que as da Palestina eram muito belas. Elas crescem e se tornam adultas, e, ainda assim, não fazem nada para produzir uma veste apropriada para si. Em seu programa diário não há nem trabalho pesado ou leve. A situação exige uma afirmação forte, e Jesus a dá. Salomão, cujas riquezas e luxo eram proverbiais entre os judeus, como o clímax e o sumo da magnificência, no auge de sua glória, riqueza e magnificência, não podia ser comparado, quanto ao esplendor de seu traje, com qualquer desses flores. Na terra, nada consegue ser igual à rica mistura de cores, à aveludada textura das pétalas de algumas das mais vulgares flores que, pelos desatentos, são desprezadas como inço Aplicação do argumento, V.30: Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Os lírios, cujas flores ensinam tão grande lição, pertencem às ervas. Podem, até, ser classificadas como inço, quando sua abundância e persistência interfere no cultivo do solo. Falando comparativamente, pertencem às criaturas de pouco valor. Os nativos da Palestina, até, em nossos dias, empregam o feno, o restolho, e ervas secas, para aquecer seus fornos de barro que, por cima, estão rodeados de panelas. Por isso, estas plantas do campo, tidas, pelas pessoas, em tão baixa estima, a ponto de usálas como combustível, são, ainda assim, tão estimadas pelo Senhor, que ele as veste de roupas esplendidas, sendo elas mais maravilhosas do que a magnífica roupa do rei mais rico de Israel. Deviam, acaso, filhos de Deus permitir que seja perturbados pela solicitude ansiosa das vestes que precisam? Uma tal conduta, certamente, deve ser um sinal de pequenina fé. Cristo renova sua exortação contra as preocupações, V.31: Portanto não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? 32: porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas. É na forma dum epílogo apaixonado, que o Senhor argüi com os ouvintes. É pecaminoso e gentio todo cuidado e preocupação em prover alimento e vestes, num contínuo insistir neste um tema, de modo que formem o peso de vossa conversa, e seja o único alvo que envolve todo vosso tempo e energia. Pois, é pelos gentios, que pão, vestes, riquezas e todos os bens que o mundo tem a oferecer, são buscados ansiosamente, sendo as coisas supremas e mais importantes na vida. Sua idéia não vai para além da gratificação dos seus desejos corporais. Quanto a vós, vosso Pai, lá em cima, sabe e está plenamente informado de vossas necessidades. Seu coração paterno, pleno de amor por vós, está disposto a fazer o que é melhor para vós. Por isso, atirai para longe todo o cuidado tolo, a fim de que vossa preocupação não vos conduza à falta de confiança, e sejais levados a adorar as riquezas. “Não é pecado ou culto às riquezas que uma pessoa coma, beba e se vista; que ela tenha alimento e vestes, segundo o exigem a necessidade da vida e do corpo. Também não é pecado, que ela busque e consiga seu alimento. Mas, que ela se preocupe, isto é, que coloque o conforto e confiança nisso, sito, sim, é pecado. Pois, a preocupação não está na veste e no alimento, mas no fu8ndo do coração, que não consegue conter-se, mas quer apegar-se a elas, como se diz. ‘Bens dão confiança’. Desta forma, ‘a preocupação’ significa entregar meu coração a elas. Pois, não me preocupo com o que o coração não intenta e ama. Por outro, aquilo pelo que anseio, é preciso que meu coração deseje.”61 O cuidado que Deus ordena, V.33: Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Uma preocupação muito necessária aos discípulos de Cristo, ou aos filhos de Deus, é buscar, ou desejar sinceramente,k ou colocar todo o coração na conquista do reino de Deus. Pois, este reino não é comida e bebida, mas justiça e paz e alegria no Espírito Santo, Rm.14.17. Um alvo digno da ambição do cristão é possuir esta justiça que agrada a Deus, ou estar cheio dos frutos desta justiça, ou tornar-se rico em obras verdadeiramente boas. Uma tal busca constante por pureza de coração e santidade de vida irá, além disso, asfixiar toda ansiedade e preocupação desta vida. E, tendo sido resolvido o assunto principal da questão, então as necessidades pequeninas do corpo e vida terrenos, também serão resolvidas com naturalidade. Serão lançadas em nossos colos, como se fossem um lucro, como uma adição ao grande negócio que a nossa busca alcançou. Por isso, mais uma vez, V.34: Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal. Cada dia traz consigo o seu próprio mal. Pois, o mundo é mau, e os inimigos, tanto de fora como de dentro, estão sempre ocupados a encontrar projetos para cercar o coração com preocupações. Estas condições precisam ser vividas com paciente alegria, sendo que cada problema, logo que surge, deve receber o nosso cuidado. Somar às dificuldades do dia de hoje, também, as preocupações que o futuro possa trazer, não aliviará a situação que enfrentais. Restringir toda a solicitude ao momento em que o problema começa a fustigar, é vence-lo por completo. É, tão somente, o futuro que traz ansiedade. 61 ) Lutero, 7.561.142 (traduzi do alemão). Colocai cada dia, assim como ele acontece, nas mãos de Deus. Isto trará, do amor do Pai celeste, a própria ajuda e resgate, Lm.Jr.3.23. Resumo: O Senhor dá instruções sobre o dar esmolas, e sobre a oração e o jejum, adverte contra a avareza, contra a cobiça e os cuidados da vida, destacando, incidentalmente, a busca do reino de Deus como o principal encargo de cada cristão. Capítulo 7 Advertência contra o juízo não autorizado e admoestação à perseverança na oração. Mt.7.1-12. Uma lição do oitavo mandamento, V.1: Não julgueis, para que não sejais julgados. 2) Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida como que tiverdes medido vos medirão também. As palavras, em conecção a isto, não excluem todos os julgamentos. De acordo com a criação e ordem do próprio Deus, aqueles que ele colocou como superiores, têm o direito e dever de velar sobre os que lhes foram confiados, e devem corrigir qualquer tendência e comportamento errados. Os dirigentes executivos e judiciais do país ou da cidade, os cabeças de cada família, os professores nas escolas, as diretorias da igreja e da congregação, Mt.18.15; Gl.6.1, os votantes de todas as formas democráticas de governo – todos estes têm o poder e o dever de exercer o juízo em sua esfera particular. A palavra usada pelo Senhor aponta para um juízo pessoal, desagradável, não caridoso, não autorizado e condenatório. Isto foi e é costume generalizado, “especialmente em círculos religiosos do tipo farisaico”. Até mesmo uma expressão pública de nossa opinião pode fluir a um excesso pecaminoso. No que se refere ao caluniar, algo tão generalizado, quanta ignorância, pressa, leviandade, preconceito, presunção e egoísmo são revelados, tantas vezes, nas sentenças que profere! Quanto desprezo pela lei do amor! Quão fácil, até mesmo, um criticismo permissível está envolvido com personalidades! Por isso a advertência: Para que não sejais julgados da mesma forma. Um julgamento impiedoso e não autorizado será punido, tanto aqui como no além. Via de regra, a pessoa pronuncia sua própria condenação, Rm.2.1. E esta condenação se tornará plena na severidade da transgressão original: Julgamento por julgamento; medida por medida. Muitos relatos maus a nosso respeito podem ser uma recompensa justa por um juízo impiedoso que proferimos, seja por irreflexão ou por rancor. Um golpe injusto retornará àquele que o desferiu. O provérbio do cisco e da trave, V.3: Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? 4) Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? 5) Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão. Este exemplo ou parábola é uma comparação excelente para ressaltar, com real ênfase, a advertência contra o julgamento impassível. O cisco, uma pequenina partícula de pó, de madeira ou palha, que está no olho do outro, é realmente visto e comentado, com muitas ofertas de ajuda para remover o objeto desagradável. Ao mesmo tempo, porém, a trave de madeira, uma tora ou viga, no olho próprio, que causa nenhum desconforto, é, de fato, nem mesmo notada. O Senhor, propositalmente, usa um exagero, para imprimir sua admoestação nas mentes de seus ouvintes. E não nos cabe enfraquecer seu quadro, substituindo “lasca” por “trave”62. O contraste é essencial para o sucesso de seu ensino. Um roubo insignificante é propagado largamente, mas da desonestidade e da negociata comercial, por razões políticas, não é tomada conhecimento. Uma única expressão descuidada é severamente criticada, mas o uso contínuo de epítetos blasfemos anda solto sem qualquer reprovação. E a 62 ) Cf. Moulton and Milligan, Vocabulary, contra Cofern, The New Archeological Discoveries, 130. hipocrisia sobressai tanto mais gritante, por causa da fingida solidariedade: Com permissão, cale-se um minuto! Como se os motivos mais desinteressados e caridosos causassem a pergunta. Cristo, em justa indignação, chama tal ofensor um hipócrita, Sl.50.16, um vil ambicioso de santificação, e manda-o remover, antes de tudo, o empecilho maior em seu próprio olho. Tendo feito isto, ele poderá considerar, ou fazer sua a missão, em fazer um cuidadoso levantamento, quanto à necessidade e possibilidade de remover o cisco do olho do irmão. Então sua inclinação para um julgamento insensível será reduzida consideravelmente, e estará em posição melhor para prestar assistência gentil e cuidadosa para um irmão, que pode ser culpado duma falta. Um conselho adicional, V.6: Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés, e, voltando-se, vos dilaceram. A crítica moral é necessária. O ensino religioso não pode ser descartado. Seria, porém, a suma tolice e o oposto do juízo desautorizado, descarregar as convicções e experiências religiosas, os sentimentos ternos e as convicções morais, sobre qualquer um que passa, não importando as condições em que esteja. As sagradas doutrinas de Cristo são, especialmente, para cristãos, as pérolas preciosas no anel de sua misericórdia. Atirar estas diante de cães e porcos, diante de pessoas a que nada é sacro, que blasfemam a tudo o que é santo, é expor a mais sagrada beleza à vulgaridade. E o resultado é que, exatamente, estas pessoas são encorajadas a profanar o santo nome de Deus, de considerá-lo um assunto apropriado para ataques blasfemos. Mas, não falhará: Algo da sujeira respingará naquele que faltou no julgamento. Será responsável pela profanação, e, por isso, também culpado diante de Deus. Observe a figura de linguagem usada pelo Senhor, em que o segundo verbo se refere ao primeiro sujeito, e o primeiro ao segundo sujeito. Uma admoestação à oração, V.7:Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. 8) Pois todo o que pede recebe; o que busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á. O sermão inteiro do Senhor tratou da justiça de vida das pessoas, como esperada por Deus. Uma lição enorme e árdua, que exige mais capacidade de qualquer pessoa, do que mesmo o cristão mais consagrado possui, por natureza e após a conversão. Mas aquele, de quem toda a força espiritual deve provir, está disposto a socorrer-nos em nossas fraquezas, se lhe aproximarmos com súplica persistente. Jesus acumula os verbos por causa da ênfase. Ele erige um duplo clímax para ensinar as pessoas a orar sempre e não esmorecer, a serem inoportunos na súplica, Lc.18.1; 11.5-10. Ao simples pedir deve ser acrescido um ávido buscar, e este deve ser suplementado com um bater persistente. Métodos tais não podem falhar. As promessas de Deus são evidentes demais. Deus ouvirá. Ele dará. Ele nos deixará achar. Ele nos abrirá. Nem sempre será exatamente no tempo e na maneira que nós julgamos a melhor, mas, no final, sempre se provará ser o melhor. Observem, tão somente, a repetição: “Pedi”, com toda a humildade, mas em firme confiança. “Buscai”, com incansável dedicação, mas também com esmerado cuidado. “Batei”, tanto com sinceridade como com perseverança. Cada um, diz ele, receberá, desde que venha como um filho ao seu pai. Uma parábola para tornar familiar esta verdade, V.9: Ou qual dentre vós é o homem que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe dará pedra? 10) Ou se lhe pedir um peixe, lhe dará uma cobra? 11) Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará boas coisas aos que lhe pedirem? Ele apela para o amor paterno deles. É impensável, que um pai que é digno deste nome fosse substituir uma pedra pelo pão, ou uma serpente pelo peixe, que seus filhos lhe pedem. Nisso há, propositalmente, uma semelhança. Um pai poderá achar necessário recusar sinceramente o pedido dum filho, mas ele não se rebaixará, zombando dele. A construção gramatical é, propositalmente, tornada difícil para colocar o pai contra e, ainda assim, ao lado do filho. Um tal espírito egoísta, maldoso e medíocre é considerado, até entre as pessoas, como não natural, podendo-se dele esperar, segundo a depravação natural do coração, um comportamento desta espécie. O afeto natural, em geral, é tão forte em mãe e pai, que não permitirá que dureza e insensibilidade ganhem a supremacia. Eles possuem a compreensão e o senso comum, de dar somente boas dádivas aos filhos, caso o fizerem. O termo, aqui empregado, se refere, não somente à qualidade da bondade, mas também à medida em que ela é feita – generosamente, isto é, em quantidades maiores do que os filhos pedem. Agora ele argumenta do menos ao mais importante. Esse Pai celeste, cujo poder benevolente e bondade benfazeja vos foi declarada, esse modelo de bondade e amor para com todos os seus filhos, certamente, não fará menos. Em medida generosa, acima de tudo que pedimos e pensamos, Ef.3.20, ele dará boas dádivas. Com tal afirmação, certamente, não sobrará nenhum vestígio de dúvida. A regra áurea, V.12: Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei, e os profetas. Temos aqui um sumário, que envolve em uma só breve sentença todas as admoestações para a caridade, encontradas no sermão inteiro, e diz tudo o que foi estabelecido nos escritos sacros com respeito ao comportamento das pessoas umas para com as outras. Tal, como a bondade de Deus é abundante para com todas as pessoas, assim, as pessoas devem direcionar sua conduta segundo este exemplo, aplicando-a, numa medida completa de generosidade, em todas as suas relações, de irmão a irmão. Fosse esta regra seguida sempre, e haveria no mundo perfeita paz, amor e harmonia.”Ele encerra com estas palavras seus ensinos, feitos nestes três capítulos. E os reúne todos num pequeno feixe, em que cada um os pode encontrar e cada um os pode tomar em seu íntimo para os guardar em segurança... E, com certeza, foi sutil, que Cristo o estabelece assim, que ele não usa nenhum outro exemplo do que a nós mesmos, e nolo coloca tão próximo, que não o possa colocar mais perto, isto é, em nosso coração, corpo e vida e em todos os nossos membros. Desta forma, ninguém precisa correr para longe nem empenhar grande esforço e custos para o alcançar... Mas, tu mesmo és tua Bíblia, mestre, doutor e pregador... Tens tantos pregadores, tantos negócios, mercadoria, ferramenta e outros instrumentos em tua casa e pátio. Isto clama a ti em voz alta: Amigo, usa-me para com teu próximo, assim como querias que o teu próximo lidasse com o seu bem contigo... E o melhor nesta sentença é, que ele não diz: As outras pessoas devem fazê-lo a ti, mas: Vós o deveis fazer às outras pessoas. Pois, o que cada um gosta é que o outro lhe faça o bem... E há alguns... que dizem: Com prazer faria o que devo, se os outros me fizessem primeiro o que devem. Mas esta sentença diz assim: Tu deves começar a ser o primeiro, se queres que os outros o façam a ti, ou, se eles não o quiserem, faze-o tu ainda assim... Quem quer ser piedoso, esse não deve preocupar-se com o exemplo dos outros... Desta forma poderá acontecer que, pelo teu exemplo, convenças os outros a te fazerem o bem, até mesmo, os que, anteriormente, te fizeram o mal”63. A conclusão do sermão, Mt. 7.13-25. As duas estradas, V.13: Entrai pela porta estreita, larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz para a perdição e são muitos os que entram por ela, 14) porque estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela. O Senhor concluiu o sermão propriamente dito. Mas, aqui, ele adiciona, como conclusão, umas poucas advertências e dá algumas sugestões com vistas a várias ofensas em doutrina e vida, com as quais os discípulos se podem encontrar. Duas estradas são traçadas resumidamente. Elas conduzem da vida presente a do além-túmulo. E os dois caminhos são contrastados, sendo cada um descrito pelos seus marcos visíveis e pelo seu fim. Um destes caminhos é, de fato, uma estrada comum, da qual ninguém está excluído. Mas ele é estreito, não dando espaço para liberdades frívolas para qualquer um dos lados. Ao fim, ela conduz através dum porta duma porta estreita e pequena, que, exteriormente, não tem nada que a recomenda. Comparativamente, só poucos encontram esta estrada. Está tão deserta, que, facilmente, pode ser perdida. Por outro, há uma avenida larga, ampla, espaçosa e extensa, com muitos fatores que convidam e que impelem a progredir nela. Ao seu fim há um portal amplo e convidativo. Mas esta estrada e este portão, com todas as qualidades que a recomenda, com todos os convites para satisfazer-se no viver livre e desenfreado do mundo, conduz à destruição. Seu fim é a eterna condenação. Não há uma advertência especial e necessária para os discípulos de Cristo. Eles evitam esta estrada larga e convidativa, por ser o caminho da carne, do 63 ) Lutero, 7.609-616 (traduzi do alemão). mundo e do diabo. Mas a outra estrada, que não oferece qualquer promessa atraente, na qual não há uma multidão barulhenta que se acotovela e espanta seu tédio, é, ainda assim, a escolha do Senhor. Pois, ela conduz à vida, à árvore da vida, para a única vida que vale a pena viver, à vida eterna com quem cuja estrada também foi um trilho humilde, um desfiladeiro pedregoso, mas que entrou na glória de seu Pai. Entrar por esta porta, é seu chamado amável. Na força de Cristo subjugam todas as fraquezas da carne. Vencem por ele todos os assaltos do mundo e de Satanás, não importando a aparência em que se apresentem. O final é digno de mil batalhas, Ap.2.10; 3;11. Advertência contra os falsos profetas, V.15: Acautelai-vos dos falsos profetas que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Esta é uma das maneiras pelas quais os discípulos de Cristo poderão ser desviados do caminho ao céu, o que torna o fato uma advertência necessária. Tomai cuidado, conservai-vos longe, não tende nada a ver com pseudo-profetas, com profetas falsos. Até mesmo é loucura parar e discutir com eles. Pois, eles são profetas falsos. Falsificam, deliberadamente, a Palavra de Deus. Eles colocam suas próprias mentiras e a sabedoria de pessoas falíveis no lugar da verdade eterna. Chegam, sem serem convidados, sem chamado. Têm, como prática, ir àquelas pessoas que são membros duma igreja, com a intenção deliberada de induzi-las a abandonarem a verdade. São sábios em sua própria presunção e nas formas do engano. Chegam numa forma muito humilde, na vestimenta da inocência e inofensividade. Confessam ter autorização do próprio Deus, e são adeptos de fingida amabilidade. Mas seu verdadeiro caráter se mostrará depois, visto que, por inclinação e treinamento, são lobos vorazes. Sua natureza é devorar. São gananciosos por dinheiro, ambiciosos por poder, mas, acima de tudo, são ansiosos para destruir almas. São assassinos de almas humanas. O princípio de testar mestres falsos e todos os fraudes, V.16: Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? 17) Assim toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. 18) Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons. Um ponto importante: Não só os discípulos de Cristo, por si mesmos, podem identificar estes falsos mestres, mas o Senhor espera que os reconheçam porque estudaram seus métodos e maneira de viver.Os cristãos são capazes de provar os espíritos – até têm o sagrado dever de faze-lo – e de examinar e testar a doutrina que lhes é oferecida. Eles têm uma regra infalível, que é o ensino de Cristo, a Palavra da Verdade. Conforme este critério e padrão, devem julgar, não só a doutrina, mas também as obras dos mestres falsos, as quais, aqui, são chamadas de seus frutos. As pessoas nunca imaginam colher uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos. Eles não são enganados por falsas aparências, tal com o botânico que, com uma olhadela, apontará a variedade venenosa de fruta ou dum cogumelo duma boa. Mas, mesmo lá onde não acontece tanto o conhecimento botânico, se distingue imediatamente a árvore boa, a que está em boas condições e sadia, da árvore doente, degenerada por causa do mau solo, ou que, por causa da idade, já não produz mais fruto. Todas estas árvores carregam fruto de acordo com sua natureza própria. Este teste nunca falha. “Como, perfeitamente, sabemos que uma árvore boa não produzirá fruto mau, e que uma árvore má não produzirá bom fruto – e nem o poderá -, assim, também sabemos que, enquanto o viver é impiedoso, a confissão de piedade é impossível, mas é hipocrisia e engano”64. O fim dos impostores, V.19: Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo. 20) Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis. Quanto ao que diz respeito ao teste de árvores, o julgamento das pessoas é tão claro e absoluto, que elas não hesitam em cortar e queimar uma árvore ruim. Elas sabem muito bem, que para aquela árvores é totalmente impossível produzir, mesmo no próximo ano, fruto bom. Este juízo, porém, também acertará aqueles que são culpados de doutrina e vida falsas, cujos frutos, finalmente, irão revelar a condição de suas almas. Será sua a punição do fogo do inferno. Enquanto isto, os cristãos não devem esquecer seu dever de testar e examinar a doutrina e as obras dos mestres falsos, para que não se tornem culpados de negligência em assuntos espirituais. “Nenhuma doutrina falsa ou heresia, jamais, surgiu sem ter o sinal que o 64 ) Clarke, Commentary, 5.97. Senhor indica aqui, a saber, que eles produziram outras obras do que aquelas mandadas e ordenadas por Deus...Deixem que aquele, que deseja julgar corretamente, faça como Cristo lhe ensina aqui, pegando suas obras e frutos, para as colocar ao lado da Palavra e dos mandamentos de Deus. Assim ele verá, imediatamente, se eles concordam entre si... Desta forma possuis um juízo seguro, que não poderá falhar, como Cristo te ensina a conhecê-los pelos seus frutos. Pois, tenho estudado a respeito de todos os heréticos e seitas, e verifiquei que eles sempre produziram e trouxeram algo que foi diferente daquilo que Deus ordenou e impôs, um nesse, outro naquele artigo. Um proibiu comer de tudo. O segundo, o casamento. O terceiro condenou qualquer governo, escolhendo cada um o seu próprio. Concluo que todos eles andam neste trilho”65. O discipulado falso, V.21: Nem todo o que me diz: Senhor! Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Os falsos mestres foram caracterizados. Agora são descritos os discípulos espúrios. Nem todos os que praticam a confissão pública, são, na verdade, confessores. Podem estar tentando encobrir sua hipocrisia, reconhecendo e confessando publicamente Jesus como seu Senhor, dando, desta forma e publicamente, a ele honra e glória divinas,66 o que está implícito neste título. Mas um cristianismo de boca nunca pode ser um substituto válido para um cristianismo de coração. O fato que os lábios, prontamente, formulam o nome de Cristo, como o Senhor, e têm o costume de repeti-lo, não levará ninguém ao céu, nem lhe permitirá entrar na bendita comunhão daqueles que são um em Cristo. Até mesmo um mero ouvir com admiração e apreciação dos ensinos do Senhor nada lhe adiantará. Mas, entre aqueles que professam Cristo, há, também, outros, como os que receberam Cristo na fé e por ele foram renovados de alma e mente. Recebem dele, continuamente, poder espiritual e, assim, são capacitados para realizar a vontade do Pai celeste em suas vidas. O cumprimento da vontade de Deus se torna, desta forma, o critério pelo qual a sinceridade do seu discipulado é testada. Cristo chama Deus “meu Pai”. Ele, em sua profunda humildade, não busca sua própria glória. Ele tem o direito de usar o nome Senhor e exigir obediência à sua vontade. Mas ele imprime em seus ouvintes a santidade da vontade revelada de Deus. Isto deve encontrar expressão em suas vidas. A advertência de Cristo quanto ao juízo, V.22 Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor! Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? 23) Então lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade. Naquele dia, isto é, no grande e terrível dia do julgamento, quando os pensamentos e desejos de mente e alma serão revelados, haverá muitos, ou seja, um grande número, que farão um apelo em seu próprio favor. Indicarão para todas as espécies de feitos que se parecem com milagres. Mas, mesmo que seja profecia, ou um expelir de demônios, ou alguma outra obra maravilhosa, e, até mesmo, que os milagres foram expressamente feitos em nome de Cristo e ostensivamente em seu poder, - tudo isto nada lhes aproveitará. Mesmo que repitam a frase “em teu nome”, apegando-se a isto, como a uma esperança longínqua que possa comover o coração do Juiz, será, exatamente, esta expressão que provará a sua omissão. Pois ele, quanto a si, também tem uma confissão a fazer. Eles, talvez, sejam sinceros, pensando que ele os deva admitir, deva reconhecê-los. Ele, porém, tem outra opinião. Ele julga necessário expor o vazio da sua confissão.Nunca, em toda a carreira deles, enquanto se enganavam a si mesmos e conduziam outros ao engano, enquanto usavam o nome do Senhor em vão, com o fim de promover seu próprio ganho, Ele os conheceu. Eles nunca se tornaram seus íntimos. Seus corações sempre estiveram longe dele. Não tinham fé. Por isso, todas as obras deles provam ao Senhor, que eles são operadores da iniqüidade, usando o Seu nome sem autorização ou ordem, realizando o que ele não lhes autorizou nem aprovou. A sentença é breve, mas terrível: “Apartaivos de mim”, Mt.25.11; estejais para sempre longe da salvação, da glória e beleza que provém do íntimo relacionamento comigo. Pois, estando em bendita união com Cristo, tudo é céu. Separado dele, não há nada mais do que condenação. 65 66 ) Lutero, 7.640,641. ) Cobern, The New Archeological Discoveries, 127. Uma parábola de conclusão, V.24: Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica, será comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; 25) e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. 26) E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; 27) e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruína. É um pronunciamento majestoso. Refere-se ao discurso inteiro, incluídas todas as suas lições, que se destinaram a ensinar sabedoria e compreensão no viver de seus discípulos, sendo uma emanação da intimidade com ele e do poder da fé. Jesus, tal como em outras parábolas e afirmações, só distingue duas classes de pessoas, Mt.12.30. Aqui, ele faz a distinção, a comparação que prova ser verdadeira, até, nesta vida, com relação ao fundamento que as pessoas escolhem para a estrutura de sua fé e vida. Ele baseia sua afirmação na máxima, que um ouvir apropriado sugere a obediência no viver, Tg.1.22-25. Existe a pessoa sábia, prudente, racional e experta, que usa corretamente sua razão, que cuidadosamente avalia todas as proposições e seleciona judiciosamente o que serve aos seus propósitos. Quando constrói uma casa, lança o fundamento firmemente em terra sólida, se possível, na rocha. Observam a eloqüência da descrição, para representar o de-repente e a fúria dos elementos em fúria: chuva sobre o telhado, rio contra o fundamento, vento contra as paredes; mas a casa permaneceu de pé, porque seu fundamento foi lançado sobre a firmeza da resistente rocha. Mas, há também a pessoa tola, mencionada por Cristo, em profunda tristeza. Ela é a pessoa que negligencia a prudência e o senso comum. Ela poderá construir uma casa, cuja aparência exterior em nada difere da pessoa sábia. Mas ela negligenciou o cuidado com a fundação apropriada. Escolheu um lugar formado de areia solta, próximo à torrente que vinha das montanhas. Os elementos, mais uma vez, foram desprendidos. Veio a chuva torrencial. Veio o rio impetuoso. O vento soprou com fúria. E, neste caso, eles não só arremeteram, como se fossem um inimigo ou uma besta fera que ainda podem ser postos em fuga; mas arrasaram esta casa, e a sua ruína foi completa. Nada restou de sua vaidosa beleza. Prudente é aquele que faz, que cumpre, os dizeres de Cristo, e assim lança o fundamento de sua vida espiritual em uma rocha. Ele permanecerá firme em meio a todos os assaltos dos inimigos. Não, que o seu fazer e o seu obedecer o fazem firme. Mas sua vida está arraigada em sua fé em Cristo. Dele ele recebe, diariamente, nova força. Ele vence, pela fé, e é mais do que um conquistador, Rm.8.37. Mas tolo é quem, só com os ouvidos, ouve as palavras de Cristo, mas não apresenta qualquer evidência de obras que fluam da obediência cristã. Ele, atravez disso, dá as provas de que a fé, ou nunca lançou pé em sua vida, ou morreu em seu coração. Tribulação e tentação encontrarão tal pessoa despreparada. Sem a fé em Cristo, ela não terá segurança, e perecerá do modo mais miserável possível. A impressão que o sermão de Cristo causou, V.28: Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; 29) porque ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas. A maneira de Cristo para ensinar diferia da dos escribas, pois eles ensinavam só porque haviam recebido autorização, entoando as tradições e preceitos e injunções duma lei que, na verdade, estava morta em suas próprias vidas. Cristo falava com autoridade. Era sua a autoridade de ensinar todas as pessoas, até o fim dos tempos. Este poder, por isso, também se evidenciou em seus ensinos que arrebatavam seus ouvintes com uma convicção maior do que a dum orador eloqüente. Ele falava as palavras da vida eterna. Não admira, que as pessoas estavam muito surpresas e admiradas, e que expressam, imediatamente, seu espanto. Aqui estava um mestre que tinha uma mensagem. As suas afirmações não somente eram claras, seus exemplos inteligentes, seus argumentos fortes, sua presença arrebatadora; mas ele tinha uma missão de professoro, e ele precisava ser escutado. Ele pregava a Palavra de Deus, como sendo a sua própria palavra. Sumário: Jesus adverte contra o juízo incompassivo, urge perseverança na oração, destaca o caminho seguro ao céu, mostra como distinguir profetas falsos e se guardar contra um discipulado falso, e conclui seu poderoso sermão, com a admoestação de guardar suas palavras. O Significado do Sermão da Montanha A posição do “sermão da montanha” no Novo Testamento, em especial, nos ensinos de Jesus, tem despertado a atenção, não só de comentaristas e teólogos em geral, mas, também, recentemente, de trabalhadores sociais de todas as classes. E um novo ímpeto foi dado às várias investigações, pela onda de literatura quiliástica que está inundando o país. Alguns escritores afirmaram, mesmo que brandamente, que o sermão da montanha apresenta a doutrina de Cristo, no primeiro estágio do seu desenvolvimento, tal como, mais tarde, é exposta, numa maneira análoga, na epístola de Tiago. Outros, de mentes mais audaciosas, chamaram-no o credo da cristandade, o evangelho do reino, a carta magna da comunidade do céu. Certo escritor declarou com seriedade: “Seu primeiro alvo foi livrar as pessoas dos efeitos das crenças, causas e hábitos errados de viver, e restaurá-las `saúde física, mental, moral e espiritual completa. Ele tentava uni-los na fraternidade universal, que ele descreveu como sendo o reino ou o governo de Deus, e, desta forma, desenvolver uma ordem social perfeita”67. Outro afirma: “Educadores, amanhã, relerão o sermão da montanha, e procurarão enriquecer os ensinos da religião cristã... Hoje, toda a economia política está sendo re-escrita no modelo do sermão da montanha... É um documento político muito impressionante”68. Outro declara: “Quando a vontade de Deus é feita na terra como é feita no céu, o reino de Deus e do céu terá vindo de fato. Todos os problemas sociais estarão resolvidos, e acalmadas todas as inquietações sociais”69. E, ainda mais detalhado: “Jesus, no sermão da montanha nos dá um quadro perfeitamente claro e adequado da sua compreensão dum mundo ideal,... uma concepção superior da nova ordem social”70. O número de tais passagens de livros recentes poderia ser multiplicada indefinidamente. Todas elas estão imbuídas da idéia do milênio, a saber, que, de algum modo, em algum tempo, provavelmente em conecção com o estabelecimento do milênio, tão propalado pelo mundo, acontecerá a perfeita ordem social, sendo o pecado totalmente desconhecido, vivendo todas as pessoas em amor e harmonia, quando judeus e gentios se dobrarão juntos diante do trono de Jesus. Supõe-se, que tudo isto esteja contido no sermão da montanha. Tudo isto seria perfeitamente encantador, não tivesse Jesus declarado expressamente: “O meu reino não é deste mundo”, Jo.18.36; se ele não tivesse dito aos fariseus: “Não vem o reino de Deus com visível aparência”, Lc.17.20; se ele não tivesse repreendido, de modo gentil mas firme, seus discípulos por causa do seu sonho dum reino terreno, At.1.6-8. Jesus expressou, de modo breve mas compreensivo, o propósito de sua vinda: “O Filho do homem veio salvar o que estava perdido”, Mt.18.11. E ainda: “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, Jo.3.16. São Paulo enfatiza o fato que “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”, 1.Tm.1.15. São João escreve: “O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”, 1.Jo.1.7. Estas passagens representam a doutrina característica, distintiva, fundamental e essencial da cristandade, sem a qual a religião haveria de cair ao nível do paganismo. A livre salvação de todas as pessoas pelo expiador poder do sangue de Cristo é aquele um raio maravilhoso de luz na Bíblia, que distingue este livro sagrado do leste, de todos os demais escritos religiosos, nos quais é colocada uma religião das obras diante das pessoas e um reino meio espiritual e meio temporal, como alvo de sua ambição terrena. O sermão da montanha é um exemplo do ensino de Cristo, bem distinto dos seus sermões. Ele tinha dois objetivos em mente. Em primeiro lugar, como mostra sua comparação aguçada, quis ele despertar seus ouvintes, em especial aqueles que tinham o epíteto “hipócritas” da sua letargia de sua negligente justiça. Ele quis destacar-lhes a total impropriedade da compreensão literal e da 67 ) Kent, Life and Teachings of Christ, 127-128. ) Hillis, Influence of Christ, 10,47,48,75. 69 ) Clow,W.M., Christ in the Social Order, 82. 70 )Strong,J., The New World Religion, 98. Veja também Rauschenbusch,W., Christianity and Social Crisis, 56-57. 68 guarda literal das coisas externas da lei. Quis, de fato, mostrar a todas as pessoas, quão distantes estão os seus melhores esforços do cumprimento correto e adequado da vontade de Deus. Uma intenção de viver conforme as injunções do sermão da montanha, rapidamente, convencerá, até, o mais otimista, da inabilidade da pessoa de viver conforme a interpretação espiritual da lei. E o segundo objetivo de Cristo foi dar uma lição sobre a verdadeira santificação para aqueles que pela graça entraram no reino e são desejosos de viver de acordo com a mais alta compreensão da vontade de Deus. Usar o sermão da montanha, de acordo com estes objetivos evidentes, redundará no benefício bendito e duradouro de todos quantos, realmente, se preocupam viver como filhos do Pai celeste. Capítulo 8 A cura dum leproso – Mt.8.1-4. V.1:Ora, descendo ele do monte, grandes multidões o seguiram. Enquanto descia do monte, onde proferira seu grandioso sermão, e, em especial, depois de ter descido até a planície, quando, de fato, chegara a uma cidade na vizinhança, Lc.5.12, as multidões que, de perto e de longe, o haviam seguido, e que, agora, e mais do que nunca, estavam impressionadas com seus ensinos, novamente o seguiram. Jesus realizou, imediatamente, um milagre, V.2: E eis que um leproso, tendo-se aproximado, adorou-o, dizendo: Senhor, se quiseres, podes purificar-me. O evangelista usa esta fórmula para introduzir uma narrativa que estimula o interesse. Um leproso ceio a Jesus, transgredindo, em sua ansiedade e desejo sincero por socorro, as regras que haviam sido feitas com vistas aos afligidos por esta doença. A lepra é uma doença particularmente maligna e contagiosa (não infecciosa), ainda que não seja hereditária. Está muito difundida no mundo. Mas, ela ocorre freqüentemente no Leste e ao longo das costas do Mar Mediterrâneo. São conhecidas diversas espécies da doença, depois que o gérmen que a causa foi encontrado. A doença, contudo, em todos os casos, segue o mesmo curso comum. Manchas de várias cores aparecem no corpo. Depois, também, pústulas e tubérculos. O rosto, em pouco tempo, assume uma aparência estúpida. Então começa ulceração, atrofia e perda de partes de ossos, o que pode causar buracos fundos e, até, a perda de membros inteiros. Em alguns casos afortunados, a morte ocorre dentro de pouco tempo, mas, em outros, a doença perdura por anos a fio. Entre os judeus, leprosos eram considerados impuros, Lv.13.44-46. Eram obrigados a rasgar suas vestes, cobrir os rostos, viver sem a preocupação usual por higiene. E, ao aproximar-se alguma pessoa, deviam gritar: “Impuro! Impuro!” Eram obrigados a viver fora do acampamento ou da cidade. Nas sinagogas havia lugar especial para eles. E tudo que tocavam, ou a casa em que entravam, era declarado impuro. Para sua purificação havia sido elaborado um detalhado cerimonial na lei judaica, Lv.19 (nota do tradutor: Lv.14). Não admira que o pobre homem do texto estava tão ansioso para ser curado. Apressa-se a ter com Jesus. Prostra-se ao chão, num gesto de súplica humilde, estando plenamente cônscio de sua própria indignidade e da grande superioridade Daquele de quem pede um favor. Chama-o “Senhor”, dando-lhe a honra divina do prometido Messias. Sua oração é breve, mas compreensiva. É um modelo quanto à forma e ao conteúdo. “Se queres”. Ele não tinha a menor dúvida sobre o poder e a capacidade de Cristo, mas não quanto à sua vontade de ajudar. A humildade de sua fé deixa a decisão para Cristo. Mas, caso houver uma purificação por meio da cura, então que seja logo.Ele é insistente, mas humilde. Concorda em deixar para o amor e a misericórdia do Senhor a maneira e o tempo do cumprimento de sua prece. “Isto significa, não somente crer corretamente, mas também orar corretamente. Estes dois sempre precisam andar juntos. Quem crê corretamente, este ora corretamente; mas, quem não crê corretamente, este, também, não pode orar corretamente. Pois, com o orar, primeiro, deve ser real que o coração já está firme que Deus lhe seja tão gracioso e misericordioso, que, alegremente, queira mudar nossa angústia e nos socorrer... Que o leproso modera tanto sua prece e diz: ‘Senhor, se queres, podes purificar-me’, não deve ser compreendido assim, que ele tenha duvidado da bondade e da graça de Cristo. Pois, a fé seria nada, mesmo se cresse que Cristo fosse onipotente e capaz e sábio para todas as coisas. Pois, a fé viva é esta que não duvida que Deus também seja de vontade bondosa e graciosa, para fazer o que lhe pedimos. Mas deve ser entendido assim: A fé não duvida, que Deus tenha boa vontade para com a pessoa, queira e deseje-lhes tudo o que é bom. Mas, aquilo que a fé suplica e pretende, não está em nosso saber, se é bom e proveitoso. Isto só Deus sabe. Por isso a fé pede assim, que tudo deixa aos cuidados da vontade graciosa de Deus, se para sua glória e para o nosso proveito; não duvida da verdade de que Deus o dará, ou, quando não é possível concedê-lo, que sua vontade divina, movida por graça imensa, não o dê, porque vê que é melhor não concedê-lo. Com tudo isto a fé, contudo, permanece certa e firme na graciosa vontade de Deus, dando-o ele ou não”71 O milagre, v.3 : E Jesus, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo! E imediatamente ele ficou limpo da sua lepra. 4) Disse-lhe então Jesus: Olha, não o digas a ninguém, mas vai mostrar-te ao sacerdote e fazer a oferta que Moisés ordenou, para servir de testemunho ao povo. Jesus foi movido de compaixão, Mc.1.41. Sua solidariedade e boa vontade em querer ajudar levam-no a estender a mão e tocar ao leproso, num gesto íntimo que mostra completa compreensão e desperta confiança. E o seu onipotente “eu quero”, com tranqüilidade, pressupõe a autoridade soberana para esta demonstração de poder ilimitado. Não uma mera declaração de estar limpo, como os racionalistas o querem, mas um milagre: A lepra, que já havia tornado o homem numa caricatura horrenda e infeliz da criação de Deus, desapareceu imediatamente.Ele estava limpo. Cristo, nesta ocasião, tinha razões para evitar uma falsa popularidade. O povo, levado pelos ensinos de Cristo e por causa de seus muitos milagres, estava excitado a tal ponto, que teria estado pronto a aclamá-lo, seguindo sua falsa compreensão do reino messiânico, seu rei terreno. Isto teria atiçado precocemente o ódio dos líderes judeus e causado suspeição e inveja da parte do governo, sendo que tudo isto teria obstruído o ministério do Senhor. Além disso, uma dispersão prematura da notícia podia alcançar os ouvidos dos sacerdotes antes que o próprio leproso se apresentasse, podendo a inimizade deles levá-los a lhe negar o reconhecimento de limpo. Jesus, também, queria observar os preceitos da religião oficial, Mt.3.15. Observe! Olhe!, diz ele, numa ordem rápida e decisiva, ainda que cordial. Não perca tempo em conversas desnecessárias e sem valor. O essencial é pressa. Cumpra as injunções prescritas para o seu caso, Lv.14.10-32. Faça a oferta que a lei manda. Consiga das autoridades constituídas um atestado de limpeza. Isto deve ser um testemunho, não para os legalistas, mas também para as pessoas em geral. Fazendo assim, o antigo leproso poderia espalhar a notícia do milagre, de modo correto. Ele, certamente, também o fez, Mc.1.15. O Centurião de Cafarnaum, Mt.8.5.13. V.5: Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, apresentou-se-lhe um centurião, implorando: 6) Senhor, o meu criado jaz em casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente. O incidente, aqui narrado, talvez ocorreu imediatamente após a cura do leproso, ou só algum tempo depois, quando Jesus realizou viajou pela Galiléia. Jesus havia entrado em Cafarnaum, a cidade que escolhera como lar em seu ministério naquela região. É aqui que ele entra em contacto com um centurião. Não é importante, se o centurião atendeu pessoalmente o caso aqui relatado, ou se ele se valeu dos bons serviços de outros, sendo a última opção a mais provável, Lc.7.1-10. “Ele envia, por meio duma delegação dos mais estudados e respeitados da cidade, uma mensagem a ele (Jesus), por causa do servo que ele amava muito... E, quando vão e apresentam, de modo muito delicado, sua mensagem,. Para que ele viesse, porque o centurião é uma pessoa digna disso, Cristo está disposto a ir e, realmente, vai com eles. Quando o centurião ouve que Cristo vem em pessoa, envia mais outros mensageiros e roga: Oh! Não! Quem sou eu que ele se preocupa em vir pessoalmente? É suficiente que diga, mesmo que seja uma só palavra, e eu estou inteiramente satisfeito”72. O centurião, com que Jesus tratou aqui, era um comandante de cem soldados, e muito provavelmente era a guarnição romana da cidade. Era estrangeiro e não da nação e igreja judia. Mas, ele havia aprendido a conhecer o Deus verdadeiro, e, sem dúvida, estudara a Escritura, sabendo ele, assim, do Messias 71 72 ) Lutero, 13.167; 11;482-483 (traduzi do alemão). ) Lutero, 12.1184. vindouro. Em sincera devoção, até, construíra a sinagoga dos judeus, Lv.7.4-5. Tinha uma mensagem urgente e cheia de súplica em favor do seu criado que era o mandalete de sua casa, o qual, já fazia algum tempo, estava de cama. Porque sofria dum mal que era uma foram de paralisia, que lhe causava dores horríveis, sua situação o levara a muita fraqueza. A enfermidade dos nervos, neste caso, era acompanhada de dores incomuns, que impediam que a pessoa doente fosse transportada numa maca. A oferta de Jesus e a resposta do centurião, V.7: Jesus lhe disse: Eu irei cura-lo. 8) Mas o centurião respondeu: Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda como uma palavra, e o meu rapaz será curado. A compaixão de Cristo é despertada, não por causa duma prece por auxílio, mas basta, para que isto aconteça, uma constatação de aflição e necessidade. Ele declara expressamente sua disposição de vir e ajudar: Eu vou curá-lo. É a soberania de Cristo que decide doença e saúde, morte e vida. Uma resposta surpreendente: Não sou digno, ou não estou em condições. Impediam-no de receber ao Senhor, de modo digno, não somente sua condição de gentio, mas sua humildade. Cf.Mt.3.11. Ele se refere depreciativamente à sua casa, que era uma choupana, quando o Senhor se aproxima. Só uma palavra bastará. Ele reconhece tanto a necessidade da misericórdia de Cristo, como a sua própria e total indignidade. É uma fé sublime: Meu servo particular será sarado. Esta é uma convicção que nasceu da confiança absoluta no poder onipotente e misericordioso do Senhor. Doutro lado, falta de fé, presunção e ignorância impedem qualquer comunhão entre Deus e a pessoa humana. Um argumento tirado de sua própria experiência, V.9: Pois também eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens, e digo a este: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz. Aqui não aparece uma gavolice presunçosa, mas uma humildade que torna o seu argumento ainda mais forte, porque dá a Cristo a honra que por justiça lhe pertence. O centurião, quanto à sua própria pessoa, ocupava uma posição subalterna, estando por juramente preso ao governo e a tudo que isto compreendia. Mas, ainda assim, tinha a autoridade que o posto lhe dava, dando ordens aos homens do batalhão e ao seu escravo pessoal. “O argumento do centurião parece assim: Se eu, que sou pessoa sujeita ao controle de outros, mas que tenho alguns tão completamente sujeitos a mim, que posso dizer a um deles: Vem, e ele vem; e a outro: Vai, e ele vai; e ao meu escravo: Faze isto, e ele o faz, - quanto mais podes tu alcançar tudo o que queres, estando sujeito a ninguém e tendo tudo sob teu comando”73. Nisso tudo há uma referência ao poder onipotente da palavra de Cristo. A admiração de Jesus, V.10 Ouvindo isto, admirou-se Jesus, e disse aos que o seguiam: Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como está. 11) Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. 12) Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. Qualquer evidência de uma fé real e confiante sempre influenciou profundamente a Jesus, Mt.15.28. O fato atual encheu-o de muita surpresa e admiração. Em Israel, onde uma tal fé ou uma confiança tão marcante em seu poder, devia ser a regra, Rm.3.2;9.5, não encontrara fé tão grande. Esta situação extraordinária leva-o a proferir uma profecia a respeito da conversão dos gentios, o que se refletirá de modo muito vexatório sobre seus próprios concidadão. Ele representa o reino de Deus, na forma duma parábola, a um grande banquete, ou festa, onde as riquezas da misericórdia de Deus concedidas à mão cheia. O centurião representa, neste caso, os primeiros frutos das grandes multidões que o Senhor chamaria de todas as raças, línguas, povos e nações, para se reclinarem em sua mesa para participar de seus dons, com os patriarcas, que são os pais dos fiéis de todos os tempos. Enquanto isto, os filhos do reino, que são os filhos daqueles aos quais as promessas haviam sido feitas, que são os judeus que confiavam no parentesco terreno dos pais nas sem a sua fé, perderiam sua herança, porque teimavam em não aceitar Jesus como seu Salvador. Sua porção seriam as trevas exteriores em vez da luz dos céus, choro num remorso que veio tarde demais, ranger de dentes em raiva impotente. Esta é, até ao dia de hoje, a expectação de todos os infiéis. 73 ) Clarke, Commentary,5.100. A recompensa da fé, V.13: Então disse Jesus ao centurião: Vai-te, e seja feito conforme a tua fé. E naquela mesma hora o servo foi curado. Como foi a fé, assim foi a cura. A confiança no poder da palavra trouxe a palavra que tinha o poder de curar. Cristo fala sob grande emoção, concedendo o benefício no qual a confiança do capitão se agarrava, e ordenando a ele e aos seus mensageiros, que fossem e testemunhassem o cumprimento de sua oração. Naquela mesma hora, no exato momento em que Jesus o dissera, foi realizado o milagre. Desta forma a fé recebe de Cristo, em quem ela se agarra, amparo, conforto, misericórdia e todo o bem. Vários Milagres e Curas, Mt.8.14-1. A cura duma febre, V.14: Tendo Jesus chegado à casa de Pedro, viu a sogra deste acamada e ardendo em febre. 15) Mas Jesus tomou-a pela mão, e a febre a deixou. Ela se levantou e passou a serví-lo. Jesus, em certo sábado, havia ido à sinagoga. Regressando e chegando à casa de Pedro, que aqui leva seu nome de discípulo, Jesus se deparou com ocorrências tristes, Mc.1.29-31; Lc.4.38-39. A sogra de Pedro está de cama com febre. Notemos: Pedro possuía uma casa em Cafarnaum, tendo-se mudado de Betsaida para aqui. Talvez, porque o mercado de peixes parecia melhor, mas, mais provavelmente, porque o Senhor havia escolhido esta cidade como sua morada. Pedro era casado. Ele não se entregara à falsa santidade, a um ascetismo perigoso, como é exigido pela igreja católica para seu clero, mas deu-se o direito de possuir uma irmã na fé por esposa, 1.Co.9.5. Jesus foi movido de compaixão. Repreendeu a febre. Tomou a mulher enferma pela mão para a erguer. Ao seu toque milagroso, a enfermidade desapareceu, e ocorreram todos os efeitos que seguem. Ela se levantou da cama, sem qualquer sinal de fraqueza ou falta de equilíbrio. Podia servir à mesa, e fazer quaisquer serviços, destacando, em sua gratidão, especialmente aquele a quem devia sua plena recuperação. Qualquer dom que recebemos do Senhor devia dispor-nos ao serviço pessoal mais dedicado. Fatos que ocorreram ao entardecer do sábado, V.16: Chegada a tarde, trouxeram-lhe muitos endemoninhados; e ele meramente com a palavra expeliu os espíritos, e curou todos os que estavam doentes; 17) para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças. Toda Galiléia encheu-se das notícias a respeito de Cristo. E uma fila constante de doentes e seus parentes, era comum ver afluir de todas as direções. Tudo aconteceu depois do fim do sábado, Lv.23.32. Já não precisavam hesitar, pensando que pudessem transgredir a lei. A fama da notícia que o Senhor havia curado um endemoninhado pela manhã, havia-se espalhado qual fogo em palha seca. A maioria dos que lhe foram trazidos, estava aflita com a mesma e terrível doença, estando possessa de espírito mau. Ele, com uma só palavra, expelia os demônios que, semelhante a todo o mundo dos espíritos, lhe precisam estar sujeitos. Com meiga bondade curou todas as outras doenças. Nenhuma havia, que pudesse resistir à sua onipotente misericórdia. É muito apropriada a referência de Mateus à profecia, Is.53.4. A referência do profeta é sobre as magoas e tristezas, as doenças e dores da alma, devido ao pecado e sua maldição. Mas o evangelista argumenta corretamente: Aquele que carrega o maior também é senhor sobre o menor. As doenças da pessoa humana estão conectadas, dum lado, ao pecado, e, do outro, à morte. E, desta forma, o nosso Sumo Sacerdote, sentindo o peso das nossas doenças, teve compaixão, por causa dos resultados e conseqüências do pecado, pois, ele sabe da sua maldição, da sua influência destrutiva sobre o corpo e a alma, Hb.4.15;5.2. Ele carregou e removeu os nossos pecados e fraquezas. Eles já não são mais uma maldição para os fiéis. O Discipulado de Cristo, Mt.8.18-22. Preparativos para a partida, V.18: Vendo Jesus muita gente ao seu redor, ordenou passar para a outra margem. Estava anoitecendo. O dia fora de muita ocupação para Jesus: Havia ensinado e feito curas. E, ainda, havia uma multidão que o pressionava. Já estava junto à margem do Lago de Genezaré. E ordenou que partissem para o outro lado, para escapar da importunação da multidão e para evitar uma explosão de entusiasmo falso, que poderia macular o trabalho do seu ministério, Jo.6.3,15. Uma interrupção, V.19: Então, aproximando-se dele um escriba, disse-lhe: Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores. 20) Mas Jesus lhe respondeu: As raposas têm seus covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. Havia, além de seus discípulos, outros bem próximos a ele. Um desses, que era escriba, tomou-se da coragem de lhe falar. Era um testemunho forte em favor do poder da pregação de Cristo e do magnetismo de sua pessoa, que um dos escribas, daquela classe que era totalmente contra os caminhos de Jesus, foi arrebatado pelo seu entusiasmo e pediu para ser aceito no círculo mais íntimo dos apóstolos. Mas é uma presunção ignorante, pensar que se é capaz de seguir Cristo em qualquer caminho que ele escolher ou nos imponha a seguir. Ele não tinha compreensão do custo de ser um discípulo de Cristo. O Senhor, desta forma, lhe mostra o verdadeiro significado do discipulado, tanto o que significa, como o que ele requer. As raposas têm covis onde podem descansar em segurança. Os pássaros do céu têm lugares para dormir, sendo que a maioria delas, noite após noite, busca a mesma árvore para abrigo. Jesus, o Filho do homem, porém, em seu estado de humilhação, está em tal pobreza e desamparo que, contudo, lhe são um fardo voluntário, mas que se poderão tornar numa amarga irritação a quem não está consciente daquilo que seja exigido dos seguidores do modesto Nazareno. Pobreza, privações e perseguições, sob certas circunstâncias, podem, quando Deus o permite, ser a sorte dos cristãos. “Todos os verdadeiros cristãos procedem assim: Usam seus bens e possuem ninhos e abrigos; mas, quando a necessidade exige que os abandonem por causa de Cristo, eles o fazem, e, até, alegremente se mudam tanto do lugar onde podiam reclinar a cabeça, como de suas posses. Estão contentes em serem forasteiros no mundo, e dizem: Sou hóspede sobre a terra; e, ainda: Sou um peregrino, como foram todos os meus pais” 74. Outra lição, V.21: E outro dos discípulos lhe disse: Senhor, permite-me ir primeiro sepultar meu pai. 22) Replicou-lhe, porém, Jesus: Segue-me, e deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. Eis aí um homem que pertencia ao círculo maior de discípulos, que havia decidido permanecer nos arredores de Cristo. Mas sua natureza era vacilante, sendo um indeciso. Jesus o havia chamado, Lc.9.59. Indeciso, ele pede por licença para sepultar seu pai, o que pode ter sido um mero pretexto para ganhar tempo. Jesus lhe dá uma resposta que parece dura. Caso Cristo esteja citando, aqui, só um provérbio judeu, seu significado pode ser: Deixem os espiritualmente cegos, os que são mortos em relação ao chamado do reino, enterrar os naturalmente mortos. Mas, sem esta suposição, as palavras de Cristo se referem ao uso aramaico da palavra “morte”, a um jgo de palavras que significam: Deixe que os mortos sejam cuidados por aqueles cujo negócio é enterrar os restos terrenos; não te preocupes com a casca mortal de teu pai; isto é a tarefa do agente funerário; faze tu do reino de Deus a tua preocupação. O discipulado de Cristo é muito mais importante do que todas as demais obrigações, até mesmo para com os parentes mais chegados; se há um conflito de interesses, só pode haver uma escolha, Mt.10.35-39. A Tempestade no Lago, Mt.8.23-27. V.23: Então, entrando ele no barco, seus discípulos o seguiram. 24) E eis que sobreveio no mar uma grande tempestade, de sorte que o barco era varrido pelas ondas. Entretanto, Jesus dormia. Seguindo instruções anteriores, os discípulos haviam preparado o barco. E, quando Jesus embarcou, as pessoas que lhe estavam mais próximas e que formavam o círculo íntimo de seus seguidores, embarcaram com ele. Cansado pelo volume de um dia de trabalho mental e físico, Jesus foi dormir, embalado pelo movimento oscilante do barco. Inesperada e repentinamente, abalou-se sobre o pequeno lago uma daquelas tempestades tão temidas pela sua violência. Era como se fosse um maremoto ou um tufão violento, diante do qual os experientes pescadores eram, absolutamente, inúteis. As ondas se erguiam de ambos os lados, bem mais alto do que o barco, encobrindo-o. E, 74 ) Lutero, citado por Stöckhardt, Biblische Geschichte des Neuen Testaments, 69. quebrando sobre ele, encheram-no gradualmente d’água, sendo inútil querer esvaziá-lo. A natureza estava em revolta. Vento e mar haviam conspirado para destruir tanto o barco como seus passageiros. Anotemos o contraste: Cristo a dormir tranqüilo em meio a toda esta confusão, não sendo afetado pela grande agitação que levara os homens mais fortes a tremer de medo. “Mas, agora, o dormir natural é uma indicação certa para um homem real e natural. O evangelho diz que Cristo dormiu no barco. O evangelista deseja mostrar-nos a Cristo como homem real e natural, com corpo e alma, e que, por isso, tinha necessidade de comida e bebida, sono e outras tarefas naturais que são feitas sem pecado, tal como as temos nós também. Para que não caiamos no erro dos maniqueus, que acreditaram que Cristo era só um espírito e não um verdadeiro homem.75 O terror dos discípulos diante da repreensão de Cristo, V.25: Mas os discípulos vieram acordá-lo, clamando: Senhor, salva-nos! Perecemos! 26) Acudiu-lhes, então, Jesus: Por que sois tímidos, homens de pequena fé? E, levantando-se, repreendeu os ventos e o mar; e fez-se grande bonança. 27) E maravilharam-se os homens, dizendo: Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem? Os discípulos, chegando a Cristo, acordaram-no. Podem ter hesitado, por um pequeno período, por respeito ao mestre amado. Mas seu medo se torna tão grande, que já não mais se contém. Das suas bocas sai, antes, um grito, do que uma informação. Em sua hora extrema Cristo é seu único pensamento. Um ponto importante: O primeiro pensamento de Cristo é pela fé dos discípulos, não pelo alívio do seu medo. Por que estar cheio de medo? Por que tão pouca fé? A repreensão, propositalmente, foi áspera no tom, mas tinha oculta em si muita ternura. Seu destemor pessoal e total devia acalmar o pânico deles. A falta de fé sempre torna medroso. A confiança em Deus e em seu poder e ajuda, torna audacioso. Jesus, tendo resolvido o mais importante, ergueu-se de seu travesseiro e proferiu uma segunda repreensão, esta dirigida ao vento impetuoso e às ondas agitadas. “Paz! Aquietai-vos!” É Ele quem lhes deu ordens, Mc.4.39. Ao soar da sua voz, um silêncio obediente sobreveio à turbulência dos ventos e das ondas. O onipotente Governador do universo havia falado. A voz humana de Cristo, por virtude do seu poder e majestade divinos, concedidos à sua humanidade, controlaram as forças da natureza, Pr.30.4. “Mas, quando ele repreende o mar e o vento, e tendo o mar e o vento lhe obedecido, ele provou, com este ato, a sua onipotente divindade, e que é Senhor sobre o vento e o mar. Pois, não é obra humana, ser capaz de, com uma só palavra, aquietar o mar e fazer cessar o vento. É necessário poder divino para, com só uma palavra, parar a turbulência do mar. Por isso, Cristo não é só homem natural, mas é também verdadeiro Deus.”76 O efeito deste milagre sobre os discípulos e sobre todos os que, depois, ouviram desta história, visto que o repentino aquietar do mar deve ter sido observado da praia, foi enchê-los de espanto. Que homem é este? Donde é ele? Havia diante deles uma evidência adicional sobre a sua divindade, e também sobre o seu cuidado amoroso aos que escolhera como discípulos. Ele está pronto e disposto a dissipar-lhes todo e qualquer temor, e dar cuidadosa atenção a todas as suas preces, até mesmo quando a fé for pequena. Jesus e os gadarenos, Mt.8.28-34. V.28: Tendo ele chegado à outra margem, à terra dos gadarenos, vieram-lhe ao encontro dois endemoninhados, saindo dentre os sepulcros, e a tal ponto furiosos, que ninguém podia passar por aquele caminho.O território dos gadarenos e dos girgaseus ficava ao leste do Mar da Galiléia,que formava a parte mais ao sul de Gaulanites O nome lhe foi dado em virtude das cidades principais da .região. Uma delas, Gerasa, estava localizada à beira do lago. Aqui dois endemoninhados correm ao encontro do Senhor. Mateus, sendo testemunha ocular, dá este número. Mas, só um destes enfermos foi tão excepcionalmente violento, que despertou a atenção de todos e, por isso, é mencionado em outros relatos, Mc.1.23-27; Lc.4.31-37. Eles habitavam nas cavernas das rochas calcáreas da costa leste, que também eram usadas como sepulturas. É um quadro terrível: Os 75 76 ) Lutero, 13.1627. ) Lutero, 13.1628. maníacos desnudos, sujos e berrando ameaçadoramente, eles aterrorizavam a vizinhança. Eram, associados com as trevas e a morte e com as sepulturas e com a destruição, fortes demais, para serem amarrados com cordas ou correntes. Estes formam, sob a permissão de Deus, um quadro apropriado do poder do diabo. Seu grito e confissão, V.29: E eis que gritaram: Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! vieste aqui atormentar-nos antes de tempo? Jesus, que veio para destruir as obras do diabo, de redimir as pessoas de sua sinistra influência e do seu poder destruidor, 1.Jo.3.8, ordena, de pronto, aos espíritos maus que saíssem das pessoas, Lc.8.29. Os espíritos maus, porém, valendo-se da língua de um dos possessos, rogaram-lhe que não os atormentasse. Lembremos: O diabo sabe que o homem Jesus é o Filho de Deus. Os espíritos maus reconhecem nele o futuro juiz. Eles temem o juízo final como a sua condenação. Mas, já agora, o inferno lhes é um lugar de excruciante e incessante tortura. Mas, até o dia final, eles têm, especialmente durante os dias que precedem ao juízo final, até certo ponto, o poder e a autorização de destruir e torturar as criaturas de Deus. Contudo, mesmo assim, estão excluídos da bendita comunhão de Deus. No dia do juízo final, serão condenados ao abismo do inferno, e lá serão acorrentados para sempre com cadeias de trevas. Por isso, rogaram para não serem atormentados antes do tempo. A expulsão dos espíritos maus, V.30: Ora, andava pastando, não longe deles, uma grande manada de porcos. 31) Então os demônios lhe rogaram: Se nos expeles, manda-nos para a manada dos porcos. 32) Pois ide, ordenou-lhes Jesus. E eles, saindo, passaram para os porcos; e eis que toda a manada se precipitou, despenhadeiro abaixo, para dentro do mar, e nas águas pereceram. Nas cercanias, a certa distância do lugar onde Jesus estava, mais ainda ao alcance da visão, estava grande manada de porcos, que, pela lei do Antigo Testamento, eram animais impuros ao povo judeu. Esta era também uma região em que o elemento gentio predominava na população, fazendo com que o rigor da lei já não era mais tão reconhecido. Os espíritos maus, reconhecendo que seu poder sobre estas pessoas chegara ao fim, rogaram que lhes fosse permitido descarregar sua ação demoníaca nos porcos, mas sempre com a intenção de destruí-los. Tendo recebido a permissão, sua entrada nos porcos tirou deles, até mesmo, o instinto natural da auto-preservação. Precipitando0se do declive, foram afogados no mar. O diabo é, desde o começo, um assassino. Ele, quando Deus lhe impede a destruição dos seres humanos, mata animais mudos. Mas, sem a permissão de Deus, nada pode fazer. E, em certas ocasiões, esta permissão é dada, para executar alguma punição de Deus. O resultado, V.33: Fugiram os porqueiros, e, chegando à cidade, contaram todas estas coisas, e o que acontecera aos endemoninhados. 34) Então a cidade toda saiu para encontrar-se com Jesus; e, vendo-o, lhe rogaram que se retirasse da terra deles. Os guardadores dos porcos fugiram. O desastre que caiu sobre seus rebanhos encheu seus corações de terror supersticioso, e fê-los voltar às pressas para a cidade. Segundo o que viram e segundo as conclusões que tiraram, enquanto estiveram na colina, o seu relato foi fantasioso e muito distorcido. Todos os que ouviram o relato e eram livres, saíram, provavelmente, para tomar vingança de qualquer um que fosso julgado culpado da perda dos seus porcos. Mas, aprenderam a verdade. Foram tomados de temor pela presença daquele, cujo poder sobre os demônios fora plenamente demonstrado. E a sua atitude vingativa deu lugar a um rogo respeitos. Eles lhe rogaram que saísse do litoral onde moravam e deixasse sua terá. Temiam, que pudessem ser compelidos a suportar dano ainda maior. A perda dos porcos foi-lhes uma calamidade. Sentiram-se inconfortáveis na presença do Santo de Deus. Preferiram mais seus porcos e seu viver pecaminoso, do que da Sua presença pura. Desprezaram esta oportunidade da graça. Resumo: Cristo cura um leproso, restaura o servo enfermo do centurião cuja fé o maravilhou, realiza um grande numero de milagres, dá uma lição de discipulado, acalma a tempestade, e expulsa os demônios de dois gadarenos endemoninhados. O “Filho do Homem” Esta expressão, que ocorre oitenta e quatro vezes no Novo Testamento, já se tornou uma pedra de toque, ou um “shiboleth”, pelo qual pode ser caracterizada a atitude dum teólogo em relação à pessoa e à obra de Cristo. Os muitos comentários e livros sobre a pessoa de Jesus refletem, de modo mais marcante, a fé pessoal dos escritores. Os críticos, na maioria dos casos, tem chegado ao ponto em que negam qualquer significado especial nesta frase peculiar. O “Filho do homem”, na opinião deles, simplesmente, significa o homem ideal, o homem original, o ser humano natural, o homem em quem se realiza a história e o destino humano inteiro. É usado, conforme muitos, somente para expressar a fraqueza e humildade de Cristo, ou para designar o segundo ou divino homem, o segundo Adão conforme Paulo, o homem ideal que vem do alto. Dizem, que sua definição é simplesmente homem, o homem sem privilégios, não sendo nenhuma exceção quanto à regra da existência humana ordinária de lhes ser melhor, mas, antes, sendo uma exceção na maneira de ser pior.77 Há outros críticos que se empenham mais seriamente para dar à expressão o seu valor e força totais, tal como encontrada nos evangelhos. “Jesus, provavelmente, escolheu esta designação do Messias do Antigo Testamento, Dn.7.13, porque, diferente de outros, não havia sido pervertida grosseiramente para alimentar a expectação carnal dos judeus. Nosso Senhor, agindo assim, enfrentou as esperanças mórbidas e fantásticas de seus contemporâneos – e entre estes, aparentemente, também o escriba do texto – colocando ênfase em sua genuína e verdadeira humanidade de Messias. Seu alvo sublime era que o povo o visse como um verdadeiro homem – na humildade de sua aparência exterior – mas, ao mesmo tempo, também em seu elevado caráter, como o Filho do homem, isto é, como o homem ideal, o segundo Adão que veio do céu (1.Co.15) ”78. Estas explanações estão, porém, inteiramente alheias ao assunto ou não vão o suficientemente a fundo. Elas não cobrem todo o significado da expressão. Um mero homem ideal, com certeza, não é o Senhor do sábado, Mt.12.8. Se alguém um assume o direito de mudar as instituições do Antigo Testamento, agindo segundo a sua própria vontade, fazendo-se senhor de seu próprio direito, esse precisa ter autoridade divina. Um mero homem ideal não pode usurpar o direito que é exclusivo de Deus que é o de perdoar pecados na terra, Mt.9.6. Perdoar pecados é prerrogativa de Deus. Se Cristo assume este poder, ele, como ‘o Filho do homem’ se está arrogando um direito divino. Um mero homem ideal não podia falar dos últimos dias do mundo como os dias do Filho do homem, Lc. 17.22-30. Mas, do Filho do homem é afirmado, que virá sobre as nuvens dos céus para realizar o juízo, com toda a majestade do Pai e acompanhado de todos os santos anjos. E uma comparação cuidadosa das outras passagens, que contém a expressão, somente servirá para fortalecê-la, e que nisso está implícito muito mais do que mera humanidade ou do que um mero homem ideal. Jesus, num sentido extraordinário e singular, é “o Filho do homem. Com este nome ele pretende distinguir, claramente, duas formas de existência: Sua existência como o eterno Verbo de Deus, anterior ao início do tempo, e sua forma de existência no tempo, como Jesus de Nazaré. Ele, com este título, confessa e quer anunciar o fato que ele, o eterno Filho de Deus, se tornou carne, participou da verdadeira humanidade, com o objetivo de redimir o gênero humano. É uma descrição de sua pessoa maravilhosa e misteriosa, conforme sua natureza divina e humana.” “Não é duma mera humanidade que ele se chama o Filho do homem, como se o nome Filho de Deus não lhe pertencesse em seu presente estado de humilhação, e que ele adotaria este título somente por ocasião de sua exaltação. Isto jamais. Mas ele deseja conduzir ao mistério de sua pessoa, que o Filho do homem em sua humilhação é, ao mesmo tempo, o verdadeiro Filho de Deus, tal como Pedro, anteriormente, confessou dele, Mt.16.13,18... Tal pessoa também era exigida para ser o Mediador entre Deus e as pessoas. Era necessário, que ele fosse um homem para sofrer e (era necessário) que fosse Deus, para dar uma valor eterno aos seus sofrimentos. Ser um homem para se tornar um substituto das pessoas e em lugar delas, e Deus para que pudesse reconciliar e satisfazer 77 78 ) Expositor’s Greek Testament, 1.142. ) Schaff, Commentary, Matthew, 160. a justiça ultrajada de Deus por meio duma satisfação proporcional. Deus e homem unidos em uma só pessoa, para unir Deus e as pessoas em um só espírito”79. Capítulo 9 A Cura dum Homem Paralítico, Mt. 9.1-8. V.1: Entrando Jesus num barco, passou para a outra banda, e foi para a sua própria cidade. Jesus concordou com a solicitação dos gerasenos de sair da sua vizinhança. Entrando no mesmo barco em que viera com seus discípulos, voltou ao lado oeste do Mar de Genezaré, para a cidade de Cafarnaum, onde havia instalado sua base durante seu ministério na Galiléia. Mas não chegou antes, que o fato se tornou conhecido e que multidões se congregassem na casa e na rua. Foi um dia cheio de graça para toda a cidade, pois, Jesus estava ensinando e seu se manifestava na cura dos doentes, Lc.5.11. Houve um incidente que chamou a atenção, V.2: E eis que lhe trouxeram um paralítico deitado num leito. Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Tem bom ânimo, filho; estão perdoados os teus pecados. Mateus não diz expressamente que o procedimento de trazer este homem paralítico foi longo. Isto os outros evangelistas contam em detalhes, que quatro homens carregaram este fardo, que lhes foi impossível abrir caminho por entre as multidões, que escalaram o telhado plano, e que removeram as telhas. Foi assim, que, finalmente, o paralítico, preso à cama e desamparado como estava, foi colocado no espaço aberto perante Jesus. Um lembrete: O Senhor, acima de tudo, olha pela fé. No caso presente, Jesus, em virtude de sua onisciência, encontrou fé nos homens, tanto no paralítico como nos seus amigos. O resultado de sua busca fê-lo tão satisfeito, que dirigiu palavras de conforto ao homem doente. A intuição do Salvador leu nos seus olhos a necessidade de algo que envolvia mais do que mera recuperação física. O enfermo ansiava pelo consolo de sua alma. A melancolia, provavelmente por causa duma má consciência, precisava ser removida. Nas palavras de Cristo há uma ternura infinita: Coragem; ânimo, filho!Não há o menor motivo para temer que o Pai celeste e eu, que o represento, o condenemos. Jesus trata, primeiro, da doença da alma, anunciando, com absoluta autoridade, o fato do perdão dos pecados, que ele aplica à pessoa em particular. Tal, como o pecado é o maior mal sobre a terra e arrasta após si todos os demais males que sobrevêm à carne, assim, a absolvição ou o perdão é o maior bem que Deus pode dar à pessoa, Sl.103,3. “Esta é a voz do evangelho: Tem bom ânimo, vive, sê preservado. Toda a retórica do evangelho está unida a esta palavra: Filho, tem bom ânimo. Pois, isto aponta que o coração precisa ser instigado com todos os argumentos e exemplos que glorificam a misericórdia de Deus contra todos os argumentos e exemplos que falam da ira de Deus... Este é o reino de Cristo. Quem o possui, tem-no realmente. Nele não existe obra alguma, mas o reconhecimento de toda a nossa desgraça e a aceitação de todos os dons de Deus. Nele não há nada mais do que consolo. Nele ecoam estas palavras, e sem cessar: Alegra-te; longe com os teus temores de consciência por causa dos teus pecados, e que não fizeste muito bem; eu a tudo perdoarei. Nele, por isso, não há mérito, mas, tão só, dom real. Isto é o evangelho. Ele demanda fé, por meio dela tu recebes e reténs estas palavras, para que o evangelho não seja proclamado em vão. Pois, não temos outro desafio com o qual ele deseja que nos vangloriemos, do que o Senhor a nos dizer: Tem bom ânimo, sê alegre, pois eu perdôo os pecados, orgulha-te com o meu perdão, faze dele uma exibição.Então tens motivos para te orgulhar e engrandecer, e não é por causa de tuas obras” 80. A condenação aos escribas, V.3) Mas alguns escribas diziam consigo: Este blasfema. 4) Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Por que cogitais o mal nos vossos corações? 5) Pois qual é mais fácil, dizer: Estão perdoados os teus pecados, ou dizer: Levanta-te, e anda? 79 ) Lehre und Wehre, 1907, 360-369. Cf. Meyer, Jesus Muttersprache, 140-149. Lietzmann, Der Menschensohn. 80 ) Lutero, 12.1920; 11.1716. Como era costume, os inimigos de Cristo tinham seus representantes entre o povo que circundava a Jesus, para reagir, se possível, `influência do seu ensino e dos seus milagres. Não foi uma interrupção brusca que eles aqui intentaram, mas sua objeção, era tão manifesta como se a tivessem berrado a toda voz. Trazem a acusação de blasfêmia e uma pretensão ímpia dos direitos e poderes divinos, proferida contra o Senhor. Desafiam sua prerrogativa, quando expressa corretamente que o ofício de Deus era perdoar pecados, Lc.5.21. Jesus leu os pensamentos deles, tal como leu a situação mental do paralítico. Jesus, pelo exame e conhecimento de seus corações, repreendeu a maldade deles, e a isto ele junta a expressa repreensão: Para que? com que finalidade? – que pretendeis alcançar com os pensamentos maus em vossos corações? Pergunta-os: Sendo ambos igualmente fáceis de dizer, qual deles exige mais poder e autoridade? Qual deles atesta mais forte a autoridade divina? Seria a cura do corpo ou a cura da alma? O verdadeiro argumento, V.6) Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados – disse então ao paralítico: Levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa. 7) E, levantando-se, partiu para sua casa. Longe de admitir da sua parte qualquer presunção, o que teria sido uma blasfêmia, ele, o Filho do homem, assume, propositalmente, também uma prerrogativa divina na cura do corpo. A maior inclui a menor: O direito e a autoridade de perdoar pecados inclui o poder e a habilidade de sarar meras doenças corporais. Tivesse ele sido culpado de blasfêmia, não teria tido a autoridade de curar o homem doente por meio duma ordem com autoridade. Ele, sendo verdadeira pessoa humana, ainda assim, não é mero homem, mas, com uma palavra do seu onipotente poder, dá ordens à doença e restaura o enfermo à saúde plena. O homem, que havia estado preso à sua cama de lona e estava em total desamparo, agora colocou nos ombros a mesma cama e sai caminhando na plenitude de vitalidade perfeita. O efeito sobre o povo, V.8) Vendo isto, as multidões, possuídas de temor, glorificaram a Deus, que dera tal autoridade aos homens. As pessoas não estavam preocupadas com os escrúpulos dos escribas e fariseus. O milagre, quanto à preocupação deles, resolveu o problema. Encheram-se de temor, de assombro e de reverência. Aparecera um Médico em seu meio, assumindo e exercendo direitos divinos, manifestando autoridade, tanto sobre a alma, como sobre o corpo! Também pode ser que o espírito de Cristo pulsasse em muitos corações e lutasse com a incredulidade dos escribas. Mas, ao final, eles glorificaram, louvaram, a Deus por ter dado tal poder aos homens. Isto é, não somente a este um homem que era Jesus, mas, por meio dele, aos que o seguiam. “Este poder, que até agora havia sido entronada no Santíssimo, como privilégio de Javé, agora estava encarnada diante deles. Daí a expressão jubilosa deles: Ele concedeu este poder ao Filho do homem, e, por isso, aos próprios homens”81. Deus, por Cristo, concedeu às pessoas o poder de perdoar pecados. É o poder peculiar da Igreja, pelo qual os pecados dos pecadores penitentes lhes são remitidos. “Todas as pessoas que são cristãs e são batizadas, têm este poder. Pois, com isto louvam a Cristo e carregam em sua boca a palavra do perdão, para que, quando quiserem e quantas vezes for necessário, tenham o poder para dizer: Veja, (homem), ?Deus te oferece sua graça; presenteia-te todos os teus pecados; tem bom ânimo, teus pecados estão perdoados. Crê somente; pois, isto é absolutamente certo. Ou o diga em outras palavras. Esta voz não deverá jamais se calar entre os cristãos, até o dia final: Teus pecados te são perdoados; por isso, alegra-te muito e consola-te!... Aprende, pois, que podes falar e ensinar a outros a respeito do perdão dos pecados, que Deus dirige a nós no Batismo, na absolvição, no púlpito e no sacramento, através do servo da igreja e por meio de outros cristãos. A estes devemos crer, e achamos perdão dos pecados” 82. A Vocação de Mateus e a Recepção que Ofereceu, Mt.9.9-11. 81 82 ) Schaff, Commentary, Matthew, 167. ) Lutero, 11.1722; 13.2442. V.9) Partindo Jesus dali, viu um homem, chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu.Tendo Cristo realizada a cura do homem paralítico, deixou a casa para descer até o mar, Mc.2.13. Pelo caminho, passou pela alfândega de Cafarnaum, que estava aos cuidados de Levi, filho de Alfeu, que doravante foi chamado Mateus que, cheio de brios, registra o fato no relato do seu chamamento. Esta coletoria de impostos era lugar de muito trabalho, visto que a estrada das caravanas entre o Egito e Damasco passava pela cidade. Mateus, porém, diante do convite característico de Cristo, prontamente acede. Talvez tenha-o conhecido antes, visto ser difícil que não o tenha ouvido antes. O chamado foi mais do que mero convite. Foi o arrolamento direto do publicano entre aqueles que estavam mais próximos do Senhor. A recepção que o publicano ofereceu, V.10) E sucedeu que, estando ele em casa, à mesa, muitos publicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus e seus discípulos. Mateus, por iniciativa própria ou por sugestão de Jesus, organizou e ofereceu uma recepção, Mc.2.15; Lc.5.29. Mas, o fato significativo é: Publicanos e pecadores foram os hóspedes ao lado de Cristo e de seus discípulos. Segundo o costume oriental, eles estavam reclinados sobre sofás especiais providos com travesseiros. Estavam presente vintenas, possivelmente centenas, todos eles dos humildes e socialmente excluídos da cidade, ou seja, aqueles que os fariseus haviam excomungado das sinagogas. Estes últimos se ofenderam, V.11) Ora, vendo isto os fariseus, perguntavam aos discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Eles consideraram toda esta recepção como algo escandaloso. Faltava-lhes, porém, a coragem de se dirigir diretamente a Cristo sobre o assunto, esperando, ao mesmo tempo, conseguir afastar os discípulos do Mestre. Jesus, o amigo dos pecadores, é pedra de tropeço a todos os corações presunçosos e vaidosos. Acham o comportamento do Senhor, como cheirando à sarjeta, e criticam severamente aos que seguem suas instruções na busca de pecadores. A defesa de Cristo, V.12) Mas Jesus, ouvindo, disse: Os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes. 13) Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não holocaustos; pois não vim chamar justos, e, sim, pecadores ( ao arrependimento). Jesus ouviu as murmurações e chama dos acusadores à conta. Para explanar sua conduta, cita um provérbio, que, ao mesmo tempo, contém a posição deles. Um médico, é normal, tem seu campo de ação entre os doentes, ou entre aqueles que sentem a necessidade de seus serviços. Os sadios, ou os que se enganam com a idéia de que esteja em perfeita saúde, resistem à sugestão dum médico para eles.Cristo é o verdadeiro médico das almas. Aquele que está espiritualmente bem, ou seja, que é justo e perfeito, e sem pecado, não sente a necessidade do Salvador dos pecadores. Ainda que não haja pessoa justa sobre a terra, que, com justiça, possa pertencer à classe dos justos, a grande maioria alega perfeição, uma justiça perfeita, para si. Não desejam nada com Jesus, o Redentor. Somente os mansos e humildes de coração, que sentem seu pecado e sua maldição, vêm ao Amigo dos pecadores e da sua mão aceitam a cura. Jesus recorda aos fariseus, os quais, provavelmente, entenderam a dedução buscada na palavra do profeta Os.6.6. Misericórdia vem antes de sacrifícios. Qualquer culto dos lábios e sacrifícios das mãos, ou seja, qualquer culto exterior e toda e qualquer ortodoxia morta, é uma abominação diante do Senhor. Agrada-lhe um coração misericordioso, que manifesta sua compaixão em obras de misericórdia. Mas os fariseus de todos os tempos nunca sentiram a necessidade da misericórdia de Deus, e, por isso, nunca sentiram sua sublime doçura. Eles, por esta mesma razão, não sentem misericórdia para com seus semelhantes. Todos quantos são chamados pelo nome de Jesus, precisam estar plenos de entusiasmo pela missão de Jesus. Uma questão sobre o jejum, V.14) Vieram depois os discípulos de João, e lhe perguntaram: Por que jejuamos nós e os fariseus (muitas vezes), e teus discípulos não jejuam? 15) Respondeu-lhes Jesus: Podem acaso estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo, e nesses dias hão de jejuar. Calados em um ponto, os fariseus atacam noutro. Agora, apoiados por alguns discípulos de João Batista. Todos eles rigorosos em seu ascetismo, guardando, com penosa regularidade, todos os jejuns prescritos, bem como muitos que eles próprios haviam escolhido. Sentiam-se, mesmo que se tinham superiores a estes pescadores galileus, ofendidos com a ausência desta tendência legalista no círculo de discípulos ao redor de Jesus, e pediram por uma explicação. Jesus os esclarece: Os amigos do noivo, que pertencem ao círculo mais íntimo, aos que pertencem a família, certamente, não podiam pensar em jejum e lamentação, que é permitir-se todas as espécies de atitudes lamentosas, enquanto o noivo está ainda com eles. Mas, quando o noivo lhes é tomado, quando Jesus cumprirá seu destino em sua paixão e morte, então haverá uma grande diferença. Então, quando acontecerem aqueles dias, eles lamentarão, Jo.16.20a. Enquanto isto, toda sua vida na companhia de Cristo foi qual contínua festa nupcial, havendo somente alegria e felicidade. Outros pronunciamentos em parábola, V.16: Ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho; porque o remendo tira parte do vestido, e fica maior a rotura. 17) Nem se põe vinho novo em odres velhos; do contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho, e os odres se perdem. Mas, põe-se vinho novo em odres novos, e ambos se conservam. Tal como Cristo havia enfatizado, em sua defesa dos discípulos, o uso correto das coisas, aqui ele insiste na correta conveniência em religião, em especial, nas formas externas. Costurar um pedaço de pano novo e forte, nem um pouquinho gasto, sobre uma veste velha, via de regra, resultará num desastre, visto que o pedaço de pano, sendo mais resistente, rasgará nas costuras, fazendo com que o rasgo se torne maior. A piedade dos fariseus, ou seja a religião das obras que eles alardeavam perante os olhos do povo, dum lado, e a doutrina de Jesus, que é a pregação da graça livre de Deus por meio do seu sangue, doutro lado, nunca concordarão. Se alguém insiste no trajar sua velha veste da justiça própria e das obras, e então acredita que seja possível encobrir com o evangelho algum pecado que se mostra especialmente claro, esse só vai encontrar um conforto miserável. Seu coração ainda está envolto nas velhas vestes, e seu subterfúgio miserável lhe fará a incongruência parecer ainda mais flagrante. Isto é tão imbecil, como é guardar vinho novo, o mosto de uva ainda em seu primeiro estágio de fermentação, em odres velho que já perderam sua elasticidade. O resultado é desastroso. Os odres se rompem, e o vinho se derrama. Mas odres novos e vinho novo se prestam perfeitamente um para o outro. O doce evangelho do perdão dos pecados pela misericórdia de Deus não se ajusta a corações carnais e farisaicos. Quando o evangelho é pregado aos que só acreditam em obras, suas riquezas são desperdiçadas. Tais corações não o podem entender ou guardar. Eles só se ofendem na pregação do evangelho e, apesar do evangelho, estão perdidos. Somente os corações meigos e humildes e crentes aceitarão o evangelho, tal como se afirma, e serão guardados pelo poder de Deus para a salvação. A Filha de Jairo, Mt.9.18-26. V.18) Enquanto estas coisas lhes dizia, eis que um chefe, aproximando-se, o adorou, e disse: Minha filha faleceu agora mesmo; mas vem, impõe a tua mão sobre ela, e viverá. 19_ E Jesus, levantando-se, o seguia, e também os seus discípulos. Jesus ainda estava em conversa séria com os fariseus e os discípulos de João, quando foi interrompido. Um dos líderes, um dos anciãos, da sinagoga de Cafarnaum, sendo pessoa de alguma influência, entrando, prostrou-se em atitude de súplica perante o Senhor. Mateus, para ser breve, menciona o clamor do líder, depois que recebeu a notícia da morte de sua filha, Mc.5.35. Sua fé na habilidade de Cristo para curar, e mesmo para fazer retornar da morte, é total. Sim, ela já está morta, mas o toque da mão do grande médico poderá restaurá-la para a vida. Jesus, sempre cheio de amável compaixão, por amor duma alma sempre pronto a ir para junto ao leito dos enfermos, foi com o confuso pai. Um interlúdio, V.20) E eis que uma mulher, que durante doze anos vinha padecendo de uma hemorragia, veio por trás dele e lhe tocou na orla da veste; 21) porque dizia consigo mesma: Se eu apenas lhe tocar a veste, ficarei curada. 22) E Jesus, voltando-se, e vendo-a, disse: Tem bom ânimo, filha, a tua fé te salvou. E desde aquele instante a mulher ficou sã. É outro aspirante por ajuda. Uma mulher que sofria dum fluxo de sangue, uma doença desagradável e enfraquecedora, que, segundo as leis levíticas, a tornara impura, Lv.15, que já gastara todos os seus bens na busca infrutífera de saúde. Ela veio por detrás dele, motivado, em parte, pela vergonha de ser uma impura e pelo sentimento enfermo que sua condição lhe causava, e, em parte, por humildade.Ela desejava tocar só na orla do seu manto, somente o exterior das quatro borlas de enfeite, para lembrar os mandamentos, que Jesus usava legalmente, Nm.15.38. Baseada em sua fé simples, tinha a firme convicção no poder onipotente dele, de que um mero toque bastaria para sará-la. Em sua ação não havia malícia ou superstição. Somente uma fé viva e forte podia ter tal certeza, que um mero toque na borda da veste iria restaurá-la à saúde. Ao mesmo tempo, esperava permanecer oculta na densa multidão que se acotovelava ao redor do Senhor, Mc.5.30-32. Mas Jesus sentiu o toque, tão bem como soube da sua presença e desejo sincero. Voltou-se, e vendo-a, acrescentou ao milagre que acabara de acontecer a confortadora certeza. Todo e qualquer temor precisa desaparecer diante de suas palavras amáveis, diante do seu tom de voz meigo, a soar em cadência ritmada. Ela, pela fé, entrara no relacionamento íntimo e honrado de ser sua filha. E esta mesma fé recebeu dele o cumprimento do seu desejo. Ela já é uma mulher sadia. Jesus destaca a fé desta mulher diante do povo, da mesma forma como achou necessário, pelo mesmo momento, a encorajar o chefe da sinagoga com as palavras: “Não temas, crê somente”, Mc.5.26. “Desta forma vês o que é a fé e como ela age, quando se apega à pessoa de Cristo. Este é um coração que o considera seu Senhor e Salvador, sendo o Filho de Deus, pelo qual Deus se revela e nos prometeu sua graça, que para ele e por meio dele deseja ouvir e ajudar-nos. Este é o culto verdadeiramente espiritual e eterno, quando o coração participa de Cristo e o invoca, mesmo que não diga uma só palavra, e lhe dá a honra devida. Crê que é seu verdadeiro Salvador que sabe e ouve, inclusive, os desejos secretos do coração. Ele lhe prova seu socorro e poder, mesmo que, momentaneamente e de modo exterior, não permita que seja sentido e tratado como nós julgamos”83. Na casa de Jairo, V.23) Tendo Jesus chegado à casa do chefe, e vendo os tocadores da flauta, e o povo em alvoroço, disse: 24) Retirai-vos, porque não está morta a menina, mas dorme. E riam-se dele. 25) Mas, afastando o povo, entrou Jesus, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. 26) E a fama deste acontecimento correu por toda aquela terra. Jesus, certamente, despendendo algum tempo com a mulher, se atrasou no caminho para a casa do chefe. Mas agora, estando diante da casa e vendo os tocadores de flauta e a multidão barulhenta da carpideiras que já se haviam reunido, mais com o desejo de participar no alimento e nas bebidas que eram oferecidos nestas ocasiões, e, ouvindo a forte lamento da confusa multidão, ordenou-lhes com firmeza: Retirai-vos; ide embora; aqui não é vosso lugar. A menina não está morta, ma só dorme. Para Cristo ela não estava sob o poder final da morte. Para ele seu ser sem vida mostrava só uma menina que dorme. A morte de todos os fiéis é mero e breve sono no leito da sepultura, do qual haverá um glorioso acordar quando Deus reunirá alma e corpo. “Assim também aprendemos a encarar a nossa própria morte de modo correto, para que não nos apavoremos diante dela, como o faz a descrença. Em Cristo ela, na verdade, não é uma morte mas um sono breve, lindo e doce. Nele, libertos da miséria atual, do pecado e da verdadeira preocupação e temor da morte, repousamos, seguros e sem qualquer preocupação, por um breve momento, como num leito, até que venha o tempo quando ele nos acordará e, com todos os seus queridos filhos, nos chamará à glória e alegria eterna”84. O rir debochado, a chacota zombeteira da multidão não desanimaram o Senhor. Com a casa limpa da presença detestável destas pessoas, ele foi ao quarto da morta, levando consigo os pais e os três discípulos prediletos, Pedro, Tiago e João. Segurou a mão da menina, e ordenou-lhe que se levantasse. Neste momento um corpo que fora reclamado como posse pela morte, foi restituído à vida em todas as suas manifestações. A menina se pôde erguer, pôde caminhar, comer, beber, e realizar todos os atos comuns a uma pessoa viva. Cristo, como a fonte da vida, pode devolver à vida, até mesmo, os que já foram subjugados ao cruel ceifeiro. Ele, com sua voz humana, levantou 83 84 ) Lutero, 11.1857. ) Lutero, 11.1865. a menina do sono da morte. A natureza humana de Cristo, até no estado da humilhação, é a origem e fonte da vida. Contra a vontade de Jesus, que não quis notoriedade para si, mas quis que os pais da menina, em secreta gratidão, contemplassem o milagre, a fama, ou seja, o relato desta ressurreição, se espalhou por toda a região. Era, até então, coisa jamais ouvida, que uma pessoa morta fosse erguida e vivesse novamente. Jesus temia manifestações entusiastas. Outros Milagres Daquele Dia, Mt.9.27-34. V.27) Partindo Jesus dali, seguiram-no dois cegos, clamando: Tem compaixão de nós, Filho de Davi! Já não havia descanso para o Senhor, visto que, muitos conheciam seu poder sobre as doenças. Esperando-o junto à porta, estavam dois desafortunados, sofrendo duma aflição muito comum no leste, em especial, no Egito, na Palestina e na Arábia. Uma enfermidade os cegara. Os relatos que haviam ouvido sobre o poder curador de Jesus e as palavras que tiveram ocasião da boca do próprio Senhor, deram-lhes a convicção de que este homem devia ser o o Messias. Pois, enquanto o seguiam, gritavam alto, chamando-o o Filho de Davi, e suplicaram ajuda. Lembremos: Naquele tempo a opinião, geralmente tida na Judéia, era que o Messias seria o Filho de Davi, Jo.7.42. Jesus, publicamente, era conhecido como vindo desta família, Mt.12.23; 15.22; 22.30-31; 21.9,15; 22.41-45. O fato que estes cegos, de modo tão público, o invocaram, redundou numa profissão destacada da messianidade de Jesus. Por isso, também o grito suplicante: Tem misericórdia de nós! Não houve nenhum resmungar contra o destino, nenhuma exigência por um justo alívio dum castigo não merecido. Só pediram misericórdia. A cura e o seu efeito, V.28: Tendo ele entrado em casa, aproximaram-se os cegos, e Jesus lhes perguntou: Credes que eu posso fazer isto? Responderam-lhe: Sim, Senhor. 29) Então lhes tocou os olhos, dizendo: Faça-se vos conforme a vossa fé. 30) E abriram-se-lhes os olhos. Jesus, porém, os advertiu severamente, dizendo: Acautelai-vos de que ninguém o saiba. 31) Saindo eles, porém, divulgaram-lhe a fama por toda aquela terra. Na estrada, Jesus não deu atenção aos brados dos homens. Isto, talvez, porque temia despertar falsas expectativas ou para testar-lhes a fé. Eles, contudo, foram persistentes em sua importunação, que, como sempre acontecia, comoveu a Jesus. Quando chegou em casa ou alojamento, eles foram direto a ele. O Senhor só tem uma pergunta a lhes fazer, a saber, se crêem em seu poder de ajuda. Eles o afirmaram com um jubiloso “Sim, Senhor”. Assim, os dois confessaram sua fé no poder de Jesus e lhe deram a devida honra como sendo o Senhor do céu. A seguir, ele, sem qualquer hesitação, e convencido pela força de sua súplica na fé, tocou seus olhos e os abriu e lhes deu a visão. Tal, como fora sua fé, foi a sua recompensa. A fé é a mão que apega o que Deus oferece. Ela é o órgão espiritual que apropria, ou o elo de ligação entre o nosso vazio e a plenitude de Deus. É a fé que abre o coroação de Jesus e rompe os portais do próprio céu. Mas esta fé sempre é um desenvolvimento da fé que nos redime e que, firmemente, confia no sangue e nos méritos de Jesus o Salvador. O Senhor, ao despedir os homens que desta forma haviam recebido sua generosidade, ordena-lhes com muita seriedade ou muito enfaticamente lhes cobra, sob pena de se magoar com eles, que não espalhem a notícia, para que ninguém fique sabendo da cura. O perigo dum movimento carnal, pelo qual o povo da Galiléia poderia ser levado a rebelar-se contra os romanos, tornou necessário que lhes impusesse silêncio. Eles, porém, crendo, provavelmente, que era por humildade que o Senhor fora motivado a fazer tal exigência, e cheios de júbilo pela ajuda experimentada, se empenharam no máximo para espalhar sua feliz notícia em toda sua terra, bem para além dos limites de Cafarnaum. O endemoninhado mudo, V.32) Ao retirarem-se eles, foi-lhe trazido um mudo endemoninhado. 33) E, expelido o demônio, falou o mudo; e as multidões se admiravam, dizendo: Jamais se viu tal coisa em Israel! 34) Mas os fariseus murmuravam: Pelo maioral dos demônios é que expele os demônios. Mal apenas os homens do milagre anterior haviam deixado a sala, ou mais exato, enquanto estes deixavam a casa, e já é trazido um outro sofredor ao grande médico. Neste caso, espíritos maus haviam tirado a faculdade da fala. Não aparecia algum defeito físico, mas o poder do diabo prendia a língua e tirou do homem a capacidade de falar. Por isso, só quando o espírito mau foi expelido, o homem, que estivera mudo, se podia expressar em frases conexas. As multidões presentes, mais uma vez, se encheram de admiração, que se externou nas palavras: Algo assim jamais foi visto em Israel. Nunca se ouvira que um homem tivesse um poder tão ilimitado, até sobre os demônios. Do mesmo modo, a vinda da final redenção, nunca antes, fora compreendida tão plenamente. A revelação messiânica entrava gradativamente na consciência do povo. Os fariseus tentaram enfraquecer a impressão do milagre, por meio duma teoria que haviam elaborado: Ele expulsa demônios em e por meio do principal dos demônios. Insinuam que há íntima relação e comunhão entre Cristo e os poderes do mal, que ele está coligado a Satanás e, por isso, pode, a seu bem querer, dar-lhes ordens. Cristo, no caso presente, propositalmente ignorou a observação, ainda que, facilmente, pudesse tê-los calado, Mt.12.24-28. A Continuação do Ministério de Cristo de Ensino e Cura, Mt.9.35-38. Um ministério do evangelho, V.35) E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. É um resumo da obra profética de Cristo, sendo semelhante ao capítulo 4.23-25. Jesus, repetidamente e sem se cansar, viaja pelas regiões da Galiléia. O povo da terra tinha a oportunidade plena de, não somente conhecer a verdade, mas de nela se aprofundar. Não só visitou todas as suas cidades, mas também as vilas. Ensinou o povo, preparando-o para a aceitação da mensagem que lhe trazia, pregando as verdadeiras novas do evangelho, e comprovando seu caráter divino por meio dos milagres de cura que realizava. Ele anunciava o evangelho do reino. Não dum reino deste mundo, nem um principado temporal ou uma reforma social, mas a comunhão dos fiéis com ele, sendo ele sua cabeça. “Isto significa estar no reino do céu, se sou um membro vivo na cristandade, e não só ouço o evangelho mas o creio” 85. A compaixão de Cristo, V.36) Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. 37) E então se dirigiu a seus discípulos: A seara na verdade é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38) Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara. O ministério de Cristo colocou-o no contacto mais íntimo com o povo e deu-lhe a compreensão mais exata da sua condição moral e religiosa. Sua mente lhe sugeriu dois quadros: Um rebanho de ovelhas abandonado no deserto, e uma colheita a se perder por falta de ceifeiros. O povo que encontrou estava fraco, estressado, aflito, abatido, desde a muito exausto, levado sem rumo, completamente esgotado e disperso. Não tinha pastores fiéis. Os fariseus e escribas, com suas esfolações legalistas, irritavam e molestavam suas almas, dando-lhes milhares de preceitos que determinavam os menores detalhes de sua vida, mas, jamais, lhes ensinaram onde conseguir a força para tanto, nem lhe deram o conforto do evangelho. A maioria do povo estava na mais triste desgraça espiritual. Um espetáculo de dar pena! Isto acontece, para que sejam movidos à ação. A colheita de Deus é sempre grande, desde que ele deseja que todas as pessoas sejam salvas. Quando as almas se tornaram cansadas e oprimidas por causa da palha das doutrinas e tradições humanas, tornar-se mais prontas para sentir e compreender sua necessidade do evangelho de Cristo, como acontecia com muitos dos judeus. Os trabalhadores são poucos, ou seja, são aqueles que estão cheios de solidariedade com os ensinos do evangelho, aqueles que estão dispostos a trabalhar por Cristo. Naquele tempo, só o Senhor e, aqui e ali, algum israelita verdadeiro, trabalhavam para o reino. É preciso algo da própria compaixão de Cristo, algo daquela comiseração divina que moveu o coração de Cristo. É necessário algo daquela disposição de trabalhar e, se preciso, de sofrer, que caracterizou o ministério de Cristo. É, finalmente, 85 ) Lutero, 11.490. necessário o poder de oração que sobem com ímpeto ao céu e chegam ao Senhor da colheita, ao grande Senhor do reino, rogando que ele precisa intervir com poder, exortando os corações dos trabalhadores e fazendo-os voluntários, quando ele os envia para ceifa as almas para o seu reino eterno. Resumo: Jesus sara um paralítico, chama Mateus, janta com ele, e dá uma lição sobre a humildade e o jejum, ressuscita a filha de Jairo, sara a mulher que tinha hemorragia, dá a visão a dois cegos, expulsa um demônio mudo, e extrai uma lição sobre o seu ministério. O Governo Romano e os Coletores de Imposto na Palestina. Roma foi o quarto poder mundial que tomou posse da Palestina e dos judeus fez seus vassalos. Estes últimos, enquanto retinham as características de sua nacionalidade e colocavam, mais do que nunca dantes, grande ênfase nas coisas externas de sua religião, não foram, desde os tempos iniciais do cativeiro babilônico, uma nação independente, por um tempo mais longo. Até o reino dos macabeus provou ser, tão somente, uma última e desesperada tentativa de retornar ao poder e glória dos tempos antigos. Rompida pela guerra civil entre os saduceus asmoneus e os fariseus, a nação não estava em condições de apresentar uma frente unida contra qualquer inimigo de fora. O general Pompeu, que, naquele tempo, conduzia uma campanha contra a Síria, com muita satisfação se utilizou da ocasião para intervir. O ódio dos partidos opostos tornou impossível qualquer acomodação de suas diferenças, e Pompeu tomou a cidade no dia 23 de sivã, um dia de jejum, do ano 63. a.C. Mesmo que tenha entrado no templo e, até, visitado o Santo dos Santos, não interferiu no culto dos judeus, dando-se por satisfeito por tê-los tornado tributários do poder de Roma. No começo da era cristã, o idumeu Herodes era rei da Judéia, o que incluía, praticamente, toda a terra que uma fora de Davi. Após sua morte, Arquelau se tornou governador da Iduméia, Judéia e Samaria, sob o título de etnarca. No ano 06 A.D., foi banido para Viena, na província da Gália, e seus domínios foram anexados à província romana da Síria. Foi assim que a parte meridional da Palestina foi dirigida por governadores, entre os quais estavam Pôncio Pilatos, Feliz e Festo Estes estavam sob a supervisão do legado romano da Síria. Fizeram Cesaréia sua capital, visitando, ocasionalmente, Jerusalém. Herodes Antipas tornou-se tetrarca da Galiléia e da Peréia. Filipe recebeu Batânia, Traconites, Auranites, Gaulanites, Panias e Ituréia, morando em Citópolis mas depois em Cesaréia Filipe. Com sua morte os territórios foram incluídos na província da Síria, e dados a Agripa, no ano 37. No caso da Judéia, os romanos seguiram a mesma política que haviam aplicado a outras províncias e territórios vassalos. Não interferiam na religião dum povo nem impediam quaisquer costumes religiosos, enquanto não conflitavam com a glória de Roma. As leis de Roma, porém, fazia-se cumprir, e guarnições romanas estavam estacionadas nas cidades principais, sendo que as de Jerusalém ocupavam a torre Antônia, adjacente ao templo. A acomodação das diferenças religiosas estava nas mãos das autoridades eclesiásticas. Mas a punição de natureza civil e criminal estava nas mãos do governo, inclusive a sentença de morte pronunciada sobre alguém que incorrera numa transgressão religiosa. A presença de soldados romanos sempre foi muito ressentida pelos judeus, em especial, pelos fariseus, como sendo uma usurpação injustificável das antigas liberdades. A maior dificuldade e o maior ponto de atrito entre judeus e o governo romano estava na questão dos tributos. Os membros da igreja judia, tanto na Palestina como na diáspora, Jo.7.35, já sentiam a obrigação de manter sua forma detalhada de culto, como sendo uma carga pesada.As contribuições voluntárias, as oblações e ofertas não juntavam a entrada necessária para manter o templo e pagar os muitos sacerdotes e levitas. Assim fora necessário impor mais taxas sobre cada membro da igreja. No tempo de Jesus, o imposto anual do templo sobre todos os recenseados era de meio “shekel” ou um duplo “dracma”, o que equivale a uns 60 cents de dólar, Mt.17.24,27. A coleta de impostos para o governo romano estava nas mãos da ordem dos cavaleiros. Os membros desta ordem, por sua vez, vendiam este privilégio a homens proeminentes nas províncias., os quais, depois de calcular um bom lucro, entregavam o assunto aos coletores de impostos propriamente ditos, que todos também estavam ansiosos para guardar uma moeda em seu própria conta. O resultado disso foi um sistema de roubalheira, por assim, quase perfeito. Avaliação injusta, extorsão e chantagem estavam na ordem do dia, e o povo tinha que suportar a tudo. O Talmude distingue duas classes de publicanos, a saber o coletor de impostos em geral e o oficial de alfândega. Os primeiros coletavam os impostos geralmente devidos, que consistiam em taxas sobre as terras, de renda e per capita. Nisso ocorria a oportunidade para exações injustas, visto que o imposto sobre a terra subia a dez ou vinte por cento do seu valor. O imposto de renda era um por cento. Mas a crueldade do sistema se tornava, especialmente, clara no caso do oficial da alfândega. Lá havia taxa e obrigação sobre todas as importações e exportações, sobre tudo o que era comprado e vendido. Havia taxa de travessia, taxa de uso de estrada, obrigações portuárias, de cidade, etc. O caminho dum mercador era tudo menos agradável, quando precisava descarregar seus animais de carga, abrir cada fardo e pacote, e via violadas todas as cartas pessoas que levava. No tempo de Jesus, um decreto de César mudara um pouco o sistema da coleta de impostos, fazendo com que as taxas fossem arrecadadas pelos publicanos da Judéia e pagas diretamente ao governo. Mas esta mudança aliviou muito pouco o fardo do povo, e só tornou os publicanos ainda mais impopulares, visto serem os encarregados diretos do poder gentio. Pouco importava se o publicano era grande, como foi Zaqueu, Lc.19.2, e empregava auxiliares, ou era pequeno e pessoalmente cuidada do posto, Mt.9.9. Os publicanos, ainda que na sua membros da nação e igreja judia, eram desqualificados para servirem de juizes e testemunhas, e, em geral, eram tratados como socialmente excluídos, estando no mesmo nível dos pecadores manifestos.86. Capítulo 10 O Comissionamento dos doze, Mt.10.1-15. Trabalhadores para a ceifa, V.1) Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir, e para curar toda sorte de doenças e enfermidades. Estava encerrada a primeira parte do ministério de Cristo na Galiléia. A mensagem do evangelho fora espalhada, pregando ele pessoalmente em partes do norte da região. Mas, como acabara de afirmar aos discípulos, as condições exigiam um trabalho mais amplo e intensivo.isso o levou a comissionar seus doze discípulos, aqueles doze que receberam este nome mais tarde, e cuja relação com o Senhor fora, desde o começo, muito especial. Possuía muitos outros discípulos ou adeptos. Sua palavra não havia voltado vazia. A maioria dos que haviam experimentado seu poder curador, havia aceito seu evangelho e se tornado seus verdadeiros discípulos. Deles, muitos permaneceram em casa, onde, sempre que possível, testemunhavam do Senhor. outros, e destes os doze foram os mais proeminentes, acompanharam o Senhor em todas – ou quase todas – as viagens. Os doze ele convoca agora para uma missão especial. O resumo da tarefa que lhes confiou é: Poder sobre espíritos imundos e poder para curar tanto as doenças mais graves, como as pequenas enfermidades e fraquezas do povo. A autoridade de realizar curas foi, especialmente, necessária para seu trabalho na Galiléia, visto que a fama de Jesus repousava, em muitos casos, sobre seus milagres. Se afirmassem terem sido enviados por Cristo, o povo simples, certamente, iria exigir alguma prova para o seu comissionamento. 86 ) Schaller, Book of Books, 123-127; Josefo, Antiquities of the Jews, livro XIV, cap.IV; Edersheim, Life and Times os Jesus the Messiah, I.514-519. Os apóstolos são enumerados, V.2) Ora, os nomes dos doze apóstolos são estes: primeiro, Simão, por sobrenome Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; 3) Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; 4) Simão o Zelote, e Judas Iscariortes, que foi também quem o traiu.Eles são chamados apóstolos, por serem as testemunhas especiais de Cristo, e serem seus representantes na propagação de sua igreja, At.1.8,21, tendo sido enviados por ele com autoridade extraordinária. Lembremos: Pedro esta no alto da lista, porque ele foi chamado primeiro seu discípulos, At.4.18. Seu nome, Pedro, dado pelo próprio Senhor, aqui o distingue do outro Simão da lista. Bartolomeu comumente é identificado com Natanael, Jo.1.46. Mateus junta, propositalmente, seu epíteto “o publicano” em modesta autohumilhação e, também com um certo orgulho de que a misericórdia de Cristo escolheu ,até, a um cobrador de impostos que pertencia à classe mais baixa, como seu amigo íntimo. Simão o cananeu, ou Simão de Cana, às vezes, foi chamado de Zelote, provavelmente, para fazer referência à sua característica mais marcante. Como último da lista o nome Judas, o traidor. Sua cidade natal foi “Charioth”, na Judéia, sendo ele o único discípulo não Galileu.A vocação de Jesus a este homem foi tão sincera como a dos outros apóstolos. Mas, Judas, levado por sua própria maldade e pela tentação de Satanás, arremessa de si a misericórdia do Senhor. Ele, de roubos insignificantes caiu na maior fundura a que um ser redimido pode cair – traiu seu Salvador. Instruções quanto ao lugar onde deviam pregar, V.5) A estes doze enviou Jesus, dando-lhes as seguintes instruções: Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; 6) mas, de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel. Estes, que ao todo eram doze, e que depois foram conhecidos por esta designação, Jesus enviou com o encargo definido quanto ao lugar e a esfera de seu trabalho. Deviam ficar fora das terras dos gentios e das cidades dos samaritanos. Esta ênfase é expressa de modo solene e em cadência rítmica. A primeira oferta de salvação, segundo a intenção de Deus, devia ser feita ao povo judeu. Visto terem sido seu povo escolhido no Antigo Testamento, ele restringe seu próprio trabalho, agora realizado por seus discípulos, principalmente a Israel, ainda que não fosse contra que os gentios ocasionalmente recebessem alguma migalha, Mt.15; Jo.4. O cuidado principal dos discípulos devia ser pelas ovelhas perdidas da casa de Israel, ou seja, aqueles que andavam longe do caminho, sem o saberem ou quererem, tendo sido molestados e esfolados e desencaminhados deliberadamente por mercenários. Tinham sido negligenciados e estavam no iminente perigo da perdição final, mas que, provavelmente, poderiam ser ganhas para a salvação por meio dum trabalho evangelístico pleno, sendo o mais importante a pregação e não as curas. A mensagem e os sinais que a acompanharam V.7) e à medida que seguirdes, pregai que está próximo o reino dos céus. 8) Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça recebestes, de graça daí Enquanto estiverdes em vossa, pregai. A pregação é a primeira e maior obrigação e necessidade. Seu assunto: O reino dos céus está presente. Na pessoa do humilde Nazareno, Jesus Cristo, cumpriram-se todos os tipos e profecias. Quem o aceita pela fé, esse tem o reino, esse é um membro do reino. Por isso, realizai vosso trabalho de arautos, indo de casa em casa. E, sempre que necessário, eles foram revestidos de poder para confirmar a palavra com sinais que seguiam, Mc.16.20. Não só as doenças comuns deviam render-se diante de sua autoridade, mas, até, as impurezas dos leprosos. Foi-lhes confiado, até, o poder de ressuscitar mortos e a autoridade sobre os maus espíritos. As circunstâncias, talvez, não requereram o uso de todos estes milagres em alguma cidade ou povoado. Também é possível que os apóstolos não ressuscitaram alguém da morte, antes que o próprio Cristo ressuscitasse da morte. Também existe a probabilidade que, naquele tempo, sua fé não fosse tão forte para realizar o maior milagre, Mt.17.20. Mas, no que se referia ao comissionamento de Cristo, receberam toda autoridade necessária para apoiar sua pregação com tais obras que deviam ser aceitas como provas positivas de sua missão divina. Mas este poder não devia servir de torpe ganância, ou ser feito por dinheiro. Instruções quanto a vestes e equipamento, V.9) Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos cintos; 10) nem de alforge para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão: porque digno é o trabalhador do seu alimento.Não provede nem comprai para vossa jornada. Vossa missão deve ser sem recompensa material. Avareza e o acumular bens prejudicaria vosso trabalho. Não devia ser aceito dinheiro de qualquer espécie, muito menos ouro, prata e nem mesmo uma moeda de cobre, para que o dom e benefício do evangelho não pareça mercadoria. O cinto sobre a veste exterior era usado, não só para juntar o manto solto, mas também para fixar a bolsa que continha o troco. Também não foi permitida uma sacola ou alforge para provisões, nem uma segunda camisa ou roupa-de-baixo, nem sapatos de viagem, nem cajado pesado.Tudo isto seria um entrave para a vossa jornada atual. Deveis ser como pessoas muito apressadas, que estão desejosas para iniciar e realizar este imenso trabalho. “Era proibido, até mesmo, o menor lucro do seu ofício, mas não apelando para um voto de pobreza ou de mendigância, à moda papal. Deviam adotar a grande máxima de que os mensageiros do evangelho tinham o direito ao sustento diário e à hospitalidade”87. Digno é o trabalhador da sua manutenção, Mc.6.8; Lc.9.3. Este é um axioma que, na boca de Cristo também contém um grande conforto. O trabalhador que segue as demais injunções do Senhor, não precisa preocupar-se sobre comida e vestes. Ele proverá. A maneira de abordar, V.11) E em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, indagai quem neles é digno; e aí ficai até vos retirardes. 12) Ao entrardes na casa, saudai-a. Esta deverá ser uma regra constante. O mesmo procedimento deverá ser seguido, não interessando a cidade ou a povoação. Deverão anunciar e inquirir, acuradamente, quanto à dignidade moral do provável hospedeiro. Pois, uma escolha errada poderia prejudicar seriamente o trabalho. Não deveis procurar uma passagens melhor ou uma companhia mais aprazível, para que não sejais marcados como homens egoístas. O melhor é estabelecer sempre um centro de atividade, do que depender duma atividade transitória e frustrada. Aqui há também uma insinuação a respeito do tagarela, do vagabundo, do intrometido que freqüenta as estradas e a companhia daqueles que possam favorecer sua ambição, em vez de encontrar tempo para a oração e o estudo em casa. Deverá ser distinguida com o cumprimento de paz, aquela casa em que isto acontece, que é um lugar digno de ficar, como o deverão ser todas as casas que estão abertas aos servos do Senhor.Tal saudação não é uma fórmula vazia, mas um abençoar em o nome do Senhor, concedendo a bênção do Senhor. Ele habita lá onde habita seu servo. Aceitação e rejeição, V.13) se, com efeito, a casa for digna, venha sobre ela a vossa paz; se, porém, não o for, torne para vós outros a vossa paz. 14) Se alguém não vos receber, nem ouvir as vossas palavras, ao sairdes daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Se, após vossa saudação, a casa for digna de honra algum servo do Senhor permaneça nela, então vossa paz, que significa a bênção do Senhor, virá e repousará sobre ela. Mas, depois de terdes sido humilhados, vosso juízo e o de outros ainda poderá estar errado, contudo, vossa saudação de paz não terá sido pronunciada em vão, antes, retornará a vos e abençoará quem veio para proclamar a boa vontade do Senhor. O tratamento indelicado, em nenhum caso, deve provocar-vos. O modo de agir em tal caso, todavia, quando, tanto a casa escolhida como base do trabalho, e toda a comunidade se unem na rejeição dos apóstolos do Senhor, está prescrito. O Senhor fala com grande emoção, como mostra a forma da sentença. Não há um corte definitivo reservado a pessoas culpadas dessa rejeição. O ato simbólico de sacudir o pó dos pés ou dos sapatos significa a final rejeição do impuro Isso deve ser feito, não no espírito de irritação nem de vingança, mas de tristeza que, sem sombra de dúvida, enchia o coração do Senhor diante da constatação de tal cegueira. A vingança sobre uma tal cidade será tomada pelo próprio Senhor. Até Sodoma e Gomorra, tipos e exemplos da justiça punitiva de Deus, não seriam tão severamente rejeitadas no juízo final, como o serão os habitantes duma cidade ou povoado que recusa aceitar os servos de Cristo e, 87 ) Schaff, Commentary, Matthew, 185. deliberadamente, desprezam a oferta da graça do Redentor. É tanto que Cristo valoriza as boas novas, a mensagem do evangelho com a qual ele comissionou os doze. A incredulidade é o maior dos pecados. Os Riscos do Apostolado, Mt.10.16-25. A base da conduta dos apóstolos, V.16) Eis que eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas. A atenção dos apóstolos é dirigida para a importância das suas instruções. “Eu vos envio” é enfático. Ele, o profeta prometido, faz uso do seu poder ao comissioná-los como seus assistentes. Sua proteção graciosa os assistiria em meio às circunstâncias perigosas. Por causa da depravação natural das pessoas e do ódio contra a redenção, sua posição seria a de ovelhas rodeadas de lobos, - mas não sob o poder dos lobos! O perigo poderá sempre estar a rondar de perto, sendo exigida vigilância incansável. Neles, há por dentro nada mais do que fraqueza e timidez natural, e por fora somente crueldade e ganância, mas a missão precisa ir avante. A situação requer a sabedoria, a prudência e a inteligência das serpentes, Gn.3.1; Sl.58.5, mas, por outro, também a honestidade, a inocência e a simplicidade das pombas, Os.7.11. “Ainda que Cristo ordena que seus discípulos sejam inofensivos como as pombas, isto é, que sejam íntegros e sem amargura, ele, ainda assim, os admoesta que sejam prudentes como as serpentes, isto é, que diligentemente se guardem de pessoas falsas e cheias de dolo, tal como se diz que as serpentes, quando em combate, cuidam em proteger sua cabeça com especial esperteza”88 A hostilidade das pessoas, V.17) E acautelai-vos dos homens; porque vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas; 18) por minha causa sereis levados à presença de governadores e de reis, para lhes servir de testemunho, a eles e aos gentios. Cuida-vos daquelas pessoas que possam revelar-se lobos disfarçados. Não confieis, em geral, nas pessoas. Guardai-vos da confiança cega, que vos faz ser dependentes das pessoas, Jo.2.24. Uma indiferença cordial pode parecer um paradoxo, mas ela descreve a atitude acertada. A hostilidade das pessoas é dirigida, na verdade, contra a Palavra, por isso, haverá ocasiões em que ela explodirá em perseguição contra os portadores da Palavra. Tanto os tribunais maiores de justiça, onde a punição poderia assumir uma forma muito séria, e as sinagogas, cujas assembléias, como cortes menores, exerciam disciplina e impunham castigos, como o açoitamento, seriam usados pelos inimigos, At.22.19; 2.Co.11.24. No caso presente, até, as cortes civis poderiam ser invocadas para, em qualquer situação de acusação inventada, pronunciar o juízo contra os servos de Cristo. O Senhor se refere não só aos governadores provinciais da Palestina, mas olha, por sua onisciência, para épocas futuras distantes, onde enxerga seus confessores sendo intimados a comparecer diante dos governadores mais poderosos do mundo.Isto seria, realmente, uma tribulação mas, também, uma honra,visto acontecer por causa dele e por sua conta. Pois, terão a gloriosa oportunidade de testemunhar do Mestre, falando dele em meio a circunstâncias tão adversas aos inimigos que, no começo eram os judeus, e aos gentios que compreendiam os governadores, os oficiais e os servidores da corte. Como sempre, este testemunho teria como objetivo chamar pecadores ao arrependimento e endurecer aos deliberadamente obstinados para sua própria condenação. Um conselho contra a ansiedade, 19) E, quando vos entregarem, não cuideis em como, ou o que haveis de falar, porque naquela hora vos será concedido o que haveis de dizer; 20) visto que não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós. Desde que está estabelecido o fato que tais perseguições e provocações hão de vir, preparai-vos para elas. Tende vosso coração e mente colocados assim, que possais suportar o julgamento. Pensamentos ansiosos e preocupações provam desconfiança para com Deus, e levam à confusão. Os discípulos não se empenham numa defesa pessoal mas por uma causa. Visto que ela é a causa de Cristo e de Deus, ele na hora crítica proverá um advogado. A palavra dum homem sempre é imperfeita, até em assuntos que só dizem respeito a este mundo. A causa da Palavra eterna é muito maior. Discursos 88 ) Lutero, 1.624. apologéticos bem elaborados, quando a veracidade e o poder do evangelho estão no banco dos réus, podem ter seu valor. Mas, com respeito aos apóstolos, eles podiam confiar, numa situação assim, inteiramente na inspiração do alto. O Espírito Santo lhes daria as palavras exatas que deveriam dizer em sua defesa, At.26. De certa forma esta promessa se comprova verdadeira para todos os tempos. “Alguns dos maiores e mais inspirados pronunciamentos têm sido os discursos feitos por pessoas julgadas por causa de suas convicções religiosas. Uma boa consciência, tranqüilidade de espírito e a convicção da grandeza do assunto envolvido, tornam em tal tempo o discurso humano chegar ao que é sublime”89. A perseguição no círculo da família, 21) Um irmão entregará à morte outro irmão, e o pai ao filho; filhos haverá que se levantarão contra os progenitores, e os matarão. 22) Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo A indescritível depravação do coração humano causa tanto ódio contra a pureza do evangelho, que rompe os laços naturais mais íntimos, tornando os membros da própria família em inimigos mortais: irmão contra irmão, pai contra filho, verdadeira insurreição dos filhos contra a autoridade paterna terminando em assassinato, fazendo com que sejam esquecidos todos os afetos naturais e familiares. O mundo, como tal, sempre odiou os servos de Cristo, e a regra do ódio contra eles nunca mudou, mesmo que se tagarele muito sobre tolerância. Em tempos de tenção incomum, mesmo em nossos dias, o ódio ao evangelho puro e seus arautos se há de espalhar sobre a terra, como se fosse uma febre infecciosa e, ante a mais fraca e só aparente provocação, de pronto irromperá em perseguição. Mais uma vez, porém, tudo é por causa dele, e, por isso, é antes um privilégio do que uma provação. Por isso Cristo, para estimular coragem e alegria, mantém a promessa da recompensa de misericórdia. Aquele que persevera, que tem paciência perseverante até ao fim, quando vier o livramento (visto que a provação nunca será só momentânea e nem perpétua) achará salvação pronta para ele, Tg.1.12; Ap.2.10; 3.11-12. Conselho e conforto para a perseguição, V.23) Quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fugi para outra; porque em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel, até que venha o Filho do homem. 24) O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo acima do seu senhor. 25) Basta ao discípulo ser como o seu mestre, e ao servo como o seu senhor. Se chamaram Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos seus domésticos? Aqui há um alerta distante de fugir do martírio, de deixar a prudência e convidar os inimigos para afogar suas vingança. Mártires auto-indicados, muitas vezes, buscam a auto-glorificação. Quando é possível a fuga das perseguições, sem a negação da verdade e sem abandonar o rebanho das ovelhas para o lobo, a escolha devia ser esta. Será para o bem da causa, quando o trabalho é suspenso numa cidade e se foge para outra, onde a recepção é, provavelmente, diferente e a causa de Cristo é favorecida. Cristo faz, neste ponto, uma declaração solene: A “vinda do Filho do homem” é um termo que aponta para a fundação e para a propagação do reino de Cristo, depois da sua glorificação, a principiar com o milagre do Pentecostes. Não tereis concluído ou completado vossas tarefas nas cidades mas tereis o tempo suficiente para ela, até a minha entrada na glória e o começo do meu trabalho como a cabeça todo-poderosa da minha igreja, de acordo com minha divindade e humanidade. O tempo é breve e o trabalho é grande. Energia e coragem são urgentemente necessárias. Na forma dum provérbio, Jesus adiciona outra admoestação confortadora. Não deviam esperar sair-se melhor do que seu Senhor e Mestre, que á a Cabeça da família cristã. Sua porção natural e bem assim honrosa é suportar as mesmas perseguições, sofrer as mesmas injúrias e ser cumulado com as mesmas maldições. Os inimigos haviam ido ao ponto de aplicar a Cristo o epíteto Belzebu, senhor da idolatria e principal dos diabos. Seria presunção dos seus seguidores esperar menos do que isso. “Quando uma pessoa aceita a Palavra de Deus, ou o evangelho, que não pense mais do que isso, que ela naquela hora entrou na zona de risco em relação a seus bens, sua casa, lar, fazendas e prados, sua esposa e filhos, pai e mãe, e, até, sua própria vida. Quando,então, a acertam 89 ) Expositor’s Greek Testament, 1.163. perigo e infortúnio, ser-lhe-á tanto mais fácil, porque pensa: Já sabia bem claro que isso iria acontecer assim comigo”90. É Exigida uma Confissão Destemida de Cristo, Mt.10.26-36. V.26) Portanto, não os temais: pois nada há encoberto, que não venha a ser revelado; nem oculto, que não venha a ser conhecido. 27) O que vos digo às escuras, dizei-o a plena luz; e o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o dos eirados. A nota chave desta secção é “não temais”. Não permitais que o temor, que é tão natural nestas circunstâncias, vos domine, visto que os que são vossos inimigos e tentam ferir-vos, não seres humanos. Quanto a vós, assumi o risco de vosso elevado chamado. Dois provérbios são oferecidos por Cristo para suportar sua admoestação premente. As coisas encobertas serão reveladas, e as coisas secretas serão tornado conhecidas. O ódio e a perseguição do mundo, muitas vezes, estão disfarçadas sob a forma de patriotismo e bondade ou com a necessidade de união, etc. Deus, porém, no dia do juízo, colocará tudo sob a luz correta e pagará a cada um o que lhe é devido. Enquanto isso, seu trabalho precisa ir avante. Seu princípio, por necessidade, foi obscuro e foi realizado, quando preciso, na obscuridade. Os discípulos, porém, devem dar-lhe a devida publicidade, expondo-o, como na luz do meio-dia, diante de todo o mundo. As informações confidenciais e os privados que receberam do Senhor, devem ser tornados propriedade comum. Os doutos mestres judeus tinham o costume de proferir na sinagoga seus discursos só a um dos anciãos, o qual, então, servia de intérprete, dando, em linguagem popular, o resumo da dissertação ao povo. De modo semelhante, devia ser realizado o trabalho dos apóstolos. A doutrina que receberam de Cristo, devem proclamar em alta voz dos telhados, que no Oriente eram chatos e o permitiam. Mesmo em nossos dias, e hoje mais do que nunca, os discípulos de Cristo deviam usar todas as maneiras legítimas para espalhar a verdade do evangelho tão longe quanto possível, contudo, sem esquecer jamais que os meios de atrair as pessoas ao evangelho nunca podem ser um fim em si mesmos, para que o principal não seja tornado de segunda importância. Os meios devem ser usados só para servir ao evangelho. Mais consolo, V.28) Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo. 29) Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. 30) E quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. 31) Não temais pois! Bem mais valeis vós do que muitos pardais. Por que embarcar no medo? Tudo o que os inimigos podem destruir ou prejudicar, é o corpo, quando Deus assim o permite. No corações dos discípulos de Cristo devia haver somente um temor profundamente fixo, um temor e reverência que não temem o castigo mas que treme de modo santo diante daquele que julga e condena tanto o corpo como a alma para a eterna destruição. Pois, este não é um mero tentador humano que tenta prejudicar a alma do próximo quando o leva ao pecado. Nem é Satanás que não tem poder absoluto sobre corpo e alma. Mas ele é o grande Deus, o próprio Juiz divino. Ter medo de inimigos humanos é incorrer em falta de fé em Deus, o que, por sua vez, pode levar a nega-lo e, assim, levar à condenação. E mais uma vez: Por que medo? Vede, o pardal vale tão pouco que qualquer um deles é vendido por meio “assarion” ou menos do que “um cent de dollar”. Vede que a perda de um fio de cabelo é coisa tão mínima que nem se o nota. No entanto: Nem ao menos um dos pássaros mais pequenos cai por terra sem o consentimento de Deus, e os cabelos da vossa cabeça, um por um, estão contados. Será que aquele, cujo zelo envolve os menores detalhes da vida diária, permitirá que algum dano atinja aos que nele sua total confiança? Será que ele, que afirma que nos prefere muito mais do que muitos pardais, permitirá que os inimigos façam mão ao nosso corpo? A conclusão, V.32) Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus; 33) mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus . Temos aqui uma referência solene ao juízo final. De cada seguidor de Cristo é exigida uma confissão de Cristo em palavras e 90 ) Lutero, 3.1079. atos, como o é a proclamação franca da verdade e defesa firme da verdade. Isto é tanto mais necessário, porque na graça de Cristo fazemos esta confissão, e ele deseja esta graça a cada um que nele crê. Negando-o, por isso, comprovamos que nos afastamos totalmente da graça e carecemos inteiramente da fé. Da mesma forma, que ele, por meio duma confissão e defesa franca, estará por aqueles que alegremente o confessam, assim ele, por outro, se apartará daqueles que pela sua negação de Cristo se afastam da graça de Deus. Não há algum campo neutro: a escolha de cada um está, tão somente, entre confessar e negar a Cristo. O resultado destas exigências descomprometidas, V.36) Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. 35) Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. 36) Assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Aqui há o mesmo pensamento, como no versículo 21. Paz na terra foi prometida no nascimento de Jesus, Lc.2.14. E a paz na terra foi conseguida pelo Redentor, Is.53.5; Rm.5.1; 2.Co.5.18-19. Agora o Senhor, porém, se refere ao segundo e terrível efeito da pregação do evangelho, no caso daqueles que persistente recusam aceitar a redenção pelo sangue de Jesus, 2.Co.2.16. Cristo anteviu esta oposição hostil à sua mensagem. Ele também soube que o conflito espiritual, que surgiria por causa da inimizade carnal, encontraria sua expressão real na perseguição física. Que seus discípulos não imaginassem, como provavelmente o fariam, que então haveria um reino de quietude e paz terrena; com todas as bênçãos que a palavra contém. Divisão, contenda, guerra, calamidades repentinas e ardentes seguiriam a introdução do evangelho. Não há ódio e briga mais amarga do que a que surge por causa das diferenças de religião. Ela torna os amigos mais íntimos em estranhos, destrói famílias, causa inimizades persistentes entre os membros da mesma família. Estas coisas acompanharão a propagação da nova religião. Ficar firme com Cristo exige o máximo de destemor. Consagração total a Cristo, Mt.10.37-42. V.37) Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim; 38) e quem não toma a sua cruz,e vem após mim, não é digno de mim. 39) Quem acha a sua vida, a perderá; quem, todavia, perde a vida por minha causa, a achará. Os fatos, como colocados por Cristo nesta passagem, sob certas circunstâncias, podem tornar necessária uma decisão muito penosa entre os parentes e a verdade. Quando surgem dissensões na família, a política e a experiência sugerem que se siga o meio-termo, sendo esta a maneira, geralmente aceita, em nossos dias para acomodar tudo. Isto, muitas vezes, significa a rendição por parte dos crentes que redunda em negação a Cristo. Isto dá a entender, que laços terrenos, que o amor dos pais e o afeto entre irmãos e irmãs são mais fortes e se arraigaram mais firmemente no coração, do que os comandos expressos de Jesus. Quando sucede qualquer frouxidão de princípios, da leitura das Escrituras, da oração em particular, de ir aos cultos divinos, de ressentir-se com blasfêmias, então acontece uma negação expressa, ou ao menos implícita, de Cristo por parte daquele que não é digno dele. Esta é uma ordem expressa da preferência acima de todos os interesses terrenos. Na verdade, a confissão escrupulosa de Cristo resultará em não ser agradável e colocará muitas cruzes sobre o cristão sincero, tais como os romanos impunham àqueles que eram condenados ao lenho da maldição. Há aqui também uma referência profética. O Senhor, usando expressões como estas, estava preparando seus discípulos para o fado que os esperava. Ele, confessando-nos, suportou tudo, até a morte na cruz. A crucificação era uma morte terrível. Mas, por mais horrível que seja, ela significa para nós salvação. Acaso, seus discípulos se mostrariam indignos, recusando-se a segui-lo no caminho do sofrimento, sabendo que uma tribulação de poucos anos lhes trará eterna alegria? A vida do discípulo de Cristo não lhe pertence para fins egoístas. Jesus usa aqui a palavra “vida” alternadamente pela vida corporal e a vida eterna, a salvação da alma. Aquele que busca e, aparentemente, ganha sua vida aqui no mundo, na busca de lucros temporais, e se esquece de cuidar de sua alma, perderá a salvação de sua alma. Mas, caso alguém, por causa de Cristo e em sua confissão firme, perde a vida terrena com tudo o que ela oferece, este achará mais do que uma compensação total e satisfatória no prêmio de misericórdia da mão de seu Senhor, a saber as glórias da vida eterna. Um pronunciamento animador, V.40) Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou. 41) Quem recebe um profeta, no caráter de profeta, receberá o galardão de profeta; quem recebe um justo, no caráter de justo, receberá o galardão de justo. 42) E quem der a beber ainda que seja um copo de água fria, a um destes pequeninos, por ser este meu discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão. Os apóstolos ou os mensageiros de Cristo são seus representantes. O trato dado a eles, neles é dado a Cristo, e, assim, ao próprio Deus, porque o Mestre e Deus são um. Mas ele emite a afirmação de modo mais geral. Aquele que recebe ou mostra alguma bondade a um profeta ou a um que é comissionado por Deus para ensinar a verdade da vida eterna, tendo sempre este fato em mente, receberá a recompensa do profeta de Deus. O mesmo é verdade daquele que mostra favor semelhante para qualquer irmão cristão ou justo. Ele também terá uma recompensa de misericórdia. E mesmo que isto fosse tão pouco, como um simples copo de água, um benefício bem-vindo para um viajor sedento, revigorar um irmão, um co-discípulo, ou algum sofredor, afirma Cristo com grande ênfase, que tal pessoa não ficará sem sua recompensa. Cristo fala com grande emoção, pois o assunto o afeta muito intimamente, visto que os homens que envia são seus próprios mensageiros que se consagrarão por inteiro a ele. Toda e qualquer atenção que os vá suportar na realização da grande obra da proclamação do evangelho de modo mais alegre, não só terá a aprovação de Cristo, mas, no fim, ao menos no grande dia da prestação de contas, achará um reconhecimento que irá retribuirlhe, com juros de mil por cento, a sua bondade. Sumário: Cristo comissiona doze de seus discípulos como apóstolos transmitindo-lhes poderes miraculosos, dando-lhes instruções sobre o que vestir, levar como equipamento, teor de pregação, maneira de iniciar, de recepção e rejeição do evangelho, e exigindo consagração total a ele. MILAGRES A crença singela nos milagres da Bíblia, a muito, foi declarada impossível, nas condições modernas. Os milagres caracterizaram os primeiros séculos da igreja cristã. Durante a idade média a fé neles foi expandida, de modo análogo, à credulidade que colocou os assim chamados atos dos santos, que foram invenções espúrias duma época supersticiosa, no nível dos grandes feitos de Deus. Os inimigos da Bíblia,começando uns três séculos atrás, têm-se mostrado sempre mais ativos, até aos nossos dias, tanto dentro como fora da igreja, para descartar o elemento miraculoso da Bíblia. As objeções contra os relatos de milagres da Bíblia, e por isso aos próprios milagres, pode ser dividido em duas classes – a radical e a conservadora. A primeira classe nega totalmente a possibilidade de milagres, sem dar justificativa ou defesa. Tem sido afirmado que milagres são violações às leis da natureza, ainda que a afirmação concede a existência dum autor das leis que tem também o direito de suspendê-las, bem como para fazer que sejam indiscutíveis. Declara-se que milagres estão excluídos pela harmonia da natureza, ainda que a experiência em si seja alterável e indefinida. Os críticos disseram que a mente humana se afasta dos milagres, que o corpo inteiro das ciências modernas se dobra diante do fato enorme que o sobrenatural não existe. As estórias miraculosas, diz-se, que são criações duma era crédula e supersticiosa. Argumenta-se que não é preciso um esforço mental para tirar o elemento miraculoso do Novo Testamento. Os assim chamados eruditos “examinaram, com espírito científico, nossa Bíblia, e em cada passo acharam o relato de milagres como mítico ou lendário, como fato que não pode ser crido... Eles acreditam que milagres não acontecem, que nunca aconteceram, e que jamais acontecerão... O elemento miraculoso, assim se o mantém mais e mais, é o acompanhamento constante e supersticioso de todo e qualquer movimento religioso dos tempos antigos”91. Certo crítico pergunta, com referência à 91 ) Goordon, G. A, Religion and Miracle, 23,45. ressurreição de Cristo: “É, acaso, o testemunho suficiente para mostrar que um homem realmente morto... tornou à vida, passou por portas fechadas e ascendeu ao céu?” E acrescenta: “Não posso falar por outros, mas absolutamente, não posso, com estas evidências, crer tais fatos monstruosos”92. A classe de críticos conservadores desejam salvar a Bíblia, que afirmam ser aqueles restos dos quais concedem serem verdadeiros, argumentando que milagres não precisam ser cridos, e que eles não são necessários para a verdade das Escrituras e da fé cristã. A maioria dos milagres do Antigo Testamento são negados, afirmando que eles são meros adornos poéticos e que não possuem qualquer conecção essencial com o fato. Dizem eles, que pode acontecer que tenhamos os milagres do Senhor sem ter o próprio Senhor. Acaso, não segue disso que possamos perder os milagres do Senhor, e, ainda assim, reter a ele? É afirmado abertamente que o defensor de hoje tem algum interesse em minimizar o miraculoso dos milagres e em fazê-los parecer tão naturais quanto possível. O humor atual do público religioso gostaria de naturalizar não só os milagres, mas todo o mundo espiritual.93 Tendo estes fatos em vista, é essencial que, antes de tudo, saibamos o que é um milagre. A definição seguinte é aceita em geral: “Um milagre é um acontecimento revelado aos sentidos, onde há a presença dum poder pessoal que está acima do plano físico e humano, que atua para uma finalidade moral”. Com esta explicação, que inclui milagres, sinais e maravilhas, nos é possível dividi-los em três classes. Há os milagres da revelação constante de Deus na natureza e história, que são as muitas evidências de sua intervenção sobrenatural. Há os milagres ou ocorrências dentro do curso comum da natureza, que a força e o saber humano, conduto, não conseguem realizar, sem o poder criativo e providencial de Deus, que incluem todas as mudanças fisiológicas adequadas ao viver nos organismos vivos. Há os milagres ou fenômenos fora do curso da natureza e das leis estabelecidas, realizados por uma suspensão proposital da ordem física do universo, que incluem tanto os milagres da Escritura e os muitos casos de preservação sobrenatural. Negar a existência de milagres na natureza que nos cerca, é negar a evidência de todas as percepções e o resultado de séculos de pesquisa. Por outro, negar os milagres da Escritura é negar a veracidade de todo o relato bíblico, pois é impossível separar o miraculoso da religião cristã, porque a religião toda é um milagre. Que o Antigo Testamento contém só poucas histórias milagrosas, e que estas estão confinadas ao Êxodo e às vidas de Elias e Eliseu, como foi afirmado, é, manifesto, tão inverossímil que uma única referência da Bíblia basta como refutação. Separar o elemento miraculoso dos relatos do evangelho, é tirar a essência da narrativa do evangelho. Os milagres de Jesus foram selos e credenciais, porque foram sinais e características essenciais de sua missão. Caso removermos todas as referências a milagres, jaz perante nós um evangelho em ruínas. Quanto à necessidade de milagres, e o fato que o Senhor assim achou necessário, devia bastar como justificativa de terem acontecido. O evangelho surgiu do ver milagres e é um registro e exposição desses fatos. Se a ressurreição de Jesus tiver sido uma ilusão, teria tido vida muito breve e participado do fato de todas as ilusões. E todos os demais milagres são críveis, porque estão associados com o milagre da ressurreição. A religião foi introduzida por meio do miraculoso entre os inimigos. Desta forma os milagres são o sinal e selo da aprovação divina. Deus não teria sancionado tais acontecimentos se tivessem sido mentira. Nenhum mágico poderia realizá-los. Os milagres foram feitos em defesa duma religião da justiça mais perfeita e da verdade universal, para que persista para sempre para mostrar o favor da beleza moral imaculada da Cristo e da vocação divina dos seus discípulos. É suficiente que nós saibamos, que Ele, por meio deles, revelou sua glória, Jo.1.14; 2.11, e que os milagres do Novo Testamento foram registrados para que creiamos que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que, crendo, tenhamos vida em seu nome, Jo.20.31.94 92 ) Parker, citado em Bruce, The Miraculous Element in the Gospel, 21. ) Bruce, 1.c., 34,44. 94 ) Cf. Linberg,C.E., Apologetics, 80-83, 165; Jefferson, C.E., Things Fundamental, cap.VIII; Garvie, A.e., A Handbook of Apologetics, cap. III; Whately, R., Introductory Lessons on Morals and Christian Evidences, lição V-VIII; Mullins, E.Y., Why is Christianity True? Cap.XII; Benson, Chr., On Evidences of Christianity, Disc.VIII; Brace, C.L., Gesta Christi. 93 CAPITULO 11 A Delegação que João Batista Enviou a Jesus, Mt.11.1-6. Jesus retorna ao seu trabalho profético, V.1) Ora, tendo acabado Jesus de dar estas instruções a seus discípulos, partiu dali a ensinar e a pregar, nas cidades deles. O Senhor havia comissionado os doze apóstolos. Dera-lhes instruções completas sobre cada parte do seu ministério. Mas, enquanto estavam empenhados nesta obra importante, Lc.9.6, Jesus também não esteve desocupado. Tendo acabado de dar suas instruções, deixou o lugar, provavelmente para um lugar solitário, talvez aquele onde tivera antes a oportunidade de ficar com seus discípulos sem ser perturbado, e começou uma nova viagem de pregação e ensino pelas cidades da Galiléia. Estava acompanhado, como anteriormente, por seguidores ocasionais e outros permanentes, parecendo que os doze, de tempos em tempos, também retornavam a ele. A segunda tentativa de João para conduzir seus discípulos a Cristo, V. 2) Quando João ouviu, no cárcere, falar das obras de Cristo, mandou por seus discípulos perguntar-lhe: 3) És tu aquele que estava para vir, ou havemos de esperar outro? Quando João, na qualidade de arauto de Cristo, no começo, o havia apontado aos seus discípulos, dois dos que o ouviram falar seguiram a Jesus, Jo.1.37. Numa ocasião posterior, João, mais uma vez, deu testemunho de Cristo, Jo.3.27-36. Isto pode ser tomado como sendo convite suficiente a todos que o ouviram, para se tornarem seus discípulos. Enquanto isto, João havia sido preso na fortaleza de Maquero, no sul da Peréia, perto da divisa de Moabe. Era, depois de Jerusalém, a fortaleza mais segura dos judeus, capítulo 14.3. Já estava preso, fazia algum tempo. Mas, assim parece, podia receber, como antes, o cuidado de seus discípulos. Estes homens, até este ponto, não tinham uma compreensão plena da mensagem de seu mestre, mas olhavam a Jesus e seu trabalho com olhos mais de inveja e desaprovação, Mt.9.14; Jo.3.28; Lc.7.18. Levaram a João um relato do trabalho de Cristo, da sua pregação e do seu efeito, dos seus milagres de cura e da admiração do povo. João, desde o seu nascimento cheio do Espírito Santo, tendo sido uma testemunha da revelação de Deus e estando totalmente convicto que Cristo era o Messias, Lc.3.15; Jo.1.15,26,33;3;28, não alimentava qualquer dúvida sobre Cristo e sua missão. Mas os poucos discípulos que ainda lhe aderiam não mostravam qualquer inclinação de deixá-lo e seguir ao Mestre maior. Por isso ele os enviou em delegação com uma pergunta que tinha estas claras palavras: És tu aquele que devia vir, ou devemos esperar outro? Para cada um que conhecia o Antigo Testamento, a referência era clara, Sl.40.7, e se destinava a abrir os olhos aos que tinham alguma dúvida. “Está certo que João faz a pergunta por causa dos seus discípulos. Pois, eles, até este ponto, não consideravam que Cristo fosse aquele em que deviam crer. E João não viera reunir discípulos e o povo a si, mas para preparar o caminho para Cristo e trazer todas as pessoas a Cristo, tornando-as súditos dele. ... Mas, quando Cristo começou a realizar milagres e muitos falavam dele, então João julgou que chegara o tempo de despedir de si os discípulos e leválos a Cristo, para que, após sua morte, não organizassem um seita herética e se tornassem os ‘joanitas’, mas que todos se agregassem a Cristo e se tornassem cristãos. Ele os enviou para que prendessem, doravante, não só do seu testemunho mas das próprias palavras e obras de Cristo, como sendo o homem do qual João havia falado.”1) A resposta de Jesus, V. 4) E Jesus, respondendo, disse-lhes: Ide, e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo; 5) Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho. 6) E bemaventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço. Jesus mostra uma bondade discreta no trato dos que lhe perguntaram: Nenhuma repreensão áspera pela sua lerdeza em reconhecê-lo; nenhuma resposta dogmática que pudesse causar ressentimento. Ele apela para o conhecimento deles e de seu mestre da profecia do Antigo Testamento sobre a obra característica do Messias. 1 ) 95) Lutero, 11.74-75;12.1019. Podiam acreditar nas evidências dos seus olhos e ouvidos: Os cegos recebiam a visão, os mancos andavam felizes em volta, os surdos recebiam a audição, os mortos eram ressuscitados, os pobres eram evangelizados, recebendo o boa nova de sua salvação pela pregação de Jesus, Is.35.4-6; 61.12; Ez. 36 e 37. Isto foi verdade literal e foi demonstrado, dia após dia, diante do povo. Mas, também era verdade no sentido espiritual, como sendo o cumprimento do reino do Messias: Os cegos tinham abertos os olhos de seu entendimento, Ef.1.18,19; os que coxeavam e os hesitantes davam passos firmes, Hb.12.12,13; os infectados com a impureza do pecado e todos os males espirituais sentiam o poder curador do evangelho, At.15.8; 1.Jo.1.9; aqueles cujos ouvidos haviam sido fechados pelas tradições dos homens eram sarados da sua enfermidade espiritual, Mt.13.16; os mortos em transgressões e pecados estavam experimentando a plenitude de vida, Ef.2.1,5; Cl.2.13. Por fim, tudo isto está resumida na última sentença. Notemos: Os discípulos de Cristo, em sua maioria, foram recrutados dentre os pobres, os fracos e dos inferiores do mundo, 1.Co.1.26-29. Mas a qualidade mais indispensável é a pobreza de alma, que desesperem em todas suas próprias riquezas em assuntos espirituais, e se apóiem unicamente sobre a misericordiosa graça e as riquezas inescrutáveis de Cristo, ap.3.17; 2;9; Ef.3.8. “Aos pobres é anunciada a promessa divina da plena graça e conforto, oferecidos e trazidos em e por meio de Cristo, a saber que todo aquele que crê terá perdoados todos os pecados, a lei foi cumprida, sua consciência foi livrada, e, finalmente, recebeu o dom da vida eterna. Haverá, acaso, alguma nova mais feliz que um coração pobre e miserável e uma consciência aflita possa ouvir? De que modo um coração se poderia tornar mais desafiador e corajoso do que por tais palavras e promessas confortadoras e ricas? Pecado, morte, inferno, mundo e diabo e todo o mal é desprezado, quando um coração pobre recebe e crê este conforto da promessa divina.Fazer ver os cegos e ressuscitar os mortos é, mais precisamente, algo simples, quando comparado à pregação do evangelho aos pobres. Por isso ele o coloca no fim, como sendo a maior e melhor destas obras”2) Há uma clara advertência na sentença f9inal de Cristo contra o ofender-se nele e em sua obra, que é dirigida àqueles que não se davam por satisfeitos com sua paciência, tolerância, cordialidade e simpatia, como mostradas em suas palavras e atos. “O homem natural dizia: Seria este o Cristo do qual a Escritura fala? Seria este aquele cujos sapatos João julgou ser indigno de desatar, sendo que eu, dificilmente, o julgaria digno de polir os meus sapatos? Na verdade, é misericórdia imensa não ofender-se em Cristo. Nesse assunto não há outro conselho nem ajuda do que olhar as obras e compará-las com a Escritura. Sem isso, é impossível impedir a ofensa. A forma, a aparência, o comportamento são humildes e desprezíveis demais”3). O Testemunho de Cristo a Respeito de João, Mt.11.7-19. V. 7) Então, em partindo eles, passou Jesus a dizer ao povo a respeito de João: Que saístes a ver no deserto? um caniço agitado pelo vento? 8) Sim, que saístes a ver? um homem vestido de roupas finas? Ora, os que vestem roupas finas assistem nos palácios reais 9) Mas, para que saístes? p ara ver um profeta? Sim, eu vos digo, e muito mais que profeta. 10) Este é de quem está escrito:Eis aí eu envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho diante de ti. O propósito desta instrução não foi restaurar a autoridade de João Batista, que, como parece, o próprio João colocou em risco com sua embaixada a Cristo, mas convencer o povo, em especial os escribas e fariseus, da sua inconsistência em aceitar João Batista como um profeta divinamente proposto e em rejeitar, ao mesmo tempo, a Cristo a quem ele sempre apontava. Um ponto importante: As excelências do caráter de João, como arauto, deviam servir, mesmo agora, para enfatizar sua mensagem. Pois, João não havia sido um caniço agitado pelo vento, segundo o modo dos pregadores que temperam a verdade para agradar à impertinência sensível dos ouvintes que seguem a moda, 2.Tm.4.3, que Lutero chama de “pregadores-caniço” que não arriscam a vida, a honra e o favor mais são guiados pelo que o povo deseja. João também não estava vestido de roupas macias, não usava sua influência, como, facilmente, o poderia ter feito, em seu próprio 2 3 ) 96) Lutero, 11.85; 12.1026. )97) Lutero, 11.88. interesse e benefício. Este é o privilégio dos que vivem nas casas dos reis. No caso deles não é questionável, podendo dizer-se, que seu posto, até, o exige. Mas, requinte, luxo e uma vida folgada não é o objetivo do verdadeiro servo de Deus, que não está acostumado a usar tais vestes finas. Porém, falando sério, se o assunto de tua pergunta é se ele foi um profeta, então estás correto. Pois, João foi um profeta e mais do que isto. Todos os profetas do Antigo Testamento apontaram para longe no futuro e contaram dum Messias cuja chegada estava bem distante. Mas João foi o arauto de Um que já estava em meio do povo. Em relação à pessoa deste é que ele dava testemunho.Ele foi o segundo e grande Elias, cuja tarefa de vida se constituiu no preparo do caminho ao Senhor, Ml.3.1. Ele foi o anjo, cuja mensagem consistia em preparar os corações das pessoas para o Salvador. A aplicação destas verdades, V. 11) Em verdade vos digo: Entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista; mas o menor no reino dos céus é maior do que ele. Cristo, em termos solenes, dá sua própria avaliação do valor de João Batista. Não somente não se havia erguido maior profeta do que João, mas em toda a humanidade não há quem se lhe aproxime na capacidade de render serviço tão útil ao reino de Deus. Mas, ainda assim, “aquele que, comparativamente, é menor no reino do céu, conforme o padrão deste reino, ou aquele que nele ocupa um lugar mais inferior, é maior do que João, no que diz respeito ao está de sua fé e vida espiritual”4 ). Cada discípulo humilde da nova dispensação é maior do que João Batista. Pois, João não viu o dia de Cristo. Sua carreira findou antes que Jesus entrou na sua glória. Dessa forma acontece que os filhos do pacto atual, que têm diante dos olhos a plenitude da profecia que é Cristo, crucificado e ressurreto, têm uma revelação ainda mais perfeita e uma luz ainda mais poderosa do que João. A conclusão, V. 12) Desde os dias de João Batista até agora o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele. 13) Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João. 14) E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir. 15) Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Desde o tempo em que João pregou sua mensagem de preparo, é possível tomar posse do reino do céu. Sim, os violentos, de fato, o apegam de mão impetuosa, com um verdadeiro agarrar. Toda esta ação foi um argumento convincente por causa da seriedade e do poder da mensagem de João. “ Os cobradores de imposto e os gentios, que os escribas e fariseus pensam não ter direito ao reino do Messias, tomados de santo zelo e sinceridade, se apossam logo da misericórdia oferecida no evangelho, e, desta forma, arrebatam o reino, como que à força, daqueles doutores ilustres que reivindicam para si os melhores lugares neste reino”5). É logo destacado o fato, que a nova era já começou com João Batista. A profecia falava sobre um reino que devia vir, mas a pregação de João se referia a um reino já efetivado na vinda de Jesus. Aqui já não havia mais profecia, mas comprimento: O Cristo estava aqui e revelado. Todos os tipos se encontram na vida de Jesus, Lc.16.16. Até João vigorou a lei. Ele se situa no limiar entre o antigo e o novo. Desde João o evangelho está em vigor. Ele é o antítipo de Elias. Este fato, talvez, pudesse parecer duro ao entendimento, mas, ainda assim, deviam tentar recebê-lo. Pois, esta é uma verdade que exige ouvidos inteligentes e atentos, que estão dispostos a aprender e a crer, bem como para ouvir. Uma censura séria aos judeus, V. 16) Mas, a quem hei de comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: 17) Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes. Com quem compararei esta raça, especialmente os fariseus e aquelas pessoas que seguem sua liderança e permitem ser influenciadas pela maneira de pensar deles? Jesus aponta para os meninos das ruas e praças, cheios de caprichos e obstinação, cujo egoísmo impede que entrem com o entusiasmo correto no espírito de qualquer brinquedo. Se os outros tocam flauta, negam alegrar-se. Se os outros tentam agradarlhes, imitando as lamentosas músicas funerais, não querem bater no peito nem mostrar qualquer 4 5 )98) Schaff, Commentary, Matthew, 206. )Clarke, Commentary, 5.129. luto. A ironia como que Cristo descreve o seu esporte preferido é ressaltada na língua original, falada por ele, onde inclui um jogo de palavras dançaram e lamentaram. A aplicação direta, V. 18) Pois veio João, que não comia nem bebia, e dizem: Tem demônio. 19) Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizem: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores! Mas a sabedoria é justificada por suas obras. É a prova para a acusação de que são infantis. Quando João Batistas levou uma vida austera, não comendo nem bebendo, mas restringindo seu alimento ao estritamente necessário para o sustento da vida, levantaram a suspeita que, certamente, deve estar louvo. O fariseu amava brincar de jejum e fazer o papel duma pessoa santa e abstêmia, mas suportava ao pregador sério e sincero. Na língua falada por Jesus, o contraste é muito forte: Veio João não comendo nem bebendo, - Veio o Filho do homem comendo e bebendo. Jesus, em seu comportamento exterior, de propósito, não se distinguia das pessoas comuns. Nunca defendeu nem praticou escetismo falso, que não passava de mera ostentação diante das pessoas. E o resultado foi: Eles, em furioso escândalo, apontaram-no com o dedo da zombaria. Que glutão, que bebedor de vinho, que ébrio! A crítica é dura, injusta e infantil, mas em total harmonia com o caráter dos fariseus. “Eles brincam de religião. Com toda sua aparente seriedade, tudo, na verdade, lhes é coisa de pouco valor. Também são volúveis, impertinentes, dados a furiosas acusações, ofendendo-se com facilidade. Estas são características que identificam aos fariseus. Eram grandes zelotes e cheios de severidade, mas não com sinceridade, mas ao contrário, odiavam a sinceridade, como pode ser visto nos dois casos de João e Jesus. Nada os satisfazia, se não somente seu próprio formalismo artificial”6 ). Até em nossos dias, esta geração perversa tem seus representantes sobre a terra. O mundo nada quer saber de João ou de Jesus. A pregação da lei, que é o arrependimento, machuca suas finas sensibilidades, mas o evangelho da plena graça e misericórdia em Cristo Jesus lhes agrada ainda menos. O conforto de Cristo é, sob tais circunstâncias, que a sabedoria é justificada em seus filhos, em suas obras, ou frutos. Este provérbio, tal como está posto, pode significar: Cristo, a Sabedoria em pessoa, Pr.8 e 9, foi obrigado a se justificar contra o veredito arbitrário daqueles que deviam ser seus filhos, mas se recusaram recebê-lo. Ou: A sabedoria de Deus, presente na pregação de João e incorporada na pessoa de Jesus, foi justificada e reconhecida, tendo recebido seu direito por meio dos filhos da sabedoria que são os que aceitam seus ensinos. É assim que a Sabedoria divina sempre encontra alguns discípulos e filhos que a recebem alegremente, e que são, por outro, instruídos no caminho da salvação pela graça. O Ai Sobre As Cidades Galiléias, Mt.11.20-24. V. 20) Passou, então, Jesus, a increpar as cidades nas quais ele operara numerosos milagres, pelo fato de não se terem arrependido. É desconhecida a ocasião histórica sobre a qual Jesus proferiu estas palavras. Talvez usou estas palavras em conexão de sua censura aos fariseus bem como em suas instruções aos setenta discípulos, Lc.10.13-15. Para evitar dificuldades desnecessárias, é coisa simples lembrar que Jesus, mais do que uma vez, julgou necessário e aproveitou a ocasião de dizer as mesmas coisas duas ou mais vezes. Aqui ele se sentiu obrigado para censurar, repreender seriamente as cidades da Galiléia, cujos habitantes haviam visto tantas evidências do seu divino poder, e em cujo meio haviam sido realizada a maioria de seus sinais e milagres na região norte. Haviam se maravilhado; haviam se enchido de estupefação e assombro; haviam louvado a glória manifestada de Deus; haviam-no proclamado um prodígio; haviam buscado ansiosamente seu auxílio para suas doenças; e o haviam aclamado como o salvador do corpo; - mas não se arrependeram e não havia uma mudança de mente e coração. Estavam ainda tão longe do reino de Deus como estiveram antes da vinda de Cristo. A maldição sobre Corazim e Betsaida, V. 21) Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza. Não é mera opinião pessoal que Cristo profere 6 ) 100) Expositor’s Greek Testament, 1.175. aqui, mas um juízo que se equivale inteiramente a uma maldição. Haviam rejeitado a ele e ao seu evangelho, e, desta forma, ele está compelido a pronunciar a sentença sobre eles: Desgraça, juízo, condenação! Corazim era uma cidade do lado oeste, na estrada de Cafarnaum para Tiro, e não longe do mar. Betsaida ficava do outro lado de Cafarnaum, junto ao lago, Mc.6.45; 8.22. Tiro e Sidom eram cidades gentias, tendo sido, muitas vezes, o alvo das maldições dos profetas, Is.23.1; Ez.26.2,3; 27.2; Zc.9.2; Jr.25.22; 27.3; Jl.3.9. Elas são tomadas como representantes de todo o mundo gentio, por sua oposição ao verdadeiro Deus, pela sua corrupção moral e por sua idolatria. O contraste é propositalmente claro: As cidades da Galiléia notavelmente abençoadas, desde tempos antigos, tanto material como espiritualmente. Seus habitantes eram membros do povo escolhido de Deus. Agora foram distinguidas, mais do que nunca, pela habitação de Cristo em seu meio com a revelação de sua glória, com oportunidades tais que nenhuma outra cidade, jamais, teve. Havia, por outro, as cidades gentias que só haviam sido visitadas ocasionalmente por algum profeta do Senhor. Quando maior a graça, tanto maior a responsabilidade. No dia do julgamento todas estas coisas serão tomadas em conta e a sentença será proferida de acordo, Lc.12.47,48; 13.34,35. Somente o arrependimento mais profundo e sincero, em pano de saco, com cinzas sobre a cabeça, em sinal de penitência, é aceito por Cristo. V. 23) Tu, Cafarnaum, te elevarás, porventura, até ao céu? Descerás até ao inferno; porque se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje. 24) Digo-vos, porém, que menos rigor haverá no dia do juízo para com a terra de Sodoma, do que para contigo. Cafarnaum era a metrópole comercial da parte norte da Palestina. Havia sido destacada e abençoada por Cristo, quando, durante seu ministério na Galiléia, fez nela o seu lar, e nela realizou alguns de seus milagres notáveis, e porque seus habitantes ouviram alguns de seus sermões mais vigorosos. Era cidade muitíssimo próspera, com os maiores privilégios espirituais. Mas seu povo, no todo, era muitíssimo antipático em relação a Cristo. Exaltada ao máximo – rebaixada ao máximo! Assim é a sua maldição. Pois, mesmo Sodoma, que representa a essência da sujeira e imoralidade bestial, teria respondido a tantas evidências especiais do amor e da misericórdia divina. No dia do julgamento, por isso, Sodoma será elevada sobre Cafarnaum. É coisa terrível desprezar a visita da graça de Deus. Todos aqueles que tiveram uma oportunidade para aprender a respeito de Cristo e sua obra, mas recusaram o arrependimento e a fé, receberão juízo mais severo no último dia e serão condenados à maior condenação, do que outros pecadores que não foram tão destacadamente abençoados com a revelação da verdade. O Chamado do Evangelho, Mt.11.25-30. Uma prece muito fervorosa de agradecimento, V. 25) Por aquele tempo exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. 26) Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. O objetivo final de toda a obra da salvação, em todos os seus vários ramos, é a glorificação de Deus. As coisas e mistérios do reino de Deus estão ocultos àqueles que, em seu próprio orgulho, se têm por sábios, e que acreditam que estão acima da revelação eterna da sabedoria de Deus em sua Palavra. Os escribas e fariseus de Israel consideravam-se os detentores do saber e do entendimento da lei em todas as suas aplicações. A eles o evangelho está oculto, porque ele, deliberadamente, fecham seus corações e mentes contra os seus encantos. Mas Deus revelou a glória do evangelho para as criancinhas, ou seja, àqueles que na sabedoria do mundo são tão ignorantes como as criancinhas. É necessário, para aquele que gostaria conhecer os encantos da mensagem de Deus a respeito da salvação das pessoas e de toda a Bíblia, pois ela contém esta mensagem, que ele se livre de quaisquer idéias preconcebidas sobre assuntos de moral e religião, e esteja pronto e ansioso para dar acolhida inquestionável a tudo o que Deus diz em sua Palavra, 2.Co.10.5,6. Cristo glorifica, por uma tal condição de alma dos crentes, seu Pai celeste, por cujo poder os corações são tornados preparados para receber, com toda a humildade, as Escrituras. Esta é a graciosa satisfação do Pai, mesmo que também redunda em sua glória, quando os orgulhosos e sábios deste mundo rejeitam a Palavra da graça. Tanto quanto concerne à Bíblia com suas verdades gloriosas e redentoras, em especial a verdade que um homem é salvo, não por obras, mas pela graça e fé somente, sempre deve ser o empenho desejoso de cada cristão, suportado pela força do alto, evitar a dúvida e a sabedoria do mundo que inspira a dúvida, e apresentar constantemente um coração que tem uma confiança e fé infantis em Jesus e seus méritos, e em todas as verdades reveladas da Escritura Sagrada. “Aqui há duas coisas sobre as quais Jesus se alegra. A primeira, que Deus ocultou tal mistério aos sábios e entendidos. A outra, que ele a revelou aos pequeninos, os simples, as criancinhas. Os filhos e as criancinhas são aqueles que não argumentam contra a Palavra de Deus, que não resmungam contra a vontade de Deus, mas estão plenamente satisfeitos com a maneira que ele os trata. Isto inclui todos aqueles que, em seu próprio conceito, não são sábios e entendidos, nem invadem com sua razão a Palavra de Deus.”7) Uma declaração majestosa, V. 27) Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Uma declaração de imenso alcance: Todas as coisas foram entregues ao poder de Cristo, também conforme sua natureza humana. Ele é o soberano despenseiro de todas as coisas, sendo que dele vêm todas as coisas e dons benfazejos, Mt.28.18. E a relação entre ele, mesmo de acordo com sua natureza humana, e seu Pai celeste é a mais íntima. Só ele conhece plenamente ao Pai tal como o Pai conhece completamente a seu Filho. Entre as duas pessoas da Divindade reina plena compreensão e perfeito entendimento, porque eles são um na essência. Todo aquele que reconhece, conhece e crê no Pai e no Filho, e no conselho salvador deles por meio do Filho, recebe este conhecimento e esta fé da parte do Filho, que revela Deus e seu amor ao mundo. Ele deseja e quer a salvação das pessoas. O convite gracioso, V. 28)Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. 29) Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. 30) Porque o meu jogo é suave e o meu fardo é leve. Homem nenhum podia ter dito estas palavras, tão cheias de majestade celeste e conforto divino. Cristo, a propósito, faz uso de muitas frases do Antigo Testamento, mas aplica-as todas as si mesmo, mostrando, deste modo, que todos os tipos se realizaram e cumpriram nele. Seu chamado, cheio de autoridade e de bondade, se dirige aos fadigados e oprimidos, aos pobres pecadores, cujo peso das transgressões os curva ao chão e que não encontram consolo ou alivio em qualquer coisa do mundo. Todos eles encontram nele repouso, alívio, nova vida, nova força, seja que seu fardo lhes tenha sido imposto por outros, ou imbecilmente assumido por eles mesmo. Em lugar desse peso que, tendo lhes sido imposto, os esmaga à condenação eterna, Cristo fornecerá outro, que é bem diferente, e que, por paradoxo, é, antes, um privilégio. Pois, este é o seu jugo, o jugo da cruz, que o cristão precisa carregar neste mundo, como seguidores que são daquele que por nós carregou sua cruz. Seu exemplo será um lembrete constante que sempre devemos ter em mente, para seguirmos sua brandura e humildade, os quais ele não ostentava externamente mas guardava em sua alma. Este peso obrigatório do cristão é peso aprazível e leve para ser erguido. Nele não há nada que seja constrangedor e opressivo, porque, numa última análise, é Ele que em amor carrega tanto a nós como aos nossos pesos. Ele dá descanso às nossas almas, que é aquele descanso e completa satisfação que nos vem pelo conhecimento do Salvador e de sua plena redenção, 2.Co.4.17;7;4; Rm.8.35. Longe de nos separar do amor de Deus em Cristo Jesus, a tribulação da vida presente, que é a cruz que carregamos por amor de nosso Senhor, une-nos ainda mais a ele com laços de valor eterno. “Os fiéis só olham pelo invisível e não visível. Eles, com fé simples e pura, aderem à Palavra. Também é verdade em relação às coisas temporais, como dissemos acima, que as coisas boas que recebemos de Deus, são mais importantes e excelentes do que possa ser qualquer infortúnio temporal. Mas isto é muito mais verdadeiro na igreja, onde ecoa esta palavra: Meu fardo é leve, a saber, para aqueles que crêem minhas palavras; e meu jugo é leve, a saber, se olhamos para Cristo, que prometeu dar-nos descanso, como ele próprio afiram: E achareis descanso para as vossas almas. Pois, estas palavras ‘encontrareis’ indicam que os piedosos, por algum tempo, estão sem descanso. Mas este tempo de turbulência é breve. O descanso das almas, porém, que os 7 ) 101) Lutero, 7.829. fiéis encontrarão, será sério e eterno”8). Este é o conforto final da promessa do evangelho: Resta um repouso para o povo de Deus, Hb.4.9. Resumo: João envia uma delegação a Cristo, que oferece a este a oportunidade de testemunhar a respeito do Batista e de sua própria obra. Jesus também pronuncia um ai sobre as cidades mais importantes da Galiléia e anuncia um majestoso convite evangélico. CAPITULO 12 O Senhor do Sábado, Mt.12.1-13. Os discípulos tinham fome, V. 1) Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Jesus pelas searas. Ora, estando os seus discípulos com fome entraram a colher espigas e a comer. Jesus, enquanto esteve envolvido em seu ministério na Galiléia, entrou em conflito com a observação do sábado por parte dos fariseus. Seus discípulos, acompanhando-o em sua caminhada, tiveram fome. No momento iam por um trilho que passava por uma lavoura de cereal que estava pronto para a ceifa. “Estes trilhos são, via de regra, muito irregulares. Nunca eram vistoriados e nem reparados. Eram, simplesmente e de acordo com costume imemorável, destinados ao uso público. Quando um dono de terra desejava cultivar grãos num campo, por onde passava um desses trilhos, ele lavrara a terra até à borda do trilho estreito e semeava o grão. Não havia cercas nem valar para separar o caminho do campo. Campos, cruzados por tais caminhos, são ainda muito comuns na Palestina. Foi por um desses caminhos que Jesus e seus discípulos caminhavam, quando estes no sábado apanharam espigas de trigo”9 ). Notemos: A lei permitia que uma pessoa faminta apanhasse espigas do campo de outra pessoa, para acalmar as pontadas de sua fome, Dt.23.25. Mas, o fato atual aconteceu num sábado, ou, como diz Lucas, no segundo sábado depois do primeiro, Lc.6.1, o que significa o primeiro sábado depois do segundo dia da Páscoa, quando era oferecido o feixe dos primeiros frutos da terra, Lv.23.10,11. Era assim e a partir deste dia, que os judeus calculavam o tempo até a festa das semanas ou pentecostes. Mal apenas, os discípulos haviam começado a colher espigas, quando se achou isto errado. A objeção dos fariseus, V. 2) Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado. Os maldosos farejadores do erro, deliberadamente, fizeram dum montículo uma montanha e interpretaram a ação com sua usual intolerância. O apanhar se tornou para eles um colher, e o esfregar coma as mãos para remover as cascas em seus olhos se tornou trilhar. Nem mesmo na interpretação mais severa da lei judaica, não havia ocorrido nenhuma ação errada. Mas os fariseus o interpretaram assim e se ofenderam, acusando, também, Cristo como um cúmplice porque permitiu este sacrilégio. A resposta de Cristo, V. 3) Mas Jesus lhes disse: Não lestes o que fez Davi quando ele e seus companheiros tiveram fome? 4) Como entrou na casa de Deus, e comeram os pães da proposição, os quais não lhe era lícito comer, nem a ele nem aos que com ele estavam, mas exclusivamente aos sacerdotes? 5) Ou não lestes na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado, e ficam sem culpa? Jesus tinha um modo muito desconcertante de citar as Escrituras aos seus inimigos, o que, via de regra, resultava na vexação e debandar envergonhado deles. Eles tem dois exemplos a dar: Davi, fugindo diante de Saul, chegou ao santuário do Senhor em Nobe, 1.Sm.21.1-6, onde o sacerdote Aimeleque lhe deu o pão sagrado ou o pão do favor de Deus, que estava na mesa do lugar sagrado. Estes pães consagrados só podiam ser comidos pelos sacerdotes, Lv.24.8,9, mas, ainda assim, Davi, que era o grande modelo da piedade judia, comeu com seus homens deste pão sacro. Por outro: Os sacerdotes, na realização regular de suas obrigações, sacrificando as ofertas queimadas nos cultos matutinos e vespertinos no dia do sábado, em termos técnicos, transgrediam a lei do sábado, que 8 9 ) 102) Lutero, 1.1343,1344. ) 103) Barton, Archeology and the Bible, 132. proibia todo e qualquer trabalho, e assim, caso se queira argumentar do ponto de vista dos fariseus, realmente profanavam o sábado. A aplicação do argumento, V. 6) Pois eu vos digo: Aqui está quem é maior que o templo. 7) Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não holocaustos, não teríeis condenado a inocentes. 8) Porque o Filho do homem é senhor do sábado. O argumento de Cristo não podia ser posto em dúvida. Ele, aqui, contudo, destaca os princípios envolvidos, para revelar a mesquinhez e dureza dos corações deles. Em primeiro lugar: Ele é maior do que a lei dos judeus e o templo. O que era permitido aos sacerdotes que serviam no templo, certamente, também devia ser concedido, como um direito, aos seus discípulos. E, mas: O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. A lei do amor, que é a lei maior, encontra aqui a sua aplicação, Os.6.6. Todos os sacrifícios, feitos na observação minuciosa da letra da lei, não podem ser colocados no mesmo nível com a misericórdia, com o amor, que é o cumprimento da lei. Um coração compreende a necessidade do próximo e alegremente ajuda na busca de tudo quanto é preciso, está envolvido numa forma mais elevada de culto, do que aquele que defende um legalismo rigoroso. E, finalmente: Cristo declara, com franqueza, que ele é o Senhor do sábado. Ele é o fundador da Nova Aliança. Todos os preceitos do Antigo Testamento, que dizem respeito a sacrifícios, sábado e festas, foram, tão somente, sombras de coisas que ainda deviam vir. Eles perderam sua força desde que Cristo foi revelado. Só a Palavra de Deus e a lei do amor imperam no Novo Testamento. A aplicação destes princípios, V. 9) Tendo Jesus partido dali, entrou na sinagoga deles. 10) Achava-se ali um homem que tinha uma das mãos ressequida; e eles então, com o intuito de acusá-lo, perguntaram a Jesus: É lícito curar no sábado? 11) Ao que lhes respondeu: Qual dentre vós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado esta cair numa cova, não fará todo o esforço, tirando-a dali? 12) Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha? Logo, é lícito fazer bem, aos sábados. 13) Então disse ao homem: Estende a tua mão. Estendeu-a, e ela ficou são como a outra. O ódio dos fariseus aumentava com cada nova derrota. Haviam recebido uma repreensão bem merecida, baseada nos fundamentos da Escritura, mas estavam determinados a mudar a admiração do povo numa suspeição e, depois, em oposição. Por isso fixaram seus planos para um outro sábado, Mc.3.2; Lc.6.6. Jesus, segundo seu costume, foi à sinagoga para ensinar. E lá, evidentemente de propósito, havia um homem com uma mão ressequida ou mirrada. Era um caso que poderia ser adiado até ao dia seguinte. Mas os fariseus estão tão afobados para provocar ao Senhor, que lhe colocam uma questão sobre a legalidade de curar em dia de sábado. Cristo responde com duas contra-perguntas, e com uma conclusão irresistível. Um homem que tem algum sentimento, vendo a miséria dum animal mudo, sem levarmos em conta que é propriedade sua, retira a ovelha da cisterna. Os próprios mestres deles, naquele tempo, tinham cláusulas que proviam para tais casos. Será que um homem não deveria receber tanta consideração como um animal? Os cânons deles permitiam fazer o bem no sábado. Por isso é correto curar. Cristo derrotou a autoridade dos fariseus, e os desafiou a oferecerem acusação contra ele. E o homem enfermo, obedecendo a ordem de Cristo, reconheceu sua autoridade e deixou de lado a dos líderes judeus. Uma marcante manifestação de fé, dum lado, e, do outro, um modelo de poder divino: O melhor cumprimento do sábado. A Inimizade dos Fariseus e a Resposta de Cristo, Mt.12.14-30. V. 14) Retirando-se, porém, os fariseus conspiraram contra ele, em como lhe tirariam a vida. Intimados por um momento e incapazes de formular uma resposta, a inveja e maldade deles, imediatamente, os leva à procura duma falta e tramar contra a vida do Senhor. Reuniram-se e consultaram uns com os outros, com o objetivo expresso de encontrar meios e maneiras para o matar. É a tanto que a hipocrisia pode rebaixar uma pessoa, que, até, a mais ultrajante insensibilidade e falta de misericórdia, e, inclusive, o ódio e a inimizade mortíferos, são ocultos em costumes piedosos e por um comportamento santimônio. Jesus se retira, V 15) mas Jesus, sabendo disto, afastou-se dali. Muitos o seguiram, e a todos ele curou, 16) advertindo-lhes, porém, que o não expusessem à publicidade; 17) para se cumprir o que foi dito por intermédio do profeta Isaías: 18) Eis aqui o meu servo, que escolhi, o meu amado, em quem a minha alma se compraz. Farei repousar sobre ele o meu Espírito, e ele anunciará juízo aos gentios. 19) Não contenderá, nem gritará, nem alguém ouvirá nas praças a sua voz. 20) Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega, até que faça vencedor o juízo. 21) E no seu nome esperarão os gentios. Ainda não havia chegado a hora de Jesus, em que seria entregue nas mãos de seus inimigos. Por isso ele deixou a cidade em que tivera o encontro com os fariseus. A fascinação de sua personalidade e de suas palavras ainda estava acesa no povo, que o havia seguido em multidões. E a sua compaixão salvadora se estendia nas mesmas manifestações miraculosas e obras de cura. Mas ele, mais do que nunca dantes, detestava e desencorajava qualquer publicidade, visto que isto, neste estágio, prejudicaria seu trabalho. Por isso, rogou-lhes de maneira quase ameaçadora que não expusessem. Quanto ao momento presente, queria cumprir seu ministério, por assim dizer, no anonimato. E nisso se cumpriu a profecia, Is.42.1-4. O Servo de Javé é o Messias, Jesus Cristo, que, de acordo com sua natureza humana, no batismo recebera o Espírito Santo, que naquela ocasião foi reconhecido como o Filho de Deus, cuja mensagem do evangelho devia ser a luz dos gentios até os confins da terra. Seu espírito não seria nem o da contenda, nem o da suave auto-propaganda. Esta é a maneira de pregadores que trazem seus nomes para a fachada mas esquecem o evangelho que foram enviados para pregar. Seu ministério espiritual seria tão amável, compassivo e gentil que aqueles que eram fracos e cuja fé estava a ponto de se apagar, podiam confiar em sua ajuda. A vara esmagada é amarrada com cuidado até que sua contusão esteja sarada: O cristão fraco recebe força do alto. A lâmpada da fé, que está prestes a se extinguir, receberá novo azeite do evangelho. O Messias, usando esta maneira de agir e por meio do evangelho, a levará à vitória sobre as forças de Satanás e da vaidade humana. E os próprios gentios, que, até o momento, estão longe dos testemunhos da promessa, aprenderão a confiar em seu nome. Os milagres de seu ofício profético são uma afirmação breve mas compreensiva a respeito da obra messiânica de Cristo. A cura dum endemoninhado, V. 22) Então lhe trouxeram um endemoninhado, cego e mudo; e ele o curou, passando o mudo a falar e a ver. Esta narrativa ilustra, com muita propriedade, o crescimento gradual da oposição, do ódio, da inimizade, da maldade e das calúnias que vinham dos fariseus. Foi trazido a Cristo um homem, ao qual o espírito do mal havia privado da visão e da fala, torturando-o, assim, com a perda destes sentidos. V. 23) E toda a multidão se admirava e dizia: É este, porventura, o Filho de Davi? As mentes ainda não haviam sido saturadas com o veneno da inimizade contra Cristo. As pessoas estavam francamente dominadas por esta maneira de o poder divino se evidenciar. E declaravam, publicamente, sua convicção que este homem, com toda certeza, deve ser o Filho de Davi, o Messias prometido, no qual, segundo a exortação dos profetas, deviam confiar. Mas, ainda, expressam alguma dúvida: Será que este é ele? Com certeza, disso já não pode haver mais dúvida. Os fariseus, que sempre estavam por perto, imediatamente, nutriram pensamentos amargos, V. 24) Mas os fariseus, ouvindo isto, murmuravam: Este não expele os demônios senão pelo poder de Belzebu, o maioral dos demônios. Este pensamento foi provocado pela franca expressão de admiração por parte do povo. Eles, aparentemente, não empalharam suas idéias para além de seu círculo, porque temiam a multidão. Mas, segundo seu costume, murmuraram e resmungaram entre si, acusando a Cristo de estar em união com o diabo, como já o disseram anteriormente, capítulo 9.4. Beelzebú, que significa deus das moscas, e Beelzebul, deus do esterco, originalmente eram nomes de ídolos, e pelos judeus eram aplicados ao diabo. Foi uma insulto inominável que, desta forma, cumularam sobre o Senhor. Cristo os chama a contas, V. 25) Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto, e toda cidade, ou casa, dividida contra si mesma, não subsistirá. 26) Se Satanás expele a Satanás, divido está contra si mesmo; como, pois, subsistirá o seu reino? 27) E, se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expulsam vossos filhos^Por isso eles mesmos serão os vossos juízes. 28) Se, porém, eu expulso os demônios, pelo Espírito de deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós. Cristo, não somente, conhecia os esforços dos fariseus para o difamar, mas, sendo ele quem penetra corações e mentes, conhecia com exatidão suas palavras. Por isso, mostra-lhes, imediatamente, a loucura de tais idéias, o absurdo das acusações e suas implicações. Bem assim, como é proverbial, que a falta de unidade e harmonia divide uma nação, e que, acontecendo o mesmo numa família ou comunidade, então foram cortadas as relações que são necessárias para que haja crescimento e prosperidade, assim também o mesmo verdade no reino de Satanás. Parece que há na expressão de Cristo oculta a implicação, de que tais loucuras, certas vezes, são cometidas por comunidades, sendo que guerras civis não eram fato desconhecido, ainda que a história, em muitos exemplos, mostra as suas conseqüências fatais. Satanás, porém, tão perverso como é, não é tão tolo assim. O pensamento, que Satanás posso tentar despejar Satanás ou algum dos diabos, é o cúmulo dos absurdos. Podem crer que ele é de inteligência bem mais astuta. Jesus reforça seu argumento, mostrando como a acusação contra ele condena-os. Os fariseus tinham filhos, ou discípulos, que treinavam para serem exorcistas, At.9.13,14, que tinham o costume de viajar pela terra tentando expelir demônios dos possessos. Usavam certos remédios, mas, especialmente, se fixavam em fórmulas mágicas em que o nome de Javé era usado expressamente. A referência a estas atuações bloqueou aos fariseus. Responder afora, condenaria a eles e sua própria prática. Foram silenciados, julgados e condenados pela sua própria crítica. Jesus, contudo, em seu sucesso extraordinário, expelindo demônios, demonstrou, sem deixar dúvida, que o Espírito de Deus estava do seu lado, e que o próprio Espírito que, em e por meio dele, trouxera-lhes o reino de Deus e se empenhava para implantar neles a fé. Outra ilustração, V.29) Ou, como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo? e então lhe saqueará a casa. 30) Quem não e por mim, é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha. Caso ainda não estejam convencidos, ele tentará firmar sua posição por meio de outro dizer parabólico. Cada demoníaco é um cativo de Satanás, estando, de corpo e alma, preso em seu poder, precisando fazer a vontade dele. Mas Cristo veio para destruir as obras do diabo, 1.Jo.3.8. E tem a vontade conquista a fortaleza do inimigo e arrebatar-lhe a presa. Jesus fez isto, não só nos casos individuais em que curou demoníacos, mas por meio de todo o seu viver, sofrer e morrer, por sua obediência ativa e passiva em favor de todas as pessoas. Ele conseguiu uma libertação completa do cativeiro do diabo. Com Cristo e em sua força – e só nele – está a vitória. Este fato dá ênfase à advertente afirmação quanto à seguinte alternativa: ou por ou contra Cristo. Não há algum terreno intermediário nesta decisão. Não há neutralidade nesta luta. Isto não se referia somente aos fariseus, cuja inimizade se tornava, dia a dia, mais evidente, mas, especialmente, se referia àqueles do povo que ainda estavam indecisos. As pessoas que se chamam neutras, que não querem opor-se francamente a Cristo mas que também não querem opor-se aos filhos do mundo e aos blasfemos inteligentes, são, em última análise, inimigos da obra de Cristo e barram a vinda do seu reino. Em lugar de juntarem com o Senhor da ceifa, sua indecisão e política vacilante danificam sua causa. O Pecado Contra o Espírito Santo, Mt.12.31-37. Uma advertência solene, V. 31) Por isso vos declaro: Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. 32) Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir. Os judeus vivam seu dia da graça com a manifestação da misericórdia de Deus, de um modo tal como jamais fora concedido a qualquer nação. O Espírito fazia o empenho mais gracioso para alcançar seus corações e mentes pela Palavra como Cristo e seus discípulos a pregavam. Mas, seus líderes e muitos do povo endureciam, deliberadamente, seus corações contra a influência da obra e mensagem de Cristo. Enquanto esta oposição e, até, blasfêmia provinham da ignorância e se dirigiam mais contra a pessoa de Cristo, poderia haver oportunidade e possibilidade de arrependimento. Tão logo, porém, que ocorre um blasfemar contra o Espírito Santo, então tudo mudou. Pois, isto significa que uma pessoa, realmente, admitiu e reconheceu Jesus como o Redentor do mundo, que ele tem a convicção de fé, e que foi incapaz de negar as provas. Mas, apesar destas provas e convicção, deliberadamente e de modo blasfemo, rejeita a obra do Espírito Santo para sua salvação. A frase: Nem neste mundo e nem no mundo do porvir, declara enfaticamente que o caráter peculiar deste pecado exclui todo e qualquer perdão. Já não há mais nenhuma esperança. Advertências semelhantes, V 33) Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou a árvore má e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. 34) Raça de víboras, como podeis falar coisas boas, sendo maus? porque a boca fala do que está cheio o coração. 35) O homem bom tira do tesouro bom coisas boas; mas o homem mau do mau tesouro tira coisas más. 36) Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia do juízo; 37) porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado. Estas palavras não mais descrevem o pecado contra o Espírito Santo, mas descrevem a conduta daqueles que podem estar no perigo de endurecer seus corações contra as benignas influências de Cristo e sua mensagem evangélica. É natureza duma boa árvore produzir bom fruto. É natureza duma árvore de má qualidade e arruinada dar frutos ruins e maus. Tudo depende do relacionamento com Cristo, para uma pessoa fazer obras boas ou más. Quanto aos que seguiam aos fariseus e o ódio deles e seus conseqüências, ele os chama geração de víboras. A maldade, a hipocrisia, o dolo das serpentes é sua característica marcante, Mt.3.7; Sl.140.3. João Batista e Cristo concordam em seu julgamento sobre eles. Mal satânico é tudo quanto se pode esperar duma raça moralmente sem esperança. O veneno de sua natureza precisa brotar na imundície, na malevolência e na inimizade de suas línguas. Um fato significativo: Em meio de sua mordaz denúncia, Jesus usa um provérbio que tem uma interpretação tanto boa como má. O coração, repleto de certas idéias, naturalmente, transborda nas palavras que expressam a condição do coração. Se o coração é uma caixa-forte do bem, de palavras e desejos edificantes, elas se esforçam em brotar em conversa amável e edificante. Mas se desejos pecaminosos se apossaram do coração, haverá explosões coléricas dirigidas contra todos os mandamentos, Mt.15.19; Mc.7.21. Isto não é coisa pequena: cada palavra inútil, vã, vazia e supérflua, dita sem necessidade ou sem o propósito de edificar, é assunto que Deus registra e que precisa ser respondido no juízo final. Pois a palavra, como os antigos gregos estavam acostumados a dizer, é a revelação da alma. Palavras são o indicador dum coração bom ou mau, dum coração que está firme na fé em Cristo e cheio de amor a ele, ou dum coração que nunca se preocupou com a vontade do Senhor, e é mau por pura inércia em relação ao que Cristo declarou por bom – a espécie mais pobre de descrença. O Sinal do Céu e uma Advertência, Mt. 12.38-45. Um pedido, V. 38) Então alguns escribas e fariseus replicaram: Mestre, queremos ver de tua parte algum sinal. A maneira enfática de falar, que Cristo havia empregado, talvez, não ficou sem influenciar alguns ouvintes. Alguns daqueles que ainda não eram blasfemos confessos, foram, talvez, suficientemente sinceros, quando lhe pediram alguma prova da autoridade messiânica para fazer tais afirmações. Contudo, o conjunto das coisas dificilmente permitirão uma interpretação tão caridosa. Ao contrário, aqueles que, faz pouco, haviam lançado a suspeição de influência satânica sobre Cristo, ressentiam-se do fato que ele estava assumindo em público uma autoridade de rei e de juiz. Rejeitaram a reivindicação de Cristo. Provavelmente, em franca zombaria, pediam por um sinal do céu para fortalecer suas reivindicações, que eles tinham como absurdas. A negação, V. 39) Ele, porém, respondeu: Uma geração má e adúltera pede uma sinal; mas nenhum sinal lhe será dado, senão o do profeta Jonas. 40) Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do homem estará três dias e três noites no coração da terra. Ele os chama uma geração má e adúltera. Enxergou seus corações e os julgou de acordo com o que viu. Ele sabia qual era seu objetivo quando lhe pediram um milagre, visto que não eram sinceros na busca da verdade. Em sentido espiritual, eram adúlteros, Is.23.17. Eram idólatras, visto que rejeitavam a ele, que era o Messias do mundo. Iriam aderir aos gentios no ato de sua condenação e crucificação. Na verdade, um sinal, um grande milagre seria dado a eles e ao mundo: Sua ressurreição, tipificada na história do profeta Jonas. A fé em sua ressurreição será, tanto para esta geração como para todas as gerações futuras, a pedra de toque pela qual os seguidores de Cristo serão distinguidos de seus inimigos. Jesus se refere aos tempo entre seu sepultamento e sua ressurreição, segundo a maneira dos judeus de calcular o tempo, em que qualquer dia parcial era contado como dia integral. Um advertente chamamento, V. 41) Ninivitas se levantarão no juízo com esta geração, e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem é maior do que Jonas. 42) A rainha do Sul se levantará no juízo com esta geração, e a condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é maior do que Salomão. A menção de Jonas traz consigo o pensamento que segue. Os ninivitas ouviram e acataram o chamado ao arrependimento, como Jonas o pregou, Jn.3.10. Ele só fora chamado por Deus a ser profeta, para levar esta mensagem, enquanto que aqui o Autor da mensagem estava em pessoa em meio dos judeus, e tanto ele como sua mensagem não foram acolhidos. Por isso, no dia do juízo, este povo gentio se erguerá em acusação contra a nação dos judeus e contra os seus chefes. Eles apresentarão uma acusação e denúncia formal, e lhes mostrarão serem culpados na rejeição de Cristo. Do mesmo modo, a grande rainha que foi ver Salomão e ouvir seu saber, 1.Rs.10, aparecerá no último dia diante do tribunal de Deus, e acrescentará seu testemunho ao dos ninivitas pela condenação dos judeus. Ela veio duma terra distante, da Arábia Fênix, para ouvir a sabedoria de um mero homem. Aqui, porém, a Sabedoria eterna do alto estava expondo o conselho eterno de Deus, e, ainda assim, essa geração rejeitou tanto ao Homem como à sua mensagem. Uma comparação, V.43) Quando o espírito imu8ndo sai do homem, anda por lugares áridos procurando repouso, porém não encontra. 44) Por isso diz: Voltarei para minha casa donde saí. E, tendo voltado, a encontra vazia, varrida e ornamentada. 45) Então vai, e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam ali; e o último estado daquele homem torna-se pior do que o primeiro. Assim também acontecerá a esta geração perversa. As palavras finais fornecem a chave da passagem inteira. As pessoas dessa geração eram quais demoníacos, dos quais os maus espíritos haviam sido expulsos. Tinham, agora, a sua oportunidade de se verem livres para sempre da influência do maligno. Caso continuassem a desprezar sua mensagem, experimentariam o mesmo que o homem, que ele descreve, experimentou. Os desertos são descritos como a habitação dos diabos, Jó 30.3; Ap.18.2; Lc.16.21. O espírito mau, banido para o ermo da desolação, mas sempre em busca dum lugar de repouso e não encontrando alívio para o tédio e a monotonia, resolve voltar à sua antiga habitação. A narração é dramática: Chegando, encontra-a vazia, varrida e enfeitada. A nenhum espírito bom fora permitido fazer lá sua morada. Todo o amor, ternura e todo e qualquer impulso bom haviam sido enxotados, e a vaidade, as ninharias exibidoras de comportamento e a loucura decoram o coração. Com tudo isto a dar coragem, o resultado se vê facilmente. O mau espírito escolhe sete sócios, todos eles moralmente mais depravados do que ele, e fazem dessa pessoa sua morada permanente. Essa é a condenável auto-sujeição daqueles que. deliberadamente, endurecem seus corações e rejeitam a Cristo e são propositalmente ímpios. O pecado deles é o pecado dos pecados. O destino, aqui descrito por Cristo, é aquele alcançará a todos quantos desprezam a visitação misericordiosa de Cristo em e por meio do seu evangelho. Estes são os que ouviram sua mensagem de amor, mas esqueceram e desprezaram seus dons. São, em sentido duplo, filhos da destruição, tanto por natureza como por escolha. Seu fim é a condenação. Os Parentes de Cristo, Mt.12. 46-50. V. 46) Falava ainda Jesus ao povo, e eis que sua mãe e seus irmãos estavam do lado de fora, procurando falar-lhe. 47) E alguém lhe disse: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar-te. 48) Porém ele respondeu ao que lhe trouxera o aviso: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? 49) E, estendendo a mão para os discípulos, disse: Eis minha mãe e meus irmãos. 50) Porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe. Esta interrupção não deve ser exposta, como se fosse uma futilidade ou, talvez, um desejo de interferir no trabalho do Senhor. Maria não aprendeu em vão a sua lição, Lc.2.49; Jo.2.4. E os outros parentes de Jesus, tenham sido seus primos ou meio-irmãos, ou mesmo irmãos verdadeiros, foram levados por Maria. Ocorreu, talvez, mais do que uma vez, que os amigos de Jesus estivessem temerosos que ele pudesse distrair-se por causa de sua demasiada aplicação para o pregar e curar, Mc.3.21. Jesus se aproveita da ocasião para dar uma lição, ao menos, para uma parte da multidão reunida. Afeição e parentesco naturais não podem interferir nas exigências supremas do dever. Pode ser preciso, em certas circunstâncias, por amor a Cristo e seu reino, negar todos os laços humanos, tal como Cristo o fez aqui. Com um gesto eloqüente e amplo, que incluiu seus discípulos que estavam com ele, deu sua definição. Aqueles, cujos corações estão presos em Cristo, cuja fé em Cristo os leva a reconhecer a verdadeira paternidade de Deus, e que os torna ansiosos para viver uma vida de serviço no fazer da Sua vontade, estão unidos a ele na união mais íntima possível. Cristo é para eles, de fato e de verdade, seu irmão e eles são, no sentido mais pleno da palavra, irmãos, irmãs e mães de Cristo. Este parentesco espiritual é a coisa mais maravilhosa e valiosa do mundo. Ele é, muitas vezes, aquele uma coisa que mantém de pé ao cristão, em meio à oposição e às provações destes últimos dias, pois o reconhecimento pleno será feito no céu. Sumário: Cristo se proclama Senhor do sábado, realiza um milagre em apoio deste preceito, defende-se contra as acusações de estar em pacto com o diabo, adverte contra o pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo e o endurecimento do coração, refere-se ao último sinal de sua ressurreição, e ensina o que significa ser seu parente. A Observância do Domingo “Pois é incorreto o pensamento dos que julgam que a observância do domingo, em lugar do sábado, foi instituída como necessária pela autoridade da igreja. Foi a Escritura que ab-rogou o sábado, e não a igreja. Porque depois de revelado o evangelho, pode-se omitir todas as cerimônias mosaicas. Contudo, visto que era necessário estabelecer um dia determinado, a fim de que o povo soubesse, quando se podia reunir, é manifesto que a igreja destinou o domingo para este fim, e parece que a solução agradou tanto mais por pela razão seguinte: terem os homens um exemplo de liberdade cristã e saberem que nem o sábado nem qualquer outro dia é observância necessária”10). “São Paulo e todo o Novo Testamento aboliram o sábado dos judeus, para que fosse palpável que o sábado só diz respeito aos judeus. Por isso não é necessário que os gentios guardem o sábado, mas esta foi só uma lei volumosa e severa para os judeus. Também os profetas citaram que o sábado devia ser abolido. Isaías diz no último capítulo, versículo 23: Quando vier o Mestre, haverá um tal tempo que uma luz nova seguirá à outra, e um sábado ao outro. É, como se ele dissesse: Cada dia será sábado, cada dia será luz nova. Desta forma, em no Novo Testamento o sábado já n~/ao existe mais na sua forma dura e externa. Pois este mandamento também tem um significado duplo, conforme os demais mandamentos, um extremo e um interno ou espiritual. Com os cristãos do Novo Testamento todos os dias são dias santos, e todos os dias são livres. Por isso Cristo diz: O Filho do homem até do sábado é Senhor, Mt.12.8. Paulo, por isso, em vários lugares admoesta os cristãos que não se deixem prender a dia algum: Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco, Gl.4.10,11. E, de modo ainda mais claro, aos colossenses: Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábado, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir, Cl.2.16,17; Rm.14.5. “Ainda que, agora, o sábado esteja abolido e as consciências estejam livres dele, ainda é bom e, até, necessário, observarmos um dia especial na semana, para nele usarmos, ouvirmos e aprendermos a Palavra de Deus. Pois, nem todos podem cuidar disso em cada dia. A natureza também exige que as pessoas descansem um dia da semana, e que tanto pessoas como animais se abstenham de trabalhar. Mas todo aquele que quisesse fazer do sábado um mandamento obrigatório, como sendo uma obra que Deus exige, esse deve guardar o sábado e não o domingo. 10 ) 104) AC. XXVIII.58-60 (Livro Concórdia). Pois o sábado e não o domingo é ordenado aos judeus. Os cristãos, contudo, até agora guardaram o domingo e não o sábado, levados pela razão, que Cristo ressuscitou no domingo. Esta é uma indicação certa, que o sábado e todo o Moisés (lei cerimonial) j´´a não mais nos diz respeito; a não ser que sejamos à força obrigados a guardar o sábado; e esta é uma prova grande e forte que o sábado está abolido. Pois, em todo o Novo Testamento não encontramos qualquer passagem em que a celebração do sábado seja ordenado a nós cristãos. “Por que, então, é o domingo observado pelos cristãos? Ainda que todos os dias estejam livres, e que um dia seja igual ao outro, ainda é útil e bom, sim, muito necessário que um dia seja celebrado, seja este o sábado, o domingo, ou qualquer outro. Pois, Deus deseja dirigir cuidadosamente o mundo e governá-lo de modo pacífico. Por isso ele deu seis dias para o trabalho, mas no sétimo dia, tanto escravos, diaristas e trabalhadores de qualquer espécie, sim, também cavalos, bois e outro gado de tração, devem descansar, conforme diz o sentido desta mandamento, para que pelo descanso possam encontrar recreação. E, acima de tudo, que os que em outras ocasiões não tiverem folga, possam ouvir o sermão no dia santificado, e com isso apreender a Deus. E, por tais razões, as saber, por causa da caridade e necessidade, permaneceu o domingo, não por motivo da lei de Moisés, mas por causa da nossa necessidade, que possamos descansar, e possamos aprender a Palavra de Deus.”11). CAPITULO 13 A Parábola do Semeador, Mt.13.1-23. V. 1) Naquele mesmo dia, saindo Jesus de casa, assentou-se à beira-mar; 2) e grandes multidões se reuniram perto dele, de modo que entrou num barco e se assentou; e toda a multidão estava em pé na praia. Ainda que, também neste capítulo, esteja evidente a sombra da incredulidade e hostilidade espiritual, ele, ainda assim, oferece um agradável alívio da densa situação do último encontro de Cristo com os fariseus. Na verdade, aconteceu naquele mesmo dia, mas sob condições totalmente diferentes. Notemos: Cristo, dificilmente, é, em qualquer ocasião, representado como alguém cansado. Era incansável em seus esforços pela salvação das pessoas. Ele nunca consentir que sua terna solicitude fosse omitida, quando surgia a oportunidade de fazer o bem. Deixando a casa onde ficava em Cafarnaum, foi à praia do lago, onde se assentou, provavelmente, para uma conversa confidencial com seus discípulos. Mas as habituais multidões se juntaram e o rodearam, tornando necessário que ele entrasse num barco, onde se assentou, enquanto as pessoas ocupavam o espaço entre o mar e a elevação de terra em direção ao oeste, como num anfiteatro natural. Seu poder e popularidade, como professor, ainda não haviam diminuído, apesar de todos os esforços dos fariseus, mas o próprio Cristo, como indicam suas parábolas, estava preparando uma mudança. O relato dum parábola, V.3) E muitas coisas lhes falou por parábolas, e dizia: Eis que o semeador saiu a semear. 4) E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e, vindo as aves a comeram.5) Outra parte caiu em solo rochoso onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra. 6) Saindo, porém o sol a queimou; e porque não tinha raiz, secou-se. 7) Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. 8) Outra, enfim, caiu em boa terra, e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um. Parábolas são narrativas de ficção duma comparação. E, como Jesus as empregava, ele fazia uso do que era familiar na natureza, na vida humana e nas experiências, para ensinar e tornar familiares os grandes fatos do seu reino em sua forma real e visível. Os do oriente, via de regra, gostavam de parábolas. Jesus, porém, além disso, tinha uma maneira muito eficiente para cativar a atenção de seus ouvintes, e de enfatizar na comparação os pontos importantes. A parábola do solo de quatro qualidades é um exemplo. Há um agricultor, um dono de casa, como os galileus estavam acostumados a ver, empenhado no semear 11 ) 105) Lutero, 3.1083-1085. suas sementes, não em sulcos mas no campo. Não podia ser evitado que alguma da semente caísse na trilha que, como era comum na Palestina, passava por seu campo. O resultado: Os grãos foram pisados e esmagados sob os pés. Pássaros, de todas as espécies, apanharam-nos como alimento bem-vindo. Outra parte das sementes se alojou no solo pedregoso, onde a rocha estava próxima da superfície, cobrindo-a somente uma fina camada de terra. O resultado foi: A rocha retém o calor que causa um germinar e brotar rápido, mas um, ainda mais rápido, ser queimado pelo sol, visto que as raízes não têm a chance de penetrar fundo na terra. Outros grãos caíram entre os espinhos, onde o arado, até, havia sido empregado mas não conseguira arrancar todas as raízes dos espinhos. O resultado: A erva daninha que era mais vigorosa, com sua folhagem densa, cortou o ar, a luz e a fertilidade das tenras hastes dos grãos, e as sufocou. Outras sementes, porém, caíram em solo bom, rico, argiloso, fofo, profundo e limpo, onde ela possuía adubo e luz solar na proporção certa, e pôde crescer e realizar as esperanças do dono de casa, concedendo um retorno rico ao seu trabalho. Em conclusão, Jesus exclama: V. 9) Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Esta é uma indicativa de que na história há um significado oculto, e que cada ouvinte devia encontrar este significado e aplica-lo de modo correto. Onde existe, por acaso, uma experiência similar na vida espiritual? Um pedido por explicação, V. 10) Então se aproximaram os discípulos, e lhe perguntaram: Por que lhes falas por parábolas? Os discípulos que estavam com Jesus, incluindo, certamente, alguns dos doze apóstolos, ainda estavam muito toscos em assuntos espirituais. Possuíam pouca compreensão do reino de Deus e da verdadeira razão e finalidade da missão de Cristo. Não estavam muito preocupados com o método de ensino, mas sobre a explicação da história. – A razão de falar em parábolas, V. 11) Ao que respondeu: Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido.12) Pois ao que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 13) Por isso lhes falo por parábolas; porque, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem entendem. 14) De sorte que neles se cumpre a profecia de Isaías: Ouvireis com os ouvidos, e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos e de nenhum modo percebereis. 15) Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados. Cristo divide seus ouvintes em duas classes. Mas, distante de expor em Deus uma dupla predestinação calvinista, faz uma distinção muito cuidadosa na explicação das diferentes posições em relação a ele e sua mensagem. A vós é dado, diz ele aos discípulos. Não é questão de maior inteligência ou dum valor moral maior, mas só é dom gracioso de Deus atravez do Espírito Santo. Através da sua ação, eles devem conhecer os mistérios do reino do céu, as verdades antes ocultas, mas agora reveladas e tornadas conhecidas para congregar almas ao reino que é a sua igreja. Este conhecer da salvação de suas almas foi dado aos discípulos e eles o receberam. O Espírito lho deu, para que, como diz Lutero, não só ouvissem e vissem, mas também entendessem com seus corações e cressem. E estas misericórdias deviam ser multiplicadas sobre eles. Sua compreensão dos maravilhosos mistérios de Deus e a posse deles devia crescer de dia a dia, dando-lhes, finalmente, uma rica abundância das misericórdias de Deus. Mas a outra classe não recebeu a mensagem de Cristo, por isso a eles nada mais se lhes dará. Aquele que carece de compreensão em coisas espirituais, esse se tornará, dia a dia, mais e mais pobre. Este é o juízo de Deus sobre as pessoas perversas, devido, unicamente, à culpa delas e à sua rejeição de Cristo e de sua compaixão. Isaías fora obrigado a chamá-las a contas, porque recusavam dobrar-se sob a mão de Deus, Is.6.9,10. Anunciara-lhes o juízo de Deus. Os olhos e os ouvidos destas pessoas podiam estar dispostos, mas o entendimento de suas almas se tornaria, com o passar do tempo, ainda mais indolente. Seus corações tornariam estúpidos, e teriam dificuldade sempre maior em ouvir a voz de Deus. Seus olhos ficariam cegos em relação à oferta da misericórdia de Deus. Este é o julgamento de Deus sobre este endurecer dos seus corações contra o evangelho da compaixão, cujo principal objetivo é salvar almas. Este juízo sobre Israel começou nos dias do profeta Isaías, e foi completado nos dias de Cristo e seus apóstolos. A grande maioria do povo de Israel, tanto da Judéia como da Galiléia, endureceram seus corações contra a Palavra e a obra de Cristo. E, assim, a pregação de Cristo, finalmente, se lhes tornou um aroma de morte para a morte, 2.Co.2.16. A bendição dos seguidores de Cristo, V. 16) Bem-aventurados, porém, os vossos olhos, porque vêem; e os vossos ouvidos, porque ouvem. 17) Pois em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram; e ouvir o que ouvis, e não ouviram. A felicidade plena e verdadeira é ter olhos e ouvidos que foram abertos pela benigna misericórdia de Jesus. Não só os membros externos dos corpos dos discípulos foram abençoados, por serem testemunhas do cumprimento do Antigo Testamento, de ver e estar em comunhão constante e íntima com aquele para o qual apontava toda a antiga aliança, a quem os profetas anelavam pertencer e as pessoas pias desde Eva e Jacó até Malaquias e Simeão, - mas os olhos do seu entendimento foram iluminados pelo Seu poder. Conheciam Jesus como seu Salvador, e se sentiam felizes neste conhecimento. A interpretação da parábola, V.18) Atendei vós, pois, à parábola do semeador. 19) A todos os que ouvem a palavra do reino, e não a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foi semeado no coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho 20) O que foi semeado em solo rochoso, esse é o que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; 21) mas não tem raiz em si mesmo, sendo antes de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza. 2) O que foi semeado entre os espinhos é o que ouve a palavra, porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera. 23) Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica, e produz a cem, a sessenta e a trinta por um. Ele coloca seus discípulos à parte e lhes diz: Vós, por isso, ouvi, e, ouvindo, aprendei a lição. A semente que é semeada no reino e com o propósito de vencer pelo reino, sempre é a mesma, é a Palavra de Deus, assim como também é o mesmo aquele que a semeia, seja isto pessoalmente, como aconteceu nos dias de sua carreira terrena, ou por meio de seus servos como acontece hoje. Mas, também há, em assuntos espirituais, quatro espécies diferentes de solo. Há alguns (e isto é verdade sobre todos que assim agem), que dão atenção fugidia à mensagem do reino. Entraram, de algum modo, em contato com a igreja. Alguma fase do trabalho da igreja bateu em sua imaginação. Não há, contudo, entendimento. Eles, literalmente, não a levam aos corações e mentes, e a Palavra nunca se torna num fator real em suas vidas. Neste caso o maligno, Satanás, encontra pouca dificuldade para arrebatar a verdade que apenas, mal e mal, haviam agarrado com sua inteligência, 2.Tm.4.4; 2.Ts.2.11. “Não nos parece ser perigoso ouvir a Palavra de Deus, e não guardá-la. Quem o faz, consideramos como pessoas más e desatentas, e pensamos que seja natural que eles ouvem o sermão mas o esquecem. Cristo, porém, julga aqui diferente e diz: O diabo tira a Palavra do coração destas pessoas. ... Por isso, quando vês uma pessoa que se dá o direito que se lhe fale pregue como se fosse a um tronco, e todo o esforço é como desferir golpes na água, ... então não pensa nada mais do que, que Satanás se alojou em seu coração e arrebata a semente, que é a Palavra de Deus, para que não creia e seja salvo”12). Uma outra classe de pessoas que são cristãos temporários, são caracterizadas pela avidez e aparente alegria com que aceitam a Palavra. Sua ansiosidade às vezes causa verdadeiro embaraço. Mas são criaturas vivazes, emotivas e rasas. Sua fé, ainda que genuína, não está suficientemente enraizada para resistir a desapontamentos, em especial, tribulações, suspeição, ódio, inimizade, e a resultante perseguição declarada ou escondida por causa da Palavra. Sua aceitação rápida da Palavra é só igualada pelo seu rápido ofender-se quando se lhes exige sofrer por causa de Cristo. Querem a coroa, mas não a cruz. O caso de outra classe não muito diferente. Dos adeptos desta classe se afirma que ouvem a Palavra, ao menos, com um aceitação intelectual. Seus corações não foram devidamente limpos das raízes dos cuidados e desejos do mundo. Não são sinceros em relação à Palavra, não a empregando para a purificação de seus corações. As preocupações e os cuidados desta mundo, o amor e desejo por riquezas, enchem seus corações e monopolizam sua atenção. Em seus corações não há real cristianismo. Somente a quarta classe de ouvintes apresenta um solo pronto para uma ceifa e fruto que agrada plenamente ao Senhor. Estes são os que ouvem e guardam a Palavra em corações delicados e bons. Neste caso o solo dos corações havia sido bem preparado pelo lavrar da lei, que, também, 12 ) 106) Lutero, 13.204,205. desarraigou todo o amor mundano e o dos cuidados do mundo, toda a vaidade e presunção. A seguir o Mestre semeou nele sua boa semente que é o evangelho da sua misericórdia, que também envia as fontes de sua graça e o sol de sua justiça. E, eis, que há bom fruto, mesmo que a medida dependa dos dons diferentes, da disposição e da capacidade de receber e propagar o reino de Deus. A Parábola do Joio e Outras, Mt.13.24-54. V. 24) Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo; 25) mas, enquanto os homens dormiam, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. A parábola se destina, é destinada, como um alimento espiritual, para a instrução da alma. O reino dos céus ou a igreja de Cristo, falando mais precisamente, inclui só aqueles que, sob sua direção, estão unidos pelos laços duma fé comum e sincera nele.c Mas, aqui, o Senhor descreve a igreja tal como ela se apresenta no mundo, e como nós de forma concreta lidamos com ela. Seu quadro é, novamente, buscado do trabalho dum lavrador. Um homem, certamente, só semeará, em seu campo, a melhor semente que consegue, caso quiser uma colheita farta e boa. Este foi também o costume deste dono de casa. Mas, enquanto os homens, isto significa qualquer homem honesto, dormiam, veio seu inimigo com alguma espécie de semente má, ou de algum trigo ruim, cujas hastes e espigas se parecem muito com grão verdadeiro (trigo bastardo ou joio), e, deliberada e maldosamente, semeou este semente de inço em meio ao trigo, de modo tão denso como se ainda nada tivesse sido semeado nele. Acabada sua ação vingativa, foi embora. Sabia que o dano, dificilmente, seria descoberto até que seria demasiado tarde para prevenir o problema. O resultado da trama, V. 26) E, quando a erva cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio. 27) Então, vindo os servos do dono da casa, lhe disseram: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio? 28) Ele, porém, lhes respondeu: Um inimigo fez isso. Mas os servos lhe perguntaram: Queres que vamos e arranquemos o joio? 29) Não! replicou ele, para que, ao separar o joio, não arranqueis também com ele o trigo. 30) Deixai-os crescer juntos até à colheita, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio, atai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro. O plano do inimigo, com certeza, procedeu duma esperteza diabólica. Pois, o ardil vingativo não se revelou antes que o campo começou a formar espigas e a madurar, e o trigo enganoso trouxe espigas em cada raminho. A surpresa dos trabalhadores se deve à extensão da área infestada de inço, e não devido a alguma semente ruim ou a um crescimento espontâneo. O dono de casa soube a razão: alguma pessoa inimiga era a causa única que poderia executar um plano tão perfeito para o prejudicar. Todavia, ele não concorda com o plano sugerido pelos trabalhadores, de saírem e arrancarem o trigo falso. Estando as raízes do joio entremeados com as do trigo, havia o perigo de arrancar a ambos. Antes, seu plano é esperar até que o trigo esteja maduro, e a atual preocupação já não mais exista. Os ceifeiros, facilmente, poderiam fazer a seleção correta, sendo, após, o joio atado em feixes para ser queimado, enquanto o trigo podia ser recolhido ao celeiro. Além da explicação dada pelo Senhor, há, nas palavras do dono de casa, uma lição que devia ser anotada com cuidado. “Conforme este exemplo, podes, agora, também ter uma idéia correta sobre a maneira em que nós devíamos agira contra o inço, que se chama doutrina falsa, ou as heresias e os falsos cristãos. É deles que o evangelho fala. Pois, na igreja as coisas acontecem em assim: Não podemos evitar que haja pessoas más em nosso meio, como sejam heréticos e sectários. Pois, se um é arrancado, o espírito mau desperta logo outros. Como, por isso, deverei agir? Devo eliminá-los mas não destruí-los. ... Como assim? Ora, faze como aqui o fez o grão. Que cresçam por algum tempo. Tão somente estejas certo de permanecer senhor em teu território. Tu que és pregador, pastor ou ouvinte, impede e evita-os, isto é, os heréticos e professores rebeldes, para que não cheguem a dirigir e governar. Deixa que resmunguem no canto, mas, quanto está em ti, não permitas que alcancem o púlpito e o altar. Não há outra maneira para os conter. Pois, se à força erradicasse a um deles, dois cresceriam em sue lugar. Deves, por isso, agir assim contra eles, contendo-os pela Palavra e a fé. Não permitas a ninguém roubar-te a fé genuína, a confissão e a vida cristã. Admoesta e repreende-os tanto quanto te for possível. Se isto não dá resultados, excomunga-os publicamente, para que cada um os possa considerar e evitar como inça perigoso”13). A parábola do grão de mostarda, V. 31) Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem tomou e plantou no seu campo; 32) o qual é, na verdade, a menor de todas as sementes, e, crescida, é maior do que as hortaliças, e se faz árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar-se nos seus ramos. Serviu-lhes, à escolha, alimento espiritual para sua instrução e edificação. O reino de Cristo é, em seu crescimento, semelhante a um grão de mostarda, cujo tamanho e aparência não deixam visualizar a força do seu crescimento nem do tamanho da erva quando adulta. Seja isto, quando se restringe a palavra àquela erva da horta ou se inclui a árvore da mostarda do oriente, a cujo tamanho desenvolvido os escritores judeus se referem com freqüência. Ela fica tão grande que as aves fazem ninhos sobre seus galhos. Parece quase incrível que uma semente tão pequenina possa produzir uma planta tão grande, a ponto de se parecer com u8ma árvore. Mas, bem assim, como Cristo aqui prediz, cresce o reino de Cristo desde o seu início tão pequeno até se estender por toda a terra., e se tornar um lugar de repouso e paz para as pessoas. Os poucos e desprezados discípulos, que Cristo reuniu ao seu redor, foram o núcleo da imensa igreja cristã, que nasceu e é mantida pelo poder do evangelho. A parábola da levedura, V. 33) Disse-lhes outra parábola: O reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até, ficar tudo levedado. Um pouco de levedura, de fermento, quando juntado à qualquer farinha de cereais, sob condições propícias, rapidamente, passará suas qualidades a toda a massa. Jesus, a propósito, usa uma grande quantidade de farinha, três satons ou seahs, diz ele, o que é igual a mais ou menos vinte e oito litros (ou sessenta quartilhos). O fermento pode ser oculto pelo amassar, mas não durará muito, e a sua força se manifestará, e toda a massa estará levedada. Assim a Palavra de Deus, que constrói o reino, também exerce seu poder fermentativo, tanto em indivíduos como em comunidades e nações.Ela tem a força inerente de mudar e de renovar o coração e a vida das pessoas e de adequá-las sempre mais para serem membros constantes do reino de Deus. Uma explicação do evangelista, V. 34) Todas estas coisas disse Jesus às multidões por parábolas, e sem parábola nada lhes dizia; 35) para que se cumprisse o que foi dito por intermédio do profeta: Abrirei em parábolas a minha boca; publicarei coisas ocultas desde a criação do mundo. Foi naquele tempo que Jesus empregou esta forma de ensinar, pelas razões que o evangelista indicou anteriormente, V.13. Aqui, mais outra profecia se cumpriu, Sl.78.2. Mas, ainda que a maioria dos que o ouviam não tinha mais o verdadeiro benefício espiritual das belas histórias que Jesus lhes contava, havia, ainda, uns poucos que entenderiam sua linguagem. Para estes os seus ensinos se tornaram, realmente, revelações, ou um tornar conhecido, das coisas maravilhosas de Deus, que, desde a fundação do mundo, haviam estado ocultas mas tornado conhecidas dentro do conselho de Deus. Aqui estão reveladas, de maneira simples e agradável, as belezas invisíveis e celestiais diante dos olhos dos iletrados discípulos, ainda que Cristo fosse obrigado, em especial no começo, a lhes abrir os olhos de seu entendimento. Jesus explica a parábola do joio, V.36) Então, despedindo as multidões foi Jesus para casa. E chegando-se a ele os seus discípulos, disseram: Explica-nos a parábola do joio do campo. 37) E ele respondeu: O que semeia a boa semente é o Filho do homem; 38) o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do reino; o joio são os filhos do maligno; 39) o inimigo que o semeou é o diabo; a ceifa é a consumação do século, e os ceifeiros são anjos. 40) Pois, assim como o joio é colhido e lançado ao fogo, assim será na consumação do século. 41) Mandará o Filho do homem os seus anjos que ajuntarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade, 42) e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes. 43) Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. A narrativa revela uma intimidade respeitosa por parte dos discípulos. Quando Jesus havia retornado para casa, 13 ) 107) Lutero, 12.1248,1249. eles não hesitam em pedir uma explicação, para que a parábola lhes fosse bem clara. Ele, mostrando muita paciência com eles, interpretou-lha ponto por ponto. O mundo imenso é a lavoura do Filho do homem, que aqui se apresenta como o Senhor da igreja. Suas sementes são os fiéis. Os infiéis são os filhos do diabo. A incredulidade destes ficará evidente no dia da colheita, mesmo que eles a ocultaram ardilosamente sob a cara da piedade.Seu nome é transgressores. Eles entravam o desenvolvimento da boa semente. São culpados dum comportamento que é contrário à lei, e de um deliberado ignorar das lei. Aos cristãos, estes fatos não deviam ser surpresa. “Cristo, não somente, fala sobre isto, mas, também, indica a razão donde vem esse lixo. Na igreja, onde a verdadeira semente está sendo semeada, isto é, onde a Palavra de Deus está sendo pregada em sua verdade e pureza, ainda existem tantos inços nocivos, tantos hipócritas e cristãos falsos. Ele indica isto, para nos prevenir da ofensa, que, do contrário, escandaliza o mundo todo e o leva a dizer que da pregação do evangelho não provém bem algum. ... Mas isto não é culpa da doutrina que é pura e sadia. Também não é culpa dos pregadores, que gostariam de ver que as pessoas são piedosas, e que nisso aplicam todo seu esforço. É, porém, culpa do inimigo ou do diabo, que age qual agricultor ou vizinho perverso. Quando as pessoas dormem e nem pensam em dano, ele não dorme mas vem e semeia joio na lavoura. O seguinte também é um ponto que é destacado na parábola que temos diante de nós, a saber, que o diabo se apossa dos corações que não prestam atenção à Palavra, e, assim, dia após dia, são mais distanciados dela, e permitem que o diabo os guie e dirija, segundo bem lhe aprouver, a tudo o que é pecado e vergonha”14). No dia do julgamento será procedida a separação: Os cristãos falsos receberão sua sentença e serão condenados às torturas do fogo do inferno, onde sua parte será choro e ranger de dentes. Mas aqueles que Cristo declarou justos, que diante dele são justos peloso méritos do Salvador, a quem aceitaram, - estes receberão o galardão de misericórdia. A glória deles será esplendor intenso e visível, semelhante ao do sol. Terão a plena percepção que Deus é seu Pai em Jesus Cristo, por quem são justificados diante dele, e receberam a adoção de filhos. Este é algo que se deve esperar em piedosa expectativa. A parábola do tesouro, V. 44) O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o tem, e compra aquele campo. Jesus, no caso presente, não está preocupado com os aspectos morais do fato, caso isto seja considerado. É uma narrativa que encontra seu paralelo em muitas ocasiões, tais como no descobrimento duma jazida de carvão ou de algum metal precioso. No caso presente, o tesouro sido oculto ou enterrado deliberadamente. Por acaso ou intencionalmente, um homem achou este tesouro. Estando consciente do seu grande valor, ocultou o que achara novamente. Quase não podendo conter-se de alegria sobre seu feliz achado, vai e vende toda sua propriedade e compra esse pedaço de terra. Que efeito vivaz no relato! A salvação ensinada no evangelho é semelhante a um tesouro tão rico, é semelhante a uma mina oculta, cujas veias correm em todas as direções das Escrituras Sagradas, sendo um tesouro de valor inestimável. “O ponto desta parábola é que o reino do céu ultrapassa qualquer valor, e que o homem que entende isto, com prazer, terá participação em tudo.” A parábola da pérola, V.45) O reino dos céus é também semelhante a um que negocia e procura boas pérolas; 46) e tendo achado uma pérola de grande valor, vendeu tudo o que possuía, e a comprou. Este negociante, sabendo que uma pérola perfeita, de tamanho grande, bem redonda, de brilho uniforme, em seu valor ultrapassaria centenas de pérolas pequenas e imperfeitas. Sendo esperto, foi à procura, para, se possível, achar uma pérola de valor tão raro. Tendo achado uma que lhe parecia excelentemente preciosa, arrisca tudo o que tem, emprega todas as suas posses neste um e grande valor de sua vida. A glória e o encanto da misericórdia de Deus no evangelho é tão grande e precioso, que, comparado com ele, tudo o mais se perde na insignificância. A pérola do cristão é a salvação em Cristo, que é o maior tesouro do reino de Deus. Aquele que chegou a conhecer esta pérola de grande valor, alegremente, renunciará todos os bens, todas as alegrias e todos os deleites deste mundo, e considerará toda sabedoria e justiça humana como perda, para ganhar a Cristo. 14 ) 108) Lutero, citado em Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 64. A parábola da rede, V. 47) O reino dos céus é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao Omar, recolhe peixes de toda espécie. 48) E, quando já está cheia, os pescadores arrastam-na para a praia e, assentados, escolhem os bons para os cestos, e os ruins deitam fora. 49) Assim será na consumação do século: Sairão os anjos e separarão os maus dentre os justos, 50) e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes. Esta parábola oferece um quadro que era muito familiar aos discípulos. Uma rede enorme, tal como as usadas nas pescarias de mar profundo, é lançada ao mar e apanha um grande número de várias espécies de peixes, bons e maus, comestíveis e não comestíveis. Embora a rede cheia seja arrastada à praia, o valor da pesca está nos peixes bons. Por isso, os demais peixes são cuidadosamente separados e atirados fora. Estes, de fato, nem foram contados como pescados. O reino do céu, assim como se manifesta na terra, é semelhante a uma tal rede. O trabalho da pregação do evangelho tem como resultado uma coleta externa daqueles que realmente são membros do reino e daqueles que, meramente, se parecem como membros mas que não aceitaram o evangelho. Estes últimos aumentam o tamanho da igreja mas não pertencem à sua essência. No dia final ocorrerá a separação, e classificação resultará na eterna condenação daqueles que meramente se fingiam de membros, mas que não se preocuparam com a fé e a salvação. Conclusão das parábolas, V. 51) Entendestes todas estas coisas? Responderam-lhe: Sim. 52) Então lhes disse: Por isso todo escriba versado no reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas. Os discípulos, como o auxílio das instruções que Cristo lhes dera anteriormente, foram, até certo ponto, capazes se seguir seu falar em parábolas e delas tirar as conclusões certas, e compreender a importância de sua correta aplicação. Satisfeito com estas evidências da parte deles, dá-lhes mais alguma instrução que se refere, em especial, ao seu trabalho futuro. Cada copiador e intérprete das Sagradas Escrituras, por isso, cada mestre cristão, porque ensinado por Deus nos mistérios do evangelho de Cristo e porque é um aluno no reino do céu e um discípulo de Cristo, é capaz de, livremente, repartir deste tesouro que lhe foi confiado. Será capaz de usar fatos, tipos e doutrinas antigas e familiares, para ilustrar as verdades do reino. Apresentará o antigo evangelho sob novas vestes e o aplicará às condições e à época em que trabalha, e será capaz de enfocar a aplicação ou interpretação mais minuciosa de passagens que, talvez, se tenham tornado corriqueiras pelo seu uso constante. Assim, como ele pessoalmente cresce em conhecimento, também auxilia seus ouvintes a crescer na graça e no conhecimento de Jesus Cristo, seu Salvador. A Visita a Nazaré, Mt.13.53-58. V. 53) Tendo Jesus proferido estas palavras, retirou-se dali. 54) E, chegando à sua terra, ensinava-os na sinagoga, de tal sorte que se maravilhavam, e diziam: Donde lhe vêm esta sabedoria e poderes miraculosos? 55) Não é este o filho do carpinteiro? não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? 56) Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isto? Jesus, neste ponto, concluiu esta série de parábolas. Seus discípulos, ao menos por algum tempo, se poderiam ocupar em absorver as grandes verdades espirituais que lhes dera a conhecer. Saiu de Cafarnaum. Literalmente, mudou-se. Vindo a Nazaré, sua antiga morada, ensinou seus antigos vizinhos na sinagoga deles. Esta foi, sem dúvida, uma segundo visita. Foi diferente da referida em Lc.6.16-30. Mas os efeitos foram pouquíssimo diferentes dos daquela. Seus ouvintes, a princípio, estavam muito admirados e pasmados. Estavam maravilhados com a sua sabedoria, seus poderes, sua habilidade em realizar milagres. Mas, num segundo momento, recordaram-se da sua juventude. Ele não é nada mais do que o filho dum carpinteiro, dum trabalhador em madeira. Conhecemos todos os membros de sua família. O texto fala muito vigorosamente, tanto dos irmãos como das irmãs naturais do Senhor. “Donde, pois” é uma expressão de desprezo. Julgavam-se conhecedores plenos de sua educação. Evidentemente, não compreenderam que, ao desprezarem um filho de sua terra, estavam condenando sua própria cidade e suas escolas. Era, como se dissessem: Ele, certamente, não aprendeu isto de nós! O comportamento de Cristo em meio a esta crise, V. 57) E escandalizavam-se nele. Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta sem honra senão na sua terra e na sua casa. 56) E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles. A ofensa que tomaram nele, desacreditou unicamente a eles. Foi seu orgulho e inveja que lhes causa sua destruição. Cristo, por isso, só lhes lembra o dito proverbial de que uma profeta está sem honra em sua própria casa. A impiedade deles magoou-o muito. Havia feito todos os esforços em favor deles, mas sua rejeição tornara inúteis quaisquer esforços futuros. O número de seus milagres reduziu-se muito, restringindo-se a casos excepcionais em que a fé era evidente. A descrença e o desprezo do povo de Nazaré expulsou Jesus do seu meio. Não reconheceram a visitação da graça de Deus. Resumo: Cristo ensina o povo, mas especialmente seus discípulos, por meio das parábolas das quatro espécies de solo, do trigo e do joio, do grão de mostarda, do tesouro oculto, da pérola de grande valor, da rede com peixes, do dono de casa, e faz uma visita a Nazaré, onde é rejeitado. CAPITULO 14 A Morte de João Batista, Mt.14.1-12. A fama de Jesus chega a Herodes, V. 1) Por aquele tempo ouviu o tetrarca Herodes a fama de Jesus, 2) e disse aos que o serviam: Este é João Batista; ele ressuscitou dos mortos e, por isso, nele operam forças miraculosas. Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande, foi tetrarca da Galiléia e Peréia, até 39 A.D. Igualava a seu pai em ambição, sagacidade política e em amor por esplendor. A nova cidade de Tiberíades, junto ao Mar da Galiléia, foi um monumento do seu gosto luxuoso. Foi nesse tempo que as notícias sobre Jesus alcançaram o palácio real. Herodes estava tão ocupado com seus esquemas políticos em Roma, com seus prazeres adúlteros e com seus planos ambiciosos em geral, que, dera pouca atenção para sua própria terra. Mas, bem recentemente, pelo que parece, fez de Tiberíades sua residência temporária. E, assim, ouviu de Jesus. Pois toda a terra falava dele. Herodes, imediatamente, concluiu que este deveria ser João Batista que ressuscitara e estava realizando milagres tão extraordinários. Estava claro, que a consciência de Herodes o estava afligindo, por causa do assassinato de João Batista, da qual ele fora o culpado. O relato da prisão de João, V. 3) Porque Herodes havendo prendido e atado a João, o metera no cárcere, por causa de Herodias, mulher de Filipe, seu irmão; 4) pois João lhe dizia: Não te é lícito possuí-la. 5) E, querendo matá-lo, temia o povo, porque o tinham como profeta. É uma narrativa lacônica duma sórdida baixeza! Herodes havia casado legalmente com a filha do rei Aretas da Arábia. E Herodias, sua sobrinha, filha de Aristóbulo e Rerenice, havia sido dada em casamento a Filipe, irmão de Herodes Antipas. Mas Herodes rejeitou sua mulher legítima e persuadiu Herodias a deixar seu esposo para viver com ele numa união adúltera, com o que a ambiciosa libertina logo concordou. Ela, do seu matrimônio legal, trouxe consigo uma filha, Salomé, que se igualava com a mãe em falta de vergonha. João não hesitara em chamar Herodes a contas pelo seu pecado hediondo. O governante adúltero, talvez, sentisse a correção da repreensão, e fosse disposto a desconsiderar a franqueza do pregador intrépido.Mas Herodias se ressentiu-se muito mais com o descrédito, precisando admitir sua cumplicidade. Herodes, por causa dela, mandou prender a João, amarrando e lançando-o na prisão. Enquanto isto, precisou enfrentar o exército de Aretas, que tomou sangrenta vingança contra Herodes pelo insulto causado à sua filha. Não tivessem os romanos interferido, Herodes poderia ter pago caro por seu atrevimento imoral. De qualquer maneira, Herodes estava indeciso, não sabendo se devia matar a João, como o exigia Herodias, ou soltá-lo, porque o povo acreditava que ele era um profeta, e ele próprio fora muito influenciado pela pregação de João, Mc.6.20. Sempre que chegava a Maquero, o caso lhe vinha à tona e o inquietava. A festa de aniversário, V. 6) Ora, tendo chegado o dia natalício de Herodes, dançou a filha de Herodias diante de todos e agradou a Herodes. 7) Pelo que prometeu, com juramentos, dar-lhe o que pedisse. 8) Então ela, instigada por sua mãe, disse: Dá-me, aqui, num prato, a cabeça de João Batista. Houve uma grande celebração de aniversário, com muito luxo e ostentação, estando convidadas as maiores autoridades militares e civis e os cidadãos mais proeminentes do país. Seguindo o costume oriental, houve muita comida e bebida, e muito entretenimento. A festa estava próxima do fi, com a maioria dos convidados já num estado de meia embriagues e o excitamento para a orgia no seu auge, quando algo que não estava no programa foi inserido pela astuta Herodias, com o objetivo de executar seu plano. Sua filha Salomé, inesperadamente, apareceu em meio à reunião festiva. Saltitando para o meio do salão, ela dançou de forma lasciva, tendo como propósito incitar as paixões sensuais. Herodes e seus hóspedes irromperam em repetidos e entusiasmados aplausos. Herodes, arrebatado pelos apelos sensuais da dança, se dispôs a retribuir generosamente a princesa, suportando sua proposta inicial com um juramento de lhe dar qualquer coisa que pedisse. Então o esquema se revelou. Pois a moça fora instruída, ou antes tão induzida, instigada e impelida e pressionada pelas exigências de sua mãe, a fazer o seguinte pedido medonho. No mesmo lugar onde, faz pouco, fizera sua exibição indecente, exigiu a cabeça de João Batista sobre uma grande bandeja. Foi assim que a perseguição vingativa de Herodias chegou ao cúmulo. “É assim que também hoje o fazem os hipócritas. Assassinam ao inocente, fingindo, entretanto, que isto deva ser feito porque o povo se recusa a permanecer com a igreja cristã. Muito bem: Persegues a Palavra de Deus, blasfemas seu santo nome, e matas ao inocente, e, depois, adornas-te, e dizes: Eu o fiz por causa da Palavra e do nome de Deus. Queres saber quem és? És um filho de Herodes; ele é teu pai.”15). A reação e o seu resultado, V. 9) Entristeceu-se o rei, mas por causa do juramento e dos que estavam com ele à mesa, determinou que lha dessem; 10) e deu ordens, e decapitou a João no cárcere. 11) Foi trazida a cabeça num prato, e dada à jovem, que a levou a sua mãe. 12) Então vieram os seus discípulos, levaram o corpo e o sepultaram; depois foram e anunciaram a Jesus. Ainda que Herodes, aqui por cortesia chamado rei, ficou triste, sendo tocado por um momento de sentimento de pena, e porque se conscientizou que desta vez foi logrado, mas, porque seus juramentos malucos, impensados e repetidos haviam sido ouvido pelos hóspedes,fez que o tirano covarde temeu a crítica deles. Suspirou, como num alívio. O adúltero se tornou também um assassino. E Herodias, em nada menos culpada, pôde celebrar seu triunfo, quando sua filha lhe trouxe a cabeça de João, decepada do corpo na prisão, numa bandeja. Foi uma sena tão horrenda no quarto da mãe, como fora na sala do banquete. A jovem foi, de fato, uma semelhança de sua mãe na depravação: Sua dança indecente e sensual é um paralelo de sua aceitação fria do presente horrível. O capítulo final da carreira de João é: Seus discípulos tomaram o corpo morto e o sepultaram. Depois disso informaram Jesus, com certeza, com a intenção de alertá-lo. As lições do relato são evidentes. “Este é, pois, o ponto mais importante que aprendamos duas coisas de João. A primeira é para os pregadores. Quem quer que esteja no ofício de pregador não deveria julgar cara sua vida, mas realizar a obra do seu chamado, e repreender de modo franco e sem medo tudo o que é ofensivo. Isto agrada a Deus, e com isto, como lemos no profeta Ezequiel, cada um salva a sua própria alma; pois, caso contrário, deve dar contas pelos pecados daqueles aos quais são repreende, como o devia fazer por força de ofício. ... O outro ponto não é para os pregadores, mas para todos os cristãos, para que aprendam, especialmente, deste exemplo, que Deus não está de modo perverso inclinado por nós, mesmo quando ele permite que sejamos perseguidos, quando estamos sob a cruz, e sofremos todas as angústias. ... Aquele que deseja estar no reino de Cristo, não deve temer a cruz e a morte. Pois, este é o testamento de Cristo o Senhor, e ele, Cristo mesmo, assim entrou no reino.”16). 15 16 ) 1)9) Lutero, 13.2730. ) 110) Lutero, 13.1164, 1165. O Alimento dos Cinco Mil, Mt.14.13-21. V. 13) Jesus, ouvindo isto, retirou-se dali num barco, para um lugar deserto, à parte; sabendo-o as multidões, vieram das cidades seguindo-o por terra. Notícia de morte e de desastre corre rápido. Herodes retornou de Maquero para Tiberíades. Mas a notícia de seu ato atroz havia alcançado a Galiléia antes dele. Sua consciência não o deixava em paz. Isto o levou a acreditar que João Batista tivesse ressuscitado da morte, aparecendo na pessoa deste Jesus. É o que ele contou aos seus palacianos. Jesus, neste meio tempo, julgou necessário, por várias razões, sair da vizinhança de Cafarnaum. Sua própria segurança, dificilmente, entrava em consideração. Nunca havia entrado em contacto pessoal com Herodes. Mas Cristo muito se comoveu com a notícia da morte de João. Sentiu a necessidade de se recolher a certo lugar por algum tempo. Os apóstolos também voltaram, por aquele tempo, da sua viagem, e precisavam de descanso, Mc.6.30,31. E, por último, a excitação do povo sobre a morte de João, facilmente, podia irromper numa crise, com resultados desastrosos para o ministério de Cristo. Assim, seguiu de navio com seus discípulos e escapou para um lugar ermo em Gaulanites, na vizinhança de Betsaida-Julias. Mas seu descanso foi de breve duração. Sua partida e a direção de seu barco haviam sido percebidas. Assim como a notícia se espalhou, multidões se reuniram e seguiram pela praia, carregando consigo os doentes e os fracos. A bondade de Jesus, V. 14) Desembarcando, viu Jesus uma grande multidão, compadeceuse dela e curou os seus enfermos. As multidões estavam tão ansiosas para virem a Jesus, que, até, se lhe adiantaram, Mc.6.33m chegando à margem leste antes que seu barco chegasse lá. Quando esteve pronto para desembarcar, estava reunida uma grande multidão. A visão muito o comoveu. Encheu-se de inexprimível ternura e preocupação, não só pelas fraquezas físicas dos doentes que foram colocados pelos amigos e parentes aos seus pés, mas pela miséria e necessidade espiritual de todas as pessoas da grande assembléia, das quais bem poucos, se os houve, estavam conscientes. Ele usava o tempo para ocupar com os muitos doentes que curava. Isto pode ter sido a cunha de entrada para dirigir algumas palavras de cura espiritual, de que os galileus tinham grande necessidade. A carência ameaçadora, V. 15) Ao cair da tarde, vieram os discípulos a Jesus, e lhe disseram: O lugar é deserto e vai adiantada a hora; despede, pois, as multidões para que, indo pelas aldeias, comprem para si o que comer. Na agitação de atender as curas, o tempo passou rápido. Antes que eles se apercebessem, o dia começava a declinar. O sol se punha por sobre o lago, quando os discípulos se sentiram obrigados a intervir. Estavam numa região não habitada, não exatamente um deserto mas n/ao havia cidades por perto. Declinando o dia, vem a noite. Por isso o povo precisava ser despedido, simplesmente, mandado para as povoações próximas na compra de alimento. Os discípulos parecem mais preocupados com seu próprio alívio e o descanso do Senhor, do que com as necessidades da multidão. O milagre, 16) Jesus, porém, lhes disse: Não precisam retirar-se, daí-lhes vós mesmos de comer. 17) Mas eles responderam: Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes. 18) Então ele disse: Trazei-mos. 19) E, tendo mandado que a multidão se assentasse sobre a relva, tomando os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos ao céu, os abençoou. Depois, tendo partido os pães, deu-os aos discípulos, e estes, às multidões. 20) Todos comeram e se fartaram; e dos pedaços que sobejaram recolheram ainda doze cestos cheios. 21) E os que comeram foram cerca de cinco mil homens, além de mulheres e crianças. Mateus traz somente um relato breve dos acontecimentos que levaram ao milagre. Os outros evangelistas trazem com grande vivacidade os dramáticos incidentes. O evidente desconforto dos discípulos se destacava num imenso contraste com a dignidade e calma do Senhor. Havia a multidão do povo, de pé e sentada pelo espaço, parecido com uma campina, perto da praia do lago. Havia o pequeno grupo de discípulos, com Cristo no centro, argumentando vividamente, e dizendo-lhe o que devia fazer. E ele, calmamente, revida, dando-lhes a ordem de providenciarem comida para a multidão. Ele aproveita a oportunidade para testar sua fé nele e no seu poder de ajudar. Eles fracassaram miseravelmente. Filipe, após fazer alguns cálculos, anuncia que eles não possuem dinheiro suficiente para comprar pão para todos. André complementa a informação, dizendo que só há disponíveis cinco pães e dois peixes. Em vista disso, é quase cômico o desamparo dos discípulos. Mas, agora, Cristo assume o comando da situação. Dá a ordem que a multidão se assente no ramado da campina, em conjuntos, facções ou grupos de cem e de cinqüenta, para facilitar a distribuição do alimento. A narração, neste ponto, se torna quase tosca em sua simplicidade. Tendo tomado o alimento e erguido seus olhos ao céu, ele pronunciou a bênção sobre os pás e os peixes. A seguir, dividindo-os, deu-os aos discípulos, que, por sua vez, os distribuíram pela multidão. Não é importante, se Jesus fez a oração de graças geralmente feita pelos judeus: “Bendito és tu, nosso Deus, Rei do universo, que da terra fazes provir pão”. Basta saber que sua bênção provocou ou acompanhou o milagre, fazendo que o alimento se multiplicasse em sua mão, assim que todos comeram, que todos tiveram sua abundância, sim, mais do que isso, que os pedaços sobejantes encheram totalmente doze daqueles cestos grandes que os judeus usavam. E tudo isto, apesar de o número dos que se assentaram para jantar, totalizasse cinco mil, sem incluir mulheres e crianças. Notemos: A conservação de alimentos sempre foi praticada lá onde foi falado aos cristãos a respeito deste milagre e eles ouviram do cuidado de Cristo sobre o guardar dos pedaços. “Quando nosso Senhor nos aparece assim através de sua bênção, então devíamos, tal como aqui ele o ordena aos apóstolos, juntar os pedaços, e não permitir que pereçam. Pois, bem assim como nossa razão, em tempos de necessidade, só quer calcular e não crer, assim, quando a bênção de Deus está presente em abundância, o mundo não consegue e não quer conformar-se a ela Alguns usam a bênção para o luxo.... Mas este não o significado dela. A bênção de Deus deve ser guardada e não esbanjada, mas reservada para a futura necessidade... Quando o Senhor nos pede recolher os pedaços que sobraram, não quer que isso seja entendido, como se devêssemos ser avarentos, mas que tu deves servir com eles ao teu próximo em tempo de preocupação, e para que, de modo mais fácil, possas ajudar aos pobres que estão em necessidade.”17). Cristo Anda Sobre o Mar, Mt.14.22-36. O começo da viagem, V. 22) Logo a seguir, compeliu Jesus os discípulos a embarcar e passar adiante dele para o outro lado, enquanto ele despedia as multidões. A narrativa faz supor que houve alguma indisposição dos discípulos, mas da parte de Cristo uma fortíssima urgência. Ele tinha suas razões que o levaram a querer permanecer sozinho mesmo que os discípulos temessem voltar sem sua proteção para a Galiléia. Sua ordem, porém, prevaleceu. Os discípulos embarcaram com o propósito de cruzar para o lado oeste, enquanto ele permaneceu para despedir o povo, o que não fácil, visto que o excitamento dos últimos dias, seguido por este vistoso milagre, havia levado o povo a uma expectativa muito forte. Cristo em oração, V. 23) E, despedidas as multidões, subiu ao monte, a fim de orar sozinho. Em caindo a tarde, lá estava ele, só. Um fato importante: Jesus, em meio ao trabalho mais dispersivo, sempre encontra tempo para orar e para apresentar a seu Pai celeste o grande trabalho que assumira, e para, em súplica sincera, pedir por força que o suportasse. Ele era um verdadeiro homem que sentia a necessidade de, por meio dum íntimo contacto com Deus, buscar conforto e força. Notemos igualmente: Ele havia despedido as multidões. Estava a sós de noite no mente, envolto na solidão e no silêncio, que ofereciam as melhores condições de abrir o coração ao Pai celeste. A angústia dos discípulos, V. 24) Entretanto, o barco já estava longe, a muitos estádios da terra, açoitado pelas ondas; porque o vento era contrário. Enquanto Cristo ficara para trás na praia para orar, o barco, aos poucos, vencia parte de seu caminho para Cafarnaum, o que devia ter conseguido em somente poucas horas. Mas o vento lhes era diretamente oposto, e com sua força agitava as águas com violência, tornando difícil uma navegação bem sucedida. Jesus, do alto do 17 ) 111) Lutero, 13.284,285. monte, sabia e enxergava a tudo isso. O olho de sua onisciência penetrou a escuridão da noite e vigiou sobra a frágil perícia deles, Mc.6.48. O milagre, V. 25) Na quarta vigília da noite, foi Jesus ter com eles, andando por sobre o mar. 26) E os discípulos, ao verem-no andando sobre as águas, ficaram aterrados, e exclamaram: É um fantasma! E, tomados de medo, gritaram. 27) Mas Jesus imediatamente lhes falou: Tende bom ânimo! sou eu. Não temais! Jesus passou quase a noite inteira em oração. E os discípulos haviam lutado quase a noite inteira para alcançar a margem oposta. Foi na quarta e última vigília da noite, ou seja entre três e seis horas da manhã, quando a escuridão já se dissolvia num cinzento amanhecer, que Jesus foi atrás deles, caminhando sobre as águas do mar, como o evangelista diz duas vezes. Os discípulos, dados à superstições, como acontecia com a maioria dos judeus, encheram-se do medo mais descontrolado, sendo que o medo de fantasmas, de aparições e espíritos era muito forte. Eles gritaram de medo. Mas a voz calma de Jesus lhes dá firmeza. Da mesma forma os fiéis, como diz Lutero, em meio às suas tribulações, não crêem que Deus é Deus, mas que ele seja uma aparição que vem para os apavorar e destruir, visto estarem envoltos em aflições. Mas ele sempre se lhes afirmará como o Senhor gracioso e misericordioso. A impetuosidade de Pedro, V. 28) Respondendo-lhe Pedro, disse: Se és tu, Senhor, mandame ir ter contigo, por sobre as águas. 29) E ele disse: Vem! E Pedro, descendo do barco, andou por sobre as águas e foi ter com Jesus. 30) Reparando, porém, na força do vento, teve medo; e, começando a submergir, gritou: Salva-me, Senhor! 31) E, prontamente, Jesus, estendendo a mão, tomou-o e lhe disse: Homem de pequena fé, por que duvidaste? Pedro sempre foi impetuoso, sempre mais rápido para agir do que para pensar. A voz do Senhor encheu-o de tal coragem, que se tornou quase imprudente. Foi a voz da felicidade da fé que o fez clamar ao Senhor. Queria ser o primeiro que com a mão tocasse o Senhor. E, seguindo o convite confiante de Cristo, ele, realmente, saiu do barco e caminhou sobre a água em direção a Jesus. Enquanto os olhos de sua fé, como também seus olhos físicos, estavam dirigidos para seu Senhor e Mestre, tudo ia bem. Mas uma golfada forte e incomum de vento, e uma onda excepcionalmente alta, levaram-no a gaguejar de medo. Sua fé vacilou. Ele começou a afundar. Não mais confiava na palavra confiante que lhe fora dirigida. Em sua situação crítica, porém, clamou ao Mestre, que ele ainda conhece como o Senhor do universo. E a bondade paciente do Senhor o salva. Rápido, pegou-o e o ergueu sobre a água. Mas, não, sem repreendê-lo por sua fraqueza de fé, que o havia levado a duvidar no momento crítico. O Senhor tem paciência com a fraqueza dos que estão com ele. Ele ouve seus gritos. Ele os sustém, com seu braço forte, até mesmo, na hora da morte. O efeito do milagre, V. 32) Subindo ambos para o barco, cessou o vento. 33) E os que estavam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus! Cristo é o Senhor supremo e absoluto dos elementos. No caso presente, o vento cessou logo, não de modo gradual mas de repente, quando Jesus e Pedro subiram ao barco. Não é de admirar que todos os que estavam no barco, não só os discípulos mas todos os passageiros, o adoraram, dando-lhe espontaneamente a glória e a honra como sendo o Filho de Deus. Foi assim que sua fé, gradualmente, ficou mais forte, e eles cresceram no conhecimento de seu Senhor. Será bem assim que crescerão todos quantos estão em contacto diário e íntimo com ele, e com ele conversam em sua Palavra. Chegada segura, V. 34) Então, estando já na outra banda, chegaram a terra, em Genesaré. 35) Reconhecendo-o os homens daquela terra, mandaram avisar a toda a circunvizinhança, e trouxeram-lhe todos os enfermos; 36) e lhe rogavam que ao menos pudessem tocar na orla da sua veste. E todos os que tocaram, ficaram sãos. A distância que os separava da margem foi coberta num curto espaço de tempo, Jo.6.21. Tanto o espaço como o tempo estão no controle desse homem, a quem foi dada a plenitude do poder divino. Atracaram no distrito de Genesaré, uma planície rica de umas quatro milhas de comprimento por duas de largura. Logo que Jesus foi reconhecido por alguns dos nativos, espalharam a notícia em todas as direções, assim que se repetiram os dias anteriores. De todos os lados vinham aqueles que lhe levavam pacientes com todas as formas e estágios de doenças. Estavam tão convictos do seu poder de operar milagres, que pediam licença de, ao menos, tocar a bainha ou franja das vestes que usava, segundo a maneira dos judeus, cf. capítulo 9.20. Julgavam que um mero toque bastava, na hora em que ele passava. E não se desapontaram. Pois, o toque da fé traz uma cura imediata e completa. Bem assim, todos os que confiam no poder de Deus na Palavra, ainda que, deste modo, só toquem a bainha de suas vestes, terão seus pecados perdoados pelos méritos de seu Redentor. Sumário: Jesus, depois de ouvir da execução de João Batista, que o evangelista relata, cruza o Mar da Galiléia, alimenta cinco mil, passa grande parte da noite em oração, caminha sobre o mar, e realiza milagres de cura no distrito de Genesaré. CAPITULO 15 Lições Sobre a Contaminação, Mt. 15.1-20. Os fariseus fazem uma objeção, V. 1) Então vieram de Jerusalém a Jesus alguns fariseus e escribas, e perguntaram: 2) Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos, quando comem. Então, isto é, quando os fariseus estavam tão zangados que se reuniram em conselho para o aniquilar. O movimento (de Jesus) se estendia para além do controle deles, e o entusiasmo popular continuava em alta. Eles começaram a se conscientizar que não lidavam com qualquer pessoa comum. Foi assim que sua hostilidade os levou a dar apoio aos fariseus da Galiléia, enviando homens doutos da metrópole. Pois Jerusalém era a fortaleza do legalismo mais severo entre os judeus. O objetivo da delegação foi desacreditar Jesus, acusando-o de ser descuidado e frouxo com seus discípulos e com a guarda dos preceitos dos anciãos judeus. Mesmo durante o cativeiro babilônico, mas, especialmente, desde o tempo de Esdras, a interpretação ou explicação da lei, feita pelos grandes rabis dos judeus, cresceu gradualmente num grande corpo de preceitos, adicionados aos livros do Antigo Testamento. A Mishna, como foi chamada, recebeu, anos mais tarde, mais adições na, assim chamada, Gemara, sendo tudo incorporado no Talmude que é o livro de religião dos judeus de hoje. Estas leis e preceitos adicionais governam os mínimos detalhes da vida diária, colocando desta forma, um fardo insuportável sobre o judeu em geral. Os rabis e anciãos locais da sinagoga deviam ensinar todos estes preceitos e insistir sobre o seu cumprimento mais rígido. Qualquer quebra destes regulamentos rabínicos era equiparado à quebra das mais importantes leis morais. A tradição, até então, não estava escrita. Era a “lei dos lábios”. Mas sua autoridade é tanto maior, quanto mais antigo era o ancião que a disse pela primeira vez. Notemos: Não é a maneira anti-higiênica ou antiestética de se achegar das refeições, tendo as mãos sujas, que é atacada. Na opinião dos fariseus, éo o ato de impiedade monstruosa, que é uma quebra das sacras tradições religiosas, da qual os discípulos eram culpados. Por causa desse ato, excomungavam a pessoa da sinagoga. Sua pergunta, pois, implicava que também Jesus era culpado, permitindo este sacrilégio. A resposta de Cristo, V. 3) Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? 4) Porque Deus ordenou: Honra a teu pai e a tua mãe – e: Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe, seja punido de morte. 5) Mas vós dizeis: Se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: É oferta ao Senhor aquilo que poderias aproveitar de mim; 6) esse jamais honrará a seu pai ou a sua mãe. E assim invalidastes a palavra de Deus, por causa da vossa tradição. A refutação coloca, imediatamente, o problema sob a luz apropriada. Cristo se torna o acusador, e os fariseus e escribas os culpados. Ele, de fato, diz: Que vossa acusação fique, por ora; admito, com satisfação, que a tradição dos homens é transgredida em nosso círculo. Mas aqui há um problema muito mais sério. A escolha está entre os verdadeiros mandamentos de Deus e os preceitos de vossos mestres; e a vossa escolha é a errada. O contraste é enfático e correto: O mandamento de Deus – vossa tradição. A lei de Deus, a que Jesus se refere, era clara e inconfundível, Ex. 21.17; Lv.20.9; Dt.27.16. Vossa exigência é um mero dito de homens, que deve ser condenado completamente, porque resulta em colocar de lado a lei de Deus. Os fariseus permitiam que filhos em casa dissessem a palavra “corbã”, Mc.7.11, com o que se supunha que estavam absolvidos de suas obrigações filiais. As palavras expressam literalmente: Aquele que diz a seu pai ou mãe: Seja um sacrifício o que desejais de mim como auxílio ou benefício. De acordo com a tradição, isto escusava os filhos de socorrer seus pais com dinheiro, bens, ganhos ou com qualquer outra assistência material. Isto significava que os filhos queriam dar este dinheiro ou dom como sacrifício a Deus, ainda que, muitas vezes, até, isto era omitido. O argumento de Cristo é: Mesmo a honesta defesa de obrigações, feitas anteriormente a Deus, não eximirá um filho quando negligenciou seus deveres para com seus pais, muito menos será ele escusado quando feito na maneira costumeira, despreocupada, impiedosa e profana em que este expediente era entendido. Assim, os mestres judeus eram culpados diante de Deus, também conforme o Antigo Testamento, Pr.28.24. Pois, deste jeito, os filhos, apoiados neste costume, eram dispensados, até, das verdadeiras obras de amor. “Pois a discussão com os fariseus, realmente, consistiu nisso, se era melhor dar presentes aos pais ou dar sacrifícios aos sacerdotes. Eles afirmavam que o sacrificar era melhor. Ensinavam que a honra devida aos pais era mera cerimônia, a saber, curvar a cabeça, erguer-se com sua presença e sendo respeitoso para com eles no comportamento exterior.... ‘Corbã’ significa um dom ou sacrifício a Deus. É, como se um filho dissesse: Deveria dá-lo com satisfação a ti, mas o que farei? Agora já não mais me pertence mas é dado a Deus. Desta forma o nome de Deus precisa servir de pretexto para toda esta blasfêmia e maldade vergonhosas. É como se Deus tivesse tirado do pai o que este deveria receber do filho”18). Os fariseus e escribas, com certeza, haviam invalidado, e estavam no costume constante de desprezar, a lei de Deus em favor de suas miseráveis tradições. Cristo comprova seu ataque, V. 7) Hipócritas! bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: 8) Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 9) E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Cristo fala sem rodeios. O fingimento e dolo deles e o seu raso agir religioso precisam ser assim caracterizados. O que o Senhor havia dito da hipocrisia dos judeus no tempo de Isaías, cap. 29.13; Ez.33.31; Is.1.1-5, se aplica, de maneira máxima, aos escribas e fariseus. Um mero culto de lábios é uma abominação ao Senhor. Em seus corações não há fé e nem verdadeiro amor. Sua suposta ortodoxia é uma alucinação. Toda sua religião é vazia. As imposições que impunham às pessoas, sem a autorização da Escritura, só deram em sua própria condenação, Sl.4.2. “ Destas palavras de Cristo podes tirar fortes conclusões. Primeiro: Tudo o que é feito sem a Palavra de Deus, é idolatria. Segundo: Tudo o que é feito conforme a Palavra de Deus é verdadeiro culto a Deus. Terceiro, também: Tudo o que é feito sem fé, é pecado. Quarto: Tudo o que é feito na fé é uma boa obra, pois a Palavra e a fé estão indissoluvelmente unidas, como no santo matrimônio... Também dizemos que os fariseus são hipócritas e falsos alunos de Moisés, porque asseveravam que se, tão só, cumpriam as cerimônias externamente, iriam, por causa da mera obra, obter justiça diante de Deus. Moisés, certamente, não quer isso. Mas as cerimônias deviam ser exercícios dos fiéis, que previamente eram justos pela fé, e que, procedendo assim, guardavam o maior dos mandamentos, que é o primeiro. Além disso, o povo reprovado devia, por disciplina externa, ser refreado e separado dos gentios. Este é o significado de Moisés, caso se o compreenda corretamente”19). Cristo apela ao povo, V. 10) E, tendo convocado a multidão, lhes disse: Ouvi e entendei: 11) Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem. Ele havia sido atacado publicamente pelos fariseus, por isso, também se defendeu publicamente. Há uma nítida conexão deste dizer parabólico com o assunto em disputa. Isto eles deviam notar atentamente e procurar entendê-lo. Ele se refere à contaminação moral, a impureza da alma. O que ele caracteriza é que a limpeza ou poluição física não afeta a alma, mas a poluição moral certamente mancha tanto a alma como o caráter. “Este contraste sutil e agradável, ‘entra’ e ‘sai’ é encantador. É como se ele dissesse: Oh! O que se preocupam eles com comida e bebida, ou com o que entra pela boca? Que antes prestem atenção ao que sai da boca. É disso que 18 19 ) 112) Lutero, 7.244,246. ) 113( Lutero, 7.24.8,254. devemos cuidar. O que entra pela boca, isso não corrompe; mas o que sai da boca, isso corrompe. Oh! são hipócritas detestáveis, que se preocupam em não serem corrompidos por aquelas coisas que entram na boca (que todas são criatura de Deus); por que não cuidam, antes, do que sai da boca, que são obras do diabo.”20) Os fariseus se ofendem, V. 12) Então, aproximando-se dele os discípulos, disseram: Sabes que os fariseus, ouvindo a tua palavra, se escandalizaram? 13) Ele, porém, respondeu: Toda planta que meu Pai celestial não plantou, será arrancada. 14) Deixai-os: são cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco. Os discípulos relatam ao Senhor a impressão que sua parábola, dita ao povo, fizera sobre os fariseus. Estes últimos estavam muitíssimo escandalizados e horrorizados, em parte por causa do apelo que fizera à multidão, em parte pelo alvo do relato que, sentiram, era dirigido contra eles. Jesus pouco se preocupa com o que eles sentem. Todas as plantas que Deus não plantou, que, em suas raízes e viver pela fé, não crescem segundo a sua vontade, são supérfluas. Degeneram de plantas cultivadas para o de inço que precisa ser arrancado. Deus está o mais intimamente possível unido com os que lhe pertencem, mas só com estes. Toda e qualquer doutrina inventada pelos homens não subsistirá no seu juízo. E cada fomentador de doutrina falsa é atingido neste desarraigar e destruir de sua falsa produção. Não existe compromisso. Por isso, ficai longe deles, dos fariseus e anciãos que tentam impor suas doutrinas de fabricação humana aos seus ouvintes. Eles próprios são cegos em assuntos espirituais. E cegaram a maioria do povo e levarão à cegueira espiritual todos quantos seguem seus ensinos. Assim que o fim de ambos será a destruição, e a morte moral e espiritual. Jesus expõe a parábola, V. 15) Então lhe disse Pedro: Explica-nos a parábola. 16) Jesus, porém, disse: Também vós não entendeis ainda? 17) Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e depois é lançado em lugar escuso? 18) Mas o que sai da boca, vem do coração, e é isso que contamina o homem. 19) Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. 20) São estas as coisas que contaminam o homem; mas o comer sem lavar as mãos, não o contamina. Pedro, em seu feito impulsivo, ainda que possa ter agido como porta-voz dos doze, deseja que afirmação seja explicada, que, para causar alguma dificuldade, contém muitas coisa simbólica. Mas a própria ocasião fornece uma pista. Por isso o pedido de Pedro, querendo explicação desta afirmação obscura, é censurada pelo Senhor. Será que também vós, depois de dois anos de instrução, sois também tão estultos em coisas espirituais? Ele deseja que seus discípulos usem corretamente seu intelecto iluminado, e que não façam dum assunto evidente um mistério. É assunto de conhecimento geral que o alimento, que o corpo usa, influência só e diretamente a vida física e mental, e não diz respeito ao coração e ao espírito. Com o expelir do imprestável, que é o que não é digerível e que, por isso, permanece indigesto, o corpo se purifica constantemente. O processo físico não contamina uma pessoa, o que também não sucederá com o fato de comer com mãos não lavadas. Mas o oposto é verdade daquilo, das palavras e atos que, vindo do coração, saem do corpo pela boca. “O Salvador sugere que obras más passam primeiro pelo canal duma boca perversa, revelando, assim, o estado perverso do coração.”21). As palavras, porque representam os pensamentos e desejos despertados para estes pecados, corrompem moralmente e revelam a contaminação que reina no coração. Os pensamentos maus, as conversas e discussões más do coração, se tornam manifestos em todos os pecados atuais, como invejas, assassinatos, quebra do laço matrimonial e o assumir não autorizado de relações que só são próprias à santa vida conjugal, a aquisição injusta da propriedade do próximo, a difamação do bom nome do próximo, o falar mal de Deus e das pessoas. Não a simples omissão dum costume cerimonial, mas estas são coisas que contaminam e corrompem o coração e o caráter. “Quem quiser lavar as mãos, que o faça. Quem não quiser lavar as mãos, que não o faça. Estas coisas nada têm a ver com a justiça e com o pecado. Não quero que pecado e justiça consistam nelas. Por isso, deveis separar justiça e pecado de tais 20 21 ) 114) Lutero, 7.252. ) 115) Schaff, Commentary, Matthew, 278. preceitos de homens. Não questiono o lavar-se de ninguém. Mas questiono que alguém, por um tal motivo, se considere justo e santo diante de Deus.”22). A Mulher Siro-Fenícia, Mt.15.21-28. A viagem para o norte, V. 21) Partindo Jesus dali, retirou-se para os lados de Tiro e Sidom Os acontecimentos das últimas semanas e dos últimos dias haviam cansado a Jesus, tanto no corpo como na mente. O povo, mesmo que pouco se preocupasse com a mensagem do evangelho que ele pregava, era incessante no afluxo a ele, na esperança de todas as maneiras de curas miraculosas. Os fariseus se haviam tornado mais amargos em sua hostilidade, atiçando o povo ao ódio, e colocando em seu caminho todos os obstáculos possíveis. Por isso Cristo recorreu a um descanso urgente. Retirou-se das regiões densamente povoadas junto do Mar da Galiléia, e dirigiu-se à região norte da Galiléia, para a região da Fenícia, perto das grandes cidades de Tiro e Sidom. Não temos qualquer indicação quanto à duração e à extensão desta viagem, sendo que só um episódio é narrado nos evangelhos. A mulher Cananéia, V. 22) E eis que uma mulher Cananéia, que viera daquelas regiões, clamava: Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente endemoninhada. Mateus a chama uma mulher Cananéia, porque era uma habitante da antiga terra dos cananeus ou porque era uma descendente das antigas tribos de Canaã, Gn.10.15. Marcos a chama siro-fenícia, capítulo 7.26, conforme o nome da terra em que vivia. Esta mulher já ouvira de Jesus, visto que sua fama se havia espalhado para além dos limites da Galiléia, em especial ao longo das estradas das caravanas. Ela, também, estava inteirada dos livros sacros dos judeus, ou, ao menos, com a esperança deles sobre o Messias. Ela, sob a direção do Espírito, concluiu o que era o correto, como mostra sua saudação ao Senhor. Ela o chama o chama Senhor, porque o reconhece o Senhor das alturas, e Filho de Davi, porque este era o nome do Messias. Sua súplica foi também uma oração de fé, porque ele clamou por misericórdia, estando profundamente consciente da miséria de sua alma, bem assim do fato que sua ajuda, qualquer que fosse, viria só da compaixão misericordiosa de Jesus. Notemos também: Numa das mais terríveis aflições que possam ser o destino duma mãe, ela se volta, tão somente, ao Senhor. É um exemplo brilhante! Jesus prova sua fé, V. 23) Ele, porém, não lhe respondeu palavra. E os seus discípulos, aproximando-se, rogaram-lhe: Despede-a, pois vem clamando atrás de nós. 24) Mas Jesus respondeu: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. 25) Ela, porém, veio e o adorou, dizendo: Senhor, socorre-me! 26) Então, ele, respondendo, disse: Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. 27) Ela, contudo, replicou: Sim, Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos. Temos aqui um exemplo dum rogar persistente e importunador, não só em seu próprio favor desejando que a angústia de sua alma fosse removida, mas também por sua filha, que sofria duma forma especialmente perversa de possessão demoníaca. Recebeu, porém, um fortíssimo impacto de desapontamento. O Senhor, de início, não lhe deu a menor atenção, mas seguiu seu caminho como se nem a tivesse escutado. Enquanto isto, ela, sem se deixar abalar no mínimo em seu favor, deve ter continuado em seus brados, pois os discípulos sentem-se constrangidos a interceder por ela. O tom de voz deles não é nada cortez. Ele deixa entrever que gostariam muito em ver-se livre dela, pois o seu clamor persistente os incomodava. Como sempre acontece, não se saíram bem do teste. Jesus, de modo ríspido, mostrando-lhes que teriam feito melhor se se preocupassem com suas próprias coisas, dizlhes que a preocupação específica de sua missão são unicamente os do povo judeu. Esta foi a segunda rejeição. Diz Lutero, que, em nenhum lugar dos evangelhos, Jesus é pintado de modo tão duro, como aqui. Os discípulos foram dissuadidos e se conservaram calados. A mulher, porém, redobra seu empenho. Depositou sua fé na palavra e nas obras deste homem, o qual, segundo sua total certeza 22 ) 116) Lutero, 7.259. de fé, é o Messias. Ela se nega desistir desta fé. Tomada de nova coragem, se lhe arroja aos pés, adorando-o como o Senhor do céu, e insistindo que ele lhe precisa ajudar, atendendo sua oração. Ela, caso não adiantar orar e interceder, está pronta a tomar de assalto ao próprio céu. Cristo desfere o último golpe, dizendo de modo rude, na força total de sua assumida indisposição: Não é correto e não deve ser feito, tomar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorros. A implicação disso foi, que a mulher gentia e toda a sua família e povo não estavam no mesmo nível dos israelitas, mas que, aos olhos de Deus, podiam ser só podiam ser considerados como cachorros, enquanto os judeus eram seus filhos. Pronunciado pelo Senhor, este foi um juízo duro, não deixando a menor fagulha de esperança para a mãe tão atribulada. Mas os olhos da fé enxergam luz onde outros só encontram escuridão egípcia. Como escreve Lutero, na fala de Cristo há mais “sim” do que “não”, ainda que3 bem no fundo e bem oculto parecesse só um “não”. Seu pedido não fora negado redondamente, mas ainda havia um espaço para um argumento. Além disso, Cristo não comparara a ela e sua família com os cães de rua mas com os cachorros de casa ou que convivem com seus donos. Por isso, em vez de se retirar em desesperado desengano, ela volta ao ataque: Sim, Senhor, pois também os cães de casa participam da refeição dos filhos, mesmo que nada mais do que migalhas lhes caiam como porção. Ela apanhara ao Senhor em seu próprio argumento, e alcançara uma vitória decisiva sobre ele. A mulher está disposta a contentar-se - e ela exige este direito – com as migalhas das quais os judeus se sentiam enfastiados. A vitória da fé, V. 28) Então lhe disse Jesus: Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como queres. E desde aquele momento sua filha ficou sã. Sem levar em conta seu nascimento e sua nacionalidade, esta mulher já era membro do povo de Deus, Rm.9.7,8; Gl.4.28. Ela, pela fé em seu Salvador, o Filho de Davi, era uma filha de Deus. Sua fé vencera ao Senhor. E seu pedido foi concedido como recompensa de sua fé. Naquela mesma hora seu filha teve restabelecida a plena saúde. “Assim Deus deseja fazê-lo conosco agora. Quando, por longo tempo, negou nossa oração, e sempre nos respondeu com um “não”, mas nos atemos firmemente ao “sim”, então, finalmente, precisa acontecer o “sim” e não o “não”. Pois sua palavra não enganará: ‘Tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos dará’. ... Esta história e, desta forma, um exemplo especialmente belo de fé, de que isto deve ser praticado, e que, no final, alcançará e obterá tudo, caso seguirmos esta mulher. Pois, ela não permitirá que o Senhor lhe arrebate da alma o “sim”, mas que ele lhe será benigno e certamente lhe ajudará.”23). Cristo Ensina e Alimenta Cinco Mil, Mt.15.29039. A volta para a Galiléia, V. 29) Partindo Jesus dali, foi para junto do mar da Galiléia; e, subindo ao monte, assentou-se ali. Depois da cura da menina gentia, Jesus continuou sua caminhada rumo ao norte. Depois se dirigiu para leste, junto à fronteira da Cele-Síria. Entrou em Gaulanites, na região norte de Dacápolis. Chegando à vizinhança de Cesaréia de Filipe, dirigiu-se para o sul, retornando, finalmente, à costa lesta do Mar da Galiléia, no centro da região conhecida como Decápolis. Foi aqui que, de novo, subiu a um monte onde se assentou. Era esta a sua maneira de preparo para uma prolongada discussão com seus discípulos. Curando multidões, V. 30) E vieram a ele muitas multidões trazendo consigo coxos, aleijados, cegos, mudos e outros muitos, e os largaram junto aos pés de Jesus; e ele os curou. 31) De modo que o povo se maravilhou ao ver que os mudos falavam, os aleijados recobravam saúde, os coxos andavam e os cegos viam. Então glorificavam ao Deus de Israel.Não há qualquer evidência de fome na alma, nem o desejo por iluminação espiritual, mas só pela crua do corpo. Cristo, porém, certamente não deixou escapar a ocasião. Falou-lhes daquela uma coisa necessária. As multidões, por sua vez, afluíam numa procissão infinda, trazendo seus parentes e amigos desamparados – mancos, cegos, mudos, aleijados ou mutilados que tinham membros deslocados ou decepados, e um batalhão de outros mais. Era uma cena de outras ocasiões que se repetia. Demonstravam sua confiança plena no poder de cura de Cristo, largando os doentes aos seus pés. 23 ) 117) Lutero, 13.261,262. Haviam feito a sua obrigação e sabiam que ele também faria a sua. E o poder de Cristo para curar irradiou mais uma vez sobre o povo da periferia que era meio gentio e meio judeu, para sua agradável admiração.Todos os doentes e aleijados foram restaurados à saúde plena, podendo usar corretamente seus membros. E as multidões jubilosas deram glória ao Deus de Israel, que lhes enviara este grande socorro (médico). A grande necessidade do povo, V. 32) E, chamando Jesus os seus discípulos, disse: Tenho compaixão desta gente, porque há três dias que permanecem comigo e não têm o que comer; e não quero despedi-la em jejum, para que não desfaleçam pelo caminho.33) Mas os discípulos lhe disseram: Onde haverá neste deserto tantos pães para fartar tão grande multidão? 34) Perguntoulhes Jesus: Quantos pães tendes? Responderam: Sete, e alguns peixinhos. A lealdade que reinava na multidão levou o povo a permanecer com o Senhor nas regiões inóspitas da costa leste. Sua admiração, vendo como um milagre seguia a outro, conservava-os atentos e esperançosos. Mas, entre mentes, os suprimentos, que haviam trazido, foram consumidos, e havia entre o povo indícios de real desconforto e sofrimento. A índole terna de Cristo, novamente, foi tocada profundamente. Convocando seus discípulos, expõe-lhes o problema, chamando-os à responsabilidade sobre o povo necessitado. Uma palavra maravilhosa: Não quero despedi-los com fome. “Aprendemos, ao menos, a crer que temos o mesmo Cristo que se preocupa conosco, até, com nosso sofrimento físico, e sempre mostra que estas palavras: Tenho compaixão desta pobre gente, estão escritas em letras vivas em seu coração; que ele, igualmente, gostaria que soubéssemos e ouvíssemos a palavra do evangelho, como se ele mesmo no-la falasse nesta hora e diariamente, sempre que sentimos nossa aflição, sim, muito antes que nós nos preocupemos com ela. Pois, ele é e permanecerá eternamente o mesmo Cristo que ele foi, o qual tem o mesmo coração, pensamentos e palavras em relação a nós, que ele teve naquele tempo, e que ele, nunca nem ontem e nem jamais, será diferente, nem se tornará algum dia um Cristo diferente.”24). Mas os discípulos se haviam esquecido dos milagres, realizados poucos dias antes. Em total abandono, olham ao redor por alguma solução para a emergência. Discutem maneiras e meios de prover e transportar alimento o bastante até as Campinas da costa do lago. A imensidão do povo os apavora. O Senhor interrompe a discussão com a pergunta sobre a quantia de alimento disponível, e recebe a resposta. O milagre, V. 35) Então, tendo mandado o povo assentar-se no chão, 36) tomou os sete pães e os peixes, e, dando graças, partiu e deu aos discípulos, e estes, ao povo. 37) Todos comeram e se fartaram; e, do que sobejou, recolheram sete cestos cheios.38) Ora, os que comeram eram quatro mil homens, além de mulheres e crianças. 39) E, tendo despedido as multidões, entrou Jesus no barco e foi para o território de Magadã. Cristo assume a situação por inteiro, indignado, provavelmente, com a falta de inteligência dos seus discípulos. Fez com que as multidões fossem acomodadas de modo ordeiro para facilitar a distribuição da comida. Tomou o pão e os peixes, abençoou-os, partiu-os e os deu aos discípulos que, por sua vez, distribuíram tanto o pão como os peixes para a multidão. Depois que todos se haviam fartado, os pedaços que sobraram encheram sete cestos. Estes levam, aqui, um nome diferente, do que no capítulo 14.20, talvez, porque eram confeccionados de outro material ou porque eram de tamanho excepcionalmente grande para serem levados às costas, ou porque Mateus lhes dá o nome pelo qual o povo da região os conhecia, visto ser de característica predominantemente gentia. Mais uma vez é registrado o número da multidão de gente: quatro mil, sem contar mulheres e crianças. Jesus, agora, os despede, e cruza o mar indo para a região de Magdala, que, tanto quanto pode ser determinado, parece ter limitado na região de Genesaré no sul, tendo a cidade de Dalmanuta como sua metrópole. Resumo: Jesus dá uma lição sobre a contaminação, sara a filha da mulher siro-fenícia, realiza outras curas e alimenta quatro mil homens. 24 ) 118) Lutero, citado em Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Tstaments, 139,140. A ESFERA DA ATIVIDADE DE CRISTO EM SEU OFÍCIO PROFÉTICO Um bom número de leitores bíblicos, fiéis e sem preconceitos, lutaram com um sentimento de espanto e ofensa com as palavras de Cristo, ditas à mulher de Canaã: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”, Mt.15.24. Também pode parecer estranho que Cristo ordena a seus discípulos; “Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos , Mt.10.5,6. É de se recordar, por isso, que Jesus passou seu ministério dentro dos limites da Palestina, tocando os países gentios adjacentes somente por uma rápida passagem, como referido na história acima. Contra estes fatos parece estar o testemunho dos profetas, cujas predições, quanto à esfera da atividade de Cristo, são tais que fazem a gente sentir que a terra toda é a área de trabalho de Cristo. Diz o profeta: “Também te dei como luz para os gentios,” Is.49.6. “As nações se encaminham para a tua luz, e os reis para o resplendor que te nasceu”, Is.60.3. “Ele nos ensine os seus caminhos”, Is.2.3. “Nele serão benditas as nações e nele se glorificarão”, Jr.4.2. “Todas as nações que fizeste, virão prostrar-se diante de ti, Senhor”, Sl.86.9. Contudo, a contradição é só aparente. São Paulo, corretamente, diz: “É, porventura, Deus somente dos judeus? Não o é também dos gentios? Sim, também dos gentios”, Rm.3.29. A solução é fácil, se recordamos dois pontos. Em primeiro lugar, no caso da mulher de Canaã, Cristo fala do seu trabalho pessoal. No que se referia à sua pessoa, seu ministério se limitava aos seus compatriotas, os judeus. Em segundo lugar, suas instruções aos discípulos indicam que foi a vontade de Deus que o trabalho da nova aliança iniciasse em Jerusalém, Lc.24.47. Em todo o Novo Testamento sobressai fortemente este fato, que Deus quis fazer, dentre todas as nações, o povo que ele escolhera como os primeiros receptores do evangelho. Mas o trabalho não devia restringir-se ao povo da Judéia ou da Palestina, Lc.24.47; At.1.8. Jesus mesmo deu provas disso. As primeiras pessoas, fora de Belém, a lhe renderem homenagem, foram os magos do Oriente, gentios, segundo todos os cálculos, Mt.2.1-12. Ele próprio louvou a fé do centurião da Cafarnaum, Mt.8.10. Converteu a mulher de Samaria e muitos dos da sua cidade, Jo.4. Foi sobrepujado pela fé da mulher siro-fenícia, Mt.15.28. Também predisse o afluxo dos gentios para o reino, Mt.8.11; Lc.13.29. E, finalmente, deu aos discípulos a grande ordem de ir por todo o mundo e pregar o evangelho a toda criatura, Mt.28.19; Mc.16.15. Tudo isto visa mostrar que Deus quis que sua obra fosse propagada de um modo ordeiro, e conforme um plano préestabelecido. “Ele, A Luz do mundo, veio de fato para a salvação de todo mundo; mas para estabelecer o reino da luz e da vida, por meio da pregação do evangelho e da realização de milagres, em que se anuncia a vinda do reino dos céus, Ele foi enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel, e foi um ministro da circuncisão, por causa da verdade que Deus disse, de confirmar as promessas feitas aos pais, Rm.15.8, para que o Pastor de Israel viesse para ser o misericordioso Pastor de todas as nações. A salvação vem dos judeus, Jo.4.22, e a profecia de Simeão sobre o Salvador de todos os povos e da luz dos gentios, para a glória do povo de Israel, deve ser cumprida, Lc.2.32. Ele, realmente, diz: ‘Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzilas’; mas o Profeta da Galiléia não seria o mestre dos gentios, porém, a voz do seu chamamento ecoaria somente pelas bocas dos apóstolos, depois que Ele tivesse consumada a redenção do mundo, para que todos quantos estão dispersos se tornassem pela fé filhos de Deus, e fossem congregados, Jo.11.52.”25). CAPITULO A Exigência dum Sinal, Mt.16.1-4. 25 ) 119) Besser, Bibelstunden, Matthaeus, 446. 16 V. 1) Aproximando-se os fariseus e saduceus, tentando-o, pediram-lhe que lhes mostrasse um sinal vindo do céu. Estamos diante dum acordo que mostra até onde podem levar as tendências unionísticas, quando o objetivo é a oposição a Cristo. Os fariseus legalistas, com suas incessantes marteladas sobre os detalhes da lei e da tradição, e os saduceus racionalistas, com sua negação de grande parte do Antigo Testamento e de todas aquelas doutrinas que não se moldavam à sua razão. Em outras ocasiões estas duas seitas judias estavam em pé de guerra entre si, mas, quando o propósito é resistir a Cristo, com satisfação unem suas forças. Querem tentá-lo, por isso, se aproximam de modo malicioso e mentiroso. De modo arrogante, requerem, ou exigem, um sinal do céu. No capítulo 12.38, não haviam sido tão arrogantes. Sua amargura contra Cristo crescia na mesma medida como a sua incapacidade para o derrotar. “ Como se os milagres que ele fizera, até agora, não fossem nada, visto terem sido realizados só na terra. Como se dissessem: Oh! estes milagres terrenos são nada! Se ele mostrasse que também no céu era poderoso, então a gente poderia acreditar nele. Mas, não que eles tivessem na ocasião a vontade de crer, porém, em meio a tudo isso, eles, neste seu procedimento, blasfemaram destes milagres, ainda que fossem maiores do que aqueles que exigiam do céu. Pois, ressuscitar os mortos, dar visão aos cegos, isto ultrapassa a todos os sinais que é possível mostrar no céu, tanto quanto o homem que é a semelhança de Deus ultrapassa o céu e todas as criaturas físicas, e como a vida eterna ultrapassa as criaturas temporais.”26). A resposta de Cristo, V. 2) Ele, porém, lhes respondeu: Chegada a tarde, dizeis: Haverá bom tempo, porque o céu está avermelhado;3) e, pela manhã: hoje haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio. Sabeis, na verdade, discernir o aspecto do céu, e não podeis discernir os sinais dos tempos? Cristo sentiu-se muito magoado com a duplicidade deles, visto que, diante do povo, sua exigência soava razoável, como se quisessem estabelecer sua vinda como o Messias, sendo, contudo, a blasfêmia seu real motivo. Sob nenhuma circunstância tinham a intenção de crer nele, Mc.8.12. Os judeus eram observadores criteriosos do tempo. Conheciam muito bem os sinais gerais que indicavam tempo bom ou ruim. A observação constante e cuidados ensinou-os a ver um céu matutino sombrio como um sinal certo da aproximação de tempestade, enquanto um ocaso rubro do sol os levava a esperar um tempo firme para o amanhã. Mas, habilidade para observar os sinais do tempo, porém, estupidez e insensatez em coisas espirituais! Não reconheciam o tempo de sua visitação, Lc.19.44. Não reconheciam e se recusavam a aceitar Jesus como o Messias, apesar dos muitos sinais e milagres que fizera em seu meio. E, desta maneira, os sinais de todo seu ministério, de sua vida e morte, que, originalmente, se destinavam a convidá-los para o reino de Deus, agora serviriam para endurecer ainda mais seus corações, trazendo-lhes a condenação. Havia-lhes sido tirada a habilidade de julgar e distinguir em assuntos espirituais. O abuso constante de suas habilidades e faculdades espirituais resultou nisso que fossem semelhantes a brinquedos mecânicos, ou semelhantes a atores que repetem seu papel e fazem os gestos apropriados nos lugares indicados, mas sem se identificarem com o caráter que representam. Ele diz assim: Os sinais do céu vos entendeis. Por que não entendeis estes sinais que são feitos para a vossa salvação, se crerdes, ou para a vossa perdição, se não crerdes? Pois vós tendes um entardecer aprazível, do qual podeis esperar um futuro salutar e um dia lindo; a isso seguirá um amanhecer sombrio no qual podereis esperar a eterna condenação. Pois, os meus sinais e este tempo da graça, bem como a ira por vir, não são menos óbvios, mas brilham tão claro como o próprio céu em seu anoitecer e amanhecer. Se ao menos olhásseis nos profetas que falaram deste tempo, e olhásseis de modo correto ao que vedes. Mas vós vos dais o direito de não vos deixardes mover nem pelas promessas da Escritura nem pelas coisas que agora são realizadas, e sois sufocados por estas coisas temporais, seja que venham dias bons ou maus. Por isso não dais atenção a nada, e enquanto isso, ainda, exigis outros sinais.”27). 26 27 ) 120) Lutero, 7.270,271. 0 121) Lutero, 7.273. A negação, V. 4) Uma geração má e adúltera pede um sinal; e nenhum sinal lhe será dado, senão o de Jonas. E,deixando-os, retirou-se. Cristo, tal como no caso anterior, Mt.12.38,39, fala sem rodeios. Chama-os de geração má e adúltera, cujos corações se afastaram da retidão, da justiça e da bondade, e da adoração do Deus verdadeiro para vãs imaginações, tradições sem sentido, que era pura presunção vaidosa. São insistentes na sua exigência por um sinal, mas quando lhes será exposto o maior de todos os sinais, que é a ressurreição de Cristo, segundo o anunciou o fato tipológico do profeta Jonas, eles endurecerão seus corações. Bem do mesmo jeito, a atual geração do mundo é sábia em coisas do mundo, mas não sabe discernir os sinais dos tempos. Está oculto aos seus olhos, que o evangelho do Salvador Jesus Cristo é a única força que poderá colocar em ordem seus corações e mentes. O Senhor esteve consciente da inutilidade de mais argumentos no caso destes inimigos mentirosos. Pronunciou juízo sobre eles, quando lhes voltou as costas e saiu de repente. Esta é uma maneira muito eficaz e, não pouco, a única maneira recomendável de lidar com inimigos assim. O Fermento dos Fariseus, Mt.16.5-12. V. 5) Ora, tendo os discípulos passado para o outro lado, esqueceu-lhes levar pão. A partida de Jesus, depois do seu encontro com os fariseus e saduceus, foi apressada. Da vizinhança de Dalmanuta, no lado oeste do mar, ele cruzou para o lado oposto, provavelmente para algum ponto de Gaulanites. Sua maior preocupação era com os discípulos, e como estes se comportaram sob as circunstâncias que estavam ocorrendo, como sua fé se manteria contra as tramas dos fariseus. Ele estava tão absorto neste problema que não deu atenção para os assuntos menores que dizem respeito ao corpo. Nem lhe passou pela cabeça, o fato que seus discípulos, na correria do embarque rápido, se esqueceram ou negligenciaram de levar pão consigo. A advertência e sua compreensão, V.6) E Jesus lhes disse: Vede, e acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus. 7) Eles, porém, discorriam entre si, dizendo: É porque não trouxemos pão. Jesus lhes falou, quando cruzavam o lago, Mc.8.14. Estavam preocupados por causa do seu esquecimento. Nas suas cabeças ia se, ao menos, houvesse um pão no barco. A menção de fermento esteve, por isso, conectada com o pão em suas mentes, pois, era pão que lhes faltava. Por isso, discutiam que Jesus os repreendera por não terem trazido consigo pão suficiente ao barco. Acontecia com eles, como acontece com os cristãos de todos os tempos: Como lhes Era duro saber separar-se dos cuidados do corpo! Nem haviam notado que Jesus usara de propósito a palavra “fermento” e nem lhes chamara atenção a ênfase sobre os “fariseus e saduceus”. O objetivo de Cristo fora adverti-los, usando uma expressão parabólica, contra a doutrina de ambas as seitas, contra a externa justiça das obras dos fariseus, e contra o comportamento convencional e mundano dos saduceus. A repreensão e a explicação, V. 8) Percebendo-o Jesus, disse: Por que discorreis entre vós, homens de pequena fé, sobre o não terdes pão? 9) Não compreendeis ainda, nem vos lembrais dos cinco pães para cinco mil homens, e de quantos cestos tomastes?10) Nem dos sete pães para os quatro mil, e de quantos cestos tomastes? 11) Como não compreendeis que não vos falei a respeito de pães? E sim: Acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus. 12) Então entenderam que não lhes dissera que se acautelassem do fermento de pães, mas da doutrina dos fariseus e saduceus. Jesus não podia agir diferente, do que comentar-lhes sua falta de entendimento. Mesmo que a conversa deles foi tão silenciosa que ele não a ouvisse, leu o que lhes ia nas mentes. Sua repreensão é séria, quase severa: Acusa-os de falta de entendimento, de dureza de coração, Mc.8.17,18, de pouca fé. Preocupar-se com e discutir tão preocupado uma questão de alimento corpora, quando sua fé está rodeada de perigos! Provoca-lhes o entendimento e a memória, para se recordarem da alimentação dos cinco mil e, pouco depois, dos quatro mil. Deseja que se lembrem de quantos cestos de pedaços haviam recolhido em cada caso: Sois, acaso, ainda tão tolos para tirar conclusões? A questão pelo suprimento suficiente de pão, de modo nenhum, tinha razão de ser. O assunto estava só nas suas cabeças e os fazia preocupar-se com seus corpos. “Vemos aqui, que Cristo age de modo muito amável com aqueles que não o tentam mas de modo irrestrito e simples estão dispostos a se deixarem instruir por ele. Pois, vede, quanta paciência tem ele com a ignorância dos apóstolos na Palavra e como sua fraqueza na fé. Ele não se retira nem os deixa, como o fez com os fariseus; mas suporta e sara sua insensatez de maneira muito meiga e se obriga a expor-lhes, como se fossem crianças, com palavras claras o que lhes dissera, e a acomodar-se à inteligência deles. Eles também não desprezam o amor, a confiança e o respeito que lhe devem, mas, como verdadeiros discípulos, com satisfação suportam sua repreensão.”28) O entendimento deles já não mais estava confuso quanto ao conceito da palavra “fermento”. Como o levedo ou fermento, que é adicionado à farinha, mesmo que seja só um pouquinho, ainda assim emprega a sua força sobre a massa toda, assim também sucede com a doutrina falsa. Pode parecer coisa pequena, talvez só uma dúvida quanto à validade duma passagem da Escritura, ou então uma compreensão falsa duma verdade fundamental, mas sempre a estrutura toda da fé está sujeita a ser subvertida. Agora os discípulos compreenderam que os advertira contra a doutrina falsa dos fariseus, inclusive sua hipocrisia, vaidade, inveja, auto-justiça e arrogância, e a dos saduceus quando negavam a existência do mundo espiritual, a imortalidade da alma, a ressurreição do corpo, e a providência de Deus. “Lembra-lhes que devem guarda firme a Palavra e a fé diante da doutrina dos fariseus e saduceus. É, como se lhes disse: Por que vos preocupais por causa do pão para o corpo? Empenhaivos pela preocupação pelo pão para o espírito, pela Palavra e a fé, contra a doutrina e a fé falsas. Procurai, primeiro, o reino de Deus e a sua justiça, para que não sejais desviados, por meio de falsos mestres, para o reino do diabo e seu engano. É por este verdadeiro pão que vos deveis preocupar.”29) Cristo, o Filho do Deus Vivo, Mt.16.13-20. V. 13) Indo Jesus para as bandas de Cesaréia de Filipe, perguntou a seus discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do homem? 14) E eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias, e, outros: Jeremias, ou algum dos profetas. Cristo, pela segunda vez, vai para o norte, até às fronteiras da Palestina, ao território de Herodes Filipe, que, praticamente, reedificara esta cidade e a tornara sua residência. Anteriormente ela se chamara Paneas, e, provavelmente, é a antiga Lesim ou Laís, Js.19.47; Jz.18.7. As razões desta viagem foram, provavelmente as mesmas da viagem anterior ao norte, a saber, afastar-se, por algum tempo, das agitações do ministério ativo, como suas vexações tediosas e cansativas, e ganhar tempo e ocasião para o trato imperturbado com seus discípulos. Eles precisavam de muita ajuda em sua fé, visto que se aproximavam os dias de fortes tentações. Precisavam crescer nele e por meio dele na fé e na firmeza, para que o último e grande teste não apanhassem incapazes de se manterem na defensiva. Enquanto se dirigiam para esta região, Jesus, não tanto para esclarecer mas para testar a fé dos discípulos pergunta-lhes: Por quem as pessoas me tomam? O que acham elas de mim? Ele se dá o título oficial “Filho do homem”, como o que o distinguia conforme sua pessoa e obra. Perece que as calúnias amargas dos fariseus tinham, ao menos, tido o efeito que a crença nele, como sendo o Messias, tinha sumido entre o povo mais simples. Mas, ainda o tinham em alta estima. Acreditavam que tivesse ressuscitado algum dos profetas, como João Batista, Elias ou Jeremias, ou achavam, seguindo o ensino dos fariseus, que a alma e o espírito de um desse profetas tivesse incorporado em Jesus. Cristo, de fato, foi um profeta, Dr.18.15, e muito corretamente foi chamado Elias, Ml.4.5, mas, num sentido muito superior do que pesava este povo ignorante. Mas a inquirição do Senhor tem uma intenção mais profunda, a saber, conseguir a confissão expressa de fé dos seus discípulos, e poder confirmar e fortalecê-los nisso. A confissão, V.15) Mas, vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? 16) Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. 17) Então Jesus lhe afirmou: Bemaventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai que está nos céus. 18) Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Chegara a hora da decisão, da 28 29 ) 122) Lutero, citado em Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 141,142. ) 123) Lutero, 7.276. declaração pessoal de fé. “Este foi o momento decisivo em que foi feita a separação da igreja do Novo Testamento da teocracia do Antigo Testamento. Chegara a hora para a declaração de uma distinta confissão cristã.”30) Os discípulos enfrentaram de maneira esplêndida este teste a respeito de sua compreensão e de sua fé. Simão Pedro deu, de modo impetuoso, emocional, forte e sincero, uma resposta em nome dos apóstolos. Como seu representante, proferiu numa declaração breve a opinião e concordância unânime deles: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Este não era o sentido que a idéia judaica tradicional ligava à palavra Messias, tendo-o como um mero libertado da servidão terrena, porém era uma confissão concisa mas compreensiva da condição de ele ser o Cristo, da divindade, da deidade de Jesus. Ela expressava sua fé nele como o Redentor prometido. Era uma resposta e uma analogia da expressão de Cristo “Filho do homem”, no versículo 13. Foi uma declaração decidida, solene e profunda, proferida com emoção e com consciência da gravidade das circunstâncias. “Nestas palavras, por isso, está incluso todo o Credo Apostólico: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’. A saber, que ele é o Filho de Deus, Pai Todo-poderoso, o Criador do céu e da terra, e que nosso Senhor Jesus Cristo foi concebido do Espírito Santo, e nascido da virgem Maria, que ele sofreu por nós, que ele morreu e foi ressuscitado da morte, e está assentado à mão direita de Deus Pai, porque ele é Filho, Juiz e Senhor sobre tudo; que ele distribui perdão dos pecados pelo Espírito Santo, para a ressurreição e vida eterna”.31) Jesus deu-se por muito satisfeito com esta confissão que Pedro fez em nome dos demais apóstolos. Chama-o feliz, abençoado, no sentido de possuir a felicidade como um dom da glória. Jesus esteve satisfeito com a qualidade da fé de Pedro. Dirige-se a ele de modo solene: Simão, filho de João. Mas explica a bendição, colocando a glória onde ela pertence. Pois, o que Pedro confessa, como sendo sua fé, não era qualquer ilusão vá e humana que carne e sangue, ou seja sua própria natureza e razão, lhe tivessem revelado. Era uma revelação do próprio Deus. O conhecimento reto de Jesus Cristo, ou seja, a verdadeira fé, é obra e dom de Deus. Não é uma imaginação enganosa e humana, mas é divina certeza. Feliz e abençoado é quem faz desta confissão a fé de sua alma. O Senhor adiciona uma promessa que diz respeito a igreja toda até o fim dos tempos. Dirigindo-se, de modo solene, a Pedro, que é o porta-voz dos doze, afirma-lhe, num belo jogo de palavras, que sobre sua confissão sólida como a rocha ele edificará sua igreja. Ele não diz: Sobre ti, mas: “Sobre esta rocha”. A essência da passagem é: Uma fé em Jesus, como a que Pedro teve, expressa de modo igualmente ousado, confessada em palavras francas, é a admissão no reino do céu, - na igreja de Jesus Cristo. Ou, como Lutero o expressa: “Sobre esta pedra, entende, não o que tu és. Pois tua pessoa seria fraca demais para tal fundamento. Mas sobre a confissão de fé que te torna uma pedra, edificarei a minha igreja. Este fundamento agüenta e é suficientemente firme. O diabo não será capaz para destruir ou abalá-la.”32) Contra esta igreja, tal como está edificada, e porque está edificada sobre esta pedra, as portas do inferno não podem prevalecer. Todas as forças do inferno juntas não a conquistarão. Ela é forte e duradoura, enquanto reina nela a fé no Pai e em Jesus Cristo, seu Filho, nosso Redentor, e no Espírito, que concede esta convicção bendita. Uma distinção especial, V. 19) Darei a ti as chaves do reino dos céus: o que ligares na terra, terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra, terá sido desligado nos céus. Cristo, em reconhecimento de sua fé, como afirmada em sua confissão, confere a Pedro e a todos quantos crêem as chaves do reino dos céus. As chaves são um símbolo do poder que dá admissão em uma casa, ou que impede a qualquer pessoa não autorizada a entrar nela. Cristo, o Filho de Davi, tem a chave de Davi, ou o poder de fechar e abrir a casa ou o reino de Deus, Ap.3.7. Ele conseguiu misericórdia e salvação para todos os pecadores. Ele dá este poder e autoridade a seus fiéis discípulos. Todo aquele que crê, tem parte em Cristo e em tudo que Cristo possui. Todo aquele que crê, esse está no reino dos céus, tem perdão dos pecados, vida e salvação, e pode e deve dividir com os outros os tesouros do reino. “Os nossos pensam assim: o poder das chaves, ou poder dos 30 31 32 ) 124) Schaff, Commentary Matthew, 294. ) 125) Lutero, 7.281,282. ) 126) Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 144. bispos, é, segundo o evangelho, o poder ou ordem de Deus de pregar o evangelho, remitir e reter pecados e administrar os sacramentos” (Conf.Augs. Art.XXIII,5). (Obs. Trad.: Não há nota sobre o versículo 20.) Primeira Profecia de Cristo Sobre Sua Paixão, Mt.16.21-28. V. 21) Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto, e ressuscitar no terceiro dia. Os discípulos haviam feito uma confissão esplêndida de fé, dando, finalmente, provas de que tinham conhecimento reto e salvador a respeito de Jesus, seu Redentor. Cristo, por isso, julgou que chegara o tempo próprio para prepará-los para o grande clímax ou auge de sua obra. Já deviam estar prontos para suportar as notícias. Começou a revelar-lhes ou a dar-lhes informação clara e detalhada. Uma palavra muito reveladora: Ele precisa ir a Jerusalém. Pesava sobre ele uma obrigação divina, uma necessidade que assumira para cumprir a vontade de seu Pai celeste por meio de sua morte em favor de toda a humanidade, Sl.40.8. Os anciãos, os principais sacerdotes e os escribas, vinte e quatro de cada classe deles formavam o grande sinédrio ou principal conselho dos judeus. Que estes seus inimigos conseguiriam matá-lo, mas que ele ressuscitaria no terceiro dia, este foi a suma e o conteúdo que Jesus procurou expor, a partir das Escrituras do Antigo Testamento, aos seus discípulos. Pedro interfere, V.22) E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá. 23) Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda! Satanás; tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e, sim, das dos homens. O impulsivo Pedro, provavelmente movido pelo sentimento de satisfação pelo grande louvor que o Senhor lhe dera, colocou a mão no ombro de Jesus, ou o agarrou pelas costas, como se quisesse defendê-lo com sua força. Ao mesmo tempo começou a repreender a Cristo: Isto esteja longe de ti; que Deus de todas as maneiras o impeça! Foi uma interferência bem intencionada mas uma interferência total nas atribuições de Cristo. Mas, não foi longe. Pois, Jesus, tendo-se voltado, deu-lhe repreensão tão dura, como nenhum discípulo jamais recebeu. Chamou-o de Satanás, um adversário. Acusou-o de tentá-lo ao erro. Os pensamentos de Pedro não estavam em linha com a vontade e a obra de Deus, mas eram, tão só, o produto de sua própria preocupação sobre os seus próprios problemas. Não havia adquirido a visão ampla necessária para o reino de Deus. Seus pensamentos ainda estavam aqui na terra, eram terrenos. “Neste assunto tão sério mas dirigido contra um discípulo amado, o sentido de Cristo é estes: Ah! Pedro, tu respondeste corretamente quando te perguntei bem como a todos os discípulos, que sou Cristo, o Filho do Deus vivo. Mas agora, porque ouves que serei crucificado, não entendes o maravilhoso conselho de Deus, e estás preocupado com pensamentos carnais e falas, sem a revelação do Pai, só tuas próprias idéias que não passam de tolas e carnais. Por isso arreda; longe de mim preferir tua sabedoria carnal à vontade do Pai; antes perderia a ti e tudo o mais, do que, pela tua objeção, não obedecer a meu Pai. Aqui tu és completamente e tolo não entendes o que é realizado pelo Filho do Pai vivo, que confessaste.”33). Arcando com a cruz, V. 24) Então disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. 25) Porquanto, quem quiser salvar a sua vida, a perderá; e quem perder a vida por minha causa, a achará. É, praticamente, uma repetição de Mt.10.38. O que Cristo havia afirmado então, achou necessário enfatizar aqui de novo. A negação de si mesmo, de toda auto-justiça e egoísmo, é algo bem natural ao cristão que compartilha do espírito de Cristo. Carregar a cruz, todo e qualquer peso ou provação, perseguição, perturbação, trabalho, perigo ou morte, que agrade ao Pai celestes impor como apropriados – esta é a carga 33 ) 127) Lutero, 7.298,299, 34) 128) Lutero, 7.304. confortadora do cristão, porque isto significa seguir a ele. Aquele que tem como alvo achar, nesta vida e neste mundo, tudo quanto seu alma deseja, bem por isso perderá a verdadeira vida em e com Cristo. Mas aquele que, alegremente, entrega tudo o que esta vida ou este mundo,lhe possa oferecer e dar, para tomar a Jesus, seu Salvador, achará no Redentor vida verdadeira, abundante e eterna. “Por isso se deve descrever com exatidão o que significa tomar a cruz sobre si. Tomar a cruz sobre si significa: Por amor à Palavra e à fé, voluntariamente, erguer e carregar o ódio do diabo, do mundo, da carne, do pecado e da morte. Não é preciso escolher alguma cruz. Basta começar a primeira parte da vida e negar a ti mesmo, isto é, repreender a justiça das obras, e confessar a justiça da fé, e, imediatamente, está presente a outra parte, a saber, a cruz que, então, deves erguer sobre ti mesmo, tal como Cristo tomou a sua sobre si”34). O verdadeiro lucro, V. 26) Pois, que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? ou que dará o homem em troca da sua alma? 27) Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme as suas obras. 28) Em verdade vos digo que alguns aqui se encontram que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino. Cristo coloca diante de seus discípulos esta outra alternativa. Supondo ser possível que uma pessoa, por meio de trabalho constante e incessante, pudesse ganhar o mundo inteiro; mas, procedendo assim, perdesse sua alma que por meio deste bom negócio se tornou perdida, será que teria sido lucro? Poderia ele tomar todos os seus bens e dá-los como troca pela sua alma? Poderia usá-los como preço para readquirir a verdadeira vida que perdeu quando perdeu sua alma? E não há somente a desagradável característica negativa do perder a alma por amor a esta vida, mas há a expectativa positiva de castigo. Acontecerá e será certo: O Filho do homem virá, não mais em pobreza e humildade, mas na plena glória de sua Divindade, que ele exercerá também segundo a sua natureza humana. Acompanhado dos anjos, ele virá para o juízo, e dará, devolverá, retornará a cada um de acordo com o que fez, segundo cada pessoa atestou sua fé interior pelas obras de suas mãos. Aquele será um julgamento do qual ninguém escapará, Mt.25.31-46. Semelhante à maneira que era peculiar aos profetas, Cristo não faz distinção entre acontecimentos que estão próximos daqueles que estão distantes. Pois para o Deus eterno, que inspira a profecia, não há tempo. Diante dele todas as coisas acontecem no grande agora, no presente. Cristo dá a certeza aos discípulos que alguns deles não morrerão, n/ao beberão do cálice que rende a morte, até que o vejam vir em seu reino. Isto se refere, ou à glorificação de Jesus através de sua morte e ressurreição, que introduziu o verdadeiro começo de sua igreja sobre a terra, com a festa de Pentecostes; ou aponta para o dia quando Deus começou seu juízo sobre Jerusalém. Este foi o ocaso do dia que finalmente trará Cristo de volta em sua glória. Alguns dos discípulos de Cristo, de fato, ainda viviam tempos depois da destruição de Jerusalém, tornando-se, desta forma, exemplos e provas vivos da verdade das palavras de Cristo. Resumo: Cristo recusa a exigência dos fariseus por um sinal, adverte contra o fermento dos fariseus e saduceus, ouve a confissão de seus discípulos, e repreende Pedro por interferir em seu ministério messiânico. A PRIMAZIA DE PEDRO A doutrina da primazia de Pedro e da supremacia dos papas, que dela é derivada, é sustentada com a maior veemência pelos teólogos católicos. Somos forçados a concluir do próprio fato da existência dum cabeça supremo na igreja judaica; do fato que um cabeça sempre é necessário para o governo civil, para as famílias e corporações; do fato, em especial, que um cabeça visível é essencial para a manutenção da unidade na igreja, mesmo que falte a evidência positiva, que na fundação da igreja deve ter entrado na mente do divino legislador de colocar sobre ela um primaz investido de poderes de jurisdição superior. Mas, temos acaso alguma prova positiva que 34 Cristo realmente apontou um governante supremo sobre sua igreja? A prova mais abundante deste fato é fornecida para aqueles que lêem as Escrituras com o olho singelo da intenção pura. O Novo Testamento, para a minha mente, não estabelece qualquer doutrina, a menos que satisfaça cada leitor sincero que nosso Senhor deu poderes plenipotentes a Pedro para governar a igreja toda. 35) A promessa da primazia, de acordo com teólogos católicos, é encontrada em Mt. 16.16-19. e o seu cumprimento em Jo.21.15-17, sendo que lá a palavra “ovelhas” é aplicada aos pastores, e “cordeiro” ao povo leigo. Nos levaria longe demais se quiséssemos seguir todas as inexatidões lógicas e históricas contidas neste um parágrafo citado acima.36) De passagem podemos dizer, todavia: É estranho que este “olho singelo de intenção pura” faltava na igreja dos primeiros séculos, que levou inteiros dez séculos para o bispo de Roma estabelecer sua supremacia, e que em tempo nenhum a igreja inteira o reconheceu como o vice-regente de Cristo, tendo poderes plenipotenciários. Uma coisa, sem sombra de dúvida, está estabelecida, a saber, que o papa não pode basear sua supremacia sobre o texto de Mt.15.18. Referir a palavra “pedra” à pessoa de Pedro, significaria, na verdade, colocar em dúvida “a boa gramática e o senso comum de nosso Senhor”. Se ele tivesse desejado fazer de Pedro seu vice-rei na terra, ele teria dito: Sobre ti, ou sobre Pedro. Mas ele, sabiamente, usa uma palavra para pedra que é empregada em todo o Novo Testamento para Cristo e sua Palavra, como o fundamento da igreja. Pois a confissão de Cristo é seu nome, que é parte de sua essência divina. “Não pode significar outra coisa, do que, que Pedro, sendo ele próprio firmado sobre o fundamento que foi posto, pelo seu testemunho estava qualificado para fomentar a fé dos futuros membros da igreja Este testemunho era agora e sempre quando feito no futuro a respeito de Cristo, uma parte do fundamento dos apóstolos, Ef.2.20, sobre o qual repousa a igreja toda, sendo o próprio Cristo a principal pedra de esquina”.37). Nesta ligação, é curioso saber que a passagem em questão nem sempre foi entendida pelos lideres da igreja romana como um texto que se referia à primazia de Pedro. Sem tomar em conta os muitos testemunhos da era pos-apostólica, referimo-nos, ao menos, a este um manuscrito. É um manuscrito latino da Espanha, do tempo do presbítero Beato que viveu no oitavo século. Diz o texto: “Digo-te, que sobre esta pedra serão edificados os seus discípulos pelo Espírito Santo”, e o comentário do texto segue: Os cristãos são chamados segundo o nome de Cristo; por isso disse o Senhor ‘sobre esta pedra serão edificados os seus discípulos pelo Espírito Santo’” e, “esta é a primeira igreja que, no começo, foi edificada pelo Espírito sobre a Pedra, Cristo”. É um discurso impressionante sobre “Pedro a Pedra” que foi encontrado, algumas décadas atrás, no Monte Sinai, há um argumento detalhado que a igreja foi fundada, não sobre Pedro, mas sobre Cristo que é a Pedra.38). Insistir sobre Mt.16.18, e omitir as referências a Mt.18.18 e Jo.20.22,23, sem mencionar as muitas passagens nas quais Cristo é chamado o único e exclusivo fundamento de rocha de sua igreja, é empregar uma sutileza exegética. As palavras de Lutero sobre o texto merecem repetição: “Como se ele dissesse: Verdadeiramente, acertaste o ponto, pois tudo depende disso. Esta é minha igreja, que tem esta revelação de que eu sou Cristo, o Filho do Deus vivo. Sobre esta pedra construirei minha igreja. ... Pois, eu sou o fundamento totalmente confiável e inexpugnável da igreja, isto é, daqueles que, como tu, crêem e confessam. Pois, atravez de mim eles vencerão. Em mim terão paz e serão capazes de realizar tudo. ... Mas, que necessidade há para muitas palavras? A igreja, necessariamente, precisa ser baseada e construída sobre um fundamento vivo e eterno, e sobre uma tal pedra que continue com ela até ao fim do mundo, e, assim, ser um conquistador do inferno. Mas o apóstolo Pedro, além do fato que ele foi um homem pecador, já morreu, como aconteceu com todos os demais santos, e ele também esteve fundamentado sobre esta Pedra da igreja. Esta passagem, por isso, nada tem a ver com a tirania papal.”39). 35 ) 129) Gibbons, The Faith of teh Fathers, 121,122. ) 130) Um relato detalhado em Syn. Ber., Cal.u.Nev.Distr, 1913,31-62. 37 ) 131) Theological Quarterly, 13.100; pp 104 a 114. 38 ) 132) Cobern, The New Archeological Discoveries, 197,279. 39 ) 133) Lutero, 7.285-287; Cf. 290,291; 11;2296=2305; 13.1166-1181; 17.1068-1090. 36 “Eles citam contra nós certas passagens,m a saber: Mt.16.18,19: ‘Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja’; também: ‘Darei a ti as chaves’; também jo.21.15: ‘Apascenta os meus cordeiros’, e outras. Mas, desde que toda esta controvérsia foi tratada completa e cuidadosamente em outros livros de nossos teólogos, e todas as coisas não podem ser revisadas neste ponto, referimos àqueles escritos e desejamos considerá-los como reproduzidos. Mas responderemos breve a respeito da interpretação das passagens citadas. Em todas estas passagens Pedro é o representante de toda a assembléia dos apóstolos, como aparece do próprio texto. Pois Cristo não pergunta só a Pedro, mas diz: ‘Mas vós, quem dizeis que eu sou?’ E o que é citado no singular nesta passagem: ‘Darei a ti as chaves; o que ligares’ etc., em outra passagem está expresso no plural, Mt.18.18: ‘Tudo o que ligardes’, etc. E em Jo.20.23: ‘Se de alguns perdoardes os pecados’, etc. Estas palavras testemunham que as chaves foram dadas de modo igual a todos os apóstolos, e que todos os apóstolos são enviados de igual modo. Em adição a isso, é necessário confessar que as chaves não pertencem a pessoa dum homem particular, mas à igreja, como testificam muitos argumentos muito claros e firmes. Pois Cristo, quando fala sobre as chaves, Mt.18.19, adiciona: ‘Se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem’, etc. Por isso ele concede as chaves essencial e imediatamente à igreja. Bem pela mesma razão a igreja tem essencialmente o direito de chamar. ... Por isso nessa passagem é necessário que Pedro seja o representante de toda a assembléia dos apóstolos, e por esta mesma razão não atribuem a Pedro qualquer prerrogativa, ou superioridade ou senhorio. Quanto à declaração: ‘Sobre esta pedra edificarei a minha igreja’, a igreja, com certeza, não foi edificada sobre a autoridade dum homem, mas sobre o ministério da confissão de Pedro, em que ele proclama que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. Coerentemente, ele fala como um ministro: ‘Sobre esta pedra’, isto é sobre este ministério. ... Além disso, o ministério do Novo Testamento não está preso a pessoas e lugares, como aconteceu com o ministério levítico, mas está distribuído por todo o mundo, e está lá, onde Deus concede os seus dons, apóstolos, profetas, pastores e professores. Este ministério não é útil por causa da autoridade de alguma pessoa, mas por causa da Palavra dada por Cristo. ... Por isso a edificação da igreja é sobre esta rocha de confissão. Esta fé é o fundamento da igreja.”40). CAPITULO 17 A Transfiguração de Cristo, Mt.17.1-13. V. 1) Seis dias depois, toma Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João, e os leva, em particular, a um alto monte. 2) E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. Foram importantes os dias que Mateus fixa tão cuidadosamente na ordem dos eventos: Seis dias depois do primeiro anúncio específico do padecimento de Cristo. É um momento crítico no ministério de Jesus. Não oferece dificuldade, que Lucas menciona oito dias, capítulo 9.28. “Que Lucas diz que Jesus levou esse três apóstolos consigo, cerca de oito dias depois, porém Mateus e Marcos que isso aconteceu seis dias depois, isso não se contradiz. Pois, Mateus e Marcos contam os dias entre os eventos, mas Lucas conta também o último dia, em que Cristo pregou antes desses seis dias, e também o primeiro depois dos seis, em que aconteceu a transfiguração.”41). O fato foi para Mateus a recordação exata dum incidente estritamente histórico. Vários comentaristas pensaram que o monte tenha sido, ou o monte Hermom que fica na cadeia do Anti-Líbano, logo ao norte da fronteira da Palestina, ou o monte Tabor, perto de Nazaré. Enquanto está fora de dúvida que todos os discípulos foram com Cristo até ao pé do monte, somente os três homens que foram seus discípulos prediletos, Pedro, Tiago e João, foram 40 ) 134) Artigos de Esmalcalde, citados em Theological Quarterly, 13.113,114. Boehringer, Die Kirche Jesu Christi u8nd ihre Zeugen, I:4.276-286. 41 ) 135) Lutero, 7.321. levados por ele ao alto do monte. Estes foram, provavelmente, aqueles em cujo entendimento e compreensão ele podia confiar. Deviam tornar-se as testemunhas de sua glória diante de todo o mundo, 2.Pe.1.16-18. Um fenômeno especialmente peculiar e maravilhoso: Jesus, enquanto orava, foi transfigurado, transformado, diante deles, sendo seu corpo físico permeado e glorificado com espiritualidade, o que era um antegozo de sua futura glorificação. Não só seu rosto brilhava claro como o sol, tendo um brilho que não era terreno, mas suas veste brilhavam brancas como a neve, iguais a essência da própria luz, muito além da pureza imaculada que a capacidade dum lavadeiro lhes podia dar. Tudo isto lhes foi visível, enquanto olhavam em estupefata admiração. Sua glória divina, que sempre carregava em si, mas que, via de regra, estava oculta ou só manifestada ocasionalmente em palavra e milagre, aqui irradiava e brilhava através de sua pessoa e forma exterior de ser: foi uma sobreexcelente revelação de sua glória à vista deles. Foi uma prova incontestável do fato que ele era verdadeiramente o Filho de Deus. Foi uma evidência visível de sua entrada, por meio do sofrimento e da morte, em sua glória. “Por isso esta aparição de Cristo quer mostrar, de fato e de verdade, o que Pedro, acima, capítulo 16.16, confessou: Jesus, o homem que nasceu da virgem Maria, é Cristo, o Filho do Deus vivo (Cristo, contudo, significa um rei e sacerdotes, isto é, um Senhor sobre tudo; e também um Mediador entre Deus e as pessoas). Porque ele foi destinado a ser pregado como o Messias em todo o mundo, aconteceu que por esta mesma razão ele foi mostrado como este aos três apóstolos, que deviam testificar do que haviam visto e ouvido.”42) Outra revelação, V.3) E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. 4) Então disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas; uma será tua, outra para Moisés, outra para Elias. O evangelista indica, com o usual “eis!” que isto não foi a parte menos significativa do espetáculo. Notemos: Qualquer tentativa para enfraquecer a importância desta passagem, tentando expô-la como uma mera visão em sonho e pondo em dúvida a possibilidade dum reconhecer destes homens por parte dos discípulos, prejudica a narrativa simples e objetiva de Mateus. Não é importante perguntar como eles conheciam os profetas. Eles os reconheceram e conheceram imediatamente. Mesmo que estivessem num estado meio sonâmbulo, seus sentidos foram capazes de compreender e reter todos os pontos do quadro à sua frente. Moisés, que morreu perante o Senhor, e cujo túmulo só Deus conhecia, Dt.34.5,6, e Elias, ao qual Deus elevou ao céu num carro de fogo, 2.Rs.2.11, foram vistos em pessoa por eles quando conversavam com Jesus sobre sua morte, o que ele em breve consumaria. Estes dois profetas não haviam visto a corrupção, e estavam falando com o Senhor cujo corpo também não podia ver a corrupção. Aqui estava quem era maior do que a lei, o qual, pelo seu cumprimento perfeito da lei, redimiria os que estavam sob a lei. A glória do fenômeno foi demais para os discípulos, ficando eles deslumbrados com seu esplendor. Pedro expressou a opinião dos outros, quando exclamou: Senhor, é bom estarmos neste lugar. Quis construir, imediatamente, três tabernáculos – um para Cristo, outro para Moisés e mais outro para Elias, para que ali e em glória continuassem com eles. O pensamento subjacente, talvez, tenha sido, que seria muito mais agradável ficar neste lugar, onde a glória do céu fora trazido à terra e a eles, do que ir para Jerusalém e ver Jesus entrar no caminho de dores. O testemunho do Pai, V. 5) Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu; e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi. Enquanto Pedro ainda estava tomado pela êxtase da cena e enquanto descrevia a beleza do fenômeno que continuava, uma nuvem brilhante ou de luz os envolveu. Como em outras ocasiões uma nuvem escura há de encobrir a luz, assim aqui o brilho intenso da nuvem de glória obstruiu sua visão. Olhos humanos não são suficientemente fortes para suportar a luz que irradia do trono do céu. Aqui a glória do Novo Testamento estava encobrindo tanto o Sumo Sacerdote como o Altar da nova aliança, Ex.40.24. Até este momento, os discípulos foram capazes de, ao menos, observar algumas coisas, ainda que sua visão não tivesse sido muito clara.Mas neste ápice eles foram sobrepujados. Pois a voz do Pai proferiu, quase as mesmas palavras que dissera no batismo de 42 ) 136) Lutero, 7.326. Jesus: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo. Foi uma comprovação muito solene a respeito de Jesus como o Messias e o Filho de Deus, destinado a penetrar para sempre em seus corações e mentes. A ele deviam ouvir, rendendo obediência inquestionável a ele em sua palavra. Passara o tempo do império da lei, como representado em Moisés, e o tempo da mera profecia, como representada por Elias. Em e com Cristo vieram a graça e a verdade ou seja o evangelho, a glória do evangelho. Não há mais necessidade de olhar por mais visões e revelações. Temos a palavra de Jesus, a palavra da salvação. A conclusão do fenômeno, V. 6) Ouvindo-a os discípulos, caíram de bruços, tomados de grande medo. 7) Aproximando-se dele, tocou-lhes Jesus, dizendo: Erguei-vos, e não temais! 8) Então eles, levantando os olhos, a ninguém viram senão só a Jesus. A voz divina, a voz do Deus justo e santo foi demais para os pobres e pecaminosos mortais, os quais, enquanto estão revestidos de seu corpo terreno, não podem subsistir em sua presença. Na intensidade do sentimento de terror, caem no chão sobre seus rostos para se esconderem daquele cujos olhos são como chamas de fogo. Jesus, sempre amável, gentil e compassivo, se aproximou. Em seu toque de mão havia um mundo de compreensão e amável firmeza. Admoestou-os a se erguerem e deixarem de lado seus temores. Eles, assim fortalecidos, tiveram a coragem de erguer os olhos, e não viram a ninguém mais, senão só a Jesus, na sua aparência exterior ou na forma do seu corpo real, bem assim como a anos o conheciam, sem quaisquer sinais visíveis desta glória que, fazia pouco, se havia manifestado nele. Hoje não é mais concedida às pessoas uma visão tão grande e maravilhosa. Há, porém, uma maneira em que todos podem ver a Jesus, a saber, em seu evangelho, onde, tanto o ouvimos falar, como enxergamos sua glória. E, vendo, cremos, Jo.6.40. A ordem dada por Jesus, V.9) E, descendo eles do monte, ordenou-lhes Jesus: A ninguém conteis a visão, até que o Filho do homem ressuscite dentre os mortos. Ao descerem do monte, estando eles ainda tomados da grandeza da manifestação, ele lhes deu esta ordem enfática. Tornar público, neste momento, o que haviam visto tão somente, resultaria em estorvo para a obra do seu ministério e, por isso, também do evangelho. “Como esta transfiguração teve por objetivo revelar a final abolição de toda a lei cerimonial, era necessário que o assunto, que não deixaria de irritar aos chefes judeus e ao povo, devia permanecer em segredo, até que Jesus tivesse consumado tanto visão como profecia por meio de sua morte e ressurreição”43). A pergunta dos discípulos, V. 10) Mas os discípulos o interrogaram: Por que dizem, pois, os escribas ser necessário que Elias venha primeiro? 11) Então Jesus respondeu: De fato Elias vira e restaurará todas as coisas. 12) Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não o reconheceram, antes fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do homem há de padecer nas mãos deles. 13) Então os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João Batista. O fato de terem visto ao profeta Elias em sua visão no monte, lembrou-lhes as afirmações dos escribas sobre a vinda de Elias, provavelmente baseada em Ml.4.5. Eles entendiam que Elias reapareceria em pessoa, para acalmar as brigas entes as várias escolas judaicas, trazer de volta o vaso com o maná e a vara de Arão, e santificar o povo por meio dum lavar extraordinário. Jesus reconhece a exatidão da idéia: Conforme a profecia, Elias, realmente, já veio para restaurar tudo à sua situação correta entre os judeus, tal como o Senhor quis que fosse. Ele devia preparar o caminho ao Senhor. Mas o Senhor acha defeito no falto que os escribas e o povo judeu não reconheceram ao segundo Elias, como sendo aquele que Deus enviou, mas agiram com ele como bem lhes aprouve. Os líderes do povo o rejeitaram, e o tetrarca dissoluto e adúltero o matou. Ele teve parte no destino da maioria dos profetas que colocam a confissão destemida da verdade acima do cuidado por sua própria segurança e bem-estar. Há somente um pequeno passo entre a rejeição do seu arauto para a negação do seu Messias. Eles, bem da mesma maneira, lhe causarão o sofrimento. Esta explanação bastou para abrir os olhos dos discípulos. Eles compreenderam que João Batista foi o Elias que devia vir antes do grande e terrível dia do Senhor. A Cura Dum Lunático, 43 ) 137) Clarke, Commentary, 5.177. Mt.17.14-21. De volta ao povo, V. 14) E, quando chegaram para junto da multidão, aproximou-se dele um homem que se ajoelhou e disse: 15) Senhor, compadece-te de meu filho, porque é lunático e sofre muito; pois muitas vezes cai no fogo, e outras muitas, na água. 16) Apresentei-o a teus discípulos, mas eles não puderam curá-lo. Enquanto Jesus esteve com seus três discípulos no alto do monte durante a noite, verdadeira multidão se reunira ao pé do monte, onde os outros discípulos esperavam seu retorno. O Senhor encontrou o povo rodeando os discípulos, onde alguns escribas discutiam ardorosamente com eles, Mc.9.14. As multidões o receberam com todo o respeito. A atenção do Senhor, logo, foi dirigida a um certo homem que se apressou em vir à frente com o pedido urgente, enquanto caia de joelhos a seus pés, e expressava a Jesus toda a urgência de seu ansioso pedido pelo filho. Confessa a Jesus como o Senhor. Sinceramente suplica pela sua misericórdia, por estar consciente que não é digno dela. Roga por seu filho, que estava possesso de demônio muito estranho. Sofria de uma forma de loucura ou epilepsia que levava o menino a atirarse, muitas vezes, no fogo ou na água. Mas havia uma complicação: Os discípulos haviam sido incapazes para o socorrer. O pai já havia recorrido a eles, mas fora em vão: não haviam sido capazes para curá-lo. A repreensão e a cura, V. 17) Jesus exclamou: Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-me aqui o menino. 18) E Jesus repreendeu o demônio, e este saiu do menino; e desde aquela hora ficou o menino curado. É uma brado de extremo aborrecimento, quase de impaciência. Inclui a todos os presentes: os discípulos por causa de sua falta de entendimento e pequenez de fé; o povo, porque era tardo de coração para crer nele como o Messias. Eram incrédulos, tendo uma fé muito pequena ou nem a possuindo. Eram perversos, corruptos, desviados ao caminho errado, sem vontade de observar e seguir o caminho que ele lhes indicava que é o caminho da salvação e santificação. Davam-se o direito de serem levados ao erro. Disso tudo o Senhor estava cansado, e desejava estar liberto da lentidão, da imbecilidade e perversão desta geração. Todavia não era rude ou indelicado. Suas palavras eram uma repreensão e não a mal-humorada exclamação duma pessoa desapontada. Pediu que lhe trouxessem o rapaz. Constatou a evidência do poder do demônio. Com veemência empregou seu poder divino repreendendo ao demônio. E o resultado foi uma cura perfeita do filho do momento em diante. O diabo, às vezes e com a permissão de Deus, pode torturar o corpo por meio de alguma doença que aos homens é incurável. Mas as almas que lançam sua confiança em Jesus, estão nas mãos do Senhor, e seguras contra todas as tentativas do maligno para se apossar delas. Cristo explica o fracasso, V. 19) Então os discípulos, aproximando-se de Jesus, perguntaram em particular: Por que motivo não pudemos nós expulsá-lo? 20) E ele lhes respondeu: Por causa da pequenez da vossa fé. Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será impossível. 21) Mas esta casta não se expele senão por meio de oração e jejum. Tendo curado ao demoníaco, Jesus entrou numa casa. Foi ali, onde estavam a sós, que os discípulos cobraram a coragem para lhe perguntar sobre o seu fracasso. O fato era manifesto: Não haviam sido capazes de expulsar o demônio. A questão parece sugerir que a experiência foi excepcional; que em outros casos não haviam tido esta dificuldade, Lc.10.17. Jesus, com muita franqueza, lhes relata a dificuldade. Sua fé, sua confiança em Deus, não estivera à altura da ocasião. Neste caso sua fé fora muito pequena. Os discípulos, que anteriormente haviam expelido demônios em nome e pela autoridade do Senhor, provavelmente, haviam tentado exorcizar confiando sua própria força. Com certeza, a fé, aqui referida, não é a que redime, mas aquela firme confiança no poder e promessas de Deus. Porque, quando está presente esta fé que confia, mesmo que seja comparativamente pequenina como um grão de mostarda, mesmo que sua porção represente o mínimo desta confiança, ela, ainda assim, seria capaz de realizar milagres tais que nem sonhavam, como seja o mover montanhas. Nada é impossível a uma tal fé. Quando, em nossos empreendimentos, temos a ordem e a promessa de Deus, então devíamos apoiar-nos firmemente no seu poder onipotente, sabendo que seremos capazes de realizar o que nos concedeu fazer. Cf. cap.21.21; Mc.11.23. O que parece impossível aos homens, empreendimentos que são abertamente debochados como sonhos de visionários, obras de misericórdia e outros projetos da igreja, que desde seu começo pareciam irrealizáveis, foram realizados com sucesso por causa do apoio na legitimidade da causa e na ajuda do Senhor lá de cima. – Finalmente o Senhor adiciona, para informar seus discípulos de mais outros casos semelhantes, que o jejum e a oração são úteis para alcançar o resultado desejado. Quanto mais difícil o problema que confronta o cristão, tanto mais firmemente precisa ele apegarse às promessas de Deus. Seja que Satanás esta presente na forma duma enfermidade muito maligna e frustrante, ou se pretende impedir a obra de Cristo em sua igreja, usando todos os meios de obstrução, a oração sincera e devota é um aliado em que se pode confiar para obter a ajuda necessária do alto, pôr o inimigo em fuga, e fazer vencer a causa de Cristo. Cristo Prediz Sua Paixão e Paga o Imposto do Templo, Mt.17.22-27. V. 22) Reunidos eles na Galiléia, disse-lhes Jesus: O Filho do homem está para ser entregue nas mãos dos homens; 23) e estes o matarão; mas ao terceiro dia ressuscitará. Então os discípulos se entristeceram grandemente. Parece que Jesus, nesta altura dos acontecimentos, voltou do lugar da transfiguração para a Galiléia. Também os apóstolos se lhe juntaram. O Mestre e seus alunos estão reunidos. Tudo foi feito de modo tranqüilo e sem ostentação pública. Passara o tempo da visitação misericordiosa de Deus ao povo da Galiléia. A grande maioria dele não haviam ouvido, e não haviam sido convertidos. Mas Jesus usava a maior parte do tempo para estar com seus discípulos, para lhes dar a informação do qual urgentemente necessitavam. Novamente faz seu enfático anúncio: Certamente acontecerá, sem falta sucederá. Ele será entregue, conforme o conselho de Deus, como expiação pelos pecados do mundo. Será entregue nas mãos dos homens, por meio dos quais, como representantes de toda a humanidade, ele verá a morte. Assim estava escrito, e assim irá acontecer. Não será uma execução que será considerada justa, nem mesmo diante de cortes humanas, mas será um homicídio deliberado. Mas ele não permanecerá na morte. Não verá a corrupção. Ele é o anti-tipo de Jonas: ao terceiro dia se erguerá novamente da sepultura. Se levantará e mostrará que o selo da aprovação de Deus foi impresso em sua obra realizada. Os discípulos, mais uma vez, foram lerdos demais para captar o significado da instrução das palavras de Cristo. Acima de tudo, haviam perdido o conforto das suas últimas palavras. Todos estavam muito aflitos e cheios de imensa tristeza. Viram somente morte e trevas. A questão do imposto do templo, V. 24) Tendo eles chegado a Cafarnaum, dirigiram0se a Pedro os que cobravam o imposto das duas dracmas, e perguntaram: Não paga o vosso Mestre as duas dracmas? 25) Sim, respondeu ele. Ao entrar Pedro em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Simão, que te parece? de quem cobram os reis da terra impostos ou tributo; dos seus filhos, ou dos estranhos? 26) Respondendo Pedro: Dos estranhos, Jesus lhe disse: Logo, estão isentos os filhos. Cafarnaum ainda era considerada o lar de Jesus, e foi a ela que ele retornou para uma breve visita. Aqui os arrecadadores do imposto, os coletores do imposto do templo, estavam fazendo sua visita. No Antigo Testamento, Ex.30.13-16, cada israelita acima de vinte e quatro anos era taxado com meio shekel anual para a manutenção do santuário. Este imposto foi renovado no tempo depois do exílio, sendo o dinheiro pago nas moedas em circulação que mais se lhe equivaliam. A didracma ou dracma ática dupla, era, na época, o imposto do templo geralmente aceito. Os coletores não se dirigiram diretamente a Jesus, mas, porque conheciam Pedro de tempos anteriores, foi a este que dirigiram sua pergunta. Pedro, familiarizado com os hábitos de seu Mestre e certo de que ele sempre pagara sua contribuição, como membro que era da igreja dos judeus, respondeu afirmativamente. Jesus, conforme sua onisciência, soube da conversa, mesmo antes que Pedro entrasse na casa e antes que tivesse ocasião de conversar sobre o assunto. Foi, por isso, que Jesus se antecipou ao discípulo; literalmente, adiantou-se a ele. Também ele tem a propor-lhe uma indagação, apresentando um caso paralelo. Quer saber o que é usual com os governantes do mundo, quando exigem e aceitam taxas de mercadoria e taxa por pessoa. A pergunta é colocada de modo animado: O Que pensas? Estão sujeitos os filhos ou os estranhos? Da resposta de Pedro, que naturalmente eximiu os filhos, Jesus tirou sua conclusão: Os filhos, por isso, estão livres. Jesus era Filho na casa de seu Pai, na igreja judia e em seu templo, e um servo numa casa alheia. Por isso podia reivindicar as ofertas do templo como seu legítimo direito. Deus é Rei na cidade do templo, por isso seu Filho está livre do tributo do templo. “Seu pensamento inclui isto: Prezado Pedro, sei que somos reis e filhos de reis. Sou o Rei dos reis, e ninguém tem o direito de exigir de nós o imposto do templo, ao contrário, eles é que deviam pagá-lo a nós. Como pois, prezado Pedro, exigem eles imposto de ti, visto seres filhos dum rei? O que pensas? Agem eles de modo correto quando exigem imposto de ti? Mas, visto que Cristo propõe esta pergunta de modo mais geral, Pedro, em sua singeleza, igualmente, responde de modo genérico, quando diz: Via de regra os outros pagam o imposto, e não os filhos, não reconhecendo que Cristo em suas palavras o chamara de um filho de rei.”44). Esta idéia pode ser enfatizada de modo ainda mais forte. Os filhos de Deus pela fé em Cristo, Gl.3.26, os filhos do Novo Testamento, que são reis de direito justo, Rm.5.10, estão livres no sentido melhor da palavra, Jo.8.36. Não estão mais sob o jugo de qualquer lei cerimonial do Antigo Testamento, mas tal como seu Mestre, estão livres dos preceitos de Israel. Jesus, desta forma, faz uma declaração feliz, que é verdadeira para sempre. O milagre, 27) Mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe que fisgar, tira-o; e, abrindo-lhe a boca, acharás um estáter. Toma-o, e entregalhes poro mim e por ti. O milagre é dado de modo tão incondicional por certo, que seu cumprimento nem mesmo é noticiado. Mateus simplesmente relata a ordem de Jesus. Pedro apanhou seu anzol e linha, foi ao lago, atirou a linha, retirou o peixe com o estáter na boca, e pagou a moeda, que era igual a 60 centavos de dólar, ou duas vezes o imposto do templo, valendo para ele e seu Mestre. Assim foi da vontade do Senhor. Jesus poderia ter obtido a pequena soma de maneira diferente. Também poderia ter pago por todos eles, contudo o texto não indica que todos estivessem presente. Jesus, de propósito, quis conseguir a moeda para o pagamento do impôs do templo por meio dum notável milagre. Ele, o Senhor de céus e terra, que em sua mão tem os peixes do mar, a prata e o ouro do mundo inteiro, se humilha profundamente e se sujeita aos preceitos dos judeus, para não dar ofensa desnecessária, e, talvez, para ganhar alguns do povo ao seu reino. É uma lição para todos os discípulos de todos os tempos, que estes não dêem ofensa, não abusem do poder e liberdade que possuem em Cristo em detrimento de seu próximo, mas estejam dispostos a se acomodarem aos desejos, exigências, costumes e preceitos dos homens, sempre que o amor dita este curso e possa ser seguido sem ofender a ordem de Deus.45) Podia parecer algo pequeno que Jesus e seus seguidores pudessem ter a opinião de menosprezar o templo e desautorizar seus exigências, mas um desejo apropriado de viver sempre que possível pacífico com todas as pessoas ditou seu curso e se tornou uma lição para todos os tempos. Sumário: Jesus miraculosamente é transfigurado no monte, dá a seus discípulos um ensino sobre a vinda de Elias, cura um lunático endemoninhado, repreende os apóstolos por sua pequenez na fé, novamente prediz sua paixão, e paga o imposto do templo. CAPITULO 18 O Maior no Reino dos Céus, Mt.18.1-14. Uma questão sobre hierarquia, V. 1) Naquela hora, aproximando-se de Jesus os discípulos, perguntando: Quem é, porventura, o maior no reino dos céus? Na mesma hora em que ocorrera o espetacular milagre do pagamento do imposto do templo. Havia transcorrido pouco tempo desde que haviam retornado à casa. Pelo caminho haviam discutido entre si quanto à posição e grau em seu próprio círculo. Foi assim tão cedo que o diabo do orgulho ergueu sua cabeça horrenda em seu meio. Ainda que sua discussão tivesse sido conduzida secretamente, Jesus soube da discussão e os perguntou a respeito, Mc.9.33. Expuseram sua pretensa dificuldade na forma duma interrogação: 44 45 ) 138) Lutero, 7.336,337. ) 139) Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 152. Quem, sim, quem, em tua opinião, devia ser considerado o maior no reino dos céus? Jesus, repetidamente, havia tentado mostrar-lhes que seu reino, falando de modo restrito, não é um reino visível, físico e temporal, mas consiste no seu governo nos corações dos fiéis. Mas esta idéia lhes era ainda difícil demais para captar. Queriam uma prova clara e concreta. A demonstração, V.2) E Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles. 3) E disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. 4) Portanto, aquele que se humilhar como esta criança, esse é o maior no reino dos céus. 5) E quem receber uma criança, tal como esta, em meu nome, a mim me recebe. Cristo resolveu tornar sua resposta bem clara, e sua demonstração bem palpável. Chamando uma criancinha, talvez alguma da própria casa, ergueu-a e a abraçou, Mc.9.36, considerando-lhe, por meio destes sinais, consideração e amor. Depois a pôs em pé no centro do círculo dos discípulos. A criança fornece o assunto para uma lição muito marcante, que tem uma introdução muito solene. Do modo mais enfático ele declara que devem ser convertidos, virar-se e encarar a direção oposta. Já haviam aceito e confessado a Jesus, mas as idéias que expressaram agora mostravam que ainda estavam longe de possuir a condição de mente e alma que é indispensável a um servo de Cristo. Sua fé nunca subsistirá, se só for desta qualidade. Deviam tornar-se como crianças, na simplicidade de fé, na aceitação incondicional das verdades bíblicas, na humildade confiante. No relacionamento que é próprio a uma criança com seus pais, está ausente qualquer inibição e qualquer presunção e arrogância. Ao contrário, há uma crença singela e firme na honestidade, na capacidade e no cuidado dos pais. Esta mesma disposição mental e de coração é necessária aos discípulos de Cristo, se desejarem entrar no reino dos céus. Não deve haver nenhuma preocupação por honra e glória diante das pessoas, nenhuma ambição falsa, nenhuma maquinação por poder, sendo que tudo isto é contrário ao espírito de Cristo. Não penseis, como diz Lutero, a respeito de tornar-vos grandes, mas a respeito de tornar-vos pequenos. A exaltação virá no tempo apropriado, se praticardes primeiro e tão somente a humildade. Tornar-se humilde como uma criancinha, isto é a verdadeira grandeza no reino dos céus. Não só fingir humildade por atos fictícios e por vestimenta, que por serem incomuns os torna duplamente vistosos, sendo que então a humildade vem a ser a própria essência da ostentação. “É, como se ele dissesse: Vejo que vossa mente carnal não é atingida por meras palavras. Por isso apresento-lhes esta criança, para que depois e sempre vos recordeis dela. Vede, aqui uma criança! Contai-me agora, se ela está preparada para um reino terreno e temporal, com o qual vós, sem dúvida, sonhais. Seria um reino miserável, sim, nem o seria, quando governado por uma criança, Mas agora, como é tolo pensar que esta criança está preparada para governar um reino terreno, assim também o é pensar que o meu reino seja deste mundo. Pois o reino que eu inicio, é de tal natureza que todos os sábios do mundo dele entendem menos do que esta criança, talvez, entenda dum reino terreno. Por isso a idéia e o pensamento dum reino terreno deve ser posta inteiramente de lado, quando quereis falar do meu reino. Porque o meu reino será de tal natureza que nele precisais tornar-vos crianças, que se deixam governar mas que não governam nem mesmo sobre si, assim como esta criança não reina num governo terreno mas é governada.”46) Jesus, para enfatizar a importância da correta valorização das almas das crianças, não enfraquece nada ao argumento. Seja quem for, ou qualquer um que, semelhante a um verdadeiro pai, com todas as evidências de uma tal estima, aceita ou recebe uma única criancinha como esta em nome de Jesus, esse recebe ao próprio Senhor em e com esta criança. Cada um que, por amor a Cristo, mostra um amor semelhante ao de Cristo às crianças pobres e desamparadas, tem a promessa que, procedendo assim, recebe o próprio Cristo, e com Cristo a seu Pai celeste, Mc.9.37. Uma advertência, V.6) Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse afogado na profundeza do mar. 7) Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual vem o escândalo. Cristo está totalmente empenhado num assunto que lhe está muito próximo e lhe é caro, pelo seu amor a todos 46 ) 140) Lutero, 7.340. os modestos e humildes. Tem em mente não só as criancinhas, ainda que seja sua primeira preocupação, mas a todos os modestos e despretensiosos, os pequenos no reino dos céus, que nele crêem. Talvez não se destaquem em grandes realizações intelectuais, talvez não se sobressaiam entre os demais em coisas que, comumente, são consideradas grandes neste mundo; mas são cristãos ingênuos e despretensiosos. Mas, ai daquele que fosse ofender a um desses, que lhes colocasse uma tentação de qualquer forma, que os levasse ao pecado, que substituísse sua fé ingênua por dúvidas sobre as Escrituras e o seu Salvador. Muito cristão já foi ofendido, escandalizado, sendo conduzido à dúvida, e desta forma à incredulidade e ao desespero pelo tom zombeteiro e frívolo usado por aqueles que presumem grande saber, sempre que se referem à Bíblia e ao caminho da redenção. Cristo fala com profundo sentimento. Ele sugere um castigo que, de modo mais apropriado, se aplica ao crime, um destino que seria preferível à transgressão da ofensa, assim como ele a descreveu. Pendurem uma grande pedra de moinho, daqueles moinhos movidos por animais, no pescoço do tal que é culpado de tão hedionda transgressão, antes que se permita que a ofensa seja executada.47 ) Todo o assunto das ofensas é para Jesus extremamente repugnante. Por causa delas ela pronuncia um ai sobre o mundo, pois grande parte dos pecados atuais cometidos ocorrem devido a sugestões, tentações, empenhos deliberados para transviar, que vêm de fora. É realmente verdade, que virão ofensas, por causa do coração e da mente perversos da pessoa natural. Deus não é responsável pelo mal, mas, desde a queda de Adão, o mal habita o mundo. Os desejos pecaminosos procedem dos corações corruptos, que brotam como obras pecaminosas, e por isso são inevitáveis os escândalos. Eles penetram na igreja visível de Deus, onde cada herético reclama para si o apoio das Escrituras. “Por isso deve-se aprender a conhecer esse patife, o diabo, que se adorna com e se faz passar sob o nome de Deus. Pois todos os falsos mestres e heréticos pretendem para si o nome de Deus, como vedes no caso do papa, dos sacramentários, dos anabatistas e todos os sismáticos. Mas os cristãos não são escusados quando se deixam transviar. Pois os cristãos, de fato, deviam ser como crianças, mas em Cristo, não fora de Cristo. Pois, Cristo o Senhor advertiu-os suficientemente contra os mentirosos sismáticos que apareceriam e sob o nome de Cristo tentariam seduzi-los.”48). Ai do homem pelo qual vêm o escândalo, que é culpado de levar outras pessoas a pecar. Uma advertência adicional, V. 8) Portanto, se a tua mão ou o teu pé te faz tropeçar, cortao, e lança-o fora de ti; melhor é entrares na vida manco ou aleijado, do que, tendo duas mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno. 9) Se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o, e lançao fora de ti; melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos, do que, tendo dois, seres lançado no inferno de fogo. O assunto aqui abordado afeta, tão profundamente, a Jesus, que ele repete sua advertência feita no sermão da montanha, Mt.5.29,30. Ofensas acontecerão, não só de fora, mas também de dentro, dos próprios membros da igreja. A mão, o pé, o olho oferecem ocasião para pecar. A lei do pecado está sempre presente nos órgãos do corpo. A grande preocupação dos discípulos de Cristo deve ser negar a estes membros, e lutar contra todo e qualquer abuso das suas funções divinamente dadas, e conservá-los sob controle absoluto. Como diz Lutero, isto não deve ser entendido assim, que uma pessoa mutile seu corpo, mas que, com o auxílio do Espírito Santo e em verdadeira fé, conserve seus membros em submissão. Os membros devem ser amputados, isto é, dominados pelo Espírito Santo, para que a mão, o olho e os pés não façam o que o coração deseja. Pois o fim daquele que se rende ao pecado, e que coloca seus membros ao serviço deliberado do pecado, é o fogo eterno, o fogo do inferno, onde seu verme não morrerá nem o seu fogo se apagará, Mc.9.43-48. Somente aquele que, pelo poder do Espírito Santo que está nele, conserva seu corpo em submissão, que não permite que o pecado ganhe o predomínio, somente este guardará a fé e uma boa consciência, e somente este salvará corpo e alma para a vida eterna. Advertência contra a arrogância, V. 10) Vede, não desprezeis a qualquer destes pequeninos; porque eu vos afirmo que os seus anjos nos céus vêem incessantemente a face de meu Pai celeste. 11) Porque o Filho do homem veio salvar o que estava perdido. Os mansos e 47 48 ) 141) Cf. Lutero, 7.880-886. ) 142) Lutero, 7.890. desprezíveis, o que inclui as crianças, são seu tema mais uma vez. Vede, diz ele, preocupai-vos por cuidar que não desprezeis a um desses desprezíveis, cuja fé em mim é tão singela mas tão sincera. Quanto mais humilde o discípulo, tanto mais convicto é o seu discipulado, e tanto mais elevado é o valor que Deus, o Pai celeste, lhe dá. Há anjos especiais encarregados para o seu serviço. Estes anjos estão confirmados na glória do céu, e sempre estão diante de Deus, na satisfação indescritível de ver sua face. Notemos: Há espíritos bons, anjos que experimentam continuamente as glórias dos céus, que estão confirmados na posse pessoal dos céus. E estes anjos são delegados ao serviço daqueles que são de Deus, em especial daqueles que são desprezíveis e humildes, tal como as crianças, em sua fé. Este fato deve ser ensinado às crianças, desde a sua mais tenra idade. “Devo treinar uma criança, desde a mais tenra idade, que lhe diga: Querida criança, tens teu anjo pessoal. Quando oras de manhã e à noite, este anjo estará contigo,vestido de alvas vestes sentará junto ao teu berço, zelará por ti, te embalará e protegerá para que o maligno, o diabo, não se aproxime de ti. Do mesmo modo, quando à mesa, de bom grado, dizes o Beneticite e o Gratias, teu anjo estará contigo à mesa, te servirá, protegerá e cuidará que nenhum mal te acerte, e para que o alimento te faça bem. Se alguém pudesse retratar isto às crianças, aprenderiam desde jovens e se acostumariam ao fato que os anjos as acompanham. Isto não só servirá para o fato que as crianças hão de confiar na proteção dos anjos, mas também que se tornarão castas e aprenderão a temer o mal, quando estiverem a sós, e pensem: Mesmo que nossos pais não estejam conosco, os anjos estão presentes; eles nos guardam, para que o espírito do mal não nos mostre nenhum dolo. Este, talvez, seja um sermão ingênuo. Mas ele é bom e necessário. Tão necessário e tão ingênuo, que serve também para nós adultos. Pois os anjos estão não só com as crianças, mas também com nós, as pessoas mais velhas.”49 ) Deus valoriza as crianças e a fé infantil em grau tão alto e tão enfaticamente adverte contra o desprezo a elas, porque isto certamente as fará tropeçar. “Por conseguinte, deixamos que estas palavras sejam um discurso singelo, pois que também somos crianças e cristãos, se nisso permanecemos, e então tudo será melhor. Mas, se formos tentados com doutrina falsa, então se diz: Cuidai-vos que não desprezeis a um desses pequeninos; pois, lembrai-vos, que eles me pertencem, por isso estejais certos que não os desprezais, como se ele dissesse: Cuidai-vos, vós pregadores e pais,... que façais a vossa parte que as crianças aprendam a orar, a crer e a conhecer a Cristo. Pois, este é o vosso ofício, que educais estas crianças para mim, é para isto que vo-los confio.”50) Segue uma afirmação final para comprovar esta verdade: Tudo o que está perdido, todas as pessoas de todo o mundo, sem exceção duma só, que incorreram na condenação eterna, estão incluídas em sua intenção e propósito sincero de salvação. As ruínas desoladas da queda de Adão são o lugar que o Redentor visita com um amor bem especial. Pois destas ruínas ele pretende construir para si um templo santo, feito de pedras vivas que foram tornadas sadias pelo sangue da sua expiação. A parábola da ovelha perdida, V. 12) Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixará ele nos montes as noventa e nove, indo procurar a que se extraviou? 13) E, se porventura a encontra, em verdade vos digo que maior prazer sentirá por causa desta, do que pelas noventa e nove, que não se extraviaram. 14) Assim, pois, não é da vontade de vosso Pai celeste que pereça um só destes pequeninos. Uma comparação muito eficaz! O quadro é o dum campo montanhoso, onde o pastor levou seu rebanho para lhe dar todo o benefício da abundante pastagem. Sucede, porém, que uma se extravia, abandonando a abundância do campo poro um montinho duma moita de capim, trocando a segurança do zelo protetor do pastor pela incerteza dos vales e desfiladeiros onde não faltava o perigo de rochas escorregadias e de animais cruéis. Esta uma ovelha, a partir do momento, para o pastor se torna uma causa de preocupação. Deixando atrás de si as outras ovelhas, sobe as montanhas até não haver mais trilho, e procura pela extraviada. E, caso tiver a sorte de ver recompensado seu árduo trabalho, sua alegria sobre esta uma ovelha será maior do que sobre as demais que não sentiram a tentação de deixar o campo em busca de aventuras. Muito solenemente Jesus enfatiza e anuncia a conclusão: Da mesma maneira não é objetivo da vontade do Pai celeste, que sequer um só dos desprezíveis e humildes 49 50 ) 143) Lutero, 10.1047,1048. ) 144) Lutero, 7.907-909. discípulos se perca, especialmente, não por causa duma ofensa dada por um irmão na fé. O Pai do céu só tem uma vontade, que é a vontade de salvar. Só tem um desejo, o de salvar por graça. A idéia duma predestinação para a condenação é tão ridícula como blasfema. Como Lidar Com Um Irmão Em Erro, Mt.18.15-22. V. 15) Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. 16) Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. 17) E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considerá-o como gentio e publicano. Notemos a ligação: Deus não deseja que um só se perca, especialmente não os fracos e errantes, cuja fraqueza faz com que, quando tentados, sejam presa fácil. O objetivo de toda esta passagem é mostrar como o irmão ou irmã fraco e errante pode ser reconquistado para Cristo, mesmo que isto seja algo difícil, e um trabalho árduo. “Contra ti”, não se refere essencialmente a ofensas pessoais, mas antes a pecados dos quais se tem noção em primeira mão, que despertaram atenção e com certeza ofendem Cristo e a religião cristã. Precisam ser pecados e não meras peculiaridades pessoais. Estas últimas podem tornar uma pessoa imprópria para algum ofício na igreja, vindo em consideração unicamente neste conexão. Nesta passagem, porém, o Senhor está preocupado com e somente com – os anteriores, ou seja, com pecados. “Cristo agora diz:’Se o teu irmão pecar contra ti’, isto é, se ele se comporta assim que em público vive contrário a Deus e sua Palavra. Pois é pecar contra ti e contra todos os cristãos, o que é feito contra a honra de Deus, ou o que é praticado é pecado contra Deus, tal como, quando alguém despreza Deus, blasfema sua Palavra, ou peca contra a segunda taboa da lei, como acontece com o furto, o roubo, o dano, a mentira e o logro. Se, pois, estas notícias chegam a ti e tu o ficas sabendo, então fala-lhe de sua falta entre ti e ele só. Não deves expô-lo em público no marcado ou onde quer que estejas, diante de todos. Mas lembra-te, que ele ainda é o teu irmão. Por isso, cala-te frente a outros e vai até ele, toma-o a sós contigo, e, de modo gentil, admoesta e repreende-o. Dize: Isto é o que ouvi de ti; vê, deixa disso, caso contrário Deus te punirá. Então, provavelmente, acontecerá que ele, de bom grado, te ouvirá e tu ganhaste a teu irmão e o reconduzirás ao trilho certo.”51) Todo procedimento no falar e agir deve ser gentil, mas enfático, contudo, digno. A aversão ao pecado, mas o amor ao pecador, precisam estar evidentes. Notamos também: Precisa ser um irmão, um colega cristão para o qual se faz esta obra de amor, 1.Co.5.10,11. Se esta primeira tentativa de serviço para com o irmão e para livrá-lo do erro vier a falhar (e será sábio e cristão repetir a admoestação em particular por várias vezes), então precisa ser adotada a segunda medida. Uma seleção cuidadosa destas testemunhas também é assunto para um julgamento caridoso. O imperativo está baseado em Dt.19.15. Numa segunda vez deve ser feito todo o empenho para que o errante se submeta à admoestação. Paciência e o objetivo de ganhar o irmão errante precisam ditar cada palavra, contudo, sem tirar o mérito da dignidade da Palavra de Deus. Verdade e integridade precisam ser preservados a todo preço. Se, porém, a aplicação total desta medida, apesar de todos os esforços, também falha, então é preciso recorrer à última medida. Já não há mais alternativa. Se o irmão errante não dá atenção à vossa admoestação, se não mostra qualquer evidência de reconhecer seu pecado, se ele recusar convencer-se apesar das claras passagens da Escritura que condenam sua maneira de agir, então o assunto deve ser trazido à atenção de toda a congregação. Isto não significa a igreja em sua totalidade, mas, conforme o uso comum da palavra entre os judeus e também conforme a explanação do próprio Cristo, versículo 19, significa a congregação local visível. Aqui mais uma vez precisam ser empregados tanto o apelo como a admoestação, tendo como objetivo ganhar ao irmão. Não está prescrito a extensão de tempo, podendo variar de caso para caso, para que, se possível, o errante seja reconduzido ao entendimento. Finalmente, porém, se todos os esforços deram em nada, a realidade os fatos precisa ser exposta. O que fora anteriormente um irmão precisa 51 ) 145) Lutero, 7.919,920. ser declarado um homem gentio e publicano, como alguém que está fora da igreja cristã, por sua culpa exclusiva e apesar da preocupação esmerada e da busca carinhosa. O poder da congregação, V.18) Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra, terá sido ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra, terá sido desligado no céu. 19) Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que porventura pedirem, lhes será concedida por meu Pai que está nos céus. 20) Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles. Aqui Cristo cumpre a promessa que fizera a Pedro e por meio dele a todos os apóstolos, capítulo 16.18. Dá-lhes em declaração solene as chaves do céu. A congregação inteira, da qual, a pouco, falara como quem tem o poder de proferir uma excomunhão, tem o poder de ligar e desligar, de perdoar os pecados dos pecadores penitentes, mas reter os pecados dos impenitentes, enquanto não se arrependerem. Se este poder é exercido de acordo com a prescrição e a ordem, então a sentença é válida perante Deus no céu. Cada congregação local, mesmo a menor e a mais pobre, tem o poder peculiar da igreja. Nunca, porém, deve ser esquecido que este poder é para a edificação e não para a destruição, 2.Co.13.10. Ele visa ser um meio maravilhoso de ganhar pobres pecadores e para o conforto dos fracos. “Se, pois, teus pecados te atormentam em tua consciência, tu, para te produzires uma alegria especial, podes usar as palavras de Cristo, Mt.18.18: ‘Tudo o que desligares na terra, terá sido desligado no céu’. Por isso, se foste absolvido por um servo de Deus ou, em caso de necessidade, por um outro cristão piedoso, e realmente estás atento a esta promessa de Deus, em que ele te absolve de pecados e te recebe em sua graça, e se não recorres a algum outro expediente, então encontraste o céu mais seguro de pás e alegria. Pois, Deus não mente nem engana. Quanto a ti, crê firmemente sua promessa.”52) O fato que este poder, de fato, está incorporado à congregação cristã, ele expõe assim: Se dois, que é o menor número daquilo que pode ser considerado uma congregação, concordam ou chegam ao consenso e à concordância plena sobre um assunto que deseja apresentar a Deus em oração, então sua petição receberá a inteira atenção de Deus. Uma tal concordância plena, tão somente, pode ser feita pelo Espírito Santo. “A igreja pode começar, continuar e ser reformada com dois indivíduos. A oração destes dois humildes indivíduos na terra atrai a graciosa resposta do Pai que está no céu, e atesta e confirma, desta forma, o caráter da igreja.”53) Um ponto importante: Se sempre é necessário, que, sob a direção do Espírito Santo, haja harmonia devota entre os irmãos da congregação, isso é especialmente necessário, quando se deve discutir o caso de um irmão que erra. Uma graciosa promessa final: “Onde”, a saber, em qualquer lugar, “dois ou três”, o menor número que forma uma sociedade cristã, estão congregados, reunidos em mim como cristãos, “ali estou” agora e sempre, até o fim dos tempos, “no meio deles”. Isto, acima de tudo, é verdadeiro sobre a confissão pública de Cristo e seu evangelho, seja isto no culto público ou em outras assembléias em que são discutidos assuntos que dizem respeito ao seu nome e Palavra. O verdadeiro perdão, V. 21) Então Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? 22) Respondeulhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. De fato, toda esta exposição dizia respeito à questão como é preciso lidar com um irmão que está em erro. Havia sido enfatizada a necessidade de salvar o irmão, caso isso fosse possível sem negar a verdade e sem trazer desonra sobre Deus. Mas, neste ponto, Pedro quis saber se havia algum limite quanto ao número de vezes que se devia perdoar a um irmão arrependido. Sua questão envolve: Acaso não há razão de se duvidar da sinceridade de arrependimento em um tal caso? Ou não é isto, ao menos, o último limite? Pedro pensou que o seu cálculo era generoso. Mas a resposta de Cristo é desconcertante: “Não te digo que até sete vezes”. Ele não queria nem mesmo começar com uma soma tão insignificante, e nem se deixa fixar a qualquer soma. Nenhum número poderia mostrar a grandeza do amor perdoador que devia ser encontrado no coração dos cristãos. Não há qualquer limite no número de vezes que devíamos perdoar ao irmão errante e reerguê-lo em nossa estima, depois da 52 53 ) 146) Lutero, 12.1952. ) 147) Schaff, Commentary Matthew, 330. sua transgressão. Cristo está falando do perdão dos pecados, e nisso ele não tem limite, sendo que o setenta vezes sete está evidentemente em lugar de qualquer cálculo sem valor. Nos corações dos cristãos deve haver nada mais do que amor. A Palavra Do Servo Incompassivo, Mt.18.23-35. V. 23) Por isso o reino dos céus é semelhante a um rei, que resolveu ajustar contas com os seus servos. “Por isso”, porque é esperado um perdoar ilimitado tanto na disposição como no agir dos discípulos de Cristo. Esta é uma das faces essenciais da igreja de Cristo, que se ache nela esta disposição cordial. Temos aqui uma ilustração tanto da maneira como da extensão do perdão cristão. Um homem, um rei, um monarca ilustre, um homem cuja riqueza e poder parecem ilimitados, quando medidos por padrão humano, achou por necessário, determinado a realizar um ajuste de contas com seus servos, com as pessoas que empregara e que, no decurso do tempo, haviam contraído dívidas. A dívida assombrosa, V. 24) E passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. 25) Não tendo ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher, os filhos, e tudo quanto possuía, e que a dívida fosse paga. 26) Então o servo, prostrandose reverente, rogou: Sê paciente comigo e tudo te pagarei. 27) E o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora, e perdoou-lhe a dividia. O Senhor diz com solene ênfase: Apenas havia iniciado o exame dos relatórios, com os servos, levando seus certificados de dívida, aparecendo um após outro à sua presença, quando lhe foi trazido um devedor de (dez) mil talentos. A exata soma de dinheiro representado por este peso de prata ou ouro não pode ser determinado com exatidão, e isso também não é o essencial, visto que o próprio texto não declara se os talentos mencionados são de prata ou ouro. São dadas cifras que variam de dez a mais do que trezentos milhões de dólares. O acento da narrativa, e isto é feito de propósito, é que a soma era incalculavelmente grande, e que ela confundia a imaginação. O processo é simples: Visto não ter com que pagar, o senhor deu ordem que ele, sua mulher e seus filhos fossem vendidos como escravos, junto com todas as suas posses. Só assim ele podia esperar receber de volta parte da dívida. Era uma sentença dura mas justa, bem de acordo com o poder absoluto dum monarca oriental sobre as vidas e prosperidades de seus súditos, Ex.22.3; Lv.25.39; 2.Rs.4.1. O terror e tristeza do condenado, realmente, eram de dar pena. A perspectiva de ser vendido à escravidão, talvez, a um amo duro e cruel, crestava-lhe a alma. Arremessando-se ao chão, por isso, curvado e quase se arrastando em total submissão e aflição perante o monarca, suplica por um prolongamento de tempo, pois quer pagar a tudo. Foi uma promessa maior do que podia cumprir, mas isto nem lhe havia passado pela idéia, tendo em vista a sua profunda aflição. O rei foi tocado profundamente por este quadro de terror e miséria. Tocado em sua alma pela súplica cheia de lamento, livrou o servo da prisão,e perdoou-lhe a totalidade da dívida. O texto induz também que ele foi deixado em seu serviço ao rei, o qual assumiu que a impressão provocada sobre o servo e a lição que lhe transmitira, este esqueceria jamais. A revoltante falta de misericórdia, V.28) Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservo que lhe devia cem denários; e, agarrando-o, o sufocava, dizendo: Paga-me o que me deves. 29) Então o seu conservo, caindo-lhe aos pés, lhe implorava: Sê paciente comigo e te pagarei. 30) Ele, entretanto, não quis; antes, indo-se, o lançou ma prisão, até que saldasse a dívida. Notemos a ênfase: Mal apenas saíra da presença do rei, quando este fato aconteceu. Era o mesmo servo que recebera um presente tão sem medida de misericórdia. “Encontrou”, não por acaso, mas depois de busca deliberada. A malvadeza do feito se revelou. O conservo só lhe devia cem denários, isto é, calculando 16 2/3 cents por denário, menos do que dezessete dólares, o que é uma soma insignificante e que nem podia vir a ser considerada, quando colocada ao lado da imensa dívida que o rei, a pouco, lhe perdoara. Mas aqui está o cúmulo da brutalidade: Pegando-o pelo pescoço, ele o sufocava, o que segundo a lei romana lhe era lícito. Do modo mais rude possível, tenta levá-lo ao tribunal, caso não lhe seja feito o pagamento imediato. O conservo, pego de surpresa e cheio de medo, caiu-lhe aos pés, implorando e pedindo por prolongamento do prazo. Sendo a soma tão pequena, facilmente podia achar meios e maneiras para pagar, caso o credor tivesse paciência. Mas este último não teve a intenção de proceder assim, porém, desejava descarregar sua vingança sobre um pobre colega. Indo-se, lançou-o em prisão até que fosse capaz de lhe pagar a dívida. Foi o auge do rigor. O resultado, V. 31) Vendo os seus companheiros o que se havia passado, entristeceram-se muito, e foram relatar ao seu senhor tudo o que acontecera.32) Então o seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; 33) não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti? 34) E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. O tratamento que foi dado ao seu conservo encheu aos que o testemunharam de profunda tristeza e mágoa. Vindo a seu senhor, reportaram tudo quanto acontecera. Citado à presença do rei, o culpado emudeceu. Não pode apresentar um só argumento em defesa de seus atos. Mas o senhor descreve a ele e seu trato do conservo assim: Tendo recebido, como resposta ao seu suplicante pedido, medida tão grande de misericórdia, será que não seria algo muito próprio a você repassar esta misericórdia ao seu próximo devedor? E assim, visto que a ira do rei ardeu alto sobre essa crueldade, o servo foi entregue, não só aos guardas da prisão, mas aos verdugos, com as instruções que sua vida fosse tornada o mais miserável possível, para expiar, ao menos em parte, por sua total falta de humanidade, sem falar na falta de decoro e de gratidão. Aplicação, V. 35) Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão. Aqui Cristo revela o significado de toda a parábola. Ele retrata a pessoa em geral em seu trato com o próximo. “O homem é assim, tão severo e tão duro, quando vai de modo diferente do que num constante sentimento do perdão que recebeu de Deus. Ignorância ou esquecimento de sua própria culpa tornam-no severo, implacável e cruel aos outros; ou, ao menos, que disso o separa tão só a fraca defesa do caráter natural a qual pode ser desfeita a qualquer momento.”54) Ao impiedoso Deus também é impiedoso. É seu desejo que cada pessoa, sem exceção duma só, esteja pronta para perdoar de coração, sem um indulto falso ou de boca, não com um cruel: Perdôo, mas não esqueço. Pois todos nós cristãos somos servos de Deus, o Rei celeste. Mas por natureza somos servos inúteis. Somos culpados diante do Senhor por causa de nossas milhares de transgressões da lei. Nossa dívida diante dele é tão grande que confunde a imaginação, como Lutero sugere, não podendo nós nunca pagá-la. Diante dele, por isso, somos culpados do inferno e da condenação. Deus, todavia, teve compaixão de nós por amor de Jesus que pagou a dívida de nosso pecado. Ele nos livrou da prisão que merecemos e nos perdoou a dívida. Temos, por isso, a pesar sobre nós a obrigação de gratidão, que perdoemos com prazer aos nossos semelhantes o que pecaram conta nós. Mesmo que uma tal transgressão seja grande diante dos homens, não pode vir em consideração, quando comparada com a dívida que Deus, graciosamente, nos perdoou. Por isso, qualquer pessoa que é inclemente, insensível e implacável em relação a seu semelhante, com isso nega e repudia a graça e a misericórdia de Deus. Sua dívida antiga é, novamente, debitada em sua conta. A justa ira de Deus o remeterá a um julgamento inclemente do qual não há salvação ou libertação. “É um evangelho delicado e confortador, e doce à consciência atribulada, visto que ele não tem outro objetivo do que perdão dos pecados. Do outro lado, porém, aos cabeça-duras e aos obstinados é ele um h]juízo terrível, e isto, em especial, porque o servo não é um gentio, mas pertence ao evangelho e já tinha a fé. Pois, visto que o Senhor tem misericórdia dele e lhe perdoa o que fez, ele, sem dúvida, deve ser um cristão Por isso, esse não é um castigo para o gentio, nem para a grande massa que não ouve a Palavra de Deus, porém,, para aqueles que com os ouvidos ouvem o evangelho e o tem na ponta da língua, mas não querem viver em harmonia com ele.”55) Resumo: Cristo adverte contra o dar ofensa às crianças e aos desprezíveis em seu reino, ilustrando seu discurso com a parábola da ovelha perdida, ensina como tratar com um irmão que erra, e dá uma lição sobre o perdão, ilustrado com a parábola do servo incompassivo. 54 55 ) 148) Trench, citado em Schaff, Commentary Matthew, 333. ) 149) Lutero, 11.1801. CAPITULO 19 Sobre Casamento e Divórcio, Mt. 19.1-12 A partida final da Galiléia, V. 1) E aconteceu que, concluindo Jesus estas palavras, deixou a Galiléia e foi para o território da Judéia, além do Jordão. 2) Seguiram-no muitas multidões, e curou-as ali. Os dias da graça haviam chegado ao fim para a Galiléia. Jesus havia cumprido tudo que havia proposto para o povo da região norte. Até mesmo esta última lição havia sida dada, com suas afirmações impressionantes, unicamente aos discípulos. O tempo da grande paixão de Cisto estava próxima. Deixou a Galiléia para viajar com calma à região da Judéia, pelo lado leste do Jordão, fronteira à Samaria e Judéia, que incluía grande parte do antigo reino dos edomitas. Da a impressão de já ter estado, por algum tempo, neste região, cumprindo seu ofício de ensino e de cura, Mc.10.1. Tal como na Galiléia, aqui muitas pessoas foram atraídas pela sua fama. Grandes multidões o seguiam, e muitos, sem dúvida, receberam as verdades doces do evangelho em seus corações. A pergunta dos fariseus, V. 3) Vieram a ele alguns fariseus, e o experimentaram, perguntando: É lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo? Sua perseguição não cessou, nem agora que Jesus, propositalmente, lhes havia voltado as costas e, até, deixado a Galiléia. Formavam uma classe especial, distinta do povo que seguia a Jesus sem ter um intento mau. Mas eles, tendo amargura e ódio nos corações, aqui e de novo, armam um laço ao Senhor, quando propõem uma questão aparentemente inocente. Queriam saber se um homem podia divorciar-se de sua mulher “por qualquer motivo”, por qualquer coisa que fosse, isto é, se um homem de qualquer maneira podia repudiar sua mulher, Mc.10.2.Era uma armadilha, em que, fosse a resposta positiva ou negativa, resultariam inimigos contra Jesus. “Pretendem pegá-lo. Se ele respondesse: Não, agiria contra a lei de Moisés. Mas, se dissesse: Sim, então romperia o casamento, autorizando que as pessoas rejeitassem umas às outras e vivessem separadas enchendo a região de adultério. Por tudo isso, eles lhe passariam uma rasteira e o apanhariam. Ele, porém, como Mestre e Senhor, rebenta a tudo.”56) A ligação também pode ter sido a seguinte: “Naquele tempo havia duas famosas escolas religiosas e filosóficas entre os judeus, as de Shammai e de Hillel. Quando ao divórcio a escola de Shammai mantinha que o homem, legalmente, não podia repudiar sua mulher, exceto por prostituição. A escola de Hillel ensinava que um homem podia repudiar sua mulher também por muitos outros motivos, como, quando não lhe agradava mais aos olhos, isto é, quando via outra mulher mais agradável aos seus olhos”57.) A resposta de Jesus, V. 4) Então respondeu ele: Não tendes lido que o Criador desde o princípio os fez homem e mulher, 5) e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? 6) De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem. Os fariseus, como sempre, viram o feitiço se virar contra o feiticeiro. Cristo esta inabalavelmente fundamentado sobre a verdade do Antigo Testamento. Haviam-se julgados tão certos de que não havia saída do dilema, que a resposta de Cristo, qualquer que fosse, certamente traria ofensa. Ele, em ironia sutil, apela ao conhecimento que deviam ter dos livros de Moisés. O Criador, que no princípio, quando Adão e Eva eram os únicos representantes da raça humana, os criou em dois sexos, fê-los macho e fêmea. A sua união por parte de Deus constituiu o tipo de casamento em seu significado mais completo, como uma união indissolúvel. Naquele tempo Deus mesmo, falando pela boca de Adão, disse em Gn.2.24 (cf.1.27), que por esta causa, porque o casamento foi por Deus instituído desta forma e para este fim, um homem rompe os laços que anteriormente o uniam a sua mãe e pai, em sua relação de filho na família, e se uniria à sua mulher. Os dois que, antes estavam separados e 56 57 ) 150) Lutero, 7.966. ) 151) Clarke, Commentary, 5.188. distintos, seguindo ao instinto do sexo e controlados pela ordem de Deus, se uniriam, ligados no relacionamento mais íntimo e forte possível, que é a união física ou carnal. Onde se entrou no matrimônio desta forma, em obediência às leis naturais e escritas de Deus, onde há união das duas naturezas, tanto da alma como do corpo, de solidariedade, de interesse e propósito, lã já não podem mais – nunca mais – ser duas carnes distintas, mais aos olhos de Deus são e permanecerão uma só carne. Deus os juntou, colocou-os sob o mesmo jugo, quais bois diante do arado, mas não sob um jugo pesado e opressivo, porém com o do mútuo afeto. Este fará que, de bom grado, dividam as inevitáveis dificuldades de sua união, sendo o homem quem arca com pesos maiores, tendo a mulher como sua companheira fiel. A afirmação clara de Deus é que o homem não se deve separar. Não se deve separar nenhuma das pessoas que assim foram unidas, pensando que seja coisa simples romper os laços que foram santificados. Nem o devem fazer parentes, amigos ou o governo, nem qualquer outra pessoa. Falando mais estritamente, Diante de Deus não existe algo como uma permissão de divórcio. A igreja ou o governo só podem, meramente, constatar o fato, quando confirmado por testemunhas competentes, que um casamento foi deliberadamente rompido por uma ou ambas as partes que o contraíram, seja por adultério ou por deserção maliciosa. Não podem conceder a permissão de quebrar o laço do casamento. Notemos: O que o Senhor diz aqui representa o estado original e primeiro das coisas que se referem ao casamento. Ele nunca mudou sua lei. Só duas pessoas, um homem e uma mulher, devem ser unidos em santo matrimônio. Pois, se ele tivesse desejado que o marido mandasse sua esposa embora e casasse com outra, ele, já no começo, teria criado mais mulheres. O casamento é o relacionamento natural e lógico no qual as pessoas entram no tempo apropriado. Os primeiros dois indivíduos do sexo masculino e feminino não foram só um homem e uma mulher, mas foram macho e fêmea, no sentido de serem destinados e designados exclusivamente um para o outro. Mesmo agora, no ser humano normal, a presença do instinto sexual é a criação de Deus. Pois os dois sexos não são criados arbitrariamente, ou para permanecerem independentes, mas um para o outro, sendo apropriados e adaptados um para o outro, e deveriam preencher seu destino, de acordo com a ordenança de Deus, no santo matrimônio, essa união indissolúvel. ‘É, como se ele dissesse: Homem, não te deves dar o direito de separar-te de tua mulher, pois aquele que te criou homem levou-te à mulher. E aquele que te criou mulher deu-te como companheira ao homem, e não quer divórcio. Porque isto é assim, que o que Deus juntou nenhum homem deve separar, que ele une homem e mulher, que ele faz com que tu sejas um homem e tu uma mulher, e que por sua ordem homem e mulher se tornam um só corpo: Por isso nenhum homem deve quebrar esta ordenança de Deus, seja seu nome Moisés ou outro qualquer. Mas aqui reza: Tomaste a mim, então só podes ser separado de mim pela morte. Se vos irritais um com o outro e discordais, que vos reconcilieis, como também ordena São Paulo, mas entre vós não deve haver divórcio.”58) Uma objeção e sua resposta, V. 7) Replicaram-lhe: Por que mandou então Moisés dar carta de divórcio e repudiar? 8) Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres; entretanto, não foi assim desde o princípio. 9) Eu, porém, vos digo: Quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra, comete adultério e o que casar com a repudiada comete adultério. A referência dos fariseus é a respeito de Dt.24.1-4. Mas não entendiam a intenção nem as palavras de Moisés. O propósito de Moisés havia sido impedir a prática de divórcios em massa e fáceis, e oferecer à mulher, ao menos, alguma demonstração de justiça, submetendo o processo de separação, então em voga entre os judeus, a certas regras e restrições, com o objetivo de colocar o relacionamento do santo matrimônio num nível mais elevado. Outro ponto: Moisés não ordena que divórcios sejam conseguidos. Ele, tão somente, fez provisão apropriada para garantia da mulher quando o esposo insistia sobre uma separação. “Parece que os fariseus consideravam Moisés como um defensor da 58 ) 152) Lutero, 7.968. prática do repúdio, antes que alguém que quer mitigar seus maus resultados.”59) “ Esta era a lei de Moises a respeito da carta de divórcio, e os judeus se usavam desta lei com violência. Tomavam mulheres e as escorraçavam, tomavam outras, e consideravam a operação de casar e tomar esposas em nada diferentes do que um comércio de cavalo. Quando um homem havia tomado uma mulher, e ela não lhe agradava, ele a rejeitava. Quando se havia divorciado da primeira mulher, e a segundo não lhe agradava (estando ele sentido por causa da troca), imediatamente olhava por outra, ou queria sua primeira mulher de volta. Foi que eles multiplicavam os divórcios. Moisés colocou um freio no caminho, quando proibiu o recasamento com a primeira esposa, quando intentou prevenir divórcios fáceis. Muitos, tendo em vista esta emenda na lei, ficaram com suas primeiras mulheres.”60) Jesus, de modo muito franco, aponta as razões que levaram a Moisés, como legista da teocracia do Antigo Testamento, por inspiração de Deus, incluir esta provisão. A dureza de seus corações, que é aquela condição de coração e mente que recusa submeter-se ao freio de pureza e piedade, e que provavelmente tentará dar escape à sua malignidade em atos de crueldade contra a esposa, tornou aconselhável uma tal regra. A permissão não era ordenada mas o dava como possível. Em geral é verdade que é prejudicial permitir o menor mal, ainda que prudência pareça requerê-lo, porque uma tal permissão, em pouco, poderá ser interpretada como uma ordem. O Senhor soube que este método de lidar com a questão preveniriam males maiores. “Assim no governo civil, numa cidade, muitas vezes, poderá ser necessário piscar um olho diante dos maus atos dum patife e não puni-lo, ainda que, falando mais exato, devia perder sua cabeça. Para tal pode ter havido bom motivo, pois, punindo-o, vinte pessoas inocentes poderiam ser envolvidas e vir a sofrer prejuízo. ... Porque sois tais patifes maus e desesperados e não podeis guardar o que Deus ordenou, para que, pois, não ocorra ofensa, nem que mateis vossas mulheres, nem por veneno vos livreis delas, por esse motivo Moisés não mandou mas permitiu que façais isto. Moisés, por isso, não vos deu essa lei por causa da vossa justiça, honra e piedade, mas suportou-o e piscou um olho por causa da dureza de vossos corações. Ele não o ordenou. Moisés, porém, pensou: Este povo é povo orgulhoso e mau, podendo vir a cometer um assassinato após outro. Caso se negarem a guardar o mandamento de Deus, que se divorciem, para que não ocorram assassinato e envenenamento. Todo aquele que não quiser manter de bom grado sua mulher, que a repudie, para que não aconteça coisa pior.”61) Mas o argumento buscado da instituição divina do santo matrimônio e do esta original da santa união entre um homem e u8ma mulher são diametralmente contra uma tal condição de aventuras. No que diz respeito a Jesus, ele repete a declaração feita no sermão da montanha, cap.5.31,32. Aquele que repudia ou rejeita sua mulher por qualquer motivo, que não seja a infidelidade conjugal, quando o laço matrimonial já foi rompido, é um adúltero diante de Deus. Bem assim, aquele que casa uma divorciada, ou que deixou seu esposo sem bases escriturísticas, é culpado de adultério. O desalento dos discípulos, V. 10) Disseram-lhe os discípulos: Se essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não convém casa. 11) Jesus, porém, lhes respondeu: Nem todos são aptos para receber esta conceito, mas apenas aqueles a quem é dado. 2]12) Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto para o admitir, admita. Os judeus da época de Cristo tinham as mulheres em consideração muito baixa, e, por isso, também o casamento. Nem os discípulos estavam livres destas idéias e preconceitos nacionais. Nunca antes haviam ouvido o assunto desta forma. Sendo este o estado das coisas, no que diz respeito às relações entre marido e mulher, dizem eles, se é preciso que o marido tenha a mulher em tão alta consideração, se ambos marido e mulher devem considerar o laço matrimonial como indissolúvel, se este recurso a divórcios rápidos e fáceis é tanto contra a ordem original da instituição de Deus como também contra a sua vontade revelada, então casar é uma política miserável. Cristo, porém, corrige sua 59 ) 153) Expositor’s Greek Testament, 1.246. ) 154) Lutero, 7.964. 61 ) 155) Lutero, 7.969. 60 parca compreensão, e mostra com clareza que o estado do casamento é o estado normal para adultos normais, sendo que só indivíduos estão corretamente fora desta regra, cuja condição física e espiritual os tornou impróprios para as obrigações físicas peculiares dentro do casamento. Algumas pessoas são, por natureza, por nascimento, incapazes de contrair casamento. Outras foram tornadas impotentes, ou esterilizadas, por meio de mutilação proposital feita por mãos alheias, como o caso dos eunucos orientais. Ainda outros, deliberadamente, se impõem a castidade, a uma vida fora do casamento, subjugando os desejos naturais, para serem capazes de se devotar o tempo integral e por toda a vida ao serviço no reino de Deus. Mas todos os três casos são anormais, até mesmo o último, exceto em casos de perseguição religiosa ou por outras razões extraordinárias, 1.Co.7.26. Com isto Jesus não ordena nem recomenda o celibato, mas dá estas pessoas, como uma classe, em uma categoria separada, e adverte que isto exige muita capacidade espiritual e moral de captar sua declaração. As exigências do reino do céu são preeminentes, mas de ninguém espera um ascetismo fingido, para o qual não é capaz, pois que isso iria colocar de lado a lei para a propagação da raça humana pelo casamento, que Cristo, em toda sua exposição, defendeu ardorosamente, cf. 1.Co.9.5,6. O ultimo estado, descrito por Cristo, pode, sob certas circunstâncias, ser preferível ao estado matrimonial, mas é preciso uma iluminação espiritual excepcional para ser captado. Cristo Abençoa Crianças, Mt.19.13-15. V. 13) Trouxeram-lhe então algumas crianças, para que lhes impusesse as mãos, e orasse; mas os discípulos os repreendiam. O ministério de Cristo nunca se limitou aos adultos. Recentemente, usara uma criancinha para enfatizar uma verdade muito importante do reino de Deus, capítulo 18.1-14. Naquela ocasião, a criança fora voluntariamente submissa às suas explicações, Mc.9.36. Que ele era amigo das crianças também aparece de capítulo 21.15,16, onde as crianças cantam seus louvores. No caso presente as mães lhe trouxeram seus filhinhos. A petição delas está subentendida pela sua conduta e também pelas palavras que devem ter dito. Queriam que Jesus impusesse as mãos sobre as crianças em sinal de amável bênção. Sua oração sobre elas seria consagrá-las de modo muito apropriada a Deus. Não há qualquer dúvida nas mentes das mães quanto à fé viva nas almas da criancinhas, da mesma foram como Cristo expressamente havia afirmado que elas podiam crer nele, capítulo 18.3-6. Todos os esforços para negar e refutá-lo precisam dar em nada diante da sinceridade e integridade destas afirmações. A razão não deve reger sobre as Escrituras, mas, em todos os tempos e em todos os assuntos, ser governada por ela.62) Os discípulos não haviam levado muito a sério a lição anterior, ou, por outro, haviam conseguido esquecê-la rapidamente, pois falaram às mães dos pequeninos de modo ríspido por estarem perturbando seu Mestre com ninharias e por estarem a aborrecê-lo. Pois, segundo a idéia dos discípulos, ele tinha seu pensamento ocupado com assuntos muito mais importantes e que não tinha tempo para essa interrupção mal-vinda. Uma excusa semelhante é feita por pessoas quando não apresentam suas dificuldades ao Senhor em oração. A repreensão de Cristo, V. 14) Jesus, porém, disse: Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus. 15) E, tendo-lhes imposto as mãos, retirou-se dali. Jesus estava visivelmente irritado com a interferência dos discípulos. Deixai-os, diz ele; não os aborreçais. Intervir na vinda duma criança a Jesus é colocar um obstáculo no caminho da salvação de alguém. Não as impeçais em sua vinda a mim. Todo encorajamento devia ser dado às crianças para que aprendam a conhecer e a amar seu Salvador. Pois o reino do céu é composto de pessoas tais como elas. As próprias crianças, com sua confiança e fé sinceras em Jesus, e todos os que são como elas, que têm a mesma confiança ousada e o seu espírito de fé, perfazem o quadro de membros do reino de Deus, e pertencem realmente à sua igreja. Todas as bênçãos de seu reino é deles, mesmo muito antes, sim, justamente porque ainda não vieram ao pleno uso de sua razão. Uma criança batizada tem tanto direito ao céu como o cristão mais estudado. Jesus sublinha isto 62 ) 156) cf. Lutero, 7.982-987. ainda mais, quando dá provas visível de seu sentimento para com as criancinhas. Colocou suas mãos em bênçãos sobre elas. Publicamente as reconhece como suas. O Perigo Das Riquezas, Mt.19.16-20. V. 16) E eis que alguém, aproximando-se, lhe perguntou: Mestre, que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna? 17) Respondeu-lhe Jesus: Por que me perguntas acerca do que é bom? Bom, só existe um. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos. 18) E ele lhe perguntou: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho; 19) honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo. O evangelista introduz a história de maneira bem vívida: Eis! Cristo estava em sua jornada atravez da Peréia. A experiência que Mateus relatara nos primeiros versículos deste capítulo, talvez se repetiram mais vezes. Sempre vinham pessoas com vários assuntos que queriam expor a Jesus para que o soubesse. No caso atual, veio um homem, um líder, Lc.18.18, provavelmente um líder jovem e rico de alguma sinagoga, como o sugerem algumas versões. Era de coração franco, sincero e transparente. Cansado das disputas infindas dos escribas e fariseus, estava sinceramente em busca da verdade. No momento está mais ou menos convicto que com Jesus a achará. Bom Mestre, exclama, o que de bom deverei fazer para ter a vida eterna? Para conduzi-lo à verdade plena, Jesus, antes de tudo, apanha a questão assim como lhe fora feita. Quer testá-lo sobre o que ele mesmo entendeu com a pergunta que lhe fez. Por isso: Por que chamas bom a mim? Jesus não pensa em declinar do título que lhe dera, como algo que não lhe diga respeito, mas como algo aplicável tão só a Deus mas não como mero título de honra. A entonação e posição da palavra “mim” sugere antes: Sabes, acaso, que chamando-me bom, me colocas no mesmo nível com Deus, e que o fazes corretamente? Cristo, por isso, longe de rejeitar a honra, aceita a palavra e enfatiza seu pleno significado e importância. Agora ele prossegue com o segundo teste: Quanto ao que diz respeito ao entrar na vida eterna, tu, como líder duma escola, devias ter a informação; a maneira que vós mesmos ensinastes é a do cumprimento da lei. O jovem foi suficientemente sincero, contudo sofria do mesmo volume de farisaísmo que por natureza é próprio a qualquer pessoa. Em casos assim, é necessário referir a lei de Deus e pregar o completo cumprimento de cada mandamento. Se, então, uma pessoa tem aberto seus olhos e, sinceramente, reconhece sua incapacidade e sua corrupção, então há chance para que conheça ao Salvador e para a fé neste Redentor que é o único que leva ao céu. Dois fatos dignos de nota: Se não fosse por causa da depravação natural do homem e por causa de sua cegueira em coisas espirituais, ele, de fato, iria ao céu pelo cumprimento dos mandamentos. Um guardar completo da lei merece a vida eterna, Lc.10.28. Guardar os mandamentos é também ordenado aos cristãos, como um exercício na santificação. “Os mandamentos precisam ser guardados, ou não há vida, mias só morte. Pois, até a fé é nada, onde não segue o amor, isto é, o cumprimento dos mandamentos, 1.Co.13.2. Pois, Cristo, o Filho de Deus, não veio e não morreu para que pudéssemos voluntariamente desobedecer aos mandamentos, mas para que, por seu auxílio e assistência, cumpramos os mandamentos. Por isso, como é dito: Obras sem fé são nada, assim também é verdade: Fé sem fruto também é vã. Porque obra sem fé é idolatria. Fé sem obra é uma mentira e não fé.”63) Visto que o jovem mais uma vez e sinceramente pergunta: Quais? A quais te referes? Àqueles de Moisés, ou àqueles dos anciãos? – Jesus, com o objetivo de lhe abrir os olhos, pausado, recita os maiores mandamentos da segunda taboa do Decálogo, deixando o resumo de toda a taboa para o fim. Ele esperou que o mero ouvir a lista da boca de outrem pudesse levar a pessoa a pensar, ponderar e aplicar as palavras a si mesma, e a examinar corretamente seu coração. Mas, até, o último mandamento todos eles não lhe alvoroçaram muito a consciência. O teste, V. 20) Replicou-lhe o jovem: Tudo isso tenho observado; que me falta ainda? 21) Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem, e segue-me. 22) Tendo, porém, o jovem ouvido esta palavra, retirou-se triste, 63 ) 157) Lutero, 9.1806. por ser dono de muitas propriedades. A recitação da segunda taboa, feita por Jesus, não fez a menor ondinha na calma farisaica do jovem. Estava tão embebido na boa opinião sobre si mesmo, que foi preciso um golpe rude para acordá-lo do seu egoísmo. Segundo sua preocupação, estava satisfeito que desde pequeno guardara todos os mandamentos, conforme o ensinava o padrão farisaico de cumprir a letra mas não o espírito da lei. Por isso Cristo o apanhou em sua palavra. Se realmente é zeloso em ser perfeito diante da lei de Deus, mas especialmente, se quer apresentar provas concretas de seu cumprimento do teor da segunda taboa, que dê o valor da venda de todos os bens aos pobres, mostrando, assim, que ele os amava como amava a si mesmo. Este foi o teste de Cristo aplicado ao jovem. O Senhor conhecia o coração e percebeu que seu maior erra era o amor aos seus bens e sua indisposição ao sacrifício. Pois, sempre é verdade: Nosso amor a Deus precisa estar acima de tudo. Por isso, se foro necessário, por amor ao reino de Deus, sacrificar todas as posses terrenas e, até, a própria vida, para tornar pleno o nosso discipulado, então só pode haver uma resposta, caso formos sinceros em nossa confissão cristã: assentimento incondicional. No caso presente, o jovem, semelhante a milhares desde então, “retirou-se triste”, profundamente triste e desgostoso, Mc.10.22. Esta cruz, que nem mesmo incluía aflição pessoa e sofrimento físico, foi-lhe demais. Provou ser inapto para ser um seguidor de Jesus. Amava seus bens mais do que ao Senhor. Os cardos do amor ao dinheiro infestavam o solo rico de seu coração e sufocavam a semente da Palavra que alcançara um começo promissor. Uma índole louvável e, em outros sentidos, nobre estava perdida por causa de uns poucos e mesquinhos dólares (reais). A lição, V. 23) Então disse Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. 24) E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus. 25) Ouvindo isto, os discípulos ficaram grandemente maravilhados, e disseram: Sendo assim, quem pode ser salvo? 26) Jesus, fitando neles o olhar, disse-lhes: Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível. O incidente com o jovem rico também impressionou profundamente a Jesus. Como era seu costume, fez uma aplicação do fato aos seus discípulos. Solenemente emite uma verdade dura. Quanto a quem é rico, terá dificuldade para entrar no reino dos céus. A riqueza em si não é um entrave na vida piedosa, mas sua posse é acompanhada do maior perigo, por causa da tentação de se colocar a confiança em bens perecíveis, Mc.10.24; 1.Tm.6.9. Cristo usa a imagem oriental de ressaltar a verdade que deseja imprimir nos discípulos. A figura dum camelo que passa pelo fundo duma agulha foi um provérbio oriental que ilustra um feito extremamente difícil. O mesmo é o caso daqueles que depositam sua confiança em riquezas. Para entrar no reino, é preciso que se renuncie completamente ao mundo. Os discípulos escutaram com temor crescente às observações de seu Mestre. Esta afirmação lhes foi um golpe direto. A chance de salvação, havendo tais condições, é realmente uma oportunidade exígua, visto que em cada coração humano há o amor a algo deste mundo. Jesus, porém, os encarou demoradamente com gentil compaixão, e muita atenção. Suas palavras conclusivas deviam penetrar fundo nos seus corações. Aos homens, aos meramente humanos, isto é impossível. Não têm a força, por sua própria razão e força, arrancar seus corações das coisas deste mundo. Com Deus, porém, todas as coisas são possíveis, mesmo que aos homens não o pareçam. Todas as coisas que parecem impossíveis ao juízo humano, todas as coisas que são impossíveis pelo poder humano: a realização da salvação, a conquista da redenção e a obtenção das glórias do céu, tudo isto foi tornado possível por Deus em e atravez de Jesus Cristo. Deus tem a força para converte e renovar pessoas corruptas, de arrancar seus corações de todas as coisas deste mundo, e fazer com que sejam completamente seus. A Recompensa dos Apóstolos, Mt.19.27-30. A pergunta de Pedro, V. 27) Então lhe falou Pedro: Eis que nós tudo deixamos e te seguimos: que será, pois, de nós? Pode ser que tenha havido algum traço de arrogância e autosatisfação no tom de Pedro, ao fazer a pergunta a Jesus. Ele havia ouvido a exigência que Cristo dirigira ao jovem. Também ouvira a promessa dum tesouro no céu, caso este cumpriria a exigência de vender todos seus bens. A conclusão de Pedro é, por isso, justificada: Foi o que fizemos, deixamos tudo para trás, tudo na linha de bens e riqueza que possuíamos; cabe-nos, acaso, o resultado? O pressuposto está na pergunta: O que será a nossa recompensa? Na verdade temos o direito a um tesouro no céu, se o que exiges é o que é preciso. A resposta, V. 28) Jesus lhes respondeu: Em verdade vos digo que vós os que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. Jesus não usa a oportunidade para explicar, mais uma vez, o que compreende ser um discípulo. Faz, apenas, uma afirmação, uma profecia quanto ao futuro. Na regeneração, no novo nascimento do mundo no dia do juízo, quando o reino do céu finalmente será consumado, quando o reino da glória iniciará, quando o Filho do homem se assentará no trono de sua glória para julgar o mundo com justiça, então os apóstolos se assentarão em doze tronos e tomarão parte na administração da justiça e do poder de Cristo sobre todos os fiéis em Cristo, que formam o que realmente compreendem as doze tribos ou os verdadeiros filhos de Abraão. A aplicação a todos os cristãos, V.29) E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe ou mulher, ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais, e herdará a vida eterna. 30) Porém, muitos primeiros serão últimos; e os últimos, primeiros. Jesus detalha de maneira muito impressionante as pessoas e os bens que geralmente fazem jus aos afetos das pessoas no mundo. A enumeração serve para atestar, de modo ainda mais enfático, a negação de si mesmo, que é a exigência de Cristo. Por causa de Cisto e na confissão de seu nome, qualquer outra coisa, de bom grado, deve ser deixado de lado e ser sacrificado sem o menor pesar, mesmo que isto signifique a ruptura de todos os laços terrenos. Tanto maior será sua recompensa de graça. Dele receberão de volta de modo múltiplo e em grande plenitude. Não só será restaurado o valor de tudo em riquíssima abundância, mas, como auge de toda a recompensa graciosa, será incluída a vida eterna. Tudo isto para os que sofreram e negaram por causa de Cristo, para suportar sua ignomínia e para promover seu reino. Mas, o Senhor junta uma advertência, por causa daqueles que estão inclinados a se darem por satisfeitos consigo mesmos, sendo vaidosos sobre suas próprias obras. Não interessa o fato de ser chamado mais cedo ou mais tarde, para uma pessoa comparecer diante do juízo. Mas aquele que se firma em suas obras e deseja insistir sobre elas no último dia, como merecedoras da bem-aventurança do céu, esse negou a graça e a obra expiatória de seu Salvador, e não terá lugar no reino do céu. Todos os pobres pecadores, contudo, que desejam ser salvos, tão só pela graça, encontrarão seu lugar preparado nas mansões do céu. Resumo: Cristo dá uma lição sobre casamento e divórcio, abençoa as criancinhas, mostra o perigo de colocar confiança em riquezas, e certifica os apóstolos e todos os cristãos de sua recompensa graciosa no céu. CAPITULO 20 A Parábola Dos Trabalhadores Na Vinha, Mt.20.1-16. V. 20) Porque o reino dos céus é semelhante a um dono de casa que saiu de madrugada para assalariar trabalhadores para a sua vinha. Esta é muitas vezes chamada a parábola das horas, porque a extensão do dia de trabalho é um item importante na lição da história, como Jesus a contou. Ele estava discutindo a recompensa graciosa que foi dada àqueles que estariam firmes na confissão de seu nome, mas acrescentou a advertência contra um tolo confiar nos méritos pessoais perante Deus, visto que isto envolvia o perigo de perder a recompensa. Pela maneira que sua igreja se apresenta às pessoas, como seu trabalho lhes é realizado para sua salvação, ela é semelhante ao governante duma casa, seja ele o dono ou o administrador dos bens. Como tal ele podia ser visto, já nas primeiras horas de cada manhã, saindo para contratar trabalhadores a fim de que o fruto madura não debulhasse por falta de ceifeiros. Casos semelhantes podem ser encontrados em grande número, em qualquer região e imediatamente antes de iniciar a época da colheita. A contratação, V. ) E, tendo ajustado com os trabalhadores a um denário por dia, mandouos para a vinha.3) Saindo pela terceira hora viu, na praça, outros que estavam desocupados, 4) e disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e vos darei o que for justo. Eles foram. 5) Tendo saído outra vez perto da hora sexta e da nona, procedeu da mesma forma, 6) e, saindo por volta da hora undécima, encontrou outros que estavam desocupados, e perguntou-lhes: Por que estivestes aqui desocupados o dia todo?7) Responderam-lhe: Porque ninguém nos contratou. Então lhes disse ele: Ide também vós para a vinha. Já no alvorecer conseguiu achar alguns trabalhadores, e os contratou, sendo que estes logo foram ao trabalho. O dia de trabalho dos judeus começava às seis da manhã e ia até às sis da tarde. Marquemos bem: A palavra “assalariar” é enfatizada na parábola, visto que sua intenção é também destacar a necessidade de estar ativamente engajado no trabalho do reino de Deus. O dono de casa contratou os trabalhadores por um denário cada um. Este era o salário usual do dia, o que perfazia uns quinze centésimos de dólar americano. Parece um valor pequeno, até que se compreenda que naquele tempo o valor do dinheiro era muito maior do que em nossos dias. Os soldados romanos recebiam ainda menos. O dono de casa e os trabalhadores se acertaram com o valor de u8m denário. Ele ofereceu este valor e eles concordaram, tornando-se obrigatório para ambas as partes. Estando eles a seu serviço, mandou-os para sua vinha. Três horas depois, por isso às nove horas, o dono de casa saiu novamente. Na praça da cidade, que ficava na quadra central da povoação, onde os desempregados se reuniam e esperavam por alguma pessoa que os empregasse, achou outros desempregados. Arrendou-os, não sendo estabelecida uma moeda ou valor específico. Prometeu dar-lhes o que considerava um salário justo. Vós também, afirma ele. Pois, há havia assalariado um bom número no começo do dia, mas ainda podia empregar mais a fim de ter o melhor resultado. Eles concordaram com as condições e foram trabalhar na vinha. Ao meio-dia e às três da tarde repetiu-se o mesmo processo, sendo ajustado o mesmo contrato e da mesma forma. Mas a última saído do dia, a fim de contratar empregados, foi especialmente marcante. Já eram cinco da tarde quando ficou evidente que o trabalho começado devia ser concluído naquela mesma tarde, e que para tanto devia haver mais mãos para realizar a tarefa. Por isso, mais uma vez, o dono de casa se foi para a praça. Lá encontrou outros desocupados. Queriam ter trabalhado, mas não o haviam conseguido. Mandou-os, na maior pressa possível, à sua vinha: Ide vós, também; ainda que seja tão tarde. Não lhes especifica qualquer recompensa ou salário. Ao entardecer, o pagamento, V. 8) Ao cair da tarde, disse o senhor da vinha ao seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos, indo até aos primeiros. 9) Vindo os da hora undécima, recebeu cada um deles um denário. 10) Ao chegarem os primeiros, pensaram que receberiam mais; porém, também este receberam um denário cada um. 11) Mas, tendo-o recebido, murmuravam contra o dono da cãs, 12) dizendo: Estes últimos trabalharam apenas uma hora; contudo os igualaste a nós que suportamos a fadiga e o calor do dia. Quando foi seis horas da tarde, o senhor deu ao capataz ou administrador que tinha o encargo de pagar os trabalhadores, a ordem de chamá-los pagar-lhes seus salários. Chama atenção a ordem de pagamento: Devia iniciar com os que vieram e trabalharam apenas uma hora. Começando pelo último que veio, devia ira até aos primeiros. Cada um devia receber a soma total do contrato, soma que o dono de casa havia indicado ao administrador. Um ponto importante: Conforme o costume convencional, a duração do contrato decidia o valor do salário. O diarista que trabalhava só poucas horas recebia menos do que aquele que trabalhou o dia inteiro. Mas, quando vieram aqueles da hora undécima, cada um deles recebeu seu denário, como se tivesse trabalhado um dia inteiro. Evidentemente havia no caso um presente ou doação, não interessando, se os outros trabalhadores consideravam ao patrão esbanjador e tolo, ou não. Eles, porém, vendo esta liberalidade, tiraram uma conclusão errada. Quando vieram os primeiros que haviam sido contratados de manhã, por meio dum contrato regular, ansiosamente esperaram receber uma soma maior do que a que os outros receberam. Mas, para sua grande humilhação, apareceu só o dinheiro ajustado no contrato da manhã. Cada um deles também recebeu um denário. Prontamente aceitaram o dinheiro, porém, também logo começaram a expressar forte insatisfação. Murmuraram contra o administrador ou o governante da propriedade. Sabem exatamente onde está o ponto de sua insatisfação, quando dirigem seu desacato aos que vieram na hora undécima. Estes últimos, dizem, empenharam só uma hora mas gastaram as demais horas sem conseguirem qualquer coisa digna de menção, mas tu os igualaste a nós que fomos obrigados a suportar o fardo dum dia inteiro de trabalho, e fazendo o calor do meio dia parte do acordo. Avaliando tudo isto, o que representa uma hora diante de tudo isto? Mas, ainda assim, o pagamento é o mesmo? A aplicação desta parte da parábola ao trabalho no reino de Cristo não é difícil. Ensina-nos não só a fugirmos da inveja, mas também a rendermos honra àqueles a quem o Senhor honra. “Todo aquele que possui os dons de Jesus e sabe que todos somos iguais em Cristo, esse atende com gratidão ao trabalho do Senhor, ainda que, aqui sobre a terra e por algum tempo, esteja numa posição e num posto mais inferior do que alguém outro.Mas, no além será arranjado de modo diferente, assim que na vida eterna haverá uma dissimilaridade, um tendo muito, e outro pouco; um sendo senhor e outro servo. Isto não aborrece a um cristão, mas diz: Em nome de Deus, que não seja diferente aqui na terra; ainda que o meu posto seja mais difícil do que o do patrão ou da patroa da cãs. Ainda que não seja poderoso como um príncipe, rei ou imperador, ainda assim não murmurarei sobre isto, mas alegre e voluntariamente fico no meu posto, até que Deus for agir diferentemente comigo e me for tornar patrão ou patroa. Enquanto isto, consolo-me com o fato seguinte, a saber, que seu que nem o imperador e nem o rei tem um outro Cristo ou tem mais de Cristo do que eu.”64) E no que diz respeito a concessão de iguais galardões da graça a todos os fiéis, a todos os membros do reino, diante de não haverá qualquer alusão a um maior número de boas obras, como se fossem dignas de qualquer mérito diante dele. Todos os que querem ser santos pelas obras necessariamente precisam ter uma tal vaidade que nada sabe da graça de Deus e que crê que são eles próprios que são os que são capazes de fazer o que fazem, e que o Senhor não irá julgar conforme sua bondade mas conforme o peso e a importância das obras deles. Mas todo aquele que compreendeu o que significa a graça, não é tomado de surpresa, quando Deus concede a mesma recompensa da graça às obras pequenas como às grandes.”65) A resposta do dono, V. ) 13) Mas o proprietário, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço injustiça; não combinaste comigo um denário? 14) Toma o que é teu, e vai-te; pois quero dar a este último, tanto quanto a ti. 15) Porventura não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom? 16) Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos, porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos. Ao escolher a um dentre o grupo de queixosos, o patrão deu ainda maior força à sua aplicação. Ele o chama de amigo, ou companheiro, camarada, colega, meu bom colega, meu caro próximo, desta forma combina respeito com repreensão. Não era possível apontar qualquer engano ao dono de casa. O homem havia recebido o salário fixado por contrato claro, com o qual concordara espontaneamente. Sua tarefa estava no fim, e recebera seu pagamento. O que lhe competia agora, era tomar seu dinheiro e ir embora, sem fazer qualquer cena de protesto. O patrão também respondeu às objeções que haviam sido levantadas. É do seu agrado, da sua expressa vontade, dar ao último de todos, tanto dinheiro como presente gracioso, como deu ao primeiro pelo efetivo contrato. Ele contesta o direito de qualquer um para interferir em seu modo de gastar seu dinheiro. E, bem porque deu presentes a uma turma de trabalhadores, disso não se conclui que ele seja obrigado a fazer o mesmo no caso dos outros. Onde estão envolvidos doações, presentes e benefícios, lá não pode haver alguma interrogação quanto a mérito e recompensa. Uma exigência tola e não autorizada não merece qualquer consideração. Só pode ser conseqüência de maldade, ciúme e inveja, que se mostra no olho sinistro e hostil, que alguém esteja insatisfeito com a bondade do patrão, e com a generosidade que faz mais do que a situação exige. Por isso Jesus repete a lição do relato, capítulo 19.30: Os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos”. Aquele que insiste no reconhecimento de suas obras e méritos diante do trono do Rei, as verá totalmente impróprias para conquistar o 64 65 ) 158) Lutero, 195,196. ) 159) Lutero. 12.1821. primeiro lugar. Esta exigência, ao contrário, resultará nisso que a pessoa será a menor e a última no reino de Deus, com o prejuízo de estar perdido para sempre. Cristo mostra aqui a justiça peculiar e singular que prevalece no reino de Deus. Em assuntos temporais, tudo o que uma pessoa realiza e merece lhe será creditado como algo que merece recompensa justa. Mas o costume do reino de Deus é diferente. Sempre que a questão é feita sobre como uma pessoa pode ser justificada perante Deus e salva, então só a graça de Deus é que decide. Ele reparte os benefícios do seu reino conforme sua graciosa vontade, e não conforme a dignidade ou indignidade pessoal. É verdade, que há uma diferença entre aqueles que são chamados ao reino. Alguns suportaram o calor e a fadiga do dia, trabalharam o mais diligente possível em suas vidas, foram diligentes em todas as boas obras, e deixaram e renegaram muitas coisas por causa de Cristo. Outros só foram convertidos tarde na vida, tendo passado grande parte de suas vidas seguindo aos sonhos vãos do mundo. No ocaso de suas vidas ouviram e aceitaram o chamado de Jesus, só lhes restando pouco tempo para mostrar sua fé em boas obras. Mas no que se refere à sua relação com Deus, estão no mesmo nível dos primeiros. Tanto um grupo como o outro é salvo tão só pela fé. E, caso tiver tais pessoas no primeiro grupo que são vaidosas de si mesmas, que apontam para o valor de suas boas obras, e ao fato de terem trabalhado com sucesso no reino visível de Cristo, e que se ofendem com a bondade e a misericórdia de Deus para com os inferiores, estes não podem manter sua posição na igreja da graça. Não querendo ser salvo como os publicanos e pecadores, como o malfeitor da cruz, eles perdem completamente sua salvação, e trazem sobre si mesmos condenação.66) A parábola dos trabalhadores na vinha e a vocação do Senhor ao seu reino sempre foi considerado uma lição séria e profunda. E realmente o é. Mas na história há tanto amável conforto como séria advertência. “Este evangelho interessa àqueles que são da opinião de que são diante os primeiros ou os últimos. Por isso acerta a muitas pessoas ilustres, sim, até aterroriza aos maiores santos. É esta a razão que leva Jesus a exibi-lo, até, aos apóstolos. Pois, acontece que alguma pessoa, aos olhos do mundo, seja pobre, fraco e desprezada, sim, seja sofredora por causa de Deus, não havendo sinal qualquer de que ela seja de qualquer valor, mas, ainda assim, ela em seu coração é secretamente cheia de presunção, e se bendiz a si como o primeiro perante Deus, sendo, bem por isso, o último. Do outro lado, se alguém é tão tímido e medroso, a ponto de crer que seja o último perante Deus, mesmo que perante o mundo ele tenha dinheiro, honra e posses, esse, em virtude de sua humildade, é o primeiro67. Cristo Mais Uma Vez Prediz Sua Paixão, Mt.20.17-19. V. 17) Estando Jesus para subir a Jerusalém, chamou à parte os doze e, em caminho, lhes disse: 18) Eis que subimos para Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas. Eles o condenarão à morta. 19) E o entregarão aos gentios para ser escarnecido, açoitado e crucificado; mas ao terceiro dia ressurgirá. Esta é a terceira predição de Cristo sobre sua paixão. Na primeira vez só afirmara, de modo geral, que sofreria muitas coisas, capítulo 16.21. Na segunda profecia ele falou sobre sua traição e entrega nas mãos dos homens, capítulo 17.22. Agora os sofrimentos são enumerados em detalhes, e são mencionados os homens que seriam os culpados do comportamento atroz contra ele. Jesus decidira viajar para Jerusalém. A viagem durou algum tempo, mas ele não vacilou. Visitou em Betânia seus amigos Maria, Marta e Lázaro, Jo.11.38-44. Recolheu-se, por algum tempo, a Efraim, perto de Betel, Jo.11.54. Agora se dispôs para ir, com seus discípulos que estavam pasmos e amedrontados, para Jerusalém, para a festa da páscoa, Mc.10.32. Tendo isto em mente, Jesus se esforçou para fazer que vissem a necessidade de sua próxima paixão, conforme as palavras ditas pelos profetas. Levou os discípulos, tão só eles, para não ser perturbado, e proferiu esta terceiro anúncio. Subiam para Jerusalém, a cidade santa dos judeus, não só porque estava erguida sobre uma colina que se sobressaia bem 66 67 ) 160) Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 220,221. ) 161) Lutero, 11.513. acima da região circunvizinha, mas também porque, aos olhos dos israelitas, era a cidade mais gloriosa e sublime do mundo. Ele chama pelos nomes os homens que executariam este desígnio perverso – os principais dos sacerdotes e os escribas. Ele expõe a maneira pela qual isso será feito: Ele será sentenciado à morte. Mas a sentença da morte não será executada pelos assassinos, visto que pessoas gentias ou seja soldados gentios o zombariam, açoitariam e crucificariam. Mas, apesar de tudo isto ele, ao final, triunfaria, ressuscitaria novamente ao terceiro dia. Ele é o Filho onisciente de Deus, sendo ele mesmo verdadeiro Deus, que voluntariamente enfrentaria sofrimento e morte. Foi este fato que deu o maior valor à sua obra da redenção. O Pedido Dos Filhos De Zebedeu, Mt.20.20-28. V. 20) Então se chegou a ele a mulher de Zebedeu, com seus filhos e, adorando-o, pediulhe um favor. 21) Perguntou-lhe ele: Que queres? Ela respondeu: Manda que, no teu reino, estes meus dois filhos se assentem, um à tua direita, e o outro à tua esquerda. Os dois filhos de Zebedeu, Tiago e João, estiveram entre os primeiros discípulos de Jesus, Mt.4.21,22. Eles, no começo de seu discipulado, não se caracterizavam pela mesma pela mesma paciência e bondade que, em anos mais tarde, era o principal atributo de João. Ambos eram impulsivos na palavra e temerários na ação, Mc.3.17. O nome de sua mãe era Maria Salomé, irmã de Maria que era a mãe de Jesus, Jo.19.25; Lc.8.2,3; 23.55. Ela pertencia ao pequeno grupo de discípulas que serviam ao Senhor. Esta, provavelmente, ouvira a promessa que o Senhor fizera aos doze, capítulo 19.28, e concluira que a condição de que seus filhos eram primos de Jesus, e o fato que por ele haviam sido escolhidos para serviços especiais, autorizavam seu pedido ousado. E seus filhos, então dificilmente cônscios do significado do verdadeiro discipulado, com ânsia apegaram-se à idéia e apoiaram o pedido da mãe. Ela foi muito insistente em seu pedido. Ajoelhou-se aos pés de Jesus e fervorosamente suplicou, buscando, bem ao modo feminino, cumprimento de seu pedido, até mesmo antes de fazê-lo. Sendo solicitada por Jesus sobre o que pedia, ela declarou que desejava que seus filhos ocupassem os lugares da maior honra em seu reino messiânico, pois era assim que eram considerados os assentos à direita e à esquerda dos governantes. Como diz Lutero: “A carne sempre deseja ser glorificada em vez de ser crucificada; exaltada em vez de humilhada”. A resposta de Jesus, V. 22) Mas Jesus respondeu: Não sabeis o que pedis. Pois vós beber o cálice que eu estou para beber? Responderam-lhe: Podemos. 23) Então lhes disse: Bebereis o meu cálice; mas o assentar-se à minha direita e à minha esquerda não me compete concedê-lo;é, porém, para aqueles a quem está preparado por meu Pai. Incidentes desta natureza devem ter provado duramente a paciência de Jesus, mas ele, em sua bondade, tentou corrigir a idéia carnal deles sobre o reino do Messias, mostrando-lhes o que envolvia esta honra que desejavam. Voltando-se aos filhos delas, diz-lhes com franqueza, que a sua concepção do futuro reino de Cristo está totalmente errada., que seu pedido com clareza mostra sua total ignorância quanto ao caráter espiritual deste reino. Além disso, havia muito egoísmo arrogante, quando ignoravam as possíveis exigências dos demais discípulos. Tenta abrir-lhes os olhos para a bobagem, perguntando, se se julgam capazes de participar no destino que, segundo o plano de redenção que Deus fez, lhe sobreviria, se podem beber o cálice amargo do sofrimento, da ira e da condenação que ele deve sorver, Mt.26.39,42, se podem suportar serem submergidos no batismo de sangue que, em última e grande paixão, lhe sobreviria como porção. Em vez de considerar com carinho a situação, imediatamente lhe dão sua ousada resposta, declarando-se, deste modo, hábeis para participar em sua paixão. Que estranha cegueira! Não sabiam o que tomavam sobre si. Jesus, de modo demorado, triste e comovente, ergue o véu do futuro e prediz-lhes sofrimento semelhante ao seu. “O grande assunto conectado com o sofrimento da cruz não foi o de heroísmo humano, ou a capacidade de perseverar, mas o preparo interior, divino e santo. Os discípulos, contudo, não eram capazes desta distinção. Por conseguinte o Senhor recusou a sua participação em seus sofrimentos, como referido no sentido anterior. Mas, ao mesmo tempo, ele aponta para frente para o período em que terão participação neste sofrimento, e isto no sentido mais nobre e verdadeiro. A resposta de Cristo, por isso, precisa ser considerada à luz duma correção que subentende uma admissão do chamado deles para sofrer com ele. O fato de agora serem incapazes, em sentido espiritual, de participar em seus sofrimentos, é apresentada, de modo carinhoso, na forma duma afirmação, de que a hora disso ainda viria.”68) Quando à concessão de seu pedido, todavia, não os podia atender satisfatoriamente, não lhes podia conceder o pedido. Este não era assunto para ser decidido agora, de maneira quase arranjada às pressas, porque este acontece segundo a provisão do Pai. Sua resposta não induz que o Pai possuísse uma autoridade da qual o Filho não participasse. Ele, meramente, deseja fixar neles, de que não irá abusar de seu poder, como o fazem os governantes terrenos quando dão postos de honra e de autoridade, conforme critérios arbitrários e segundo o desejo pessoa, mas que o Pai desde a eternidade tem preparado para aqueles que ele por graça escolheu para a salvação, participação na glória futura e no domínio de seu Filho. Esta verdade vale para todos os discípulos. É necessário, primeiro, que eles sofram com Cristo; este é o caminho para a glória. Mas eles nunca podem merecer as glória do céu com o sofrimento do tempo presente. Esta é dom gracioso de Deus em Cristo Jesus para os que lhe pertencem. Uma lição sobre a humildade, V. 24) Ora, ouvindo isto os dez, indignaram-se contra os dois irmãos. 25) Então Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. 26) Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; 27) e quem quiser ser o primeiro entre vós, será vosso servo; 28) tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em regate por muitos. Os discípulos ainda eram muito humanos. Visto que seus corações ainda estavam dominados pelas mesmas ambições, com a mesma inveja, como os dois filhos de Zebedeu, ficaram violentamente exaltados e agitados contra Tiago e João, que, agindo secretamente, quase alcançaram o que todos eles queriam. Jesus se viu obrigado a acalmar as mentes exaltadas. O relacionamento entre governadores e governados, de chefes e servos na igreja de Cristo e entre seus discípulos é totalmente diferente do que de qualquer governo secular. Os cabeças governantes dos povos em geral estão acostumados s mandar sobre seus subalternos, e os grandes do mundo são os tiranos dos que estão sob seu poder. A lei no reino de Cristo é bem o oposto, e entre os discípulos também não é como acontece no mundo. Jesus fala da condição das coisas como elas deviam ser, como deveríamos esperar encontrá-las entre os cristãos. Grandeza em servir é a única medida de grandeza que Cristo reconhece. Quem tem a ambição de ser grande perante Cristo entre seus irmãos, então seu alvo no viver deve ser, ser o servo dos outros. Se quiser ser taxado como o primeiro, que ele literalmente se torne, no sentido mais pleno da palavra, um escravo de outros. Um ministrar altruísta, um servir de bom grado, é o sinal de verdadeira grandeza ante Cristo. Lutar por honra e glória ante as pessoas, de modo nenhum, concorda com o espírito que Cristo demonstrou em sua vida. Pois, ele, equipado de poder sobre toda a criação, em virtude de sua divindade, tendo a autoridade de exigir serviço de todas as pessoas, não fez uso desse poder, mas consumiu sua vida servindo-os. Todo seu viver foi um ministério em favor de todas as pessoas, o que culminou no grande sacrifício que, ao mesmo tempo, é o mais misterioso e o mais glorioso: Deu sua vida como remissão de muitos. O mundo inteiro havia sido vendido ao poder de Satanás, da morte e do inferno, e não havia salvação na terra. Todas as pessoas estavam destinadas a serem algemadas com as correntes desta escravidão por toda a eternidade. Cristo, porém, veio e deu sua própria vida por elas, resgatando e redimindo, desta forma, a todas as pessoas do poder de seus inimigos. Em vista de tal sacrifício, certamente, deve ser inquestionável para qualquer seguidor de Cristo lutar de todas as maneiras pela mesma humildade, pelo mesmo espírito de serviço abnegado. E os pastores que, num modo bem especial, são os ministros de Cristo e sua igreja, de bom grado, seguirão o exemplo de seu grande Cabeça. “Por isso o meu ofício e o de cada pregador e pastor não consiste em ser por meio do ofício um senhor, mas nisso que sirva a vós todos, para que aprendais a conhecer Deus, para que sejais batizados e tenhais a verdadeira Palavra de Deus, e para que finalmente sejais salvos, e que não me aventure a assumir o governo mundano, do qual príncipes e senhores, prefeitos e juízes devem apontar e zelar. Meu 68 ) 162) Schaff, Commmentary, Matthew, 364. ofício é somente um servir que, de modo voluntário e gratuito, devo prestar a todos, não buscando dinheiro ou bens, nem honra ou qualquer outra coisa. Mas, fazendo-o desta forma, que me sustenteis. Pois, visto que devo pregar e servir-vos nisso, não tenho tempo de, neste meio tempo, prover meu próprio alimento. Tendes por isso a obrigação de me sustentar, e isto completamente de graça, pois qualquer que serve diante do altar, diz São Paulo, deve viver do altar.”69) A Cura De Dois Cegos, Mt.20.29-34. O clamor deles, V. 29) Saindo eles de Jericó, uma grande multidão o acompanhava. 30) E eis que dois cegos, assentados à beira do caminho, tendo ouvido que Jesus passava, clamaram: Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de nós! 31) Mas, a multidão os repreendia para que se calassem; eles, porém, gritavam cada vez mais: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de nós! Jesus não foi pelo caminho mais curto para Jerusalém, mas por Jericó, tendo, assim, oportunidade para mais atos de graça salvadores e para este milagre duplo. Pois, Mateus combina aqui a narração de duas curas em um breve relato. Sem dúvida, Jesus entrou e saiu da cidade pelo mesmo portão, aquele em direção leste. Quando entrou, havia um cego assentado perto do portão, Lc.18.35-43, O milagre realizado neste caso tornou-se público durante a estada de Jesus, e encorajou o cego Bartimeu, Mc.10.46-52, a suplicar por restauração de sua visão, usando as mesmas palavras que se haviam provado tão fortes no caso de seu companheiro no sofrimento. Atraída pela conversão de Zaqueu e pelo ensino de Jesus na cidade, seguia-o uma grande multidão. De qualquer maneira, o tumulto e o vozerio da multidão que passava informavam ao cego mendigo que o Senhor passava. O apelo dos cegos é feito no conhecimento correto e redentor do Salvador. Eles o reconheceram e confessaram como o Filho de Davi, como o Messias prometido, que, em sua misericórdia, podia curá-los. Eles só pediram por misericórdia. Sentiam sua indignidade por causa de seu pecado. Compreenderam a necessidade de suplicar por misericórdia na presença daquele que lhes era infinitamente superior. Segundo acontece, via de regra, em tais casos, muitos da multidão, asperamente, lhes pediram que se calassem, visto que, como aleijados inválidos, serem considerados como maçantes e precisarem ser tratados como tais, com insensível aspereza. Ele, porém, dobraram sua energia gritando alto por misericórdia e ajuda. A cura, V. 32) Então parando Jesus, chamou-os e perguntou: Que quereis que eu vos faça? 33) Responderam: Senhor, que se nos abram os olhos. 34) Condoído Jesus, tocou-lhes os olhos, e imediatamente recuperaram a vista, e o foram seguindo. O fato de Jesus se interessar pelos cegos mudou, imediatamente, a atitude da multidão, e muitos ofereceram ajuda. O clamor de fé tocou o coração do Senhor. A confissão de seu poder divino, feita por eles, em resposta de sua pergunta, e a prece sincera que seus olhos fossem abertos, moveu-o com profunda compaixão. Ele lhes tocou os olhos, e ao seu toque miraculoso sua visão foi restaurada imediatamente. Jesus de Nazaré, que pelo seu sofrimento e morte salvou da perdição eterna as almas de todas as pessoas, também tem profunda compaixão sobre os distúrbios e doenças físicas daqueles que nele crêem. Resumo: Cristo ensina o significado da recompensa de graça pela parábola das horas, prediz com mais detalhes sua paixão, dá aos discípulos uma lição de verdadeira humildade, e cura dois cegos. O CHAMADO DO EVANGELHO “Do versículo:’Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos’, muitas cabeças intrusas concluem vários pensamentos que não são apropriados e nem religiosos, seguindo a seguinte linha de pensamento: Aquele que Deus chamou será salvo sem meios; e de novo, aquele que ele não escolheu pode fazer o que quiser, pode ser tão piedoso e crente como quiser, mas ainda assim lhe 69 ) 163) Lutero, 7.1040,1041. está ordenado que precisa cair e que não pode ser salvo; que, por isso, tudo vá como quiser. Caso eu deva ser salvo, isso acontecerá sem a minha interferência; se não, então é fútil tudo o que faço ou tente fazer. Que espécie de pessoas rebeldes e despreocupadas se desenvolvem de tais pensamentos ímpios, isso cada um pode imaginar por si mesmo. Hoje, no dia dos Magos (Epifania), quando falamos do verso do profeta Miquéias, foi mostrado suficientemente que tais pensamentos devem ser evitados tanto quanto o próprio diabo, e será escolhida uma forma diferente de estudar e pensar a respeito de Deus. Isto é, que não aborreçamos a Deus em sua glória e em sua eleição (Versehung), pois nisso é ele incompreensível. É impossível que uma pessoa não se ofenda por tais pensamentos, e caia ou no desespero, ou, se não isso, se torne totalmente atéia e atrevida. “Mas todo aquele que deseja conhecer corretamente a Deus e sua vontade, esse deve seguir pelo caminho certo, no qual não será ofendido, mas beneficiado. Cristo é o caminho certo, quando diz: ‘Ninguém vem ao Pai se não por mim’. Quem, por isso, deseja conhecer corretamente ao Pai e vir a ele, que, primeiro, venha a Cristo e aprenda a conhecê-lo, a saber assim: Cristo é o Filho de Deus e o próprio Deus onipotente e eterno. Mas, o que faz o Filho de Deus? Torna-se homem por amor a nós; torna-se sujeito á lei, para nos redimir da lei; deixa-se crucificar e morre na cruz a fim de pagar pelos nossos pecados; e ele ressuscita da morte para, por sua ressurreição, romper entrada para a vida eterna, e prover auxílio contra a morte eterna; e ele está assentado à direita de Deus para ser o nosso advogado e conceder-nos o Espírito Santo, por quem podemos ser governados, dirigidos e guardados contra qualquer tentação e insinuação do diabo. É isto o que significa conhecer corretamente a Cristo. Quando, pois, este conhecimento é bom e está firme no coração, então se começa a ascender ao céu e se entende: Visto que o Filho de Deus fez isto poro amor às pessoas, o que segue com respeito ao coração de Deus em sua atitude para com nós, visto que foi pela vontade do Pai que o Filho fez tudo isto por nós? Tua própria razão, certamente, deve forçar-te a dizer: Visto que Deus deu o seu Filho unigênito por nós e por amor de nós não o poupou, ele, com certeza, não pode qualquer mau desígnio contra nós. Não é sua vontade que nos percamos, visto que ele usa os meios supremos para nos ajudar para a vida. É assim que podemos chegar a Deus de modo correto, como o próprio Cristo prega, Jo.3.16: ‘Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna’! São bem estes os pensamentos que deves guardar contra aqueles diferentes que se desenvolvem de opinião diferente, e descobrirás que os outros pensamentos são os do diabo antipático, pelos quais uma pessoa se precisa tornar um ofendido, e, antão, desesperar ou se tornar um atrevido e ateu, visto que já não tem mais nada de bom a esperar de Deus. Outros sacam outros pensamentos, e expõem assim as palavras: Muitos são chamados, a saber, que Deus oferece sua graça a muitos, mas poucos são escolhidos, a saber, que ele concede esta graça a poucos, pois só poucos são salvos. Isto é uma compreensão completamente perversa, pois, como pode ser possível, quando alguém pensa e crê desta forma de Deus, que ele não se torne em inimigo de Deus, visto que a ausência de sua vontade é a razão que nem todos somos salvos? Mas compara esta opinião com a outra que se encontra onde as pessoas aprendem a conhecer, primeiro, a Cristo o Senhor, e descobrirás que é diabólica e blasfema. Há, por isso, um significado bem diferente no versículo: Muitos são chamados, etc. Pois a pregação do evangelho é geral e pública para todos quantos o quiserem escutar e aceitar; e por esta razão Deus tem pregado o evangelho de modo tal e publicamente que cada um o devia ouvir, crer e aceitar, e, assim, ser salvo. Mas e o que acontece? Tal, como segue no evangelho: Poucos são escolhidos, isto é, poucos assumem para com o evangelho a atitude que Deus está favoravelmente inclinado a eles. Pois alguns o ouvem e não lhe dão atenção; outros o ouvem e não se apegam firmemente a ele e também não se querem sacrificar ou sofrer por ele; alguns o ouvem mas preferem dinheiro e bens e o prazer mundano. Mas isto não é do agrado de Deus, por isso ele não os quer.É isto o que Jesus chama ‘não sendo escolhido’, isto é, não se portar assim que Deus se agrade com eles. Aquelas, porém, são pessoas escolhidas e do agrado de Deus, que diligentemente ouvem o evangelho, crêem em Cristo, manifestam sua fé em boas obras, e por conta disso sofrem tudo quanto devam sofrer. “Esta compreensão é a compreensão correta, que não pode ofender a ninguém, mas fazem prosperar, assim que as pessoas pensam: Muito bem, tendo em vista que eu devia agradar a Deus e ser um escolhido seu, não me será correto viver como uma má consciência, de pecar contra os mandamentos de Deus, e não o barrar pelo pecado; mas cabe-me ir a igreja e escutar a pregação, orar a Deus pelo seu Espírito Santo, não permitir que a palavra deixe meu coração, defender-me contra o diabo e suas insinuações, e orar por proteção, paciência e assistência. Então o resultado são cristãos esplendidos. Do outro lado, aqueles que crêem que Deus reluta em dar a salvação a alguns, estes ou desesperam ou se tornam indiferentes e ateus, vivendo como bestas e pensam: Tudo está determinado, se eu devo ser salvo ou não; por que me causaria eu dano? Não, não assim; tens o mandamento que deves ouvir a Palavra de Deus e crer em Cisto, de que ele é teu Salvador e que pagou pelos teus pecados. Lembra-te desta ordem, e segue-a. Caso te julgares fora da fé, ou fraco, ora a Deus pelo Espírito Santo e não duvida que Cristo é teu Salvador, e serás salvo por ele se neles crês, isto é, se te consolas nele. Conceda o querido Senhor Jesus Cristo isto a todos nós! Amém.”70) 70 ) 164) Lutero, 13.199-203. CAPITULO 21 A Entrada de Cristo em Jerusalém, Mt.21.1-11. V.1) Quando se aproximaram de Jerusalém e chegaram a Betfagé, ao Monte das Oliveiras, enviou Jesus dois discípulos, dizendo-lhes: 2) Ide à aldeia que aí está diante de vós e logo achareis presa uma jumenta, e com ela um jumentinho. Desprendei-a e trazei-mos. 3) E se alguém vos disser alguma coisa, respondei-lhe que o Senhor precisa deles. E logo os enviará. Jesus, depois do milagre de Jericó, foi direto a Betânia, pequeno povoado no lado leste do Monte das Oliveiras. Havia ressuscitado da morte seu amigo Lázaro, o que intensificou muito o ódio dos fariseus e dos principais dos sacerdotes, Jo.11.23. Nesta ocasião o Senhor chegou num sábado a Betânia e passou o dia na casa de Simão o leproso. No jantar que lá lhe serviram, Maria o ungiu para o seu sepultamento, Jo.12.7. Jesus continuou sua viagem na manhã seguinte. Mas as notícias de sua vinda haviam alcançado Jerusalém, e muitos dos peregrinos, que haviam vindo à festa, deixaram a cidade para encontrá-lo, cantando os hinos jubilosos que eram entoados em ocasiões festivas. “Hosana! Bendito o Rei de Israel que vem em o nome do Senhor,” Jo.12.12,13. Jesus veio com os primeiros da multidão a Betfagé que é a “casa de figos”, uma pequena vila na ladeira sudeste do Monte das Oliveiras, quase vizinha a Betânia, na mesma estrada para Jerusalém. Na entrada deste pequeno povoado, Jesus parou por algum tempo, com o objetivo de enviar dois dos discípulos como delegação sua. Dá-lhes diretrizes claras: Na localidade em frente deles, achariam logo e sem dificuldades, atada uma jumenta tendo consigo o potro. Sem pedirem licença, deviam desatar e trazê-los, como se fossem eles os seus donos. Caso, os donos ou alguma outra pessoa fossem protestar quanto ao seu direito de levar os animais, a simples palavra: O Senhor precisa deles, tendo seus motivos para querê-los, (esta palavra) serviria como senha e faria com que os donos obedecessem em submissão imediata e grata. Três pontos importantes: O Senhor sabia que os animais estavam no lugar indicado, e mais uma vez aproveitou a ocasião para convencer seus discípulos de que nada lhe era oculto. Sua Palavra tem poder e autoridade onipotentes. Tal como as ocorrências do futuro instantaneamente lhe estão manifestas, assim ele, o Senhor a quem todas as coisas pertencem, pode, mesmo à distância, influenciar o coração do dono para que se submeta à sua vontade. Os dois discípulos estiveram totalmente no escuro quanto à finalidade de sua missão, Jo.12.16, e, sem dúvida, cumpriram com grande relutância a sua ordem, que os poderia colocar em dificuldades desagradáveis. Foram, porém, submissos à sua palavra, porque de experiência souberam que ele removeria quaisquer perigos.Bem da mesma forma os discípulos de Cristo de todos os tempos podem confiar inteiramente na Palavra de seu Senhor onipotente e onisciente, sabendo que, mesmo nos caminhos escuros, sua autoridade os preserva. A profecia cumprida: V.4) Ora, isto aconteceu, para se cumprir o que foi dito, por intermédio do profeta: 5) Dizei à filha de Sião: Eis aí te vem o teu Rei, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de animal de carga. O acontecimento inteiro, com todos os seus incidentes, ocorreu desta forma para que a palavra do profeta, Zc.9.9, fosse cumprida. Cf.Is.62.11. A citação feita pelo evangelista é feita de modo livre, incorporando tudo o que o Antigo Testamento diz da mansidão e humildade deste Rei dos reis. Cristo, com isto, desaprova todas as idéias e esperanças messiânicas carnais e vulgares. Ele fez sua entrada na cidade que logo mais o rejeitaria por completo, não no modo de um herói conquistador, como o esperavam os habitantes mundanos de Jerusalém, mas num asno, e no potro dum asno. Este foi um último grande dia de misericórdia para a cidade, para que todos os habitantes pudessem conhecer o Redentor, mas eles não consideraram isto como algo que pertencesse à sua paz. Porém, tanto maior seria a impressão que a vinda do Rei da graça faria aos corações de seus crentes. “É isto, a que o evangelista admoesta pregarmos, quando diz: ‘Dizei à filha de Sião: Eis aí o teu Rei vem a ti, manso’. É, como se dissesse: Ele vem para o teu bem, para a tua paz, para a salvação e a alegria do teu coração. E, porque não o creram, ele profetiza que isso devia ser falado e pregado. Todo aquele que crê, que Cristo vem assim, este o tem desta forma. Ó que pregação singular que hoje é quase desconhecida! Assinalem bem cada palavra. A palavra ‘eis’ é uma palavra de alegria e admoestação, e se refere a algo que ansiosamente se esperou por muito tempo. ‘Teu Rei’, que destrói o tirano de tua consciência, a saber, a lei, e te governa em paz e de modo muito agradável, dando-te perdão dos pecados e a força de cumprir a lei. ‘Teu’, isto é, prometido a ti, por quem tu esperaste, a quem tu, carregado de pecados, clamaste, por quem suspiraste. ‘Ele vem’, de modo voluntário, sem teu mérito, unicamente por grande amor, pois tu não o trouxeste para cá nem foste tu quem subiu ao céu, tu”. não mereceste seu advento, mas ele deixou a sua propriedade e vem a ti que és aquele que é indigno e que sob a compulsão e o domínio da lei mereceste, como retribuição pelos teus pecados, nada mais do que castigo. ‘A ti’ ele vem, isto é, para o teu benefício, com tudo o que dele necessitas. Ele vem para buscar a ti; vem somente para te servir e te fazer o bem. Ele não vem para o seu próprio bem, não para de ti buscar o que é seu, como anteriormente o fazia a lei. Tu não tens o que a lei exige. Por isso ele vem para te dar o que é seu, mas de ti ele não espera nada, a não ser que tu permitas que teus pecados te sejam tirados e tu sejas salvo. ... O evangelista usa só a palavra ‘humilde’ mas omite as palavras ‘justo e salvador’. Pois na língua hebraica a palavra ‘pobre’ esta intimamente relacionada com a palavra ‘humilde’ ou ‘gentil’. Os hebreus chamam de pobre uma pessoa que é pobre, modesta, humilde, inquieta e abatida de espírito. Todos os cristãos são chamados, por isso, pobres nas Escrituras. Pois, de fato, é manso e humilde aquele que não considera o mal que foi feito ao próximo nunca diferente do que sendo feito a ele próprio. Ele sente de modo apropriado o problema e, por isso, tem compaixão do próximo. O evangelista descreve a Cristo como alguém assim, que foi pobre e martirizado em nosso lugar, e que foi realmente humilde, que veio oprimido pelo nosso mal mas que está pronto para nos socorrer com a maior de todas as misericórdias e com amor” 1). A entrada triunfal: V.6) Indo os discípulos, e tendo feito como Jesus lhes ordenara, 7) trouxeram a jumenta e o jumentinho. Então puseram em cima deles as suas vestes, e sobre elas Jesus montou. 8) E a maior parte da multidão estendeu as suas vestes pelo caminho, e outros cortavam ramos de árvores, espalhando-os pela estrada. 9) E as multidões, tanto as que o precediam, como as que o seguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas! Enquanto Jesus esperava junto à entrada de Betfagé, os discípulos cumpriram sua ordem, recebendo, como resultado, a confirmação de sua confiança nele. Obedecer a sua Palavra nunca redundará em vergonha para o cristão. Os animais, quando levados ao Senhor, não estavam areados. Mas, neste momento, um êxtase peculiar se apoderou dos discípulos e da multidão que ia aumentando em número. Despindo, rápido, suas vestes exteriores, que era uma casaca solta, abriram-nas sobre o potro como assento para o Mestre. O exemplo dos primeiros discípulos foi contagioso. Todos os demais, bem como grande parte do povo, tomaram as vestes e as espalharam sobre o caminho, como para receber um imperador ou rei potente. A agitação, todavia, se espalhou. Visto que muitos dos costumes das grandes festas, de vez em quando, eram transferidos de uma para a outra, o povo não hesitou, também desta vez, de emprestar os hábitos da festa dos tabernáculos. Alguns do povo cortaram ou arrancaram galhos das árvores ao longo da estrada, e os espalharam pelo chão para formarem um tapete de filhas para Ele passar. Mas o auge da exultação se deu no alto do Monte das Oliveiras. Aqui as fileiras dos primeiros cantores se engrossaram com grandes multidões de recém-chegados. E, enquanto estes iam adiante, outros seguiam após o Senhor. E, numa exclamação antífona a aclamação jubilosa do povo subia ao céu, quando cantavam trechos do grande Aleluia, com a doxologia usada em grandes festas, Sl. 118.25,26. Proclamam-no de público como o Filho de Davi, como o verdadeiro Messias, e lhe desejam bênçãos e salvação do alto. Vindo de toda parte, o povo se juntava nesta demonstração em honra ao humilde Nazareno. Cheios de júbilo ofertavam suas vestes festivas, seus ornamentos de festa, trouxeram ramos de palmeiras e abanavam as verdes capas da incipiente primavera como expressão plena de sua alegria, de sua confissão do Senhor, o Messias. É muitíssimo triste que esta exultação só foi temporária, e que tão de pressa foi esquecida. Contudo, ao menos por breve tempo, o Espírito do Senhor tomou posse do povo. Foi assim que Deus quis 1 ) 105) Lutero, 12.1001-1003. testemunhar a respeito de seu Filho, antes que a vergonha e o horror da cruz fosse colocado sobre ele. O fato, ao mesmo tempo, foi profético a respeito do tempo, quando toda língua confessaria que Jesus é o Senhor. A recepção em Jerusalém: V.10) E, entrando ele em Jerusalém, toda a cidade se alvoroçou, e perguntavam: Quem é este? 11) E as multidões clamavam: Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia. A demonstração diante de Jesus continuou durante todo o trecho da descida do Monte das Oliveiras, sobre o vale do Cedrom, para dentro da cidade de Jerusalém. Como sempre acontece nestas circunstâncias, a agitação se espalhou rapidamente e trouxe consigo a muitos que nada sabiam da real motivação. Até a cidade de Jerusalém, com suas multidões de peregrinos que haviam vindo para a festa, foi em extremo movida, como se fosse por um terremoto. O entusiasmo popular irradiou a todas as classes do povo. Todos se perguntavam sobre a identidade do homem que, desta forma, entrou na cidade. Os habitantes de Jerusalém haviam tido abundância de oportunidades para conhecê-lo. Muitos, porém, haviam esquecido os grandes milagres realizados em seu meio. Outros haviam vindo de longe, e nunca haviam entrado em contato com a obra e mensagem gloriosa de Cristo. Em toda parte era anunciado publicamente diante dele, que ele era Jesus, o profeta de Nazaré da Galiléia. Seu conhecimento dele não era muito claro, e os que possuíam um conhecimento definido hesitavam confessá-lo como tal em público. Proclamar e confessá-lo como o Messias era uma empreitada perigosa na principal cidade dos judeus, visto que os principais dos sacerdotes e os membros do conselho haviam ameaçado publicamente com a excomunhão aos que o fossem confessar. Da mesma maneira, em nossos dias, muitos que estão suficientemente dispostos a proclamar Cristo em meio à grande multidão, não se dispõem a erguerse em favor de Jesus, quando a confissão individual lhes possa causar desgosto e perseguição. Cristo Visita o Templo, Mt.21.12-16. V. 12) Tendo Jesus entrado no templo, expulsou a todos os que ali vendiam e compravam; também derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. 13) E disselhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores.Jesus, durante os primeiros dias dessa visita, que foi sua última semana em humilhação sobre a terra, fez de Betânia sua sede. Passava os dias na cidade e retornava aos seus amigos para o pernoite. Foi na segunda-feira da semana santa, que Jesus, como já anteriormente, Jo.2.13-17, se sentiu muito atingido e magoado pelo estado das coisas no templo. Originalmente, cada pessoa que desejava trazer um sacrifício ao templo tomava o animal do seu próprio rebanho ou manada. No curso do tempo, porém, foi feito uma mudança, devido, principalmente, às várias restrições com respeito a adequação de diversos animais. Os funcionários judeus de Jerusalém se adonaram da situação, começando um comércio de animais bem junto aos portões do templo e nos pátios do mesmo. Lá era possível encontrar os vários animais para o sacrifício, tais como touros, ovelhas, cabras, pombas e outros, que todos se enquadravam nas medidas da pureza levítica. E, tendo em vista que este negócio envolvia muito câmbio de dinheiro, desenvolveu0se um negócio formal de banco bem próximo do lugar sagrado. Uma cena estranha: O mugido do gado, o balido das ovelhas e cordeiros, o arrulho das pombas, a gritaria dos vendedores, o tilintar do dinheiro – tudo isto acontecia no lugar que era sagrado ao nome de Deus. Junte-se a isso o fato que os sacerdotes, muitas vezes, tiravam benefício deste arranjo, exigindo uma boa percentagem por terem dado esta concessão, como diz Lutero, 2) e temos um quadro do comercialismo na igreja, como, dificilmente, podem ser reproduzidos, ainda que mais do que uma vez rivalizados na igreja. “Avareza, coberta com o véu da piedade, é uma daquelas coisas que Cristo olha com a maior indignação em sua igreja.O negócio das coisas santas, ofertas simoníacas, as trocas fraudulentas, um espírito mercenário em funções sacras; encargos eclesiásticos obtidos por lisonja, culto ou assessoramento, ou por qualquer outro meio que valha dinheiro; concessões de títulos, nomeações, 2 ) 166) Lutero, 7.1054. e eleições feitas por qualquer outro motivo do que a glória de Deus. Todas elas são profanações fatais e malditas, das quais aquelas do templo eram só mera sombra”3). Santa indignação tomou conta de Jesus, vendo a manifestação deste espírito blasfemo. E, na autoridade e dignidade do ultrajado Filho de Deus, entrou a passos largos no pátio. Asperamente empurrou e expulsou os negociantes. Irritado, derrubou as mesas dos vis banqueiros e dos vendedores de pombas, lembrando, ao mesmo tempo, o povo das palavras dos profetas, Is.56.7; Jr.7.11. O templo de Salomão havia sido construído como uma casa de oração para todas as nações, 1.Rs.8, e a estrutura atual também devia ser uma casa de oração. Eles, porém, levados pelo seu espírito e práticas mercenários, haviam-na tornado em covil de salteadores, em que defraudações e logro estavam na ordem do dia. A confissão das crianças: V. 14) Vieram a ele no templo cegos e coxos, e ele os curou. 15) Mas vendo os principais sacerdotes e os escribas as maravilhas que Jesus fazia, e os meninos clamando: Hosana ao Filho de Davi, indignaram-se, e perguntaram-lhe: 16) Ouves o que estes estão dizendo? Respondeu-lhes Jesus: Sim, nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor? O Senhor, mesmo nestes últimos dias, continuou a obra de seu ministério de curar, no próprio pátio do templo, sendo o pátio dos gentios usado para várias reuniões. Os principais sacerdotes e escribas, temendo as multidões, ainda que fervessem de indignação mortífera, na ocasião nada podiam fazer. Mas, quando as crianças que haviam vindo com seus pais para testemunhar o culto no templo e para passar a páscoa, começaram a entoar a canção que, no dia anterior, havia irritado tanto aos ouvidos dos fariseus; quando suas vozes agudas ecoaram no hosana de adoração e súplica, foi demais aos funcionários judeus. Irritados, inquiriram dele se, acaso, não o ouvia. Eles, na verdade, queriam dizer: Por que não te magoas com esta blasfêmia? Pois, calar significa assentir – e igualmente confessar que o canto delas expressa a verdade. Jesus, contudo, teve pronta resposta. Acusam-no de surdo e que não ouvia. Ele os acusa de cegueira, de não serem capazes de ver, ou de memória estulta, não sendo capazes de se lembrarem. Fartamente estava escrito, Sl.8.2, que pequeninos e crianças de peito cantariam a honra do Messias, e ele, com alegria, aceitou sua confissão. Isto confirmava as afirmações elogiosas da multidão a respeito de sua condição de Messias. Foi um tributo sobre sua missão junto às criancinhas. “Ele está plenamente satisfeito com o louvor delas. Ele o aceita, e permite que o proclamem rei em Israel, e que o reino de Israel era o seu reino e o seu povo. Isto os principais dos sacerdotes e os grandes senhores de Jerusalém não podiam tolerar. Perturba-os, mais, o fato que clamam ‘aleluia!’ no templo. Os milagres não os preocupam tanto. Permitem que ele faz ver os cegos, eretos os mancos, e outros milagres mais. Mas que tivesse desejado entrar na cidade, assentado num animal e sob o canto e com pompa, e não se ter preocupado com eles a quem deveria ter pedido autorização, isto não lhes agradou. Pois, todos os sismáticos facilmente sabem julgar aos outros. São pessoas irascíveis, que vêem o cisco nos olhos dos outros, mas não se apercebem da trave em seus próprios olhos. São da opinião que a realização de milagres, de fato, é algo, mas, por causa disso cantar que ele é um rei e senhor, isto não dá um bom aspecto a um profeta. Se, de início, tivesse ido aos principais sacerdotes e pedido permissão, tudo teria estado bem; mas que o faz sem sua permissão, não passando dum pobre, imprestável e mendigo que nem mesmo um asno possuía, se apresenta de modo tão vigoroso e contra sua vontade, e nem se digna, ao menos, com um olhar lhes pedir permissão, isto lhes é intolerável e os afronta”4). A Maldição da Figueira, Mt.21.17-22. V. 17) E, deixando-os, saiu da cidade para Betânia, onde pernoitou. 18) Cedo de manhã, ao voltar para a cidade, teve fome; 19) e, vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se dela; e, não tendo achado senão folhas, disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti. E a figueira secou 3 4 ) 167) Quesnel, citado por Clarke, Commentary, 5.202. ) 168) Lutero, 7.1075. imediatamente. Mateus, aqui, combina o relato de duas jornadas matutinas de Betânia, por causa da ênfase sobre o todo. Quanto aos inimigos, haviam sido calados pela citação feita por Jesus, e não tinham o que dizer em público. E o Senhor tinha a permissão de ir e vir livremente entre Jerusalém e Betânia. Foi na manhã de segunda-feira, que Jesus teve fome, quando estava no caminho de mais ou menos duas milhas para a capital. Uma figueira, linda e cheia de folhas, dava a entender que havia frutos para comer. Mas, em chegando a ela, não encontrou mais que só folhas. O incidente lembrou a Jesus, provavelmente, duma lição. Poderia trazer ao conhecimento dos discípulos o antitipo desse figueira, que eram os principais sacerdotes e os escribas em sua conduta descrente, sim, de toda a nação dos judeus. Jesus, também teve em mente uma segunda lição, que ele deu diretamente aos discípulos. Na sua maldição, a figueira secou imediatamente desde as raízes. Os discípulos, aparentemente, não fixaram o fato naquele momento. Foram com o Senhor a Jerusalém, que, em seu zelo pelo trabalho, nem mesmo se dera o tempo para um café da manhã em Betânia. A lição da figueira seca: V.) Vendo isto os discípulos, admiraram-se e exclamaram: Como secou depressa a figueira! 21) Jesus, porém,lhes respondeu: Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e não duvidardes, não somente fareis o que foi feito à figueira, mas até mesmo se a este monte disserdes: Ergue-te e lança-te no mar, tal sucederá; 22) e tudo quanto pedirdes em oração, crendo, recebereis. Na manhã de terça-feira a atenção dos discípulos foi despertada sobre a figueira solitária que lá estava de folhas secas, Mc.11.20. Externaram sua surpresa a Jesus, que então lhes deu uma lição tirada do incidente, semelhante a do capítulo 17.20. A fé em Deus é algo essencial ao discípulo de Cristo, total confiança no poder todo-poderoso de Deus, que tem toda a criação em sua mão. Deve ser uma fé sem a menor dúvida na eficácia da oração, com apoio total na onipotência de Deus e sobre a ordem e a promessa de Deus, capítulo 17.20. O caso da figueira é coisa pequena para uma tal fé. Para uma tal fé a remoção de montanhas, erradicar montanhas, como o Monte das Oliveiras, é coisa certa. Diante do poder conquistador da fé, todas as dificuldades e perplexidades precisam dobrar-se. E é a fé na boa vontade graciosa de Deus que é o que é mais essencial na oração certa e eficaz. Cristo, sempre de novo, enfatiza estes dois pontos: fé inabalável e persistência importunadora. A Autoridade de Jesus, Mt.21.23-27. A pergunta dos anciãos: V. 23) Tendo Jesus chegado ao templo, estando já ensinando, acercaram-se dele os principais sacerdotes e os anciãos do povo, perguntando: Com que autoridade fazes estas coisas? E quem te deu essa autoridade? Os membros do sinédrio judeu que era o grande conselho da igreja dos judeus, sempre eram zelosos sobre seus direitos e desconfiavam de qualquer um que se atrevia pensar e agir por si mesmo. O ponto de sua pergunta foi: Se tu pretendes ter a autoridade de purificar o templo, se publicamente ensinas e curas no templo, dá-nos uma prova do teu caráter profético, e prova que tens a missão de profeta de Deus. Era um ressentimento tolo, e que, realmente, escancarava a cegueira dos líderes. Pois, Jesus havia dado exemplos incontáveis de seu poder profético, tanto por milagres como pela sua pregação cheia de autoridade, como nenhum outro mestre de Israel possuía. A demanda deles é dupla: Dá-nos evidências que, de fato, possuis esta autoridade, e, então, satisfaze-nos quanto à fonte da autoridade que alegas ter. Queriam que ele lhes desse uma prestação de contas sobre todos os atos que fizera em seu ministério oficial. A resposta: V. 24) E Jesus lhes respondeu: Eu também vos farei uma pergunta; se me responderdes, também eu vos direi com que autoridade faço estas coisas. 25) Donde era o batismo de João? do céu ou dos homens? E discorriam entre si: Se dissermos: Do céu, ele nos dirá: Então por que não acreditastes nele? 26) E, se dissermos: Dos homens, é para temer o povo, porque todos consideram João como profeta. 27) Então responderam a Jesus: Não sabemos. E ele por sua vez: Nem eu vos digo como que autoridade faço estas coisas. O método de Cristo, respondendo pergunta com pergunta, novamente se mostrou eficiente. Queria só informação sobre uma coisa. Caso a resposta a esta pergunta fosse dada, ele teria o prazer de dar-lhes a prestação que desejavam. Sua pergunta, porém, os colocou num dilema sobre qual era a autoridade pela qual João Batista fizera a obra do seu ministério, em especial seu ofício de batizar. Discutiram o assunto muito entre si e avaliaram uma possível resposta que não os comprometesse. Mas, só havia esta uma alternativa: Dum lado atrairiam a censura de Cristo, e do outro, o ódio do povo. Se João tinha autoridade divina para o seu batismo, não havia escusa para a sua oposição a ele, por sua recusa em crer. Doutro lado, caso se atrevessem em expressar sua crença que João não tinha autoridade divina, o ódio do povo, facilmente, poderia tornar a situação muito desagradável para eles. Foi, por isso, que preferiram não responder, absolvendo a Jesus da necessidade de responder a sua pergunta. Havia na resposta, assim como Jesus a colocara, uma clara reprovação. Caso precisassem admitir que João tinha autoridade divina, muito mais o ensino e os milagres de Jesus argumentam que ele é alguém enviado por Deus. Descrer é imoral. Os descrentes não podem negar a evidência da Escritura, mas não querem aceitar a verdade. Por isso suas armas são as mentiras, as evasivas e as escusas. A Parábola dos Dois Filhos, Mt.21.28-32. V.) 28) E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha. 29) Ele respondeu: Sim, Senhor; porém não foi. 30) Dirigindose ao segundo, disse-lhe a mesma coisa. Mas este respondeu: Não quero; depois, arrependido, foi. 31a) Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram: O segundo. A distinção moral que Jesus fez aqui, foi algo como que os próprios fariseus concordaram. Por isso sua verdade era tanto mais amarga para eles. Ambos os filhos foram abordados da mesma forma e com as mesmas palavras. O que se tinha por piedoso diz que irá trabalhar, mas, apesar de seu aparente zelo e polidez, rejeita tanto a autoridade paterna como sua obediência filia. O outro, quando abordado, é rude e maleducado e aparentemente cheio de mal-humorada desobediência, mas, ainda assim, repensando melhor, vai e trabalha para o pai. A resposta dos fariseus, por isso, não podia ser outra. A aplicação: V31b) Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus. 32) Porque João veio a vós outros no caminho da justiça, e não acreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo isto não vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele. Os líderes dos judeus, pela resposta que deram a Jesus, haviam proferido a sua própria sentença. João, em sua mensagem e em seu viver, foi um pregador da justiça, não havendo quem fosse maior do que ele. Mas a escória da sociedade judaica, aqueles que haviam sido expulsos da sinagoga e já não eram mais membros da igreja judaica, estes deram acolhida à sua admoestação para o arrependimento. Estes, ao final, foram obedientes à vontade do Pai celeste. Mas os fariseus e escribas, os principais sacerdotes e os anciãos, não aceitaram a pregação de João e nem a de Cristo. Sua prática era ter a Palavra e a lei de Deus em suas bocas, mas seus corações estavam longe da real obediência à vontade do Pai celeste. Um cristianismo que é só de cabeça e de boca, na verdade, não passa de desobediência a Deus. Mas aquele pobre pecador que reconhece sua culpa e se arrepende de seu pecado, é por Deus reconhecido e tratado como um filho obediente, sendo seus pecados, cometidos no passado, já não mais lembrados. A Parábola dos Agricultores Maus, Mt.21.33-46. V. 33) Atentai noutra parábola. Havia um homem, dono de casa, que plantou uma vinha. Cercou-a de uma sebe, construiu nela um lagar, edificou-lhe uma torre e arrendou-a a uns lavradores. Depois se ausentou do país. 34) Ao tempo da colheita, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os frutos que lhe tocavam. 35) E os lavradores, agarrando os servos, espancaram a um, mataram outro, e a outro apedrejaram. 36) Enviou ainda outros servos em maior número; e trataram-nos da mesma forma. Jesus, sem dar ocasião aos judeus para objetarem, introduz, com grande emoção, outra lição, com a deliberada intenção de fazê-los enxergar sua própria malícia e corrupção. O quadro que traça era muito familiar aos seus ouvintes. E ele sabia que, de imediato, também enxergariam o significado, visto que o Antigo Testamento fala tantas vezes da vinha da igreja. Cristo dá uma descrição detalhada do chefe, ou dona dos bens. Cf. Is.5.17; Sl.80.9-11. O objetivo era que eles não só produzissem fruto mas que este fosse da melhor qualidade. Plantou uma cerca viva ao redor para impedir que os animais selvagens pudessem arrancar e arrasar as videiras. Construiu um lagar, onde os cachos de uvas pudessem ser esmagados, e um tanque onde o suco pudesse ser armazenado. Construiu uma torre de vigia contra os ladrões, fossem homens ou animais. Em suma, fez tudo o que se podia esperar dum cuidadoso proprietário duma vinha. A seguir ele arrendou a vinha com participação nos lucros, pois precisava fazer longa viagem. Mas os que a tomaram em arrendamento eram maus. Em vez de pagarem os lucros da colheita que pertencia ao seu senhor, trataram com desprezo e, até, mataram os servos que haviam sido enviados para trazer o lucro ao senhor. Cristo, propositalmente, retrata a maldade com uma intensidade dramática. V. 37) E por último enviou-lhes o seu próprio filho, dizendo: A meu filho respeitarão. 38) Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; ora vamos, matemo-lo, e apoderemo-nos da sua herança. 39) E, agarrando-o, lançaram-no para fora da vinha e o mataram. 40) Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? 41) Responderam-lhe: Fará perecer horrivelmente a estes malvados, e arrendará a vinha a outros lavradores que lhe remetam os frutos nos seus devidos tempos. A paciência do dono ainda não se esgotara. Decidiu por uma última medida para levar aqueles lavradores a tomarem consciência, e, também, para conseguir o fruto do seu pomar. Pensou que, com certeza, iriam reverenciar ou mostrar respeito a seu filho, e que sentissem muita vergonha sobre a sua conduta anterior, bem como um desejo sincero de recuperar a confiança de seu patrão. Mas a maldade desses lavradores excedeu a medida costumeira. Eles, com malignidade verdadeiramente diabólica, resolveram matar o herdeiro. Removendo ao herdeiro, esperavam tomar, sem qualquer oposição, a herança para si. Apossando-se dela. Jesus, tendo alcançado o auge de sua história, fez uma pausa para perguntar pela opinião de seus ouvintes, quanto ao destino dos agricultores, quando o dono retornaria. A resposta veio, sem hesitação, que ele, de modo muito impaciente, executaria aqueles servos indignos e maus, e confiaria sua vinha a agricultores honestos que lhe dariam, no tempo devido, a renda estipulada. Ao darem esta resposta, com a qual Jesus concordou integralmente, os membros do conselho dos judeus suas frontes ousadas em manifesta indignação sobre uma maldade tão ultrajante, ainda que sentissem que a parábola visasse a eles; mas, talvez, estavam cegos demais para verem a analogia das palavras do Senhor. Mas, em qualquer dos casos, seu juízo foi uma sentença de destruição sobre eles próprios e sobre todos aqueles de seu povo que os seguiam deliberadamente em sua iniqüidades, ou seja, em sua rejeição do Salvador. Pois, ao um relance de olho, já fica claro o sentido da parábola. O próprio Deus é o Senhor da casa e de suas atividades. A vinha, tal como aparece nas passagens do Antigo Testamento, é a sua igreja, que ele plantou em meio ao povo de Israel, que era o seu povo escolhido. Ele dera a esta nação a plenitude de sua benignidade e graça. Erguera uma sebe ao redor deles contra os gentios, que foi a lei cerimonial e forma teocrática de governo. Dera-lhes a forte torre de sentinela do reino de Davi e seus descendentes. Dera-lhes todas as vantagens externas, que os habilitavam a atestar que eram uma nação santa. Mas o fruto que esperou não apareceu. Enviou a Samuel e outros profetas no tempo dos juízes. Enviou mais e maiores profetas, do que os de antes, com uma pregação poderosa, e grandes sinais e prodígios. Mas, à medida que o tempo passava, aumentava o abuso aos mensageiros, como vemos nos casos de Elias, Jeremias e Sacarias, 2.Cr.24.20; Mt.23.37; Jr.3.20; Hb.11.36-38; Lc.11.47-51. Depois de todos, enviou seu unigênito e bem-amado Filho, esperando que a este reconheceriam como o seu representante pessoal e lhe dessem o respeito e reverência que lhe são devidos. Eles, porém, endureceram seus corações contra os seus ensinos e contra os seus milagres, reuniram-se para tramar o ódio contra ele, e, finalmente, depois duma formal excomunhão, o mataram. Assim os lavradores, ou seja os membros proeminentes do povo judeu, em especial seus principais sacerdotes e anciãos, os escribas e fariseus, rejeitaram o conselho de Deus para com eles, e chamaram sobre si mesmos a condenação. E a vinha com seu fruto, que é o reino de Deus com as riquezas da sua misericórdia e amor, foi entregue aos gentios que a aceitaram e que, desde então, gozam suas bênçãos e, ao menos em certa medida, pagaram com boas obras os lucros que Deus ordenava. A aplicação: V. 42) Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor, e é maravilhoso aos nossos olhos? 43) Portanto vos digo que o reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos. 44) Todo o que cair sobre esta pedra ficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó. Cristo não mede palavras, mas aplica a parábola com força impiedosa. Faz com que os membros do conselho judeu se recordem das palavras do profeta, Sl. 118.22. Os judeus foram os escolhidos construtores do templo espiritual de Deus. Mas uma das condições para poderem continuar neste trabalho, foi sua aceitação da pedra que fora selecionada por Deus para ser a principal pedra angular. Pelo milagre da ressurreição de Cristo foi julgada a sua rejeição de Cristo. Cristo se tornou a pedra angular da igreja do Novo Testamento, o fundamento da grande estrutura espiritual que será completada no último dia, Ef.2.20-22. Jesus, dirigindo-se diretamente a eles, narra-lhes a destruição que podem esperar: a perda total de seus privilégios no reino, que será entregue ao mundo gentio. E há, ainda, mais uma palavra que se aplica aqui, que é a da pedra de tropeço e da rocha de ofensa, Is.8.14. Qualquer que se ofende nesta Pedra angular e cai sobre ela, esse será despedaçado. Mas se a Pedra cair sobre alguém pelo juízo de Deus, esse será moído em pó e espalhado ao vento, Lc.2.34,35. No último dia, todos aqueles que se negaram obedecer ao Rei celeste e rejeitaram seu Filho, desta forma desprezando a graça que este lhes conseguiu, serão feitos em pedaços pela justiça inexorável de Deus. “Mas, ser construído sobre a Pedra é crer em Cristo e que ele é nosso Salvador. Se, pois, sou chamado ao evangelho e o aceito e nele creio, então sou uma das pedras erguidas sobre ele e sou considerado salvo, não por causa de mérito ou obra minha,... mas que sou edificado e colocado sobre a Pedra angular, o que acontece por meio da verdadeira fé cristã, tal como é a prece das crianças: Creio em Jesus Cristo, que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu de Maria, a virgem, sofreu sob Pôncio Pilatos; ele é Pedra polida e provada de esquina. Se nele creio, então sou edificado sobre ele e serei salvo, como diz Isaías: ‘Aquele que crer não foge’ (nota: ‘Aquele que nela crê não será confundido, Rm.9.33). Lá o profeta expõe claramente que ser edificado sobre ele significa confiar em Cristo e crer nele”5). O resultado: V. 45) Os principais sacerdotes e os fariseus, ouvindo estas parábolas, entenderam que era a respeito deles que Jesus falava; 46) e, conquanto buscassem prendê-lo, temeram as multidões, porque estas o consideravam como profeta. A estupidez real ou assumida deles, tendo em vista a aplicação feita de modo tão rude, precisou dar lugar ao entendimento. Mas, em lugar de se apartarem da perversidade de seus caminhos, só se intensificou a amargura de seu ódio. No ato teriam prendido a Jesus, se não tivessem temido o povo. Uma prisão nesta hora teria gerado um levante, visto que grandes multidões, reunidas nos pátios do templo bem como por toda a cidade, julgavam que ele era um profeta, e não teriam permitido que sofresse qualquer dano. Resumo: Jesus faz uma entrada triunfal em Jerusalém, expulsa os mercadores e cambistas do templo, aceita o louvor das crianças, amaldiçoa a figueira, afirma sua autoridade e conta as parábolas dos dois filhos e dos agricultores maus. CAPITULO 22 A Parábola da Festa de Casamento, Mt.22.1-14. 5 ) 169) Lutero, 7.1102. V.1) De novo entrou Jesus a falar por parábolas, dizendo-lhes: 2) O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. 3) Então enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir. 4) Enviou ainda outros servos, com este recado: Dizei aos convidados: Eis que já preparei o meu banquete: os meus bois e cevados já foram abatidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas.É uma descrição vívida dos preparativos cuidadosos para uma festa oriental de casamento, para salientar a conclusão moral na questão do reino de Deus. Pois, Cristo sempre teve um propósito claro, quando contava suas parábolas, que, na maioria dos casos, foi ensinar a qualificação certa para se tornar um membro de seu grande reino. “Aprendemos, antes de tudo, que o reino dos céus é o reino de Cristo, nosso Senhor, onde a Palavra e a fé estão presentes. Neste reino nossa vida tem esperança e somos, de acordo com a Palavra e a fé, puros dos pecados e livres da morte e do inferno, ainda que somos nesta vida embaraçados pela velha casca e a carne indolente. A casca ainda não foi retirada e a carne ainda não foi removida. Isto ainda precisa ser feito. Então haverá para nós nada outro, do que vida, justiça e salvação”6). Este reino, assim como se apresenta no mundo ou em sua forma externa, é semelhante a um homem que era um rei ilustre, um poderoso governante, que preparou uma festa de casamento para seu filho. Uma festa dessas não era acontecimento para uma hora ou duas, mas, muitas vezes, durava vários dias, Jz.14.17. Na época pré-estabelecida, servos foram enviados para anunciar o fato aos que haviam recebido um convite, provavelmente príncipes, e as pessoas ricas e poderosas do reino. Esta segunda chamada parece confirmar totalmente o costume oriental, Et.6.14. O resultado, tenha sido por comum acordo ou por mesquinhez pessoal, foi um flagrante não. O rei, porém, conservou a paciência. Enviou ainda outros servos como uma mensagem mais urgente aos hóspedes convidados. Dirigem-lhes palavras tais que exaltam a festa, para lhes estimular o desejo em aceitar a promessa. A atenção dos convidados devia ser despertada para fato que a refeição do meio-dia, com a qual as festas iniciavam, já lhes estava inteiramente preparada. Os bois e carneiros cevados haviam sido abatidos e cozidos, não faltando na mesa nenhuma das delícias. O bem-estar do rei não se esquecera de nada, no esforço de honrar tanto a si mesmo como a seus convidados. A rejeição: V. 5) Eles, porém, não se importaram, e se foram, um para o seu campo, outro para o seu negócio; 6) e os outros, agarrando os servos, os maltrataram e mataram. 7) O rei ficou irado e, enviando as suas tropas, exterminou aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade. Estamos diante dum caso premeditada insolência e insulto. Ficaram indiferentes diante do convite urgente. Em sua maioria nem lhe prestaram atenção. Mas saíram e se devotaram aos seus afazeres particulares – o proprietário de terras à sua lavoura, o negociante à sua loja. Alguns dos convidados, porém, não se deram por satisfeito com uma mera desaprovação e desprezo a uma festa de bodas como esta. Voltaram seu rancor aos mensageiros. Tendo conseguido apanhá-los, trataramnos com todas as evidências de desrespeito e, ao final, os mataram. Estes eram atos de clara rebelião, que, naturalmente, foram seguidos pela guerra. O rei, profundamente irritado, enviou seus exércitos e puniu os assassinos com a morte e com a queima de sua cidade. A recusa de vir à festa de casamento, juntamente com os atos de violência contra os servos, se constituíram em atos de atrevida desobediência que, assim, foram corretamente punidos. Novos convidados: V.8) Então disse aos seus servos: Está pronta a festa, mas os convidados não eram dignos. 9) Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas a quantos encontrardes. 10) E, saindo aqueles servos pelas estradas, reuniram todos os que encontraram, maus e bons; e a sala do banquete ficou repleta de convidados. Então, quando havia sido dado o relatório do fracasso dos servos em persuadir aos primeiros convidados. Mas o tempo premia. Era preciso muita urgência. Por isso deviam sair para as vias expressas e às encruzilhadas dos caminhos, fosse este um entroncamento donde os caminhos seguiam para todas as direções, ou próximo das entradas da cidade onde estradas de todas as direções se juntam. Em cada caso, estariam passando muitas pessoas em curto espaço de tempo, e, assim, seria bem maior a chance de encontrar hóspedes. Os servos não se deviam preocupar com qualquer seleção mais cuidadosa, em especial, não quanto à nacionalidade. Pois, os hóspedes indignos deviam ser substituídos o quanto 6 ) 170) Lutero, 13.926. antes possível por outros, quaisquer que encontrassem. Os servos seguiram a ordem ao pé da letra. Saindo para as ruas e estradas, trouxeram a todos que encontraram, bons e maus, e a assembléia nupcial dos que deviam participar dela se completou. A veste nupcial que faltou: V.11) Entrando, porém, o rei para ver os que estavam à mesa, notou ali um homem que não trazia veste nupcial, 12) e perguntou-lhe: Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial? E ele emudeceu. 13) Então ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos, e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. 14) Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos. O rei estava muito satisfeito com o sucesso do seu plano e, logo que os convidados se haviam sentado e a festa de casamento estava em curso, ele entrou para dar as boas vindas a todos. Mas, enquanto seguia entre as fileiras de mesas, sua atenção caiu sobre um homem que, mesmo estando reclinado com os demais à mesa e participando da refeição, não estava vestido de vestes nupciais apropriadas. Isto não só era inescusável, mas era insultuoso. Pois, os hóspedes dos reis orientais sempre eram providos, em especial para uma ocasião como esta, com vestes festivas, sendo que hóspedes ocasionais recebiam atenção especial neste ponto. Também era natural, para ser igual à dignidade da ocasião, que os hóspedes tivessem cuidado especial com suas vestes, para não parecer que eram insensíveis quanto à honra recebida. Não admira que, diante da pergunta surpresa do rei quanto à maneira como conseguira penetrar sem ser observado,visto que ele sabia muito bem que era requerida uma veste nupcial a qual, quando faltava, podia ser pedida e recebida facilmente, que o sujeito culpado sentisse sua voz trancada na garganta, sendo incapaz de uma só palavra como explicação ou defesa. Era um caso de desprezo doentio e deliberado da generosidade, da liberalidade do rei. Por isso o rei falou esta sentença sumária. Os servos receberam ordens de amarrar ao infrator de mãos e pés, a atirá-lo para fora, nas trevas do calabouço, onde teria tempo suficiente para se arrepender de sua tolice com choro e ranger de dentes. Pois, conclui Jesus, muitos são chamados, mas poucos são escolhidos. A lição desta parábola é semelhante à da precedente. Sua primeira parte foi, provavelmente, entendida pelos judeus. Na segunda parte ela excedeu à igreja judia, e contém uma advertência para todos os tempos. O próprio Deus é o rei. A festa nupcial é a do reino do Messias, as bodas do Cordeiro. O primeiro convite foi feito ao povo escolhido do Antigo Testamento, formado pela nação dos judeus. Os profetas, em número sempre crescente, vieram para ele, trazendo mensagens sempre mais claras. Depois, vieram João Batista e o próprio Cristo, e os apóstolos com sua mensagem urgente de arrependimento e salvação. Mas a resposta que veio foi indiferença, ódio, blasfêmia e assassinato. Então a paciência de Deus cansou. Seu juízo foi executado sobre Jerusalém e nação judaica, tendo os romanos sob Vespaciano e Tito sitiado sua capital e destruído tanto ao templo como a cidade, no ano 70 AD. O Senhor, desde aquele tempo, de modo fidelíssimo tentou conseguir outros hóspedes para a sua festa nupcial. Seus mensageiros saíram pelas vias expressas e estradas secundárias das nações gentias de todo o mundo. A igreja cristã se espalhou praticamente e todos os países da terra. Pessoas de todas as línguas foram congregadas no grande salão da festa nupcial do Cordeiro. Bons e maus, hipócritas e cristãos sinceros, foram reunidos na comunhão exterior, conhecida como a igreja visível. Chegou, porém, a hora para o Rei fazer a sua avaliação. Ele providenciou, poro meio de seu Filho Jesus Cristo, uma veste nupcial de justiça e pureza sem mácula para cada um que foi chamado para a festa. Sua misericórdia e graça, de fato, são livres para todas as pessoas, mas que não podem participar da ceia, sem, primeiro, terem aceitado esta veste nupcial para encobrir a imundície e nudez do seu pecado. Ele revelará a trapaça, caso não for antes, então, certamente, no grande dia do julgamento. E o insulto ao amor de Deus será corretamente punido, sendo toda e qualquer pessoa que põe sua confiança em seus próprios méritos e obras será lançada no calabouço do inferno e seus tormentos eternos. “Este será o castigo de que o tem da visitação não foi reconhecido nem aceito, que fomos convidados e tivemos Sacramento, Batismo, evangelho e a absolvição, mas, ainda assim, não o cremos nem nos servimos deles. Que bom seria se Deus e o amado Senhor nos ensinassem de modo tão pleno e nos levassem a ponto de reconhecermos a misericórdia imenso que temos recebido, sendo convidados a uma festa tão bendita, onde certamente acharemos salvação do pecado, do diabo, da morte e da eterna lamentação! Aquele que se nega a aceitar isso de coração agradecido, esse terá em lugar dela a morte eterna. Porque será verdade um dos dois: Ou receber o evangelho e crer e ser salvo, ou não crer e ser eternamente condenado”7). A Pergunta Sobre o Imposto, Mt.22.15-22. Um elogio não sincero: V.15) Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o surpreenderiam em alguma palavra. 16) E enviaram-lhe discípulos, juntamente com os herodianos, para dizer-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te importares com quem quer que seja, porque não olhas a aparência dos homens. Os fariseus, mais uma vez, haviam sentido a ardência da aplicação da última parábola, mas isto não lhes melhorou o temperamento. A força está fora de cogitação, por causa do povo. Por isso buscavam jeito e meios para encontrar um pergunta capciosa, cuja resposta pudesse ter como resultado a provocação do ódio do povo comum e a averiguação do governo romano. A propósito planejam e buscam alguma questão que lhes possa servir para este fim. Tendo achado uma que, em sua opinião, foi adequada, tentaram, primeiro, desviar a atenção de Jesus, jogando em seus olhos a areia do elogio. Isto, contudo, quando muito, foi uma tentativa frustrada, quando se tem em mente a onisciência de Cristo. Enviam alguns dos seus discípulos, juntamente com os horodianos. Os últimos pertenciam a uma seita ou facção que na crença se assemelhava com os saduceus, mas que em sua organização eram fortemente políticos. Conforme os relatos mais confiáveis, surgiram no tempo de Herodes o Grande, e fomentavam a idéia dum reino nacional sob a dinastia herodiana. Tendo como sua força o conhecimento, a riqueza e a influência, com suas esperanças políticas não podiam ser ignorados como aliados dos fariseus e dos saduceus. Parecem ter sido talhados para fazer parte desta delegação para que o plano não fosse tão aparente. A coisa mais estranha foi, que suas palavras foram plenamente verdadeiras. Jesus, sendo a própria verdade, realmente ensinava o verdadeiro caminho de Deus e para Deus. Era plenamente apartidário em relação a todos e não tinha a menor hesitação, quando preciso, de expressar sua opinião diante de todos. Mas na boca desses inimigos, estes fatos se tornaram zombaria e malícia vazia, e uma lisonja falsa que buscava enganar e iludir. Era a hipocrisia mais falsa e diabólica. A pergunta e a réplica: V.17) Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar tributo a César, ou não? 18) Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia, respondeu: Por que me experimentais, hipócritas? 19) Mostrai-me a moeda do tributo. Trouxeram-lhe um denário. 20) E ele lhes perguntou: De quem é esta efígie e inscrição? 21) Responderam: De César. Então lhes disse: Daí, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. 22) Ouvindo isto, se admiraram e, deixando-o, foram-se. Sua pergunta ecoa, como se eles fossem uns inocentes e inofensivos, que tão só perguntavam pela opinião dum respeitado mestre, desejando saber se era certo, apropriado, ou seja, se assim podia ser feito, pagar imposto ou taxa por cabeça ao imperador romano.A dificuldade da pergunta está nisso, que ela foi feita segundo o ponto de vista da religião: Será que não podia acontecer que quem pagava este imposto corra o perigo de entrar em conflito com Deus e com seu dever para com a igreja? Sem dúvida, esperavam que Jesus se declarasse contra o pagamento do imposto, o que lhes daria motivos para o denunciarem como rebelde diante do governador romano. Do outro lado, se favorecesse o pagamento deste imposto tão questionado, facilmente, podiam lançar sobre ele a suspeição de que era amigo e agente do governo romano e que não tinha o amor adequado para com os privilégios dos judeus como o povo escolhido de Deus. Cristo, porém, esteve ciente de sua perversidade. Diz-lhes que são hipócritas, tentando mascarar seu ataque sob a aparência duma cortesia sincera. Mas eram maus atores tentando-o para o desviar do trilho de seu ministério. Ordena que lhe mostrem uma moeda do censo, que era a moeda com que se pagava esta taxa. Quando lhe mostraram um denário, a moeda romana de prata que tinha a imagem e inscrição de César, que valia uns dezessete cents em dinheiro americano, de pronto lhes deu sua decisão: O que é de César dêem a César, o que é de Deus dêem para Deus. É uma regra simples e muito 7 ) 171) Lutero, 13.938. eficiente para conservar clara e definida a distinção entre igreja e estado. Foi uma resposta que os silenciou por completo, e que sobre esta questão tão controvertida forneceu a informação necessária para todos os tempos. O povo de Deus, acima de tudo, devia dar a Deus a honra e a obediência devidas. Em tudo o que diz respeito a Palavra de Deus, o próprio culto, a fé e consciência, tão somente obedecemos a Deus e não consideramos as objeções das pessoas. Mas em coisas meramente temporais e terrenas, que se relacionam a dinheiro, posses, corpo e vida, obedecemos ao governo do país em que vivemos. “Mesmo que não fossem dignos, ainda assim o Senhor lhes ensinou o caminho certo. Com estas palavras ele também confirma a espada temporal. Eles esperavam que Cristo o condenasse e argumentaria contra ele. Ele, porém, não faz nada disso, mas elogia ao governo civil e lhes ordena que lhe dêem o que lhe pertence. Com isto afirma que sua vontade é que haja governo, príncipes e senhores, aos quais devemos obediência, sejam eles quem e o que quer que sejam. E não nos cabe perguntar se eles, de modo justo ou injusto, têm e conservam em suas mãos o regime e o governo. Cabe-nos, tão só, preocupar-nos com o poder do governo, e esse é bom, pois foi ordenado e instituído por Deus, Rm.13.1. Não deves atrever-te a insultar ao governo, pelo fato de, ocasionalmente, seres oprimido por príncipes e tiranos, e quando eles abusam do poder que receberam de Deus. Pois, disso certamente deverão prestar contas. O abuso de algo não o torna mau, quando é bom em si mesmo....Mas, e como seria, se eles nos quisessem tirar o evangelho, ou proibir sua proclamação? Então te cabe dizer: Não te entregarei o evangelho e a Palavra de Deus, e não tens poder nenhum sobre isto; pois teu governo é um governo temporal sobre bens terrenos, o evangelho, porém, é uma posse celeste; por isso o teu poder não se estende sobre o evangelho e a Palavra de Deus. ... Esse não devemos entregar, visto que é o poder de Deus, Rm.1.16; 1.Co.1.18, contra o qual nem mesmo as portas do inferno prevalecerão, Mt.16.18. Por isso o Senhor, habilmente, condensa estes dois pontos, e, num só versículo, os separa um do outro, e diz: ‘Daí, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus’. Pertence a Deus a sua honra, que eu nele creia como sendo o Deus verdadeiro, todo-poderoso e sábio, e confesse que ele é o autor de todas as coisas boas. Mesmo, porém, que não lhe dê esta honra, ele a detém. O fato que tu o honrares, não a aumenta nem diminui. Em mim, contudo, ele é verdadeiro, todopoderoso e sábio, quando assim o considero e creio que ele é assim como ele próprio o confirma de si mesmo. Mas ao governo é devido temor, imposto, tributo, taxa e obediência. O que Deus quer é o coração. O corpo e os bens estão sob o governo que, em lugar de Deus, deve governar sobre eles”8). A Pergunta dos Saduceus, Mt.22.23-33. V. 23) Naquele dia aproximaram-se dele alguns saduceus, que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram: 24) Mestre, Moisés disse: Se alguém morrer, não tendo filhos, seu irmão casará com a viúve e suscitará descendência ao falecido. 25) Ora, havia entre nós sete irmãos; o primeiro, tendo casado, morreu, e não tendo descendência, deixou sua mulher a seu irmão; 26) o mesmo sucedeu com o segundo, com o terceiro, até ao sétimo; 27) depois de todos eles, morreu também a mulher. 28) Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será ela esposa? Porque todos a desposaram. Os herodianos e os discípulos dos fariseus haviam sido silenciados. Este fato, porém, pareceu como um desafio aos saduceus que se gloriavam de sua sagacidade. Estes homens não só vieram em seu espírito de malícia mas com a intenção de ridicularizar a Cristo. Pois, pessoalmente, não acreditavam na ressurreição, como observa Mateus, e também só aceitavam os cinco livros de Moisés como palavras autênticas de Deus. Jesus estava bem ciente das duas coisas, e aqui ele se usou desse seu conhecimento para frustrá-los. Contam uma história, que tem todos os sinais inequívocos de ter sido inventada para esta ocasião, e citam Moisés, Gn.38.8; Dt.25.5,6, em apoio à sua pergunta. Era o assim chamado casamento do levirado, a que se referiram.Conforme este, fora ordenado para a preservação das famílias, que, se um homem morreu sem deixar filhos, seu irmão devia casar a viúva, e que o primogênito fosse registrado como sendo 8 ) 172) Lutero, 11.1813,1814; 13.2508-2514. filho do irmão falecido. Os saduceus, propositalmente, contam a história do modo como a contam, para expressar a loucura da situação que, em sua opinião, haverá depois da ressurreição: Esposa de quem será ela? Pois, todos os irmãos têm os mesmos direitos. A resposta de Cristo: V.29) Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. 30) Porque na ressurreição nem casam nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu. Jesus, de modo completamente imparcial, mas com uma ênfase que atropela, dá-lhes a resposta: Todos estais em erro, e isto, porque não conheceis nem os fatos da Escritura nem o poder de Deus. Segundo os primeiros, deviam ter conhecido o fato que a ressurreição é afirmada no Antigo Testamento. Conforme o segundo, deviam ter conhecido que Deus é capaz de ressuscitar da morte. Notemos: A pergunta deles é uma questão secundária para Cristo. Interessa-lhe muito mais o motivo da pergunta. Até ao ponto que a história deles vai, a dificuldade que, como eles, de modo zombeteiro, sugerem, existe caso houver uma ressurreição, nem é tão grande. Cristo lhes diz, que no céu os crentes ressuscitados serão assexuados, serão como os anjos, visto não haver mais necessidade para casar, por estarem no passado tanto a procriação de filhos como os desejos sexuais do corpo. Prova da ressurreição: V.31) E, quanto à ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou: 32) Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ele não é Deus de mortos, e, sim, de vivos. 33) Ouvindo isto, as multidões se maravilhavam da sua doutrina. É um pedacinho de explicação bíblica, que é tão irrefutável como é surpreendente. O método de Cristo inclui uma censura à maneira deles de ler, sem nenhum entendimento, os livros de Moisés: Sois ignorantes nos próprios livros, que confessais serem sagrados, em que o Senhor fala diretamente convosco. Foi no Monte Horebe que o Senhor disse estas palavras a Moisés, Ex.3.6,16. Se os patriarcas estavam mortos, tanto de corpo como de alma, se estavam aniquilados e já não mais existiam, como podia Deus se chamar seu Deus, ele que é o Deus só dos vivos? Os mortos ressuscitados, conforme suas almas, vivem com Deus no céu. Estão realmente vivos, e no último dia suas almas serão reunificadas com o corpo para viverem para sempre na morada dos anjos, e de maneira muito semelhante a eles. Não é de admirar que o povo, todos quantos estavam reunidos com ele e ouviram sua discussão com eles, estavam muito admirados com este pedacinho de doutrina tão clara. “Vede, quem podia ter pensado que nestas palavras tão breves, simples e comuns, tanto podia ser contido e pudesse produzir um sermão tão excelente e rico, sim, que dele pudesse ser derivado um livro volumoso e vigoroso. Eles bem que sabiam estas palavras, mas não criam que em todos os livros de Moisés se pudesse encontrar uma só palavra sobre a ressurreição dos mortos. Esta opinião os moveu a aderirem só a Moisés mas a rejeitarem aos profetas, ainda que estes tiravam de Moisés seus sermões sobre os artigos principais da fé de Cristo”9). O Emudecer dos Fariseus, Mt.22.34-46. Informação pedida e dada: V.34) Entretanto os fariseus, sabendo que ele fizera calar os saduceus, reuniram0se em conselho. 35) E um deles, intérprete da lei, experimentando-o, lhe perguntou: 36) Mestre, qual é o grande mandamento na lei^37) Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda alma, e de todo o teu entendimento. 38) Este é o grande e primeiro mandamento. 39) O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. 40) Destes dois mandamentos dependem toda alei e os profetas. Os saduceus haviam sido silenciados de modo muito eficiente, já não tendo eles mais nada a dizer. Com isto a antiga rivalidade entre as duas seitas entrou em jogo. Se os membros duma delas tivessem o sucesso de, em algum argumento, derrotar a Jesus, isto seria motivo de orgulho para todo o partido. Por isso, os fariseus resolveram encontrar um ponto em que poderiam triunfar sobre o Senhor. Reuniram0se e, por fim, concordaram sobre uma questão, cuja resposta certamente o comprometeria. De modo 9 ) 173) Lutero, 11.674; 7.1125-1127. muito sério, como se fossem muito sinceros em seu desejo pela verdade, seu porta-voz, que era alguém bem versado na lei, apresenta a questão: Qual é o grande mandamento, o mais importante, ou aquele do qual tudo depende? Seu desejo está claro. Caso Jesus fosse selecionar a algum preceito da lei e colocá-lo acima dos demais, poderia ser acusado de colocar os demais mandamentos numa posição inferior e menosprezar sua validade. Cristo, porém, evita a cilada ao dar um resumo de toda a lei, colocando os da primeira taboa em primeiro lugar e, logo ao seu lado, os da segunda taboa. O amor a Deus é o cumprimento da lei. Mas precisam ser seus o coração todo, a alma toda e o entendimento todo, Dt.6.5. Razão e intelecto, sentimento e paixão, pensamento e vontade precisam ser entregues ao seu serviço. “Toma, pois, este mandamento perante ti: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, e reflete sobre isso, vai à sua procura, e tenta entendê-lo, para saber que espécie de lei é esta, e quão distante ainda estás de cumprir este mandamento; sim, que realmente ainda não começaste a cumpri-lo de modo correto, a saber, de em teu coração suportar e abandonar o que Deus requer de ti. É pura hipocrisia, quando alguém se recolhe a um canto e pensa: Sim, quero amar a Deus! Oh! quão ternamente ama a Deus: Ele é meu Pai! Oh! quão bem-intencionado é meu sentimento em relação a ele! E coisas semelhantes. É verdade, quando Ele age conforme o que nos agrada, somos capazes de dizer muitas dessas palavras, mias, quando, de repente, nos envia o infortúnio e a adversidade, já não mais o consideramos como Deus e um Pai. Um amor verdadeiro a Deus não age assim, mas o sente no coração e o expressa com a boca: Senhor Deus, sou tua criatura, age comigo segundo o que tu queres, para mim é tudo o mesmo; pois eu sou teu, isto é o que sei; e caso for da tua vontade que eu deva morrer agora mesmo ou sofrer um grande infortúnio, deverei suportá-lo de coração; nunca deverei considerar minha vida, honra e bens e tudo quanto tenho mais alto e valioso do que tua vontade, a qual me deve ser um prazer em todo o meu viver” (Lutero). Este é o primeiro mandamento, aquele com que inicia a santificação. E ele é grande, visto que inclui todos os demais mandamentos. Mas o segundo é semelhante a ele, Lv.19.18,34, visto que, pelo cumprimento da sua lei, traz o amor a Deus para a forma visível e tangível, no relacionamento com o próximo. Assim como cada pessoa tem por natureza o desejo que lhe sobrevenha unicamente o que é bom e agradável, assim ela devia empenhar-se, por meio de seu total relacionamento com o próximo, de lhe render e prover, sempre que possível, as mesmas coisas aprazíveis e agradáveis. Toda a lei e os profetas dependem destes dois mandamentos. A fé no coração encontra sua expressão no fazer a vontade de Deus, e a santificação da vida inicia e se funda em amar a Deus e ao semelhante. O amor é o cumprimento da lei, Rm.13.10. A Contra-pergunta de Jesus: V. 41) Reunidos os fariseus, interrogou-os Jesus: 42) Que pensais vós de Cristo0? De quem é filho? Responderam-lhe eles: De Davi. O ataque dos fariseus falhara. Seu próprio porta-vos fora obrigado a admitir a verdade da resposta de Cristo, Mc.12.32,33. Agora Cristo se volta ao ataque apresentando uma pergunta que espetaria seus adversários nos chifres dum verdadeiro dilema. Sua pergunta se refere à filiação de Cristo, do Messias. De qual família deve ele se originar? É o assunto mais momentoso de investigação diante do mundo, não só no tempo de Cristo, mas em todos os tempos. Conforme as pessoas decidem sua avaliação de Cristo, assim será decidido seu destino. Um mero conhecimento intelectual e uma mera confissão de lábios, como acontecia com os fariseus que sabiam responder bem desembaraçado mas só de modo mecânico, não bastam ao verdadeiro cristão, como o Senhor procede a demonstrar nesta ocasião. Forçando a conclusão: V. 43) Replicou-lhes Jesus: Como, pois, Davi, pelo Espírito, chamalhe Senhor, dizendo: 44) Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés? 45) Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é ele seu filho? 46) E ninguém lhe podia responder palavra, nem ousou alguém, a partir daquele dia, fazerlhe perguntas. A propósito, é afirmado tantas vezes no Antigo Testamento que o Messias foi um descendente de Davi, que cada judeu estava acostumado a chamá-lo por este nome. Os fariseus, porém, nunca haviam comparado as várias passagens sobre o Messias, sua pessoa e obra, e, por este motivo, ignoravam sua missão. O fato da dupla natureza unida em Cristo foi claramente ensinado no Antigo Testamento, mas os olhos deles estavam cegados por suas esperanças e aspirações falsas. “Jesus refere somente a este fato, que Davi, Sl.110.1, o chama seu Senhor: Se, pois, Davi, diz ele, o chama Senhor, como é ele seu filho? Soa estranho e é contrário à natureza que um chame seu filho de seu senhor, e que se lhe torne submisso e o sirva. Ora, Davi chama a Cristo seu Senhor, e um tal Senhor para quem o próprio Deus diz: Senta-te à minha direita, etc., isto é: Sê igual a mim, conhecido e adorado como o verdadeiro Deus; pois na cadeira de Deus ou à sua mão direita ninguém outro tem o direito de se assentar. Ele é um Deus tão zeloso que permitirá a ninguém outro sentar0se como seu igual ao seu lado, como ele o diz no profeta Isaías, capítulo 48.11: A minha glória não a dou a outrem, etc. Visto, pois, que ele coloca Cristo no mesmo nível consigo, este último precisa ser mais do que todas as criaturas”10). Ser o Senhor das alturas, igual a Deus, mas também ser, segundo a carne, o Filho de Davi, ter a divindade e a humanidade unidas em uma só pessoa, este é o Messias da profecia. O imenso conforto dos fiéis de todos os tempos era algo que os sábios judeus não conseguiam entender nem explicar, e foi isso que os fez emudecer e ficar muito confusos. “Apreciar a pessoa de Cristo e saber que ele é o Filho de Davi; pois ele é um homem mas também um Senhor de Davi, como aquele que está sentado à mão direita de Deus e tem seus inimigos, o pecado, a morte e o inferno como estrado de seus pés. Por isso, aquele que necessita de resgate destes inimigos, que não o busque em Moisés, não por meio da lei, de suas próprias obras e piedade; mas que o busque com o Filho e Senhor de Davi, onde, com certeza, o encontrará. Os cegos fariseus não sabem isto, por isso não respeitam a Cristo o Senhor; mas se dão por satisfeitos com o que sabem à base da lei, sobre como se deve amar a Deus e ao próximo. Mas é impossível conhecer a Deus, muito menos amar a Deus, caso não se conhece Cristo., Como ele próprio diz, Mt.11.27: ‘Ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar’. ... Mas aqui enxergamos as riquezas da bondade e misericórdia superabundantes de Deus, que Deus não poupou a seu próprio Filho unigênito mas o entrega por nós à morte de cruz, para que nós, libertos dos pecados, vivêssemos eternamente por meio dele. Este é um amor e misericórdia eterna, ilimitada e insondável, que nenhuma pessoa pode conhecer a não ser que conheça a Cristo”11). Resumo: Jesus conta a parábola da festa de casamento, responde a pergunta dos herodianos sobre o dinheiro do imposto, condena os saduceus que negavam a ressurreição, dá aos fariseus a informação apropriada quanto ao maior dos mandamentos, e dirige uma pergunta sobre a natureza dupla do Messias a qual eles não são capazes de responder. CAPITULO 23 A Ambição desordenada dos Fariseus, Mt.23.1-12. A hipocrisia nos altos escalões: V.1) Então falou Jesus às multidões e aos seus discípulos: 2) Na cadeira de Moisés se assentam os escribas e os fariseus. 3) Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem. 4) Atam fardos pesados e difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens, entretanto eles mesmos nem com o dedo querem movê-los. Aqui o evangelista registra a denúncia mais implacável e contundente da boca de Jesus de que temos conhecimento. É uma denúncia da existência de perversão espiritual nos maiores assentos e um tratado sobre o uso e abuso da lei, que não tem seu igual nos evangelho. Jesus, embora os escribas e fariseus estivessem presentes, proferiu este discurso ao povo e a seus discípulos. Definitivamente havia-se isolado destes inimigos incorrigíveis, com os quais cada nova tentativa de conquistar seu amor só resultava em ódio ainda maior.Ele define a posição deles. Escribas e fariseus, formalmente, por indicação de Deus, ocupavam a cadeira de Moisés. Com permissão divina ainda ocupam a cadeira de professores do povo. Ainda que muitas das suas explicações do Antigo Testamento eram insuficientes, 10 11 ) 174) Lutero, 11.1709. ) 175) Lutero, 13.911. inadequadas e, até, às vezes falsas, eles por enquanto detinham seu ofício como professores. “Pois Deus instituíra o ofício do sacerdócio levítico e do ministério da Palavra, para que o povo aprendesse os Dez Mandamentos dados por meio de Moisés. Toda a tribo de Levi foi estabelecida para esta finalidade, ou seja para zelar pelas Escrituras Sagradas. É isto o que o Senhor chama a cadeira de Moisés, isto é, o ministério da Palavra, para que pregassem Moisés. Ele diz: Se ouvis a pregação, e isto foi ordenado pela Lei e por Moisés, então fazei e observai-o, pois não é a palavra e a obra dos fariseus mas a do próprio Deus e de Moisés”12). Neste sentido, caso ordenarem e pedirem ao povo algo que está afirmado claramente na Palavra de Deus, se usarem sua posição e Autoridade oficial de modo próprio e legítimo, ensinando e expondo a lei e os profetas, então as pessoas devem fazer exatamente conforme a sua doutrina, e fazer da observância dos seus preceitos um costume fiel. Mas, as pessoas deviam prevenir-se de seguir seu exemplo, ou seja, de moldar suas vidas segundo as obras hipócritas destes líderes. Pois, estavam longe de praticar o que pregavam e exortavam. Juntavam, semelhante a ramos num grande feixe, dolorosos fardos e os impunham aos ombros das outras pessoas, mas eles próprios não tinham o desejo de tocá-los nem mesmo só como um de seus dedos. Eram severíssimos com os outros, mas muito tolerantes e indulgentes consigo mesmos. Os múltiplos preceitos e ordens que adicionaram à lei de Moisés, com ordem expressa ou implícita de que deviam ser colocados e considerados iguais às injunções escritas deste legislador, eram um fardo intolerável, o qual eles próprios, de modo muito atento, omitiam em sua vida particular. Seu desejo ardente para receber honra das pessoas: V. 5) Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens; pois alargam os seus filactérios e alongam as suas franjas. 6) Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, 7) as saudações nas praças, e o serem chamados mestres pelos homens. Os fariseus e escribas, quando em público e perante os olhos das pessoas, eram modelos de piedade e virtude. Realizavam suas obras e todos os seus atos públicos, tendo este objetivo em mente, visto serem atores que desempenhavam esplendidamente. São dados alguns exemplos desse comportamento hipócrita. Deus ordenara aos judeus, Dt.6.8, que deviam atar suas palavras como sinal sobre a mão e como faixa entre os olhos. Os líderes judeus interpretavam isto no sentido literal. Por isso os filactérios ou mementos, que eram tiras de veludo ou pergaminho tendo mais ou menos uma polegada de largura por doze a dezoito polegadas de comprimento, em que as seguintes passagens estavam escritas, Dt.11.13-21; 6.4-9; Ex.13.11-16; 13.1-10. Estes eram colocados em minúsculos cofrinhos ou caixinhas, sendo um deles preso na testa para o intelecto e a mente, e o outro preso no braço esquerdo para o coração. Os fariseus faziam estes mementos da lei excepcionalmente grandes, fosse no tamanho do pergaminho ou nas letras em que os textos eram escritos.Eles, da mesma forma, exageravam no caso das extremidades, das bordas ou franjas de suas roupas, que os judeus usavam, segundo Nm.15.37-40, para que se recordassem dos mandamentos do Senhor. Eram amarrados às vestes com fitas azuis, visto ser o azul a cor simbólica de Deus, do céu, da aliança e da felicidade. Em geral eram tecidos versículos da lei nestas faixas. Os escribas e fariseus, fazendo estas bordas bem grandes e distintas, queriam exibir seu zelo pela lei do Senhor. Bem do mesmo jeito, amavam de coração, e sempre tentavam conseguir para si, o assento mais elevado, o primeiro sofá, o lugar de honra numa refeição festiva. Sempre escolhiam o assento da sinagoga reservado para os anciãos. Sua vaidade suspirava com a saudação formal que recebia o mestre do povo, quando o povo leigo, com deferência, os chamava de rabi. Era uma ambição desordenada e repugnante. Humildade é exigida: V.8) Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. 9) A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está no céu. 10) Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo. 11) Mas o maior dentre vós será vosso servo. 12) Quem a si mesmo se exaltar, será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado. Cristo, de modo enfático, separa seus discípulos para esta parte de seu discurso. Deviam destacar-se, sendo um contraste claro a esse 12 ) 176) Lutero, 7.1130. desejo por honra e glória baratos. Não deviam procurar tais propinas de vaidade. Títulos se tornarão, exatamente então, um flagelo de primeira grandeza, quando são usados para designar distinção e categoria na igreja. No que diz respeito aos fiéis, diante de Cristo não há superiores nem inferiores, não há rabis, pais ou mestres. Ele é o único que tem esta categoria e tem este título. Seus discípulos, sejam eles homens ou mulheres, são todos iguais, são irmãos e irmãs no mesmo nível, Gl.3.28; Cl.3.11. Títulos nunca podem ser mais na igreja, do que nomenclatura de cortesia. Eles indicam certa medida de conhecimento e serviço, mas nunca alguma honra de direito divino. A verdadeira medida de grandeza perante Cristo é a humildade no servir a ele e ao próximo. Aquele que, na sinceridade de seu coração, presta um tal servir que flui da verdadeira fé, é considerado grande aos olhos do Mestre. Por isso, todo aquele que luta por honra diante das pessoas, que busca categoria na igreja de Cristo, será colocado bem em baixo, na posição mais indigna. Sua ambição desordenada, até, lhe pode tirar do coração o cristianismo. Enquanto o verdadeiro humilde, que tem em mente tão só o servir, será exaltado, no tempo apropriado, pelo Senhor, 1.Pe.5.6. Os Ais Sobre A Hipocrisia Dos Fariseus, Mt.23.13-33. O primeiro ai: V. 13) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais o reino dos céus diante dos homens; pois, vós não entrais, nem deixais entrar os que estão entrando. Esta passagem de denúncias não representa uma mera opinião de Jesus, mas é o julgamento do Santo de Deus sobre aqueles que estavam fazendo da religião inteira uma zombaria e um fingimento. O ai significa o fogo eterno do inferno. Este será o castigo deles, como diz Lutero. Eles, em sua hipocrisia e em sua ação, chegaram ao ponto em que enganam tanto a si mesmos como aos outros. Fingem, com grande ostentação de zelo, estar abrindo as portas dos céus aos seus semelhantes, ensinando-lhes o caminho da salvação farisaica por obras. Mas, procedendo assim, de fato, fecham os portais do céu diante deles. Pensavam que tinham o céu como certo e que, quando bem quisessem, podiam entrar, mas, tão só, se enganaram e ainda enganam outros, impedindo-os de entrar. O segundo ai: V. 14) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque devorais as casas das viúvas e, para o justificar, fazeis longas orações; por isso sofrereis juízo muito mais severo. Os fariseus não gostavam de trabalho braçal ou mental, com o qual pudessem conseguir a vida honestamente. Assim como sua religião era mera farsa, também seus costumes religiosos eram usados para esquemas de enriquecimento. Longas oração, como as que eles costumavam fazer, eram a sua marca forte, sendo produzidas com a finalidade de mostrar ao povo que possuíam méritos e poderes excepcionais. Mulheres, despojadas de seus protetores naturais, viúvas, cujos sentimentos facilmente podiam ser dominados, com muita disposição pagavam pela assistência de longas orações feitas por elas. Este era o pretexto frívolo pelo qual escribas e fariseus conseguiam propriedade e riquezas, Is.5.8. Esta forma de suborno era especialmente condenável, porque incluía o abuso do nome de Deus, e, desta forma, era tanto uma blasfêmia como um assalto. O terceiro ai: V.15) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque rodais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós. Os escribas e fariseus, em seu desejo de impressionar o povo, eram zelosos em ganhar prosélitos para a igreja judaica. Atravessavam os mares e viajavam pelos desertos procurando homens e mulheres que pudessem ser ganhos para a religião judaica, sendo naquele tempo notável o número de prosélitos da porta e os prosélitos da justiça, ou seja, daqueles que haviam aceito as doutrinas judaicas sem ou com a circuncisão e o batismo. Mas eles, juntando externamente pessoas à igreja, internamente lhes causavam eterno dano às almas, ensinando-lhes a religião da hipocrisia. Muitos dos prosélitos da justiça eram muito mais fanáticos do que os próprios judeus. Desta forma os fariseus, mais uma vez, provaram que eram adeptos da dissimulação, visto que aos olhos das pessoas isto parecia que eles eram zelosos por Deus, e que tiravam muitas pessoas da idolatria. Mas, de fato e de verdade, eles as metiam numa idolatria ainda muito maior, do que a anterior, ainda que oculta, porque passaram a crer em suas próprias boas obras. O quarto ai: V. 16) Ai de vós, guias cegos! Que dizeis: Quem jurar pelo santuário, isso é nada; mas se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obrigado pelo que jurou. 17) Insensatos e cegos! Pois, qual é maior: o ouro, ou o santuário que santifica o ouro? 18) E dizeis: Quem jurar pelo altar, isso é nada; quem, porém, jurar pela oferta que está sobre o altar, fica obrigado pelo que jurou. 19) Cegos! Pois, qual é maior: a oferta, ou o altar que santifica a oferta? 20) Portanto, quem jurar pelo altar, jura por ele e por tudo o que sobre ele está. 21) Quem jurar pelo santuário, jura por ele e por aquele que nele habita; 22) e quem jurar pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que no trono está sentado. É um exemplo típico das diferenças sem sentido que eram permitidas porque a tradição assim o falava. Jesus chama aos escribas e fariseus de guias cegos, ou seja, aqueles que se atreviam guiar outras pessoas enquanto eles próprios careciam de conhecimento e compreensão corretos, Rm.2.17-24. Era considerado um transgressor manifesto aquele que, sob juramento, fazia um voto pelo ouro do lugar santo ou pelo sacrifício sobre o altar, coisas que eram santificadas a Deus, caso não considerasse seu voto como totalmente obrigatório. Mas, jurar pelo santo dos santos ou pelo altar de sacrifício era nada, tinha nenhum valor e não era obrigatório. Detalhes pequenos e insignificantes eram sustentados no interesse de preceitos humanos e com o propósito de conservar os corações das pessoas por meio da pressão do medo, sendo, porém, ignorados os assuntos fundamentais. O Senhor os chama de tolos estúpidos e cegos, que não têm entendimento nem valor reais. É o altar que santifica, que dá o valor ao sacrifício. É o lugar santo que confere santidade ao ornamento. É Deus, o Rei dos céus, que dá ao trono lá do alto dignidade e valor. Por isso chegara o tempo para os judeus para reajustarem os valores. Os votos são sacros e válidos, mas nunca deve acontecer que distinções humanas os encubram. O quinto ai: V.23) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da lei, a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas.24) Guias cegos! Que coais o mosquito e engolis o camelo. É um outro exemplo da observância religiosa de coisas insignificantes. Interpretavam a lei do dízimo tão severamente, Lv.27.30,31, que, conforme uma explicação rabínica, se preocupavam sinceramente em incluir as menores ervas e vegetais da horta, a cheirosa hortelã, o endro, o cominho aromático, cujo uso era medicinal. Em outras palavras, eram severíssimos no escrúpulo em observar, até, os mínimos detalhes de sua religião. Mas, fazendo isto, deixavam de lado os assuntos mais pesados da lei, como o juízo, a misericórdia e a fé. Justiça e equidade para com todos, misericórdia e amor para com aqueles que estavam em necessidade de compaixão, fé em Deus como a fonte de toda religião verdadeira. Eles nada sabiam destas grandes virtudes, mas as omitiam e desprezavam. Era bom e elogioso dar o dízimo, mesmo se a interpretação dos mestres incluía as ervas da horta, mas o que representava a exatidão neste assunto tão pequeno em comparação com a necessidade muito maior de cultivar as virtudes maiores? Sua atitude bem podia ser comparada ao proverbial engasgar na tentativa de engolir um mosquito, mas engolir com a maior facilidade um camelo. Com extremo cuidado coavam qualquer pequeno inseto do vinho, para que não se contaminassem, mas o engolir dum camelo lhes dava pouco remorso. A menor omissão duma regra secundária feria suas consciências, mas a infração dos preceitos fundamentais de Deus, que deviam observar diante das pessoas, isso não os impressionava. O sexto ai: V. 25) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes por dentro estão cheios de rapina e intemperança. 26) Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo. É uma figura tomada da bem conhecida rigidez dos fariseus no assunto das purificações e abluções prescritas na lei. Em todas estas formas exteriores, também nos preceitos sobre comida e bebida, tomavam o cuidado de manter uma aparência imaculada diante das pessoas. Mas, enquanto isso, os lucros de assalto e incontinência enchiam seus bolsos. É essencial que em verdadeira pureza, primeiro, esteja limpo o lado de dentro do prato e da xícara. A pureza do exterior seguirá como conseqüência. Não pode haver verdadeira piedade, ou retidão de viver, a não ser que, primeiro, o homem interior esteja renovado. A conversão precisa preceder à santificação. Uma pessoa pode exercitar-se para observar a aparência exterior apropriada e, até, das virtudes cristãs, mas sem uma mudança de alma tudo isso nada será. “Ele diz: Tudo está externamente tão limpo que não podia ser melhor. Mas, como está em vosso coração? Ele não fala da xícara ou do prato, mas do coração que está cheio de impurezas. Ele não rejeita sua pureza, mas deviam, primeiro, limpar o que está dentro. Esta pureza a qual não só observais, mas também ensinais, quando pensais que se a roupa de púrpura está escovada e tudo, seja cama e vestes, está limpo, esta é a vossa justiça, e não obstruís esta pureza mas a enfatizais, mas estais, ainda, internamente cheios de assalto, ganância e impurezas, e ainda defendeis esta doutrina e vida. Não pode ser pecado, quando assaltais e roubais tudo o que eles, o povo pobre, possuem”13). O sétimo ai: V. 27) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos, e de toda imundícia. 28) Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade. Era costume entre os judeus, desenvolvido de Ez.39.15, pelos rabis, do qual se afirmava que voltava até aos tempos de Josué, que, no dia quinze do mês de Adar de cada ano, um mês antes da páscoa, as sepulturas daqueles que haviam sido sepultados nas encostas dos morros ou perto das estradas deviam ser pintadas com uma espécie de cal. Desta forma eram bem visíveis, tanto de dia como de noite, e os peregrinos, que não estavam acostumados com o país, que vinham às grandes festas, podiam evitar qualquer contaminação levítica, quando caminhavam por entre estas sepulturas, visto que o contacto com uma sepultura podia contaminar a um judeu. De acordo com o julgamento de Cristo, os escribas e fariseus são exatamente como essas sepulturas. Sua vida, tal como eles a apresentam à vista da multidão, era imaculada, provocando nada menos do que elogios, mas, quando se penetrava para além da casca exterior e examinava o coração, a verdadeira abominação era tão grande que provocava nada menos do que a condenação. São hipócritas, cujo verdadeiro orgulho da lei se mede em indisciplina e oposição da lei. O oitavo ai: 29) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque edificais os sepulcros dos profetas, adornais os túmulos dos justos, 30) e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido seu cúmplices no sangue dos profetas. 31) Assim, contra vós mesmos, testificais que sois filhos dos que mataram os profetas. 32) Enchei vós, pois, a medida de vossos pais. 33) Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? As sepulturas verdadeiras e supostas dos profetas do Antigo Testamento eram tidas em grande veneração pelos judeus do tempo de Cristo. Um sinal que geralmente caracteriza uma ortodoxia morta é edificar os túmulos e decorar as sepulturas enquanto, de fato, se rejeita as palavras dos profetas que se honra com esta demonstração exterior. Tudo isto acompanhado com muita exibição de santimônia. Lamentam amargamente o fato que os pais mostraram tão pouco juízo e foram tão rápidos em sua ação – o que é uma peculiaridade encontrada até este dia numa geração que imagina estar no entendimento e no conhecimento, em especial das Escrituras e na compaixão, muito acima das pessoas, que viveram a poucos séculos passados. Tudo isto, unicamente, mostra que eles tinham a mesma índole e sangue de seus pais, que, como filhos de assassinos de profetas, teriam pouca compunção, e não hesitaram em preencher a medida de seus pais, excedendo-os em crueldade e em sede por sangue, matando ao Salvador. Em vista de tal vileza e hipocrisia, o Senhor, só com muito esforça, acha epítetos que expressam seu desprezo a tal maldade. Chama-os de serpentes e prole de víboras, a quem não será possível escapar da condenação do inferno. O Epílogo e o Lamento Sobre Jerusalém, Mt.23.34-39. V. 34) Por isso eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis;a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade; 35) para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar. 13 ) 177) Lutero, 7.1194,1195. 36) Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre a presente geração. Este é o princípio do juízo sobre a nação judia por sua consistente recusa em aceitar o Messias, que sobrevirá primeiro aos seus líderes. Jesus afirma isto com muita seriedade, porque a geração presente está prestes a encher a medida de iniqüidade até às bordas. Ele lhes enviaria novamente seus mensageiros, mas a mensagem lhes endureceria os corações, tanto contra a própria mensagem como contra seus portadores. Sua adoração falsa não lhes permitiria a adoração em espírito e em verdade. Iriam matar, crucificar, açoitar e perseguir aos mensageiros de Cristo. Nenhuma forma de inquisição e crueldade é horripilante demais, quando as pessoas voltaram seu desprezo aos mensageiros do verdadeiro evangelho. Assim os judeus, sendo punidos pelo assassinato de Cristo e dos mensageiros do Novo Testamento, cujo sangue viria sobre eles, ainda receberiam a punição dos assassinos dos profetas do Antigo Testamento. Trazem em si o espírito dos pais, o mesmo ódio à verdade e seu portadores. Por isso os pecados dos pais serão visitados em seus filhos. Abel foi o primeiro a morrer, sendo um mártir de suas convicções, de sua fé. E o ódio aos filhos de Deus continuou pelos séculos, sendo um dos casos mais claros o de Zacarias, filho de Joiada, também chamado Baraquias, 2.Cr.24.2021, sem falar de outros assassinatos registrados na história. Toda a ira acumulada de Deus foi visitada nos judeus da geração de Jesus, porque rejeitou ao próprio Messias: “É, como se ele dissesse: É um só povo, uma só parentela, uma só geração – quais pais, tais filhos. Pois a obstinação que nos pais se opôs a Deus e a seus profetas, nos filhos ela se opõe da mesma forma – o filho é como a mãe. ... Todo o sangue que derramaram é juntado e derramado sobre eles”14). O lamento: V.37) Jerusalém, Jerusalém! Que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! 38) Eis que a vossa casa vos ficará deserta. 39) Declaro-vos, pois, que desde agora já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor! É um choro muito comovente de preocupação misericordiosa, que vem dum coração cheio de amor sincero do Salvador. “É evidente que nosso bendito Salvador desejou séria e sinceramente a salvação dos judeus. Ele fez tudo o que podia ser feito, conforme sua própria perfeição e na liberdade de suas criaturas, para realizá-lo. Suas lágrimas sobre a cidade, Lc.19.41, evidenciam suficientemente sua sinceridade. Estas pessoas ainda assim pereceram. A razão disso foi que elas não quiseram ser reunidas sob sua proteção”15). Não quiseram aceitar sua salvação. É uma figura linda a que o Senhor usa aqui. Cf.Sl.91.1-7. “Observem como age a galinha. Dificilmente há algum animal que se interessa tanto em seus pequeninos. Ela troca sua voz natural e assume um chamado triste e lamentoso. Ela procura e cisca na terra, e coage os pintinhos. Sempre que acha algo, não o come, mas o deixa aos pintinhos. Luta e alerta com toda a seriedade contra o gavião, e com muita boa vontade estende suas asas, e permite que seus pintinhos se escondam sob ela ou mesmo subam sobre ela. É um quadro belo e agradável. Assim também Cristo assumiu uma voz triste, e lamentou por causa de nós e pregou o arrependimento, mostrou de coração a cada um seus pecados e desgraça, abriu as belezas das Escrituras, com amor nos persuade a entrarmos e nos permite comermos, e sobre nós estende suas asas com toda sua justiça, mérito e misericórdia, e nos abriga sob si de modo tão terno, aquece-nos com o seu calor, isto é, como seu Santo Espírito que vem somente por meio dele, e por nós luta contra o diabo no ar”16). Mas eles não quiseram, diz o Senhor aos judeus. Esta acusação se mantém inalterável. Foi por isso que sua casa ficaria deserta, desolada, sendo sua terra entregue nas mãos dos inimigos. Pois, agora, removeria deles sua presença messiânica. O dia da graça deles está no fim. Não o serão novamente até ao dia em que vem em sua glória, quando, até, seus inimigos deverão confessar que ele é o Senhor sobre tudo, quando será cantado o grande Aleluia, para todo o sempre. Resumo: Jesus desmascara a ambição desordenada dos fariseus, repreende sua hipocrisia numa série de oito ais, prediz a vinda do castigo, e lamenta a obstinação da nação judaica. ) 178) Lutero, 11.208,209. ) 179) Clarke, Commentary, 5.224. 16 ) 180) Lutero, 11.241; 7.1261. 14 15 Fariseus e Saduceus Ainda que tenha havido um bom número de partidos e seitas entre os judeus, os quais tinham seus adeptos entre o povo simples, sendo alguns os herodianos, os essênios e partidos políticos de várias tempos, mas nenhum era tão influente ou exercia sua influência por tanto tempo sobre o povo, do que os fariseus e saduceus. A seita mais poderosa dos judeus era a dos fariseus, que representavam o hebraísmo mais extremado sendo os ortodoxos entre os judeus. Seus adeptos só eram selecionados entre os que eram mas ricos e distintos na sociedade. Apegavam-se estritamente ao sentido literal da lei de Moisés. Adicionavam à autoridade das Escrituras a da tradição, os preceitos e regulamentos dos anciãos. Mas também introduziram alguns dos princípios especulativos da filosofia ou religião das nações do leste. Estas idéias haviam sido adotadas pelos judeus durante o exílio, e se apoiavam sobre o dualismo persa. A doutrina do destino ou da predestinação, de anjos e demônios, e da situação futura de recompensa e punição, se achavam entre os novos artigos formulados de fé. Os fariseus tentavam fazer um compromisso entre a religião revelada e estes princípios obscuros, adotando aquelas partes que não eram expressamente condenadas no Antigo Testamento. Visto que acreditavam no destino, eles sustentavam que ele cooperava em todas as ações do homem, e afirmavam que fazer o que é correto ou errado está, de modo especial, no poder do homem. A doutrina da transmigração de almas eles atenuaram a ponto de dizer que todas as almas são incorruptíveis, mas que as almas dos bons são removidas para outros corpos, enquanto que as almas dos maus estão sujeitas ao castigo eterno. O Novo Testamento faz muitas referências à sua doutrina, visto Cristo ser obrigado a, em muitas ocasiões, expor a falsidade de suas asserções, e advertir contra o fermento de sua doutrina falsa, Mt.16.12; Mc.8.15. Aderiam, com a maior seriedade, aos 613 preceitos da “Grande Sinagoga”, fazendo desta forma suas próprias vidas e as de seus seguidores um peso intolerável. Também não davam qualquer valor ás condições perversas e aos desejos maus do coração, orgulhando-se eles mesmos só de sua aparência externa de santidade. Viviam modestamente e jejuavam mais vezes do que o exigia a lei. Desprezavam os manjares finos, Lc.18.12. Proibiam aos sábados, até mesmo os trabalhos mais essenciais e as obras de caridade, Mt.12.1-8, 9-13; Lc.13.1416; Mc.2.27; Jo.7.23. Cristo chama sua adesão servil às tradições dos anciãos de culto vão, Mc.7.27,9. Estas doutrinas eram reveladas continuamente nas virtudes fingidas das vidas dos fariseus. De fato, os dois estavam relacionados tão intimamente, que é difícil fazer uma divisão. A passagem acima, Mt.23, é uma denúncia perfeita da hipocrisia dos fariseus. Conseguiam atirar areia nos olhos do povo, a ponto de ser aceito sem reservas tudo o que faziam em questão de culto divino, orações e sacrifícios, e muitas cidades lhes darem grande afirmação por causa de sua conduta tão virtuosa 17 ). Interpretando todas as profecias que se referem à grandeza do reino do Messias, como predizendo um reino temporal, nunca cessaram em sua tentativa de reforçar sua influência política, no que, às vezes, e por breve tempo, tiveram sucesso. Apareciam diante da multidão com seu jejum, Mc.2.18. aos seus olhos comer com mãos não lavadas era uma transgressão igual aos piores pecados, Mc.7.2-7. Temiam a contaminação caso tocassem a um pecador manifesto, Lc.7.36-50, e sempre lutavam em cumprir a lei em seu sentido mais literal, Jo.8.2-11. Tendo em vista que eles, tanto em sua doutrina como em sua prática religiosa, tinham uma posição que era inteiramente oposta a Cristo, não é de surpreender, que estavam cheios de ódio mortífero contra o Nazareno. Tentavam-no, Mt.16.1; Mc.8.11; buscavam apanhá-lo em seu falar, Mt.22.15; Mc.12.13; Lc.20.20; Reuniram-se em conselho para o matarem, Mc.3.6; Jo.11.47-53. E, depois de terem conseguido afastá-lo, da mesma forma perseguiram seus discípulos, Mt.23.34; 17 ) 182) Josefo, Antiquities, Book XVIII, Cap. I. At.7.58; 8.3; 9.1,1; Gl.1.13,23; At.23.6-9. É história tão antiga como o mundo, que a justiça e a verdade são odiadas pela injustiça e hipocrisia. Os inimigos ferrenhos dos fariseus, sendo também seus oponentes na doutrina, mas sempre unidos com eles em seu ódio a Cristo, eram os saduceus, que eram os representantes do helenismo levado ao seu extremo, tendo, até, características gregas. Eram arregimentados só dentre os mais ricos, e dos que se inclinavam à cultura pagã. Eram os racionalistas entre os judeus, com princípios modernos de filosofia. Negavam a imortalidade da alma e a ressurreição do corpo, Mt.22.23-33; Mc.12.18-27. Sustentavam que não existem anjos ou espíritos, At.23.8. Só aceitavam os livros de Moisés e rejeitavam qualquer tradição, afirmando que os judeus deviam estimar aquelas práticas como obrigatórias, que estão na palavra escrita, mas não deviam observar o que é derivado da tradição vinda dos antepassados 18). Visto que não creram na vida futura, rejeitavam a idéia duma recompensa ou punição futura. Por causa do pequeno número de seguidores e do pequeno alcance de sua influência, não são tantas vezes aludidos nas Escrituras, como o são os fariseus. Cristo foi obrigado, por amor à verdade, a advertir contra suas doutrinas falsas, Mt.16.6,12. Ele refutou a eles a à sua doutrina sobre o casamento, quando inventaram aquele problema para o debocharem, Mt.22.32. Também em outras ocasiões, os saduceus foram desmascarados e seus argumentos derrubados, com a mesma franqueza, Mt.16.4; 3.7. Por tudo isto sua relação com o Profeta de Nazaré foi tudo menos amigável. Por serem chamados uma geração má e adúltera, Mt.16.3,4, e ser-lhes dito que não conheciam as Escrituras nem o poder de Deus, Mt.22.29; Mc.12.24, sua ira subiu a tal ponto que prontamente se juntaram em conselho com os fariseus, formando o sinédrio, consultando como poderiam apanhar a Jesus à traição e matá-lo, Mt.26.3,4. E, depois da morte de Jesus, perseguiram seus discípulos, At.4.12; 5.18, visto que as pessoas mais influentes de sua nação pertenciam à sua seita, At.5.17. Mas a Palavra de Deus continuou vitoriosa. CAPITULO 24 O Julgamento De Deus Sobre Jerusalém E Sobre O Mundo, Mt. 24.1-14. A destruição do templo: V. 1) Tendo Jesus saído do templo, ia-se retirando, quando se aproximaram dele os seus discípulos para lhe mostrar as construções do templo. 2) Ele, porém, lhes disse: Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra, que não seja derrubada. Neste capítulo, como diz Lutero, é descrito o resultado e o fim dos dois reinos, o dos judeus e o de todo o mundo. Jesus havia tido um dia atarefado nesta terça-feira, ensinando e pregando desde cedo de manhã até que o crepúsculo da tarde sobreveio. Então deixou o templo e a cidade, para retornar para Betânia onde pernoitou. Enquanto passava pelo portal do templo, um de seus discípulos, cheio de admiração, mostrou-lhe as pedras enormes e belas e os ricos ornamentos do templo, que era o orgulho dos judeus. Outros discípulos, animados, vieram à frente e chamaram a atenção sobre características especiais, os vários pórticos, vestíbulos, pátios e outras instalações. A conversa, que então começou, continuou por algum tempo, provavelmente até alcançarem a colina oposta à cidade, donde contemplaram o esplendor da construção mais magnífica de Herodes. Mas a suma das palavras de Cristo é dada na solene afirmação – tanto mais impressionante, visto estarem parados ou sentados num lugar que permitia uma visão bem ampla do templo – que não sobraria uma só pedra em seu lugar apropriado sobre a outra, que não seria completamente demolida. A bela fundação e as paredes de mármore branco, as esplêndidas colunas coríntias, a pesada ornamentação e folheado de ouro, tudo seria completamente destruído. A pergunta dos discípulos, quanto aos detalhes: V. 3) No Monte das Oliveiras, achava-se Jesus assentado, quando se aproximaram dele os discípulos, em particular, e lhe pediram: Dizenos quando sucederão estas coisas, e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século. 4) 18 ) 183) Josefo, Antiquities, Book XIII, Cap. X; Wars of the Jews I, Cap. VIII. E ele lhes respondeu: Vede que ninguém vos engane. 5) Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos. A abrupta predição de Cristo fez uma profunda impressão sobre os discípulos. Por isso aproveitaram a ocasião, quando Cristo, já no outro lado da cidade, se sentou à margem do caminho, para lhe perguntarem sobre o cumprimento desta profecia que eles associaram com o fim do mundo. Pedro, Tiago, João e André eram, dentre eles, os mais insistentes, Mc.13.3. Antes de tudo, estavam interessados sobre o tempo em que Cristo retornaria e sobre o sinal que o precederia, anunciando a sua vinda para o juízo sobre a cidade e sobre o mundo. Notemos as três perguntas: Quando ocorrerá a destruição do templo, da cidade e do estado judeu? Que sinal especial indicará a vinda de Cristo? Quando será o fim do mundo, e ocorrerá o julgamento de vivos e mortos? Não há qualquer traço duma idéia dum milênio nesta questão. A fé que os judeus sustentavam, e que suporta neste ponto, é que a presente era do mundo, a era de pecado e morte, findará com o juízo final, sem qualquer tempo intermediário de glória de mil anos. Isto também está indicado na resposta de Cristo, quando lhes diz que observem, que prestem atenção, que se previnam contra o engano e o pavor. Porque os sinais, que precederiam tanto a destruição de Jerusalém como o fim do mundo, seriam duma espécie tal, que exigiriam mentes tranqüilas e corações corajosos. O primeiro sinal seria a vinda de falsos mestres, falsos cristos. Estes viriam em seu nome, alegando identidade com ele. Impressionariam pela própria pompa de sua conduta. Muitos seriam enganados, muitos escutariam suas mentiras e poriam neles sua confiança. Foi assim no tempo da destruição de Jerusalém, como relata Josefo, e, hoje, também é assim. O número de mestres falsos como suas seitas se multiplica tão rápido, que faz ser extremamente difícil registrar a todos eles. Outros sinais exteriores: V. 6) E certamente ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; vede, não vos assusteis, porque é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim. 7) Portanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares; 8) porém, tudo isto é o princípio das dores. A declaração de Cristo é impressionante e dramática: Acontecerá assim; sobre isso não há dúvida. As muitas guerras, os antecedentes inquietantes, as guerras subseqüentes que conduzem a mais guerras, guerras com nações a que os cristãos pertencem e são envolvidos, e guerras de que apenas ouvem por relatos e rumores. Todas estas coisas são fadadas a acontecer. São o resultado da rejeição ao Messias. Por isso os cristãos não deviam dar espaço para perturbação e medo excessivos. Precisam de calma e força, pois isto ainda não é o fim das tristezas. Não foi a última coisa a acontecer antes da destruição de Jerusalém, e não será a última coisa antes do fim do mundo. As guerras, ao contrário, assumirão uma forma constante. Haverá levantes e rebeliões de nação contra nação, de povo contra povo, de reino contra reino, dos judeus contra os sírios, dos de Tiro contra os judeus, dos judeus e galileus contra os samaritanos, dos judeus contra os romanos e contra Agripa, e a guerra civil na própria Roma. Como aconteceu nos dias antes da destruição de Jerusalém, assim também os exemplos da história contemporânea poderiam ser citados e multiplicados, afirmando com antecedência a desintegração do mundo, conforme a palavra de Cristo. Sucede a mesma coisa em relação às carestias e fomes, às pestes e aos terremotos: Havia fome nos dias do imperador Cláudio, At.21.28, e há fome envolvendo milhões de pessoas em nossos dias. Os historiadores mencionaram pestes que aconteceram naqueles dias, e em nossos tempos há pestilências terríveis e inexplicáveis assolando a terra. Naqueles tempos ocorreram terremotos em Creta, na Ásia Menor, nas ilhas do Mar Egeu, em Roma, na Judéia, e semelhantes a eles devastam hoje cidades e regiões imensas. Mas estas são só o princípio das dores insuportáveis. Perseguições: V.9) Então sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome. 10) Nesse tempo, muitos hão de se escandalizar, trair e odiar uns aos outros; 11) se levantarão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. 12) E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos. 13) Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo. 14) E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então virá o fim. Esta é uma profecia do destino que foi reservado aos apóstolos e discípulos no tempo da geração antes da queda de Jerusalém, bem como as perseguições que viriam como porção aos cristãos fiéis de todos os tempos, em especial, do tempo imediatamente antes da destruição do mundo e do juízo final. Então os inimigos fariam com que os cristãos fossem passar aflições, de modo que aperto de toda forma de ódio os envolveria. E este ódio, em certas ocasiões, não haveria de hesitar em matar alguns deles, visto isto ser a sua favorita disposição de espírito, Lc.21.16; Jo.16.2. Tudo isto sobreveio como porção abundante, não só sobre os primeiros discípulos e os cristãos dos primeiros três séculos, e nas dez perseguições gerais, mas também aos cristãos bíblicos dos séculos posteriores, quando se tornaram as vítimas da inquisição, de guerras religiosas, e de maquinações políticas. A posição dos seguidores de Cristo, em todos os tempos, tem sido a dos que são odiados por causa do nome do Senhor. Em algumas das antigas perseguições, o mero nome cristão já era um crime que merecia a pena de morte. E hoje o mesmo ódio está presente em toda a terra, na intolerância e fanatismo, que não são dirigidos primeiramente contra línguas mas contra a verdade do cristianismo. Seria acrescentado, ao ódio dos inimigos de Cristo, a traição pelos próprios membros da igreja, que, ao final, se ofenderiam com as cruzes impostas aos discípulos. Ofensa, traição e ódio é o que ocorre em casos assim, e isto não só na igreja apostólica e anti-niceana, onde esses ex-membros recebiam certo nome específico, mas também em nossos dias, quando a ciência, recebendo falsamente este nome, causa o tropeço e a queda de muitos membros, que finalmente se tornam inimigos da Bíblia e da igreja. Estas condições se tornariam ainda mais difíceis para serem suportadas, porque surgiriam falsos profetas de dentro das próprias congregações, At.20.29,30; 2.Tm.2.17,18. É exatamente isto o que acontece hoje, quando se opõem ao efeito da pregação pura do evangelho e, porque conduzem muitos ao erro, causam mais ofensa. E na mesma medida como aumentam piedade e iniqüidade, também diminuem o verdadeiro amor e a caridade entre os cristãos, visto que os ventos da aflição os esfriarem e matarem. É bem então que, como se fossem uma só unidade, se destacam a admoestação e a promessa, num emblema glorioso. Aquele que persevera pacientemente, suportando tudo por amor ao nome do Senhor, aquele cuja fé permanece inabalável, esse será salvo, finalmente será liberto de todo o mal e receberá a glória eterna como galardão misericordioso. “Isto é o que importa aqui, onde temos uma vida cheia de cruzes, e o diabo e o mundo colocam muitos obstáculos no caminho, que os expoentes da cristandade perseveram até ao fim. Isto é, que corajosamente venças todos os obstáculos e ofensas, se quiseres ser salvo diante de Deus. Porque o reino dos céus, diz Cristo em outro lugar, Mt.11.12, sofre violência, e os violentos o tomam pela força. Por isso importa que um cristão não só comece na fé, esperança, amor, paciência, e nisso continue por algum tempo, mas continue até ao fim. Doutro modo, se todo o bem se materializasse no que desejamos, o céu ficaria na terra”19 ). Também há muito conforto na segunda promessa do Senhor, quando afirma que o fim do mundo virá, quando o evangelho tiver sido pregado em todo o mundo habitado. Jesus, propositalmente, não fixa limites exatos, mas faz sua afirmação de modo bem geral, para prevenir a tola contagem do tempo, que se tornou verdadeira coqueluche em nossos dias. O evangelho de sua graça e misericórdia seria proclamado, muito amplamente, por todo o mundo gentio, e entre todas as nações, para evitar falsas acusações sobre qualquer favorecimento. Isto é tanto uma promessa, como um encorajamento: promessa duma concessão abundante de sua mensagem graciosa, e um encorajamento para realizar, com destemida coragem e boa vontade, a obra missionária que, neste sentido, lhes cabe. O abominável da desolação: V. 15) Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar santo, quem lê, entenda, 16) então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes; 17) quem estiver sobre o eirado não desça a tirar de casa alguma coisa; 18) e quem estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa. Isto é verdade, acima de tudo, para o tempo da queda de Jerusalém. Os discípulos devem lebrar0se de tudo quanto o Senhor disse, e as esperanças que lhes apresentou. Fazendo-o, serão capazes de manter o equilíbrio que é necessário nos últimos dias, nos tempos turbulentos que então sobrevirão. Lutero e outros pensaram que o abominável da desolação, referido aqui, fosse a estátua do imperador Caio 19 ) 184) Lutero, 9.1807. Calígula, que o governador mandou colocar no templo para que fosse adorada 20 ). Isto, realmente, foi uma abominação, uma profanação do templo que fora consagrado ao verdadeiro Deus. Mas, a figura é, aqui, usada num sentido ainda mais amplo, Lc.21.20,24. O abominável da desolação, a horda blasfema que levava consigo morte e destruição, que executava a sentença terrível mas justa de Deus sobre o povo judeu, foi o exército romano, com suas insígnias militares, suas águias e ídolos. Este, como Daniel o descreve, capítulo 11.22,27; 9.27;11.31;12.11, mostraria que o santo lugar caíra nas mãos dos gentios, e que cessariam os sacrifícios ao Deus vivo. Essa situação das coisas seria tão terrível, excederia tanto qualquer imaginação, que precisariam esforçar-se para compreender o seu real significado. Este sinal, o abominável da desolação, indica o período final, não precisando eles esperar por mais algum outro: Os cristãos já não deveriam tentar por ficar na cidade, nem mesmo um só momento. É aconselhada a fuga mais repentina. Aqueles que ainda estão na Judéia deviam fugir para a segurança das montanhas, o que foi um conselho seguido literalmente pela congregação cristã de Jerusalém que fugiu para Pella. A qualquer um que estiver sobre o telhado chato da casa, quando a notícia vier, não devia nem se atrever a fugir pela casa mas que descesse pela escada que levava diretamente para a rua, a fim de não perder tempo. Da mesma forma aquele que estiver ocupado no campo, não devia tentar pegar roupas boas. A fuga precipitada é a única maneira de escape. Mais conselho: V. 19) Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias! 20) Orai para que a vossa fuga não se dê no inverno, nem no sábado; 21) porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido, e nem haverá jamais. 22) Não tivessem aqueles dias sido abreviados, e ninguém seria salvo; mas por causa dos escolhidos tais dias serão abreviados. Circunstâncias assim, naturalmente, seriam, de modo especial, desagradáveis e perigosas para aquelas mulheres que estavam para ser – ou que recém haviam sido – mães, visto que uma fuga rápida seria acompanhada de muitas dificuldades. Outro mal seria, provavelmente, que o tempo de fuga podia cair na época do inverno, quando o tempo aumentaria em muito as dificuldades e durezas de viajar. E, caso a fuga caísse num sábado quando uma compreensão falsa poderia por em risco suas vidas, ou num ano sabático quando a terra havia sido deixada sem cultivo, então poderiam ter problemas para obter o alimento necessário no caminho. Todos estes fatores cooperariam para que as tribulações, já tão fortes, fossem ainda maiores, visto terem sido grandes as desgraças daquela época da história dos judeus. Deus estaria derramando os vasos de sua ira em toda a sua plenitude sobre sua cidade e nação. Se Deus não temperasse a justiça com a misericórdia e a compaixão, todo podo seria consumido na destruição geral. Mas Deus, em meio da sua ira, sempre tem compaixão. Por amor de seu povo, que são os crentes em Cristo, ele abreviará o tempo de castigo, para que não morram todos. O ataque à fé: V.23) Então se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-lo ali! não acrediteis; 24) porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos. 25) Vede que vo-lo tenho predito. 26) Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto! não saiais; ei-lo no interior da casa! Não acrediteis. 27) Porque assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente, assim há de ser a vinda do Filho do homem. 28) Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres. O Senhor ainda tem em mente, principalmente, os dias que precedem a destruição de Jerusalém, ainda que possa ser dito, que suas palavras encontram uma aplicação universal. As aflições externas se tornariam ainda mais insuportáveis devido ao fato, que os ataques à fé dos discípulos de Cristo seriam mais agudos e operados com muito mais atrevimento. Falsos messias tentariam alcançar força, ao menos por algum tempo. O modo e as circunstâncias da conduta deles são, aqui, brevemente, descritos, sendo que isso é fato, também, em nossos dias. Apresentariam grandes sinais e maravilhas a um mundo boquiaberto. Seriam sinais que só o aparentavam, havendo outros que o eram realmente; uns que facilmente podem ser explicados pela psicologia religiosa, mas outros que confundem aos que os investigam. Nisso é preciso uma cuidadosa diferenciação, para não misturar o falso cristo com o verdadeiro Cristo, e os falsos mestres dos mestres verdadeiros. 20 ) 185) Lutero, 13.2560; 7.1303. “Aqui podes ponderar sobre aquilo de que depende a verdadeira doutrina, da qual não devemos ousar em apartar-nos. Recorda: A doutrina certa não faz nada outro do que mostrar e colocar Cristo diante de ti, para que por meio dele confortes teu coração contra pecado e morte. Isto é feito assim, que somos ensinados que Cristo é real, eterno e todo-poderoso Deus, junto com o Pai e o Espírito Santo, que desceu à terra para junto de nós homens, que foi concebido pelo Espírito Santo e neste mundo nasceu da virgem Maria; que ele, finalmente, morreu na cruz, não por causa dos seus próprios pecados, pois ele, sendo Deus, não pode pecar, mas por causa dos nossos pecados, para que Deus, por uma morte assim, pudesse ser satisfeito e a nossa culpa fosse paga, e nós, pela ressurreição de Cristo da morte, também possamos alcançar a vida eterna; que Cristo, por isso, venceu o pecado e a morte em nosso benefício, para que pecado e morte não mais nos pudessem ferir; e agora, desde agora, está sentado à mão direita de Deus, para nos defender contra o diabo, conceder-nos graciosamente seu Espírito, e ouvir-nos em todas as coisas que necessitamos para o corpo e a alma quando pedimos em seu nome. Isto é pregar corretamente a respeito de Cristo, e em cada detalhe concorda com a Palavra; por isso, neste caso, não se precisa ter preocupação com o anti-cristo e suas mentiras 21). Quando a fé de alguém se basear firmemente sobre este evangelho de Jesus, esse tal não se perturbará com os sinais e maravilhas dos falsos cristos. “É isto que devemos recordar, para que, ao encontrarmos aqueles que louvam tanto os sinais miraculosos, lhes digamos: Conheço o demônio; ele pode imitar a Deus (pois ele é o macaco de Deus); ele pode fazer sinais miraculosos; mas eles são sinais miraculosos falsos. As pessoas imaginam, realmente, que sejam sinais verdadeiros; até mesmo aqueles sobre os quais são realizados não tem outro sentimento do que esse de estarem cegos e mortos. ... Mas são sinais falsos, que são feitos para que debandemos de Deus e nos penhoremos a algum santo. Porém, quando alguém fez isto, então o diabo remove este espírito, e as pessoas dizem: Este ou aquele santo me socorreu e, desta forma, são fortalecidos em sua idolatria. O papa confirmou e fortaleceu com suas indulgências estes falsos sinais miraculosos que o diabo realizou para comprovar suas mentiras e erros e para que a idolatria se tornasse ainda maior no mundo”22 ). Duas características adicionais dos falsos mestres são, que eles sempre procuram provocar a curiosidade tornando seus ensinos tão obscuros quanto possível, ora retirando-se para lugares desertos, ora ocultando-se no interior dos aposentos. Casos assim não só são mencionados na Bíblia, At.21.28, e pelo historiador Josefo, mas eles tiveram seus sucessos naturais nos ascetas, nos monges e freiras de todos os tempos, que se retiraram do mundo, com o tolo objetivo de conhecer mais plenamente a Cristo. Muitas dessas pessoas foram consideradas, pelos ignorantes, com a maior veneração e adornados com a pessoa e o poder do próprio Cristo. É esse o fanatismo que é apontado nas palavras de Cristo: Vede que vo-lo tenho predito; não o creiais! E ele enfatiza suas palavras com uma figura, que é o da imprevisibilidade do relâmpago cujo brilho, ainda assim, ilumina a terra. Será assim que Cristo virá para o juízo, antes de tudo sobre os judeus que rejeitaram a ele e sua Palavra. Poderão as nuvens surgir e subir no céu e o trovão reverberar na distância, mas o relâmpago repentino, enviando seu raio em terrível destruição, é imprevisível. Desta forma os sinais que precederam a queda de Jerusalém, bem como os que anunciam o dia do juízo, tornarão aos vigilantes ainda mais alerta, mas, ainda assim, o real aparecimento do Juiz será como o raio do relâmpago, repentino e terrível. Por isso a admoestação forte, mas familiar: Onde o corpo morto tiver sido descartado, lá os abutres que comem carniça se reunirão. Onde Cristo está, lá também estarão os seus eleitos. “Foi assim que o Senhor fez uso de duas parábolas, primeiro, duma celeste, que é a do relâmpago que é uma luz impressionante, para indicar que não é possível prender e cativar seu reino. Pois, desde que Jerusalém, onde anteriormente estava o reino de Cristo, agora está destruída, é feita a pergunta sobre onde estará agora o reino, visto que Jerusalém jaz aos pedaços. Então é dito: lá onde bate o raio e onde o cadáver estiver, isto é, onde estiver a Palavra divina, seja isto aqui ou em algum outro lugar, lá estará a igreja” 23). ) 186) Lutero, 13.994,995. ) 187) Lutero, 13.2571,2572. 23 ) 188) Lutero, 7.1348. 21 22 Os sinais do último dia: V. 29) Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento e os poderes dos céus serão abalados. 30) Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu com poder e muita glória. 31) E ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus. Todo este trecho é muito vívido. Notemos: Uma qualidade forte de pronunciamentos proféticos em geral é a ausência do elemento do tempo conforme os padrões humanos. Eventos, que podem estar separados por anos ou séculos, são ligados como se ocorressem numa ação contínua. O Deus eterno, que inspira a profecia, não está sujeito ao tempo. Tudo o que acontece, ocorre diante dele num grande agora. Outro fato significativo: Jesus liga, tão intimamente, as profecias sobre Jerusalém e sobre o juízo final, que elas quase se sobrepõem. O juízo sobre Jerusalém não somente é um tipo do último e grande dia do juízo, mas o juízo do mundo, em certo sentido, já começou com a queda de Jerusalém. – Há lições sérias contidas neste capítulo. Quando raiar o dia que está destinado como o último dia do mundo, aparecerão sinais muito extraordinários e terríveis. O sol será escurecido, a lua perderá seu brilho, as estrelas cairão do firmamento, os poderes que dirigem os céus serão abalados e todas as leis da natureza serão aniquiladas. Eis eclipses incomuns, estrelas que voam rápidas como balas e meteoros que foram acionados pelas circunstâncias das leis da natureza! Eis o caos, a subversão de todos os poderes que mantinham o universo em seu trilho habitual. O mesmo Criador que formou os céus e dispôs as leis que regulam a grande máquina da criação, naquele tempo as anulará, e agirá com o universo segundo sua vontade e plano ulterior. E então, em meio ao furor dos elementos e ao estremecer dos céus, aparecerá o grande sinal, o próprio Filho do homem aparecerá no céu, revestido em seu eterno poder e majestade. O anteriormente tão desprezado Nazareno, o Filho do homem em sua humilhação, mostrará que suas reivindicações de trazer em si dons sobrenaturais estavam muito bem fundamentadas.24) Então todas as tribos, todas as nações prantearão e lamentarão, vendo o Juiz descer nas nuvens do céu, com poder e glória imensos. Ecoará o som de fortíssima trombeta, e os anjos serão enviados como seus mensageiros para recolher aqueles que pela fé são os seus. Serão juntados, por meio do grande brado, dos quatro ventos e cantos da terra, de cada povo, língua e nação. A lição da figueira: V.32) Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo o verão. 33) Assim também vós: quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas. 34) Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça. 35) Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão. Assim como a pessoa com um censo comum costumeiro e capacidade de observação não precisa de mais outras provas para o fato que o verão está próximo, quando vê que os galhos da figueira se tornarem tenros por causa da seiva que os enche, fazendo com que brotem folhas novas dos rebentos, assim o discípulo de Cristo que enxerga os sinais dos quais Cristo fala em todo este capítulo, incluindo a destruição de Jerusalém, compreende e está ciente que o juízo final está diante deles, bem junto à sua porta. Aqui está outro sinal, mais uma prova da verdade de sua afirmação, da solidez de sua profecia: Esta geração não há de passar, até que tudo isto acontecerá. Ele tenciona afirmar que a nação judaica permanecerá como uma raça ou com todas as características raciais sobre a terra, até o dia do juízo, ou que a geração de filhos que ele escolheu, ou seja, a sua igreja, não passará eternamente, isto é, resistirá a todas as tentativas para a destruir. Em meio à quebra dos mundos, quando céu e terra voltarão ao caos e serão destruídos, a Palavra do Senhor permanecerá para sempre. A ocorrência do dia do juízo: V.36) Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai. 37) Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do homem. 38) Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, 39) e não o perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também 24 ) 189) Cobern, The New Archheological Discoveries, 606. a vinda do Filho do homem. 40) Então dois estarão no campo, um será tomado, e deixado o outro; 41) duas estarão trabalhando num moinho, uma será tomada, e deixada a outra. Está aqui um assunto para cuidadosa avaliação, em especial, para aqueles que têm o costume de predizer a data exata da vinda de Cristo para o juízo, tal como muitas seitas o têm feito desde o começo da igreja cristã, mas especialmente desde o ano 1000 AD. Nem homens nem anjos têm conhecimento exato da época e tempo, do dia e hora, quando irromperá o dia do juízo sobre o mundo, até nem mesmo Jesus conforme sua humanidade, ou quando só o consideramos na humildade de sua natureza humana, Mc.13.32. Este é um segredo que está escondido nos conselhos de Deus Pai. O Filho de Deus renunciou, segundo sua humanidade, o direito a este conhecimento por amor aos homens, para que estes não inquiram pelo dia e a hora e se entreguem à segurança falsa. Mas, tanto é certo: Haverá uma repetição da despreocupação atrevida que caracterizava os dias que precederam ao dilúvio. Na medida que o tempo da volta de Cristo para o juízo se aproxima, haverá uma contínua sucessão de festejar e buscar prazeres, sem jamais reparar na gravidade da situação. Notemos: As palavras do Senhor casavam e davam-se em casamento não significam desencorajar o santo estado do matrimônio, mas elas atiram um raio de luz sobre as condições do tempo de hoje. Pois, pessoas de nossos dias, em vez de compreender a santidade do estado conjugal e buscar entrar nele no temor do Senhor, só têm em mente a gratificação de seus desejos. A santidade do voto do casamento foi relegada ao lixo, e enquanto a maioria dos assim chamados cristãos ainda não professa abertamente o amor livre, muitos deles perigosamente se lhe aproximam, sancionando a praticando-o. O dia do juízo lhes será um cataclisma, como o foi para as pessoas do tempo de Noé, trazendo-lhes repentina e terrível punição. Pois o culpado não pode escapar, nem mesmo quando está associado externamente com o inocente ou o cristão. De dois homens que trabalham juntos, como sócios, no campo ou em outro lugar, um será aceito, mas o outro será deixado e, desta forma, rejeitado. De duas mulheres ocupadas em suas tarefas caseiras, atendendo às obrigações que lhes cabem, uma será aceita como cristã, mas a outra será rejeitada como descrente. Cristo, neste ponto e de modo singularmente vívido, mostra a rotina da vida oriental – os homens no campo, mas as mulheres na cozinha. “Quando o cereal era cortado, malhado e joeirado, não havia moinhos a que se pudesse levar o grão para ser moído. Este processo precisava ser feito em cada lar, e a tarefa de fazê-lo caía sobre as mulheres da casa. O cereal era reduzido à farinha, seja triturando ou socando-º O processo de trituração ou moagem era feito sobre uma pedra chata, em forma de sela, sobre a qual outra era esfregada, ou pelo esmagamento entre duas pedras em que a ponta duma era, de algum modo, girada à maneira das modernas pedras de moinho. Eram exigidas duas mulheres, como afirmou Jesus, para moer num tal moinho – uma para alimentá-lo, enquanto a outra manejava a pedra que moia. A pedra de cima aparentemente era girada, dando voltas com a mão. Desta forma podia-se dar a metade duma volta e então girar no sentido contrário”25). A Necessidade De Vigilância, Mt.24.42-51. Um resumo: V.42) Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia vem o vosso Senhor. 43) Mas considerai isto: Se o pai de família soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria e não deixaria que fosse arrombada a sua casa. 44) Por isso ficai também vós apercebidos; porque, à hora em que não cuidais, o Filho do homem virá. Por isso: Tendo em vista que o tempo exato é desconhecido e tendo em vista que é requerida fidelidade, vigiai, estejai em vossos postos, não relaxeis vossa vigilância nem mesmo por um dia, ou hora ou momento. Seu dia vem como um ladrão de noite. O pai de família, sabendo que um ladrão vem em algum momento da noite, irá vigiar toda a noite sem descansar, pois isto lhe poderá custar que sua casa seja vasculhada por causa da sua despreocupação. É assim que o cristão dos últimos dias não se pode arriscar a um cochilo, pois há demais em jogo. Dos fiéis em Cristo é requerido um estado de vigilância incessante, no qual a cada minuto estão conscientes da seriedade da situação, sendo isto um fato que sempre se destaca em suas mentes e que é expresso em seu viver.: o Filho do homem está 25 ) 190) Barton, Archeology And the Biible, 135,136. vindo, sendo um juiz justo e implacável sobre os infiéis que ignoraram sua advertência, mas um juiz misericordioso e meigo sobre os fiéis que sempre estiveram preparados para a sua vinda. O servo fiel: V. 45) Quem é, pois, o servo fiel e prudente a quem o senhor confiou os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? 46) Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. 47) Em verdade vos digo que lhe confiará todos os seus bens. Quando um dono encarrega a um de seus servos para, durante sua ausência, cuidar da casa e dos seus bens, supervisionando a todos os servos, esse servo mostrará que é confiança não foi posta em alguém que não a merece, pois, bem então, se mostrará dobradamente fiel e prudente. Não se tornará negligente e despreocupado, caso o patrão demorar mais para voltar, mas a cada dia empenhará todos os seus esforços, para que seja encontrado digno aos olhos de seu patrão. Essa fidelidade será recompensada com alegria e bênçãos na volta do senhor. Será dada ao escravo ainda mais autoridade. Será encarregado de todos os bens. Bem assim os discípulos de Cristo, aos quais ele confiou seus meios da graça, serão destemidos diante dos insultos do mundo e diante da aparente demora do Senhor para retornar. Como cristãos, permanecerão fiéis no cumprimento dos seus deveres e nunca se tornarão relaxados. O servo infiel: V.48) Mas se aquele servo, sendo mau, disser consigo mesmo: Meu senhor demora-se, 49) e passar a espancar os seus companheiros, e a comer e beber com ébrios, 50) virá o senhor daquele servo em dia em que não o espera, e em hora que não sabe, 51) e o castigará, lançando-lhe a sorte com os hipócritas; ali haverá choro e ranger de dentes. Este é o lado oposto do quadro: O servo se usa da suposta demora de seu padrão. De modo frívolo e jactancioso diz em seu coração: Não há perigo; o patrão está atrasado em vir. Isto já mostra que seu trabalho é mera adulação. E do seu comportamento nasce isto: Bancar o tirano, batendo em seus conservos, em especial naqueles que estão preocupados em fazer as obrigações, mas entregando-se a excessos no comer e beber com aqueles que concordaram com ele no deboche. Neste caso a chegada inesperada do patrão traz a maldição e o juízo, e um açoitamento e condenação insensíveis, como a recompensa dos hipócritas e o calabouço onde lhes resta o remorso do choro e do ranger de dentes. O mesmo destino espera aos cristãos falsos, dos que abusam da confiança de seu Senhor Jesus Cristo, que adiam o verdadeiro arrependimento, que são impiedosos em seu lidar com os demais, que se juntam aos filhos do mundo em todos os desejos e vícios da carne, e tentam consolar-se com a idéia: O dia do juízo ainda não vem. O Senhor, enquanto galardoa aos verdadeiros crentes com a plenitude de suas bênçãos celestes e com todas as riquezas das mansões lá do alto, fará que os servos fingidos serão destinados aos tormentos eternos no inferno. E não é sem razão que os comentaristas de todos os tempos têm feito uma aplicação especial desta parábola aos ministros da Palavra, visto que sobre eles pesa responsabilidade especial. Quanto maior a confiança depositada por Deus sobre qualquer pessoa, tanto mais exata será a prestação de contas. Resumo: Jesus prediz a destruição do templo e da cidade de Jerusalém, sendo que todos os sinais visam advertir aos cristãos; isto ele torna num tipo do juízo vindouro, que ele descreve brevemente, juntando uma admoestação séria à vigilância e fidelidade. CAPITULO 25 A Parábola Das Dez Virgens, Mt.25.1-13. A demora do noivo: V.1) Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram a encontrar-se com o noivo. 2) Cinco dentre elas eram néscias, e cinco prudentes. 3) As néscias, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeita consigo; 4) no entanto, as prudentes, além das lâmpadas, levaram azeite nas vasilhas. 5) E, tardando o noivo, foram todas tomadas de sono, e adormeceram. Esta parábola esta intimamente relacionada com as admoestações do Senhor que precederam, quando urge a vigilância e fidelidade, a fé e o amor. Ele, quanto mais próximo estava o tempo de sua partida, tanto mais se empenhou no imprimir em seus discípulos a necessidade das virtudes cristãs, que são necessárias para um cristianismo vivo e ativo. “Para resumir, esta parábola, por isso, não indica nada outro do que, que vigiemos e não sejamos confiantes demais, visto que não sabemos quando vem o dia do Senhor. ... Pois, toda ela fala contra a nossa despreocupação, sendo a acusação de que somos exageradamente seguros demais, e sempre pensamos: Não há perigo, o dia final ainda não virá por muito tempo. Cristo e os apóstolos protestam contra isto, pedindo-nos que prestemos atenção àquele dia, vigiemos e estejamos em permanente temor, para que não nos apanhe despreparados. Por isso, aqueles que vigiam receberão ao Senhor e sua graça, mas aqueles que são seguros encontrarão um Juiz impiedoso”26). São mencionadas dez virgens na parábola, não que isto tenha um significado especial, mas é só um número redondo. O mínimo de virgens na recâmara da noiva variava nos casamentos orientais, variando muito conforme as posses dos pais. A festa nupcial era, evidentemente, realizada, a altas horas da noite, na casa da noiva, conforme o costume judeu, sendo o noivo com seus amigos esperado a qualquer minuto. Por isso, as dez virgens viajaram em vestes festivas para encontrar o noivo e acompanhá-lo neste seu propósito. Todas tomaram suas lâmpadas que eram recipientes pequenos em forma de prato com uma cobertura no centro na qual havia um pequeno furo, onde se derramava o azeite e que provia ar. De lado saía ou se projetava um bico donde saía um pavio. Uma destas lâmpadas não continha azeite suficiente para queimar a noite toda, assim que levá-la a uma longa festa de casamento, sem um suprimento extra de óleo, era um exemplo forte de imprevidência”27 ). As virgens sábias, que foram previdentes e suaram percepção, tomaram consigo um suprimento adicional de azeite em vasos apropriados. As néscias e imprevidentes, que recusaram aceitar esta necessidade, só tomaram suas lâmpadas. “Quando o reino é pregado, os resultados são estes: Alguns o recebem de todo coração e são sinceros nisso. Crêem a Palavra. Esforçam-se no máximo em praticar boas obras. Permitem que suas lâmpadas brilhem diante do mundo. Pois estão, muito bem, providos com lâmpadas e azeite, isto é, com fé e amor. Estes são os que são representados pelas virgens sábias. Há, porém, também alguns que aceitam o evangelho, mas são sonolentos e não o levam a sério, pensam que podem ter êxito com suas obras, sentem-se seguros e crêem que tudo pode ser garantido por meio das obras. Estes são apontados por meio das virgens tolas. Aqueles são chamados tolos na Escritura, que não obedecem à Palavra de Deus, mas seguem sua própria razão, não querem ser instruídos e não aceitam outra opinião se não só a sua própria. A estes há de ocorrer no final, como ocorreu às virgens tolas. Há estas duas espécies de pessoas neste reino, a saber lá onde o evangelho e a Palavra de Deus são pregados e onde a fé devia ser exercida: Alguns seguem, mas outros não seguem. ... Recorda, pois, neste evangelho que as lâmpadas sem azeite significam uma coisa meramente externa e um exercício físico sem fé no coração. Mas as lâmpadas com azeite são as riquezas internas bem como as obras externas com verdadeira fé”28). O noivo se atrasou. Com isto aconteceu que as virgens, sentando-se em lugares confortáveis, começaram a cochilar e, finalmente, todas elas, tanto as sábias como as tolas, adormeceram. Sempre é perigoso que uma sensação falsa de seguridade embala os sentidos espirituais ao sono. A chegada do noivo: V. 6) Mas, à meia-noite, ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saí ao seu encontro. 7) Então se levantaram todas aquelas virgens e prepararam as suas lâmpadas. 8) E as néscias disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão-se apagando. 9) Mas as prudentes responderam: Não! para que não nos falte a nós e a vós outras; ide antes aos que o vendem, e comprai-º 10) E, saindo elas para comprar, chegou o noivo, e as que estavam apercebidas entraram com ele para as bodas; e fechou-se a porta? Depois duma demora longa e fora do comum, e depois de quase terem perdido todas as esperanças, alguém deu o alarme, porque fora despertado pelo barulho da companhia do noivo que chegava. Todas as virgens se levantaram rapidamente e puseram em ordem os pavios de suas lâmpadas, para que queimassem 26 27 28 ) 191) Lutero, 11.1924. ) 192) Barton, Archeology And The Bible, 148. ) 193 Lutero, 11.1925,2407. com o máximo de luz, ao entrarem na festa das bodas. Mas as virgens imprudentes não estiveram prontas para a emergência. Suas lâmpadas, cujo azeite já se consumira, estavam prestes a se apagar, pois só mais restava uma mera brasa dum pavio seco. Mas seu apelo feito às virgens prudentes encontrou-se com uma recepção fria. Caso seu pedido fosse atendido, havia o perigo que todas elas tivessem falta de azeite e lhes fosse recusada admissão à festa do casamento. Este ato não foi egoísmo, mas sadia prudência. Na emergência da vinda de Cristo para o juízo, a prestimosidade da vida cristã é coisa do passado, e os laços de amizade e, até, do mais íntimo parentesco se romperam. O tempo da graça chegou ao fim. Os comerciantes, os despenseiros da graça de Deus, definitivamente fecharam suas lojas. Cada qual precisa agüentar na base de seus próprios méritos. “Este é um estouro de trovão contra aqueles que confiam nos méritos dos santos e de outras pessoas, visto que nenhum deles tem o suficiente para si mesmo, sem falar que haja alguma sobra para ser dado aos outros. Por isso, agora, quando querem vir e bater, e também gostariam de vir ao casamento, precisarão ouvir, como as virgens tolas: Não vos conheço; os que deviam ter entrado já entraram. Essa será uma sentença terrível”29). Os apelos frenéticos das virgens imprudentes para providenciar combustível para suas lâmpadas foram inúteis. E, enquanto isto, a procissão festiva chegou à casa da noiva. Aquelas que estavam preparadas em todos os sentidos, foram com o noivo e receberam seus lugares à mesa da festa, tendo-se com isto fechado a porta. Que palavras fatais, que cortaram todas as esperanças! Tarde demais: V. 11) Mais tarde, chegaram as virgens néscias, clamando? Senhor, senhor, abre-nos a porta! 12) Mas ele respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço. 13) Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora. Foi tarde demais, quando as outras virgens vieram. Não está expresso, se tiveram algum sucesso em sua procura. Mas tentaram conseguir admissão na festa nupcial. Sem sucesso! É-lhes dito com ênfase majestosa: Não vos conheço. Seu terror, arrependimento e desespero veio tarde demais. Menosprezaram sua oportunidade. Perderam o direito à felicidade. O Senhor, mais uma vez, junta a solene advertência do capítulo 24.42, insistindo em vigilância constante e incessante, visto que o dia e a hora de sua vinda estão encobertos ao conhecimento humano. Para resumir: O noivo é Jesus Cristo, Jo.3.29. A festa é a bem-aventurança do céu, preparada para todos os seus verdadeiros cristãos. As virgens tolas são aqueles que, realmente, receberam fé, mas só guardaram a sua imagem exterior, esperando encontrar aceitação pela força de seus méritos passados. As virgens sábias são aqueles que são cuidadosos quanto ao prover e guardar combustível para sua fé, para que, surgindo algum tempo crítico, suas lâmpadas não se apaguem. O Azeite é a graça e salvação de Deus oferecida e dada na Palavra, por meio da ação do Espírito Santo. O noivo, aparentemente, está atrasando suas vinda, 2.Pe.3.9. Mas, com certeza, aparecerá para o último e grande julgamento, num tempo quando é menos esperado. Então, cada qual ficará de pé ou sucumbirá com a sua própria fé. E todos aqueles que tiverem falta do poder da fé, precisarão aceitar o destino que eles próprios trouxeram sobre si: A exclusão da festa nupcial do Cordeiro. A Parábola Dos Talentos, Mt.25. 14-30 V. 14) Pois será como um homem que, ausentando-se do país, chamou os seus servos e lhes confiou os seus bens. 15) A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e então partiu. 16) O que recebera cinco talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco. 17) Do mesmo modo o que recebera dois, ganhou outros dois. 18) Mas o que recebera um, saindo, abriu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor.A transição da parábola antecedente para esta é muito abrupta, mostrando que em mente há uma conecção íntima. É a questão da fidelidade e seu exame no juízo do último e grande dia. Visto que a hora do retorno de nosso Senhor nos é desconhecida, e visto que lê nos exigirá uma prestação de contas, faz com que a lição desta parábola seja importante. O dono da casa, ao se preparar para sua viagem, chamou os servos que eram seus escravos favoritos, de cuja 29 ) 194) Lutero, 11.1926. fidelidade e boa vontade de servir ele estava convicto, e entregou os bens aos seus cuidados. Confiou a um deles cinco talentos, sendo que cada talento de prata vale, mais ou menos, 1.200 dólares, mas ao segundo confiou dois (2) e ao terceiro um (1). Havia-os observado atentamente e estava convicto que a quantia dada a cada um, para que negociasse com ela, correspondia com a habilidade de cada um para negociar. Tendo partido o patrão, o primeiro servo, sem perda de tempo, investiu proveitosamente o dinheiro recebido. Saiu-se tão bem no negócio, que, em breve, dobrou o capital. O segundo, de igual modo, por meio dum hábil investimento conseguiu mais dois talentos sobre os dois que recebera. Mas o terceiro servo foi falto, tanto de energia como de disposição. Cavou um buraco no chão, onde escondeu o talento de prata. A prestação de contas dos bons servos: V. 19) Depois de muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles. 20) Então, aproximando-se o que recebera cinco talentos, entregou outros cinco, dizendo: Senhor, confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco talentos que ganhei. 21) Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. 22) E, aproximando-se também o que recebera dois talentos, disse: Senhor, dois talentos me confiaste; aqui tens outros dois que ganhei. 23) Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. O senhor retornou depois de longo tempo, durante o qual os servos, facilmente, podiam achar ocasião de fazer um investimento seguro, prudente e bem remunerado, e executá-lo.Imediatamente se reuniu em conferência com seus servos a aborda o assunto sobre o negociar enquanto ele estivera ausente. Altivo, veio o primeiro servo à frente e trouxe consigo não só a soma inicial de dinheiro mas também o dinheiro que ganhou por meio de seu trabalho duro e do seu cuidadoso empreendimento comercial. Expõe o dinheiro para ser conferido. O dono de casa ficou muito feliz, não tanto pela quantia lucrada, mas pelo trabalho fiel do servo. Afirma-lhe que procedeu de modo muito excelente. Chama-o de servo dedicado e fiel. Como recompensa, recebe uma atividade muito maior no serviço de seu patrão, visto que esta atividade comercial, exercida com tal energia, entusiasmo e honestidade, era digna dum campo de ação ainda maior. Igualmente devia participar nos lucros de seus trabalhos, tornando-se, de certo modo, um sócio de seu patrão, gozando os resultados da maneira mais proveitosa. O segundo servo veio à frente, bem da mesma forma, e, da mesma maneira modesta e despretensiosa, deu relatório sobre o investimento que fizera com o dinheiro do patrão. E foi louvado da mesma forma, sendo elogiado pelo modo em que agiu, e sendo recompensado nos termos idênticos aos que o outro o fora, visto que em sua esfera a dedicação e fidelidade haviam sido exatamente iguais às do conservo, mostrando grande inteligência financeira. A prestação de contas do servo preguiçoso: V. 24) Chegando, por fim, o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo que és homem severo, que ceifas onde não semeaste, e ajuntas onde não espalhaste, 25) receoso, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu. 26) Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei? 28) Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-lo ao que tem dez. 29) Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30) E o servo inútil lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes. É descrita de modo excelente a infelicidade queixosa e irritante deste servo. Vindo à frente, de modo dissimulado, trouxe o seu talento solitário e, então, tentou fazer uma defesa de sua conduta indesculpável. Como acontece em tais casos, procurou colocar a culpa sobre o patrão. Acreditava que o patrão fosse duro, avarento, mão-fechada e mesquinho, não tendo amor e consideração a seus servos, que eram forçados a servir de escravo e a trabalhar sem cessar para aumentar seus lucros, não recebendo eles participação alguma na colheita que suas mãos produziam. O velho clamor do trabalho contra o capital. Insinua que não quis fazer mais do que o absolutamente necessário para um patrão que é assim, visto que não valia a pena. Fazer só e estritamente tanto quanto é exigido, mas nem um tiquinho mais. Desta forma, no medo de seu coração covarde, ele próprio não sabia porque havia escondido o talento que agora apresentava. Ele, porém, nestas palavras, proferiu sua própria sentença. Acreditando isto a respeito do caráter de seu patrão, então devia ter agido de acordo. Sem prejudicar a si mesmo e sem gastar suas energias e habilidades comerciais, poderia ter levado o dinheiro ao banco, onde os cambistas teriam ficado contentes em poder, em lugar dele, investir a prata e então entregar ao patrão o lucro da transação. A sentença do patrão, por isso, é passada, rápido, sobre ele. Chama-o de servo mau e de espírito mesquinho. É uma daquelas almas miseráveis que nunca sobem acima da lama. Com ele o verdadeiro problema é a preguiça, junto com a falta de avaliação das chances que lhe foram oferecidas. Por isso deve-lhe ser tirado o seu único talento para ser juntado aos dez talentos daquele cuja energia e ambição, que não tem comparação com este mandrião. O dito proverbial, usado anteriormente, capítulo 13.12, novamente acha sua aplicação. A recompensa do sucesso é mais sucesso ainda, enquanto que a penalização do fracasso se encaminha para enriquecer ao que é bem sucedido. Isto é real no campo espiritual e no temporal. E o servo inútil, lá no inferno, teria tempo suficiente para se arrepender de sua indolência, com choro e ranger de dentes. A mensagem de Cristo é clara. O homem rico é o próprio Deus. Os servos são aqueles que professam a fé nele, que são seus seguidores. A estes Deus entrega dons e bens espirituais, que são os meios da graça, o Espírito Santo, todas as virtudes cristãs e o talento de agirem nas várias linhas de ação em seu reino. Deus deu a cada um, a cada indivíduo, dons espirituais para serem usados em seu serviço, 1.Co.7.7; 1.Pe.4.10. Ele conhece a força intelectual e moral de cada um, e está seguro de que não requer demais de ninguém. Quer, porém, ver resultados a nível individual e de toda a igreja. Ele quer que cada um, com toda a energia, invista os talentos que recebeu, para trabalhar de modo ininterrupto em seu serviço. Alegra-o dar uma recompensa graciosa àqueles que são fiéis nestas coisas pequenas, e em sua esfera tão humilde. Dará a eles participação nas alegrias do reino lá de cima. Mas, ai do covarde egoísta e mesquinho, do servo indolente, que se nega em investir seu talento, de fazer uso dos seus dons e habilidades naquela esfera de ação em que o Senhor o colocou. Com isto ele mostra que não é digno da generosidade do Senhor e não se preocupa com sua graça. Há poucas escusas que soam tão pobres e tão miseráveis, como aquelas pelas quais cristãos confessos tentam escapar do trabalho na igreja. A sentença do Senhor, por isso, será tanto mais terrível: Daquele que não tem, até mesmo o que tem lhe será tirado. O Juízo Final, Mt.25.31-46. V.) 31) Quando vier o Filho do homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; 32) e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas; 33) e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos à esquerda. Aqui está descrita a prestação de contas, tal como ela será feita no fim. Pois, o dia do fim é inevitável. É mais uma passagem impressionante que impressiona por sua simplicidade, não contendo qualquer busca por repercussão. Como diz Jerônimo, aquele que em apenas dois dias celebraria sua última páscoa na terra, para então ser crucificado, aqui, de modo muito apropriado, apresenta a glória do seu triunfo. Ele virá em glória, a glória do céu, a glória de seu Pai, a glória que ele possuía antes da fundação do mundo, antes que ele entrasse na fraqueza e humildade de nossa carne, acompanhado de todos os anjos que são seus mensageiros, ministros e sua côrte. Ele fará com que, pelo serviço deles, sejam reunidas perante ele todas as nações do mundo, tanto judeus como gentios. A seguir, ele reunirá cada espécie de pessoas em seu lugar apropriado, procedendo como o pastor de ovelhas que conserva apartadas as ovelhas dos cabritos, sendo a divisão assim, que uns estarão à direita do trono e os outros à sua esquerda. Notemos: Só há duas divisões no último dia. Não haverá distinções sociais, nem por preferência por casta e riqueza, ou de pessoas neutras. Cada pessoa do mundo se encontrará, de modo inevitável e que não tem mais saída, em um dos dois grupos, e nem ela mesma já não terá mais o desejo de escapar. Este é o primeiro ato do julgamento, a separação e a colocação dum abismo intransponível. As ovelhas são aqueles que de boa vontade seguiram ao Sumo Pastor Jesus, ou seja, aqueles que ouviram sua voz, os fiéis. Os cabritos são aqueles que foram desobedientes ao evangelho, os infiéis, os hipócritas dentre os cristãos e todo o mundo ateu. A sentença sobre os justos: V. 34) então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinda, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. 35) Porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era forasteiro e me hospedastes; 36) estava nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; preso e fostes ver-me. 37) Então perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? 38) E quando te vimos forasteiros e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? 39) E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? 40) O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. Neste quadro o Juiz se ergue de modo muito altivo: Ele é o anterior Nazareno humilde e desprezado, mas agora o Rei da glória, Rei dos reis e Senhor da glória. Este Rei chama aos da sua direita os benditos de seu Pai, visto que pela fé receberam a bênção do Pai, pela qual lhes foram concedidas todas as boas dádivas, e pela qual eles se tornaram os filhos de Deus. Perseverando nesta fé, eles alcançaram a maioridade espiritual. Entram na posse inquestionável e no desfrute de sua herança e possuem os bens que lhes foram preparados e disponibilizados desde a fundação do mundo e desde que tomado o conselho eterno de Deus de salvar a humanidade, Ef.1.4. É um reino que eles estão prestes a herdar, pois foram feitos reis e sacerdotes para com Deus, seu Pai, Ap.1.6. Mas, qual a razão deste dom maravilhoso? É um galardão pela sua fé, como ela se atestou nos atos comuns do dia a dia por meio da bondade para com os irmãos humildes de Cristo: alimentando aos famintos, dando de beber aos com sede, mostrando hospitalidade aos forasteiros, vestindo os nus e visitando os enfermos e presos, que são as expressões externas do amor que flui do amor de Cristo e que é uma evidência da fé. Cristo não espera por atos heróicos, não exige milagres, mas, quando julgar o mundo com justiça, fará destes atos de gentileza e caridade a base do seu julgamento. Pois é impossível realizar nem ao menos o menor ato de gentileza no espírito de Cristo, sem que haja no coração a fé nele. A humildade dos cristãos poderá chegar ao ponto, de levá-los a desprezar qualquer conhecimento pessoal de Cristo e, por isso, de qualquer serviço pessoal rendido a ele. Cristo, porém, rapidamente lhes esclarece, que estas obras, feitas sem qualquer ostentação, sem qualquer idéia de lucro pessoal, são, na verdade, o serviço mais autêntico que lhe podem render. A sentença sobre os injustos: V. 41) Então o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. 42) Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; 43) sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso não fostes ver-me. 44) E eles lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, forasteiros, nu, enfermo ou preso, e não te assistimos? 45) Então lhes responderá: Em verdade vos digo que sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer. 46) E irão estes para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna. Uma acusação terrível mas justa àqueles do lado esquerdo do Rei. Em vez dum benditos que eles esperavam, soa um malditos. Em vez do vinde soa um apartai-vos de mim. Destacamos vários pontos muito importantes. Ele não diz: Malditos de meu Pai, pois a maldição eles próprios a trouxeram sobre si. O fogo eterno não foi preparado para eles, mas, na realidade, só para o diabo e seus anjos. E este fogo não foi preparado desde a fundação do mundo. Deus não tinha qualquer conselho segundo o qual quis a condenação de qualquer pessoa. “Eles não têm a culpar a ninguém outro do que a si mesmos. Esta sentença justa os acerta por culpa de ninguém mais se não só pela deles próprios. Usando o mesmo método de avaliação de valores que Cristo usara no caso dos justos, eles foram pesados e achados em falta. Não empregaram sua vida na atividade de boas obras que brotam do amor de Cristo. Provavelmente se gloriaram em atos que são considerados grandes à vista das pessoas, e que, certamente, receberam as manchetes dos jornais. Mas foram totalmente deficientes nas obras específicas da verdadeira caridade, nos pequenos atos do servir no dia a dia, num viver gentil que é fruto natural dum coração cheio de fé e amor a Cristo. Por isso foram más todas as suas obras, mesmo aquelas sobre as quais se orgulhavam, visto não terem vindo da fé. E quem será capaz de retratar o terror dos hipócritas dentre os cristãos, que tinham a forma da piedade mas negaram o seu poder, quando no último dia sua falta de misericórdia lhes será imputada! É verdade, se Cristo aparecesse em pessoa sobre a terra, tendo consigo um respeitável agente e administrador de publicidade, sem dúvida, o mundo seria bem voluntário para o servir e festejar. Mas não é este o serviço pelo qual ele olha. Aquilo que é feito aos mais pequeninos dentre os fiéis, que são seus irmãos, em amor singelo que brota, qual torrente límpida, dum coração cheio de fé nele, isto é registrado como se feito a ele. Quanto aos injustos, seu destino está selado: Castigo eterno é a sua porção. Enquanto isto, os justos, aqueles que são justificados pela sua fé no Redentor, entrarão na vida eterna. Os primeiros, por sua própria culpa, perderam a felicidade do amor de Cristo e da glória eterna. Os últimos pelo amor e a misericórdia de Jesus, que se tornaram seus pela fé, herdarão as alegrias das bendições eternas. Resumo: Para enfatizar a necessidade da vigilância e da fidelidade, Jesus conta as parábolas das dez virgens e dos talentos, e da uma descrição detalhada do juízo final. CAPITULO 26 Eventos Que Precedem A Última Páscoa Mt. 26.1-9. A predição final da paixão: V. 1) Tendo Jesus acabado todos estes ensinamentos, disse a seus discípulos: 2) Sabeis que daqui a dois dias se celebrará a páscoa; e o Filho do homem será entregue para ser crucificado. Jesus, logo que deixara o templo, começou seu último grande discurso aos discípulos, capítulo 24.2 o qual ele continuou no Monte das Oliveiras e durante a caminhada para a hospedaria em Betânia. Ele não concluira tudo quanto queria ter dito. Queria dar aos discípulos ainda um discurso muito íntimo de despedida, cheio de profunda humildade e penetrante amor que caracteriza sem ministério, Jo.13-17. Aqui, porém, o Senhor concluiu seu ofício profético histórico e público. Antes de despedir seus seguidores, quando anoiteceu, lembroulhes, mais uma vez, o auge do seu ministério. Em dois dias, na quinta-feira desta semana, começando com o por do sol do dia 14 de nisã, que é o primeiro mês do calendário da igreja judaica, começaria a festa da páscoa. Com ela se combinava a festa dos pães asimos. Ela duraria uma semana inteira, ou seja, até o entardecer do dia 21 do mês. Jesus ainda era membro da igreja judaica, o observava os dias sacros e as festas dos judeus. Os evangelhos mostram que ele, desde que entrou em seu ministério, esteve presente a praticamente cada uma das grandes festas. Esta páscoa, porém, devia ser destacada assim como nenhuma outra páscoa jamais o fora ou seria, por meio do cumprimento do tipo e da profecia na pessoa de Jesus que é o verdadeiro Cordeiro de Deus. Seus discípulos, com ele também membros da igreja judaica, estavam plenamente conscientes do fato que a festa se aproximava. O que ele quis fixar neles foi o fato que ele, o Filho do homem, nela, literalmente, é entregue para ser crucificado, o que no catálogo de torturas dos romanos é a morte mais horrenda. Cristo, em seu caráter profético, fala como se a páscoa já tivesse começado neste instante. É um fato imutavelmente resolvido no conselho de Deus. O processo da traição já iniciou neste momento. A conspiração: V. 3) Então os principais sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram no palácio do sumo sacerdote, chamado Caifás; 4) e deliberaram prender Jesus, à traição, e matálo.5) Mas diziam: não durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo. Mateus coloca, de propósito, os dois eventos lado a lado: Jesus lá fora em Betânia declarando solenemente que está sendo entregue para ser crucificado; os principais sacerdotes juntamente com o conselho supremo dos judeus, que é o sinédrio, reunidos, não no lugar usual que era uma sala conhecida como Gasith ou “a casa das pedras polidas” que ficava no lado sul do templo e era contígua à Côrte de Israel, mas na ala aberta no centro do palácio do sumo sacerdote, onde havia menos perigo de bisbilhoteiros. Caifás, o genro de Hannas ou Anãs, o antigo sumo sacerdote, estava no ofício naquele ano, Jo.11.49, o que conferia com o acordo feito pelos romanos, segundo o qual a indicação era feita por um ano em vez de ser vitalício, como fora antigamente. Assim como furtivamente se haviam reunido, também seus discursos se harmonizaram com suas intenções que foram, pegar Jesus por meio de astúcia ou de malícia, tendo, como o evangelista o escreve de modo abrupto, o objetivo final, não condena-lo por meio dum processo legal, mas matá-lo. Só expressaram um escrúpulo, a saber, que a prisão não acontecesse na festa, em especial não no dia da ceia da páscoa, para que não acontecesse um tumulto do povo, o que rapidamente poderia assumir proporções tais que poderiam fugir do controle das autoridades. Para eles tudo era uma questão de conveniência, de bom senso, de política. Eram um bando de assassinos impiedosos. Era muito difícil dizer a que caminho o capricho dos milhares de peregrinos se inclinaria, neste momento crucial, se para o Aldo dos líderes religiosos ou para o lado do profeta de Nazaré. Por isso era exigido cuidado muito astuto. A unção em Betânia: V.6) Ora, estando Jesus em Betânia, em casa de Simão, o leproso, 7) aproximou-se dele uma mulher, trazendo um vaso de alabastro cheio de precioso bálsamo, que lhe derramou sobre a cabeça, estando ele à mesa. 8) Vendo isto, indignaram0se os discípulos e disseram: Para que este desperdício? 9) Pois este perfume podia ser vendido por muito dinheiro, e dar-se aos pobres. Mateus, para completar sua narrativa, relata aqui um acontecimento do sábado anterior, Jo.12.1-8. Quando Jesus subiu de Jericó para Betânia, jantou com um certo Simão, no mais um homem desconhecido, que no passado fora leproso, tendo sido, provavelmente, curado por Jesus. Conforme uma tradição, era ele o pai de Lazaro, e conforme outras, o esposo de Marta. Enquanto o jantar se desenvolvia, e, conforme o costume oriental, os hóspedes estavam reclinados ao redor da mesa, entrou Maria, irmã de Lázaro e Marta, na sala. Segurava na mão um estojo de alabastro de preciosíssimo ungüento de nardo da Índia, o qual começou a derramar sobre a cabeça de Jesus, enquanto este estava reclinado para jantar. Ungir com óleo era o método do Antigo Testamento, para indicar a consagração para o Senhor. Era empregado no caso de reis, sacerdotes e profetas, Lv.8.12; 1.Sm.10.1; 16.13; 1.Rs.19.16. Também era uma distinção concedida a hóspedes de honra, Lc.7.46. Maria não fez economia em sua aplicação. Quebrou a parte de cima do vaso de alabastro, que ela tinha comprado fechado, e de modo decidido e profuso aplicou o aroma precioso, assim que a sala todo se encheu com seu odor. Todos os discípulos se surpreenderam e se aborreceram, murmurando. Por que este desperdício? Mas um deles foi o mais forte em suas objeções. Foi Judas, o tesoureiro dos apóstolos e que era ladrão. O nardo, observa ele com indignação, podia ter sido vendido por muito dinheiro, provavelmente, por trezentos denários, e o dinheiro ser dado aos pobres. Mas sua demonstração de caridade só serviu de cobertura para sua cobiça. O dinheiro, uma vez em suas mãos, seria algo fácil usar para fins pessoais, ao menos um pouco dele. Cristo faz a defesa da mulher: V.10) Mas Jesus, sabendo disto, disse-lhes: Por que molestais esta mulher? Ela praticou boa ação para comigo. 11) Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes; 12) pois, derramando este perfume sobre o meu corpo, ela o fez para o meu sepultamento. 13) Em verdade vos digo: Onde for pregado em todo o mundo este evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua. É irrelevante, se estas observações foram feitas em voz bem baixa, sendo inaudíveis para Cristo, ou se este esteve tão absorto em seus pensamentos que não as captou. Mas ele soube do resmungar secreto e ingrato, bem como da observação irada de Judas. Ergueu-se imediatamente em defesa de Maria. Não lhe deviam causar qualquer aborrecimento, não deviam-na fazer sentir-se mal “confundindo sua consciência, perturbando seu amor ou depreciando o ato nobre de seu sacrifício”. Não era só uma ação gentil, mas era uma ação boa e nobre. Não foi um ato meramente impulsivo, e, caso ela tiver tido um pressentimento do mal que se aproximava, tendo entendido melhor do que os discípulos as profecias de Jesus sobre sua morte, ou se unicamente queria honrar o hóspede maior, ela teve sucesso que foi além de sua intenção, ao embalsamá-lo com esta unção para o seu sepultamento. Julgar asperamente muitas ações que envolvem despesas e que são feitas para a honra de Jesus e para o embelezamento do culto a ele, mostra uma falta de compreensão correta do que é o verdadeiro amor real e abnegado a ele. Quanto aos pobres, estes estão sempre conosco, e sempre há ocasião, e com certeza necessidade, de lhes fazer algum favor. Mas a presença corporal de Cristo em breve seria removida dos discípulos. Então todas as evidências e provas de afabilidade à sua pessoa estariam no passado. Ele declara solenemente, que a ação bondosa da mulher, visto que ela veio dum coração cheio de fé e amor, seria comentada onde quer que o evangelho fosse proclamado pelo mundo a fora, sendo uma lembrança dela. Notemos: Jesus soube, com a certeza da onisciência de Deus, que o evangelho seria pregado por todo o mundo. Ele soube que a bondade desta mulher se tornaria assunto de discussão em qualquer lugar onde ocorresse esta proclamação. Com isto ele encorajou, de maneira muito delicada e também séria, a todos quantos estão dispostos para servi-lo de modo semelhante. Judas se oferece para trair a Cristo: V.14) Então um dos doze, chamado Judas Iscariortes, indo ter com os principais sacerdotes, propôs: 15) Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei? E pagaram-lhe trinta moedas de prata. 16) E desse momento em diante buscou ele uma boa ocasião para o entregar. Há um mundo de significados na expressão um dos doze. Um daqueles que Jesus escolheu do grupo maior de discípulos. Um daqueles que ele, por três anos, tinha consigo na intimidade da comunhão que se estabelece entre mestre e alunos. Um daqueles aos quais ele dera a promessa de galardões especiais. Um dos doze que se deveriam tornar, num sentido todo especial, os professores do mundo todo. Seu nome, Judas Iscariortes, desde então e até o fim dos tempos, simboliza a traição mais vulgar e desprezível. Ele permanece como um exemplo que adverte e dissuade todas as pessoas contra o ceder ao primeiro impulso ao pecado. Amor ao dinheiro, cobiça, avareza, roubo, traição e assassinato de seu Salvador – estas foram as pedras da escada em sua carreira na corrupção. Ele, sem antes receber algum incentivo dos principais sacerdotes, deliberadamente, foi até eles e fez sua oferta hedionda. Entregaria-lhes Cristo, se recebesse algum pagamento. E então começou a barganha e pechincha diabólica sobre o valor da traição. Mas eles perceberam o tamanho do homem com que lidavam, porque naquela hora seu vício já estava estampado em sua face. Eles colocaram na balança, pesaram para ele e colocaram diante dele, para estimular sua ganância ao ver o dinheiro ao seu alcance, trinta shekels ou peças de prata, que são uns trinta dólares, o que equivalia ao preço médio dum escravo naqueles dias, Ex.21.32; Zc.11.12. Judas vendeu seu Senhor por esta miserável soma e por ele trocou sua alma imortal. Sua mente vacilante e cobiçosa pelo dinheiro chegou a uma decisão – buscou uma ocasião conveniente para o trair. Os preparos da ceia pascal: V. 17) No primeiro dia dos pães asmos, vieram os discípulos a Jesus e lhe perguntaram: Onde queres que te façamos os preparativos para comeres a páscoa? 18) E ele lhes respondeu: Ide à cidade ter com certo homem, e dizei-lhe: O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a páscoa com os meus discípulos. 19) E eles fizeram como Jesus lhes ordenara, e prepararam a páscoa. A páscoa também era conhecida como a festa dos pães amos, Lc.22.1, e, tendo em vista que qualquer fermento era removido das casas dos judeus na tarde do dia 14 de nisã, em preparação do sacrifício e da ceia pascais, este dia de preparação também era considerado como um dos dias festivos, em especial porque se unia ao dia 15, visto que a páscoa principiava com o pôr do sol, aproximadamente às seis horas da tarde naquela estação do ano. Era costume de Jesus celebrar a festa com seus discípulos, o que explica a pergunta deles quanto ao lugar em que teriam o jantar. A preparação da páscoa consistia em conseguir um cordeiro que preenchesse as qualificações da instituição de Deus e tê-lo abatido pelos sacerdotes no pátio do templo; também em prover os pães sem fermento e os demais requisitos para a festa, assar o cordeiro, preparar a mesa, os assentos reclinados, e os travesseiros para a sala do jantar. Dois dos discípulos, Pedro e João, foram encarregados desta tarefa, dando-lhes mais uma demonstração do seu poder onisciente. Deviam ir a certo lugar, indicado exatamente por Cristo, a um homem que ele também lhes descreve, e dar-lhe uma mensagem. O tempo do Senhor estava próximo, bem pertinho. Era esse o tempo para o qual convergia toda sua vida, o tempo quando ele, por meio de sofrimento e morte seria tomado para a glória. Com este homem e na casa dele, ele celebraria a páscoa com seus discípulos. Como tem sido sugerido, é provável, que este homem foi secretamente um discípulo de Jesus, tal como Nicodemos e José de Arimatéia também o foram. Os discípulos cumpriram os desejos do Mestre em todos os detalhes, e atuaram como os representantes do chefe da casa no realizar todos os preparativos para a noite. A Refeição Da Páscoa E A Instituição Da Ceia Do Senhor, Mt.26.20-29. O traidor entre eles: V 20) Chegada a tarde, pôs-se ele à mesa com os doze discípulos. 21) E enquanto comiam, declarou Jesus: Em verdade vos digo que um dentre vós me trairá. 22) E eles, muitíssimo contristados, começaram um por um a perguntar-lhe: Porventura sou eu, Senhor? 23) E ele respondeu: O que mete comigo a mão no prato, esse me trairá. 24) O Filho do homem vai, como está escrito a meu respeito, mas ai daquele por intermédio de quem o Filho do Homem está sendo traído! Melhor lhe fora não haver nascido! 25) Então Judas, que o traía, perguntou: Acaso sou eu, Mestre? Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste. Com o por do sol os cordeiros, que haviam sido apresentados no pátio do templo, já haviam sido mortos. E por toda Jerusalém podiam ser vistos pequenos grupos de dez a vinte judeus reunidos ao redor da refeição festiva. Originalmente, o jantar era comido de pé, Ex.12.11. Mas os judeus, tendo entrado na terra prometida, modificaram a regra, afirmando que escravos é que ficam de pé, mas senhores se reclinam à mesa. Jesus teve consigo todos os doze discípulos quando a refeição começou. Iniciava com a bênção sobre o vinho e a festa e o servir do primeiro cálice, sendo o senhor da casa quem bebia primeiro, seguindo-se nisso os demais. Depois que todos lavaram as mãos, comiam as ervas amargas que eram mergulhadas em vinagre ou água salgada, como uma recordação das tristezas do Egito. Enquanto isso era trazida a refeição pascal, o charoseth ou o molho, os pães asmos, as oferendas festivas, e, sobre tudo, o cordeiro assado, ao que seguia a explanação de todas as comidas que era feito pelo chefe da família. Então cantavam a primeira parte do Hallel, Sl. 113 e 114, e bebiam o segundo cálice. Após isso começava a festa propriamente dita, quando o chefe da família tomava dois pães e quebrava um deles ao meio e o deitava sobre todo o pão. Então o abençoava, cobria com ervas amargas, mergulhava no molho e então o alcançava a todos no círculo, dizendo: Este é o pão da aflição que nossos pais comeram no Egito. Depois o dono abençoava o cordeiro pascal e comia dele. As oferendas festivas eram comidas com o pão mergulhado no molho. E finalmente o cordeiro. O agradecimento pela refeição era seguido pelo abençoar e beber do terceiro cálice. Em conclusão era contado o cantado o restante do Hallel, Sl. 115-118, e bebido quarto cálice 30).” “Assim o primeiro cálice era dedicado à proclamação da festa. E Lucas nos diz que Cristo, com este cálice, anunciou aos seus discípulos que esta era a última festa que celebraria com eles neste mundo. ... O segundo cálice era dedicado à interpretação do ato festivo. Com ele o apóstolo Paulo une a exortação: ‘Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice’. O terceiro cálice seguia ao partir do pão, que celebrava os pães asmos, este era o cálice de agradecimento. O Senhor consagrou a este como o cálice da Nova Aliança” 31 ). Foi durante a primeira parte da refeição que o Senhor fez seu surpreendente anúncio sobre o traidor em seu meio. Não se dirige diretamente ao culpado, mas lhe é muito ponderado, como se ainda o instasse ao arrependimento. É natural, que estas palavras provocaram a maior consternação e tristeza, e os discípulos ansiosamente lhe rogam: Certamente não sou eu! Jesus lhes dá um sinal claro pelo qual podiam conhecer o traidor, a saber, seria aquele que com ele mergulharia seu pedaço de pão no molho e então o receberia das suas mãos. Mas isto não foi notado em parte, por causa da geral agitação e porque todos os membros do pequeno grupo mergulhavam seu pão no molho ou charoseth. Mas Cristo prefere palavras sérias de advertência num último esforço para deter Judas da execução de seu empreendimento nefando. O Senhor, conforme as Escrituras e a vontade de Deus, realmente precisa entrar em sua paixão, mas aquele que por traição fosse entregá-lo às mãos de seus inimigos, era um ser maldito ao qual teria sido muito melhor se nunca tivesse nascido. Judas, porém, estava de coração extremamente endurecido. As palavras penetrantes e advertentes de Cristo serviram unicamente para torná-lo um descarado. Notemos: Enquanto os demais discípulos se dirigem a Jesus como Senhor, Judas o chama meramente de Rabi, seja que isto tenha provindo da má consciência ou do abismo da 30 31 ) 195) Robinso’s Babilonian Talmud, Tract Peschim, V.68-221. ) 196) Schaff, Commentary, Matthew, 469. insolência. Também: Quando pessoas deliberadamente recusam aceitar as doces promessas do evangelho, isto finalmente se lhes tornará num cheiro de morte para a morte, 2.Co.2.15,16. A instituição da Ceia do Senhor: V. 26) Enquanto comiam, tomou Jesus um pão e, abençoando-o, o partiu e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo.27) A seguir tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos: 28) porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados. 29) E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai. 30. O sacramento da antiga aliança recém havia sido celebrado por Cristo. Pois ele não veio para mudar a essência da antiga fé, que é o mesmo em todos os tempos, porém traz à plenitude tanto o tipo como a profecia. Mas, como os próprios sacramentos do tempo antes de Cristo eram só típicos, era necessário que fossem substituídos pelos do Novo Testamento, para que remetessem a Cristo e se apoiassem sobre ele. Enquanto comiam, provavelmente logo depois que Jesus distribuíra o pão da aflição, ele tomou pão, solenemente voltou a agradecer por ele e assim o abençoou. A oração dos judeus antigos sobre o pão era: “Bendito sejas tu, nosso Deus, Rei do universo, que da terra fazes produzir pão!”32). Então, tendo-o partido, deu-o aos discípulos e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo. São calaras palavras de ordem. Deviam tomar das mãos dele e então comer o que lhes deu. Mas não era mero pão o que lhes deu. Pois, referindo-se aos pedaços que lhes distribuiu, ele emprega o neutro demonstrativo, enquanto que no grego pão é masculino. Há aqui uma clara referência à presença sacramental do corpo de Cristo em, com e sob o pão. Isto é ressaltado, de modo ainda mais forte, nas passagens paralelas, em especial em 1.Co.11.24. Da mesma forma, após o jantar, quando o cálice de agradecimento estava por ser passado, ele tomou o cálice, deu graças, abençoando desta forma o seu conteúdo, e o deu aos discípulos, fazendo com que fosse passado pelo círculo, com a ordem expressa que todos bebessem dele. Pois o vinho que o cálice continha era o seu sangue da Nova Aliança, visto que ele é derramado pelo perdão dos pecados de todos, o qual é dado a todos quantos o recebem na fé. Quanto ao conteúdo do cálice, todas as tentativas para interpretar a expressão fruto da videira como se qualquer produto da ova possa ser usado, por exemplo suco fresco de uva, suco não fermentado de uva, aguardente de uva, ou algum outro produto moderno, não podem subsistir sem que neguem o texto. Pois, se a todos se aplicarem as leis exegéticas, não pode haver a menor dúvida que a expressão, tal como Cristo a empregou na noite da instituição referida aqui, se referia ao vinho verdadeiro usado na páscoa. Pois, a expressão fruto da videira era um termo técnico dos judeus para o vinho da páscoa 33). “Nós cristãos confessamos e cremos que o Sacramento do Altar é o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o vinho, para ser comido e bebido por nós cristãos, instituído por Cristo mesmo. Todas as explicações das seitas, reformados bem como papistas, como se o pão meramente representa o corpo e o vinho o sangue de Cristo, ou que pão e vinho são transformados em corpo e sangue de Cristo, são novamente frustrados, por causa do texto claro das Escrituras. A razão, realmente, precisa ceder aqui. Ela não consegue entender como Jesus naquela hora, enquanto estava de forma visível diante de seus discípulos, podia dar-lhes seu corpo e sangue, para ser comido e bebido, nem como o Cristo exaltado, mesmo estando no céu, está ainda assim presente com seu corpo e sangue em qualquer lugar da terra, sempre que esta refeição é celebrada conforme sua instituição. Mas a palavra de Cristo é clara e certa. Também sabemos das Escrituras, que o corpo de Cristo, que foi o receptáculo de sua divindade, tinha, mesmo nos dias de sua humilhação, uma forma superior e supra-sensível de ser, ao lado de sua forma limitada de existir, Jo.3.23, mas que o Cristo exaltado já não está fechado no céu, porém, como Deus e homem enche todas as coisas também conforme seu corpo, Ef.1.23. Levamos, assim, nossa razão cativa sob a obediência à Escritura e não nos perdemos nos pensamentos sobre isso, mas, antes, agradecemos a Deus pela grande bênção deste seu sacramento. Disso recebemos sempre de novo a certeza do perdão dos nossos pecados. O sacramento, garantindo-nos a graça de Deus, serve para o 32 33 ) 197) Goodwin, Moses et Aaron, 489,490. ) 198) Lehre und Wehre, 1918, 409; Theol. Quart. 17.163-175; 20.97-101. fortalecimento de nossa fé. Tal como a primeira páscoa fortaleceu os israelitas para a viagem à sua frente, através do deserto para Canaã, assim a ceia do Senhor é para os filhos da nova aliança alimento para o caminho, para o que chamamos a jornada terrena. Ela também aponta para frente, bem assim como a ceia pascal, para o fim da jornada, para a ceia da eternidade, quando o Senhor a beberá conosco no reino de seu Pai”34). O Que Aconteceu no Getsêmani, Mt.26.30-46. A profecia da negação: V.30) E, tendo cantado um hino, caíram para o Monte das Oliveiras. 31) Então Jesus lhes disse: Esta noite todos vós vos escandalizareis comigo; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersa. 32) Mas, depois da minha ressurreição, irei adiante de vós para a Galiléia. 33) Disse-lhe Pedro: Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para mim. 34) Replicou-lhe Jesus: Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, tu me negarás três vezes. 35) Disse-lhe Pedro: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. E todos os discípulos disseram o mesmo. Depois do fim da ceia pascal, foi cantada parte final do grande Hallel, que era um agradecimento solene dado a Deus por todas as suas bondosas e misericordiosas dádivas. Então Jesus começou a retirar0se da sala superior, e passou pelas estreitas ruas de Jerusalém, atravez do escuro vale do Cedrom, em direção às encostas do Monte das Oliveiras, para o jardim da agonia. Enquanto seguiam, ora sob a luz da luz cheia da primavera, ora na escuridão das sombras fechadas projetadas pelas oliveiras ao longo da trilha, Jesus, entre outras coisas, predisse que todos eles se escandalizariam, se ofenderiam e seriam levados a tropeçarem nele nesta noite. A desgraça dos acontecimentos desta noite seria grande demais para sua fé vacilante. Não seriam capazes para reconciliar as idéias deles sobre a divindade com a evidência de sua profunda humilhação, tal como ela se lhes apresentaria nesta noite. Isto havia sido profetizado por Zacarias, capítulo 13.7. Ferirei o Pastor, disse Deus, e as ovelhas do rebanho serão dispersas para longe. Tal como um rebanho de ovelhas, quando não tem um guia, rapidamente, erra o caminho e entra no grande perigo de ser tornar a presa de bestas devoradoras, assim os discípulos, sem a certeza da presença onipotente de Cristo, se tornariam vítimas da dúvida, estando no perigo de perderem totalmente a fé. Cristo, por isso, de pronto lhes assegura, não só a sua ressurreição, mas também o fato que ele os precederia para a Galiléia onde eles teriam a oportunidade de vê-lo novamente. Mas Pedro não se satisfez com a declaração de Cristo. Ela lançava dúvidas sobre a sua fidelidade, e ele, bem agora, sofria de muita presunção. Por isso ele reagiu à afirmação radical de Cristo, exigindo ser ele uma exceção do caso. Quanto aos demais, eles podiam ser tão esquecidos, a ponto de se tornarem culpados dum procedimento tão mau e vulgar, mas quanto a ele, jamais se ofenderia. Isto foi presunção e arrogância. Por isso Cristo lhe declara de modo expresso, que ele o negaria três vezes nesta mesma noite, antes da hora de o galo cantar, mais ou menos às três horas da manhã, Mc.13.35. Visto que o primeiro cantar do galo, via de regra, ocorre um pouco antes da meia-noite, a declaração tão enfática de Jesus que Pedro realmente o negaria três vezes, antes que o galo cantasse duas vezes, devia tê-lo acordado do seu sonho de autocomplacência. Mas ele ainda é teimoso, contestando com veemência ao Mestre: Ele, mesmo que lhe fosse necessário morrer com ele, em absoluto não negaria ao Senhor. E os outros discípulos reforçaram esta afirmação jactanciosa, em vez de pedirem ao por graça e poder para a hora da tentação. Um cristão que lança sua confiança em sua própria capacidade de resistir às astúcias do diabo, é menos seguro do que canoa furada em meio a um tufão. A chegada ao Getsêmani: V.36) Em seguida, foi Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar; 37) e, levando consigo a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se. 38) Então lhes disse: A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai comigo. Getsêmani, o vale da prensa de azeite, era um lugarejo rural onde havia um imenso pomar de 34 ) Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 267. oliveiras, que Judas também conhecia bem, porque era o abrigo favorito para o Senhor em seus retiros. Tendo inteira noção de tudo quanto devia acontecer nesta noite, ele escolheu este lugar da traição, esperando conseguir uma última hora de oração. Deixou oito de seus discípulos junto à entrada do jardim. Lá deviam esperar por ele, até que ele tivesse orado no lugar escolhido. Somente levou consigo os três discípulos que haviam sido testemunhas de sua transfiguração, para verem a agonia de sua alma. Sentia a necessidade de alguém em que podia confiar, do qual, nesta hora, podia esperar alguma assistência na forma de encorajamento e oração. Neste instante começou a sentir-se muito triste e angustiado, o que é uma expressão que indica a aflição espiritual mais pungente e aterradora. Em sua agonia brada aos discípulos que sua alma está extremamente triste, envolta e esmagada com a mais sufocante tristeza. Caíam sobre ele os terrores da morte. Pediu-lhes, ao menos, alguma medida de companheirismo e força de apoio pela oração. E a angústia de alma aumentou mais ainda, tornando insuportável mesmo a proximidade destes discípulos. A primeira oração: V. 39) Adiantando-se um pouco, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai: Se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e, sim, como tu queres. 40) E, voltando para os discípulos, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Então, nem uma hora pudestes vós vigiar comigo? 41) Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca. Deixando até mesmo seus discípulos favoritos, ainda que o lugar onde foi ficava próximo, sentiu-se compelido a estar a sós com os horrores da morte e do inferno, com a percepção da ira inextinguível de Deus sobre os pecados do mundo que ele tomara sobre si. Como o vicário, o representante da humanidade corrupta, a condenação o encarava de frente. Prostrou-se sobre seu rosto no pó da terra. E dum coração cheio da angústia por causa dum sofrimento terrível, ecoou sua prece: Pai, se possível, deixa que este cálice, literalmente, passe por mim, mas nunca seja como eu quero, porém, como tu queres. O cálice de tortura excruciante, de morte na cruz, estava diante seus olhos, e sua fraca natureza humana se intimidava diante de seus terrores. Pois a morte é uma condição estranha. Destrói a vida que Deus criou. Rompe o laço entre corpo e alma que Deus atou. Por isso, suplica, se há alguma possibilidade para realizar a obra da salvação sem ser obrigado a suportar a soma total do castigo sobre o pecado, sem beber o cálice da ira de Deus até a última gota, que lhe seja permitido escolher o meio mais fácil. O conselho de Deus, com o qual ele próprio havia concordado, a saber, que a salvação dos pecadores perdidos e condenados seria ganha por meio de sofrimento e morte, se havia tornado obscuro em sua percepção humana. Que humilhação profunda! Contudo, em sua oração não houve a menor insinuação de oposição e murmuração. A vontade do Pai celeste deve ser realizada de todas as formas e de qualquer jeito. “Como, pois, ora Cristo? Esta é uma instrução útil e necessária, que devemos seguir dispostos e sem esquecer. ... Nosso caro Senhor Jesus ora que Deus lhe tire o cálice e, como o Filho unigênito, espera do Pai nada mais do que o bem. Mas, ainda assim, ele junta estas palavras: Não como eu quero, mas como tu queres. Faze-o tu da mesma forma. Se estás em tribulação e sofrimento, guarda-te para não julgar que Deus, por isso, seja teu inimigo. Volta-te a ele como um filho ao seu pai (pois, visto crermos em Cristo, ele deseja aceitar-nos como filhos e co-herdeiros de Cristo), clama a ele por ajuda, e dize: Ó Pai, vê o que me está acontecendo aqui e ali; ajuda-me por amor de teu amado Filho Jesus Cristo. ... Devíamos, porém, colocar nossa vontade em todas as coisas que pertencem ao corpo, sob a vontade de Deus. Pois, como diz Paulo, nós não sabemos pedir como devíamos. Além disso, muitas vezes, é necessário que Deus nos conserve sob cruz e tristeza. Agora, visto só Deus saber o que nos é bom e útil, devíamos colocar sua vontade em primeiro lugar, e a nossa vontade depois e sendo pacientes provar nossa obediência”35). Depois da oração, retornando a seus discípulos, Jesus os encontrou dormindo. Foram incapazes de agüentar o teste deste grande esforço. A natureza humana exigia descanso. A magnitude e a profundidade da revelação que se desenvolvia em sua frente foi demais para sua carne fraca. Jesus se dirige, de modo repreensivo, a Pedro, tentando erguê-lo: Assim, pois, não pudestes vós vigiar comigo por, ao menos, uma hora, depois de todos os protestos feitos a apenas uma hora atrás. Ele insiste com todos eles para que se mantenham 35 ) 200) Lutero, 13.355-357. vigilantes, e que, para tanto, orem para que não caiam em tentação. Pois a fraqueza da carne tem a força única de dominar a força do espírito, por mais voluntário que este seja. É nas horas de provação amarga e severa, quando a carne está pronta para entregar a dura luta, que a vigilância em oração, ao lado da inabalável confiança no poder de Deus, manterá a força do espírito para conservar a fé. A continuação da agonia: 42) Tornando a retirar-se, orou de novo, dizendo: Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade. 43) E, voltando, achou-os outra vez dormindo; porque os seus olhos estavam pesados. 44) Deixando-os novamente, foi orar pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras. O Santo de Deus, neste momento, estava quase submerso na torrente de dor e amargura que tentavam tragá-lo. Medo e tremor lhe sobrevieram, e o horror o assoberbava, Sl.55.5, o horror da morte e do inferno. Pois sobre ele pesavam os pecados, a culpa, a maldição e a punição do mundo todo. Devia morrer a morte dum pecador, do pecador mais detestável que o mundo já conheceu. Por isso ele sentiu mil, sim, um milhão de vezes o aguilhão da morte. Sua luta nas sombras do Getsêmani foi uma segunda tentação do diabo. Foi o príncipe do inferno quem lhe encheu a alma com o terror da morte, para o fazer recuar diante das torturas da cruz, recusar obedecer a seu Pai no céu. Desta forma estaria arruinado o plano de Deus e a redenção da humanidade. Os sofrimentos de Cristo nestas horas estão além do que o poder da linguagem humana pode expressar. Numa segunda e terceira vez prostrou-se à terra. Se não pode ser concedido, se lhe está fora de questão esperar qualquer alívio de seus sofrimentos, se não há outro recurso a não ser que beba o cálice já posto aos seus lábios, então ele está pronto a se curvar sob a vontade do Pai. Não havia a esperar dos discípulos qualquer conforto e encorajamento. Os olhos deles estavam pesados, abatidos pelo sono. Distante de qualquer assistência humana, sofrendo toda a ira de seu Pai celeste, Jesus teve que combater a batalha da salvação da humanidade até o fim amargo – mas vitorioso. O fim da luta: V. 45) Então voltou para os discípulos e lhes disse: Ainda dormis e repousais! eis que é chegada a hora,e o Filho do homem está sendo entregue nas mãos de pecadores. 46) Levantai-vos, vamos! Eis que o traidor se aproxima. Sua alma atribulada havia lutado sem trégua e sem auxílio qualquer com a morte e o inferno. E seu corpo estava cansado a ponto de total exaustão. Arrastando-se, finalmente, de volta a seus discípulos adormecidos, dizlhes, não em ironia ou com repreensão, mas em completa resignação: Quanto a mim, poderíeis dormir; esta batalha está no fim, não é mais necessária a vossa vigilância em meu favor. Mas, para o seu próprio bem, é melhor que agora se levantem, pois a hora de sua traição está aí. O traidor, que o entregaria nas mãos dos gentios para por estes ser morto, se aproximava lá longe. Claro, e como se anunciasse a aproximação, ele dá a ordem: Levantai-vos, vamos! Agora já não há mais hesitação ou esquiva. Ele não é qual fugitivo ao qual os agentes da lei precisam procurar e finalmente arrancar do seu esconderijo. Ele é qual conquistador a encontrar-se com o derrotado. A Traição E A Prisão, Mt.26.47-56. A vinda do traidor: V,47) Falava ele ainda, e eis que chegou Judas, um dos doze, e com ele grande turba com espadas e cacetes, vinda da parte dos principais sacerdotes e dos anciãos do povo. 48) Ora, o traidor lhes havia dado esta sinal:Salve, Mestre! E o beijou. 50) Jesus, porém, lhe disse: Amigo, para que vieste? Nisto, aproximando-se eles, deitaram as mãos em Jesus, e o prenderam. Enquanto Jesus ainda admoestava seus discípulos a espantarem o sono a que se haviam entregue, veio Judas. É chamado um dos doze, para ressaltar o efeito do contraste: Um apóstolo escolhido do Senhor, mas, ainda assim, seu traidor. Com ele vinha uma grande multidão, tantos quantos podiam ser reunidos naquela hora da noite. Em sua maioria eram da camada mais baixa da sociedade, mas cujo núcleo era formado pelos guardas do templo que estavam sob as ordens do sinédrio, sendo servos dos principais sacerdotes e dos líderes dos judeus. Talvez apareciam alguns dos anciãos em meio à multidão heterogênea, ainda que se conservassem na retaguarda. Traziam, até, algumas armas, como espadas e paus, para logo de início reprimir qualquer perturbação dos seguidores de Cristo. O traidor, é certo, se preocupava com a melhor maneira para se aproximar do Senhor. Afinal de contas, mesmo endurecido como era, não era coisa fácil entregar seu antigo Mestre a esta multidão complexa. Finalmente bateu-lhe o plano de dar-lhe um beijo, o sinal do afeta e da fidelidade. Informou ao bando, que este era o sinal pelo qual deviam reconhecer o Senhor. Ao que ele beijaria deviam pôr as mãos de prisão, para, se necessário, prendê-lo à força. Com uma saudação respeitosa: Rabi, Judas veio rápido a Jesus, e o beijou ternamente. E o Senhor, gentil, discreto, mas sempre perspicaz, se lhe dirige com a saudação de discípulo ou colega, em vez de espetar seus beijos traiçoeiros que era a própria essência da hipocrisia. Cristo, ao mesmo tempo, mostra que sabe o propósito de sua vinda. Esta é a última vez que o adverte: Recorda o que significa esta traição. “Deste caso horrível devíamos aprender a temer a Deus. Pois não era um homem qualquer, mas um apóstolo, e sem dúvida possuía muitos dons belos e excelentes. Isto vem expresso no fato que ele, acima dos demais discípulos, teve um ofício especial, tendo o Senhor decidido que ele fosse o administrador ou tesoureiro. Mas, visto que este homem, que é um apóstolo, que em nome de Jesus prega o arrependimento e o perdão dos pecados, batiza, expele demônios e realiza outros milagres, cai de modo tão deplorável, torna-se um inimigo de Cristo, vende-o por uma miséria de dinheiro, trai-o e o sacrifica como um cordeiro levado ao matadouro; visto, digo, uma desgraça tão horrível vem sobre um homem tão importante; certamente temos motivo para não nos considerarmos infalíveis, mas temermos a Deus, nos precavermos contra os pecados, e orarmos diligentemente que Deus não nos deixe cair em tentação; mas, se ainda assim, cairmos em tentação, que ele por graça nos resgate dela para que não fiquemos presos nela. Pois acontece facilmente que se entra em apuros e cai em pecados, quando não se vigia atentamente e faz uso diligente da proteção da oração”36). Pedro oferece resistência: V. 51) E eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, sacou da espada, e, golpeando o servo do sumo sacerdote, cortou-lhe a orelha. 52) Então Jesus lhe disse: Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada, à espada perecerão. 53) Acaso pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos? 54) Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder? Os discípulos, porque haviam entendido mal as palavras de Cristo sobre a necessidade de estarem efetivamente preparados contra todos os inimigos, Lc.22.36-38, haviam providenciado duas espadas. Estimulado pela agitação do momento, uma ira carnal que facilmente pode ser explicada tomou conta de Simão Pedro, que era um dos discípulos. Ele sacou da espada que trouxera consigo, colocou toda a força de sua indignação no golpe de deu, tendo o belo sucesso de cortar a orelha do servo do sumo sacerdote. Isto foi zelo carnal, sem uma correta avaliação das circunstâncias, sem considerar os possíveis resultados prejudiciais para o Senhor. Uma precipitação carnal está totalmente fora de lugar no serviço ao Mestre. A repreensão de Jesus é muito merecida. Guarda a espada em seu lugar apropriado. A razão desta ordem é: Saca a espada e perece pela espada. A não ser que alguém tem o dever de usar a espada, como membro que é do governo ou está a mando do governo nalguma ação que não é pecado, não se tem o direito do emprego de armas. Os seguidores de Cristo não devem executar sua missão pela força das armas, mas pela Palavra, no poder o Espírito Santo. Notemos também: Por conseqüência, deduz-se que o governo deve empregar seus direitos e deveres carregando a espada para punir aos malfeitores. “Onde o governo civil deixa sua espada agir contra o pecado e a ofensa, isto é servir a Deus. Pois, Deus o ordena, visto que ele não deseja que pecado e ofensa passem sem punição. Esta é uma distinção especial que Deus faz entre os homens, que ele entrega a espada nas mãos de uns poucos, para impedir o mal e para proteger os súditos”37). Jesus adiciona outra razão para questionar o uso da espada nesta ocasião. Ele poderia ter empregado um meio bem mais fácil e eficiente para dar fim aos seus inimigos, se ele não tivesse escolhido o caminho do sofrimento que agora se abria perante ele. Poderia ter pedido a seu Pai celeste a assistência de mais de doze legiões de anjos, ou seja, mais de doze mil poderosos espíritos da luz, aos quais teria sido coisa fácil derrotar o grupo presente na hora. Mas a preocupação 36 37 ) 201) Lutero, 13.363,364. ) 202) Lutero, 13.374. principal de Cristo é o cumprimento das Escrituras, das quais ele próprio dissera que não podiam falhar, nas quais os milhares de fiéis do Antigo Testamento haviam depositado sua confiança, a esperança no Messias que conseguiria redenção total e completa ao mundo inteiro. “É isto o que Cristo diz: Precisa acontecer assim, para que as Escrituras sejam cumpridas. Todavia, não faças mais outras perguntas, mas crê nas Escrituras. Se não queres crer ou seguir as Escrituras, então deixa-as de lado. Assim também dizemos aos entendidos de nosso povo. Não inventamos nenhuma doutrina nova, nem pregamos alguma fé diferente do que aquela da qual as Escrituras falam. E, tendo nós ensinado e pregado conforme a Escritura, então fizemos a nossa parte, e deixamos que outros permaneçam os sábios. Nós, porém, permanecemos com o pequeno grupo que crê e segue as Escrituras”38). Censura aos inimigos: V. 55) Naquele momento disse Jesus às multidões: Saístes com espadas e cacetes para prender-me, como a um salteador? Todos os dias, no templo, eu me assentava convosco ensinando, e não me prendestes. 56) Tudo isto, porém, aconteceu para que se cumprissem as Escrituras dos profetas. Então os discípulos todos, deixando-o, fugiram. Cristo acertou exatamente seu alvo, especialmente porque dirigiu estas palavras, acima de tudo, aos chefes e aos guardas do templo. A maneira deles para prendê-lo foi um insulto a ele e da parte deles um ato indigno, caso ainda tiverem tido dignidade pessoal. Haviam saído como em busca dum assassino comum ou algum outro criminoso, com espadas e cacetes, para o cercar e pegar. O modo de proceder deles cheirava à obscuridade e má consciência. Dia após dia ele se assentara no templo, de modo franco e destemido, visto que nada tinha a esconder e nada de que se envergonhar. Tinha condições de defender cada palavra de seus ensinos, e de boa vontade o teria feito, tivessem eles, a qualquer hora, pedido por tanto. Mas naquele tempo não haviam mostrado seu poder contra ele. Tudo isto, contudo, devia ser feito bem do modo como aconteceu, para que as Escrituras do Antigo Testamento, que em detalhes falavam de sua paixão e morte, fossem cumpridas nestes mesmos detalhes. É a Palavra eterna do Deus fiel que foi estabelecida no cânon do Antigo Testamento, do qual cada palavra é verdade e não pode ser derrubada. O fato que Jesus se submeteu tão voluntariamente à prisão vergonhosa encheu aos discípulos de apreensão e horror. Com seu Mestre em algemas, estavam sem amparo e sem esperança. Figuram em desabalada pressa, abandonando-o à sua própria sorte. Cristãos fracos, que não percebem sempre a presença onipotente de Deus, bem da mesma forma, são capazes de esquecer as promessas firmes da Escritura e na prática, caso não de fato, se tornam traidores e negadores. O Processo Perante Caifás E A Negação De Pedro, Mt.26.57-75. Rumo à casa de Caifás: V. 57) E os que prenderam a Jesus o levaram à casa de Caifás, o sumo sacerdote, onde se haviam reunido os escribas e os anciãos. 58) Mas Pedro o seguia de longe até ao pátio do sumo sacerdote e, tendo entrado, assentou-se entre os serventes, para ver o fim. O palácio de Caifás, segundo a maioria dos investigadores, ficava no canto sudoeste extremo da cidade de Jerusalém. Era, obviamente, construído na forma dum quadrilátero ao redor dum pátio aberto. O sogro Anás morava num dos lados deste palácio, no outro lado morava Caifás, ocupando as famílias os andares superiores, enquanto os servos os cômodos do andar térreo. A entrada ao palácio era através dum portal e passagem arqueada, que, em geral, era vigiada por um dos servos. Depois duma audiência breve e preliminar perante Anás, Jo.18.13, que foi feita no entremeio, enquanto esperavam que fossem reunidos todos os membros do conselho, Jesus foi conduzido perante a côrte suprema da igreja judaica, constituída de escribas e anciãos conforme o seu ofício, ou de fariseus e escribas conforme suas tendências sectárias, mas onde todos concordaram neste um ponto que foi, que este homem precisa ser eliminado. Pedro, enquanto isso, em parte levado por afeição e em parte por curiosidade, seguia à distância ao grupo, e, tendo recebido licença de entrar no pátio do palácio, sentou-se com os servos perto dum brazedo, algo necessário por causa da noite fria da primavera, para ver o fim e descobrir o que aconteceria ao Senhor. Há muito cristão que já 38 ) 2003) Lutero, 13.1762. pensou ser o suficientemente forte para resistir à tentação, para ignorar ataques e zombaria, quando se aventurou ao meio dos filhos do mundo, mas, para sua imensa tristeza, descobriu que estas experiências são acompanhadas de imenso risco. O sofrimento perante Caifás: V. 59) Ora, os principais sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam algum testemunho falso contra Jesus, a fim de do condenarem à morte. 60) E não acharam, apesar de se terem apresentado muitas testemunhas falsas. Mas afinal compareceram duas, afirmando: 61) Este disse: Posso destruir o santuário de Deus e reedificá-lo em três dias. 62) E, levantando-se o sumo sacerdote, perguntou a Jesus: nada respondes ao que estes depõem contra ti? 63) Jesus, porém, guardou silêncio. E o sumo sacerdote lhe disse: Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus. 64) Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste; entretanto eu vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem assentado à direita do Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu. Notemos: A enumeração de diversas sessões do sinédrio traz à luz de modo ainda mais forte a injustiça do processo. Homens, cujo ofício era conhecer a lei e de governar de modo digno, foram aqui exatamente os que subverteram o direito e fizeram da justiça uma farsa. Também: Deliberadamente procuram falso testemunho. Sabendo eles que o método comum de com seguir testemunho contra um criminoso, no caso, não daria resultado, eles se esforçaram muitíssimo por encontrar testemunhas que lhes dessem a possibilidade de julgálo digno de morte. Mas não tiveram sucesso. Quanto mais pessoas interrogavam, tendo este objetivo em mente, tanto mais completamente justo e santo estava Jesus perante eles. Até mesmo as duas últimas que adulteraram a profecia de Cristo sobre o templo de seu corpo, Jo.2.19, não conseguiram que seu testemunho concordasse entre si. Todo o processo ameaçava tornar-se uma gloriosa justificação de Jesus. Neste ponto, porém, o sumo sacerdote Caifás, temendo perder a causa, esqueceu a dignidade de sua posição como juiz e se tornou em acusador, ou até o ofendido. Exigiu que Cristo se defendesse contra o testemunho que fora citado. Mas Cristo permaneceu absolutamente calado, sabendo que nestas circunstâncias o silêncio era o melhor caminho. Visto não quererem justiça, mas a todo custo sua morte, teriam atacado cada palavra que fosse dizer e a truncado a tal ponto que teria sido irreconhecível. “Vês aqui quão injustamente os sumos sacerdotes lidam com Cristo o Senhor. Pois, ao mesmo tempo, são acusadores e juízes. Por isso, em seu processo o Senhor precisa estar errado, não importando o que ele diga ou faça. Em assuntos temporais isto seria uma tremenda desonestidade. ... Mas para estas pessoas santas nada é pecado. Elas têm poder sobre tudo. Podem fazer o que bem lhes pareça, e desafiar a todos quantos os quiserem acusa de erro ou de terem interpretado algo de maneira perversa”39). Agora vem o auge da vil farsa encenada pelo sinédrio. O sumo sacerdote, de modo muito solene, interpela Cristo a afirmar sob juramento, se realmente é o Filho de Deus. Estava determinado a, de a qualquer custo, tirar de Cristo uma explanação que pudesse servir como prova de condenação contra ele. Continuar em silêncio, neste momento, seria o mesmo que a negação duma verdade que era essencial ao seu ministério messiânico. Por isso ele respondeu com um enfático: Eu sou. Mas, de modo tão ou mais enfático, ele acrescentou um bocado de informação alarmante, a saber, que o tempo viria em que ele retornaria em glória. De fato, esta glorificação estava por começar com sua entrada, por meio de sofrimento e morte, na glória de seu Pai. No dia em que estes juízes injustos o verão novamente, será ele quem estará na função de juiz deles. E todos os inimigos de Cristo estremecerão e tremerão, quando o mesmo Cristo que eles rejeitaram virá para o juízo e lhes exigirá um ajuste de contas. A sentença: V.65) Então o sumo sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou! que necessidade mais temos de testemunhas? Eis que ouvistes agora a blasfêmia! 66) Que vos parece? Responderam eles: É réu de morte. 67) Então uns cuspiram-lhe no rosto e lhe davam murros, e outros o esbofeteavam, dizendo: 68) Profetiza-nos, ó Cristo, quem é que te bateu! Era sinal da maior tristeza, do luto mais profundo, para um judeu rasgar suas vestes de cima. Aqui, por isso, ocorreu um ato de afetação teatral que não continha verdadeira emoção. E, com esta ação, declara 39 ) 204) Lutero, 13.385. que está chocadíssimo com a blasfêmia que ouviu da boca de Jesus. Declara que já não há mais necessidade de julgamento nem de testemunhas. Ele se refere ao castigo da blasfêmia em Lv.24.15, e a Dt.18.20 ao fato de ser um profeta falso. Caifás, em sua ânsia, ignorou completamente o fato que não comprovara qualquer blasfêmia contra Jesus. Mas sua representação teve efeito. Não foi feita uma votação formal, mas os gritos de assentimento que vinham de todos os lados foram considerados como prova suficiente da concordância geral. Neste ponto seguiu uma cena, na qual não só os servos e os guardas do templo, mas também os membros do grande conselho perderam o último grão de sua assumida dignidade e humanidade, quando deram espaço para as maneiras mais vis de baixas para dar vazão ao seu ódio contra Jesus. Cuspir-lhe no rosto, esmurrá-lo com os punhos, dar-lhe tapas com as mãos, eram apenas algumas das maneiras com que se divertiram. Parecia uma orgia dos diabos. Tentaram ridicularizar sua capacidade de predizer o futuro. Em suma, ódio satânico corria a solto. Pois, na realidade, estavam frustrados, apesar de sua aparente vitória. Foi assim, que eles ocuparam as horas da madrugada daquela noite miserável. Semelhante a eles, os inimigos da verdade de Cristo, incapazes de achar uma acusação real contra os cristãos, vão buscar desculpas para dar vazão a seu ódio contra eles e tentar impedir seu trabalho. A negação de Pedro: V. 69) Ora, estava Pedro assentado fora no pátio; e, aproximando-se uma criada, lhe disse: Também tu estavas com Jesus, o Galileu. 70) Ele, porém, o negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes. 71) E, saindo para o alpendre, foi ele visto por outra criada a qual disse aos que ali estavam: Este também estava com Jesus, o Nazareno. 72) E ele negou outra vez, com juramento: Não conheço tal homem. 73) Logo depois, aproximando-se os que ali estavam, disseram a Pedro: Verdadeiramente és também um deles, porque o teu modo de falar o denuncia. 74) Então começou ele a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem! E imediatamente cantou o galo. 75) Então Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes. E, saindo dali, chorou amargamente. Pedro havia encontrado um lugar no vestíbulo do palácio, não longe da porta da sala em que o conselho estava em reunião, e também perto do círculo de servos que se aquentavam junto ao fogo no pátio. Aqui uma das empregadas que o vira entrar fez a observação de que ele era um dos seguidores do prisioneiro. Foi natural que os serventes tomassem o lado dos seus senhores contra o Galileu, e, sem sombra de dúvida, discutiam meios e maneiras para eliminar todos os seus seguidores. Pedro, sentindo o ouriçar do círculo contra ele, rapidamente negou o fato, mas na pressa do que em deliberada premeditação. Mas sua consciência deve tê-lo incomodado um pouco, pois deixou o círculo perto do fogo e voltou para a arqueada passagem que levava ao pátio. Mas novamente foi acusado de ser um seguidor deste Jesus de Nazaré. Desta vez o medo que lhe aumentava no coração se tornou excessivamente forte: Ele confirmou sua mentira com um juramento. Observavam-no, porém, com suspeição, discutindo, com certeza, o assunto entre eles. Por fim, depois de algum tempo, os que estavam parados ao redor pelo pátio vieram a ele e falaram mais direto. Certamente, esse deve ser um membro do grupo do Nazareno, pois, eis seu dialeto Galileu o traía. E Pedro perdeu por completo o controle sobre si. Com a mais espantosa veemência acrescentou juramento ao amaldiçoar, em sua negação de ter qualquer ligação com Jesus. Há a possibilidade, que sua proposital ênfase tenha confirmado a suspeição dos serventes sobre a qual, contudo, não reagiram. O Senhor, porém, não esquecera seu discípulo tão fraco. Chegara a hora de o galo cantar. E o cantar vigoroso dum deles, bem neste momento, fez ecoar na mente de Pedro a profecia de Jesus sobre a sua tripla negação dele. E, saindo, chorou em amargo arrependimento sobre seu terrível pecado. “Aqui devemos aprender, no exemplo de Pedro, a nossa própria fraqueza, para que não nos apoiemos tanto nas outras pessoas e nem em nós mesmos. Pois nossos corações são, em seu todo, tão fracos e vacilantes, que mudam a cada hora, como afirma o Senhor em jo.2.24,25. Quem podia esperar tanta instabilidade e fraqueza em Pedro? ... Quem podia acreditar que um homem tão corajoso, que se atém tão firme ao seu Senhor, podia negá-lo tão vergonhosamente? Observa este exemplo muito atentamente, para que conheças bem a ti mesmo e aos demais, e te guardes contra a arrogância. Pois, se isto podia acontecer com Pedro, o que, pensas, pode acontecer conosco, que não somente somos mais inferiores mas também muito mais fracos? Por isso, não faz bem ser convencido, mas mantém teu temor a Deus e uma vigilância muito eficiente para todos os lados”40). Resumo: Os judeus completam sua conspiração, e Judas se prontifica para trair seu Senhor, mas Jesus aceita a unção de Maria de Betânia, celebra a páscoa pela última vez, institui a Eucaristia, suporta a agonia de morte no Getsêmani, é traído, preso, levado a Caifás para julgamento, é sentenciado e ultrajado, enquanto Pedro nega três vezes a seu Senhor. CAPITULO 27 O Fim de Judas, Mt. 27.1-10. Cristo entregue a Pilatos: V. 1) Ao romper o dia, todos os principais sacerdotes e os anciãos do povo entraram em conselho contra Jesus, para o matarem; 2) e, amarrando-o, levaram-no e o entregaram ao governador Pilatos. O julgamento de Jesus perante o sinédrio, a côrte suprema da igreja judaica, durara até as primeiras horas da manhã de sexta-feira, até ao tempo do canto do galo. Mesmo após isto, o Senhor não teve descanso. As vis torturas que alguns dos criados e outros lhe aplicaram, roubaram-lhe, até mesmo, os poucos momentos de descanso que seu corpo torturado e cansado precisava. Tão logo que o dia rompeu, os membros do conselho se reuniram novamente para confirmar a sentença de poucas horas antes, e para fazer planos para executar a resolução já aprovada. A lei exigia, em casos criminais graves, ao menos, duas sessões, e assim, mesmo que não obedeceram ao espírito da lei, obedeceram sua letra. Estando presentes todos os membros, foi tomado um voto formal, o que realmente era só uma formalidade, visto que qualquer voz contrária teria sido silenciada rapidamente. E o objetivo foi claramente afirmado: Matá-lo. Da palavra de Lucas, capítulo 22.66, parece que levaram Jesus, em procissão, do palácio do sumo sacerdote até a “casa das pedras polidas”, que era a sala de reunião no templo. Pois, conforme o Talmude, uma sentença de morte só podia ser pronunciada nesta sala. Os judeus, no rancor de seu ódio e no ardente desejo por vingança, até, ignoraram o fato que num dia de festa valiam as leis do sábado e que, conforme elas, uma reunião do sinédrio era irregular. Tendo concordado na maneira de agir, neste momento, levaram ao Senhor, algemado como se fosse um criminoso, e o entregaram a Pilatos, que era o governador ou procurador da província. Pois, visto que a Judéia, depois da deposição de Arquelau, se tornara uma província romana, os judeus não mais tinham o direito de executar uma sentença de punição capital. Eram obrigados a entregar um criminoso, que acreditavam ser culpado de morte, ao procurador, que residia em Cesaréia, mas que viera a Jerusalém durante a semana da páscoa, em parte para conservar a ordem entre os muitos milhares de peregrinos, e em parte para intimidar e, desta forma, conservar, pelo poder do prestígio romano, em cheque quaisquer espíritos revolucionários. O remorso e a morte de Judas: V.3) Então Judas, o que o traiu, vendo que Jesus fora condenado, tocado de remorso, devolveu as trinta moedas de prata aos principais sacerdotes e aos anciãos, dizendo: 4) Pequei, traindo sangue inocente. Eles, porém, responderam: Que nos importa? Isso é contigo. 5) Então Judas, atirando para o santuário as moedas de prata, retirou-se e foi enforcar-se. Aqui vemos dois fatos, como diz Lutero, a saber, que o pecado começa de maneira muito aduladora, mas, depois, causa um fim terrível. Com certeza, Judas esteve sob a 40 ) 205) Lutero, 13.392,393. impressão que Jesus iria agir da maneira como agira muitas vezes, e usaria seu divino poder, se livraria das algemas e sairia como um homem livre. Mas a procissão até o palácio do governador mostrou-lhe, indiscutivelmente, que neste caso não haveria uma libertação miraculosa. A condenação de Cristo havia sido votada pelos judeus, e se esperava que o governador concordaria com o pedido dos judeus. Quando se convenceu disto, de repente seus olhos se abriram para a abominação de sua ofensa contra Jesus. Dominaram-no remorso e tristeza profundos sobre o fato. Foi um arrependimento criado por Satanás, que só enxergava a profundeza do abismo da transgressão. Seu primeiro pensamento foi não fazer uma confissão franca de seu pecado ao Senhor, implorando humildemente perdão que, até mesmo neste momento, era conseguido para o seu pecado, mas quis livrar-se dos frutos e das provas do seu pecado. Por isso retornou com as trinta peças de prata, o galardão da iniqüidade, tentando devolver o dinheiro aos principais dos sacerdotes e anciãos, os quais haviam aceito sua oferta de traição. Compreendeu agora sua traição de sangue inocente, o sangue de um homem inocente e santo, foi um pecado atroz. Mas encontrou uma recepção fria, sendo-lhe dito que isto não era preocupação deles mas que ele deve cuidar dos seus próprios negócios. É assim que agem os tentadores e enganadores: Antes de o pecado ser praticado, mostram uma face amiga, mas, quando a vítima das suas astúcias é torturada por remorso pungente, eles negam toda e qualquer responsabilidade. Então seu grito é, que cada um cuide de si mesmo. No caso aqui, o diabo assumiu o cuidado de quem já era seu. Pois, Judas pegou o dinheiro que os principais sacerdotes e anciãos rejeitaram, atirou-o no templo, provavelmente com a idéia de fazer, ao menos em parte, expiação por seu pecado, e então, enforcando-se, cometeu suicídio. Este foi o fim dum arrependimento que não voltou ao Salvador, mas desesperou em qualquer clemência possível. A tristeza do mundo produz a morte, 2.Co.7.10. “Esta é a outra peculiaridade do pecado, que devíamos notar com cuidado: No começo ele dorme, e parece ser coisa simples e inofensiva. Mas ele não dorme por muito tempo, e, quando acorda, se torna um peso insuportável, que é impossível para ser carregado, salvo que Deus ajude de um modo especial. Vemos isto no caso do miserável Judas. ... Pois, quando enxerga que o Senhor é conduzido a Pilatos, e que ele já precisa temer que a vida dele está perdida, se arrepende e enxerga pela primeira vez o que realmente fez. Nesse momento, o pecado desperta e se mostra de modo tão violento e terrível que já não o pode suportar. Antes havia amado tanto o dinheiro, as trinta peças de prata, que lhe pareceu coisa pequena trair e vender Cristo o Senhor. Mas agora tudo mudou: Se tivesse o dinheiro e os bens do mundo inteiro, ele o daria para ter a certeza que a vida de Cristo o Senhor pudesse ser salva”41). A compra do campo de sangue: V. 6) E os principais sacerdotes, tomando as moedas, disseram: Não é lícito deitá-las no cofre das ofertas, porque é preço de sangue. 7) E, tendo deliberado, compraram com elas o campo do oleiro, para cemitério de forasteiros. 8) Por isso aquele campo tem sido chamado até ao dia de hoje Campo de Sangue. 9) Então se cumpriu o que foi dito poro intermédio do profeta Jeremias: Tomaram as trinta moedas de prata, preço em que foi estimado aquele a quem alguns dos filhos de Israel avaliaram; 10) e as deram pelo campo do oleiro, assim como me ordenou o Senhor. Aqui o evangelista pinta um quadro da mais repulsiva hipocrisia. O remorso de Judas sobre a traição de sangue inocente faz absolutamente nenhuma impressão sobre eles, mas a possível infração dum preceito, tirado de Dt.23.18, enche seus corações de temor. Em terror santimônio, ergueram suas mãos para se precaver duma calamidade ameaçadora: Nunca fará bem lançar este dinheiro de sangue (que eles próprios haviam pago para isso) na caixa do santo tesouro. E, assim, os piedosos fraudadores se reuniram solenemente e decidiram investir o dinheiro num cemitério para estrangeiros, estando disponível um velho barreiro de olaria. Mateus se refere a uma profecia que aqui se cumpriu de modo muito marcante, citando como fonte o profeta mais importante, Jr.18.2,3; 32.6-15; Zc.11.13. Tomaram as trinta peças de prata, o preço daquele que foi avaliado neste valoro, ou o preço daquele cujo valor é inestimável, que eles compraram dentre os filhos de Israel, pagando o dinheiro pelo campo do oleiro, conforme a ordem do Senhor. As duas profecias são mescladas de maneira maravilhosa, 41 ) 206) Lutero, 13.405. proporcionando uma prova adicional da inspiração, tanto do evangelho como dos livros dos profetas, visto que o Senhor expõe sua verdade eterna conforme sua própria vontade. O cemitério, assim adquirido, depois de muitos anos do ocorrido, era simplesmente conhecido como o cemitério adquirido como o Campo de Sangue, num monumento excelente aos principais sacerdotes e a traição do Santo de Deus. O Julgamento Perante Pilatos, Mt.27.11-30. O início do julgamento, V. 11) Jesus estava em pé ante o governador; e este o interrogou, dizendo: És tu o rei dos judeus? Respondeu-lhe Jesus: Tu o dizes. 12) E, sendo acusado pelos principais sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. 13) Então lhe perguntou Pilatos: Não ouves quantas acusações te fazem? 14) Jesus não respondeu nem uma palavra, vindo com isto a admirar-se grandemente o governador. O relato de Mateus dos acontecimentos da manhã de sextafeira ressalta muito a dignidade, a divindade, a deidade do Senhor, perante o governador, onde foi acusado como criminoso. Sobre a pergunta do procurador, se era o rei dos judeus, ele lhe deu uma resposta afirmativa e enfática, expondo também ao mal-agradecido Pilatos a natureza de seu reino, Jo.18.33-37. Mas em relação às demais acusações, que os principais sacerdotes haviam inventado contra ele, o Senhor manteve um silêncio frustrante. “Pelo seu silêncio as acusações foram carimbadas como sem fundamento, e este majestoso silêncio encheu a Pilatos de admiração e espanto”42). Todos os esforços do governador para que respondesse aos insultos dos judeus deram em nada. Por que falar em vão, quando os judeus e Pilatos sabiam muito bem, que todas as acusações eram infundadas! A admiração, e também a superstição de Pilatos aumentaram muito no decorrer do julgamento. A oferta de soltar a Jesus: V. 15) Ora, por ocasião da festa, costumava o governador soltar ao povo um dos presos, conforme eles quisessem. 16) Naquela ocasião tinham eles um preso muito conhecido, chamado Barrabás. 17) Estando, pois, o povo reunido, perguntou-lhes Pilatos: A quem quereis que eu vos solte, a Barrabás ou a Jesus, chamado Cristo? 18) porque sabia que por inveja o tinham entregado. O caráter de Pilatos era fraco, vacilante e não confiável. Não tinha a coragem de afirmar suas convicções, nem era um homem que exigia respeito às suas opiniões. Governantes que são assim, são capazes de ser, ora, indevidamente tolerantes e frouxos, ou ora indevidamente duros e cruéis. Havia-se tornado costume em Jerusalém, soltar ao povo, na época da páscoa, algum preso cuja liberdade pedissem. O fraco governador lembrou-se que este costume poderia vir em seu auxílio para resolver esta dificuldade, sem entrar em conflito com os judeus. Tinha ele Barrabás na cadeia, um criminoso muito conhecido e infame, um sedicioso e assassino. Por isso Pilatos raciocinou: Certamente preferirão ao gentil Jesus a este sujeito perigoso e assassino. Foi neste sentido que lhes colocou o assunto, enfatizando o fato que Jesus é chamado o Cristo, o Messias. Julgou que a escolha seria fácil. Não contava com a psicologia de massa. Já era o suficientemente doloroso ver o que desde o começo deve ter sido evidente ao observador imparcial, que as acusações citadas pelos líderes judeus eram nada mais do que imputações inventadas, devido ao ódio deles. Pois o povo comum ouvia a Jesus com satisfação, tendo muito deles chegado ao conhecimento da verdade. O sonho da mulher de Pilatos: V. 19) E, estando ele no tribunal, sua mulher mandou dizerlhe: Não te envolvas com esse justo; porque hoje, em sonho, muito sofri por seu respeito. Este foi um interlúdio. O primeiro impacto do ataque contra Jesus acabara, tendo a tempestade se acalmado. A pergunta de Pilatos fora feita ao povo. Por isso o governador, que passara algum tempo na sala interna com Jesus com a intenção de chegar ao fundo do problema, aproveitou a ocasião para se 42 ) 207) Schaff, Commentary, Matthew, 510. sentar na cadeira oficial de julgamento, que ficava sobre o pavimento de pedra num nível mais alto. Esperou pela decisão do povo para decretar o julgamento correspondente. Foi então que recebeu uma advertência dum lado inesperado, de sua mulher, que atribulada com o sonho que tivera na noite anterior, lhe enviou a recomendação, rogando-lhe que ele nada tenha a ver com as ações contra Jesus. Ela o chama um homem justo a quem ela deseja a justiça. Aparentemente, porém, isto não influiu em nada a Pilatos. Nos apócrifos Atos de Pilatos este incidente é desenvolvido muito e enfatizado intensamente. A continuação do processo: V. 20) Mas os principais sacerdotes e os anciãos persuadiram o povo a que pedisse Barrabás e fizesse morrer Jesus. 21) De novo perguntou-lhes o governador: Qual dos dois quereis que eu vos solte? Responderam eles: Barrabás. 22) Replicou-lhes Pilatos: Que farei então de Jesus, chamado Cristo? Seja crucificado! Responderam todos. 23) Que mal fez ele? Perguntou Pilatos. Porém, cada vez clamavam mais: Seja crucificado! O fato que Pilatos colocou Jesus num só nível com Barrabás, fora uma concessão aos judeus. Pois, colocava um homem inocente na mesma categoria dum criminoso, quando, era fato, não havia nenhuma comparação. Os judeus sentiram a fraqueza da posição de Pilatos, e não foram lerdos para tirar vantagem dela. Os principais sacerdotes enviaram seus mensageiros por entre a multidão para incitarem com mais força as paixões. Não foi preciso muita persuasão. Uma multidão de pessoas é influenciada facilmente. Em especial, quando o esperado são ações de violência. Por isso, quando Pilatos os perguntou sobre a escolha entre os dois homens, gritaram alto pela libertação do culpado. Muitos, dentre a multidão, poucos dias antes, estiveram meio convencidos que Jesus, se não era mais, era um grande profeta, mas, sob a astuta instigação dos agentes do sinédrio, tomaram o lado dos inimigos de Cristo. Eles, até, têm uma resposta à inquirição meio perplexa de Pilatos sobre o que fazer com Jesus. Seu grito rouco ecoava em volume crescente pelas ruas estreitas: Seja crucificado! E, sobre a pergunta vazia e fútil de Pilatos: Que mal fez ele? Compreenderam, de modo mais claro do que nunca, que tinham o governador sob seu comando. A questão já não era mais sobre a culpa ou a inocência de Cristo, mas em ceder ao que a turba queria e às ameaças dos anciãos e principais dos sacerdotes. O tumulto aumentava de minuto a minuto, e o governador foi incapaz de enfrentar a situação. O último apelo de Pilatos à razão: V. 24) Vendo Pilatos que nada conseguia, antes, pelo contrário, aumentava o tumulto, mandando vir água, lavou as mãos perante o povo, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo; fique o caso convosco! 25) E o povo todo respondeu: Caia sobre nós o seu sangue, e sobre os nossos filhos! Pilatos, desde o princípio, estava totalmente enganado: Não insistira sobre um procedimento legítimo e apropriado, exigindo acusações claras com testemunho suficiente. Também não contara com a influência sobre a massa, tendo sido superado pela liderança dos principais sacerdotes. A situação agora era tal que ele podia esperar um tumulto que poderia evoluir para uma insurreição. E ele, assim, vai pelo curso dos que fraquejam, tentando desviar a responsabilidade de sua pessoa. Pedindo um pouco d’água, lavou suas mãos diante do povo, como penhor de sua inocência. Queria ser considerado inatacável em toda esta questão. A culpa deste sangue inocente não devia pesar sobre ele. Afirmando isto, ele foi um hipócrita ou um covarde. Ou ele queria acalmar sua consciência, quando declarou publicamente que Cristo é inocente, ou ele declarou que, contra sua convicção sincera, foi forçado a uma condenação. Nos dois casos ele foi um culpado, mesmo colocando toda a culpa nos judeus. “Mas é assim que sempre acontece com o sangue de Cristo o Senhor, e com o de seus cristãos. O Herodes mais antigo massacra as crianças inocentes nos arredores de Belém. Seu filho assassina ao santo João Batista. Mas os dois pensaram que alcançariam alguns benefícios destes assassinatos. Agora Pilatos também não considera assunto sério que condene Cristo à morte. Ele afaga a idéia que, o que ele pensa do caso, Deus também pensará e o há de considerar inculpável. Fora de Dúvida, porém, a ira de Deus não hesitou em sobrevir, sendo que a casa, a geração e o nome de Pilatos foram aniquilados, e seu corpo e alma condenados ao inferno e fogo eternos. Lá ele descobriu quão inocente foi neste sangue”43). A ação do governador unicamente trouxe à luz amais horripilante maldição por parte do povo: Venha o sangue deste homem sobre nós e sobre nossos filhos! Se este homem foi inocente, e nós exigimos sua morte como pessoa culpada, que a punição de tal crime seja visitado sobre nós, e sobre nossos filhos que vêm depois de nós! Um pouco mais do que uma geração depois, esta terrível maldição foi visitada neles. Então seu relatório lhes foi exigido com pesado ajuste de contas, por meio dum dos juízos mais pesados de Deus de que a história tem notícia. Jesus condenado e debochado pelos soldados: V. 26) Então Pilatos lhes soltou Barrabás; e, após haver açoitado a Jesus, entregou-o para ser crucificado. 27) Logo a seguir, os soldados do governador, levando Jesus para o pretório, reuniram em torno dele toda a coorte. 28) Despojando-o das vestes, cobriram-no com um manto escarlate; 29) tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça; e, ajoelhando-se diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, rei dos judeus! 30) E, cuspindo nele, tomaram o caniço, e davam-lhe com ele na cabeça. Aqui não foi um julgamento mas uma caricatura que chegou ao fim. Barrabás é solto, mas Jesus condenado. É um tipo da redenção, até nisso: O inocente é achado culpado, o culpado é libertado. Mas Pilatos adiciona à injúria o insulto, e dá mais provas da crueldade de naturezas pequenas, fazendo como que Jesus fosse açoitado, quando suas costas desnudas foram curvadas sobre um poste, ao qual fora amarrado, e retalhado com tiras de couro, quando assim foi estendido sobre o cavalete de tortura. E tendo desta forma, como esperava, plenamente reconquistado a confiança dos judeus, pronunciou a sentença formal de condenação sobre Jesus, sentenciando-o à morte de cruz. Este foi um sinal aos soldados do procurador. O prisioneiro estava agora entregue aos seus caprichos. Estes, primeiro, o levaram para a sala do julgamento do palácio, chamado praetorium, do fato que o praetor ou magistrado romano ali administrava a justiça, quando estava ausente um magistrado superior do império. Aqui todos os membros da guarda pretoriana se reuniram para ter seu esporte com a vítima desamparada. Pela segunda vez o despiram, lançando sobre ele, em vez das suas roupas, o manto escarlate dum soldado, que se parecia um pouco com o manto dum rei ou imperador. Trançaram uma coroa de espinhos agudos e a forçaram sobre sua cabeça, rasgando, assim, a pela. Colocaram em sua mão, em vez dum cetro, um velho caniço. E, em debochada solenidade e com fingida sinceridade, dobraram os joelhos diante dele, mas também e não menos aos judeus. A verdadeira natureza deles se revelou no auge da tortura, quando já não mais sentiam prazer em fingir, e cuspiram em seu rosto, enquanto alguns deles tomaram o cetro de zombaria e, por meio de fortes batidas, forçaram os espinhos ainda mais fundo na pele viva de sua testa. Mas, em tudo isto, as profecias do Antigo Testamento, reforçadas pelas do próprio Cristo, foram cumpridas para a redenção da humanidade. A Crucificação E Morte, Mt.17.31-56. . 31) Depois de o terem escarnecido, despiram-lhe o manto, e o vestiram com as suas próprias vestes. Em seguida o levaram para ser crucificado. 32) Ao saírem, encontraram um cireneu, chamado Simão, a quem obrigaram a carregar-lhe a cruz. 33) E, chegando a um lugar chamado Gólgota, que significa Lugar da Caveira, 34) deram-lhe a beber vinho com fel; mas ele, provando-o, não o quis beber.35) Depois de o crucificarem, repartiram entre si as suas vestes, tirando a sorte. 36) E, assentados ali, o guardavam. 37) Por cima da sua cabeça puseram escrita a sua acusação: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS. Finalmente a zombaria cruel não mais interessou aos soldados. Aprontaram-se para executar a sentença. Tirando o manto, vestiram-lhe mais uma vez suas próprias vestes, e o levaram para o crucificar. A simplicidade da narrativa ressalta, de modo centuplicado, seu efeito, além de ser uma evidência interna em favor da verdade 43 ) 208) Lutero, 13.429. das Escrituras. Só Mateus relata alguns dos incidentes principais do dia. Logo ao sair dos portões da cidade, a procissão encontrou um certo Simão de Cirene, uma cidade da Líbia, na África, onde moravam muitos judeus. Serviram-se deste, visto que Jesus estava fraco de mais, para lhe carregar a cruz, porque o carregar da cruz fazia parte da punição do criminoso. Assim todos chegaram ao lugar chamado Gólgota, ou o Lugar da Caveira. Sem dúvida chamado assim, por causa de sua aparência que se assemelhava a uma caveira humana. Localizava-se fora dos muros da cidade, Hb.13.12. Aqui, conforme a profecia, Sl.69.21, deram-lhe a beber vinagre ou vinho azedo, misturado com fel, que era uma poção da qual se supunha que entorpecia os sentimentos e atenuava o sentimento de dor. Isto era um uso judeu. Jesus, porém, recusou a bebida. Queria suportar em plena consciência todos os seus sofrimentos, também as dores que acompanharam o ato da crucificação. Esta era uma punição para criminosos. Cristo foi contado entre estes. O castigo da nossa paz pesava sobre ele, Is.53.5. Acabada a crucificação, os soldados se distraíram em jogo pelas vestes de Jesus, fazendo-o, provavelmente, da seguinte maneira: Primeiro exibiam as diversas peças e as sorteavam conforme o valor de cada uma, recebendo, assim, cada um algo. Da túnica fizeram uma aposta especial, pois não podia ser dividida, Jo.19.23,24. Assim, mais uma vez, uma palavra profética se cumpriu, Sl.22.28, e os soldados zombeteiros, sem sabê-lo, fizeram a vontade de Deus. A seguir se ocuparam do seu dever de vigiar seus crucificados, para que ninguém se aproximasse deles, em especial não com o propósito de retira a algum deles. A mando de Pilatos também fixaram uma tabuleta no alto da cruz, dando o motivo da sentença: Este é Jesus, o Rei dos Judeus. Estava escrito em latim, grego e aramaico hebreu. Foi assim que Pilatos deu vazão à amargura de seu coração, pois sentia o ferrão de sua derrota por meio dos judeus. E os soldados, às expensas de Jesus, tiveram o prazer de sua última caçoada da nação a que este pertencia. Mas, mesmo sem sabê-lo, mas, nem por isso, menos verdadeiro, com isto proferiram um pedacinho consolador da verdade evangélica. Pois Jesus de Nazaré é o prometido Rei dos judeus, o Messias do mundo. A forma de execução pelos meios da crucificação fora introduzida pelos romanos na Judéia, quando esta terra se tornou uma província do Império romano. Os judeus usavam um poste ou mastro ereto para forca, chamado o madeiro da maldição, Gl.3.13; Dt.21.23. Mas os romanos empregavam uma forma de poste em cruz, e pregavam o corpo à cruz, cravando pregos pelas mãos e pés. Visto que, raramente, havia mais do que pequeno apoio sob os pés para suportar o peso do corpo, as dores que acompanhavam a crucificação, deve ter sido a tortura mais insuportável, ocorrendo um lento esforço excessivo dos músculos e tendões, uma gradual luxação dos ligamentos e juntas, ao que, em geral, se juntava a febre causada pelas feridas abertas, Sl.22.14-17. Segundo costume romano, o criminoso crucificado era obrigado a morrer nesta agonia excruciante, sendo, após, sua carne dada aos abutres e animais selvagens. Segundo o costume judeu, em parte, devido a razões humanitárias e, em parte, devido às exigências da pureza levítica, os corpos deviam ser tirados e sepultados. Combinando os dois, foi introduzida a prática de quebrar as pernas, para apressar a morte, e dar um golpe de misericórdia perfurando o corpo com uma lança 44). O escarnecer do povo: V.38) E foram crucificados com ele dois ladrões, um à sua direita e outro à sua esquerda. 39) Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça, e dizendo: 40) Ó tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, se és Filho de Deus! E desce da cruz! 41) De igual modo os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos, escarnecendo, diziam: 42) Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar0se. É rei de Israel! desça da cruz, e creremos nele.43) Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora, se de fato lhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus. 44) E os mesmos impropérios lhe diziam também os ladrões que haviam sido crucificado com ele. Cristo foi contado com os criminosos, com os transgressores, Is.53.12. Em seus dois lados estavam suspensos homens que haviam cometido crimes dignos de morte. Mas aqui o inculpável Filho de Deus, por sua obediência à vontade do Pai 44 ) 209) Schaff, Commentary, Matthew, 522,523. em favor da redenção do mundo, era com eles culpado, sim, milhares e milhões de vezes mais culpado do que eles. As dores da cruz foram intensificadas pelas observações escarnecedoras do povo que afluiu da cidade, para ver o espetáculo, dos quais a maioria ainda tinha um ânimo sedento de sangue, alguns sendo atraídos por mórbida curiosidade e uns poucos no sentimento sincero de afeto e comiseração. A grande maioria utilizou a ocasião bem da mesma forma como o faz a massa em todo o mundo: Meneavam suas cabeças, não só em desaprovação ou em prazer perverso, Sl.22.7; Jó 16.4; Sl.109.25; Is.37.22, mas, como sobre alguém cuja consciência sadia é colocada em dúvida. Citaram sua profecia sobre o templo e seu próprio corpo, mas em sua forma deturpada, que foi uma profecia que se estava cumprindo diante de seus olhos, e o provocavam a salvar a si mesmo e a descer da cruz. À blasfêmia dos elementos da massa juntou-se a zombaria dos líderes da igreja judaica, que nesta ocasião esqueceram sua dignidade e medo de contaminação, chegando ao ponto de também virem cá para se deliciar com seu aparente triunfo, que eram as torturas daquele que eles, de modo tolo, consideraram sua vítima. Concordaram que ele salvou aos outros, mas concluem, blasfemando, que ele não pode salvar a si mesmo. Que ele prove sua alegação de ser o Messias, descendo da cruz, fato que os levaria a crer jubiloso nele. Estavam totalmente cegos, não entendendo que tal tentativa, se empreendida por Jesus, frustraria completamente toda a obra da redenção. A ele, porém, foi preciso sofrer até ao fim, caso quisesse fazer plena satisfação. Até os criminosos, os assassinos das outras cruzes, se uniram nas maldições levantadas contra Jesus, até que um deles foi levado ao arrependimento, influenciado que foi pela paciência do Senhor, Lc.23.40-43. As últimas horas de sofrimento: V.45) Desde a hora sexta até à hora nona houve trevas sobre toda a terra. 46) Por volta da hora nona, clamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lema sabactani, que quer dizer: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? 47) E alguns dos que ali estavam, ouvindo isto, diziam: Ele chama por Elias. 48) E logo um deles correu a buscar uma esponja, e, tendo-a embebido de vinagre e colocado na ponta de um caniço, deu-lhe a beber. 49) Os outros, porém, diziam: Deixa, vejamos se Elias vem salvá-lo. Era meio-dia e a hora mais luminosa do dia. Mas, repentinamente, os raios do sol foram apagados, não porque obstruídos pelo disco da lua porque era tempo de lua cheia quando um eclipse do sol é impossível (também não duraria três horas), mas por um milagre de Deus. Foi um fenômeno extraordinário associado, na maneira mais íntima e misteriosa, com a morte de Jesus. Conforme alguns relatos, estas trevas foram registradas, até, por historiadores seculares, juntamente com o terremoto que se seguiu. Estas trevas se estenderam por sobre todo o mundo, encerrando tudo nesta misteriosa escuridão, como na “escura sexta-feira santa (Good Friday) da história americana antiga. O Filho de Deus foi obrigado a experimentar e suportar, nestas três horas, a força total e todo o horror da ira divina sobre os pecados da humanidade. Aqui o Substituto da humanidade estava em prisão e juízo. Ser abandonado e rejeitado por Deus, esta é a tortura do inferno. Que humilhação profunda para o Filho de Deus foi este entrar nos abismos da morte e tormento eternos! Mas nós, pelo seu suportar dos tormentos do inferno, fomos libertos, pois ele, em meio a esta mais terrível paixão, permaneceu obediente a Deus e, assim, por nós venceu a ira, o inferno e a condenação. Quando ele proferiu em aramaico seu brado de dor e terror extremos, alguns dos circunstantes aproveitaram a ocasião para o debochar. Jesus havia citado as palavras do profeta, Sl.22.1, usando o dialeto que costumava falar. Eles, porém, deliberada ou tolamente, entenderam mal ou quiseram entendê-lo mal, julgando que ele chamasse pelo auxílio de Elias. E, enquanto um deles, após seu segundo brado por algo que mitigasse sua sede, teve suficiente sentimento de compaixão para levar aos seus lábios uma esponja cheia de vinagre, os demais, de modo zombeteiro, procuravam impedi-lo pedindo que esperasse até que visse se Elias realmente viria ajudar a Jesus. Toda esta insultante zombaria estava cumprindo a profecia do Antigo Testamento, Sl.69.22. Nenhuma das palavras do Senhor sobre a paixão do Salvador caiu por terra. A morte de Jesus: V. 50) E Jesus, clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito. 51) Eis que o véu do santuário se rasgou em duas partes, de alto a baixo: tremeu a terra, fenderam-se as rochas, 52) abriram-se os sepulcros e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram; 53) e, saindo dos sepulcros depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos. Cristo, em sua capacidade de Vicário e Mediador, como Substituto de toda a humanidade, já havia suportado as torturas eternas, a punição completa dos pecados de todo o mundo. Ele, enquanto a escuridão sóbria a terra, havia travado e vencido sua última e grande batalha. E assim seu último brado não foi o de uma alma que sucumbe na batalha desigual, mas o de um vencedor. Ele, entregou sua alma por sua própria e espontânea vontade e poder ao cuidado de seu Pai celeste. Ele entrou na morte como o seu conquistador. Mas isto foi como que um aviso às forças da natureza. A cortina imensa, cara e pesada que no templo separava o lugar santo do santíssimo, e que nunca era aberta, a não ser no grande dia da expiação para permitir que o sumo sacerdote trouxesse o sacrifício pelos pecados do povo à presença de Deus, foi rasgado em dois pedaços, do alto até em baixo. Isto aconteceu justamente na hora do sacrifício da tarde, e muitíssimo deve ter impressionado ao sacerdote que oficiava junto ao altar do incenso. Aqui Deus indicou que já não há mais nenhuma necessidade para esta cortina. O pecado, que anteriormente separava Deus e homem, havia sido removido pelo único e grande sacrifício do verdadeiro Sumo Sacerdote, e já não há mais necessidade de outros sacrifícios, Hb.9. Ao mesmo tempo, um terremoto abalou a cidade e a região, fazendo com que rochas se partissem e se abrissem muitos túmulos de santos, daqueles que haviam morrido na esperança no Messias, cavados em rocha. Estas pessoas, sendo seus corpos revivificados, deixaram suas sepulturas depois da ressurreição de Cristo e foram vistas por muitos habitantes da cidade de Jerusalém. Isto indicou que o reino cruel da morte já fora deposto, que é impossível para a morte deter os corpos daqueles que adormecem em Jesus. Os efeitos da morte de Cristo nos circunstantes: V. 54) O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto e tudo o que se passava, ficaram possuídos de grande temor, e disseram: Verdadeiramente este era Filho de Deus. 55) Estavam ali muitas mulheres, observando de longe: eram as que vinham seguindo a Jesus desde a Galiléia, para o servir; 56) entre elas estavam Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e de José, e a mulher de Zebedeu. O centurião e os soldados de seu pelotão, que haviam sido designados para vigiar a cruz, ficaram profundamente impressionados pelas evidências extraordinárias, ocorridas na natureza, que acompanharam a morte deste homem a quem eles e os demais haviam zombado. Grande temor lhes sobreveio, não de supertição, mas causado por influência sobrenatural. Sentiram que era Deus quem lhes falava nestes fenômenos. E o capitão expressou, não só a impressão mas a convicção de todos eles: Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus! Os acontecimentos daquele dia, juntamente com a noção de que os judeus estavam esperando um Messias que tinha atributos divinos, fato que cada pessoa inteligente que vivia na Judéia era obrigada a aprender ao longo do tempo, haviam aberto seus olhos e lhe dado esta compreensão que é necessária para a salvação. Nesta hora de provação também, como em tantas outras ocasiões, as mulheres se revelaram mais corajosas do que os homens. Não se aproximaram até aos pés da cruz, como o fez Maria a mãe de Jesus, mas, de alguma distância próxima, foram testemunhas de tudo quanto lá transpirava. Algumas dessas mulheres haviam deixado para trás posições de riqueza e influência, também deixado pronto e alegremente seus lares onde sua presença já não era mais requerida, e se devotado ao ministério de Cristo. Os nomes de umas poucas delas foram registrados, numa recordação dessa ocasião, a saber, Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e José, e Salomé a ma~e de Tiago e João, filhos de Zebedeu. É algo louvável, quando senhoras que têm a disponibilidade, a habilidade e os meios de servir ao Senhor, espontaneamente dão desses talentos e se colocam ao serviço de Cristo. O Sepultamento de Cristo, Mt.27.57-66. O sepultamento de Cristo: V. 57) Caindo a tarde, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, que era também discípulo de Jesus. 58) Este foi ter com Pilatos e lhe pediu o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lho fosse entregue. 59) E José, tomando o corpo, envolveu-o num pano limpo de linho, 60) e o depositou no seu túmulo novo, que fizera abrir na rocha; e, rolando uma grande pedra para a entrada do sepulcro, se retirou.61) Achavam-se ali, sentadas em frente da sepultura, Maria Madalena e a outra Maria. Na hora de provação e maior perigo, quando os escolhidos apóstolos do Senhor falharam em sua lealdade, alguns dos que lhe aderiam secretamente, se tornaram manifestos. Já era o começo do entardecer, conforme a contagem de tempo dos judeus, a hora imediatamente antes do pôr do sol, próximo das seis horas da tarde. Não era permitido que os corpos daqueles que haviam sido executados ficassem na cruz até o dia seguinte, que começava com o pôr do sol, Dt.21.22,23. Por isso José de Arimatéia ou RamataimZofim, um conselheiro rico dos judeus e membro do sinédrio, o qual não votara pela morte de Cristo, fez os preparos necessários para o sepultamento de seu Senhor. Pediu licença do governador para obter o corpo de Jesus. Depois disso, com o auxílio de Nicodemos, retirou o corpo do Senhor da cruz, Jo.19.39. Envolveu-o num lençol de linho, e então o depositou em seu próprio túmulo novo, que fizera cavar numa rocha em seu próprio jardim. Jesus, em sua morte, recebeu todas as honras que os judeus ricos esperavam para si. Isto foi muito mais do que ele esperava para si em sua vida, Is.53.12. Foi uma bela demonstração de veneração e afeto e nos ensina algumas lições. “Este é, pois, o fruto da morte do Senhor Jesus Cristo, que os corações fracos e mais temerosos se apresentam sem apreensão ou medo, confessam Cristo, sepultam seu corpo que pendera do alto em completa desonra, com todos os sinais de respeito para testificar aos judeus, aos principais sacerdotes, a Pilatos e a todos os inimigos de Cristo, que o consideram como o Filho de Deus e, desta forma, nele se gloriam, esperam em seu reino e estão cheios de conforto, mesmo agora que ele está morto e cada um tem a opinião que sua carreira está definitivamente acabada. Pois, é isto o que Marcos e Lucas pretendem, quando dizem que José esperava pelo reino de Deus, isto é, esperava que Deus por meio deste homem organizaria um novo reino sobre a terra, no qual os pecados seriam perdoados e concedidos o Espírito Santo e a eterna salvação. Pois, é isto o que o reino de Deus, na verdade, significa, e como ele é prometido nos profetas para ser organizado por Cristo ou pelo Messias. ... Também devíamos notar o exemplo de José, que dera instruções para que seu sepulcro fosse feito enquanto ele ainda vivia. Disto está claro que ele não esqueceu sua hora final, como as pessoas o fazem via de regra. Pois, todos fazem todas as disposições para esta vida terrena, como se ficássemos para sempre aqui. Mas os que temem a Deus, em vez disso, consideram toda sua vida aqui na terra como uma peregrinação, onde nada é permanente mas onde sempre precisamos olhar para frente para a pátria verdadeira. ... Foi assim que o piedoso José também o fez. Era um cidadão rico e respeitado de Jerusalém, mas seus pensamentos sempre estavam centrados nisso: Aqui nada é permanente, finalmente serás sepultado. É para isso que em seu jardim tem pronto um sepulcro. No mesmo lugar onde em outras ocasiões se distraía, lá ele tencionava olhar para frente para a feliz ressurreição com todos os santos, por meio do Senhor Jesus Cristo”45). Enquanto estes últimos rituais estavam sendo realizados para o amado Senhor, e uma pesada pedra era rolada diante da entrada do túmulo, duas das fiéis senhoras, Maria Madalena e a outra Maria, estavam sentadas no lado oposto do sepulcro, lamentando a perda de seu Senhor e amigo, mas observando com atenção tudo o que era feito. Vigiando contra o furto do corpo: V. 62) No dia seguinte, que é o dia depois da preparação, reuniram-se os principais sacerdotes e os fariseus e, dirigindo-se a Pilatos, 63) disseram-lhe:Senhor, lembramo-nos de que aquele embusteiro, enquanto vivia, disse: Depois de três dias ressuscitarei. 64) Ordena, pois, que o sepulcro seja guardado com segurança até ao terceiro dia, para não suceder que, vindo os discípulos, o roubem, e depois digam ao povo: Ressuscitou dos mortos; e será o último embuste pior do que o primeiro. 65) Disse-lhes Pilatos: Aí tendes uma escolta; ide e guarda o sepulcro como bem vos parecer. 66) Indo eles, montaram guarda ao sepulcro, selando a pedra e deixando ali a escolta. Não pode ser determinado, se foi devido a má consciência ou a um caráter vingativo, mas os chefes judeus, mesmo agora, não se deram por satisfeito. O dia da preparação findara com o pôr do sol, mas eles estiveram tão ansiosos 45 ) 210) Lutero, 13.499,505. sobre um assunto, a ponto de desconsiderarem as regras da grande festa. Jesus recém fora depositado no sepulcro, quando a delegação deles foi até Pilatos. Ocorrera-lhes que aquele sedutor lá (e apontaram desdenhosamente em direção da cruz), predisse que ressuscitaria no terceiro dia. O que agora queriam era uma maneira de guardar com segurança o túmulo, para que o corpo não pudesse ser furtado por discípulos fanáticos e então ser proclamada a sua ressurreição. Ocorrendo isso, julgavam eles, que o último engano que era a crença na ressurreição de Jesus, seria pior do primeiro, que foi a crença em sua messianidade. Pilatos, de um modo meio ríspido, como que estando intimamente desgostoso com todo este assunto, consentiu o pedido: Está aqui vossa guarda; estou certo que ela não é necessária; vigiai o túmulo como bem desejais! Fizeram isto tão bem quanto possível. Esticaram uma corda em cruz sobre a pedra, fixando-a em cada lado da entrada com cera em que foi impresso o selo do governador. Isto foi feito na presença dum observador delegado para isso, ficando por fim os soldados para guardar o sepulcro. Os judeus, sem sabê-lo ou em só intentá-lo, aqui prepararam o caminho para uma prova robusta em favor da ressurreição de Cristo. O testemunho dos próprios homens, escolhidos por eles, os soldados que eram totalmente neutros, seriam a forte evidência em favor do grande milagre da ressurreição. Resumo: Judas em falso remorso sobre sua traição de Cristo comete suicídio quando o Senhor é entregue a Pilatos, enquanto o próprio Jesus é julgado perante a côrte romana, vê Barrabás preferido a ele pela massa, e pela côrte condenado à morte de crucificação, ainda que nenhuma culpa é encontrada nele, sofre as dores da crucificação, morre na cruz e é sepultado por amigos. CAPITULO 28 A Ressurreição De Cristo Mt.28.1-15. O túmulo aberto, V. 1) No findar do sábado, ao entrar o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. 2) E eis que houve um grande terremoto; porque um anjo do Senhor desceu do céu, chegou-se, removeu a pedra e assentou-se sobre ela. 3) O seu aspecto era como um relâmpago, e a sua veste alva como a neve. 4) E os guardas tremeram espavoridos, e ficaram como se estivessem mortos. Assim como a morte de Cristo foi acompanhada de sinais sobrenaturais para despertar a atenção do mundo inteiro sobre a redenção que então estava sendo conseguida no Calvário, assim também sua ressurreição foi acompanhada por um alvoroço na natureza que indica para um acontecimento muito especial. Nas últimas horas do sábado, no sétimo dia da semana, quando este já estava para se fundir numa nova semana sabática, isto é, muito cedo na manhã de domingo, antes do raiar do sol, as mesmas mulheres fiéis, que haviam observado o sepultamento do Senhor, saíram para ver o túmulo e para tomar os primeiros passos no processo para embalsamar o corpo do Senhor. Ainda não haviam alcançado o jardim, quando um forte abalo fez a terra tremer, causando pelo fato que um anjo descera do céu e removeu a pedra da entrada do túmulo, a qual então usou como seu assento. Ele não viera para abrir a sepultura para Cristo, mas para mostrar ao mundo todo a sepultura vazia, para dar evidência total e inegável do fato que a ressurreição já acontecera, apesar da pedra, do selo e da guarda. Diz o evangelista que a aparência do anjo era semelhante ao raio, e suas vestes brancas como a neve. Foi uma aparição terrível para os supersticiosos soldados, quando precisaram encarar a um dos santos anjos de Deus. Ela os dominou. Caíram desmaiados e se tornaram como mortos. Quando Deus quer executar a sua vontade com vistas à salvação da humanidade, então, nenhum homem pecador e nenhum inimigo podem resistir-lhe. A ressurreição de Jesus foi o selo e a prova final em favor da plena propiciação alcançada para o mundo inteiro, e são inúteis todos os esforços dos judeus e de Satanás para impedi-la. A mensagem do anjo: V.5) Mas o anjo, dirigindo-se às mulheres, disse: Não temais: porque sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. 6) Ele não está aqui: ressuscitou, como havia dito. Vinde ver onde ele jazia. 7) Ide, pois, depressa, e dizei aos seus discípulos que ele ressuscitou dos mortos, e vai adiante de vós para a Galiléia; ali o vereis. É como vos digo! 8) E, retirando-se elas apressadamente do sepulcro, tomadas de medo e grande alegria, correra a anunciá-lo aos discípulos. Durante os primeiros momentos da manhã, certo número de anjos veio ao sepulcro para participar da santa alegria da ressurreição de Cristo, como o narram os vários relatos evangélicos. Aqui, contudo, só este um é mencionado, como o porta-voz junto às duas mulheres que ficaram, pois Maria Madalena, vendo o túmulo vazio, retornara para a cidade. A mensagem foi a que caracteriza toda pregação do evangelho, uma admoestação para que não temam. Bem o mesmo que dissera o arauto do Natal aos discípulos. A mensagem do evangelho é assim, que precisa banir do coração qualquer terror de pecado e morte, e enchê-lo de santa alegria no Senhor. Jesus, de fato, fora crucificado, mas elas já não mais o deviam procurar entre os mortos. Pois ele ressuscitou, como lhes havia dito, tantas vezes, e como deviam ter sabido das profecias do Antigo Testamento. O lugar onde o Senhor fora deitado estava diante delas, mas seu corpo fora liberto das algemas da morte que ele subjugara. Não deviam demorar-se aqui, mas partir já com a gloriosa notícia pra os discípulos, recordando-os também da promessa do Senhor de precedê-los para a Galiléia, capítulo 26.32. Enquanto a aparência do mensageiro, do santo anjo de Deus, as encheu de temor, sua mensagem da ressurreição de seu Senhor e Mestre as encheu do maior deleite. De modo precipitado deixaram a sepultura, e correram para levar as boas novas aos discípulos. “Que o anjo está tão preocupado no anúncio da ressurreição de Cristo aos discípulos, que neste momento estavam prostrados com falta de fé e má consciência, é uma indicação certa que o Senhor Jesus Cristo ressuscitou por causa e para confortar aqueles de pequena fé, sim, para aqueles sem fé, para que obtivessem o benefício da sua obra, e achassem amparo e refúgio com ele. ... Que Cristo vive, ele o vive em nosso benefício, para que nós sempre sejamos defendidos por ele e protegidos contra qualquer desgraça”46). A aparição de Jesus: V. 9) E eis que Jesus veio ao encontro delas, e disse: Salve! E elas, aproximando-se, abraçaram-lhe os pés, e o adoraram. 10) Então Jesus lhes disse: Não temais. Ide avisar a meus irmãos que se dirijam à Galiléia, e lá me verão. Esta, sem dúvida, foi a primeira aparição do Cristo ressuscitado. Quando elas iam apressadas em direção à cidade, provavelmente antes de terem saído do jardim, Jesus veio ao seu encontro, com a maravilhosa saudação: A todas, salve! Rejubilai! No reino do ressuscitado Senhor há tão somente alegria e paz e eterna felicidade. As mulheres, reconhecendo-o, expressando toda sua alegria e adoração, prostraram-se aos seus pés. Ao mesmo tempo, esta plenitude de Cristo e a emoção moveram-as a se agarrarem a ele, como se temessem perdê-lo de novo. Por isso Jesus, mais uma vez, as acalma. Daqui para diante e nem jamais devia haver medo em seus corações, mas, tão somente, o desejo de levar a alegre notícia aos apóstolos, aos quais, aqui, chama carinhosamente de irmãos. Todos estes estavam agora mais próximos dele, do em qualquer tempo anterior. Apesar da fuga deles, ele soube que sua fé não se apagara para sempre, mas que só fora envolvida pelo medo. Esta mensagem foi planejada como uma notícia animadora e consoladora, para renovar a fé, a esperança e a confiança em seus corações. Da mesma forma, todos os fiéis em Cristo e em sua ressurreição são agora irmãos e irmãs de Cristo no sentido mais pleno e melhor do termo. Pois eles, na fé por meio da fé, se tornaram participantes de todos os frutos gloriosos da ressurreição de Cristo. Foi assim que foram colocados por Deus Pai no mesmo nível com seu próprio Filho Jesus Cristo, sendo co-herdeiros com ele da eterna alegria e bendição. O relatório dos guardas: V.11) E, indo elas, eis que alguns da guarda foram à cidade e contaram aos principais sacerdotes tudo o que sucedera. 12) Reunindo-se ele em conselho com os anciãos, deram grande soma de dinheiro aos soldados, 13) recomendando-lhes que dissessem: 46 ) 211) Lutero, 13.520,521. Vieram de noite os discípulos dele e o roubaram, enquanto dormíamos. 14) Caso isto chegue ao conhecimento do governador, nós o persuadimos, e vos poremos em segurança. 15) Eles, recebendo o dinheiro, fizeram como estavam instruídos. Esta versão divulgou-se entre os judeus até ao dia de hoje. Enquanto tudo isto acontecia, e enquanto as mulheres, com suas notícias tão alegres, corriam para a cidade, os soldados da guarda, aos poucos, acordaram do pasmo em que haviam sido atirados. O estrago, está claro, estava feito, e eles precisam aproveitá-lo da melhor maneira, visto ser impossível negar o fato. Alguns deles foram enviados para prestar relatório dos acontecimentos da manhã aos principais sacerdotes, que eram os responsáveis por sua presença junto ao sepulcro. O assunto foi suficientemente grave para exigir uma reunião do sinédrio para achar maneiras e meios que fossem prevenir algum estrago a eles e à sua causa. Finalmente foi resolvido subornar os soldados, dando-lhes uma soma considerável de dinheiro. Não estavam muito preocupados com a quantia, por isso deram com liberalidade, pois a mentira que, segundo queriam, os soldados sempre repetissem, com certeza era a própria essência da tolice. Deviam contar por toda parte, que os discípulos de Cristo vieram de noite, mas que eles viram eles viram os ladrões e reconheceram que eram os discípulos. Aos soldados, porém, é muito mais importante a promessa que os membros do conselho haviam sido forçados a dar, a saber, que garantissem apoiálos para explicar o assunto, caso o governador descobrisse o caso algum dia: eles iriam responder por sua segurança. Pois, um soldado romano ser encontrado dormindo em seu posto era tudo, menos o que se tolerava a um deles. E foi assim que o relato ridículo se espalhou entre os judeus e entre eles se tornou um boato comum, para salvar as aparências, como eles, credulamente, esperavam. A Grande Ordem Missionária, Mt.28.16-20. V.16) Seguiram os onze discípulos para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes designara. 17) E, quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. 18) Jesus, aproximando-se, faloulhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. 19) Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; 20) ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século. Jesus havia indicado a seus discípulos um certo monte na Galiléia, onde os encontraria depois de sua ressurreição. Mas não sabemos nem o tempo e nem a localização do monte deste encontro. Fora sua ordem expressa que lá se reunissem, e, depois de terem recebido a confirmação desta palavra por meio da mensagem das mulheres na manhã da páscoa, foram cumprir a ordem. Lá, quando lhes apareceu, alguns deles se prostraram em pronta adoração perante ele, mas outros ainda estavam com dúvidas. Não conseguiam crer o fato de sua ressurreição e nem que era realmente seu Senhor aquele que aqui lhes apareceu. Jesus, por isso, chegou-se mais parto deles para que pudessem reconhecer mais exatamente seus traços. Ele, contudo, fez depender o resultado de sua presença, principalmente, sobre sua palavra. O discurso de Jesus é majestoso, ainda que todo seu proceder foi amigável e tencionava afastar todas e quaisquer apreensões havidas entre eles. Seu comissionamento final é um trecho maravilhoso de solene oratória. Assim como está perante eles, em seu corpo espiritual, verdadeiro homem como sempre o fora em seu viver terreno, porém não mais em humildade e fraqueza, é-lhe dado todo o poder no céu e na terra. Ele é o onipotente Deus que têm autoridade ilimitada. E, porque isto é verdade, por isso eles, ao saírem e realizarem a obra de sua missão apostólica, deviam fazer discípulos de todas as nações. A terra toda devia ser sua área de ação. E este fazer discípulos devia ser feito atravez de dois meios da graça. Primeiro há o meio de fazer discípulos batizando em nome do Deus trino, o Pai, o Filho e o Espírito Santo: Em nome, com o confessar do nome que resume todo o credo cristão. O segundo meio de fazer discípulos é ensiná-los a observar de perto todas as coisas que Jesus confiou a seus discípulos, a expor-lhes o conselho de Deus para sua salvação. Nenhuma vontade ou opinião humana, mas a Palavra do Evangelho, a Palavra inspirada de Deus, e nada mais e nada menos, deve ser o conteúdo de toda e qualquer pregação na igreja de Jesus Cristo. Sendo seu comissionamento realizado desta forma, então sua promessa permanecerá firme, de que ele ficará conosco todos os dias até o fim dos tempos. Quando este tempo chegar ao fim, quando ele próprio introduzirá o novo tempo com o alvorecer do seu dia do juízo, então o trabalho da igreja terá chegado ao fim. Resumo: Jesus ressurge dos mortos em meio ao tremor de terra, o anjo mostra às mulheres o túmulo vazio e lhes pede levar a notícia aos discípulos. Cristo, aparecendo às mesmas mulheres, confirma a mensagem, enquanto os principais sacerdotes e anciãos tomam os passos necessários para espalhar mentiras sobre a ressurreição. Finalmente Cristo aparece corporalmente a seus discípulos sobre um monte na Galiléia e lhes dá a grande ordem missionária. O BASTISMO DE CRIANÇAS Em vista do fato que os direitos das crianças, tanto os alegados como os reais, estão sendo, mais e mais, discutidos em convenções de mestres, de mães, de associações de bairro, federações de clubes de mulheres e em incontáveis outras organizações, quase parece um anacronismo ouvir o questionamento sobre o batismo infantil que, de tempos em tempos, ecoa com grande ênfase e aspereza. Antes de tudo, há a ordem expressa de Cisto com referência às crianças. “Fazei discípulos de todas as nações”, Mt.28.19, e que ele cita, não sem razão muito apropriada, como primeiro método o batismo. Há sua ordem de batizar as crianças, porque elas formam, certamente, boa parte das nações. Caso for feita a objeção, que crianças não são citadas especificamente, podemos perguntar: Senhoras são especificamente mencionadas? Será que, no tempo quando as mulheres eram consideradas utensílios ou escravas, elas deviam ser colocadas em igualdade com os homens da nação, presumivelmente os representantes da nação? O apóstolo Paulo diz, Cl.2.11: “Fostes circu8ncidados, não por intermédio de mãos”. E no versículo 12 ele explica isto: “Sepultados juntamente com ele no batismo”. Mas, se o batismo deve ocupar o lugar da circuncisão numa analogia tão íntima, segue que ele deve ser administrado também às crianças. Pedro, em seu grande sermão de pentecostes, afirmou à multidão: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado. ... Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos,” At.2.38,39. É mais uma ordem expressa para incluir as crianças nas bênçãos do batismo. Há, ainda, o fato que crianças podem crer e de fato crêem, que é uma razão premente para que sejam batizadas. Cristo diz: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. ... Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes pequeninos que crêem em mim”, Mt.18.3,6. Não pode haver palavra mais clara do que esta, que Cristo as considera como crentes nele, mas sem fé nele seria-lhes impossível entrar no reino do céu. E mais uma vez diz ele: !Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele”, Mc.10.14,15. A língua humana, dificilmente, pode ser tornada mais clara. Há, ao lado disso, os fatos da história escriturística em apoio do Batismo de crianças. Seria um ultrage ao entendimento geral do termo, se a palavra “família”, At. 16.15, ou a expressão: “foi ele batizado, e todos os seus”, At.16.33, cf. versículos 32 e 34, excluíssem as crianças. Há, finalmente, os fatos da história da igreja antiga, que apresenta o batismo de crianças como um costume que sempre foi praticado nas congregações. Houve, claro, uma diferença: Os convertidos, quando já adultos, só então recebiam o batismo, e visto ser este o caso na maioria dos lugares de missão, segue que o batismo de adultos era o que mais prevalecia nos primeiros séculos, e não o de crianças. Mas, parece que desde o princípio, era costume batizar os filhos de pais cristãos. Bastarão alguns exemplos para mostrar esta verdade. Irineu, bispo de Lion, no segundo século, afirma que bebês e pequeninos, garotos e jovens, e pessoas idosas eram batizados. Origines, que viveu um pouco mais tarde, escreve que a igreja havia recebido dos apóstolos a tradição de administrar o batismo aos bebês. Da mesma forma, um concílio realizado na cidade de Cartago, 252 AD, declarou que a nenhum ser humano, desde o seu nascimento, fosse negado o batismo. Esta resposta foi dada com referência à pergunta, se crianças podiam ser batizadas já antes do –ou no – oitavo dia. A objeção de Tertuliano ao batismo infantil, no fim do segundo século, mostra que o costume era universal. Gregório de Nazianzo, no quarto século, exigia que as criancinhas fossem batizadas, especialmente quando estavam em perigo de não permanecerem vivas. Nossas crianças pertencem a Cristo, e é a ele que as trazemos no batismo.47 Canoas, Pentecostes, 2003. - ED 47 ) 212) Cf. Syn.Ber.Mittl.Distr., 1910, Lehre und Wehre, 1909, fev.: 1910, set.