Um filme de casamento Por Roger Monteiro Baseado em fatos
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Um filme de casamento Por Roger Monteiro Baseado em fatos
Um filme de casamento Por Roger Monteiro Baseado em fatos fictícios. Estrelando, Camil Rosa e Leandro Lefa. Primeiro tratamento Junho de 2016 [email protected] FADE IN CENA 1. EXTERNA. DIA. UMA RUA EM FRENTE A UM CAFÉ. Parados em frente a um café, como se recém saídos dele, estão a EX-NAMORADA e o RAPAZ, frente a frente, ambos meio sem jeito. RAPAZ - Tem alguma coisa que eu possa fazer para você mudar de ideia? EX-NAMORADA - Não. Eu já decidi. RAPAZ - Mas... EX-NAMORADA (o interrompendo) - Não torna as coisas mais difíceis. Você vai ficar bem. Ela dá as costas e sai andando, resoluta, sem olhar para trás. O RAPAZ permanece parado no mesmo lugar, a acompanhando com os olhos, até que ela some na próxima esquina. Ele suspira, dá meia volta e começa a se afastar, para o lado oposto. Ao passar por uma pequena viela, uma mão o puxa para dentro, com alguma violência. TÍTULO: UM FILME DE CASAMENTO CENA 2. EXTERNA. DIA. UMA VIELA. O RAPAZ é jogado com força contra a parede do beco. Em seguida, uma mão lhe tapa a boca, o impedindo de gritar, enquanto o cano de uma arma é encostado no seu rosto. A agressora é uma GAROTA. Ela veste um estranho vestido de noiva, um tanto curto e desengonçado. Os cabelos coloridos estão presos por um véu que parte do topo da cabeça. Ela usa meias arrastão com alguns rasgos e botas militares. GAROTA - Shhh... Como quem quer se certificar de que o outro não vai gritar, ela recolhe a mão, lentamente. O RAPAZ apenas olha para ela, sem entender nada. GAROTA - Como é o teu nome? RAPAZ - Oswaldo. A GAROTA lhe dá um tapa no rosto. Ele reclama. (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 2. GAROTA (irritada) - Que porra de nome é Oswaldo? Não... Oswaldo, não. Agora teu nome é Leandro. Tá? Ele faz que sim, titubeante, com a cabeça. GAROTA - Como é o teu nome? RAPAZ - Leandro? GAROTA (sorrindo, inclinando a cabeça, meiga) - Isso. RAPAZ - O que é que você vai fazer comigo? GAROTA - Você acha que eu tenho cara de palhaça, Leandro? RAPAZ - Ahn... Não? GAROTA - Pois é. Porque eu não sou palhaça. Eu não sou palhaça de ninguém. Ele achou que eu não ia descobrir. (sorrindo, arreglando os olhos) Mas eu descobri. Ele achou que ta-tranquilo-ta-favorável-123 era uma grande senha, aquele filho da puta. Sabe o que tinha no celular dele, Leandro? Sabe? RAPAZ - Ahn... não... GAROTA - O Tinder. Ele tava no Tinder, Leandro. Cheio de coraçãozinhos. (gritando) Cheio de coraçãozinho de vagabunda do Tinder. Sabe o que eu fiz? Sabe o que eu fiz, Leandro? RAPAZ (receoso) - Matou ele? (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 3. GAROTA - Eu peguei aquela porra daquele celular e joguei na privada. Na privada. Foi Tinder, foi coraçãozinho, foi vagabunda, foi tudo pra dentro da privada. E sabe o que eu fiz depois? RAPAZ (ainda receoso) - Matou ele? GAROTA - Eu olhei bem na cara dele, assim, ó. (faz aquele gesto com os dedos abertos em v apontando para os olhos dela e depois para o olhos do RAPAZ) Olhei bem na cara dele e disse: Eu vou sair por aquela porta, seu filho duma puta, e vou me casar com o primeiro idiota que cruzar o meu caminho. E adivinha, Leandro? RAPAZ - O que? GAROTA - O idiota foi tu. Agora vamos embora. (puxando ele pela mão para fora do beco, ainda segurando a arma, firme, com a outra mão) Vamos que a gente está atrasado. RAPAZ - Espera! Pra onde você está me levando. Socorro! GAROTA (dando com o cano da arma na cabeça dele) - Fica quieto. A gente tem que te transformar num noivo. CENA 3. INTERNA. DIA. UMA BOITE DE STRIP. Estamos em um ambiente escuro e meio fumacento. Em um pequeno palco, uma STRIPPER, com alguma fantasia sexy, faz o seu show para uma plateia que se resume a um BÊBADO, que está apagado, com metade do corpo sobre a beirada do palco. A porta se abre, deixando escapar um pouco da luz do dia para dentro do lugar. A GAROTA entra arrastando o RAPAZ pela mão. Ela olha em volta, como para se certificar de que o lugar é apropriado. Ainda com o RAPAZ em uma das mãos e a arma na outra, ela se aproxima do palco. (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 4. RAPAZ - O que a gente veio fazer aqui? GAROTA - Cala a boca. Ela cutuca o BÊBADO com o cano da arma, sob um olhar indiferente da STRIPPER, que parece já ter visto coisas piores. GAROTA - Ô... Ô... Acorda! O BÊBADO levanta a cabeça. BÊBADO (olhando a GAROTA) - Você não é a minha mulher. GAROTA - Não, não sou. Eu sou a mulher dele. (aponta para o RAPAZ). Ou vou ser, daqui a pouco. Ele é meu noivo. BÊBADO (para o RAPAZ) - Parabéns. GAROTA - Isso aqui é uma despedida de solteiro e agora você é o melhor amigo dele. BÊBADO - O que é que eu tenho que fazer? GAROTA - Nada. Só ficar aí e fingir que está se divertindo. BÊBADO (fingindo entusiasmo) - Êeee... (ele cai de novo sobre o palco. GAROTA (virando para o RAPAZ) - Me dá a tua carteira. RAPAZ - Pra quê? GAROTA (batendo com o cano da arma na cabeça dele) - Anda logo! (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 5. O RAPAZ tira a carteira do bolso e a entrega para a GAROTA. Ela tira uma nota de cinquenta e devolve para ele. GAROTA (...cont.) - Põe na calcinha dela. RAPAZ - Eu não vou botar cinquenta paus na calcinha dela. Tá maluca? GAROTA - Não tem menos. RAPAZ - Desculpa, mas hoje cedo eu não sabia que uma doida varrida ia me arrastar para uma boate de strip e me obrigar a colocar dinheiro na calcinha de uma puta. STRIPPER - Hey! RAPAZ - Desculpa... dançarina. GAROTA (apontando a arma) - Deixa de ser muquirana. Ela está fazendo um ótimo trabalho ali em cima. STRIPPER - Você acha mesmo? Obrigada. Adorei o vestido. GAROTA (meiga, sorridente, íntima) - A tua fantasia também é demais! Vem cá, abaixa aqui. (para o RAPAZ) Vai, bota o dinheiro na calcinha dela. Relutante, o RAPAZ se aproxima e coloca a nota de cinquenta na calcinha da STRIPPER, que agradece dando uma reboladinha. A GAROTA comemora com um gritinho. GAROTA (...cont.) - Iei! Isso foi bem divertido. Agora chega, diz adeus pro teu amigo e vamos embora. RAPAZ - Adeus. O BÊBADO levanta um braço, sem jeito, acena e balbucia alguma coisa enquanto os dois caminham para a porta. 6. CENA 4. INTERNA. DIA. UMA LOJA DE ROUPAS MASCULINAS. Um ambiente bastante formal, onde se vendem ternos e outros trajes masculinos. Em um canto da loja, ou na vitrine, um manequim tem uma cartola no estilo steampunk na cabeça, compondo a decoração do ambiente. Um cliente está saindo pela porta, carregando algumas sacolas da loja, quando entram a GAROTA e o RAPAZ. Ela esbarra no cliente e lhe mostra a língua. O VENDEDOR, um sujeito com fleuma britânica, vestido em um paletó com reforço de camurça nos ombros, muito ao gosto inglês, se aproxima dos dois. A GAROTA aponta a arma para o rosto dele. GAROTA - Oi. Esse aqui é o meu noivo. Ele precisa de uma roupa bem bonita para o nosso casamento. VENDEDOR (impassível, como se fosse a situação mais normal do mundo) - Certamente, senhorita. Tenho certeza de que podemos dispor de um traje que venha a ser do agrado do cavalheiro. Montagem do RAPAZ saindo e entrando do provador, experimentando vários trajes que o deixam bem alinhado mas que são, sistematicamente, recusados pela GAROTA. A montagem termina com um modelo que lhe cai meio mal, que lhe dá o aspecto de um vagabundo do cinema dos anos vinte. A expressão dele é péssima. O VENDEDOR reage ao traje balançando negativamente a cabeça, com cara de nojo, até perceber que a GAROTA está encantada, ao que ele muda o movimento de cabeça para o de afirmação, com um sorriso meio amarelo. VENDEDOR (...cont.) - Excelente escolha, senhorita. GAROTA (entregando a carteira para o RAPAZ) - Pague o homem. RAPAZ - Mas todo o dinheiro que eu tinha eram aqueles cinquenta paus que você me fez colocar na calcinha da stripper. O vendedor acompanha esse diálogo entre o interesado e o intrigado. (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 7. GAROTA - Você não tem cartão de crédito? RAPAZ - Tenho, mas só uso em caso de emergências. GAROTA (apontando a arma para ele) - E isso aqui parece o que, para você, querido? Resignado, o RAPAZ entrega um cartão para o VENDEDOR. Antes que o outro pegue o cartão, o RAPAZ o coloca de volta na carteira e tira um segundo cartão. RAPAZ - Coloca nesse aqui. Tem milhas em dobro. A GAROTA revira os olhos imapaciente enquanto o VENDEDOR efetua a operação. VENDEDOR - O cavalheiro deseja que embrulhe? GAROTA - Não, não... ele vai vestindo. Os dois se dirigem para a porta da loja quando a GAROTA enxerga a cartola steampunk no manequim. GAROTA (...cont.) - E a cartola. Nós vamos querer a cartola. Um noivo não é um noivo sem uma cartola. VENDEDOR - Infelizmente é uma peça de decoração, senhorita... (ela aponta a arma) ... que nós ficaríamos encantados em oferecer como um presente. GAROTA (meiga e feliz) - Jura? Jura jurandinho? (ela corre, pega a cartola e a enfia, meio torta, na cabeça do RAPAZ) Ficou lindo! (para o VENDEDOR) Eu vou indicar essa loja para todas as minhas amigas. VENDEDOR - Não, não... Não se incomode, senhorita. Obrigado pela (MAIS...) (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 8. VENDEDOR (...cont.) preferência e voltem sempre... eu acho. Eles saem. Ainda se tem tempo de ouvir um comentário da GAROTA. GAROTA - Agora sim, você está com cara de noivo. CENA 5. INTERNA. DIA. UMA CASA DE COMPRA E VENDA DE OURO. A GAROTA chuta a porta do estabelecimento e entra resoluta, ainda arrastando o RAPAZ pela mão. O DONO DA LOJA, percebendo o movimento brusco, se apressa em tirar uma espingarda velha de baixo do balcão e faz menção de atirar na GAROTA, ao que o RAPAZ se apressa, segura arma pelo cano, fazendo com que ele aponte para cima. O tiro derruba alguns fragmentos do forro da loja. Ele consegue tomar a arma do homem e a descarrega. A GAROTA proveita a distração para bater com o cano da arma na cabeça do DONO DA LOJA, que pragueja de dor. DONO DA LOJA - Isso machuca, sua cadela filha da puta. RAPAZ - Hey! Não fala com ela desse jeito! A GAROTA vira a cabeça rápido e olha para o RAPAZ, admirada. RAPAZ (...cont.) (se justificando) - Quer dizer... ela tem uma arma. DONO DA LOJA - O que vocês querem aqui? A GAROTA faz um gesto ostensivo mostrando o vestido de noiva com cara de impaciente. GAROTA - Dã... O que você acha? Alianças. DONO DA LOJA (colocando um mostruário de aneis sobre o balcão) - Peguem o que quiserem e dêem o fora da minha loja. (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 9. GAROTA (olhando o mostruário) - O que você acha dessas? Será que servem? O DONO DA LOJA aproveita a distração dos dois e corre para os fundos. A GAROTA atira duas vezes na direção dele, sem jeito, e erra. Ele consegue se trancar em um escritório, de onde o ouvimos ligando para a polícia. RAPAZ - Eu acho melhor a gente ir embora daqui. GAROTA - Não me apressa! São as nossas alianças. RAPAZ - Ele está chamando a polícia. GAROTA - Tá bom. Pega todas. A gente escolhe no caminho. RAPAZ - Caminho para onde? GAROTA - Para a igreja, ora. CENA 6. EXTERNA. DIA. UMA RUA. A GAROTA já não puxa o RAPAZ pela mão com tanta força, eles andam praticamente no mesmo ritmo. Ela se livra do mostruário das alianças em uma lata de lixo. Eles vão se aproximando de uma igreja. Em frente à construção está uma pequena barraca que vende flores e velas. Ao passar por ela, a GAROTA pega algumas das flores, lírios brancos, e improvisa um bouquet. FLORISTA - Hey, você tem que pagar por isso. GAROTA (sem olhar para trás) - Vai se catar! O FLORISTA fica xingando enquanto os dois começam a subir a escadaria da igreja, onde parece estar havendo uma missa. GAROTA (...cont.) - Não fica nervoso. Já vai acabar. 10. CENA 7. INTERNA. DIA. UMA IGREJA. A GAROTA e o RAPAZ entram na igreja caminhando resolutos, sob o olhar curioso dos fiéis. Percebendo o movimento o PADRE interpela o casal. PADRE - Mas o que é isso? Vocês não tem respeito pela Santa Missa? A GAROTA dá dois tiros para cima, assustando as pessoas. GAROTA - Não é missa, padre. É casamento. Ela começa a cantarolar um papapapá histérico, na melodia da marcha nupcial, até os dois chegarem ao altar. Ela aponta a arma para o PADRE. GAROTA (...cont.) (sorrindo) - Casa a gente? PADRE - Isso e um ultraje! GAROTA (quase encostando a arma na cara do PADRE, mas ainda sorrindo) - Casa a gente, por favor? O PADRE capitula. PADRE - Irmãos. Estamos aqui reunidos para unir no sagrado matrimônio... GAROTA (sacudindo a arma) - Não, não, PADRE... Vai direto pra parte do sim. O PADRE pigarreia. PADRE - Muito bem... (sussurrando) Qual é o seu nome, filha? GAROTA - Camila. Não, Camil. Não, não, Camila, mesmo. É. (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 11. PADRE - Camila, é de livre e espontânea vontade que você aceita esse homem como seu legítimo esposo, para amá-lo e respeitá-lo em todos os dias da sua vida, até que a morte os separe? GAROTA (estremecendo, meio esganiçada) - Sim. (ela coloca a aliança no dedo do RAPAZ) PADRE (sussurando para o RAPAZ) - Qual o seu nome, meu filho? RAPAZ - Oswaldo. A GAROTA bate três vezes com o bouquet na cabeça do rapaz, que tenta se defender com os braços. RAPAZ (...cont.) (quase gritando) - Leandro! Leandro! Meu nome é Leandro! PADRE - Leandro, é de livre e espontânea vontade que você aceita essa mulher como sua legítima esposa, para amá-la e respeitá-la em todos os dias da sua vida, até que a morte os separe? Lá fora, o som de sirenes vai se aproximando. RAPAZ - Ahn... A GAROTA olha para ele com cara feia e aponta a arma. RAPAZ (...cont.) - Sim. Sim. (ele coloca a aliança no dedo da GAROTA) PADRE - Mesmo? Policiais armados vão entrando na igreja e se aproximando, sorrateiros, do altar. (CONTINUA...) ...CONTINUANDO: 12. PADRE - Pelos poderes a mim concedidos, em nome de Deus, eu vos declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva. Eletrizada, a GAROTA larga a arma e o bouquet e se pendura no pescoço do RAPAZ, o beijando alucinadamente. Os policiais aproveitam esse movimento para segurá-la e desgrudá-la do abraço. Eles a vão arrastando pelo corredor da igreja. Ela esperneia, chora, desesperada com olhar suplicante na direção do RAPAZ. Meio que por instinto ele corre na direção dela, derruba os policias, os fazendo cair sobre os fiéis, toma a GAROTA pela mão e a puxa, correndo para trás do altar e, depois, para a sacristia. Um dos policiais tenta perseguí-los, mas o PADRE coloca sua perna no meio do caminho para que ele tropece, ganhando algum tempo para os noivos. PADRE - O que Deus uniu, que o homem não separe. CENA 8. EXTERNA. DIA. ATRÁS DA IGREJA Os noivos irrompem por uma porta que dá para a rua. O RAPAZ a escora com uma viga de madeira, de modo a fazer com que seja impossível abrí-la por dentro. Estacionado no pátio está o carro do PADRE, com as portas destrancadas e a chave na ignição. Eles entram no carro, olham um para o outro e se beijam outra vez. O RAPAZ faz menção de ligar o carro, mas desiste, como se houvesse esquecido de alguma coisa importante. Começam a se ouvir ruídos da porta da igreja sendo forçada por dentro. O RAPAZ sai do carro e corre até uma pilha de lixo. Pelo movimento da cabeça da GAROTA podemos perceber que ele pega alguma coisa e desaparece trás do carro. A GAROTA vai abrindo um sorriso enorme. A porta da igreja está quase cedendo. O RAPAZ volta para dento do carro, dá a partida, e arranca. Os policiais conseguem abrir a porta a tempo de ver o carro indo embora, com algumas latas amarradas no parachoque traseiro e as palavras RECÉM CASADOS pintadas no vidro traseiro, com algum tipo de tinta. TELA PRETA CRÉDITO FINAIS 13. V.O. SOBRE OS CRÉDITOS RAPAZ - E agora? Onde nós vamos passar a lua de mel? GAROTA - Eu sempre quis conhecer a Finlândia. RAPAZ - Finlândia? GAROTA - É. Porque rima com Disneylândia, mas sem aqueles ratos e aqueles patos sem graça. RAPAZ - Eu gosto do pato. GAROTA - Não gosta não, Leandro. Não gosta, não. FIM