O segredo de Pérgamo
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O segredo de Pérgamo
0 O SEGREDO DE PÉRGAMO O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 1 CARTA AO LEITOR Caro leitor, você está recebendo uma cópia gratuita de uma de nossas obras. Pedimos a gentileza de, após a leitura, caso reconheça o valor artístico-literário da mesma, contribua com nosso trabalho, adquirindo um exemplar no endereço eletrônico abaixo. Solicitamos ainda que recomende e encaminhe uma cópia desse livro eletrônico aos integrantes do seu círculo social, ajudando no processo de divulgação da nossa arte literária. Sugestões e críticas, fale diretamente conosco, através do e-mail [email protected]. http://clubedeautores.com.br/authors/72273 ________________________________________________________________________________________________ Leitão, Ket Jeffson Vasconcelos. O segredo de Pérgamo, 2ª edição – Lince Publicações: Natal, 2013. – 235p. _________________________________________________________________________________________________ Todos os direitos reservados a Ket Jeffson Vasconcelos Leitão. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 2 Agradecimento especial à Editora da Universidade da Universidade da Paraíba (EDUEPB) por ter aprovado a primeira edição desta obra (2008), em seu programa de incentivo editorial. Nasci formalmente como escritor a partir da oportunidade dada por essa valorosa casa publicadora. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 3 "Há muita coisa mais no céu e na terra, Horácio, do que sonha a nossa pobre filosofia.”. Diálogo extraído de “A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca”, obra de Willian Shakespeare. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 4 ? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO I Superintendência de Polícia Federal, Seção de Corregedoria, Goiânia-GO, 17h50min, 24 de novembro de 2006. Joseph Sherman, com brilho de alegria em seus olhos, está à mesa de seu gabinete contemplando uma passagem aérea: 5 – Mais dez minutos e entrarei de férias! Só mais dez minutinhos e estarei rumo a Fernando de Noronha! Belas paisagens, belas viajantes, verão e surf! Depois de dois anos consecutivos trabalhando sem parar nessa burocracia maçante, férias! Dois meses inteiros de F-É-R-I-A-S! – soletra. Cantarolando, ele beija e guarda sua passagem com delicadeza. Na sequência, termina de preencher os últimos papéis e de cumprir os últimos expedientes burocráticos; arruma cuidadosamente seus pertences sobre a mesa, organiza alguns documentos e tranca as gavetas. Depois, pega alguns rascunhos que iriam para o lixo e os picota. Estando tudo concluído para sua celebração de alforria, ele olha atentamente para o relógio central da sua sala: são exatas 17h59min. Mantendo um largo e forçoso sorriso, com os braços junto ao corpo e seus punhos fechados, cheios com o papel que havia picado, ele aguarda a hora da comemoração e de jogar seu confete improvisado para o alto. Uma contagem regressiva é iniciada, acompanhando o ponteiro do relógio central de sua Seção. Faltam dez segundos para dezoito horas: – Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois... – fala ele, num balançado vagaroso do corpo a cada número dito. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Corregedor? Carta do Departamento de Recursos Humanos para o senhor! – interrompe-o um jovem cheio de espinhas no rosto, mascando chicletes, com fones nos ouvidos e com um sorriso mostrando o aparelho ortodôntico: Gabriel (ele era o estagiário que entregava as comunicações internas da repartição). – Carta para mim? – questiona Joseph, colocando o papel picado sobre sua mesa e tirando um dos fones do ouvido do rapaz. O tom de irritação pela interrupção da liturgia de sua “celebração” é evidente. – Por obséquio, assine aqui – responde Gabriel, mantendo o sorriso e mostrando uma prancheta de protocolo junto à caneta. Joseph com uma das sobrancelhas levantadas, num ar de contrariedade e desconfiança frente à indiferença do funcionário ao seu estado irritadiço, assina o protocolo; o estagiário, imune à má vontade do corregedor, faz uma bola com o chiclete que mascava. Joseph conclui a assinatura protocolar e devolve a prancheta ao estagiário, que o agradece e se retira. – Ah, já sei! Quem sabe não é uma mensagem de boas férias? Só pode ser uma mensagem de boas férias! – imagina Joseph. Ele deixa de lado sua contrariedade e desconfiança, abre o envelope e começa a ler a carta. À medida que a lê, seu semblante vai ficando com um aspecto raivoso, até que, numa explosão de indignação, toma seu confete improvisado, que estava sobre a mesa, joga-o no cesto de lixo e se dirige, furioso, à sala do seu superior, o Superintendente da Polícia Federal de Goiás, delegado Horácio Mendes: – Chefe, que brincadeira sem graça! Interrupção de férias?! São dois anos que trabalho dedicadamente e sem férias nessa fábrica de processos estúpidos e O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 6 melindrosos que é a Corregedoria, o senhor não pode fazer isso comigo! Tenho dois períodos de férias acumuladas para gozar! A lei proíbe de que eu acumule mais de dois períodos – lamuria-se, com a carta nas mãos. – Desculpe-me, Joseph, mas não pude comentar nada com você antes. – Isso é ilegal, não podem me deixar mais de três anos sem férias! – Não, Joseph! Não é ilegal! Suas férias não foram canceladas, foram interrompidas. Você gozou ainda uns vinte segundos de férias antes de vir até minha sala – diz Horácio, balançando uma caneta e fazendo ar arrogante. – Muito engraçado, Horácio! A minha função já foi cumprida, há alguns colegas que eu treinei há dois meses para que eles apurarem os processos administrativos da Superintendência. Por que querem interromper minhas férias? É só colocar um deles para suprir meu cargo, a título de substituição, enquanto eu estiver ausente. – Além da interrupção de suas férias, é preciso te dizer mais algumas coisas: uma das pessoas que você treinou vai te substituir definitivamente, você foi destituído de sua função na Corregedoria para ser relocado em outro tipo de trabalho, surgiu uma oportunidade em outra função. – Outra função? Devo entender como promoção? Quem sabe, indicação a uma função comissionada de maior importância? – pergunta Joseph, transformando seu semblante raivoso em semblante esperançoso. – Não! Tire as cifras dos seus olhos e mate sua sede de poder com uma água bem gelada! – diz, apontando para um refrigerador que há na sala. Sente-se – complementa Horácio, apontando para cadeira com a caneta que balançava. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 7 Joseph permanece em pé, numa rebeldia que beira à infantilidade. – Recebi uma ordem de Brasília, que por expressa determinação do Ministro da Justiça, você será enviado a um trabalho especial. Sua Interrupção de férias é justificável e totalmente legal – esclarece-lhe, Horácio. – Trabalho especial? Que brincadeira é essa? – questiona Joseph, 8 inconsolado. – Não é brincadeira, é uma ordem superior na qual não tenho nenhuma ingerência. Querem reintegrar você no trabalho de campo, você está sendo desperdiçado como um burocrata. – Sei! – exclama Joseph, ironizando. – Você é um excelente delegado e não tem o mínimo perfil para corregedoria, em três anos tudo que você fez foi verdadeiros contorcionismos jurídicos e salvou muitos de seus colegas de punições! – complementa Horácio. – Há três anos que dou o melhor de mim aqui para livrar os colegas desse sistema que tenta nos amarrar. Isso não é justo! Eu agora sou um burocrata, um burocrata que está de férias e que daqui a dois dias estará em Fernando de Noronha, tendo meus merecidos dois meses de férias – argumenta Joseph. – F-ÉR-I-A-S! – soletra com voz enfática e fazendo o desenho das letras no ar. – Desculpe-me, mas você já está convocado e é a pessoa com o perfil idôneo. É uma missão integrada com estrangeiros, coisa de primeira! Parece haver relação entre os homicídios de um casal de gringos numa cidade de nosso estado, Alto Paraíso de Goiás, e alguns desaparecimentos que estão intrigando as autoridades norte-americanas. Eles querem ajuda de um especialista brasileiro em O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO homicídios para colaborar. Você é o homem: foi, aos 21 anos, Delegado da Divisão de Homicídios da Polícia Civil daqui de Goiânia, isso durante 10 anos, fala inglês fluentemente e solucionou vários casos emblemáticos! – Pessoas morrendo e desaparecendo? Excelente! O senhor sabia que todos os dias milhares de pessoas desaparecem? Essas pessoas podem estar querendo passear ou estão infelizes na vida conjugal ou estão decepcionadas com o capitalismo e saíram de casa, mas devem voltar... Horácio bate na mesa e exclama, interrompendo abruptamente a fala de Joseph: – A coisa é séria: as pessoas somem e são encontradas mortas! Esses crimes estão mobilizando todas as agências americanas: CIA, FBI e NSA! Eles querem nossa colaboração, pois há relação direta entre os homicídios de lá e o que houve aqui! É uma oportunidade de ouro para melhorar a imagem de nossa Instituição frente às autoridades internacionais! Estamos consolidados em nosso marketing interno, podemos fazê-lo em âmbito internacional! – Ótimo! Isso é trabalho para polícia americana, para polícia civil, para uma consultoria de marketing e não para mim! Não faço parte de uma divisão de repressão a homicídios nem sou publicitário, sou um homem perito em transgressões funcionais! Além do mais, não somos cachorros para esses gringos estalarem os dedos e colaborarmos cegamente, abanando nossos rabinhos para eles – reluta, sem ceder aos argumentos do superior. – Não é tão simples. – Por que não? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 9 – Fizeram um pedido de colaboração formal ao nosso país, o Ministro da Justiça decidiu indicar um membro da Polícia Federal e o Diretor-Geral acabou decidindo, pelo currículo, que o colaborador será você! Você vai assumir a investigação do homicídio do casal de gringos. As autoridades internacionais, em especial as norte-americanas, estão pressionando nosso Governo e querem a solução do caso rapidamente – fala imperativamente Horácio, com o indicador apontado para Joseph. Joseph, com ar de desdém, balança a cabeça e retruca: – Então que invadam o Irã, Coréia do Norte, ou qualquer outro país que possa ser considerado do “eixo do mal” para encontrar o assassino, desde que não interrompam minhas férias nas praias em Fernando de Noronha. Além do mais, o homicídio deve ser investigado pelas autoridades estaduais e não por mim. – Olhe aqui, filho, vai ser bom para você. Quem sabe, com alguma sorte, não arruma uma namorada e esquece Rebeca? – diz Horácio, em tom conciliador. – Ah, que coisa interessante! O senhor interrompe minhas férias e agora banca o psicanalista falando de minha ex-namorada, tudo que eu precisava era ouvir isso. Onde está o divã? – responde Joseph, abrindo os braços e olhando para os lados como se estivesse procurando algo. – Bem, eu vou ser bem claro: Lei 10.446! Pela repercussão, o Ministro determinou a apuração do homicídio pelo nosso Departamento; além, é claro, da total colaboração com as autoridades norte-americanas que vão acompanhar a investigação ou os eventuais observadores internacionais credenciados. Avocamos o caso da Polícia Civil de Goiás, ele agora é federal, mas do que isso, ele é O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 10 internacional. Portanto, vou considerar um “não” à convocação como insubordinação grave e vou abrir uma sindicância junto à Corregedoria-Geral. Uma S-I-N-D-I-C-Â-N-C-I-A – soletra Horácio, fazendo o desenho das letras no ar. – O senhor não pode fazer isso, Horácio! – Joseph, lembre-se que quando perdemos o agente Jorge naquela operação coordenada por você em Pernambuco e que você quase ficava insano, à beira de desistir da carreira de delegado, fui eu quem sustentou você aqui. Tenha consideração por mim! As ordens superiores são expressas, você não pode negálas. Joseph silencia. – Esses três anos na corregedoria já serviram para que você se reabilitasse e colocasse essa cabecinha quente no lugar; você sabe que não nasceu para burocracia, pois é desorganizado, irônico, insubordinado e não gosta de punir seus colegas! – Eu acho que com todos os seus elogios a mim vou acabar mudando de ideia! – ironiza, balançando a cabeça e com expressão de raiva em seu semblante. – Filho, é um trabalho fácil, vão te colocar para esclarecer o duplo homicídio e, talvez, eventualmente, viajar para os EUA. Não deve ter nada com muita ação; será um trabalho como outro qualquer como você estava acostumado a fazer na Divisão de Homicídios da Polícia Civil. Não posso mais te sustentar aqui na burocracia, fugiu do meu poder de controle! Joseph respira fundo, com ar resignado. – Olhe só: muitos se matariam para ter uma oportunidade dessas que você O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 11 está tendo. Encare como uma chance de recomeçar, você não teve culpa de Jorge ter morrido na mão daqueles traficantes – fala Horácio, colocando a mão sobre o ombro de Joseph e tentando persuadi-lo. Joseph baixa a cabeça olhando para o chão e, desarmando-se da resistência, pergunta em tom tristonho: 12 – Tudo bem! Onde assino e quando viajo? Horácio muda a feição, abre um grande sorriso e tira uma pasta de uma de suas gavetas: – Assine aqui e tome as passagens. Você deve ir primeiro para Brasília. Tome também as credenciais, o crédito das diárias estará na sua conta amanhã. Haverá um membro da Embaixada Norte-Americana à sua espera no Ministério da Justiça, eis o cartão dele. Boa viagem! De lá você receberá uma viatura para seguir até Alto Paraíso de Goiás, para dar início às investigações. – Brown? Só isso o nome do gringo da embaixada? – É! – Ótimo! Vou cancelar minhas férias e deixar de ver lindas mulheres para me encontrar com o “Senhor Marrom”! – Vejo que seu humor voltou! – Mas essas passagens são de ônibus? – murmura Joseph, ao atentar melhor nos bilhetes que recebera. – Esqueceu? Elas são de ônibus, pois de avião só para deslocamentos acima de setecentos quilômetros! – Tudo fica mais perfeito a cada instante! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Joseph? Ele olha para Horácio. – Feche a porta ao sair, certo? Ah, esqueça Rebeca, arrumando uma linda namorada americana! Uma hot girl de preferência – provoca-o Horácio. Joseph suspira de raiva, fecha a porta com violência e vai embora gritando 13 dentro da repartição: – Alguém quer comprar passagens para Fernando de Noronha? Mais tarde, já no seu apartamento, Joseph está diante do telefone e com semblante exprimindo dúvida. Com a mão ao lado do aparelho, ele levanta e abaixa o dedo indicador de forma frenética, enquanto pensa em usá-lo ou não. Depois de muita indecisão, ele tira o fone da base e, titubeando, liga para alguém. Uma voz feminina, risonha e simpática atende: – Alô? Quem fala? Joseph fica calado. – Alô? Joseph permanece calado. – Joseph? É você? Joseph, fechando um dos olhos e entortando a boca, como se estivesse com vergonha de ser descoberto, responde desconcertado: – Rebeca? Sou eu sim! Como sabia? – Joseph, eu já te disse que não temos nada para conversar! – Desculpe-me! É que eu estou indo para Brasília. Estou sendo reintegrado ao trabalho de campo e queria compartilhar isso com você. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Joseph, você não pode me revelar seu trabalho de campo! É uma regra da instituição, ainda mais por telefone! – repreende-o, num tom áspero. – Mas, Rebeca, você é minha colega de trabalho e minha namorada, quer dizer... – Joseph, nós não temos mais nada! Não queria te magoar, mas... 14 – Mas o quê? – É que... – O quê? Diga-me, Rebeca! – Eu dei continuidade à minha vida e estou com outra pessoa. – Como? – Há cinco meses que acabamos, tenha maturidade e aceite as coisas como elas são! – Não exagere: são apenas quatro meses e dezenove dias! E o vigésimo dia só terá passado às 23h35min de hoje – diz, virando o braço para olhar o relógio em seu pulso. – Joseph... – Eu não merecia isso; você não tem consideração pelos onze anos de relacionamento que tivemos... Perdi minhas férias e agora isso! O que podia piorar? Rebeca silencia. – Quem é seu novo namorado, posso saber? – É... – É? – Diego! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Diego Pacheco? O idiota instrutor do Curso Avançado de Narcóticos? O perito efeminado? – Sim! Mas ele não é efeminado! – Rebeca, aquele cara é um estúpido! – Você não é meu proprietário e você não conhece Diego. Ele é uma pessoa maravilhosa, um servidor dedicado e ambicioso, muito diferente de você, que é um desleixado. Eu estou feliz... – Tudo bem, “senhorita Caça-Promoções”! Poupe-me dos detalhes mais sórdidos dessa união espúria entre ambiciosos! – E a viagem? Quando você vai? Por que voltou ao trabalho de campo? – indaga Rebeca, ignorando o insulto dele e buscando tirar do foco da conversa o seu novo namorado. – Esqueça, pois não posso falar de trabalho com estranhos! – Joseph, não seja grosseiro! – Mas foi você quem disse “você não pode me revelar suas missões de campo” – diz Joseph, ridicularizando a voz e remedando Rebeca. – Joseph, sempre infantil... – Tchau, Rebeca! – Você precisa encontrar uma pessoa que te faça feliz e ser um pouco mais dedicado e ambicioso, para não terminar sua carreira como um delegado medíocre... – Ótimo! Psicanalista Parte II: “Joseph volta ao divã”. – O quê? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 15 – Nada! Eu errei em te ligar, tchau! – Tchau, seu mal-educado, grosso e... Joseph, sem deixar Rebeca concluir os insultos, desliga o aparelho e, irado, joga o telefone na parede. – Cretina! Com aquele cretino! Eles se merecem! 16 O telefone toca, apesar de danificado. – Alô? – fala Joseph, pegando o que restou do aparelho danificado. – Seu estúpido! – diz Rebeca, desligando depois. Joseph joga novamente os restos do telefone na parede, e remeda Rebeca de forma ridicularizada: – “Seu mal-educado, grosso, estúpido”. Cretina! Ele coloca as mãos na cabeça arrumando o cabelo, recompondo-se. Depois, dirige-se até outro cômodo da casa, serve-se de uma dose de uísque e, no primeiro gole, cospe e murmura consigo mesmo: – Esqueci que essa porcaria é só uma decoração em minha casa! É coisa para caso apareça alguma visita. Joseph vai à cozinha, joga na pia o resto do uísque do copo e, irado, decide derramar todo o conteúdo da garrafa. – Corregedor nunca recebe visitas mesmo! – murmura ele, ao derramar todo o uísque. Depois disso, ele joga a garrafa no lixo, abre a geladeira e tira um refrigerante. Volta à sala da casa e pega uma foto de seus pais. Senta-se no sofá com a foto em uma das mãos e a lata de refrigerante na outra: O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Sinto falta de vocês, muita falta mesmo! – sussurra Joseph, olhando fixamente para a imagem dos pais e com os olhos cheios de água. Ele passa as mãos nos olhos, larga a foto e vai deitar-se, murmurando e remedando as palavras ditas por Rebeca: – “Estou muito feliz”; “Diego é uma pessoa ambiciosa e maravilhosa”; “Nhá, nhá, nhá, nhá”. Traidora! Dediquei onze anos de minha vida a uma pilantra oportunista dessas! Joseph adormece. Por volta das sete da manhã o despertador toca num alarido altíssimo. Joseph, extremamente irritado, levanta-se, joga o relógio violentamente contra a parede, depois volta a se deitar, fechando os olhos e abrindo um sorriso: – Ao menos uma vantagem em sair da burocracia: dormir até tarde! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 17 CAPÍTULO II Estação Rodoviária de Goiânia-GO, 27 de novembro de 2006. Joseph, muito entediado, mas impaciente, e já dentro de um ônibus com destino a Brasília, aguarda a entrada dos demais passageiros. Sua impaciência faz com que balance uma das pernas de forma frenética enquanto observa a fila de viajantes se acomodando lentamente. Ele estava sentado à janela, num dos conjuntos de poltronas do veículo. Ao ver, em meio a uma dezena de passageiros, um casal com uma criança se aproximando de sua poltrona, Joseph para repentinamente de balançar a perna, fixa o olhar e, levando sua mão à testa, pensa consigo: – Aqui não! Aqui não! Criança aqui não! Eu odeio crianças! O casal com a criança continua se aproximando até que para no conjunto de poltronas ao lado do assento de Joseph. A mãe da criança coloca o menino sentado ao lado de Joseph e toma, junto com seu marido, outros dois assentos de outro conjunto de poltronas ao lado. – Eu joguei pedra na Cruz, só pode ser isso! Não bastava ter que viajar de ônibus, para melhorar, um fedelho senta do meu lado! – murmura. – Boa tarde! – cumprimenta-lhe a mulher, de forma simpática. – Boa tarde! – responde Joseph, de forma fingida, com um discreto e forçado sorriso. – Criança bonita! Qual o nome dele? – pergunta, de forma igualmente fingida, colocando a mão na cabeça da criança. A criança saca uma arma que esguicha água, dispara em direção ao rosto de O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 18 Joseph, molhando-o e dizendo: – Não pergunte meu nome! Eu sou um agente secreto; posso te matar com minha pistola laser! – Ezequiel, meu filho, pare com isso! – repreende-o sua mãe, desconcertada com a travessura de seu filho. – Tudo bem! – responde Joseph, tentando minimizar o incidente e com a mão enxugando o rosto. – Mamãe! Não diga meu nome a estranhos! Ele pode ser um espião! – retruca a criança, revoltada. – Ezequiel! – diz sua mãe, olhando com reprovação para ele. – Tudo bem, Ezequiel, digo, agente secreto. Eu não vou revelar para ninguém sua identidade secreta – diz Joseph, querendo dirimir a situação. – Muito bem, seu cara de sapo! Se você falar qualquer coisa, eu arranco seu nariz e jogo para “Zamir 0356” comer! – fala-lhe a criança, num ar imperativo e ameaçador, com o dedo indicador em riste, apontado para o rosto de Joseph. – Zamir? – pergunta Joseph, sem entender direito e olhando para o dedo da criança. – Zamir é o nosso gatinho – responde a mãe da criança. – Que bonitinho! – responde Joseph, com falsidade e com outro sorriso forçoso. – Mamãe, não revele informações do Agente 0356 para estranhos! Ele é um agente alienígena e não um “gatinho”! – retruca a criança em tom de voz desolado e olhando para mulher. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 19 – Além de mal-educado esse fedelho parece que é meio retardado – pensa Joseph, olhando desconfiado para a criança. – Ezequiel, cale-se e me dê este brinquedo estúpido; vou colocá-lo na minha bolsa e só vou te devolver quando chegarmos – diz a mãe da criança, após perder a paciência com os devaneios do garoto. Todos se calam. Instantes depois, o ônibus inicia a viagem. Após alguns minutos de percurso, Joseph adormece. De repente, ele acorda com uma pancada em seu rosto. Ele desperta assustado e, quando olha para o lado, vê que a mulher e o homem, pais da criança, estão dormindo e roncando. Olha para o lado e vê que o garoto está com uma revista em quadrinhos enrolada em forma cilíndrica numa das mãos. Joseph conclui que a pancada que levou foi com a revista, pois o garoto está com feição perversa no rosto, ostentando um sorriso sarcástico. Joseph força as pálpebras, fechando um pouco os olhos e fixando o olhar em direção à criança, demonstrando um ar de profunda indignação. Depois, recompõe-se e pensa consigo: – Vingança é um prato que se come frio! Esse fedelho vai ver uma coisa... O pensamento de Joseph é interrompido pela funcionária da empresa de ônibus, vendendo lanches: – Alguma bebida ou petisco, senhor? – Eu quero um refrigerante de laranja! Logo, sua cara de vaca! – solicita a criança à funcionária, que fica chocada com a falta de educação do menino. Joseph dá uma pequena tapa na nuca da criança, estilo “pedala Robinho” e o repreende: – Menino mau! Ela não falou com você! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 20 A funcionária, satisfeita com a atitude de Joseph, leva às mãos à boca para prender o riso; já Ezequiel, com olhar de choro, fita Joseph e alisa a nuca para reduzir a dor da pancada. – Peça o refrigerante com educação! – complementa Joseph. A criança fica calada, entortando a boca e cruzando os braços. Joseph mostra a mão em sinal de ameaça. A criança olha para o lado e vê seu pai e sua mãe dormindo profundamente, pelo que, temerosa, fala baixo: – Eu quero um refrigerante de laranja. – Peça usando a palavrinha mágica: por favor! – insiste Joseph com os olhos arregalados em direção ao menino. – Por favor! – diz a criança, ainda temerosa e olhando para a mãe em sono profundo. – Bom menino! – agradece-lhe Joseph, dando tapinhas carinhosas na cabeça da criança. A funcionária fornece o refrigerante à criança, que a paga com moedas que tinha nos bolsos. Instantes depois, Joseph volta a dormir. A viagem continua normalmente até que, num dado momento, o sono de Joseph é nova e subitamente interrompido. Ele acorda com água no rosto. Quando olha para o lado, vê novamente a criança com aspecto maquiavélico. Olha para mãe da criança e vê que está dormindo, e que a bolsa da mulher está aberta. Ele levanta a mão em direção ao menino, mas a criança grita: – Mamãe! A mãe acorda assustada. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 21 – O que aconteceu, meu filho? – O cara de sapo quer me dar um “pedala Robinho”! – grita o menino, apontando para Joseph. Joseph rapidamente finge que está dormindo. A mãe do menino olha para Joseph e o vê de olhos fechados, então, volta-se para o menino e o repreende: – Ezequiel! Vá dormir um pouco, meu filho! Pare de fantasiar coisas. Ela vira seu rosto para o outro lado e volta a dormir. Joseph abre novamente os olhos e repete uma feição iracunda fixando o olhar em direção à criança. O menino leva a mão à boca rindo e fazendo caretas para Joseph. A viagem transcorre normalmente até que, bem próximo ao destino final, estando todos acordados, Joseph, propositalmente, começa a tentar conhecer melhor os pais da criança. – Indo a Brasília a passeio? – pergunta Joseph. – Não! Eu moro lá. Na verdade moro numa das cidades-satélite – retruca a mulher. – Interessante! O que a senhora faz? – Sou advogada. – E o senhor? – pergunta Joseph ao pai da criança, que ainda tentava cochilar. – Sou funcionário da Câmara dos Deputados. Joseph pensa um pouco e, matreiramente, lança uma pergunta: – Eu estou precisando de um advogado. Qual a especialidade da senhora? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 22 – Eu trabalho com causas de família. – Bingo! Eu estou me separando, por isso estou indo morar em Brasília, preciso justamente de um advogado desses. A senhora tem um cartão? – Claro! Pode me ligar! Eu faço uma análise preliminar do caso sem cobrar nada – responde a mulher, tirando um cartão para Joseph. Joseph, tomando o cartão nas mãos, lê o nome da mulher e vê um endereço, mas percebe que só há dados do escritório. – Elizabeth, não é? Elizabeth, eu sempre tive problemas com advogados, pois nunca os encontrava no escritório quando precisava. A senhora se importaria de colocar o telefone de sua casa aqui. – Claro! Minha política é que o cliente deve ser atendido quando, como e onde quiser! Joseph expressa um sorriso maquiavélico, novamente arregalando os olhos para o menino. – Que bom! Muito bom mesmo! – Conte-me algo do seu caso. – Ah, Elizabeth, foi algo horrível... Ela me deixou por um palhaço! – mente Joseph, fazendo ar dramático e simulando um início de choro. – Que triste... – Mas não quero falar disso agora. Procurarei seu escritório ou residência num momento oportuno! – complementa Joseph, desfazendo-se subitamente do ar de choro simulado, voltando a apresentar um sorriso maquiavélico e olhando com uma expressão ameaçadora para a criança. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 23 – Certo! Nós falaremos sobre seu caso numa oportunidade apropriada! Perdoe-me – considera Elizabeth, crédula em relação às mentiras de Joseph. – Dê-me licença, preciso ir ao banheiro. Você pode cuidar de Ezequiel para mim? – indaga a mulher a Joseph, pois seu marido voltara a dormir enquanto conversavam. – Claro! – responde Joseph, num ritmo de voz lento e entonação revelando malícia. A criança fica assustada e, com semblante demonstrando muito medo, olha para Joseph: – Se me bater, digo tudo à minha mamãe! – ameaça, querendo criar uma defesa. – Bater? Você vai receber algo melhor: uma visita do bicho-papão! – diz, às gargalhadas, Joseph. – Bicho-papão não existe, seu cara de sapo! – retruca. – É o que veremos! A criança fica perplexa, sem entender o que significava aquilo. Alguns minutos depois, o ônibus chega ao destino. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 24 CAPÍTULO III Estação Rodoviária de Brasília-DF, 10h30min. Joseph, depois da longa viagem, desembarca muito mal-humorado, passa através das roletas da rodoviária e segue rapidamente até a praça de táxi. Apressado, sem ser muito seletivo na escolha, entra no primeiro táxi que vê estacionado. Ao entrar no carro, ele se surpreende a observar que no interior do veículo há vários penduricalhos e adesivos de Bob Marley e alusivos a folhas de maconha. Há um reggae sendo executado no aparelho de som. O motorista, com visual tão estilizado quanto o do carro (cabelo rastafári e óculos escuros), virandose, de forma simpática – com um largo sorriso – cumprimenta Joseph: – Guten morgen! Buon Giorno! Bonjour! Buenos dias! Bom dia... – Não precisa falar em outras línguas, eu falo sua língua – corta, rispidamente, antes que o motorista concluísse o cumprimento matinal em outras línguas. – E aí irmão? Bem vindo a “Transportes Kingston”! Para onde posso levá-lo? – Vamos até o Ministério da Justiça – determina, de forma seca, Joseph. – Boa, chefia! Acionando as turbinas! – complementa o motorista, ligando o carro e dando uma grande gargalhada. – Será que em cada lugar que eu for vou encontrar uma figura? – imagina Joseph, esfregando a testa e com ar de irritação. – E aí irmão? Veio pra Brasília atrás de quê? Trabalho, turismo ou garotas? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 25 – pergunta o motorista, olhando para trás, tirando os óculos escuros de forma maliciosa e piscando o olho. – Trabalho – responde Joseph, sem a mínima animação. – Você parece ser do Oriente – concluí o taxista, ao observar melhor a fisionomia de Joseph. Ele era descendente de israelenses, tinha feições bem características de pessoas do Oriente Médio e por isso seu sobrenome era Sherman. – Sou sim. – Puxa vida, meu irmão! Temos que nos unir, pois somos minoria e não podemos deixar que esses brancos nos massacrem! Nós negros e irmãos do Oriente precisamos nos unir! – diz o motorista, tentando agradar. – Mas você não é negro, é mestiço puxado mais para branco do que afrobrasileiro! – retruca Joseph. – Olha aqui, meu irmão, ser negro é um estado de espírito! Além do mais, preciso me declarar negro para poder ter uma vaga no sistema de cotas da faculdade. – Tudo que precisava era um falso “Malcon X” à brasileira, versão taxista, movido à maconha e fraudador de programas de cotas universitárias – imagina Joseph, meneando sua cabeça. – Irmão, de que país você é? Você é da Palestina, Iraque ou Arábia? – Palestina não é, ainda, um país! Mas sou descendente de pessoas daquela região sim, perto da Palestina – ironiza. – Sei, sei. Como você é da Palestina, também deve achar que aqueles O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 26 israelenses são uns assassinos! Se pudesse dava um chute no traseiro de cada um deles! – fala o motorista, gesticulando com uma das mãos, ainda buscando agradar, mas sem perceber que havia cometido uma grande gafe. – Você é muito corajoso, não tem medo de ser inimigo de Israel? – indaga Joseph, em tom ameaçador, após ouvir a gafe que o motorista cometera. – Liberdade à Palestina! A qualquer preço! – grita o motorista, levantando sua mão, pois queria bajular Joseph, por imaginar que ele era palestino ou árabe. – Ai, meu Deus! – murmura Joseph, impaciente. – Qual a parada que você vai fazer lá no Ministério? – Sou empresário e vim acompanhar uma licitação – mente Joseph. – Puxa vida, meu irmão, legal! – É – responde Joseph, monossilabicamente. – Olha aqui, meu irmão, vejo que você é um cara descolado! Mas você parece estar um pouco tenso. Você precisa provar das maravilhas do DF! Posso te oferecer um desses? – questiona-o o motorista, mostrando um baseado de maconha que tirara do bolso da camisa. – Não, obrigado! – Tudo bem, irmão! Mas se quiser é só falar comigo! – Certo. – Sabe de uma coisa, meu irmão! Você é muito sério! Você é casado? – Não. – Separado? – Não. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 27 – Tem filhos? – Não. – Tem namorada? – Não. – Está “ficando” com alguém? 28 – Não. – É virgem? – pergunta o motorista, rindo. Joseph fica calado. O motorista percebe que a piada não agradou e tenta consertar: – Olha aqui, meu irmão, admiro a castidade dos muçulmanos. – Os muçulmanos não são castos, eles podem ter mais de uma esposa! Até quatro! – retruca Joseph, indignado com a ignorância do motorista. – Legal, meu chapa! Mas o cartão de crédito deve ir para o espaço; quatro mulheres para gastá-lo! – tenta descontrair a conversa com mais uma piada. Joseph fica novamente calado. O motorista fica novamente desconcertado com a seriedade de Joseph frente às suas piadas. – Irmão! Esse papo de casamento não está te agradando... Você não é... Assim... Você sabe... Você não é gay? É? Joseph pensa um pouco e responde, colocando a mão no ombro do motorista e brincando: – Sabe, minha preferência é por afro-brasileiros “do Paraguai”! – Que nada, meu irmão! Qual é? Não curto esse tipo parada não... Meu lance é outro – diz o motorista, tirando subitamente a mão de Joseph de seu ombro. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Te peguei! – fala Joseph, rindo e apontando o dedo para ele. O motorista raciocina e percebe a brincadeira. – Você me pegou mesmo, cara! Por um instante achei que estava falando com a “rainha do deserto” versão palestina – diz, rindo. – Perdoe-me a indelicadeza, “irmão”, mas ninguém nunca te disse que você fala demais? – pergunta Joseph, tornando a apresentar um semblante sério. – Puxa vida, cara! Todo mundo me fala isso, mas eu ainda não entendi o porquê! – Deve ser coincidência! – ironiza Joseph. – Pois é. – Eu acho que quem fala menos tem mais chance de ficar vivo. O homem, às vezes, morre pelo seu muito falar – diz Joseph, dando uma tapinha nas costas do motorista, em tom sinistro e ameaçador. – Sei – fala-lhe, muitíssimo desconfiado, o motorista. Eles permanecem calados até a chegada ao Ministério. – Chegamos! Esplanada dos Ministérios, Ministério da Justiça! Onde moram os juízes! – Os juízes fazem parte do Poder Judiciário; esse é um prédio do Poder Executivo, não tem nada a ver com juízes! – repreende-o, Joseph, novamente irritado com sua ignorância. – Puxa! Tu tens cuca fresca, mano, tremendo sabichão! – Eu não fumo Cannabis, por isso minha memória é boa, ou melhor, tenho a “cuca fresca”. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 29 – Como? – Nada! Quanto eu te devo? – São cento e cinquenta pratas! – Cento e cinquenta reais? Isso é um assalto! Seu ladrão e patife de uma figa... – Calma, meu irmão! Fica na calma! Se não ficar calmo e me pagar, eu faço um escândalo e digo aos berros que você estava me confidenciando que veio receber um dinheiro sujo! Está na moda esse tipo de denúncia! Até você se explicar, vai ter passado umas duas semanas dando entrevistas à galera da televisão e tua licitação vai para o espaço! – insinua, de forma cínica, o motorista do táxi. – Seu patife! – Cento e cinquenta pratas, em notas de cinquenta, de preferência! – ironiza o taxista. Joseph, para evitar problemas e não prejudicar seu trabalho, que tinha cunho confidencial, retira o dinheiro da carteira e paga ao motorista: – Tomara que você morra de tanto fumar maconha, seu toxicômano maldito! – amaldiçoa-lhe Joseph. – Quem disse que eu fumo? Eu só vendo o bagulho, irmão! – retruca o motorista, contando o dinheiro e rindo. Joseph sai do carro iracundo. – “Ozama”, foi um prazer transportá-lo! A Empresa “Transportes Kingston” agradece pela preferência! Tenha um bom dia! Guten morgen! Buon giorno! Bonjour! Buenos dias, “Hasta la vista, otário”. Vou pegar outro almofadinha para extorquir! – O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 30 fala o motorista, acenando e indo embora. – Mais um para minha lista negra! – murmura Joseph, anotando a placa do carro. Joseph termina a anotação, pega sua bagagem, mas fica olhando para o táxi enquanto anda e acaba esbarrando numa mulher. Ambos caem. – Perdoe-me! – desculpa-se a mulher, com um levíssimo sotaque estrangeiro, desconcertada e fixando o olhar em Joseph, como se estivesse reconhecendo ele de algum lugar. – Não, eu que peço desculpas! – considera Joseph, envergonhado e apanhando suas coisas e as da mulher. – Veio a Brasília a trabalho ou turismo? – pergunta a mulher, enquanto aguarda Joseph terminar de juntar suas coisas. – Por quê? – indaga Joseph, desconfiado. – Nada. Só curiosidade. – Olha aqui, vou te contar uma coisa: hoje já encontrei com muita gente maluca. Você acredita que um taxista me cobrou cento e cinquenta reais para me trazer da rodoviária até aqui? – Sei. – Eu ainda não acredito que interromperam minhas férias para me mandar para cá. Meus chefes são malucos! Os taxistas são malucos! A mulher abre sua bolsa, tira uma ficha e, discretamente, verifica algumas fotos. Eram fotos de Joseph, anexas a arquivos funcionais dele. – Mas me diga o que veio fazer aqui? – insiste a mulher de forma cínica, O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 31 após confirmar que a pessoa das fotos em sua ficha era Joseph. – Eu? Ah, eu sou empresário. Vim verificar o andamento de algumas licitações com meu novo sócio que ainda não conheço pessoalmente. Provavelmente deve ser um cara gordo, chato e fedido, não vai ser difícil encontrálo, deve ser um norte-americano obeso típico – responde Joseph, olhando para os lados como se estivesse procurando alguém, imaginando que assim como descrevera o “sócio” seria a pessoa da Embaixada Norte-Americana que viria encontrá-lo em Brasília. – Sr. Joseph Sherman? – pergunta a mulher. – Como? – indaga Joseph, sem entender direito como a mulher sabia seu nome. – Sou Senhorita Brown! Luna Brown. – Como? – pergunta Joseph, desconcertado. – Espero não ter frustrado suas expectativas de encontrar “um cara gordo, chato e fedido”. Eu tomei um bom banho antes de sair para Embaixada hoje! – Não, não... Assim, você é linda, Brown... Digo, tem tudo no lugar e não é gorda, quero dizer, com todo respeito... E seu perfume é ótimo... Assim... Luna cruza os braços, olha para Joseph balançando a cabeça em sinal afirmativo e, com um discreto sorriso, levanta as sobrancelhas. – Olha! Desculpe-me, estou meio aéreo, tive uma viagem longa e difícil. Mal cheguei e já consegui dois inimigos, talvez três se você for uma pessoa rancorosa! – relata-lhe, de forma atrapalhada, Joseph. – Inimigos? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 32 – É! O cara do táxi e o fedelho do ônibus que disparou água em meu rosto com uma pistola de brinquedo! Mas eles vão ter o troco! – Ônibus, fedelho com pistola que dispara água, táxi? – Esqueça! – diz Joseph, balançando as mãos em forma de negação. – Tudo bem! Vamos! – Mas, espere um pouco! Você fala português muito bem para uma americana. – Nasci no Brasil, sou filha de mãe brasileira, mas meu pai é americano. Eu sou da Divisão de Investigações da Alfândega e Imigração dos EUA, Agente Especial Supervisora. Faz parte das atribuições da DIA junto à Embaixada Norte-Americana o combate ao terrorismo. Suspeitamos de uma célula terrorista nesse caso dos homicídios de Alto Paraíso de Goiás. – Certo! Vamos embora, estamos atrasados para a reunião – fala Joseph, pegando sua mala. – Tem razão! – Oba! Trabalhar com uma gata dessas! Estou bem na fita! – imagina Joseph, fitando, discretamente, mas da cabeça aos pés, a diplomata que caminhava à frente. – Trabalhar com esses idiotas machistas de Terceiro Mundo, que coisa chata e provinciana! – pensa Luna, mostrando feição tediosa. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 33 CAPÍTULO IV Ministério da Justiça, sala de Assessoria Internacional, Brasília-DF. Reunidos na sala da Assessoria, estão: Joseph Sherman, Luna Brown, Mário Komoda (Diretor de Administração e Logística da Polícia Federal) e o Assessor Internacional do Ministério da Justiça – Silvio Alencar. – Como você já tomou conhecimento, Sr. Sherman, com base no art. 1º, parágrafo único, da Lei 10.446 de 08 de maio de 2002, o Ministério da Justiça, ao analisar relatório da Embaixada Norte-Americana, aqui representada pela Sra. Brown, emitiu Portaria que determinou a apuração dos homicídios em Alto Paraíso de Goiás pela Polícia Federal. O Departamento de Polícia Federal, em Portaria interna nomeou o senhor para presidir as investigações. Explica o Assessor Internacional do Ministério. – Sim, sr. Alencar, estou ciente – responde Joseph. – Segundo a Embaixada Americana essas pessoas assassinadas no Planalto Central têm ligação com eventos internacionais, possivelmente com terrorismo. Não é isso, srta. Brown? – Sim, sr. Alencar, nossas agências dispõem de informações que atestam fortes indícios que comprovariam isso – complementa Luna. – Sr. Sherman, o sr. Komoda, Diretor de Administração e Logística da Polícia Federal, está aqui com o escopo de prestar-lhe todo o apoio logístico que precisar para que possamos lograr êxito no fito de dirimir o caso o mais brevemente O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 34 possível –completa o Assessor, virando seu braço para Mário Komoda e o apresentando. – Tudo bem, srta. Brown? Tudo bem, Joseph? – cumprimenta-os Komoda. – Já o conheço, sr. Alencar! Fala aí, “Japa”! Quanto tempo, hein? – diz Joseph, estendendo a mão em direção a Komoda. Alencar e Luna olham desconcertados para Joseph, surpresos com a quebra repentina das formalidades. Ele, percebendo a gafe, traz sua mão de volta ao corpo, tosse levemente e conserta: – Quis dizer que já conheço o sr. Komoda. Ele continua sendo observado com desconfiança por Alencar e Luna. – É que nós fizemos Curso de Formação juntos, somos da mesma turma – justifica-se Joseph, olhando para Luna e Alencar e querendo atenuar o espanto dos dois pelo tratamento íntimo e inapropriado. Komoda meneia a cabeça, ri discretamente e complementa: – Aqui, Joseph, está o relatório detalhado de tudo que foi levantado pelo pessoal da Polícia Civil de Goiás e a cópia da requisição da Embaixada Americana. Joseph recebe os papéis e os folheia lentamente. De repente, para em uma das folhas e diz de forma surpresa e indignada: – Meu Deus! Não me disseram que havia uma testemunha sobrevivente, muito menos, que era uma criança e, menos ainda, que ela havia sido violentada. – Isso mesmo, Joseph, no relatório há o endereço do Hospital em Goiânia onde ela está internada. Os corpos do casal estão no necrotério, também em Goiânia – explica Komoda. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 35 – Que brutalidade! Há muito tempo não lido com isso! – diz Joseph, sob o olhar austero de todos na sala. – O que é isso? Velas formando um círculo e uma serpente desenhada ao lado dos corpos? – indaga Joseph, mostrando uma das fotos do relatório, que foram tiradas pela perícia. – Eles morreram no momento em que realizavam alguma espécie de ritual místico – explica-lhe Komoda. – Ritual místico? – Sim – responde Komoda. – Aqui diz que a autópsia apresenta como causa mortis envenenamento? – Sim – responde, novamente, Komoda – Aqui diz também que eles eram árabes naturalizados americanos – constata Joseph. – Sim – responde Luna. – Isso fica melhor a cada momento: árabes, naturalizados americanos e místicos! Como diria um colega de trabalho, que é natural da Paraíba, “isso está um balaio de gatos!”. Todos tornam a olhar com reprovação para Joseph, pelo uso de linguagem excessivamente coloquial e inapropriada para seriedade do que estava sendo discutido. – Qual é? Vocês não entenderam? Balaio de gatos? Já imaginaram um monte de gatos dentro de um saco – explica Joseph, rindo. Todos permanecem muito sérios, exceto Komoda. Ele se contém para não rir O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 36 das gafes do amigo. – Confiamos na sua competência para elucidar esse caso, sr. Sherman – interrompe-o Alencar, buscando remover o constrangimento causado pela piada sem graça. – O simples fato de serem árabes os torna terroristas em potencial? – 37 pergunta Joseph a Luna. – Não, em absoluto... – Quais são os fortes indícios que ligam essas pessoas ao terrorismo? – Na verdade, sr. Sherman, os motivos que levaram o Governo NorteAmericano a concluir a conexão desse crime com terrorismo possuem caráter estritamente sigiloso. Sua incumbência é tentar elucidar o caso em âmbito criminal, sem poder entrar no mérito e no conhecimento do que concerne à atividade terrorista. O relatório da Embaixada deixa isso claro – interfere Alencar. – Mas se há atividade terrorista em solo brasileiro, compete a Polícia Federal investigar – retruca Joseph. – Sr. Sherman, na verdade, a princípio, essas pessoas não são vítimas de terroristas, elas são suspeitas de terrorismo. O que houve aqui não foi uma atividade terrorista, mas uma atividade criminal comum, que pode ser conexa ao terrorismo internacional. Nosso Governo precisa descobrir por quem e por que essas pessoas foram assassinadas para que, com essa informação, possamos dar seguimento às investigações pertinentes a terrorismo. O risco de vazamento de informações acerca das investigações pode atrapalhar a ação de nossas agências lá nos Estados Unidos, pois não sabemos a abrangência de conexões que eles têm O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO para intercâmbio de informações. Tudo que podemos ter acesso acerca dos crimes nos Estados Unidos é que pessoas estão desaparecendo e sendo encontradas mortas. – Entendo. É a reciprocidade norte-americana: nós revelamos tudo a vocês, e vocês não nos revelam nada – conclui Joseph, contrariado. 38 – Sr. Sherman! Exclama Alencar. Komoda olha para Joseph, gesticulando para ele ter calma. – Perdoe-me, sr. Alencar, mas preciso do máximo de informações para poder fazer meu trabalho da forma mais fidedigna possível – reconsidera Joseph. – Sua incumbência, sr. Sherman, é elucidar os fatos com as informações que dispõe nesses relatórios e no que, porventura, vier a descobrir, única e restritamente em âmbito criminal – diz rispidamente Alencar, em tom de arremate. – Sim, senhor – resigna-se Joseph. – Não é questão de reciprocidade, sr. Sherman, é questão de segurança. Eu mesmo não tenho acesso à investigação principal que tramita no meu país nem às informações que o senhor questiona – diz Luna, tentando justificar-se. – Perdoem-me, estou um pouco irritado pela viagem difícil que tive – explica-lhes Joseph. – Tome aqui as chaves do veículo com o qual vocês vão se deslocar durante as investigações. Qualquer apoio logístico e humano que você necessitar é a mim que você deve se reportar, Joseph – diz Komoda, entregando-lhe um cartão com telefones para contato e as chaves do veículo. – Bem, Srta. Brown, é um prazer para o Governo Brasileiro colaborar com o O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Governo Americano. Vamos nos esforçar para trazer à tona toda a verdade sobre esse caso. Tenho certeza que o sr. Sherman vai dedicar-se arduamente à tarefa a ele incumbida! – conclui Alencar, finalizando a reunião. – Com certeza, sr. Alencar! – afirma-lhe Joseph. – Joseph trabalhou dez anos na Delegacia de Homicídios de Goiânia. Tenho certeza que, com sua experiência, tudo será esclarecido – elogia Komoda. – Conheço a Ficha Funcional do Sr. Sherman. É, de fato, louvável – complementa Alencar, dirigindo-se a Luna. A reunião é dada por encerrada. Alencar dirige-se a Luna, buscando desculpar-se pela indelicadeza de Joseph, enquanto Joseph chama Komoda para outro lado da sala, particularmente. – Fala aí, Japa! Ou melhor, “Excelentíssimo Senhor Diretor de Administração e Logística”? – cumprimenta-o Joseph, abraçando-o. – Joseph, eu não acredito que você estava na corregedoria. Você é o cara mais esculachado que conheço! Você sempre foi meio louco! Como é que você fala uma coisa dessas sobre “reciprocidade”? – indaga Komoda, surpreso. – Obrigado pelo elogio! – Como você está? – Mais ou menos! Esse caso é mais sério do que eu pensava, revestido de muito sigilo, mistério e personagens e fatos esdrúxulos. – É mesmo. Parece empolgante. – É, mas mudando de assunto. Preciso de algo! Um grande favor mesmo! – Mas Joseph, você ainda não fez nenhuma diligência e já vai me pedir algo? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 39 – questiona Komoda, brincando. – É um assunto particular: tome esse número de telefone aqui e a placa desse carro – diz Joseph, dando o número do telefone da advogada do ônibus, mãe do menino mal-educado, e a placa do táxi que ele tomara para vir ao Ministério. – O que queres? – pergunta-lhe Komoda, verificando os dados que recebe. – Descubra o endereço referente a este telefone e a esta placa para mim. Tire fotos detalhadas dos locais, descubra a quantidade de moradores e sua rotina básica. O resto é comigo! – Tudo bem! Deixe comigo. Não vou ter tempo para fazer pessoalmente, mas vou pedir a alguém que faça. Posso saber do que se trata? – Depois te conto, mas garanto que vamos nos divertir! – Você é louco mesmo! – Como está Fernanda? Já se casaram? – Nos casamos faz dois anos. – Que coisa legal, cara! – E Rebeca? – Terminamos. – Não acredito! Depois de quanto tempo? – Onze anos. O pior é que ela está agora com Pacheco. Lembra dele? – Pacheco? O franguinho da Narcóticos. Aquele cara é um asco! – Sim, se é! – Cara! Que decepção, perder a gata para aquela boneca! Eu achei que Pacheco não gostava da fruta! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 40 – Puxa vida, Komoda! Obrigado pelas palavras animadoras! – Desculpe-me! Mas por outro lado, quem sabe você não descola um bom prêmio de consolação – diz Komoda, virando os olhos em direção a Luna. – É. Mas essas americanas são muito arrogantes. Luna percebe que estão falando dela e se aproxima, interrompendo a 41 conversa: – Com licença, senhores! Podemos ir agora, Sr. Sherman? – Ah, claro! – diz Joseph, mostrando um sorriso fingido. Luna e Sherman se despendem dos presentes e vão almoçar. Quando eles saem, Alencar chama Komoda e questiona acerca de Joseph: – De que hospício saiu esse camarada? – Tenha calma, sr. Alencar, Joseph é assim mesmo, mas é o melhor que tínhamos! Eu mesmo o indiquei ao Diretor-Geral! – Espero que tenha acertado! Após algum tempo, já no restaurante, Joseph fica calado durante o almoço, folheando e lendo os relatórios que recebera de Komoda, enquanto come. Até que, por iniciativa de Luna, o silêncio é quebrado. – Você não parece satisfeito em estar aqui fazendo esse trabalho. – Na verdade, não estava nos meus planos, mas agora estou começando a me envolver com o caso e ficando curioso para resolvê-lo – responde Joseph. – Você parece triste. – Bobagem, Luna. Perdoe-me a indelicadeza na reunião. Não foi pessoal. – Tudo bem! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Quanto tempo trabalha na Embaixada? – pergunta Joseph, buscando se recompor da má impressão que causou. – Há nove anos. Mas só fui transferida para a Divisão de Investigações da Alfândega e Imigração em 2001. Ano em que o escritório foi estabelecido aqui no Brasil. – Nove anos? Muito tempo. Você parece bem nova, qual a sua idade? – Joseph! Você nunca ouviu que é uma deselegância muito grande perguntar a idade de uma mulher? – diz Luna, rindo. – Tudo bem! Deixe-me reformular: com que idade começou a trabalhar na Embaixada? – brinca. – Muito engraçado! Esse tipo de método de entrevista policial não funciona comigo – responde Luna. – Que bobagem! Olha, entrei na Polícia Civil com 21 anos, assim que terminei a faculdade de Direito; aos 31, tornei-me Delegado da Polícia Federal! Isso há sete anos! Disse, de forma indireta, minha idade e sem constrangimento nenhum. – Trinta e oito anos? – Bingo! Vocês da Embaixada recebem algum treinamento avançado de cálculos complexos? Não sei como conseguiu descobrir minha idade! – Muito engraçado, sr. Sherman! – diz Luna, rindo. – Você não parece tão chato, provinciano e arrogante como achei que era. Apesar de seu humor ácido – complementa Luna. – Desculpe-me, há dois anos não tenho férias. Há cerca de três anos trabalho na burocracia, Corregedoria Regional. Desde que um colega meu morreu O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 42 em uma operação que eu coordenava, não atuo em trabalho de campo, estava bastante desmotivado. – Puxa! Sinto muito. – É, mas não pense que vai me tapear! – Como é? – Você está mudando de assunto para não revelar sua idade! Vamos lá! Digame: com que idade começou a trabalhar na Embaixada? – Tudo bem! Tudo bem! Tenho três anos de idade a menos que você! – Trinta e cinco anos? – Vocês delegados também tem um curso de cálculos avançados? Como você chegou a essa conclusão brilhante? – ironiza. – Muito engraçado! – diz Joseph, rindo. – Estou aprendendo com você! Joseph silencia por um minuto, raciocina e questiona: – Porque, ao invés de dizer quanto tempo trabalhava na Embaixada, você usou como parâmetro minha idade? – Por nada. Não sei dizer ao certo. Por quê? Joseph sorri marotamente e cala-se. – Do que você está rindo? – Nada! – Diga-me! Por favor! Foi alguma coisa que disse? – Você promete não ficar com raiva? – Diga-me. Eu prometo! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 43 – O fato de você usar minha idade como parâmetro para sua resposta revela que você está inconscientemente avaliando a compatibilidade entre nós. – Compatibilidade? Como assim? – É... – Você não está insinuando que eu estou interessada em você? 44 Joseph apenas sorri. – Muito bem, sr. Sherman, você é o novo recordista! Tentou me cortejar antes de completarmos um único dia de relação profissional! Você também arrematou o título de campeão do flerte grosseiro. – Você prometeu não ficar com raiva! E, além do mais, eu não te cortejei, apenas fiz uma constatação de cunho psicológico. Falei de compatibilidade. Tenha cuidado com o que diz perto de mim. Seus movimentos e palavras falam mais do que aquilo que realmente você quer dizer. – Sua interpretação está errada, senhor psicólogo, eu apenas fiz a conta mais simples para responder sua pergunta grosseira acerca de minha idade! Nós mulheres somos econômicas e práticas. Vamos mudar de assunto e conduzir a conversa num âmbito profissional – retruca Luna. – Tudo bem! – Você se formou cedo, sr. Sherman, com vinte e um anos? – É! Eu entrei no ensino fundamental com cinco anos, dois anos antes do tempo normal. Era um garoto prodígio. – Prodígio e humilde! – ironiza Luna. – Desculpe-me, não quis ser arrogante, apenas disse o que minha mãe me O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO falou. Ela sempre dizia que eu era “um garoto prodígio”. – Na verdade, você não parece ser arrogante, mas uma pessoa muito sociável. Por outro lado, eu sou um pouco mais fechada, mas nem por isso sou arrogante. – Olha aí, Luna. Você está de novo e do nada fazendo uma análise inconsciente de compatibilidade entre nós! – brinca Joseph. – Você é ridículo, Joseph! Estou apenas falando de mim comparativamente a você, mas sem vislumbrar compatibilidade. Estou comparando nossos perfis e não nossa compatibilidade. Vamos ter que trabalhar juntos até o encerramento do caso e preciso me relacionar bem com você. – Não leve a mal. Estou brincando. Faz algum tempo que não consigo rir assim. – Tudo bem. – Você é muito falante e simpática para uma norte-americana! – Obrigado pelo elogio! Mais uma vez você se mostra um galanteador. Joseph sorri e olha para o relógio: – Nossa! Já está tarde! Vamos! Está na hora. Passaremos na Embaixada para pegar suas coisas e seguir para a Chapada dos Veadeiros! Rumo a Alto Paraíso de Goiás! Temos mais de duzentos quilômetros de estrada até lá! Quero fazer a primeira diligência ainda hoje, antes do fim da tarde! Luna tira um mapa de sua bolsa. – Eu já fiz um roteiro de todas as nossas possíveis viagens. Para irmos para Alto Paraíso de Goiás, deveremos sair pela BR 040 até Planaltina, de lá vamos pegar O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 45 GO-118. Passaremos por São Gabriel e São João da Aliança – diz Luna, mostrando o percurso no mapa. – Que eficiência! – elogia-lhe Joseph. – Previdência feminina! – gaba-se Luna. 46 O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO V Pousada “Sétimo Portal”, Alto Paraíso de Goiás, 27 de novembro de 2006, 15h30min. – Bem, essa era, segundo o relatório da Polícia Civil, a pousada em que o casal Mizhadi se hospedou antes de serem mortos – diz Joseph, ao parar o veículo à entrada do estabelecimento, curvando-se sobre o volante e olhando para a entrada da pousada. – É! Vamos entrar? – Está lotada! Veja a quantidade de carros. – Talvez seja porque hoje é dia da padroeira da cidade – sugere Luna. – Como sabe disso? – pergunta Joseph, virando-se em direção a ela e com expressão de surpresa. – Como eu sabia que viríamos para cá, além de fazer uma rota de viagem, também estudei sobre o Município. Essa cidade é uma localidade muito religiosa e mística. – Se continuar tão eficiente assim, vou achar que sou desnecessário aqui. – Não! Talvez precise trocar o pneu do carro ou precise abrir algum pote e você será útil – graceja Luna, revelando cinismo em seu semblante. – Muito bem! O joguinho está um a zero para o time das meninas! Eles descem do carro e adentram a pousada. Dirigem-se à recepção e tocam a sineta. Um homem sai do interior do estabelecimento vestido com roupas coloridas e muitos penduricalhos. Ele, com as mão na cintura e voz efeminada, O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 47 exclama: – Nossa! Que casal mais BO-NI-TO! Sinto a vibração do amor fluindo através de vocês! Estão com sorte! Temos um último quarto! Eu acho que o destino o reservou para vocês! Joseph e Luna olham um para o outro. Joseph sorri, volta-se para o homem 48 e pergunta: – Boa tarde! Qual seu nome? – Marcelo, mas escolhi como nome espiritual “Panta Kléa”, em homenagem ao catalisador fluídico que tem o poder de unir nosso “eu” ao Universo... Joseph interrompe de forma ríspida, mostrando a funcional de delegado: – Não viemos a passeio, Sr. Marcelo ou Panta Kléa, se assim prefere; sou Joseph Sherman, delegado. Esta é Luna Brown. Viemos investigar a morte de Hashid Mizhadi e Yasmin Mizhadi. Casal que estava hospedado aqui quando foram assassinados. Marcelo fica espantado, inclina-se para trás e desmunheca a mão com o indicador na boca: – Nossa! Foi uma pena mesmo. O casal Mizhadi era assíduo em Alto Paraíso. Eles estavam visitando a cidade pelo décimo ano consecutivo e sempre se hospedavam aqui. Eles partiram para uma dimensão superior e é isso me consola! – Entendo – diz Joseph, olhando para Luna com ar de riso. – Mas a polícia já esteve aqui outras vezes e fez algumas perguntas – complementa Marcelo, tirando a mão desmunhecada da boca e a colocando estendida sobre o peito. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Sei, mas, antes de serem “compulsoriamente convidados” a pagar passagens rumo à “dimensão superior”, em que quarto eles estavam hospedados? – pergunta, ironicamente, Joseph, ao mesmo tempo em que olha para frente e percebe a silhueta de uma pessoa que, aparentemente, os observa através da cortina de retalhos depois do balcão da recepção. Essa pessoa nota que foi 49 observada por Joseph e sai subitamente. – Exatamente no quarto que está vago: o trinta e três. Quando as pessoas sabem que os Mizhadi estavam lá, antes de morrerem, evitam ficar com o quarto. Vocês vão querer entrar? É meu dever advertir-lhes que o ambiente dele pode estar com energias negativas – responde Marcelo. – Tudo bem! Mais que vê-lo, nós vamos locá-lo por hoje à noite! – Vamos? Por quê? – pergunta Luna. – A cidade deve estar cheia de místicos e religiosos por conta do dia da padroeira e vamos ter que dormir aqui, pois é provável que não achemos outro quarto vago por conta de “energias negativas”. A menos que a senhora “previdência feminina” tenha feito reserva em outro lugar. Fez? – Muito engraçado! – Deixe-me levá-los até o quarto – fala Marcelo. – Não. Agora não! Preciso conhecer o último lugar em que eles foram vistos antes de morrerem – discorda Joseph, segurando o braço de Marcelo que já se virava em direção ao quarto. – O motorista da nossa pousada os levou, juntamente com outros visitantes, até o Jardim Zen – responde Marcelo. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Onde esse motorista está? – Fábio! – grita Marcelo, chamando alguém na direção da cortina de retalhos onde estava uma pessoa que os observava e fora notada por Joseph. – Pois não, Sr. Marcelo – responde um rapaz, saindo dentre as cortinas. – Esse rapaz e essa moça são da polícia e querem falar com você. – Boa tarde, sr. Fábio! – cumprimenta-o Joseph, desconfiado. – Boa tarde! – responde Fábio, de forma temerosa, cumprimentando Joseph e Luna. – Foi você a última pessoa a ver o casal Mizhadi? – Na verdade, eu os levei juntamente com outras pessoas ao Jardim Zen. Ficou marcado de deixá-los às vinte horas e buscá-los à meia-noite e eles disseram que queriam ficar até amanhecer. Todos os demais turistas voltaram, mas eles quiseram permanecer e permaneceram. O restante voltou comigo. Foi, então, a última vez que os vi. – O relatório da Polícia Civil confirma a versão dele. Os demais turistas foram ouvidos e ratificam o que ele está dizendo – constata Luna. – E quanto à criança? – indaga Joseph. – Olha “seu polícia”! As outras pessoas da polícia já perguntaram acerca dessa criança, mas ninguém aqui a viu! Não é, Fábio? – interfere Marcelo. – É! – responde Fábio, baixando a cabeça. – Como assim ninguém a viu? Ela foi encontrada junto aos corpos. O nome dela é Elisa Mizhadi, provavelmente filha do casal. Ela não estava hospedada junto com o casal? – retruca Joseph. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 50 – Mas os Mizhadi sempre se lamentavam por serem estéreis! – revela Marcelo. – A criança pode ser adotada – constata Sherman. – Você não a levou junto com o casal, Fábio? – questiona Luna. – Não. O casal estava sozinho. Eles só levaram consigo uma caixa grande. 51 – Uma caixa grande? O que havia nessa caixa? – Não sei ao certo. Eles diziam que era uma oferenda de adoração aos guardiões do Senhor Maitreya. – Maitreya? Foi no Jardim Maitreya, pela manhã, que os corpos e a menina foram encontrados por um grupo de turistas – constata Joseph, recordando-se do que lera no relatório. – Isso mesmo – responde Luna, acenando a cabeça afirmativamente. – Qual a distância entre o Jardim Zen e o Jardim Maitreya? – indaga Sherman. – São relativamente distantes. O Jardim Maitreya fica a vinte quilômetros de Alto Paraíso pela Estrada Parque; já o Jardim Zen fica às margens da GO-118; cerca de dezessete quilômetros daqui – responde o motorista da pousada. – Algum motivo especial para eles visitarem esses lugares? – pergunta Joseph a Marcelo. – O Jardim Zen é uma zona energética por onde passa o Paralelo 14 (a mesma linha geográfica que corta Machu Picchu, no Peru). O Jardim Maitreya tem um forte campo magnético. Ambos são propícios para contatos imediatos. – Contatos imediatos? – questiona Joseph. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Sim, filhinho! Nós estamos cercados por eles: os extraterrestres! – responde Marcelo com uma das mãos na cintura e a outra desmunhecando em direção a Joseph. – Sei. Tomara que não tenha sido um deles que assassinou o casal. Meu Departamento não paga diárias interplanetárias. – Não, tolinho! Os extraterrestres são seres evoluídos, jamais fariam as barbáries que os humanos fazem – retruca Marcelo colocando a mão à boca para segurar o sorriso provocado pela piada de Joseph. – Sei – diz Joseph em tom de desdém. – Sr. Fábio, se importa de nos acompanhar até esses dois jardins? – Acompanhe o rapaz, Fábio! Mostre a ele onde ficam os jardins! – ordena Marcelo. – Sim, senhor. Fábio embarca no veículo juntamente com Joseph e Luna e vão, primeiramente, até o Jardim Zen. Eles chegam ao local e descem, deixando Fábio dentro do carro. Eles caminham pelo Jardim em busca de alguma pista. Joseph estava calado e pensativo. Ele raciocina, para sua caminhada, agacha-se e começa a jogar pedrinhas que colhe no chão fitando um olhar no horizonte. Depois, quebra o silêncio e compartilha com Luna, que estava parada ao seu lado: – Isso não faz sentido, Luna! A autopsia afirma que o horário aproximado da morte do casal foi por volta da meia-noite ou uma hora do mesmo dia em que vieram ao Jardim Zen; aproximadamente a hora que Fábio veio buscá-los. Mas, segundo todas as testemunhas, eles ainda estavam vivos. Se Fábio e os turistas O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 52 estão falando a verdade, eles morreram subitamente após os outros saírem daqui. Eles morreram nesse Jardim. Alguém os envenenou e levou os corpos para outro local, o tal Jardim Maitreya, que fica distante daqui. Mas para quê? Não era mais fácil matá-los e deixá-los aqui? – É verdade. – E isso sem contar que ninguém viu a criança com eles. De onde surgiu essa menina? Que coisa maluca! – Eu achei esse Fábio muito suspeito, isso é intuição feminina – revela Luna cruzando os braços e olhando para o carro com ar de desconfiança. – Ele estava com muito medo. Reação normal de pessoas comuns diante de situações dessas. Mas é com aqueles que parecem mais frios e tranquilos que devemos tomar cuidado, isso é intuição policial. Ele não parece culpado, apesar de muito nervoso. Meu palpite é que ele sabe de alguma coisa, mas que não é o assassino. – Sei. – Vou tentar fazer uso do medo dele. Usar um pouco de terrorismo psicológico – diz Joseph olhando para o carro, onde Fábio permanecia. Joseph se levanta e, juntamente com Luna, caminha para junto do veículo. Fábio, muito assustado, os observa. – Olha aqui, Fábio, não quero te deixar preocupado, mas estava conversando com minha amiga aqui e concluímos que você é nosso principal suspeito! – mente Joseph à entrada da janela do carro. – Eu? Mas não fiz nada! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 53 – Só há uma forma de você se livrar desse problema e é nos ajudando a colocar o verdadeiro, ou verdadeiros responsáveis, atrás das grades. Há uma grande pressão internacional para resolução desse caso. Se não encontrar um culpado, vou ter que dar como palpite que você é o culpado. Sabe como é que é? Num caso como esses, que há muita pressão internacional, sempre temos de encontrar um bode expiatório. Alguém vai ter que pagar pela morte dos gringos – diz Joseph, querendo pressionar o rapaz. – Mas eu não fiz nada! Isso não é justo! – Tenho certeza que não fez! Você não tem cara de assassino, mas também tenho certeza que você viu muita coisa esses dias. Certo? Fábio cala-se e fita o chão. – O que você viu pode ser a diferença entre sua liberdade ou sua prisão. Você não é criminoso, sinto isso. Seria uma pena você ir para a cadeia e virar boneca nas mãos de criminosos de verdade, enquanto o verdadeiro assassino estaria solto! – aterroriza-o Joseph. – A menina! Eu a vi a menina! – revela-lhes Fábio, virando-se subitamente. – Como? Onde? – indaga Joseph, espantado. – Ela estava com o casal, mas estava escondida dentro do quarto. Eu, certa vez, a vi pela janela do quarto deles. Ela era mantida numa espécie de jaula, eu acho que ela estava dentro da caixa no dia em que eles morreram. – O quê? Que coisa maluca! Eles iam colocar numa jaula a própria filha? – pondera Luna. – Ninguém sabia. Só eu vi isso. Só que a Sra. Yasmin percebeu que a vi e me O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 54 disse que eu morreria se eu falasse para alguém! Que morreria como o outro motorista havia morrido. Ela matou o motorista que trabalhava antes de mim, Sebastião. Ela era uma bruxa! – Isso está no relatório. Nesta mesma pousada houve um suicídio: Sebastião Santos. Ele se matou há cerca de três anos. Foi o outro evento trágico ocorrido 55 nessa pousada – observa Luna. – Não foi suicídio. Foram eles que simularam a morte de Sebastião. Ele deve ter visto alguma coisa também. Aquele povo era muito esquisito! – retruca Fábio. Joseph, perplexo, olha para Luna, enquanto suspira fundo e coça a testa lentamente: – Esse caso está seguindo a linha inversa dos demais. A coisa fica mais complexa a cada novidade que descobrimos! A cada pista, mais mistério; deveria ser o contrário. – Por favor! Não digam para ninguém que eu revelei isso. Minha vida está em jogo! Não quero ter o mesmo fim que Sebastião – suplica-lhes Fábio. – Mas, agora, ela está morta! Que mal vai fazer a você? – questiona Luna. – Há um homem hospedado no quarto vinte e cinco, ele era amigo dos gringos... – Vamos conversar com esse cara! – diz Joseph, olhando para Luna. – Não revelem a ele o que eu disse! Ele deve ser um bruxo também! – solicita Fábio. – Joseph! Isso não faz sentido. Uma criança, provavelmente filha deles, numa jaula e depois numa caixa? Ela gritaria e todo mundo descobriria que ela estava lá. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Criança nenhuma ia aguentar ficar calada numa situação dessas! Não é? – questiona e conclui. – Tem razão! – Eu juro que a vi! Foi rápido, mas a vi – diz Fábio. – Tudo bem, Fábio. A criança viu você? – questiona Joseph. 56 – Viu sim! – Nós vamos entrevistar a menina e se, após ouvi-la, descobrirmos que você está mentindo, vou dar o caso por encerrado e declarar você como suspeito principal! Os presidiários vão adorar você, vai ser a Miss Presídio 2006! – Eu juro que a vi! Eu juro que estou dizendo a verdade! – Tudo bem. Vamos, agora, ao tal Jardim Maitreya! Eles vão até o outro Jardim, o Maitreya. Fazem algumas buscas, mas não encontram nada que possa ajudar na elucidação do caso. Depois, já sendo quase noite, retornam para pousada. Joseph e Luna dirigem-se imediatamente a Marcelo, que conversava com um homem muito elegante. – Sr. Marcelo, quem está hospedado no quarto vinte e cinco? – Quarto vinte e cinco? Esse é o meu quarto. Ah, o senhor deve ser Joseph Sherman, estou certo? – interfere o homem que conversava com Marcelo. – Sr. David Cavallera? – exclama Luna, reconhecendo o homem. – Sra. Brown? Como vai? Pergunta Cavallera, estendendo a mão para cumprimentá-la. – Vocês se conhecem? – indaga Joseph, intrigado. – O senhor Cavallera é membro das Nações Unidas e o representante sulO SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO americano da Iniciativa para Religiões Unidas, um órgão colaborador da ONU. Nós nos conhecemos numa Conferência das Nações Unidas promovida pela Embaixada Norte-Americana. – Isso mesmo! Nosso trabalho na Iniciativa é buscar integrar todas as religiões num esforço conjunto de paz para as nações. Sou um estudioso de crenças e um entusiasta da ideia que o ecumenismo nos levará à paz mundial – reforça Cavallera. – Entendo! Mas como o senhor sabe meu nome? – indaga Joseph, desconfiado. – Sou conhecido do casal Mizhadi. Entrei em contato com a Embaixada NorteAmericana e eles me forneceram informações acerca das investigações. O senhor é o delegado responsável pela investigação, não é? – Sim. Mas como teve acesso a informações confidenciais? – Não são confidenciais para um Membro da ONU. Além do mais, solicitei junto ao Ministério da Justiça a autorização para acompanhar as investigações como observador internacional. Estou ansioso pelo seu relatório, Sr. Sherman! – Sei... – Mas agora que já sabe tudo acerca de mim, poderia me responder por que estava à minha procura? – Ouvi dizer que era amigo do casal que morreu e que estava hospedado no quarto vinte e cinco – responde Joseph. – Quer me interrogar? Eu não estava aqui no dia da fatalidade, mas estou à disposição para qualquer esclarecimento. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 57 – O senhor também participa de rituais místicos? – Não necessariamente, sr. Sherman, como disse, anteriormente, eu sou um mero estudioso de crenças e religiões e um entusiasta da ideia que o ecumenismo nos levará a compreensão mútua e à paz. Sempre venho a Alto Paraíso pesquisar. Aqui há uma convergência de muitas crenças, é um excelente “laboratório” de 58 pesquisa. – O senhor tinha conhecimento dos eventos místicos ou rituais em que o casal Mizhadi estava envolvido, já que era amigo deles? – O casal Mizhadi era muito eclético em suas liturgias. Eles cultuavam muitas crenças diversificadas. Mas eu, particularmente, nunca participei de nenhum ritual religioso com eles. Até porque, apesar de nos conhecermos, não éramos amigos. Nós nos víamos esporadicamente. Eles eram integrantes de uma ONG que integrava o Comitê Americano de apoio à Iniciativa das Religiões Unidas. Era em bienais globais que nos encontrávamos para debates, mas de cunho estritamente ligado à Iniciativa. Discutíamos, com dezenas de outras pessoas, alternativas políticas para a integração das religiões na busca pela paz, sem realizarmos qualquer liturgia específica – responde Cavallera. – O senhor sabe que há suspeição de que eles estavam envolvidos com terrorismo? – Isso é uma falácia! Esse boato surgiu devido à origem árabe do casal. Um primo distante deles foi responsável por um atentado e o Governo Americano coligiu que eles poderiam estar envolvidos! Mas parece-me que a conclusão precipitada já foi solucionada, apesar de, agora, ser tarde. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Sei. – Mais algum questionamento, sr. Sherman? – Não! Por enquanto, não. Obrigado pela colaboração! – Deem-me licença! Preciso me ausentar para acompanhar as festividades alusivas à padroeira da cidade. Foi um prazer conhecê-lo, sr. Sherman, e uma grata satisfação encontrá-la, sra. Brown. Espero ter colaborado! – Colaborou! Mais do que imagina – responde Joseph, esboçando um sorriso e um ar maroto. – Sr. Marcelo, onde está Fábio? – pergunta Cavallera. – O que você quer com Fábio? – questiona Joseph. – Por que a pergunta, sr. Sherman? Ele é o motorista da pousada, quero que ele me leve à cidade, onde acompanharei os eventos religiosos. Algum problema? – questiona Cavallera, demonstrando ar de surpresa. – Nada, desculpe-me. Marcelo chama Fábio, que fica muito tenso na presença de Cavallera. – Fábio, leve-me à cidade, por gentileza – solicita Cavallera. – Sim, senhor Cavallera! Responde Fábio olhando para Sherman, que acena positivamente, querendo acalmar o rapaz. Eles saem em direção à cidade, Joseph e Luna pegam as chaves do quarto trinta e três, no qual iriam se preparar para dormir. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 59 CAPÍTULO VI Pousada “Sétimo Portal”, Quarto 33. – No chão? – pergunta Joseph, contrariado. – Sim! Você dorme no chão e eu na cama! Ou você achava que íamos dormir na mesma cama, engraçadinho? – responde Luna. – Não é justo, não fizemos nem um sorteio. – Meu Deus, Joseph! Onde está seu cavalheirismo? – Morreu no dia 05 de outubro de 1988, quando o artigo quinto da Constituição recém promulgada determinou: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. – Que coisa feia! Como você é legalista! – Tudo bem! Tudo bem! Eu durmo no chão! Da próxima vez será você que vai dormir no chão! Joseph pega alguns lençóis para forrar o chão e improvisar sua “cama”. – Você não vai jantar? – pergunta Luna, enquanto o observa manuseando os lençóis. – Não, não mesmo. Olhei o cardápio e só tem dessas comidas naturais. Nada com carne! Vou comer alguns chocolates e biscoitos que trouxe – responde Joseph, sentando-se nos lençóis que arrumara e puxando sua mala. – Sei. – Não vais jantar também? – pergunta Joseph. – Eu até gosto de comida natural, mas... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 60 – Mas o quê? – Eu estou com medo de andar sozinha por aí. – Ah, a senhora “previdência feminina” está com medo? Que tal colocar a “proteção de diplomatas medrosas” na lista de minhas utilidades, juntamente com troca de pneus e a abertura de potes? – Que nada! Pode haver um ou alguns assassinos por aí! Precisamos ficar juntos! Além do mais, ainda acho aquele motorista muito suspeito, tenho medo de cruzar com ele por aí. – Sei. Você está cometendo o erro de julgamento que a maioria das pessoas comete: analisar pela primeira impressão. – Erro? Como assim? Você poderia me ensinar, “senhor paladino das investigações”? – Aquele Fábio é um coitado. Ele estava falando a verdade, tenho certeza. Suas reações neuropsicológicas revelam medo, mas também que ele diz a verdade. Entretanto, seu amigo das Religiões Unidas é bastante suspeito. Lembre-se: aqueles que parecem mais frios e calmos são os mais perigosos. – Mas, Joseph, sr. Cavallera é uma pessoa influente e culta, jamais se envolveria numa coisa torpe dessas! – Suas palavras revelam seu preconceito, srta. Luna! Só porque o motorista é pobre e ignorante ele é mais suspeito? Ele estaria mais propenso a matar que o tal membro da ONU? É esse, justamente, seu erro e o da maioria das pessoas. Vocês julgam pela aparência: gente pobre é sempre culpada e suspeita; gente rica, “jamais se envolve em coisas como esta”. Aposto, com quem quiser apostar comigo, O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 61 que esse Cavallera está atolado até o pescoço nisso! Esse papo de ecumenismo e paz não me engana! Por trás daquela aparência de ovelha, esconde-se um lobo... De repente, Joseph interrompe a conversa e olha para baixo da cama onde Luna está sentada, pois percebe que um objeto que estava preso à cama cai junto à parede. – O que é isso? – pergunta ele, esticando o braço e tomando o objeto entre as mãos. – Parece uma pequena bolsa – conclui Luna, observando atentamente o que ele pegara. Ele abre a bolsa e verifica que há algumas cédulas. Havia cédulas de Real e de Novo Sol – a moeda oficial do Peru. Havia também, alguns comprovantes de passagem de ônibus: dois eram de Belém-PA para Altamira-PA; outros dois, em espanhol, eram de Cusco para Machu Picchu, ambas no Peru, todos em nome do casal Mizhadi. Por fim, havia três cartões: um de um hotel em Altamira; outro de um guia turístico de Macho Picchu; e o terceiro cartão, era branco, apenas com um desenho de uma serpente ao centro. – Essas coisas pertenciam aos Mizhadi! Passaram, provavelmente, despercebidas pela perícia da Polícia Civil! – sugere Luna. – Veja aqui, Luna! O desenho dessa serpente do cartão é o mesmo que há nas fotos que foram tiradas, pela perícia, no local em que foram encontrados os corpos – constata Joseph, levantando-se rapidamente e abrindo o relatório que recebera de Komoda. Eles comparam o desenho das fotos do relatório com o do cartão e O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 62 confirmam a similaridade. – Estranho! – Esse pessoal gostava de viajar! – considera Joseph. – É. – Machu Picchu e Altamira estavam em seus roteiros de viagem, Luna? 63 – Não. Você não está pensando em... – Sem dúvida! Temos esses cartões de um hotel de um guia turístico aqui. Podemos colher alguma informação importante nesses locais. Você conhece o Pará e o Peru? Se não, anime-se, pois vamos fazer turismo lá! Vou ligar agora mesmo para Komoda. Joseph pega o celular e liga para o Diretor de Administração e Logística. – Alô? – Fala aí, Japa! É Joseph! – Sherman! Alguma novidade? – O caso está cada vez mais complexo, mas achamos alguma coisa que pode nos trazer um pouco de luz. Vou precisar de diárias e passagens! – Tudo bem! Estou aqui para isso. Onde você precisa ir? – Altamira-PA e Machu Picchu, no Peru. – Machu Picchu? Cara, para Altamira é bem mais fácil conseguir, mas passagens para você e a diplomata americana irem até o Peru é bem mais difícil. Você sabe como o pessoal do Setor Financeiro é! – Não posso fazer nada, Komoda. Se me colocaram nisso vão ter que me dar todo o suporte para solucionar o caso! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Tudo bem! Vou tentar, mas não garanto nada! – Beleza! – Você tem ao menos um relatório parcial para embasar melhor meu pedido de diárias e passagem? – Ainda não. Estou te dizendo, o caso está truncado, complexo. Depois de 64 voltar de Altamira e do Peru prometo escrever algo. – Tudo bem! Ah, em relação àquele telefone e aquela placa, já consegui o que queria. Um agente fotografou os locais. O endereço referente ao telefone é de uma casa onde mora uma família com três pessoas. Um homem, que trabalha na Câmara dos Deputados, uma mulher que é advogada e uma criança... – Beleza! – Já o endereço referente à placa é de um taxista, só que já estamos na cola dele, pois está sendo investigado por ligação com tráfico internacional de entorpecentes. A “casa vai cair” em pouquíssimo tempo! – Ótimo! Depois pego mais detalhes sobre isso. – Tudo bem, cara, se cuida! Ah, e Luna? – Melhor do que eu pensava, mas não posso entrar em detalhes agora – diz Joseph, discretamente, para evitar que Luna percebesse que eles estavam falando dela, pois ela o observava atentamente. – Entendo! Qualquer coisa “bate o fio”! – Falou! Joseph desliga o telefone. – Joseph! Estou com fome, sabia? Você pode me dar um desses chocolates O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO que trouxe? – solicita Luna, manhosamente. – Não vai jantar mesmo? – pergunta Joseph, dirigindo-se a sua bolsa para tirar o chocolate e guardar o telefone. – Agora que você disse que Cavallera é suspeito também. Tenho duas pessoas para ter medo de encontrar. Não vou sair daqui sozinha. 65 – Tudo bem. Tome. Ela pega o chocolate e o guarda. – Já que você ficou com o privilégio da cama, eu vou tomar banho primeiro! – diz Joseph, tirando sua toalha da bolsa. – Tudo bem! Cada um deles toma banho. Depois decidem ir dormir, apagam as luzes e vão deitar-se: Luna na cama e Joseph no chão. Luna, após algum tempo, questiona: – Posso deixar a luz do banheiro acesa, Joseph? – Claro. Luzes de banheiro são as armas mais eficazes no combate a assassinos. Estaremos protegidos! Assassinos morrem de medo de luzes de banheiro acesas! – ironiza. – Seu chato! – Obrigado! – Joseph? – Oi? Pode falar... – Sua namorada não fica chateada em você sair por aí tanto tempo fora e, ainda mais, em viajar com uma mulher? – pergunta Luna, enquanto vai ao banheiro abrir a porta e acender a luz. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Luna! A pergunta que você queria fazer é se tenho namorada. Não é? Esse seu expediente de perguntar se minha namorada iria ficar chateada é uma pergunta mediata muitíssimo ultrapassada! Era só perguntar: você tem namorada ou esposa? Já te avisei que a minha leitura das pessoas e de suas intenções vai além do que elas dizem. 66 – Como você é grosso! – Eu não tenho esposa nem namorada. Isso responde sua pergunta? – Tudo bem. – E você, tem namorado ou marido? – Sou viúva. Meu marido morreu num acidente de carro há seis anos. – Sinto muito. Vocês chegaram a ter filhos? – questiona Joseph, mudando o semblante risonho em semblante austero. – Não. – E não conheceu mais ninguém depois disso? – Não. Até que tentei, mas não consegui. – Imagino que a perda ainda afete você? Não é? – De certa forma sim, mas o fato de não aparecer ninguém que valha a pena também é determinante. Mas, e você, não chegou a se casar? – Tive um relacionamento de onze anos que acabou faz alguns meses. – Que pena! Onze anos é muito tempo. Quem terminou foi você ou ela? – Sra. Brown. Está querendo saber se ainda gosto dela, não é? – Como? – Você fez uma pergunta querendo colher outra resposta. Veja: se eu disser O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO que fui eu quem terminou o relacionamento vai concluir que não gostava mais dela; se eu disser que foi ela que acabou, você vai deduzir que ainda gosto dela. – Você tira muitas conclusões de poucas coisas! – Esse é meu trabalho: do pouco, descobrir muito! – Sei! Mas você ainda gosta dela? – Se quer saber, foi ela que acabou o namoro e eu gostava dela até o dia que descobri que, depois que terminamos, ela começou a namorar um cara do nosso trabalho – um cara que eu detesto. – Puxa! Isso deve ter sido traumático... – Não quero falar disso! Vamos dormir, amanhã cedo temos que seguir para Goiânia; é uma viagem longa e vamos sair bem cedo. Precisamos conversar com a menina e verificar com o médico-legista se há alguma informação que possa ser usada como pista – diz Joseph, virando as costas para Luna e interrompendo a conversa de forma ríspida. – Tudo bem! Boa noite! – Boa. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 67 CAPÍTULO VII Recepção do Necrotério de Goiânia, 28 de novembro de 2006, 16h00min. – Boa tarde, Silvana! – cumprimenta Joseph, reconhecendo a recepcionista da repartição – a qual sempre ele estava habituado a encontrar quando era Delegado da Divisão de Homicídios da Polícia Civil de Goiânia. – “Josito”! Quanto tempo, meu filho? – responde-lhe a senhora da recepção, reconhecendo Joseph. – Josito? Que apelido bonitinho! – provoca-o Luna. – Qual é? Você não tem apelido? Muita gente acha difícil a pronúncia do meu nome, por isso arrumaram um apelido! – retruca Joseph. – Quem é essa moça bonita? É sua namorada? Ela é muito mais bonita que aquela chata da Rebeca! – diz Silvana. – Essa é Luna Brown, ela é Agente Supervisora de um órgão da Embaixada Norte-Americana. Nós não somos namorados! E eu não namoro mais a “chata” da Rebeca! – Ainda bem, porque Rebeca não merecia você! Mas você e essa moça bonita deviam namorar! Você é solteira, minha filha? – pergunta Silvana dirigindo-se a Luna, sem qualquer constrangimento. – Sim – responde Luna, desconcertada. – Estão vendo? Vocês fazem um casal lindo! Deviam namorar! É uma pena dois jovens tão lindos e solteiros! – complementa Silvana. – Silvana! O necrotério não é o lugar mais propício para bancar uma de O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 68 cupido – retruca Joseph. – Sei, sei. Mas o que você quer de mim, Josito? – Vim conversar com os médicos-legistas responsáveis pelo laudo pericial da morte de Hashid Mizhadi e Yasmin Mizhadi, assassinados na cidade de Alto Paraíso de Goiás. 69 – Eu sei! O casal envenenado? – Isso! – João Batista foi um dos médicos-legistas responsáveis pelo laudo! – Eu sei. Vi que também assina o laudo que há em um relatório que recebi. Ele está aqui? – Sim! Vou chamá-lo. Silvana retira-se para chamar o médico e volta rapidamente com João Batista ao seu lado. – Batistão, meu grande amigo! – cumprimenta Joseph a Batista, pois já o conhecia (também em virtude de estar constantemente no necrotério, quando ela era da Divisão de Homicídios da Polícia Civil). – Josito! Como estão as coisas na Federal? Faz um bom tempo que não nos vemos! – É verdade! Tudo bem comigo lá na Federal! E por aqui, como estão as coisas? – Estou para me aposentar ano que vem. Se Deus quiser, os únicos cadáveres que verei depois que me aposentar serão os dos peixes que fisgar nas pescarias que farei! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Ótimo! Ah, essa é Luna Brown! – diz Joseph, apresentando Luna a Batista. – Bonita a sua namorada! Ou seria esposa? Pergunta Batista ao apertar a mão de Brown. – Não. Nós não somos namorados nem casados. Retruca, mais uma vez, Joseph. 70 – Mas deviam ser! – reforça Silvana. – Ah, desculpem-me – pondera Batista. – Tudo bem, sem problemas! Vim conversar com você sobre o casal Mizhadi e dar uma olhada nos corpos. O caso foi avocado pelo Ministério da Justiça para que a Polícia Federal o assumisse e eu sou o titular das investigações. – Olhar os corpos? – interrompe Luna, mostrando expressão de repugnância. – Sim. Num necrotério é algo, até certo ponto, normal de se ver: corpos – responde, ironicamente, Joseph. – Achei que você só ia conversar com o médico-legista. Eu posso ficar aqui? Não gosto de ver essas coisas. – Por mim, tudo bem. – Você fica aqui comigo, minha linda. Aí eu te ensino todos os segredos para você fisgar Josito! – interfere Silvana, a recepcionista. – Vamos lá, Batistão? – Vamos. – E você, Dona Silvana, cuidado com o que vai falar! – ameaça Joseph, em tom de brincadeira, apontando o indicador para a recepcionista. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Deixe comigo! – diz Silvana, ignorando Joseph e puxando Luna pelo braço para sentarem e conversarem. Joseph e João Batista dirigem-se até o local onde ficavam os cadáveres. – O laudo aponta como causa provável da morte um envenenamento. Certo? – questiona Joseph, enquanto caminham. – Isso! Encontramos nos cadáveres vestígios de carbamato. O que popularmente conhecemos como “chumbinho”. – Sei! Carbamato é aquela substância que foi proibida de ser usada como raticida? – Isso mesmo. Pela grande quantidade encontrada nos corpos, podemos concluir que a morte foi relativamente súbita após o consumo. Talvez vinte ou trinta minutos. – Sei. – Pelo exame cadavérico, o horário provável da morte situa-se entre meianoite e uma hora da manhã – complementa Batista. – Já havia verificado no relatório essa informação. – Na verdade, com relação ao homicídio é um caso simples, não há nada de anormal, estou apenas aguardando o resultado de um último exame de uma substância encontrada no estômago deles – por falta de dinheiro na Secretaria do Estado, não foi possível realizá-lo à época. As verbas só chegaram essa semana, mandei novamente um extrato de tal substância anteontem, mas não recebi o resultado do setor responsável. É o último exame que falta. – Que coisa! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 71 – O Serviço Público e suas mazelas! – Sei como é! – Bem, continuando, o homicídio é, a princípio, um caso simples de envenenamento, não há nada de anormal. Já o exame da criança violentada apresenta muitas incógnitas. 72 – Como assim? – As substâncias encontradas em seus órgãos genitais não foram identificadas. Não foi encontrado sêmen, apesar dos indícios na genitália da menina apontar que, muito provavelmente, houve penetração por um membro genital masculino. – Não entendi essa última parte. – Ela não foi violentada com um objeto rígido (madeira ou ferro), mas provavelmente com um membro físico nas mesmas dimensões de uma genitália masculina. – Mas, com relação ao sêmen, o violentador poderia estar usando preservativo. – Sim, poderia. Entretanto, se estivesse usando esse tipo de proteção, não poderia, a princípio, ser achada uma substância orgânica, não pertencente à criança, no interior do órgão dela. E, também, seriam encontrados resquícios do lubrificante do preservativo. – Estranho... – É mesmo. Mas o mais estranho é que ela desenvolveu, dois dias após o exame pericial, e a partir da genitália, muito provavelmente por conta dessa O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO substância orgânica desconhecida, uma doença similar à neoplasia maligna, degenerativa. – Como assim “neoplasia maligna”? – Ela desenvolveu uma doença não identificada que está gerando tumores e consumindo seu corpo a partir da genitália. Assemelha-se à neoplasia maligna (câncer), mas, assim como a substância, essa doença não foi identificada também. É uma doença desconhecida da Medicina. Esse é a informação que recebi a alguns dias de Dr. Bittencourt, o médico que está tratando a menina no hospital. – Sei. Joseph raciocina um pouco e pergunta: – Aqui entre nós, Batistão; confio em você e não vá achar que sou louco, mas, tenho informações que esse casal assassinado é suspeito de terrorismo, haveria possibilidade de tal substância desconhecida ser uma espécie de arma química moderna? – Bem, pelo pouco que sei acerca disso, poderia até ser. Mas a substância encontrada é orgânica, e acho, salvo engano, que essas armas são, via de regra, inorgânicas: trabalhadas ou modificadas em laboratório – responde Batista, abrindo a câmara onde ficavam os cadáveres. – Entendo... Eles adentram a câmara. Batista acende a luz e dirige-se às gavetas onde estão os corpos. – Aqui estão – diz Batista, tirando dois pares de luvas de procedimento (um par para ele e outro para Joseph) e abrindo as gavetas. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 73 Joseph põe as luvas que recebe e tira uma lanterninha do bolso, indo analisar as pupilas dos cadáveres. – Você é prevenido, já veio com a lanterna! Mas não precisa fazer o exame pupilar, eu garanto que estão mortos – brinca Batista. – Faz tempo que não verificava midríase paralítica num ser humano. Estou fazendo isso por causa do hábito, pois sempre fazia isso ao verificar um cadáver quando era da Divisão de Homicídios – diz Joseph, debruçado em cima do cadáver de Yasmin Mizhadi e com a lanterninha sobre o rosto dela, verificando suas pupilas. – Sei. – Quanto ao eu ser prevenido, essa lanterna tem duas funções. Ela também tem uma luz ultravioleta para identificar autenticidade de documentos – fala Joseph, em tom de brincadeira, olhando para Batista e apertando outro botão da lanterninha, que acionava luz ultravioleta e iluminava o rosto do cadáver. – O que é isso? – questiona-lhe Batista, olhando, espantado, para o rosto da mulher. – O que foi? – Alguma coisa refletiu na testa dela quando você acionou a luz ultravioleta. – Como? – Acenda, mais uma vez, a luz ultravioleta sobre a testa dela! Joseph acende a luz e também verifica que há alguma coisa refletindo na testa de Yasmin. – O que é isso? – Não sei. Apague a lâmpada da sala para que a luz ultravioleta reflita O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 74 melhor. Batista apaga a lâmpada e Joseph aciona a luz ultravioleta sobre a testa da mulher. – É um desenho de uma serpente – constata Batista, abismado. – Isso! Meu Deus! Esse desenho é igual aos das fotos do local do crime e o de um cartão que encontrei e que era pertencente aos Mizhadi. – Sei. – Esse material reflete em coloração similar às fibras incolores, luminescentes à irradiação da luz ultravioleta, existentes em alguns documentos públicos – relata Joseph. – O implante foi perfeito, sem a incidência da luz é imperceptível à presença subcutânea desse material. Ele foi colocado com perfeição e reflete muito bem à incidência dessa luz. – Veja se há no homem esse desenho – solicita Batista. Joseph dirige-se ao cadáver de Hashid e também constata o mesmo desenho, no mesmo local, luminescente à incidência de luz ultravioleta. – Em vinte e cinco anos de trabalho, nunca vi isso, Joseph – revela Batista, abismado. Joseph fica perplexo com olhar fixo no chão; raciocinando e coçando o queixo. Depois de um longo suspiro, solicita ao médico-legista: – Tente tirar um pedaço desse material para análise antes dos corpos serem liberados para traslado. – Certo! Vou tentar extrair e analisar o material com a máxima discrição. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 75 – Ah, não conte para ninguém o que vimos aqui ou o que conversamos sobre armas químicas e terrorismo. – Tudo bem! Posso solicitar segredo do pessoal do Departamento de Análise Química também, quando analisarem o que eu extrair dos corpos. – Vou ao Hospital tentar conversar com a menina violentada e verificar se nela há a mesma marca. Anote meu telefone particular. Assim que tiver uma resposta da análise do material, ligue-me. – Tudo bem! Também te comunicarei do resultado que faltou por ausência de verbas. Pode ser relevante em alguma coisa. – Obrigado, Batista. Tenho que ir! – Vá com Deus, Josito! E cuidado... – Obrigado! Joseph sai da sala, ainda um pouco transtornado, em direção à recepção do necrotério. – Vamos, Luna! Chama-lhe Joseph, apressadamente. – O que foi que aconteceu, Joseph? Você parece transtornado. – Não. Só estou com pressa. Vamos ao hospital. – Tudo bem! – Foi um prazer, linda – diz Silvana, despedindo-se de Luna. – O prazer foi meu! – Tchau, Josito! Não deixe essa menina escapar. Ela é muito doce e meiga! – completa Silvana. – Certo, Silvana! Foi um prazer revê-la! – responde Joseph. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 76 Joseph e Luna dirigem-se ao carro. – O que aconteceu? O que você viu? Parece tenso – insiste Luna. – Vi algo muito estranho, mas só poderei falar para você quando chegarmos ao hospital. Talvez você tenha a oportunidade de ver com seus próprios olhos o que eu vi! 77 – Tudo bem! Joseph, apressadamente, dirige-se ao hospital onde a menina violentada estava internada. Eles chegam, estacionam o veículo e vão ao balcão da recepção. – Boa tarde! – diz Joseph, dirigindo-se à atendente. – Boa tarde! – Sou Joseph Sherman, delegado. Vim ver a criança que foi violentada na cidade de Alto Paraíso de Goiás – diz Joseph, apresentando sua identificação policial. – Maria das Graças? – Não! No documento encontrado com os pais dela constava como nome Elisa Mizhadi. Provavelmente, filha de Hashid e Yasmin Mizhadi. – Não. A menina violentada em Alto Paraíso é Maria das Graças. A mãe dela é a senhora Severina. Ela apareceu aqui e comprovou com documentos e fotos que a menina era Maria das Graças Pereira: criança sequestrada há cerca de um mês em Altamira, no Pará. Faz cerca de duas horas que ela chegou aqui. Soube que sua filha estava aqui ao ver no noticiário nacional contando a história do crime – explica a atendente. – Altamira? – dizem, simultaneamente, olhando uma para o outro, Sherman e O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Luna. – Podemos falar com a criança e sua mãe? – O horário de visitas já passou, mas como o senhor é da polícia vai poder entrar. Elas duas estão no Quarto 450, Ala B, segundo andar. Podem seguir por ali. – Obrigado! Eles chegam à entrada do leito e batem à porta. Uma senhora com semblante abatido e olhos inchados pelo choro abre a porta, sai do quarto e fecha, cuidadosamente, a porta. – Pois não, moço? – diz a mulher, enxugando as lágrimas do rosto com um lenço. – Sra. Severina? – Sim! – Sou Joseph Sherman, delegado. Sou o responsável pelas investigações do crime que aconteceu contra sua filha. – Meu filho! Pelo amor de Deus, coloque na cadeia o monstro que fez isso com minha filhinha! – clama-lhe a mulher, em tom de revolta, desabando em pranto. Luna e Sherman se olham com serenidade, sensibilizados e constrangidos com a angústia da mulher. – Sra. Severina, a senhora mora em Altamira? – pergunta Joseph, tocando seu ombro. – Sim. – Sua filha desapareceu... – Sim! Ela foi sequestrada. Há quase um mês que não durmo, preocupada O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 78 com isso! Foi quando vi uma foto dela na TV e vi que ela estava aqui – interrompe Severina. – Entendo. – O que a sua filha disse a senhora sobre o que aconteceu? – Faz pouco tempo que cheguei. Ela estava dormindo e ainda não acordou. Estou esperando o médico chegar, para saber o estado de saúde dela. – Entendo. – Eu poderia entrar para vê-la? – Se isso for ajudar a encontrar o bandido que levou minha criança, sim! Pode sim! – Pode ter certeza que vai, sra. Severina. Inclusive, vou adiantando que precisamos fazer algumas perguntas à menina, assim que ela acordar. – Tudo bem! Mas saiba que ela não fala nem ouve nada, pois é surda e muda. – Surda e muda? Isso explica algumas coisas! – diz Joseph, olhando para Luna, que acena positivamente com a cabeça. – Quem for falar com ela vai ter que saber linguagem de sinais. Apesar da deficiência, ela estuda e é muito inteligente. – Eu conheço a LIBRAS – revela Luna. – LIBRAS? – questiona Joseph. – Sim! Língua Brasileira de Sinais. Minha mãe me ensinou. Ela era professora de Linguagem de Sinais para crianças portadoras de necessidades especiais antes de se casar com meu pai e de se mudarem para os Estados Unidos. – Sra. Severina? – interfere-os um homem vestido de branco e com um O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 79 estetoscópio sobre seus ombros. – Sim! – Sou Dr. Bittencourt, o médico responsável por sua filha. Preciso ter uma conversa em particular com a senhora – diz o médico. – Estava aguardando o senhor – responde Severina. – Vamos até minha sala, sra. Severina? – solicita o médico. – Vamos! – Podemos entrar no quarto e ver Maria das Graças enquanto a senhora vai falar com dr. Bittencourt? – Claro! É até melhor vocês entrarem; não quero que minha menina fique sozinha nem mais um segundo! – Tudo bem! Cuidamos dela para senhora, enquanto vai conversar com o médico – diz Luna, querendo tranquilizar Severina. – Obrigado! Joseph e Luna adentram o quarto, enquanto Severina vai conversar com o médico numa sala ao lado. Eles verificam a menina no leito, intubada e com soro. Ela aparentava ter cerca de oito anos. Joseph fecha a porta, apaga a luz e pega sua lanterna ultravioleta, dirigindo-se à cabeça da menina. – O que está fazendo, Joseph? Por que apagou a luz? – Você vai ver! Ele acende a luz ultravioleta da lanterna e, quando está prestes a verificar se na criança havia o desenho luminescente, a menina subitamente acorda e segura sua mão. Eles se assustam. A criança fica tensa e começa a se debater. Luna O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 80 acende a luz e pede para Joseph segurá-la. Joseph a sustenta firmemente e a criança fica paralisada, olhando para eles, aparentando muito medo. Luna pede para Joseph soltar a criança e gesticula comunicando-se com a garota: – Calma! Somos amigos! Somos da polícia! – Mentira! – gesticula a menina em LIBRAS. – É verdade! Ele tem a carteira de policial, a arma e as algemas – gesticula Luna, tentando convencê-la. – Mentira! – gesticula novamente a menina, retrucando. – Mostre sua carteira, sua arma e suas algemas para a menina, Joseph. Pede Luna. Joseph atende a solicitação, levanta o paletó e mostra o coldre com a arma, depois uma algema no cinto e, por fim, mostra a carteira funcional e que a pessoa da foto da carteira é ele. A criança fica mais calma ao ver os objetos, mas ainda muito desconfiada. – Pergunte a ela se posso olhar sua testa – solicita Joseph a Luna. – Meu amigo precisa olhar sua testa? Você deixa? – gesticula Luna à criança. – Vai doer? – pergunta a criança, com gestos. – Não – responde Luna, esboçando um sorriso. Joseph observa a testa da criança e constata o mesmo símbolo da serpente que estava nos dois cadáveres. Luna fica perplexa ao ver aquilo, mas, para não despertar a desconfiança na criança, mantém-se controlada. – Pergunte a ela o que aconteceu – solicita Joseph a Luna, que gesticula e, O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 81 simultaneamente, vai fazendo a leitura em voz alta dos sinais que a criança realiza, para que Joseph os possa compreender. A menina inicia seu relato: – Eu estava brincando na frente de minha casa. Uma pessoa me agarrou e me levou para um carro. Ele colocou um pano em minha boca e meu nariz e eu dormi. Quando acordei, estava dentro de um quarto pequeno que tinha um banheiro. Passei muitos, muitos dias dentro desse quarto – que era todo fechado. Nele eu não via ninguém. Eles colocavam comida por uma abertura na porta. Certo dia, a porta se abriu e um homem, junto com uma mulher, entrou e me olhou. Depois de algum tempo, arrumaram minha roupa e tiraram algumas fotos. Aí, colocaram cada um dos meus dedos numa máquina, aí foto dos meus dedos aparecia numa tela de uma televisão pequena junto com minha foto. – Isso explica como fizeram os documentos falsos, em nome de Elisa Mizhadi. Eles tiraram fotos e digitais para falsificar os documentos que foram encontrados com ela – interrompe Joseph, olhando para Luna. A menina percebe que Joseph falava alguma coisa e para de gesticular o relato. Depois, a pedido de Luna, prossegue sua história: – Aí, depois disso, colocaram novamente um pano em minha boca e no meu nariz e eu dormi de novo. Acordei com uma dor na testa e deitada numa cama como essa que estou agora. A dor que sentia era onde ele estava olhando com a luzinha agora. Aí, depois disso, entramos num carro e fomos para um lugar que tinha um daqueles que voam que tem um negócio no bico... – Um avião? – pergunta Luna, gesticulando ao mesmo tempo em que fala em O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 82 voz alta. Isso! Um avião com negócio no bico. Demoramos muito viajando nesse avião. Depois, eles me colocaram numa caixa muito apertada mas eu conseguia ver, por alguns buracos que havia nessa caixa. Entramos num carro e viajamos mais um tempo, até uma casa bem grande. Quando o carro parou nessa casa grande, eu vi, pelos buracos da caixa, que nessa casa grande havia uma placa... – Pergunte a ela se conhece as letras que havia nessa placa – interfere Joseph, solicitando a Luna. Ela atende ao pedido de Joseph e faz a pergunta à menina. – Sim, também sei ler – responde a criança. – O que havia na placa? – questiona Luna. – A palavra “sétimo”. – Só pode ser a placa do Sétimo Portal! A pousada que o casal estava – conclui Joseph, ao ouvir, de Luna, a resposta da menina. – Depois, eles colocaram de novo o pano na minha boca e nariz. Adormeci e quando acordei vi que estava num quarto, que ficava sempre trancado. Um homem me viu pela janela e ficou assustado. Mas não me ajudou, depois o vi conversando com a mulher que me prendia. Depois disso, eu quis ir ao banheiro. Eu gesticulei para a mulher que queria ir ao banheiro. A mulher entendeu que queria ir ao banheiro e deixou. Aí usei o banheiro, quando estava lavando as mãos, a mulher se distraiu e eu peguei dois punhados das bolinhas que havia dentro de um pote de veneno para rato que estava embaixo da pia e escondi nos bolsos da minha roupa. Fiz isso porque lembrei que minha professora me ensinou que veneno é perigoso e O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 83 podia deixar a pessoa doente. E eu ia colocar as bolinhas na comida deles para que eles ficassem doentes e eu pudesse fugir para casa. Quando saí do banheiro, a mulher me deu uma injeção que doeu muito e eu adormeci. Quando acordei estava dentro da caixa de novo, estava muito tonta. Quando abriram minha caixa, eu vi que estávamos num lugar sem casa nenhuma, aí vi um monte de velas acesas formando um círculo e o desenho de uma grande cobra no chão, dentro do círculo formado pelas velas. Havia uma garrafa com uma água que parecia com sangue e dois copos grandes e dourados, também dentro do círculo das velas. A mulher prendeu meu pé numa corrente. Eles se afastaram um pouco e ficaram de costas para mim. Eles começaram a se ajoelhar e se levantar. Aí, aproveitei que não estavam perto, peguei as bolinhas que estavam nos meus bolsos e os coloquei dentro da garrafa, sem eles perceberem. Coloquei todas dentro da garrafa! Queria que eles adoecessem! Estava com medo e com saudade de minha mãe! Queria fugir! De repente, senti que o chão começou a tremer e eu vi uma luz distante, como a de um carro, mas com o farol muito, muito forte. O carro voava baixo e parou em frente às pessoas, um pouco distante de onde fiquei. E saiu do “carro” um homem baixo... A mulher veio até mim e tirou toda minha roupa e me soltou da corrente. Depois o homem e a mulher que estavam comigo, colocaram a água da garrafa nos copos e levantarem os copos em direção ao “carro” e ao homem baixo, eles beberam tudo e, depois, se ajoelharam em frente ao homem que saiu do “carro”. O homem veio para perto de mim, mas não conseguia vê-lo direito por causa da luz e porque estava muito tonta. Quando ele chegou bem perto, vi que ele tinha cabeça redonda e olhos grandes e pretos. Era muito feio! Eu fechei meus olhos com medo dele. Fiquei O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 84 paralisada de medo. Eles me levaram para o “carro”, era um “carro” diferente. Não conseguia ver direito por causa da luz, mas ele não tinha rodas, era redondo e voava, ele tinha umas coisas que giravam bem rápido, sem parar. Aí fomos para outro lugar, voando no “carro”. Quando paramos, o homem de olhos negros começou a tocar meu corpo, aí desmaiei e acordei aqui. – Ela foi voando num carro? Como assim, voando num carro? – questiona Joseph, perplexo. – Sim, voando! O carro redondo voava – responde a menina, após ser questionada por Luna acerca da pergunta de Joseph. – Só pode ter sido um helicóptero o que ela viu! É a aeronave que pode voar baixo! O tremor de terra que ela sentiu deve ter sido na hora que a aeronave pousava! Com certeza, um helicóptero com um holofote, por isso, a luz forte. Os pilotos de helicóptero usam aqueles capacetes arredondados com viseiras grandes e negras. E as duas hélices só podem ser as coisas que ela diz que giravam sem parar. Um helicóptero tem design arredondado, por isso ela diz que era um “carro redondo” – sugere Luna, concluindo a partir dos relatos da menina. – Talvez, pois, de fato, só um helicóptero seria o meio de transporte idôneo para, em tão pouco tempo, ir do Jardim Zen ao Jardim Maitreya – complementa Joseph. Nesse instante, a mãe da menina entra no quarto e a vê acordada. Corre em direção a ela e a abraça! Ambas choram. – Sra. Severina, obrigado pela colaboração e desculpe-nos o incomodo! – agradece-lhe Joseph. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 85 – Descubra quem fez isso com minha menina! – exige Severina. – Vou dar o melhor de mim para isso! Luna e Sherman saem do quarto e começam a conversar no corredor sobre o que a menina relatara. – Descobrimos o “assassino” dos Mizhadi! Foi essa menina que os matou envenenados. Por outro lado, está comprovado que os dois são sequestradores e que tiveram participação direta no atentado sexual contra a criança. Eles fizeram o sequestro da menina a mando de alguém – conclui Joseph. – Que coisa estranha! De qualquer forma, a criança estava se defendendo! Ela vai ser condenada? – questiona Luna. – Se depender de meu relatório, não! A verdade é que ela é a maior vítima nisso tudo. A atitude dela deverá ser interpretada como legítima defesa, até porque, ela não tinha intenção de matá-los, mas deixá-los “doentes” para poder fugir; todavia, para tudo isso ter base, é fundamental encontrar quem a violentou e saber o porquê e para quem ela foi sequestrada. – E lá no necrotério? O que você conseguiu levantar? – A menina está contaminada com uma espécie de câncer oriundo de uma substância que teve contato quando foi violentada. Mas a doença e a substâncias não foram devidamente identificadas. Entretanto, é uma doença com alto poder degenerativo. – Substância não identificada? Doença degenerativa não identificada? – pergunta Luna. – Sim! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 86 Luna raciocina um pouco e conclui: – Claro! Tudo faz sentido! O que ela disse sobre o tal “carro redondo que voa” e “homem de cabeça redonda e olhos negros” é uma descrição perfeita de um helicóptero e de um piloto de helicóptero, respectivamente. Ou seja: as pessoas envolvidas nisso tinham um grande poder aquisitivo. Pois não é qualquer um que 87 tem um helicóptero... – Sim, mas isso não explica nada! Onde está querendo chegar? – Tudo faz sentido! Ela só pode ter sido sequestrada para servir de cobaia numa experiência de alguma arma química ou biológica. Os Mizhadi são realmente terroristas! – Também pensei na possibilidade de arma química ou biológica. Mas por que iriam violentar a criança? Não faz sentido! – Talvez tenha sido só a forma mais eficaz de introdução da substância na vítima ou apenas requinte para a crueldade desses psicopatas... – Mas em relação ao que a menina disse sobre o casal se ajoelhar e beber uma “água” parecida com sangue? Tudo parecia parte de um ritual macabro! – questiona Joseph. – Eles podem ter se agachado na hora da chegada do helicóptero. É uma praxe de segurança para evitar acidentes com a hélice do helicóptero e pedir aproximação à aeronave. Acho que toda vez que eles chegavam perto da aeronave se agachavam. E a tal “água” pode ser chá ou até ser uma substância que os imunizasse à ação da substância desconhecida que a menina seria colocada em contato. Além do mais, ela, provavelmente, estava dopada com a injeção que O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO recebeu; pode ter visto as coisas de forma distorcida. – O desenho luminescente da serpente na testa da menina também está na testa dos Mizhadi! E a garrafa e os copos, elas não foram encontradas nem constam no relatório? Tudo é revestido de mistério! – O desenho luminescente da serpente nas testas pode ser só um código de segurança entre os integrantes da entidade terrorista para evitar infiltrações. Isso não é incomum. O material luminescente deve ser o mesmo de microfibras de documentos públicos. A garrafa e os copos podem ter ficado no helicóptero – justifica Luna. – Minha intuição diz que não é só isso. E o desenho da serpente no chão e as velas? Nada faz sentido. Tudo parece mais um ritual do que uma experiência de arma química. – Simples: desenho e as velas estavam lá para sinalizar e auxiliar o helicóptero no momento que ele fosse ele realizar o pouso! A luz que ela viu pode ter sido o holofote acoplado à aeronave para facilitar a localização dessas pessoas em terra! Os desenhos da serpente e as velas estavam nos dois Jardins para sinalizar e auxiliar o pouso da aeronave, só pode ser isso. Tudo se encaixa! Eles sinalizaram os dois locais para saber onde o helicóptero devia pousar... – Mas as velas apagariam com o vento produzido pelos rotores do helicóptero. Além do mais, o canhão de luz dessas aeronaves são muito potentes, lembro que já os utilizamos em algumas operações e eles têm de ser acionados numa distância mínima de noventa metros, pois podem cegar uma pessoa se forem ligados mais próximos. E mais: quem fez a “sinalização” da serpente e colocou as O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 88 velas no Jardim Maitreya? Pois eles estavam no Jardim Zen! – Joseph, Maria estava dopada! O senso de distância e profundidade dela estava comprometido. É provável que a aeronave tenha pousado relativamente longe de onde ela estava. Com relação às velas no outro jardim a resposta é fácil: isso só indica que há mais pessoas envolvidas! – Mas, segundo o relatório, só há digitais de Hashid e Yasmin nas velas encontradas nos dois locais! Não há mais nenhum indício do envolvimento de mais pessoas, muito menos de pouso de aeronaves nesses locais. – São apenas alguns detalhes que no momento estão sem resposta. Precisamos descobrir quem estava no helicóptero ou quem ordenou a ida desse helicóptero. – Com certeza! – Apesar das facetas sórdidas que envolvem esse caso, estou começando a gostar desse trabalho! Meus superiores vão adorar saber que há realmente conexão terrorista! Vou preparar um relatório! – comemora Luna. – Eu discordo de você. Muitas coisas não fazem sentido para mim e não se encaixam. Precisamos ir até Altamira e Machu Picchu colher mais informações antes de colocar alguma coisa formalmente em relatório. – Joseph, sua especialidade é homicídio; a minha, terrorismo internacional! Faz parte das atribuições da Divisão de Investigações da Alfândega e Imigração a repressão ao terrorismo e às armas de destruição em massa! Pela minha experiência, aposto, “com quem quiser apostar comigo”, que isso é terrorismo! Terrorismo fomentado por uma megaestrutura financeira! Estamos diante de algo O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 89 grande, muito grande! Já tenho subsídios para relatório! E, quanto antes, melhor! Eles podem estar preparando algum atentado aqui ou nos Estados Unidos com a tal substância desconhecida. – Sua tese é bastante plausível, quando analisamos perfunctoriamente; mas, há muitos detalhes sem respostas concretas. Vou investigar um pouco mais, antes de emitir relatório. Até porque, minha responsabilidade, segundo o Assessor Internacional do Ministério da Justiça, é meramente criminal. Preciso encontrar quem violentou a menina, aí o caso estará solucionado para mim! – Vamos procurar um hotel, estou exausta. – Eu moro aqui em Goiânia, no Residencial Mônaco. Três quarteirões daqui. Há um quarto de hospedes em meu apartamento. Você poderia dormir lá. – Não sei. O pessoal de seu prédio pode pensar mal de nós. – Esse é um convite sem quaisquer segundas intenções, Luna! Precisamos ficar juntos para tentar debater e elucidar melhor esse caso. – Tudo bem! Tem razão! Eu vou com você. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 90 CAPÍTULO VIII Residencial Mônaco, apartamento 901, Goiânia, 22h00min. Depois de tomarem banho e jantarem, Sherman e Luna, discutem, na sala do apartamento de Joseph, suposições acerca do caso: 91 – Sua tese de terrorismo fomentado por uma mega-estrutura financeira é muito inteligente, Luna! Não tenho dúvidas que é fruto de uma mente brilhante e experta no assunto; mas, com todo respeito, eu sinto que não é a verdade sobre os fatos! Muitas coisas não se encaixam nessa teoria – constata Joseph, manuseando, pormenorizadamente, as pistas colhidas e os relatórios que recebera de Komoda, os quais estavam espalhados sobre a mesa. – Pelo menos, é uma teoria e uma luz no meio de tanta coisa estranha que encontramos! – responde Luna. – É verdade! De qualquer forma, parabéns pela tese! – diz Joseph, bocejando e esfregando o rosto (num nítido sinal de cansaço). – Parece cansado, “Josito”! – observa Luna, brincando com o apelido dele. – Vai ficar pegando no meu pé por causa do meu apelido, é? Ah, por falar nisso, o que a louca da Silvana te disse? Hein? – Essa é uma informação confidencial, sr. Sherman! Costumo ser fielmente sigilosa acerca de dados colhidos junto às minhas fontes! – retruca Luna, brincando. – Sei. – Brincadeira! Ela falou muito bem de você e muito mal da tal Rebeca. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – De fato, ela nunca gostou de Rebeca; sempre ficava desconfiada quando Rebeca me acompanhava no necrotério. – Ela disse que Rebeca, quando ia ao necrotério te acompanhando, era extremamente arrogante e não falava com ninguém. Segundo Silvana, parecia que Rebeca tinha um “rei na barriga” e olhava para os outros “com o nariz empinado”. – É. Algumas pessoas reclamavam que Rebeca era chata. Mas sobre mim? O que ela disse? – Disse que você era um “rapaz muito bom”, e que era “honesto e humano”. Disse também que você era muito atencioso com a ex-namorada e bem-humorado com todas as pessoas de lá. Ainda disse que você sempre procurava agradar Rebeca, mas que ela não valorizava seus pequenos gestos de carinho. – Eu sempre fui bem-humorado, só fiquei chato, assim como sou agora, de uns tempos para cá. Cinquenta por cento de minha chatice atual surgiu depois que meus pais morreram e que um colega perdeu a vida numa operação – na qual eu era o coordenador. A partir desse dia, perdi o estímulo para o trabalho de campo e fui trabalhar na burocracia; por pouco, não desisti de ser policial. Os outros cinquenta por cento de chatice eu adquiri muito recentemente, depois de levar um fora de Rebeca – brinca Joseph. – Você a amava muito, não é? – Disse bem! Amava! Com a desinência indicando passado! Ela me decepcionou muito, demonstrando que eu não significava nada para ela. Prova disso é que ela arrumou outra pessoa em pouquíssimo tempo, como se fosse a coisa mais normal do mundo; e pior: ela foi namorar um cara que ela sabia que eu detestava. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 92 Para falar a verdade, hoje em dia, o que sinto por ela é aversão! E mais, sinto arrependimento de ter perdido tanto tempo com alguém que não valia a pena – desabafa Joseph, mostrando uma feição bem mais serena. – Que bom! Diz Luna, com ar de satisfação. – Como assim “que bom”? Você fica feliz em saber que não a amo e que 93 estou arrependido? – Digo: que bom que você superou isso – complementa Luna, um pouco constrangida. – Na verdade, nosso relacionamento entrou em crise porque ela insistia em não noivar, queria sempre crescer mais profissionalmente antes de dar esse “passo” no relacionamento e se casar. Até um ponto que a pressionei demais e ela acabou o namoro – completa. – Entendo – diz Luna, encarando-o demoradamente. – O que foi? O que está olhando? – pergunta Joseph, encabulado. – Nada! – responde Luna, desviando o olhar e revelando novo constrangimento. – Sabe de uma coisa, Luna? Tudo que sempre sonhei foi em me casar com Rebeca. Passei onze anos da minha vida planejando isso! Desde o primeiro dia em que começamos a namorar. Sonhava em pedir licença do trabalho – por um ano inteiro – comprar um veleiro e sair viajando pelo mundo, numa extensa lua de mel. Velejar e amar, sem me preocupar com mais nada na vida! Infelizmente, os planos dela eram outros: sua prioridade era a ascensão na carreira. – Sei... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Eu não a culpo por isso, pois eu mesmo, durante algum tempo da minha vida, também pensava como ela; tinha a mesma obsessão. Depois que perdi meus pais e depois da morte de um colega em Pernambuco, comecei a pensar diferente. Cheguei à conclusão que nós devemos aproveitar todo nosso tempo com as pessoas que amamos, pois perdemos muito tempo de nossa vida com coisas tolas, como o trabalho, e acabamos não vivendo! As pessoas passam e nós não a aproveitamos! A vida e as pessoas são efêmeras. Passam rápido, muito rápido. Trabalho e dinheiro são meios e não fins... – Isso é a mais pura verdade! Veja que coincidência, depois que meu marido morreu, eu tive o mesmo pensamento de sair por aí num barco, sozinha e sem rumo certo, mas sou muito medrosa para fazer isso sozinha... – Sério? – Sim! Adoro o mar, ele me dá uma sensação de liberdade. Além do mais, meu pai era da Marinha Americana e sempre me levava para os portos e para ver os navios. Eu também, como você, depois de ficar viúva, comecei a me dar conta de que poderia ter aproveitado melhor a vida ao lado de quem amava. Pois eu era como Rebeca, não dava muita atenção ao meu marido, só pensava em trabalho, em promoções... – É, mas você é jovem. Quem sabe não encontra outra pessoa e reconstrói sua vida com novos valores? – consola-lhe, Joseph. – É! Tomara essa pessoa esteja mais perto do que eu imagino. Não quero chegar aos quarenta anos estando ainda sozinha – lamenta-se Luna, olhando serenamente para Joseph. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 94 – Essa conversa profunda me inspirou! Quando tudo terminar e solucionarmos esse caso, eu comprarei um veleiro grande e moderno para sair uns tempos por aí, para pensar um pouco na vida contemplando a imensidão do oceano! Tenho dois meses de férias para tirar, além de um bom dinheiro da herança que recebi de meus pais e de onze anos de poupança – montante que juntei, religiosamente, na esperança de um dia casar com Rebeca e ter uma lua de mel de um ano inteiro com ela – revela Joseph. – Também tenho uma boa poupança. Recebi herança e seguro de vida de meu ex-marido e também tenho algumas economias pessoais. Mas de que vale isso, se não há com o que gastar? – Entendo. – Mas, mate-me uma curiosidade, diga-me qual seria a trilha sonora de sua viagem solitária pelos mares? Pergunta Luna. – Como assim? Que trilha sonora? – Ah, Joseph. Para pensar na vida, nada melhor do que uma música que traga algum sentimento especial ou reflexão... – Ah, entendo. Vejamos: tudo que passei e, ainda mais agora, depois que Rebeca me deu um fora, fez-me pensar que nossa vida é muito fútil. Perdi meus pais, perdi colegas que morreram trabalhando, e tudo que fiz foi me dedicar ao trabalho. Estou à beira dos quarenta anos e estou sozinho, sem parentes e sem ninguém para compartilhar a vida... – Também me sinto assim. Tenho a sensação que a vida passou e eu fiquei presa ao trabalho e a uma corrida infinita em busca de ascensão... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 95 – Eu acho que só há uma canção que consegue expressar isso. Sempre gostei dessa música, mas agora que conversamos tudo isso, eu creio que tal música descreve com perfeição nosso sentimento em relação à vida: – Qual é? Joseph dirige-se ao seu aparelho de som, procurando algo entre algumas caixas de CD. Seleciona uma das caixas, confere o título e o número da música que queria. Retira o CD da caixa, ficando com ela numa das mãos. Insere o CD no aparelho de som, seleciona uma das músicas do disco e aumenta um pouco o volume. Uma melodia tocada com violões começa a ser executada, à medida que a letra vai sendo cantada pelo intérprete: – I close my eyes, only for a moment, and the moment's gone (fecho os meus olhos, só por um momento, e o momento já se foi...) – All my dreams pass before my eyes, a curiosity… (Todos os meus sonhos passam por meus olhos, cheios de curiosidade...) – Dust in the wind! All they are is dust in the wind… (Poeira ao vento! Tudo que eles são é poeira ao vento...) – Same old song, just a drop of water in an endless sea… (A mesma velha canção, apenas uma gota de água num oceano sem fim...) – All we do crumbles to the ground, though we refuse to see… (Tudo que fazemos desaba ao chão, ainda que nos recusemos a ver...) – Dust in the wind. All we are is dust in the wind... (Poeira ao vento! Tudo que nós somos é poeira ao vento...) – Now don't hang on, nothing lasts forever but the earth and sky… (Não fique O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 96 esperando, nada dura para sempre, só a terra e o céu...) – It slips away, and all your money won't another minute buy… (O tempo irá embora, e todo seu dinheiro não poderá comprar um único minuto...) – Dust in the wind. All we are is dust in the wind… (Poeira ao vento! Tudo que nós somos é poeira ao vento...) – Dust in the wind. Everything is dust in the wind! (Poeira ao vento! Tudo é poeira ao vento!) – Joseph! Dust in the Wind! Linda canção! Já ouvi muitas vezes, mas, depois que conversamos hoje, nunca imaginei que poderia ser tão profunda e significativa como foi! – confessa Luna, emocionada, enquanto a música continua sendo executada. – É verdade! Joseph se distrai e derruba a caixa de CD que tinha na mão. Ele e Luna se agacham para pegá-la, simultaneamente. Luna pega a caixa no mesmo momento que Joseph, eles se levantam, tocando-se nas mãos e olhando-se diretamente em seus olhos, ficando estáticos por um momento. Joseph toca o rosto de Luna e prepara-se para beijá-la, mas, no exato instante, quando estão quase se beijando, o interfone toca. Luna se assusta com o barulho do aparelho e larga Joseph, repentinamente. Joseph, frustrado e irritado, vai atender o interfone. – Pois não! – Seu Joseph? – pergunta o funcionário da portaria. – Francisco, isso é hora de interfonar para cá? – Mil desculpas, mas sua vizinha, que mora no apartamento 902, ligou pra cá O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 97 reclamando de um som alto no apartamento do senhor. Disse que isso não é hora de levar mulher para fazer festa, pois esse é um edifício de família. Ela estava muito brava! – Que velha cretina e fofoqueira! – Eu sei que ela é chata, Seu Joseph, mas tive que ligar. Cumpro ordens. O 98 senhor sabe como é? Não sabe? – Tudo bem, Francisco, desligarei o som. – Desculpe-me incomodar e boa noite! – Tudo bem! – Quem é e o que a velha cretina fez? – pergunta Luna, curiosa. – Uma vizinha! Ela estava reclamando do som alto. Você acredita? – Ela talvez tenha razão, Joseph, pois já é tarde. Inclusive eu acho que vou dormir, amanhã voltaremos a Brasília, certo? – Sim. Vamos sair bem cedo. É melhor irmos dormir mesmo. O celular de Joseph toca. – Quem será agora? – murmura Joseph. Ele pega o telefone e verifica que é Komoda, pelo que o atende rapidamente. – Komoda? – Sherman? Desculpe-me ligar a essa hora. Passei o dia todo tentando falar contigo, mas estava cheio de trabalho lá no Departamento; não pude ligar mais cedo. – Sem problema, o que você quer? – Tenho notícias boas e ruins... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Diga-me as notícias boas! – Consegui as diárias e as passagens para Machu Picchu e Altamira. – Ótimo! Mas o que há de ruim nisso? – A notícia ruim é que as passagens e diárias de Altamira foram liberadas para o dia quinze de dezembro desse ano; entretanto, as passagens e diárias para Machu Picchu só serão liberadas ano que vem! Mais precisamente: dia três de janeiro de 2007. – Agradeço seu esforço, Komoda, mas lamento que isso vá atrasar muito minhas investigações! – Tenho certeza disso, meu amigo; mas, tenha certeza, fiz o melhor que pude suplicando às cobras do Setor Financeiro. – Sei como é! Muito obrigado, de qualquer forma. – Até mais! Qualquer coisa me dê notícias. – Tudo bem, Japa! – Quais as novidades, Joseph? – pergunta Luna. – Só vamos poder viajar para Altamira dia quinze de dezembro; Machu Picchu, em janeiro do ano que vem! – Não tem problema. É o tempo que tento organizar meus relatórios com minha tese sobre a extensão do caso. Por outro lado, já que a próxima viagem é só dia quinze de dezembro creio que você não precisará ir até Brasília amanhã; eu vou sozinha! – Não! Vamos juntos! Eu tenho um assunto para resolver lá no Distrito Federal! E esse tempo vago vai ser propício para isso! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 99 – Assunto? Que assunto? – Preciso ministrar uma lição a algumas pessoas más! Coisa pessoal! Uma missão especial. Tenha uma boa noite! – Você não vai dormir agora? – questiona Luna. – Não, pois preciso separar uns materiais para essa missão especial de 100 amanhã! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO IX Embaixada Norte-Americana em Brasília, 29 de novembro de 2006, 10h00min. Joseph para o carro em frente à Embaixada. – Vamos nos encontrar só daqui a duas semanas, data da viagem para Altamira – diz Joseph, com expressão tristonha e contrariada. – É verdade – responde Luna, demonstrando o mesmo ar de tristeza. – Antes de viajarmos, poderíamos sair para jantar. O que acha? – diz Joseph, mudando o semblante tristonho e esboçando expressão risonha. Luna fica cabisbaixa e cala–se; depois, raciocina por um instante e, com ponderação, retruca: – Joseph, eu não sei se estou preparada para isso. – Preparada para jantar? Eu te ensino a pegar nos talheres, caso não saiba! Também te arrumo um babador! – brinca Joseph. – Não, engraçadinho! Você sabe muito bem que não é isso que está em questão... – Eu sei! Não queria ser inconveniente, perdoe-me! Queria apenas jantar com você, porque acho que vou sentir falta da senhora previdência feminina – graceja. – Ontem à noite, algo muito sério ia acontecer entre nós! Não sei se estou preparada para outra relação – fala, em tom sereno, Luna. – Perdoe-me se minha atitude ontem te ofendeu, não era minha intenção... – Não peça desculpas! Eu não estou dizendo que você agiu mal ou que foi O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 101 inconveniente, também não disse que não queria que acontecesse... – E você quer que aconteça? – Não sei se já estou preparada para isso. – Entendo-te perfeitamente! Mais saiba que meu convite para jantar com você era por querer estar perto de você e não para sugerir algo. Sentirei sua falta, independente de acontecer algo entre nós. Sua companhia me agrada, me alegra e me distrai. Há muito tempo não me sentia tão bem... – Joseph, eu também sinto o mesmo; depois que fiquei viúva, nunca achei que me sentiria assim! Seja paciente comigo, certo? Estou confusa, não sei se estou misturando trabalho com coisas pessoais... – Eu esperei onze anos de minha vida por alguém que não valia nada! Vou te dar o tempo que precisar. Mas, não querendo te assustar, preciso dizer que esses poucos dias em sua presença me fizeram-me esquecer Rebeca completamente. Acho que eu e você somos dois “gananciosos arrependidos” cujas vidas foram até aqui “poeira ao vento”, temos tudo em comum! – revela Joseph, em tom de declaração. – Joseph! Você me deixa sem graça, falando assim. – interrompe Luna. – Desculpe-me! – recompõe-se Joseph. – Tenho que ir, antes que você me peça em casamento! – brinca. – Casamento é exagero, mas meu convite para jantar continua de pé... – Certo! Vou pensar a respeito... – Tchau! Luna desembarca do carro sob olhar tenro e concentrado de Joseph, que O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 102 está debruçado sobre o volante. Ele aguarda ela acessar o prédio, liga o veículo e dirige-se à Sede da Polícia Federal. Assim que chega ao prédio da Sede, dirige-se, imediatamente, ao Setor de Administração e Logística, à sala de Komoda. Joseph bate à porta e entra: – Sherman? – surpreende-se Komoda ao vê-lo. 103 – Fala aí, Japa! – O que veio fazer aqui? – Estou aqui, porque minha urgência, agora, é resolver outra coisa. Esse período vago foi propício. Lembra-se dos dados que te dei e que você fez o levantamento dos endereços correspondentes? – Lembro sim! Do que se trata? Joseph relata, detalhadamente, as duas situações esdrúxulas que passou com o garoto do ônibus e com o taxista. – Inacreditável! – constata Komoda, às gargalhadas. – Com relação ao taxista não sei o que fazer ainda, mas, em relação ao menino, já tenho algo em mente desde o dia que saí daquele ônibus. – Tudo bem! Aqui estão os endereços e as fotos da casa do menino! – diz Komoda, tirando alguns envelopes de sua mesa e os entregando a Sherman. – Obrigado! – Agora, que tal nós conversarmos algo sério? Como andam as investigações? – Truncadas, meu amigo! Muito truncadas! – Como assim? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Descobri que a menina violentada não era filha dos Mizhadi. – Que estranho! – O pior de tudo, é que ela não se chama Elisa Mizhadi; seu verdadeiro nome é Maria das Graças Pereira: criança sequestrada em Altamira, no Pará. Muito provavelmente, os sequestradores são os Mizhadi. 104 – Que reviravolta... – Tem mais: sabíamos que a menina foi violentada, mas descobri que em sua genitália foi encontrada uma substância não identificada que gerou uma doença igualmente não identificada... – Estou me recordando que essa cidade de Altamira já tem tradição em desaparecimento de crianças. Lembra daquele grupo que sequestrava crianças para matá-los em rituais de bruxaria? – recorda-se Komoda, enquanto Joseph continua seu relatório. – Claro que sim! Foi um caso de repercussão nacional. Meu Deus, nem me lembrei disso antes... – Não queria complicar mais, mas já que os Mizhadi estavam fazendo um ritual ocultista na cidade de Alto Paraíso, pode haver relação entre esses crimes e os do caso de Altamira... – Não sei se há relação, Komoda. Eu e Luna colhemos informações com a menina sequestrada e ela descreve que foi levada de um canto a outro de Alto Paraíso, ao que tudo indica, num helicóptero. Luna arquitetou uma tese, bastante plausível, de que se trataria de terrorismo internacional e que a questão de ocultismo ou misticismo seria apenas uma fachada de uma possível organização O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO terrorista... – E o que você concluiu de tudo isso? – Ainda nada. Mas, francamente, minha intuição não aceita essa tese, pois há muitas coisas que não se encaixam nela... – Tipo o quê? – Na testa dos corpos do casal e na menina, há um desenho de uma serpente luminescente à ação de luz ultravioleta. Uma serpente igual aos desenhos feitos no chão do jardim de Alto Paraíso de Goiás onde os Mizhadi morreram. – Como é? – Isso mesmo! Eles têm uma espécie de marca implantada nas testas e que é sensível à ação de luz ultravioleta. O material é muito similar ao que há em alguns documentos públicos, como passaportes e carteiras de habilitação... – Que coisa! E como Luna explica isso? – Ela acha que é uma coisa comum, como uma espécie de código de segurança entre os terroristas para evitar infiltrações... – De fato, tudo parece se encaixar, as teses dela são bem inteligentes. Ela é boa nisso, hein? Mas e em outras coisas, ela é boa também? – diz Komoda, com ar malicioso. – Komoda, seu pervertido! – Vai bancar o puritano, Joseph? – Cara... Eu acho que me apaixonei pela mulher, temos muito em comum! Sinto-me muito bem ao lado dela... – Que revelação bombástica, sr. Sherman! Mal saiu de uma relação e já está O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 105 apaixonado? – brinca Komoda. – Qual é? Preciso me recompor da perda que a cretina da Rebeca me fez sofrer! – Sei. Mas, voltando ao trabalho, quando é que você vai me apresentar um relatório? Estou sendo pressionado pelo pessoal de cima... – Só depois de voltar de Altamira e Machu Picchu é que farei um relatório preliminar. – Tudo bem! Estamos às vésperas do fim de ano e tudo para mesmo. – Tenho que ir! – Mas já? Vamos almoçar lá em casa! – Não posso! Vou resolver o problema com meu amiguinho do ônibus! – Olhe lá, cuidado com o que vai fazer! – Deixe comigo! – Até mais e juízo! – Até! Obrigado, mas isso me falta desde que nasci! Joseph sai para almoçar. E, depois, dirige-se a um supermercado, onde compra uma máscara de monstro, uma arma laser de brinquedo, um par de pantufas simulando pés de dinossauro e uma lata de sardinhas. Encaminha-se, posteriormente, até o endereço fornecido por Komoda: a casa de Ezequiel, o menino do ônibus. A casa da criança ficava numa área nobre da cidade-satélite de Ceilândia. Joseph vai se informando com algumas pessoas acerca do endereço, até chegar ao exato local onde a casa ficava. Ele para o carro próximo à residência do menino e observa atentamente. Era uma casa grande, entre outras tantas casas O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 106 grandes que havia naquele bairro. Em frente à casa de Ezequiel, havia um prédio. Joseph verifica todo local, conferindo com as fotos que recebera de Komoda. Ele raciocina por um minuto, olha para o prédio e vê que, no quarto andar, há uma placa de “aluga-se”. Ele desce rapidamente do carro, pega uma mala e dirige-se à portaria do prédio. 107 – Boa tarde! – cumprimenta Joseph ao porteiro. – Boa tarde! – Meu nome é Marcelo. Vim olhar o apartamento para alugar! – mente Joseph. – O 402? – Isso! – O senhor vai ter que ir até à imobiliária, pois as chaves estão lá... – Eu já passei lá na imobiliária e estou com as chaves comigo! – Ah, tudo bem! Pode entrar... – Muita gente já veio olhar esse apartamento? – pergunta Joseph. – Faz dois meses que está para alugar e o senhor é a primeira pessoa interessada! – Bom! Posso subir? – Claro! É por ali... Joseph segue o caminho indicado pelo porteiro, toma o elevador e sobe até o andar do apartamento que estava sendo ofertado. Ele pega uma chave mestra e abre a porta, sem qualquer dificuldade. Depois, entra no apartamento e fecha a porta. Abre sua mala e tira um binóculo. Posiciona-se à janela do prédio e consegue O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO uma visão privilegiada da casa de Ezequiel. Ele observa, um a um, todos cômodos da casa através de suas respectivas janelas. Em um dos cômodos, consegue ver Ezequiel. Ele está no seu quarto, ao que parece, estudando em uma mesinha e debruçado sobre um livro. – Bingo! Lá está o pestinha! O menino parece disperso frente ao livro. De repente, ele coloca o dedo no nariz, depois coloca o dedo na boca. – Que fedelho seboso! Comendo meleca de nariz! Uma mulher vestida com um uniforme de doméstica entra no quarto e parece reclamar com Ezequiel, apontando para o livro. O menino cruza os braços e balança a cabeça em sinal de negação. A mulher parece insistir com ele. O menino dá uma tapa no livro, voltando a cruzar os braços e balançar a cabeça em sinal de negação; ao que tudo indica, ele está recusando-se a estudar. – Além de seboso, o moleque parece que é meio vagabundo! – constata Joseph. Depois disso, Joseph continua fazendo um levantamento visual de toda a casa: localiza um cômodo que, pela cama de casal, poderia ser o quarto dos pais da criança. Ele olha novamente toda a casa e vê, através da janela, um gato caminhando na sala e deitando-se preguiçosamente no tapete. – Zamir – supõe Joseph, recordando-se que o menino havia feito menção do nome do felino, quando estavam no ônibus. Depois, Joseph verifica a existência de um sótão no topo da casa. – Ótimo! – comemora. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 108 Ele olha novamente para o quarto de Ezequiel, e vê que a mulher com roupas de doméstica está com uma toalha nas costas, provavelmente, chamando a criança para tomar banho. O menino repete sua atitude irredutível e continua de braços cruzados e balançando a cabeça. Joseph termina a observação e coloca novamente as coisas na mala, sai do recinto, fecha novamente a porta do apartamento, trancando-a com a chave mestra, e desce. Agradece ao porteiro e retorna ao seu veículo. De lá, começa a monitorar toda a movimentação na residência de Ezequiel. Ele passa muito tempo em observação, sem ver qualquer tipo de movimentação, até que, por volta das dezoito horas, ele vê a chegada de um veículo. Verifica dentro do carro e reconhece o pai do menino. Quinze minutos depois, vê outro carro chegando: era a mãe do garoto. Cerca de quarenta minutos depois da chegada do casal, ele vê que a mesma mulher que estava com roupas de doméstica sai da casa e vai embora. Poucos instantes depois da empregada sair, Joseph vê o casal e a criança no banco de trás saindo num dos carros que havia na casa. – Ótimo! A casa está vazia! – conclui Joseph. Ele toma novamente a mala e também uma mochila, na qual estavam objetos que havia separado premeditadamente. Ele coloca a mochila nas costas e dirige-se à entrada da casa. Verifica se não está sendo observado, toma um equipamento eletrônico nas mãos e, após alguns instantes, consegue acionar o portão eletrônico, abrindo-o. Verifica novamente se não está sendo observado, entra rapidamente e aciona novamente o equipamento para fechar o portão. Dirige-se à porta da casa e abre-a, cuidadosamente, com sua chave mestra. Entra na casa e tranca a porta. Coloca suas coisas no chão, abre a mala e pega uma sacola e a lata de sardinhas O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 109 que havia comprado. Abre-a e esconde-se atrás de um dos sofás, aguardando que Zamir venha comê-la. Assim que o bichano se aproxima, atraído pelo odor do peixe, Joseph o toma pelo pescoço e o coloca dentro de um saco, amarando-o. O gato se debate e faz muito barulho. – Eis aqui um legítimo e literal “balaio de gato” – diverte-se ele, levantando o 110 saco com o gato. Joseph pega um cilindro que havia dentro da mochila e uma máscara. Ele põe a máscara e libera um pouco do gás que havia no recipiente, perto da cabeça gato. O animal, em alguns segundos, adormece. Joseph remove todos os vestígios que deixara na sala e começa a verificar toda a estrutura da casa e a procurar a entrada do sótão. Vê, detalhadamente, todos os cômodos da residência e localiza a entrada que buscava. Ele dirige-se ao sótão com sua mochila, a mala e o gato dormindo dentro de um saco. Abre a portinhola do sótão e esconde-se, aguardando a volta da família. Por volta das vinte e uma horas, Joseph ouve um barulho: eram os moradores da casa, pois haviam retornado. Ele aguarda, pacientemente, até que não haja mais nenhum barulho na casa. Joseph chega a ouvir Ezequiel reclamando que não encontra Zamir, bem como, a resposta da mãe do garoto, deduzindo que o gato poderia ter fugido e que, provavelmente, voltaria pela manhã. Quando todo o barulho cessa, Sherman supõe que estão todos dormindo. Ele, cuidadosamente, sai do sótão e vai a passos curtos até a entrada do quarto dos pais do garoto. A porta do quarto está fechada. Joseph pega a máscara e o cilindro de gás, pega uma pequena mangueira e a introduz no cilindro de gás. Depois coloca a outra ponta da mangueira pela fresta da porta, por baixo. Libera uma grande quantidade de gás e O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO conta quinze minutos em seu relógio. Depois, sai em direção ao quarto de Ezequiel. À entrada do quarto, ele veste-se com uma roupa preta, inclusive luvas pretas, e guarda a sua outra roupa na mochila. Tira um equipamento em forma de uma pequena máscara – cuja função era distorcer a voz – e o instala sobre a boca. Depois, coloca a máscara de mostro que e as pantufas de dinossauro que havia comprado. Ele tira Zamir do saco e o pega pelo pescoço, na outra mão toma a arma de brinquedo – que também havia comprado no supermercado – e a coloca na cintura. O gato ainda estava dormindo. – É hora do show! – diz Joseph, com a fala já distorcida pelo equipamento que deixava a voz muito grave. Ele abre lentamente a porta do quarto do garoto, acende a luz de um abajur que havia ao lado da cama da criança e posiciona-se em frente à cama, dizendo: – Acorde, Ezequiel! A criança acorda preguiçosamente e quando vê Joseph dá um pulo para trás. – Papai! Papai! – grita. – Não adianta gritar! Seus pais estão sob efeito de minha arma química do sono! Eles não vão vir te ajudar! Eu estou aqui para julgar você por suas maldades! – Socorro! – esgoela-se a criança, chorando, fechando os olhos e escondendo-se por debaixo do edredom. Joseph puxa o edredom e o joga no chão. – Se não parar de gritar eu dou um tiro em Zamir e o desintegro com minha pistola laser – diz Joseph, levantando o gato, tirando a arma de brinquedo de sua O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 111 cintura e apontando para a cabeça do bichano. – Quem é você? – pergunta-lhe o garoto, abrindo os olhos e o encarando com espanto. – Meu nome é Passageiro do Ônibus Espacial! Vim de uma galáxia muito distante e sou de uma raça alienígena superior. Mas, para garotos burros como 112 você, sou conhecido como Papão! O Bicho-Papão! – Você vai me devorar? – questiona a criança, aterrorizada e chorando muito. – Minha missão galáctica era devorar você e comer seu gato na sobremesa! Tenho visto que você é o menino mais malvado da Terra! Mas eu vou te dar uma última chance para não ser devorado... A criança está trêmula e com os olhos esbugalhados em direção a Joseph. – Tenho uma lista de exigências para você cumprir! – Não me coma, por favor! – suplica o garoto. – Ezequiel, você vale menos do que o que esse gato enterra quando faz necessidades! Mas eu vou te dar uma chance de melhorar e ser um menino bom... – Eu faço qualquer coisa, mas não me coma! – Tenho uma lista de exigências, preste muita atenção: a exigência um é que você terá que tomar cinco banhos todo dia; dois – você não vai mais poder comer meleca de nariz; três – você vai estudar três horas por dia; quatro – todos os dias você vai, assim que acordar, ficar três minutos de joelhos e dizer “Deus, perdoe-me por ser um menino mau”; cinco – você vai fazer tudo que a empregada e seus pais mandarem você fazer; seis – você vai ajudar a empregada a lavar os banheiros... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Eu faço tudo isso, mas vá embora, por favor! Clama, aos prantos, o garoto. – Preste muita atenção: se descumprir qualquer desses mandamentos, eu venho, pessoalmente, te devorar! E mais, se contar para seus pais que estive aqui, também não haverá piedade a você! – Mas o que é piedade? – questiona a criança, perplexa. – Garoto burro! Se tivesse dado atenção à empregada, fazendo a lição todos os dias, talvez você possuísse um vocabulário melhor! – O que é vocabulário? – Garoto burro! Você não vai poder falar para ninguém que vim aqui! Nem vai poder descumprir os mandamentos que te dei! Entendeu? – Sim... – Como vai se comportar? – Não vou mais comer meleca; vou tomar cinco banhos; vou obedecer meus pais e Anastácia, a empregada; vou estudar três horas por dia e, quando acordar, vou passar três minutos de joelhos pedindo perdão a Deus por ser mau; e ajudar Anastácia a lavar os banheiros... – Muito bem! Se, num único dia, deixar de cumprir esses mandamentos, eu voltarei da minha galáxia para puni-lo como merece! E você deverá fazer isso até completar trinta anos! – Eu faço tudo, mas vá embora, por favor... – Vou embora, tome aqui seu gato – diz Joseph, jogando o animal para Ezequiel pegar. Joseph vira-se para ir embora e apaga a luz do abajur. Ezequiel soluça de O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 113 choro e fica estático na cama com os olhos fechados e repetindo como uma prece: – Vá embora, por favor! Vá embora, por favor! Vá embora, por favor! Vá embora, por favor! Sherman sai do quarto e fecha a porta. Arruma suas coisas, tirando a máscara e as pantufas e sai da casa apressadamente, dirigindo-se ao seu carro. Quando chega ao carro e entra no veículo, ele começa a rir descontroladamente. Depois, vai à procura de um hotel para passar aquela noite. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 114 CAPÍTULO X Hotel Martin, Ceilândia - DF, 30 de novembro de 2006, 08h05min. Joseph, desorientado, acorda com o toque estridente de seu celular. 115 – Alô? – Josito? – Batista? – diz Joseph, levantando-se subitamente da cama. – Isso! Bom dia, meu amigo! – E aí? Alguma novidade? – Sim: tenho em mãos o resultado do último exame que requeri acerca dos Mizhadi; aquele exame que não havia sido feito por falta de verbas, lembra? – Sei sim. E o que ele diz? – Foi encontrado nos estômagos das duas vítimas sangue não pertencente a eles... – Como assim? – Sangue de outras pessoas! Era essa substância que havia no estômago deles além do carbamato e de alguns alimentos. Estranhamente, também, foram encontrados, misturados a esse sangue, resquícios de uma espécie de um chá avermelhado composto por fragmentos de angico ou, cientificamente falando, acacia cebil. – Meu Deus! Bem que a menina disse que eles haviam tomado algo parecido com sangue... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – E a menina os viu tomando sangue? Como assim? – Viu sim, mas não posso entrar em detalhes por telefone... – Entendo. – Em relação ao que vimos na testa dos Mizhadi, o que descobriu? – Trata-se de uma finíssima película sintética, que não sofre rejeição pelo corpo humano quando implantada, na qual, como já sabemos, há um desenho de uma serpente em material incolor, que é similar às microfibras de documentos públicos. Tal desenho, como também já sabíamos, é feito de um material luminescente à incidência ultravioleta. Segundo o pessoal do Departamento Químico, esse é um material de primeira qualidade e de grande durabilidade. – Intrigante... – O que pude pessoalmente constatar, ao retirar o material de uma das vítimas, é que o procedimento de implante dessa película é muito avançado. Foi usado o que há de mais moderno em implantes cirúrgicos, pois ela foi enxertada a menos de um quarto de milímetro da camada exterior da pele. Apesar disso, a película é tão fina e a cirurgia de implante foi tão bem feita, que elas ficam totalmente imperceptíveis sem a ação de uma luz ultravioleta; e mais: não há qualquer cicatriz do implante. – Muito obrigado, Batista! Preciso ligar urgentemente para Luna e contar essas novidades... – Calma! Tem mais uma coisa – interrompe-o, Batista. – O quê? – Ontem, os corpos dos Mizhadi foram liberados por um cidadão muito O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 116 arrogante, que se identificou como membro da ONU, seu nome era David Cavallera... – Cavallera? Mas como ele conseguiu a liberação dos corpos? – Ele é observador internacional do caso e apresentou procurações dos parentes dos Mizhadi, autorizando a liberação. A perícia já havia sido feita, não havia motivos para não liberá-los. – Estranho um observador internacional tomar esse tipo de atitude, isso competia à Embaixada Americana através de manifestação dos parentes. – Eu também achei, mas não havia como reter os corpos, ele tinha credenciais e as procurações. Portanto, estava formalmente habilitado para tal. Particularmente, gostaria de ficar com os corpos para fazer mais alguns exames, mas não havia base jurídica nem factual para isso... – Não tem problema! O que descobrimos é surpreendente e suficiente! Obrigado, Batista! E lembre-se de manter sigilo sobre tudo isso... – Sempre às ordens para o que você precisar! Joseph termina de falar com Batista, ligando imediatamente para Luna. – Joseph? – surpreende-se Luna, ao verificar no identificador de chamadas de seu celular que era Sherman. – Tenho novidades... – Quais? – Batista, um dos médicos-legistas responsáveis pelo caso Mizhadi, lembra dele? – Sim, claro! – Ele acabou de me ligar e disse que foi encontrado sangue de outras O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 117 pessoas no estômago dos Mizhadi, sangue misturado a uma espécie de chá avermelhado feito à base de angico, ou melhor, acacia cebil, se prefere a designação científica. – Que estranho! – Por que um terrorista ia tomar sangue de gente? Isso não faz sentido, desde que, ao invés de terroristas, eles sejam, realmente, participantes de seitas ocultistas. Aí as coisas começariam a se encaixar. Não acha? – Não sei. Mas isso pode ter outras explicações... – Tem mais! – O quê? – Sabe quem fez a liberação dos dois corpos lá no necrotério de Goiânia? – Quem? – Seu amiguinho, Cavallera. – Joseph, isso não quer dizer muita coisa. Ele é o observador internacional do caso. – Olha, vou voltar ao hospital para falar novamente com Maria das Graças! – Quando você vai? – Estarei indo agora mesmo! Ocorreu algo em minha mente que vai nos esclarecer muitas dúvidas acerca do que realmente a menina viu. – Hoje eu não posso! – Não tem problema, eu te passo tudo que for de novidade. – Tudo bem! Avise-me acerca do que conseguiu descobrir, posso precisar para meu relatório. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 118 – Tudo bem! Tchau! – Tchau! – Ah, tem mais uma coisa... – O quê? – Eu conversei com Komoda ontem. E contei tudo que levantamos a ele. Ele me lembrou que Altamira já foi palco de uma série de sequestros de crianças, para serem sacrificadas em rituais de magia. Lembra disso? – É mesmo! Foi algo que teve ampla cobertura da mídia. – Isso enrobustece a tese de que pode haver relação entre os crimes de lá e o de Alto Paraíso de Goiás, envolvendo Maria das Graças. Com um país tão grande, por que os Mizhadi iriam sequestrar uma menina em Altamira? – Não sei ao certo, Joseph... – Tenho que ir! – Tchau! Joseph arruma-se apressadamente e desce ao saguão do Hotel para tomar café. Na entrada do hotel no qual havia se hospedado, existia uma loja de brinquedos. Joseph dirige-se a essa loja e compra uma boneca, uma miniatura de um helicóptero e um kit de desenho escolar. Depois, toma destino a Goiânia. Ao chegar à capital, Sherman dirige-se, imediatamente, ao hospital onde a menina estava internada; ele levava as coisas que havia comprado. Assim que chega à recepção e identifica-se à recepcionista, ele é surpreendido por uma voz, falada por alguém que está atrás dele: – Sr. Sherman? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 119 Sherman vira-se e, ao olhar para trás, reconhece a pessoa que o chamara: David Cavallera. Ele estava acompanhado da sra. Severina, a mãe da menina violentada. – O que está fazendo aqui? – pergunta Joseph, demonstrando rispidez e espanto. – Acalme-se, sr. Sherman! Parece incomodado com minha presença. – Não, sr. Cavallera, absolutamente! Quem deveria se incomodar comigo era o senhor e não o contrário – ironiza Joseph. – O que quer dizer com isso? Isso é alguma espécie de ameaça? – Sra. Severina, como vai? – pergunta Joseph à mãe da criança, que estava ao lado de David, desviando o olhar de Cavallera e ignorando-o. – A sra. Severina está recebendo todo apoio dos parentes dos Mizhadi, que, assim como Maria das Graças, foram vítimas desses assassinos – interfere-o Cavallera, colocando as mãos sobre os ombros de Severina e voltando ao campo visual de Joseph. – Seu Cavallera, está me dando todo apoio. Está pagando todas as despesas médicas e se comprometeu a pagar todas as despesas que eu tive e que tiver com relação à volta a Altamira – explica Severina. – Quem disse que os Mizhadi são vítimas nesse caso? – pergunta Sherman, mostrando expressão contrariada. – Sabe de uma coisa, Sr. Sherman? Eu procurei seu superior aqui na cidade de Goiânia: sr. Horácio. Entre outras coisas que conversamos, ele me passou uma informação que me causou muita estranheza. O senhor é descendente de O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 120 israelenses? – Sou sim, e daí? – pergunta Joseph, levantando os ombros em sinal de desdém. – Bem, não vejo com bons olhos um descendente de israelenses atuando num caso em que há um casal de pessoas de origem árabe envolvida. Por isso, na qualidade de observador internacional, sugeri seu afastamento do caso ao Ministério da Justiça, no intuito que não haja suspeição em relação ao resultado final das investigações – revela Cavallera, expressando cinismo e arrogância. – Isso é uma piada? Só pode ser! – retruca Joseph, rindo e em tom de ironia. – Veremos se é assim, Sr. Sherman! Veremos... – Sra. Severina, preciso que me acompanhe ao quarto de Maria das Graças, preciso fazer mais algumas perguntas a ela. – Não sei se posso permitir – diz Severina, afeiçoando dúvida e olhando para Cavallera. – Por quê? – No mesmo dia que vocês saíram daqui, Seu Cavallera chegou e trouxe um psicólogo para examinar Maria. Esse psicólogo disse que não era bom que ela lembrasse do que aconteceu, pelo menos, por enquanto. Ele disse que ela pode ficar mais traumatizada, caso fique relembrando o que se passou. Ela já tentou me contar muitas vezes o que aconteceu, mas por conta do que o “doutor” me disse, eu digo para ela mudar de assunto ou saio do quarto para não prestar atenção... – Um psicólogo? Conveniente, muito conveniente mesmo, sr. Cavallera! – diz O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 121 Joseph, fitando-o com olhar sereno. – Vá embora, rapaz! Não venha desestabilizar ainda mais o estado emocional da menina e de sua família! – esbraveja Cavallera. – Dona Severina, eu só peço cinco minutos com Maria. Só cinco minutos e nunca mais incomodo a senhora! Isso pode ser determinante para colocar na 122 cadeia o responsável pelo que foi feito à sua filha! – Tudo bem! Só cinco minutos – consente Severina. – Sra. Severina, o psicólogo proibiu expressamente esse tipo de procedimento – pondera, com preocupação, Cavallera. – Eu sei disso, Seu Cavallera, mas quero ver atrás das grades quem fez mal à minha menininha! – retruca-lhe Severina. – Tudo bem, mas eu vou acompanhar tudo! – exige Cavallera. – Olha aqui, “Senhor ONU”, o titular das investigações sou eu! E eu determino quem me acompanha ou não nas minhas diligências! E você não entrará no quarto conosco! – diz Joseph, em tom discordante e ríspido. – Seu atrevimento vai lhe custar caro, sr. Sherman! Vou fazer uma denúncia formal contra o senhor, pela sua falta de urbanidade com as autoridades das Nações Unidas, vou ligar agora mesmo para seu superior! – Vá se queixar com o Papa! – ironiza Joseph. – Vou processá-lo – grita Cavallera. – Vamos, Dona Severina? – diz Joseph à mãe da menina, ignorando completamente a ameaça de Cavallera. – Vamos! – responde Severina. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Joseph e Severina sobem em direção ao quarto de Maria das Graças, enquanto Cavallera, furioso, pega seu celular e tenta entrar em contato com Horácio, superior de Sherman. Joseph e a mãe da menina entram no quarto dela e se sentam. Joseph leva consigo uma sacola, com as coisas que comprara na loja de brinquedos quando saiu do hotel. Ele pede a mãe da menina para perguntar se ela se lembra dele. A mãe pergunta, usando gestos. – Sim. Ele é o homem da polícia! Onde está sua namorada? Ela é muito bonita! – gesticula a menina, em resposta à pergunta da mãe, que retransmite a resposta a Joseph. Joseph sorri e pede para a mãe da menina dizer que a mulher que estava com ele, Luna, não era sua namorada, mas que, em breves dias, ela seria. Ele tira a boneca que havia comprado e diz que é um presente para ela. Presente dado por ele e por Luna. A mãe da menina retransmite a mensagem a Maria, enquanto Joseph coloca o brinquedo em sua cama. – Obrigado! Muito bonita essa boneca! – responde a menina, através de gestos e com um largo sorriso. Joseph tira a miniatura de helicóptero que havia comprado e mostra a Maria, perguntando, através da mãe dela, se foi um daqueles que ela viu no dia do episódio que os havia relatado na primeira vez que se viram. Ele pergunta se era aquele o “carro redondo” que ela havia visto. Maria pega o helicóptero nas mãos, gira de um lado e do outro e balança a cabeça dizendo que não. Joseph fica perplexo e pega, na sacola, o kit de desenho, pedindo, à mãe da menina, que solicite O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 123 da criança desenhar o “carro redondo” que ela viu. A menina toma o kit nas mãos e desenha um objeto elíptico, com alguns círculos formados por pequenos retângulos coloridos. E, gesticulando, explica: – Essas coisas pequenas no “carro” ficavam girando sem parar, como se fossem luzes pequenas coladas no carro e acendendo. Quando uma acendia a outra apagava. Elas ficavam fazendo isso e girando. Como aquelas luzes de Natal que giram na Árvore de Papai Noel. Joseph fica ainda mais perplexo e pede, através da mãe, para que a menina desenhe o homem de olhos negros que ela viu. A menina desenha um homem com a cabeça grande e olhos negros, sem nariz, e com uma boca muito pequena. – Isso parece o desenho de um extraterrestre de filme! – diz Severina, contemplando o homem desenhado pela criança. Joseph fica pasmo. A mãe da menina, ao perceber a expressão de Joseph, fica angustiada e pergunta: – O que está acontecendo? O que aconteceu com minha filha? O que ela viu? – Ainda não sei ao certo! Mas vou te dizer uma coisa: não confie em Cavallera! – responde Joseph. – Mas o que aconteceu com ela? O que ela viu? – Não sei, mas vou descobrir! Só não saia de perto dela e nem deixe ninguém, além da senhora, chegar perto dela. Vou pedir a meu superior, que mande um agente para proteger vocês vinte e quatro horas por dia. – Meu filho, eu estou com medo! O que está acontecendo? – Eu vou descobrir tudo, Severina! Prometo que eu vou descobrir! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 124 Joseph pega o celular e liga para Horácio. – Chefe? – Sherman, você está louco? – Por quê? – Você ofendeu uma autoridade das Nações Unidas! 125 – Já sei! Cavallera te ligou? – Sim! E está vindo para cá fazer uma representação formal contra você? Isso vai dar um processo administrativo disciplinar daqueles... – Vai nada! De Corregedoria eu entendo, o fato é que ele quis passar por cima de minha autonomia e autoridade! Agi dentro dos parâmetros de minhas atribuições... – O que você quer com isso? Quer causar um incidente entre nosso Departamento e a ONU? – Tive minhas razões! Depois explico detalhadamente... – Como andam as investigações? – Não posso entrar em detalhes agora. – diz Sherman, olhando para Severina e com receio de falar algo que assustasse ainda mais a mulher. – Sei... – Mas eu quero duas coisas do senhor: a primeira, é saber o porquê de você estar falando de mim para o esnobe do Cavallera... – Você está me chamando de fofoqueiro? O cara é observador internacional! Fez algumas perguntas sobre você e sobre as investigações. Eu tive que responder o que sabia! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Sei... – Mas e seu segundo pedido? – Quero que você mande alguns agentes para se revezarem vinte e quatro horas protegendo uma menina e sua mãe aqui no hospital. – Do que se trata? 126 – Não posso entrar em detalhes por telefone! – Gostaria de conversar sobre o caso... – Tudo bem, chefe! Mas agora não! – Tudo bem! Hoje mesmo estarei mandando dois agentes para ficar aí. – Ótimo! Joseph fornece ao Superintendente o nome das pessoas a serem protegidas e indica o hospital em que estão. Assim que desliga, imediatamente, entra em contato telefônico com Luna. – Joseph? Alguma novidade? – Tenho algumas novidades que só posso falar pessoalmente! – Tudo bem! Mas onde você está? – Estou em Goiânia! Vou passar o fim de semana em casa, estudando o caso e segunda te encontro! – Tudo bem! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO XI Restaurante Sushi à Brasileira, Brasília-DF, 04 de dezembro de 2006, 19h30min. Joseph aguarda, ansiosamente, sentado à mesa do restaurante – que era um dos estabelecimentos mais caros e sofisticados de Brasília. Após meia-hora de espera, ele visualiza Luna adentrando o recinto. Ela, após procurar um pouco, contemplando todo o restaurante, localiza Sherman, pelo que se dirige à sua mesa. – De um jeito ou de outro você conseguiu me tirar para jantar, não é? – diz Luna, sentando-se à mesa com ar propositalmente soberbo. – Além de chegar meia-hora atrasada, você ainda se mostra muito convencida! Esse jantar é estritamente profissional! – Perdoe-me o atraso, não estava conseguindo um táxi! Mas, por favor, digame logo o que descobriu, estou muito curiosa! Você não me disse nada pelo telefone... – Olhe isso! – diz Joseph, tirando de um envelope e mostrando a Luna o desenho do “carro redondo” que Maria das Graças havia feito. – O que é isso? – O desenho com o qual Maria das Graças descreve o “carro redondo” que ela viu! – Sim. E daí? – Isso parece um helicóptero? Para mim não! – Joseph, ela é uma criança! Não sabe desenhar direito! – É? E se eu te disser que levei um helicóptero de brinquedo para ela ver? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 127 Ela não reconheceu o helicóptero como sendo o que viu naquele dia! – Joseph! São muitos os modelos de helicóptero... – E o que me diz disso? – pergunta Joseph, tirando do envelope o outro desenho de Maria das Graças, o desenho do homem de “olhos negros”. – Parece um desenho de um ET! Foi ela quem o fez também? – Sim! É assim que ela descreve o homem de “olhos negros” do “carro redondo”! – Joseph! Ela estava dopada, muita coisa do que viu não merece crédito absoluto... – Ela não viu um helicóptero nem um piloto. Tenho certeza disso! – E o que foi então? Um disco voador com um ET dentro? – ironiza Luna, levantando, simultaneamente um e outro desenho. – Não sei! Mas eu vou descobrir... – Minha teoria de terrorismo é menos fantasiosa... – Sabe quem estava lá no hospital de Goiânia? E quem levou um psicólogo para examinar a menina? – Quem? – O seu grande amigo: Cavallera! – Joseph! Ele não é meu amigo... – O tal psicólogo que ele levou deu um parecer dizendo que a menina não podia falar sobre o que viu, para que essas lembranças não a perturbassem emocionalmente. Providencial, não acha? – De fato, isso é muito suspeito... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 128 – E mais: Cavallera estava tentando conquistar a mãe da menina, comprometendo-se com todas as despesas da família por causa de Maria das Graças... – Isso, apesar de altruístico, não é usual mesmo... – Ele disse que ia pedir meu afastamento do caso, pelo simples fato de eu ser descendente de israelenses e estar investigando um caso em que há pessoas de origem árabe? Você acredita? – Que coisa! Parece que virou algo pessoal! – Ele sabe que nós sabemos da verdade sobre os Mizhadi. Ele está fazendo de tudo para tentar provar que o casal são vítimas totalmente inocentes no que aconteceu. Por quê? Porque está envolvido até o pescoço e não quer que a coisa respingue nele! – conclui Joseph, dando uma tapa na mesa. – Bem, de fato, só o reconhecimento do casal pela menina é que poderia confirmar que ela foi sequestrada pelos Mizhadi. Mas de que adiantaria isso se eles já estão mortos? – É verdade! Precisamos encontrar quem violentou a menina! – Talvez em Altamira e Machu Picchu encontremos indícios que nos levem aos terroristas que testaram a arma química na menina ou ao o ET do disco voador, como você acha! – diz Luna, brincando. – Não sei quem fez isso com ela, mas tenha sido um terrorista ou um ET ou qualquer outra pessoa, eu vou descobrir! – Nossa! Falou o senhor “determinação masculina”! – Luna! Olha quem está entrando agora no restaurante. – diz Joseph, O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 129 olhando espantado para a entrada do restaurante. – É Cavallera! – observa Luna, virando-se para a entrada. – Rápido, abaixe-se, não deixe ele nos ver... David Cavallera adentra o recinto acompanhado de algumas autoridades, entre elas, o Ministro da Justiça. – Caramba! Aquele não é o Ministro da Justiça? – pergunta Joseph, perplexo. – Acho que sim... – Esse cara é tão influente assim? – Não sei se é tanto assim, Joseph, mas, como seu país está pleiteando uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, talvez seja um jantar referente a isso. David é brasileiro e é tido como um poderoso articulador em prol de uma vaga para Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas. – Eu me dei mal! Eu mandei Cavalleira ir se queixar com o Papa, quando ele reclamava que não poderia acompanhar minha diligência com Maria das Graças. – Já pensou em outro emprego? – ironiza Luna, rindo. – Para falar a verdade, como já te disse, tenho uma boa poupança fruto de economias e da herança que meus pais me deixaram; se eu investir da forma correta em ações, posso ganhar três vezes o salário que ganho hoje e mandar todo mundo ir se queixar com o Papa! – Então vá se acostumando com a ideia de se tornar acionista de alguma empresa, porque, se você tivesse dito isso a mim, eu pediria sua cabeça numa bandeja de prata. – Bem, já que estou em maus lençóis, vou terminar de me ferrar e esperar O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 130 aqui até a hora que ele sair e vou segui-lo, talvez descubra algo. – Eu vou com você! – Luna! Eu achei que sei conceito acerca de Cavallera era de “uma pessoa culta” que “jamais se envolveria numa coisa torpe dessas” – diz Joseph, recordando e imitando, de forma ridicularizada, uma das frases ditas por Luna. – Joseph! A única coisa que concordo com você é que Cavallera está envolvido nisso. Há muitos indícios contra ele. – E se perder seu emprego também? O cara é muito influente... – Não me importo, também tenho economias. Talvez faça uma sociedade de administração de ações com você! – Eu achei que seu trabalho era tudo para você... – Já foi um dia, mas a minha obsessão atual é concluir esse caso. Ele é excitante e intrigante. Depois dele, vou tirar umas férias também. Com uma diferença, não vou mandar ninguém se queixar com o Papa! – Ótimo! Aí a gente se casa, compra um veleiro bem moderno e fica administrando nossas ações via Internet! – Joseph, poupe-me de suas cantadas grosseiras... – Pena que não tenho ninguém da família para convidar para o nosso casamento... – Eu também só tenho um tio aqui no Brasil. Ele é irmão de minha mãe, e mora na cidade de Santos-SP. Ele é pastor. – Por que está imaginando quantas pessoas de sua família poderiam ir ao nosso casamento se o que eu disse é uma “cantada grosseira”? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 131 – Joseph! – Seu tio poderia até fazer nosso casamento... – Joseph, casamento é coisa séria... – Para mim é uma coisa difícil, muito difícil. Esperei onze anos para casar com alguém e levei um baita fora! – Olha lá, seu futuro demissionário está se preparando para sair! Está se despedindo do Ministro – interrompe-o Luna. – Mas já? Garçom! A conta, por favor... Joseph paga a conta e espera Cavallera sair. David sai do restaurante e entra em uma limusine. Joseph acompanha Cavallera e solicita do manobrista do restaurante, que traga o seu carro. Ele entra com Luna no veículo e passa a monitorar, a distância, a movimentação do carro de Cavallera. Após algum tempo seguindo o carro de Cavallera, Joseph nota, pelo retrovisor, que há um outro carro, atrás do carro dele. – Luna... – O que foi? – Tenho uma notícia ruim e uma pior... – O quê? – A notícia ruim é que acho que há um outro carro nos seguindo – diz Joseph, olhando para os retrovisores. – Como é? – A notícia pior é que não estou armado. Minha arma e colete balístico estão na mala. Nunca mais vou cometer essa bobagem de deixar de andar armado e de O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 132 colete. – diz Joseph, tirando o olhar do retrovisor e olhando para Luna. – E agora? O que fazemos? – Vamos ter que suspender o monitoramento a Cavallera e tentar despistar esse outro carro. É a atitude mais segura! – Por mim, tudo bem! Joseph muda de rua e vai numa direção diferente da do carro de Cavallera, tentando despistar o veículo que os seguia, mas o carro que os seguia parece continuar no encalço deles. Joseph acelera. O veículo também acelera. Num dado momento, o veículo que os seguia acelera bastante e fica lado a lado com o carro de Joseph. Depois, ele dá uma guinada e bate na lateral do carro de Joseph, fazendo com que saiam da pista e colidam numa mureta. Quatro homens armados descem do veículo que colidira no carro de Joseph e os rendem, apontando armas para eles. Sherman e Brown ainda estavam desorientados pelo impacto do carro contra a mureta. – Segurança armada! Mãos na cabeça! – grita um daqueles homens. Joseph e Luna saem do carro com as mãos para cima. Todos ficam parados, como se estivessem aguardando alguma coisa. Decorrido alguns instantes, a limusine de Cavallera chega ao local. David desce do seu veículo em direção aos homens armados. Ele faz um sinal com a cabeça e, imediatamente, os homens baixam as armas e se afastam. – É muito perigoso brincar de polícia e ladrão contra um membro da ONU, sr. Sherman! – diz David. – Ainda bem que você reconhece que nessa brincadeira, sou a polícia e você O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 133 é o ladrão! – ironiza Joseph. – Vejo que trouxe a sra. Brown com você. Vocês parecem muito íntimos. Ela é sua vadia, sr. Sherman? – Não fale assim com ela - esbraveja Joseph, avançando em direção a Cavallera. Um dos homens armados posiciona-se para atirar em Joseph, que acaba sendo contido por Luna. – Acalme-se, Joseph! – diz Luna, segurando-o. – Dê ouvidos à sua cadela, Sr. Sherman! Ela parece mais inteligente que você! – Nós sabemos que os Mizhadi eram terroristas, que estavam testando uma arma química, vamos colocar você atrás das grades, sabemos que está envolvido nisso! – retruca-lhe Luna. Cavallera dá uma longa gargalhada. – Terrorismo? Arma química? Sra. Brown, o que eu e os Mizhadi estávamos realizando vai além do que sua mente de prostituta pode compreender... – Então você assume que está envolvido nisso tudo? Cavallera dá outra longa gargalhada. – Estou a serviço de um poder superior! Um poder global! O mundo inteiro se curva diante do poder que sirvo. – De que poder está falando? – questiona Joseph. – Estou dando uma última oportunidade a vocês. Não tentem compreender o incompreensível nem explicar o inexplicável. O mundo pertence ao poder que sirvo O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 134 e será consagrado ao governante que o poder instituirá. Se não me incomodarem mais, é possível que sejam conservados vivos para ver esse glorioso dia chegar! – Está nos ameaçando? – indaga Joseph. – Vocês são tolos demais para compreender... – Você não pode me ameaçar! Isso não vai ficar barato! 135 Cavallera, mais uma vez, dá longa uma gargalhada. – Sr. Sherman, poupe-me! Você é como um inseto. Eu já balancei minhas mãos espantando você, mas se insistir em me incomodar com seu zunido, vou ter que esmagá–lo! Você e à sua meretriz! – diz David, virando as costas para Joseph e caminhando em direção à sua limusine. Cavallera faz outro sinal com a cabeça e os homens que haviam rendido Joseph e Luna entram no carro. David entra na limusine e os dois veículos vão embora. – Maldito! – amaldiçoa-lhe Joseph, vendo os carros saírem e chutando a traseira do carro que estava colidido. – Tudo isso foi uma prova definitiva que Cavallera está envolvido nisso! – diz Luna, em tom de revolta e conclusão. – Como vamos embora? O carro não tem mais condições de rodar! – lamenta-se Joseph, abrindo os braços em direção ao carro colidido na mureta. – Vamos ter que chamar um guincho e um táxi! – sugere Luna. – Você chama um táxi para você! Eu vou ligar para Komoda e resolvo o resto com ele! – Eu vou ficar aqui, estamos trabalhando juntos nisso... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – É melhor você ir para casa, se ficar aqui vou ficar mais preocupado. Vá para casa e amanhã conversamos! – Joseph... – É uma ordem, srta. Brown! Como titular das investigações eu solicito que vá para casa, pois sua integridade é responsabilidade minha... 136 – Não sabia que era meu pai! – Por favor, se você ficar aqui vou ficar mais preocupado, não sabemos do que esse pessoal é capaz – pondera. Luna ainda reluta, mostrando semblante contrariado. – Por favor – insiste Joseph. – Tudo bem! – diz Luna, resignada e pegando o telefone para contatar um táxi. Enquanto isso, Joseph liga para Komoda. – Joseph? – Desculpe-me estar te incomodando essa hora, mas eu estou numa pior! Preciso de seu auxílio... – Em que posso ajudar? – Preciso que contate um guincho e que venha me pegar, sofri um “acidente” com o veículo que você me forneceu... – Você está bem? Machucou-se? Como isso aconteceu? – Eu estou bem, quando chegar aqui te conto... – O que houve com você, meu amigo? Está me preocupando... – Estou bem, mas preciso que venha aqui. Não aconteceu nada, mas, por O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO precaução, venha armado e com colete balístico... – Tudo bem. Onde você está? Joseph tenta explicar onde estava a Komoda, que anota rapidamente as informações. Após alguns instantes, o táxi de Luna chega. – Tem certeza que não quer que eu fique aqui? – questiona Luna, à porta do táxi. – Vou ficar melhor se você estiver em casa, segura. – Tudo bem! Ela entra no táxi e vai embora. Cerca de cinquenta minutos se passam, até que Komoda chega conduzindo seu veículo e acompanhado de um guincho. – Joseph! Que pancada! – diz seu amigo, ao verificar os estragos no veículo. – Foi... – Você está bem? – Sim! Eu e Luna estávamos usando cinto de segurança e o carro tem air- bags... – Luna estava com você? – Estava, mas já a mandei para casa... – Mas como tudo isso aconteceu? – Alguns homens armados me fecharam e colidiram meu carro com uma dessas camionetas grandes... – Como? Homens armados? – Sim, mas não quero falar disso agora... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 137 – Eu vou mandar o veículo acidentado para o pátio da Sede, você vai lá para casa... – Não quero incomodar mais ainda... – Que coisa! Até parece que sou um estranho, Joseph! – Tudo bem... Joseph tira suas coisas do veículo que estava acidentado e o carro é colocado sob o guincho, tomando direção à Sede da Polícia. Sherman, com Komoda, segue no outro carro, dando-lhe todos os detalhes do que aconteceu. – Joseph, você tem alguma prova que ele fez isso? Alguma testemunha além de Luna? – O que é isso, Japa! Está duvidando de mim? – Lógico que não, Joseph, mas você sabe que será aberto um processo administrativo para apurar o ocorrido... – Nem pensei nisso... – Pois é, quer ir até uma delegacia prestar queixa? – Não! Eu pago o conserto do carro se for o caso. Não tenho provas cabais do que esse cara fez junto com os cachorrinhos adestrados dele! – Mas, me diga, ele estava com o Ministro da Justiça no restaurante? – Sim! Ele deve ter queimado meu filme por não ter o deixado entrar no leito da menina... – Isso não vai dar em nada! Você usou de suas prerrogativas... – Ele quer me tirar do caso! Diz que um descendente de israelitas não tem isenção suficiente para apurar um caso envolvendo pessoas de origem árabe... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 138 – Ele disse isso? – Disse sim... – Ele é articulador do Brasil em prol de uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, tem “trânsito livre” em Brasília. Entretanto, não creio que essa argumentação, acerca de suas origens, seja plausível para tirar você do 139 caso... – Espero que não... Eles seguem à residência de Komoda. Joseph toma um banho, faz um lanche e vai dormir. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO XII Residência de Mário Komoda, Asa Norte, Brasília-DF, 05 de dezembro de 2006, 08h30min. Joseph, que estava dormindo num dos quartos de hóspedes da casa de Komoda, é mais uma vez despertado pelo barulho estridente de seu celular. Quando se levanta e verifica de quem é a chamada, constata que é uma ligação de Horácio. – Droga! Lá vem bomba! – imagina Joseph. – Bom dia, chefe querido! – ironiza, ao atender seu telefone. – Não sei se vai ser um bom dia para você, não tenho boas notícias! – O que aconteceu? – David Cavallera me ligou agora a pouco e me disse que você o estava perseguindo ontem? Isso é verdade? – Chefe, ele é suspeito, por isso o estava monitorando... – Joseph, onde está com a cabeça? Suspeito? O homem é membro das Nações Unidas e está intermediado a galinha dos ovos de ouro do Itamaraty: a vaga no Conselho de Segurança da ONU – esbraveja Horácio. – Nossa Instituição não respeita as pessoas pelos cargos que ocupam, nós investigamos e prendemos quem quer que seja... – Eu sei disso! Mas nós temos que nos prender à legalidade. Quais as provas, ou ao menos, indícios, que você tem? E o que foi que ele fez? – diz, recompondo-se. – Ainda não tenho meios para provar, mas ele e os Mizhadi estão a serviço de alguma organização. Ele mesmo diz que serve a um poder global, a um poder superior... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 140 – Joseph, de concreto, o que você tem? – Nada... – Ele prometeu fazer duas representações formais contra você! A primeira, ele deu entrada, e é acerca do caso do hospital; a outra, é referente à perseguição de ontem, mas essa ele vai encaminhar diretamente ao Ministro da Justiça. – Mas ele que colocou os cachorros adestrados dele para me perseguir, o pessoal de uma empresa de segurança armada bateu no meu carro e me tirou da pista... – Você tem provas disso? – Não... – Então a versão dele vai prevalecer, pois ele disse que tem cinco testemunhas: o motorista de sua limusine e os próprios seguranças. – Mas eu estou falando a verdade... – Não duvido disso, Joseph, mas, sem provas, juridicamente são inócuas as suas alegações. – Droga! – Não gaste todo o seu estresse! Tenho uma outra notícia ruim! – O que poderia piorar? – A menina, Maria das Graças, veio a óbito esta madrugada, em virtude da doença que a acometia. – Meu Deus, e a mãe dela? – Ela está voltando para casa. O corpo foi liberado esta manhã mesmo, para ser sepultado em Altamira-PA. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 141 – Que coisa... – Bem, Joseph, prepare-se para alguns processos em âmbito administrativo, pois o tal David está furioso... – De processos eu entendo, passei três anos na corregedoria. Isso não me preocupa; sei que ele não tem base jurídica suficiente para me prejudicar. – Tudo bem! Mas procure evitar problemas a partir de agora! – Tudo bem! Joseph desliga o telefone e fica completamente perplexo frente à notícia da morte de Maria das Graças. Depois de pensar um pouco, liga para Batista, o médico-legista que fizera o exame da criança: – Batista? – Quem é? – Joseph! – Olá, Josito! – Soube que a menina morreu? – Não... – Pois ela faleceu esta madrugada... – Que pena... – Eu lamento duplamente: primeiro, pela dor que a mãe dela deve estar sentindo; e, depois, por perder a principal e única testemunha do meu caso... – Sei... – Batista, você tem o telefone do médico que atendeu a menina lá no hospital, pois você sabia o nome dele. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 142 – Sei que o nome é André Bittencourt, mas o número do telefone eu não tenho. Entretanto, tenho o do hospital, talvez lá consiga um outro telefone de contato. – Já é alguma coisa. Batista fornece o telefone do hospital e desliga. Joseph, imediatamente, liga para o hospital e requisita da atendente o telefone de André Bittencourt. – Não podemos fornecer essa informação senhor. Todavia, o dr. Bittencourt está em seu plantão hoje. O senhor gostaria de falar com ele? – Sim! A atendente transfere a chamada e outra pessoa, da UTI, atende. – UTI, pois não? – André Bittencourt, por favor. – Um momento – diz a atendente indo chamar o médico. – Alô? – Dr. Bittencourt? – Sim! Quem deseja? – Sou Joseph Sherman, delegado responsável pelo caso envolvendo Maria das Graças... – Pois não. – Soube que a menina veio a óbito... – Infelizmente, sim... – Agravamento do estado da tal doença não identificada? – Bem, sr. Sherman, poderia ligar para meu celular? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 143 – Claro. O médico fornece o número do celular e Joseph liga. – Desculpe-me pedir isso, é porque gostaria de relatar detalhadamente algumas coisas sem que fosse escutado por outras pessoas. – Tudo bem. – Na verdade, sr. Sherman, a menina estava muito mal por conta da doença que não conseguíamos identificar, mas que, a princípio, era uma espécie de neoplasia maligna, altamente degenerativa. – Entendo. – O tempo de sobrevida dela era estimado em dois ou três anos, pelo ritmo de metástase. – Anos? E por que ela morreu tão rápido? – Aí é que entra minha suspeita. – Sim... – O estado dela havia se agravado um pouco o que, até certo ponto, é normal, tendo em vista a pouca idade dela em contraposição à medicação forte que estava sendo empregada... – Sei... – Eu alertei a mãe da menina acerca da gravidade da situação, mas não fui claro quanto ao tempo de sobrevida... – Sei... – Mas, ontem à noite, na presença da mãe da menina e de um psicólogo que estava acompanhando a menina, eu falei claramente acerca da expectativa de vida O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 144 que eu estimava... – Entendo... – Ela entrou em desespero... – Nada mais natural... – Só que, pela manhã, quando a enfermeira entrou no quarto, encontrou Maria em óbito. Ao examinar os equipamentos, essa enfermeira verificou que havia indícios de que alguém violara o aparelho de oxigênio... – Meu Deus! – Não tenho como provar, mas alguém levou a menina à hipóxia, pois o suprimento de oxigênio era vital e sua remoção implicaria, num curto espaço de tempo, em óbito. – Sei... – Suspeito que a mãe da menina, desesperada com o sofrimento da filha, pode ter desligado os aparelhos e os religado posteriormente. – Eutanásia? – Sim. Uma espécie de eutanásia... – Mas, dr. Bittencourt, Dona Severina é uma mulher simples, não teria conhecimento dessas coisas. Além do mais, pelo pouco que a conheci, não creio que ela faria isso com sua filha. O instinto materno luta e crê na recuperação dos filhos até o último suspiro. – Quem iria fazer isso, além dela? Quem teria interesse em matar uma inocente dessas? – Isso eu vou descobrir... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 145 – Sr. Sherman, não gostaria que tomasse minha declaração formalmente, pois não tenho como provar o que aconteceu. Se é que realmente aconteceu... – Tudo bem, Doutor. Fique tranquilo. – Ah, seu superior, Horácio. Ele esteve aqui ontem à noite também. Prestou todo apoio à mãe da menina. – Que bom! Não conhecia esse lado humano do meu chefe. Pena que esse zelo foi inócuo... – É uma pena mesmo! – Obrigado, doutor! – Espero ter ajudado! – Até mais! – Até! Depois disso, Komoda bate à porta do quarto e entra: – Joseph? – Bom dia, Komoda. Achei que ia trabalhar hoje – diz Joseph, olhando para o relógio e verificando que já era tarde, quase nove horas. – E eu fui, mas voltei para buscar você. – Para me buscar? – Sim! O Assessor Internacional do Ministério da Justiça quer falar com você. Ele estava furioso à sua procura. – Isso não é bom, é? – pergunta Sherman, levando a mão na cabeça. – Pode ter certeza que não. Vamos, arrume-se que ele está nos esperando no gabinete dele. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 146 – Tudo bem! Vou até aprontar minhas malas, porque de lá volto para Goiânia. Sherman arruma-se, juntando sua bagagem e segue, juntamente com Komoda, ao Gabinete do Assessor Internacional do Ministério da Justiça, Silvio Alencar. Eles adentram a sala. O Assessor informa, de forma seca e ríspida, que Joseph estava sendo retirado do caso: – Fora do caso? – questiona-lhe Joseph, inconsolado. – Sim, Sr. Sherman. O senhor está fora do caso! O Ministro acatou as alegações do Sr. David Cavallera. – Não acredito! – Para que haja isenção na apuração do caso frente às autoridades internacionais, é melhor colocar alguém que não tenha nenhuma circunstância que traga suspeição. Sinto muito! – complementa. – O Ministro está lambendo as botas desse Cavallera para que ele mendigue uma vaga no Conselho de Segurança... – Sr. Sherman! Que atrevimento! – grita Alencar, batendo sua mão sobre a mesa e levantando-se, totalmente indignado com as declarações de Sherman. – Calma, sr. Alencar, ele não quis dizer isso – pondera Komoda. – Isso não é justo! Eu trabalhei duro para conseguir as informações que consegui e, agora, ser tirado do caso com uma justificativa espúria dessas! – Entendo sua revolta, sr. Sherman, por isso não vou levar em consideração seus insultos ao Ministro. O mais correto a ser feito é que o caso seja presidido por alguém que não tenha suspeição nenhuma. Você tem quinze dias para repassar, através de relatório, todos os dados colhidos e entregar o caso formalmente – O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 147 complementa Alencar. Joseph, em sinal de negação, só meneia sua cabeça; incrédulo e revoltado em relação ao seu afastamento do caso. – Vamos, Joseph? – chama-lhe Komoda. Joseph levanta-se, atônito. – A verdade vai ser apurada! A outra pessoa do Departamento que assumir as investigações terá o mesmo zelo que teve, sr. Sherman – diz Alencar, em tom conciliador e estendendo a mão para cumprimentar Joseph, antes que ele deixasse a sala. – Tenho certeza que sim – diz Joseph, de forma irônica e saindo da sala sem apertar a mão do Assessor. – Joseph! Chama-lhe Komoda, após se despedir de Alencar e sair da sala. Joseph caminha calado e indignado. – Joseph? – repete Komoda. – Isso é uma vergonha! – esbraveja. – Calma, eu sei! – diz Komoda, gesticulando com as mãos e olhando para os lados, constrangido pela reação das pessoas que ouviram o grito de Joseph. – Desculpe-me, sei que não tem culpa! – considera Joseph, passando as mãos no cabelo e dando um grande suspiro. – O que vai fazer? – pergunta-lhe Komoda. – Não vou jogar a toalha, pois ainda tenho quinze dias! Vou ter tempo de ir a Altamira ainda. Talvez lá eu encontre alguma prova que traga Cavallera para o grupo de réus. Se conseguir isso, desqualificarei o requerimento dele e a suspeição O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 148 que ele levantou; aí, voltarei ao caso. – Verdade! Mas isso não vai ser fácil. – Eu sei que não. O telefone de Joseph toca. – É Luna, com licença. – diz Joseph a Komoda, verificando no identificador de 149 chamadas que era Luna. – Oi, Luna! – Tenho más notícias... – Ah, meu Deus! Como se não bastasse tudo que aconteceu hoje! – A Embaixada Americana me tirou do caso e vai colocar o pessoal da CIA para acompanhar as investigações com você. – Mentira? – Sério! Fiz um esboço de um relatório acerca de tudo que foi apurado e, ao examinar o meu relatório, a Embaixada chegou à conclusão que o caso deveria ser acompanhado pela CIA. – Que coisa... – Puxa! Fiz todo o trabalho duro com você e agora sou desprezada... – Se isso te consola, eu também estou fora! – Como assim está fora? – O Ministro da Justiça acolheu as alegações de Cavallera acerca de minha origem israelense e eu, dentro de quinze dias, terei de entregar o caso... – Joseph! Você está brincando? – Não mesmo... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Será que tem o dedo de Cavallera no meu afastamento também? – Não duvide... – E agora? O que vamos fazer? – A mim só resta ir a Altamira, tentar jogar lá minhas últimas fichas... Se encontrar algo que incrimine Cavallera, eu estarei de volta ao caso... Se não 150 encontrar nada que seja contundente, eu estarei fora... – Eu quero ir com você... – Como? – Nem que tenha que pagar minhas despesas de viagem, eu quero ir com você! – Tenho outras coisas para conversar com você, poderíamos almoçar? – Sim. Eles combinam a hora e o local do almoço. Joseph pega sua bagagem que estava no carro de Komoda e vai até o restaurante no qual iria almoçar com Luna. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO XIII Restaurante Picanha do Planalto, Brasília-DF, 05 de dezembro de 2006, 12h30min. Joseph e Luna conversam em uma das mesas do restaurante. Eles aparentam estar muito abatidos e melancólicos. 151 – Não quero aumentar nossa tristeza, mas Maria das Graças faleceu – revela-lhe Joseph. – Não acredito! – E o pior de tudo: o médico me confidenciou que há uma suspeita de que os aparelhos foram desligados. – Meu Deus! Isso está indo longe demais... – Sabe quem estava lá no hospital na noite em que ela morreu? – Quem? – O psicólogo contratado por Cavallera! Ele deve ter decidido matar a menina depois que ouviu que a criança teria uma sobrevida de até três anos, ou seja, que teria tempo suficiente para relatar a outras pessoas o que ela viu. – Faz muito sentido! Só pode ter sido isso. – Pois é, foi o que pensei. – Tudo estava indo tão bem, de repente... – É... Eles permanecem melancólicos, até que Luna quebra o silêncio: – Deixa eu te mostrar uma coisa – diz ela, mostrando-lhe um envelope. – Você pediu licença do seu trabalho? – surpreende-se Joseph, verificando O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO um documento que havia dentro do envelope que recebera de Luna. – Sim! Licença por um semestre. – Mas, por quê? – Vou cuidar um pouco de mim, ter saído desse caso derrubou a última pilastra de motivação que eu tinha para o trabalho; preciso repensar minha vida e 152 existência... Joseph pensa um pouco e, um tanto quanto constrangido, fala a Luna. – Tenho certeza que esse não é o momento mais adequado, mas como nós ficamos depois de acabar essa investigação? – Nós? – Nós: eu e você – diz Joseph, gesticulando em direção a si e a Luna. Luna cala-se, e, depois, revela: – Eu tenho medo, Joseph. – Medo? – Sim! Medo do que estou sentindo por você. Tenho medo de me apegar a você e te perder subitamente, como aconteceu com meu ex. – Entendo. – Você é, verdadeiramente, a primeira pessoa que consegue me cativar depois que fiquei viúva. E o mais assustador é que foram poucas semanas que tivemos contato... – Eu vou respeitar o tempo que você precisar, mas acho que o medo não pode te impedir de viver. A vida é um risco constante... – Eu sei... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Bem, tenho que voltar para Goiânia – diz Joseph, olhando seu relógio. – Mas já? – Tenho apenas quinze dias para tentar incriminar o facínora do Cavallera. – Vou te fazer um convite, mas você não vai poder levar a mal e vai me prometer se comportar! 153 – Como é? – Vamos até meu apartamento, você descansa do almoço, toma um banho lá e depois volta para Goiânia. – Tudo bem! Aceito! Eles saem do restaurante e dirigem-se ao apartamento de Luna. Joseph toma um banho e troca de roupas. Depois, antes da chegada da hora programada para viajar, ele coloca todos os papéis e pistas referentes ao caso numa mesa e os fica manuseando obstinadamente, perscrutando todos os detalhes na esperança de encontrar algo novo ou algo que possa ligar Cavallera aos crimes. Luna, sentada no sofá, apenas o observa. – Você fica tão charmoso bancando o “senhor delegado” examinando evidências em busca de pistas. – Você acha? – pergunta Joseph, encabulado e com um sorriso desconcertado. – Que tal me ajudar aqui? – Tudo bem, mas estou sem muito ânimo – diz Luna com expressão preguiçosa. Luna se aproxima e senta-se à mesa, ao lado de Joseph. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Andei pensando, creio que em Altamira não encontremos algo que nos leve a Cavallera – conclui Joseph, com expressão resignada. – Por quê? – O máximo que vamos poder provar, com muita sorte, é que os Mizhadi sequestraram Maria das Graças. Mas ela morreu, eles também estão mortos. Vai ser um trabalho inútil. Nós não temos nada que nos leve ao tal “homem de olhos negros” nem que ligue Cavallera aos acontecimentos. – Que pena... – Eu sinto que há algo mais nisso tudo. Deve haver a ponta que nos levará ao iceberg! – Às vezes, precisamos lidar com a derrota, Joseph. Precisamos ser humildes o suficiente para reconhecermos que é o fim. Nem sempre os mocinhos vencem! – Nenhum de meus casos ficou sem solução. Sinto-me frustrado! Que droga! – Não dizem que para tudo há uma primeira vez? – É, de fato, nunca peguei um caso tão difícil... – Você tem que ser realista e saber que a chance de você continuar no caso é mínima. Só um milagre, algo que nos ilumine é que vai mudar o rumo das coisas... – Não acredito em milagres, mas bem que “algo que nos ilumine e mude o rumo das coisas” seria bom agora! – Sei... – Você viu o exame cadavérico dos Mizhadi? A folha dele desprendeu do relatório que Komoda me entregou. – indaga Joseph, raciocinando acerca do caso e O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 154 querendo verificar nesse exame algo que passara por sua mente. Joseph começa a procurar o exame na pilha de papéis sobre a mesa e é auxiliado por Luna. Num dado momento, eles acham o exame e, simultaneamente, colocam as mãos sobre ele, sobrepondo-as. Eles se olham nos olhos novamente, como quando estavam no apartamento de Joseph e quase se beijavam. – Eu já vi isso acontecer – diz Joseph, recordando-se do episódio em sua casa. – Tomara que dessa vez o interfone não toque – responde Luna. Joseph sorri e se aproxima, toca sua face e a beija. De repente, ele a larga subitamente e a olha com grande espanto. – Luna! Um milagre! Uma luz que nos ilumine! Por que não pensei nisso antes? – exclama. Ele corre até sua mala e tira sua lanterna de luz ultravioleta. Solicita a Luna que feche a cortina da sala para deixá-la mais escura. Luna, assustada e perplexa, atende ao pedido, ainda sem entender direito do que se trata. Joseph pega o cartão em branco dos Mizhadi, aquele que havia sido encontrado na pousada Sétimo Portal, no qual havia apenas o desenho da serpente; ele liga e posiciona a luz ultravioleta em direção ao cartão. Algumas inscrições luminescentes à ação da lanterna aparecem. – Bingo! Tem algo no cartão! – Meu Deus! Incrível... No cartão há uma frase escrita em inglês e que é traduzida em voz alta por Joseph: O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 155 – “A lua não dará sua força e o Senhor Maitreya será consagrado diante do trono do Portador da Luz”. Também havia no cartão uma data, abaixo da frase: – Três de março de dois mil e sete... Por fim, havia alguns números: 39°09'23.14"N; e abaixo desses: 156 27°11'19.70"E. – O que será que significam essa frase e esses números? – questiona Joseph, incontido pelo entusiasmo da nova descoberta. – Deixe-me ver – solicita-lhe Luna, aproximando-se um pouco mais dele e pegando o cartão e a lanterna. Luna verifica a frase, as datas e os números. – Não sei ao certo, parece um código: a frase deve referir-se a algum evento codificado que irá acontecer; a data, obviamente, deve ser o marco temporal no qual esse evento acontecerá; e esses números são, com absoluta certeza, de coordenadas geográficas, só podem ser os indicares para o lugar em que o suposto evento vai acontecer. – Coordenadas geográficas? Como sabe? – Sim, coordenadas geográficas! Meu pai era da Marinha Americana, lembra? Ele me ensinou essas coisas. – Essa frase fala no tal Senhor Maitreya, lembra que o casal Mizhadi disse ao motorista da pousada que ia oferecer a menina aos guardiões do Senhor Maitreya? – recorda-se Joseph. – Lembro sim. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Luna muda a feição e raciocina por um momento. – Estranho tudo isso, Joseph. – O que foi? – Eu, quando era criança, era obrigada por meus pais a ir à escola dominical, pois eles eram muito religiosos, mas depois que fiquei grande e independente 157 tornei-me completamente cética. – Nossa! Que coincidência! Meus pais também eram muito religiosos, eles eram judeus praticantes das tradições – isso quando os dois vieram morar no Brasil. Pouco antes de morrerem, entretanto, se envolveram com uma dessas facções cristãs e queriam que eu participasse com eles. Eu sempre fui cético também, apesar de quando criança eu fui obrigado às práticas judaicas. Sim, mas e daí? O que isso tem a ver com o que lemos no cartão? – Lembro-me que, dentre as lições que aprendi na escola com outras crianças, nos foi ensinado que “Portador da Luz” é o significado do nome Lúcifer... – Lúcifer? – Sim! Estudamos isso para compreender um texto em Isaías. Segundo o relato bíblico, Lúcifer era um anjo de luz que se rebelou contra Deus e foi rejeitado por Ele, tornando-se “o Inimigo”, ou seja, Satanás... – Entendo: Lúcifer é o Diabo ou Satanás? – Sim! Ainda pelo relato bíblico, Lúcifer era a Serpente do Éden... – Serpente? Faz alguma lógica! Os símbolos encontrados nos corpos e na menina eram de uma serpente... – Exato! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Então são maníacos religiosos mesmo! Eu sabia que tudo isso era parte de um grande ritual macabro! Tudo isso é parte de uma seita ocultista. – Não, Joseph! Tudo isso é, claramente, apenas uma forma codificada de comunicação entre os terroristas! Talvez “consagrar o Senhor Maitreya ao Portador a Luz” seja um código de entrega de armas ou de algum evento terrorista. Essa linguagem ocultista não passa de uma fachada! Essas codificações são usuais entre terroristas... – Eu não sei. É tudo muito estranho... – Lembrei-me de outra coisa que aprendi na escola dominical. – diz Luna, correndo à sua biblioteca e trazendo uma Bíblia de estudo. – Eu achei que fosse cética? Você lê a Bíblia? – Não leio não, mas esse foi um presente de minha mãe e guardei por lembrança. – Sei, mas do que você lembrou? – A mensagem fala que “o Senhor Maitreya será consagrado diante do trono do Portador da Luz”, certo? Já que Portador de Luz é Lúcifer e Lúcifer é Satanás, então podemos dizer que Maitreya será consagrado diante do trono de Satanás; na Bíblia há um relato da localização do “trono de Satanás” em uma das cidades das sete igrejas do Apocalipse. Luna folheia a Bíblia e localiza um texto em Apocalipse, no capítulo 2, versículos 12 e 13. Ela os lê para Joseph: – “E ao anjo da igreja que está em Pérgamo escreve: conheço tuas obras e onde tu habitas, que é onde está o trono de Satanás”. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 158 – Pérgamo? – Segundo o Apocalipse o trono de Satanás está em Pérgamo! – conclui Luna. – Mas onde fica Pérgamo? – Aqui nessa Bíblia há um mapa, vejamos! Luna abre um mapa bíblico em que há a localização das sete igrejas do Apocalipse, entre elas, Pérgamo. – O mapa indica que Pérgamo ficava onde hoje é Anatólia, porção asiática da Turquia! – constata Luna. – Turquia? – Sim! Nada mais conveniente. A parte asiática da Turquia é uma boa porta de entrada para o Ocidente; além de ficar próximo do Oriente Médio! O local perfeito para os pérfidos intentos dos terroristas orientais! – Não entendi... – Joseph! Estamos lidando com terroristas! Muito provavelmente eles são do Oriente Médio, vão usar a Turquia, ou mais precisamente, Pérgamo, para algum evento terrorista. Nada mais providencial, a Turquia dá acesso ao Ocidente e é próximo do Oriente: posição estratégica privilegiada associada à facilidade de alguma movimentação logística! Tudo faz sentido agora! – Com relação aos números que há no cartão, você disse que esses números são de coordenadas geográficas... – É a latitude e a longitude de algum lugar... – E há como sabermos que lugar é esse? E saber, realmente, se as O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 159 coordenadas correspondem a Pérgamo? – Há um software na Internet que localiza, através de coordenadas, pontos geográficos, podemos tentar, vou pegar meu computador... Joseph anota as coordenadas geográficas, enquanto Luna traz seu computador portátil, para acessar a Internet através dele. Ela aciona o dispositivo de Internet sem cabo e liga o computador. Depois, localiza o site que possuía o software que ela fizera alusão. – Qual a primeira coordenada? – pergunta-lhe Luna. – 39°09'23.14"N. – E a segunda? – 27°11'19.70"E. Ela lança os dados no software e o programa indica a localização referente aos dados. – O ponto fica na Ásia, mais especificamente na parte asiática da Turquia! Corresponde ao exato local em que o mapa bíblico indica onde era Pérgamo! – constata Luna. – Ótimo! Mas porque Pérgamo não aparece no mapa turco? Indaga Joseph, olhando a localização que o programa havia indicado e verificando o nome das cidades próximas. – Porque é uma cidade antiga que, politicamente, não existe mais. Nesse mapa a cidade mais próxima dela é Bergama, que seria a versão moderna de Pérgamo! – Como assim, Pérgamo não existe mais? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 160 – Só existem as ruínas, o lugar serve para turismo; lembro-me que meus pais foram fazer uma viagem à Turquia para conhecer as igrejas do Apocalipse. Atualmente, as ruínas de Pérgamo rodeiam a cidade de Bergama! – Entendo. – É uma pena ter de entregar o caso depois de descobrirmos tudo isso! – 161 Lamuria-se Luna, contendo sua empolgação. Eles se calam por um momento. – Nós podemos até entregar o caso, mas nada impede que no dia três de março nós façamos uma viagem turística a Pérgamo; viagem para descobrir o que é que significa “A lua não dará sua força e o Senhor Maitreya será consagrado diante do trono do Portador da Luz” sugere Joseph, maliciosamente. – Não entendi... – Luna! Esse caso é nosso! Nós vamos descobrir o que acontecerá nesse dia! Nós vamos descobrir o segredo de Pérgamo! – Eu topo! Dentro ou fora do caso, vamos descobrir, de uma vez por todas, o que é que está acontecendo... O telefone de Joseph toca. – Meu chefe! – diz Joseph, pegando o celular. – Não diga nada do que descobrimos a ele, vamos guardar segredo disso tudo e, sozinhos, descobrir toda verdade! Nossos chefes não foram fiéis a nós, também não seremos a eles. Tudo que descobrimos ficará em segredo entre nós! – sugere Luna. – Fechado! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Joseph atende seu telefone. – Joseph? – Pois não, Horácio? – Onde você está? – Estou na casa de Luna... – Eu soube que vocês estão fora do caso dos Mizhadi. – É... – Mas o que vocês descobriram? Estou curioso para saber... – Nada de mais, para falar a verdade, até agora, não entendi nada; estou até gostando de entregar esse caso, estava muito complexo – mente Joseph, fazendo sinal positivo a Luna. – Sim, mas você não descobriu nada mesmo? – Por enquanto, não; todavia, tenho quinze dias para tentar reverter isso. Quem sabe não descubra algo? – Tudo bem, mas, se descobrir algo, eu quero ser o primeiro a ser comunicado! – Certo! Ah, soube que você esteve no hospital, visitando Maria das Graças antes dela morrer. – Como você soube? – pergunta Horácio, surpreso e desconfiado. – O médico de Maria das Graças me contou. Achei que o senhor tinha um coração de pedra, mas vejo que é um homem sensível. – Era minha obrigação como Superintendente! – Horácio, o pessoal que você colocou na segurança da menina não viu nada O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 162 de estranho no hospital? – Não. Por que está me perguntando isso? O médico disse algo a você? – indaga Horácio, com tom de desconfiança. – Não! Ele apenas lamentou todo o ocorrido e elogiou sua solicitude à família da menina... – Sei. Quando você volta a Goiânia? Precisamos conversar... – Hoje mesmo! – Ótimo! Assim que chegar, quero que venha aqui, você tem que receber o processo que foi aberto contra você, aquele por representação de Cavallera! Você deve se pronunciar e se defender muito bem ou isso vai dar em processo administrativo disciplinar daqueles... – Tudo bem! Conheço o rito dessas coisas. – Até mais, filho. – Até. Joseph desliga o telefone. – Droga! – lamenta-se Joseph. – O que foi? – pergunta Luna. – Há processo administrativo movido contra mim impetrado por representação de Cavallera. Vou viajar agora mesmo, para tomar ciência dos termos do processo e fazer minha defesa escrita preliminar. O tempo é precioso... – Que coisa... Luna, pelo telefone, solicita um táxi para que Joseph vá até a rodoviária, enquanto ele arruma suas coisas. Depois disso, eles conversam um pouco, O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 163 enquanto aguardam a chegada do táxi. – Luna? – Oi. – E com relação ao nosso outro assunto? Como ficamos? – Que outro assunto? 164 – Não se faça de desentendida... Luna passa a mão no cabelo e se cala por um instante, depois, com voz doce, revela: – Joseph, eu estava com receio de assumir, mas você me cativou, estou apaixonada por você... – Eu também por você – responde Joseph, imediatamente e sem hesitação. Joseph pega a mão de Luna e inclina-se para beijá-la. O interfone toca. – De novo essa droga de interfone! – pragueja Joseph. Luna sorri e vai atendê-lo. – Pronto! – Dona Luna, tem um rapaz num táxi aqui esperando... – Obrigado Arlindo, estamos descendo! – O táxi chegou? – Pergunta Joseph. – Sim. – Vamos descer. Eles descem e veem o táxi do outro lado da rua e vão se despedir defronte à portaria do prédio: – Eu posso te beijar na frente do pessoal do seu prédio? – pergunta Joseph. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Luna apenas o abraça e o beija, sem responder nada. De repente, um carro, completamente preto – inclusive com películas muito escuras – em alta velocidade e fazendo com que seus pneus derrapem, aproxima-se. Luna e Joseph olham assustados para o carro. Uma das janelas de trás do carro é aberta e um homem encapuzado saca uma metralhadora e aponta em direção ao casal, executando uma rajada de tiros. Joseph saca sua arma e agarra Luna para se jogar ao chão, mas dois projéteis da metralhadora acabam atingindo Luna: um no braço e outro na perna. O carro segue em alta velocidade. Joseph ainda efetua dois disparos em direção ao carro, mas ele consegue fugir. – Luna! – grita Joseph, desesperado ao olhar para Luna e verificando os ferimentos nela. Ele tira sua blusa e a rasga, tentando improvisar curativos para conter as hemorragias dos ferimentos de Luna. Posteriormente, ele liga para o serviço móvel de urgência: – SAMU, bom dia! – Eu preciso de uma Unidade Avançada aqui! Tenho uma pessoa ferida à bala, quadro de hemorragia grave – diz Joseph, em tom desesperado. – Tudo bem, senhor, tenha calma, vou transferir a ligação para o médicoregulador... Joseph informa o estado da moça e, com o auxílio do porteiro, indica o endereço de Luna. Sete minutos depois, uma Unidade Avançada chega ao local, acompanhada de uma viatura de polícia. Luna é imobilizada e atendida, depois é levada, às pressas, ao hospital. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 165 CAPÍTULO XIV Hospital de Brasília, Brasília-DF, 06 de dezembro de 2006, 07h30min. Luna, com dificuldade – por conta da claridade, abre seus os olhos. Quando consegue focar melhor a imagem de sua visão, percebe que está num leito de hospital e com soro implantado no braço. Ela olha para seu lado e vê Joseph, sentado numa cadeira. – Bom dia, bela adormecida! O efeito dos sedativos passou – cumprimentalhe Joseph, sussurrando com voz serena. – Joseph? – fala Luna, tentando se levantar. – Calma! Não faça esforços desnecessários e bruscos; você teve que ser sedada para ser submetida a uma cirurgia de remoção de projéteis. Vai ter que ficar em total repouso – contém-na Joseph, sustentando-a. – Meu Deus, Joseph, alguém quer nos matar! – Nós sabemos quem é esse “alguém” que quer nos matar – diz Joseph, com ar conclusivo. – O que vamos fazer? Eu estou com medo... – Eu pensei muito nisso durante toda esta madrugada, enquanto observava você aqui... – Você não dormiu? – Nem um segundo sequer! Morri de medo de perder você; mal comecei a te ter e quase que te perdia – confidencia Sherman, acariciando a face da, agora, namorada. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 166 – Joseph – diz Luna, de forma lenta e com expressão doce. – Bem, eu pensei muito nisso tudo e tomei duas decisões... – Quais? – A primeira é que você deve ir para casa de seu tio que mora em Santos, aqui nesse hospital você não está segura. Veja o que aconteceu a Maria das 167 Graças... – Joseph! Eu vou com você solucionar esse caso... – Não vai não, mulher maravilha! O médico disse que você vai precisar de, pelo menos, quatro meses para se reabilitar completamente dos ferimentos... – Se eu não viajar, você também não vai! Não quero perder você! Quem quer nos matar não vai desistir... – Não! Eu, sozinho, vou tentar descobrir tudo; você é a baixa de nosso exército de dois soldados. Só eu tenho condições de prosseguir agora! – Joseph... – Não adianta, Luna, eu preciso descobrir o que há em Pérgamo! Além do mais, seja-me sincera: se de nós eu fosse o que estivesse ferido e você a que estivesse sã; o que você faria? – Eu iria investigar e descobrir tudo, inclusive quem tivesse ferido você; ia acabar com a raça de quem te fizesse mal... – Então... – Joseph, talvez seja melhor desistirmos disso tudo, a organização que nós estamos enfrentando já deu provas suficientes que é muito poderosa. Talvez, fosse melhor passarmos todas as informações às autoridades internacionais, para que O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO elas investiguem... – Luna, veja só: a nossa única testemunha morreu, ninguém vai nos dar crédito; as autoridades internacionais têm ligações com Cavallera. Não sabemos em quem confiar! – Isso é verdade. Mas, qual foi sua outra decisão? – Eu vou investigar tudo o que puder sobre isso e, se voltar vivo de Pérgamo... – Sim? – Vou te pedir em casamento! – Joseph! Não é hora de brincadeiras... – Não estou brincando, Luna! – Como assim, não estou brincando? – Não vou deixar que a oportunidade de ter você comigo passe como “poeira ao vento”. Não vou perder nem mais um segundo de minha vida! Eu estou amando você, e você a mim; já não estamos com idade para esperar muito tempo... – Talvez você tenha razão... – Isso quer dizer “sim”? – Joseph! A dois ou três dias eu estava confusa em relação a nós, depois levei tiros de uma suposta organização terrorista e, agora, você me pede em casamento! São muitas emoções para uma única semana! – Bem, compete a você decidir. Eu não quero perder mais tempo, quero aproveitar cada instante de meus dias. Não vou encontrar alguém tão parecido comigo; não posso deixar essa oportunidade escapar! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 168 Alguém bate à porta do leito e interrompe a fala de Joseph. – Quem é? – diz Joseph, colocando a mão em sua arma e com olhar desconfiado. – Agentes Federais Walter e Ana! – responde um homem à porta. Joseph tira a mão da arma e abre a porta, cumprimentando e abraçando os 169 dois agentes. – Quem são seus amigos? – pergunta Luna, curiosa. – Eu liguei para Komoda e solicitei que ele mandasse duas pessoas de total confiança para ficar contigo, até que você receba alta médica e possa ir para casa de seu tio, concluir o prazo de recuperação lá. Komoda mandou-me o “Casal 20” da Polícia! Walter e Ana! – Nós vamos cuidar direitinho de sua noiva, Joseph! Pode ficar tranqüilo – diz Ana. – Noiva? – pergunta Luna, perplexa. – Joseph? Você noivou com a moça e ela nem sabe ainda – brinca Walter. – É que a pedi em casamento agora – justifica-se Joseph. – Que coisa romântica! Pedir alguém em casamento no leito de um hospital e depois de ser alvejada por tiros, coisa de policial mesmo – graceja Walter. – Não venha bancar o romântico, Walter! Você me cortejou, pela primeira vez, no exato momento em algemávamos traficantes – retruca Ana, dando uma leve tapa no ombro de Walter, seu marido, e rindo. – Ana! – exclama Walter, com olhar constrangido. – Bem, tenho que ir! Vocês podem discutir a relação como quiserem, mas O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO não tirem o olho da minha menina ali – brinca Joseph, olhando para o casal. – Joseph, para onde você vai? – pergunta Luna, desolada. – Vou para Goiânia. Tenho, agora, apenas quatorze dias para solucionar o caso! – Tome cuidado... Joseph se aproxima e a beija levemente, depois acaricia sua face e diz: – Mande lembranças para seu tio e o informe de que ele fará nosso casamento. – Mas eu nem disse sim ainda – provoca-lhe Luna, fazendo uma piada. – Mas os seus olhos já me disseram sim. Eu alertei você sobre minha capacidade de fazer leitura das pessoas independente do que digam. Desde a primeira vez que você me olhou, notei que “estava na minha” – gaba-se Joseph, piscando um dos olhos. – Convencido... – Tchau. – Tchau. – Obrigado por virem e até mais! – agradece Joseph a Ana e Walter. – Fique tranquilo, vamos cuidar de sua menina! – diz Walter, apertando a mão de Joseph. Joseph se despede e sai do hospital em direção a uma praça de táxi. De lá segue até a rodoviária, retornando até sua casa, em Goiânia. De sua casa, ele, em seu veículo particular, dirige-se à Superintendência de Polícia Federal, e vai à sala de Horácio. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 170 – Com licença, chefe – diz Joseph, abrindo a porta da sala de Horácio. – Joseph! – Vim tomar ciência do processo aberto contra mim... – Ah, claro! Diz Horácio, abrindo uma gaveta e tirando o processo. – O que vai fazer depois que entregar o caso? Vai voltar para a 171 Corregedoria? – Não sei – responde Joseph, fazendo-se de desinteressado, enquanto folheia o processo. – Mas o que é que você tem contra Cavallera? Lembro-me que disse que achava que ele estava envolvido! Que ele fazia parte de uma organização... – Eu acho que fantasiei coisas, dei muito crédito a Luna e seus devaneios. Ela achava que tudo fazia parte de uma organização terrorista – disfarça Joseph, querendo esconder de seu superior seus reais intentos. – Sei... – Vou cumprir o restante do prazo que tenho no caso e aproveitar minhas férias! – Como está Luna? Soube que ela sofreu um atentado. – Como soube disso? – Ah, bem. É... É que Komoda ligou-me e me informou... – Bem, acho que alguém que não gosta de americanos tentou matar Luna, esses gringos têm inimigos em tudo que é lugar. Talvez, por ela ser da Embaixada, alguém tenha visto nela um ícone sobre o qual poderiam se vingar – disfarça Joseph, ocultando suas reais conclusões acerca de quem realmente achava que era O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO responsável pelo acontecido. – Faz sentido! – Isso... – Entrar de férias é o melhor que você tem a fazer, Joseph. Deixe esse caso para lá. Esses gringos que se resolvam! Lembra-se que me disse isso? – Tem razão. Pode ter certeza que minhas férias serão inesquecíveis! – ironiza Joseph. – Sei... – Ah, por falar nisso! Já que vou entrar de férias dia 20 de dezembro, quando entregar o caso... – Sim... – Vou ficar de férias até dia 20 de fevereiro, pois tenho dois meses de férias acumuladas para tirar... – Sim, claro! – Vou querer fazer algumas viagens turísticas. Uma delas só poderá ser feita em março... – Sim e daí? – O Senhor poderia prorrogar, de alguma forma, minhas férias até dia 05 de março? – Joseph! São quase quinze dias a mais... – Horácio, eu sei que pode mexer seus pauzinhos e fazer isso por mim. Preciso descansar e essa viagem em março é a mais importante de todas que quero fazer em minhas férias... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 172 – Para onde você vai? – Um passeio místico pela Ásia – diz Joseph, em tom de mistério. – Tudo bem! Vou ver o que posso fazer! – Obrigado, Horácio! Tenho que ir! – Até mais! Joseph volta para sua casa. Pela manhã, no outro dia, ele pega todas as peças do caso e vai estudá-las, detalhadamente, numa busca obcecada por indícios que incriminem Cavallera, sem, todavia, obter êxito, pelo que fica bastante abatido. Seu trabalho é interrompido por uma ligação de Komoda. – Joseph? – Oi, Komoda – diz Joseph, em total apatia. – Como estão as coisas, meu amigo? – Vou indo... – O que é isso, cara? Que tristeza... – Estava aqui debruçado sobre as peças do caso. Eu estudei tudo já! Cada vez que leio e releio os relatórios, vejo que eu não tenho subsídios para pegar Cavallera e, consequentemente, ser mantido no caso... – Bem, tenho uma notícia que talvez possa te animar... – Diga-me – solicita-lhe Joseph, sem a mínima animação e incrédulo à promessa do amigo. – Lembra do seu amigo do táxi? – Qual? Aquele que me extorquiu cento e cinquenta pratas? O que te passei a placa do carro dele e que você me disse que estava sendo investigado por relação O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 173 com o tráfico internacional de entorpecentes? – Esse mesmo! – O que tem ele? Já tinha me esquecido daquele “malaca” safado! – Concluímos as investigações acerca do tráfico internacional e vamos deflagrar uma operação para prender todos os envolvidos, diretos ou indiretos, 174 inclusive ele. – Sério? – pergunta Joseph, um pouco mais animado. – Sim. E eu estou te convidando para fazer parte da equipe que vai colocar “as pulseiras de Roberto Carlos” nesse “paquito”! – Cara, muito bom isso! Preciso de um pouco de diversão mesmo! – Tudo bem! Então, esteja aqui na minha sala às seis da manhã do dia dez desse mês! A equipe sairá da Sede em direção à casa do tal taxista... – Marcado! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO XV Direção de Administração e Logística da Polícia Federal, 10 de dezembro de 2006, 06h00min. Numa sala estão Komoda, Sherman, mais dois Delegados e sete agentes federais. Komoda faz a preleção da Operação: 175 – Como é de conhecimento dos senhores, hoje será deflagrada a operação “Apocalipse”, que cumprirá dezessete mandados de prisão em cinco estados e Distrito Federal. Aqui, mais especificamente no Gama e em Taguatinga, cumpriremos dois desses dezessete mandados. Para tal, nos dividiremos em duas equipes: Alfa e Bravo. Na Equipe Bravo, contaremos com a colaboração do Delegado Joseph Sherman, de Goiás. Alguma dúvida? Todos permanecem em silêncio, olhando uns para os outros. – Bem, então vamos à ação! – completa. As equipes seguem em quatro viaturas, duas delas se dirigem ao Gama e as outras duas, numa das quais estava Sherman, em direção a Taguatinga, até a residência do taxista que havia extorquido Joseph e que também tinha envolvimento com a organização criminosa investigada por tráfico de entorpecentes. Eles chegam ao local e cercam, imediatamente, a residência do criminoso. Depois, chamam à entrada, sem resposta nenhuma. Depois, pulam os muros e arrombam a porta da frente da casa e se dividem – para começar a vasculhar interior da residência. Dois dos agentes ficam nos fundos do imóvel, para evitar fugas. Joseph, acompanhado de outro agente, dirige-se até um dos cômodos, com arma em punho. Ao procurar, diligentemente, dentro de um quarto, acaba encontrando o taxista O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO escondido embaixo de uma cama. – Bom dia “Mister Kingston” saia daí de baixo sem fazer movimentos bruscos e depois fique de joelhos – ordena-lhe Joseph, apontando a arma para o taxista. O taxista, sem reconhecer Joseph, sai muito assustado e obedece aos comandos. O agente que acompanhava Sherman o revista e depois o algema, enquanto Joseph mantém o traficante na mira. Depois, eles o colocam sentado numa cadeira. – Eu só falo quando chegar meu advogado! – diz, com semblante sereno, o taxista, que se chamava João Lennon Farias. – Advogado? Esse se acha importante, vai ver que é pelo nome – diz o agente, ironizando e rindo. – Por que estou sendo preso? Eu não fiz nada! Nesse momento, um outro agente, acompanhado do delegado coordenador da operação, entra no cômodo que eles estavam e anuncia: – Há quinhentos quilos de “erva” naquele outro quarto... – Qual é? Vocês soldadinhos não podem provar que essa droga é minha – retruca João Lennon. Todos no quarto começam a rir com o cinismo do preso. – Bem pessoal, já prendemos o “anjinho”, agora vamos vasculhar a casa em busca de mais provas e evidências. Determina o delegado coordenador da equipe. Todos iniciam as buscas. Um dos agentes fica de guarda com João. Joseph, sozinho, começa a vasculhar outro cômodo, onde encontra uma pilha de relógios caríssimos. Há uma outra pilha de carteiras para cédulas e documentos de diversas O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 176 pessoas. Há também muitos celulares muitíssimo modernos. – Além de traficante o pilantra é ladrão – conclui. Ele encontra também muitos comprovantes de passagens a Pedro Juan Caballero, o que seria mais um indício de que João Lennon estaria envolvido com tráfico internacional de drogas. Há também no cômodo, uma grande pilha de malas. Joseph, cuidadosamente e em busca de evidências, perscruta cada uma delas, mas em todas só há roupas, pois tinham sido furtadas pelo taxista dos seus passageiros. Entretanto, quando está examinando a penúltima mala que havia na pilha, Joseph encontra uma espécie de burca, completamente negra. Quando ele abre a vestimenta, observa o desenho de uma serpente, escarlate, idêntica a que havia no cartão, na testa dos Mizhadi e no local do crime de Alto Paraíso de Goiás. Atrás dessa veste há o mesmo desenho e na mesma cor, mas em tamanho grande. Na frente da burca, há um pequeno bolso, dentro desse bolso Joseph encontra um cartão branco com o desenho da serpente no meio, idêntico ao que encontrara na pousada de Alto Paraíso de Goiás. – Caramba! – exclama ele, surpreso olhando para o cartão. Ele sai rapidamente de onde estava e chama o coordenador da operação. – Marcos? Marcos? Posso interrogar o preso? – Pode Joseph, mas o que você quer saber? – Essa roupa. Veja... – O que tem? – diz Marcos, tomando as roupas na mão e sem entender direito. – Esses desenhos são idênticos aos que encontrei num local de homicídio O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 177 que estou investigando... – Você acha que o “malaca” está envolvido? – Não sei... – Tudo bem! Enquanto estivermos vasculhando a casa, pode perguntar a ele o que quiser, mas você sabe que nossa política dispensa o uso de violência; não o 178 machuque muito... – Fique tranquilo! Minha psicologia dispensa o uso de métodos físicocoercitivos. – Tudo bem! Joseph vai até o cômodo no qual João estava e o traz até o quarto onde havia os objetos supostamente roubados. Ele coloca João sentado numa outra cadeira que havia nesse cômodo. O taxista está com medo, muito tenso, com receio de ser agredido para confessar alguma coisa. – Se me bater eu falo para imprensa... – Calma, meu caro João, não fique estressado, pois “a tua casa já caiu”. Se colaborar poderá ser beneficiado... – Eu não negocio com polícia! – diz o meliante, virando seu rosto. – Olhe bem para mim, está me reconhecendo? – Não! – responde o taxista, com semblante de dúvida. – De quantas pessoas você cobra cento e cinquenta reais por uma corrida da rodoviária à Esplanada dos Ministérios? – Você é aquele empresário, todo almofadinha! É você? – Lembrou! A maconha ainda não consumiu todos os seus neurônios... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Eu não fumo o bagulho, irmão. Só vendo! – Sei... – O que você vai fazer comigo? – Se você responder tudo que eu perguntar, não vou fazer nada... – E, se eu não falar? – indaga-lhe, expressando arrogância no tom de voz. – Se você não falar, vamos ter que reconfigurar a cena de sua prisão... – Como é? – A cena de sua prisão será alterada: você ficará deitado na sala com uma bala na cabeça e uma pistola na mão; relatório: entramos na casa, o meliante reagiu e, no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa, tivemos que cessar a agressão de forma brusca e capital. Isso dá, inclusive, uma linda manchete de Jornal: Traficante morre em “troca de tiros” com a Polícia Federal – responde-lhe Joseph, com feição cínica e gesticulando aspas, mentindo para pressioná-lo. O taxista cala-se. – Pergunta um: você roubou essas coisas? – indaga, apontando para as carteiras, celulares e relógios. – Não! Roubo não, eu as furtei. – Ótimo! Você parece disposto a viver e a colaborar! O taxista faz uma expressão contrariada e vira o rosto novamente. – E essas malas? – Também as furtei de meus passageiros. – Lembra-se de quanto furtou essa aqui? – questiona-lhe, apontando para mala em que havia encontrado a vestimenta com desenhos de serpente. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 179 – Lembro sim. Foi essa semana... – Lembra-se de como era a pessoa que você furtou? – Não costumo me lembrar das pessoas assim. Mas esse cara me chamou atenção, pois tinha um jeito de esquisito, unhas grandes, roupas pretas. Era uma figura! 180 – E onde você o levou? – Eu não o levei a lugar nenhum... – Como assim? – Ele me pediu parada numa rua qualquer e queria ir ao aeroporto, mas, no caminho, eu usei meu golpe mais simples e disse que o pneu havia furado. Quando nós descemos, eu pedi a ele para abrir a mala enquanto eu iria pegar luvas no carro para trocar os pneus, quando o otário foi abrir a mala eu entrei no carro e saí em disparada... – Tudo bem! Já foi o suficiente! – Só isso? – Só! Joseph leva o meliante de volta ao cômodo que estava anteriormente. Eles concluem as buscas e todos voltam para Sede para interrogar o preso. Joseph vai para um lugar discreto e liga para Luna. – Luna? – Joseph! Como foi a operação? Descontou sua raiva do taxista? – Mais que isso! – O quê? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – O cara além de traficante é ladrão... – Sério? – Mas, o melhor de tudo, é que encontrei uma espécie de burca numa das malas que ele havia furtado. Sabe que desenho há na burca? – Não... – O desenho de uma serpente, idêntica aos que estamos habituados a ver nas nossas investigações. E mais: havia nessa burca um cartão idêntico ao que encontramos na pousada! Eu conferi com luz ultravioleta e ele tem os mesmos dados do cartão que temos: a mesma frase, data e coordenadas geográficas... – Joseph! Isso é ótimo... – O que você acha? – Tudo está claro! Haverá, indubitavelmente, uma reunião em Pérgamo! Esse cartão além de indicar o local deve ser uma espécie de senha... – Entendi! E a roupa pode ser até “traje oficial” da festinha... – Exato! – Isso vai facilitar minha infiltração no dia da festinha... – Infiltração? Joseph, você está louco? É perigoso! – Não banque a prudente! O que você faria de posse dessas coisas! – Ah... Eu... Eu... Eu iria também... – Então... – Estou sentindo sua falta... – Eu também. O médico deu previsão de quando receberá alta e poderá ir a Santos, à casa de seu tio? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 181 – Segundo o médico, em três dias. – Ótimo... – É. Mas qual seu próximo passo? – Altamira! 182 O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO XVI Palace Hotel, Altamira, 15 de dezembro de 2006, 20h30min. Joseph está no hotel cujo cartão fora encontrado entre os pertences dos Mizhadi, na pousada de Alto Paraíso de Goiás. Ele identifica-se na portaria como delegado e confirma, com o atendente que acessara o banco de dados do hotel, que os Mizhadi haviam realmente se hospedado naquele estabelecimento. Mas, em entrevista a alguns funcionários, perguntando acerca do casal, ele não consegue colher nenhuma informação nova. Com isso, ele resigna-se, por perceber a inutilidade daquela viagem para seus escopos, pelo que fica muito abatido. Decide, então, hospedar-se naquele hotel, pois já retornaria na manhã seguinte, certo de que deveria entregar o caso. Ele acomoda-se no quarto que locara e depois desce de seu apartamento, atravessa a rua e vai jantar em um restaurante que está em frente ao Palace. Ele senta-se à mesa, faz seu pedido e, enquanto o garçom sai, ele coloca seus cotovelos sobre a mesa e fica com as mãos esfregando o rosto, com os olhos fechados, num nítido sinal de cansaço e sono. Ele fica assim algum tempo. De repente, o garçom chega com seu pedido. Enquanto come, sem muita animação, Joseph percebe que há uma adolescente, com idade aparente de quatorze anos, com roupa recatada, abraçada a um livro preto e o fitando através da vidraça do restaurante. A menina fica parada o encarando. Joseph fica intrigado, termina de comer, paga sua conta e vai até à menina. – O que você quer menina? Está com fome? Posso pagar uma refeição para você? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 183 – “Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”! – retruca a menina. Joseph observa que o livro que a menina segura é uma Bíblia. – Não estou interessado em pregações, procure outra pessoa para doutrinar – diz Joseph, demonstrando rispidez e virando-se para voltar ao Palace. – Deus ouviu o clamor de teus pais, antes de morrerem, eles oraram insistentemente ao SENHOR; o SENHOR os ouviu! Joseph para de caminhar em direção ao hotel e volta-se novamente para a menina. – O que você disse? Quem orou por mim? – Deus me mostrou teus pais ajoelhados, chorando e orando por você, e eles fizeram isso muitas e muitas vezes, antes dos seus corpos retornarem ao pó e seus espíritos retornarem até Deus, onde aguardarão o Último Dia, o Dia da Vingança do SENHOR contra todo homem mau! Mas o SENHOR os salvou e contou cada lágrima derramada de seus olhos, quando eles estavam vivos; e decidiu te salvar desse mundo mau também... Joseph para, fica pasmo e atônito com a declaração da menina, mas, depois, raciocina maliciosamente. – Já entendi seu golpe, sua pilantrinha! Você viu que não sou tão jovem e deduziu que, talvez, meus pais já tivessem morrido. Vá procurar outro otário, garota! – esbraveja ele, irritado e virando-se, novamente, em direção ao hotel; ele cria que a menina era uma charlatã. – Tu buscas o segredo escondido no Trono de Satanás, mas Deus te levará O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 184 ao Seu Trono, onde encontrarás vida! – responde a menina. Joseph para e, mais uma vez, volta-se para a menina. – Mas não temas, pois o SENHOR também te escolheu para te revelar coisas grandes e ocultas. Conhecerás a verdade e a verdade te libertará – completa a adolescente. 185 – Como você sabe do Trono? – pergunta. – Entretanto, o SENHOR te alerta: assim como foi com o Messias, Jesus, entre os teus há um Judas, um traidor, um de teus companheiros toma do Cálice do Inimigo – fala a menina, ignorando a pergunta que Joseph fizera e trazendo outra revelação. Joseph, sem entender direito a situação e o que a menina falava, muito perplexo e confuso, vira-se em direção ao Palace, atravessando a rua displicentemente. – Cuidado com o Judas! Ele está perto de ti, está entre os teus companheiros! – grita a menina, enquanto Sherman atravessa a rua em direção ao hotel. Joseph para no meio da rua e vê um ônibus se aproximando, ele percebe que vai ser atropelado, mas fica estático. Quando o ônibus freia e está prestes a atropelá-lo, Joseph acorda – pois estava com a cabeça deitada em seus braços e sobre a mesa do restaurante. Ele, muito assustado, olha para os lados e, sob observação perplexa das outras pessoas que estavam no recinto, olha para a vidraça do restaurante, não vendo ninguém, pelo que conclui: – Caramba! Adormeci na mesa e tive esse sonho maluco com essa menina! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO Que mico – pensa ele, envergonhado pela forma assustada que as pessoas o olhavam. – O senhor está bem? – pergunta o garçom, aproximando-se de Joseph. – Sim! Só estava um pouco cansado; acho que adormeci na mesa... – Eu vi que o senhor havia adormecido e não quis incomodar. O senhor ainda 186 quer comer? Já está pronta sua refeição! – Claro! Pode trazer... Joseph come rapidamente e paga a conta. Depois, volta ao Palace, ao seu quarto que locara. Toma um banho e, com ar compenetrado, senta-se na cama. Ele nota que no seu quarto há um computador, lembra-se dos casos de sequestros de crianças que haviam acontecido anteriormente em Altamira e que haviam sido citados em uma de suas conversas com Komoda, pelo que vai acessar a Internet no intento de conseguir informações mais detalhadas e verificar se há conexão com o caso que investiga. Ele acessa um site de buscas. Nele, Joseph faz uma pesquisa com os parâmetros “Altamira”, “sequestro” e “crianças”. São apresentados vários resultados, ele acessa um deles, no qual há a seguinte notícia, datada do ano de 2003: “Hoje foi detida a vidente Valeska P. Silva, líder da seita ufológica conhecida como Guardiões de Maitreya. Contra ela, e outros cinco membros da seita, pesam as acusações de sequestro, tortura e morte de cinco crianças em Altamira, no Pará, em rituais de magia negra ocorridos entre 1989 e 1993. Valeska e o marido, Pablo Hernandez, diziam ouvir algumas vozes. Essas vozes, conforme relato da mística, eram de seres extraterrestres. Ainda segundo a vidente, essas vozes O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO profetizavam que o fim do mundo estava próximo e diziam que só os adeptos da seita seriam resgatados por naves espaciais e salvos do colapso global. Essas mesmas vozes ordenavam tortura e o assassinato de crianças, consideradas seres malignos”. – Meu Deus! Que gente maluca! De novo, esses tais guardiões de Maitreya – pensa Joseph, ao ler a notícia e recordando-se do que o casal Mizhadi havia falado ao motorista da pousada acerca da caixa que levavam. Sherman pesquisa os outros resultados que haviam aparecido no site e não encontra notícias muito mais detalhadas do que estas. Mais nada que pudesse ser usado diretamente em sua investigação, apesar de certa similaridade do caso de Altamira e do de Alto Paraíso de Goiás. Ele desliga o computador e dirige-se à sua mala. Tira dela todos os elementos que havia colhido durante suas diligências e os vasculha, numa última esperança de detectar algo que pudesse ligar Cavallera aos acontecimentos. Ele não obtém sucesso. – Estou fora! Que droga! – resigna-se, batendo na mesa que estava. Ele recolhe as evidências e as guarda. Depois, deita-se, mas não consegue dormir. Então liga a televisão. Ele passa de canal em canal, sem encontrar uma programação que o agrade. Até que para em um dos canais, no qual é anunciado: “Mistérios do Mundo” de hoje mostra, com exclusividade para você, o caso que intrigou o Brasil: O ET de Varginha. Você vai poder acompanhar os depoimentos, relatos, reconstituições e a omissão do Governo... Já, já! Depois dos comerciais... – Que palhaçada – murmura Joseph, incrédulo em relação ao fato que seria transmitido no canal. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 187 Apesar disso, ele permanece com a televisão sintonizada à programação do canal. Ele fica assistindo todo o programa, totalmente cético, entretanto, quando é mostrado um retrato falado do suposto ser visto pelas pessoas em Varginha, ele acha muitíssimo parecido com o desenho que Maria das Graças havia feito para descrever o “homem de olhos negros” que ela vira em Alto Paraíso. Sherman, rapidamente, pega o desenho de Maria e o compara com o que estava sendo mostrado na televisão, confirmando a semelhança. Ao final do programa, o apresentador anuncia: – No próximo programa, não perca! Abduções! Relatos de pessoas que afirmam terem sido sequestradas por seres alienígenas. E, exclusivo: a mulher que afirma ter sido usada em uma experiência genética por extraterrestres. Ela afirma ter tido relações com seres de outros planetas! Joseph para diante do anúncio, olhando para os desenhos feitos por Maria das Graças e raciocinando por um momento, pensando se o caso de Maria não seria um desses: teria Maria das Graças sido violentada por um alienígena? Depois, ele balança a cabeça em sinal de negação e desliga a televisão, colocando os desenhos de volta no envelope. – Acho que estou meio maluco. Sonhando sonhos esquisitos e cogitando acreditar em coisas que não existem. Pessoas que ouvem vozes de ETs e matam crianças, gente que vê seres estranhos e transa com eles. Preciso de férias! Luna tem razão, tudo isso deve ser obra de terroristas... Joseph vai dormir e, no outro dia, volta para Brasília, onde deve entregar o caso até o dia vinte. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 188 CAPÍTULO XVII Assessoria Internacional do Ministério da Justiça, Brasília-DF, 20 de dezembro de 2006. Joseph está com Silvio Alencar, o Assessor Internacional do Ministério, entregando o caso, conforme prazo que havia sido estipulado. – Um relatório de uma página e meia? Isso é tudo que você conseguiu apurar, sr. Sherman? Esse é seu relatório final? – pergunta Alencar, soltando o relatório sobre sua mesa e olhando de forma desconfiada para Joseph. – Perfeitamente, sr. Alencar. – responde Joseph, cinicamente, pois havia omitido tudo que conseguira apurar, bem como, não entregou os objetos que recolheu em suas diligências. – O pior é que o Senhor não trouxe nada de novo ao que tinha sido levantado pela Polícia Civil – reclama Alencar. – Infelizmente, não há muito a se apurar. A única testemunha está morta – justifica-se Joseph. Alencar, com expressão desconfiada e com a mão no queixo, apenas o fita. – Espero que o próximo investigador tenha melhor sorte que eu. – complementa, expressando um sorriso falso. – Tudo bem! Está liberado, sr. Sherman, a interrupção de suas férias cessou, pode aproveitá-las agora! – diz Alencar, irritado e estendendo sua mão à porta da sala. – Obrigado, senhor, tenha um bom dia. Joseph sai da sala e, imediatamente, liga para Luna. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 189 – Joseph? E aí, como foi? – questiona Luna, curiosa e preocupada. – Entreguei o caso sem maiores formalidades e cerimônias... – Sei. Mas você ainda parece triste? – Estou triste e irado porque o safado do Cavallera se safou. Tenho certeza que quem entrar no caso vai ser uma marionete que evitará atingir o “homem 190 amado pelo Itamaraty”. – Não fique assim, você fez o melhor que pôde, nós demos nosso melhor... – Verdade! Mas, mudando de assunto, diga-me como estão as coisas aí em Santos? – Estou tendo uma rotina monótona de medicamentos e cama. Mas meu tio e sua esposa estão me dando toda assistência. – Que bom! – Onde você vai passar o dia de Natal? Poderia vir para cá. Afinal, a partir de agora, estás de férias... – Não sei se é conveniente, posso estar sendo monitorado e talvez me sigam para chegar até você. – Entendo! Precisava muito te ver, eu estou sentindo sua falta e preocupado com você... – Eu ainda mais, Luna. Mas tem outra coisa também: eu não me sinto muito à vontade nessas festas de família, isso faz lembrar que não tenho uma... – Joseph! Você não tinha... – Como assim? – Somos uma família agora: eu sou sua família... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Isso quer dizer um “sim” ao meu pedido de casamento? – Isso quer dizer que eu quero cuidar de você. E preciso de alguém que cuide de mim. Nesse momento Komoda aparece e interrompe o telefonema, tocando as costas de Joseph. 191 – Tenho que desligar, pois Komoda está comigo. – Tudo bem! Pense direito no convite que fiz de vir para cá no Natal... – Vou pensar... Joseph desliga o celular e se volta para Komoda. – E aí, Japa! Você por aqui? Não deveria estar trabalhando em seu escritório, “senhor Diretor”? – ironiza Joseph, brincando e o cumprimentando. – Vim saber com você como foram as coisas. Como foi lá com Alencar? – Normal. Entreguei o caso e pronto. Ele engoliu seco meu relatório sintético e me desejou boas férias... – Sei... Joseph faz uma expressão tristonha. – Meu amigo, deixe essa tristeza de lado. Curta suas férias e esqueça esse caso, pois só te trouxe problemas – consola–lhe Komoda. – Vou tentar... – A notícia boa é que Cavallera fez uma desistência oficial dos pedidos de representação contra você, não terás de responder processos administrativos. Horácio me ligou e me deu essa boa nova! – Isso para mim não tem relevância... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Olha uma coisa, Joseph, dia dezessete de janeiro, eu e Fernanda estaremos completando três anos de casamento. Darei um jantar reservado para alguns amigos, gostaria que você fosse... – Beleza! Obrigado! Tentarei estar aqui na Capital Federal para prestigiar seu aniversário... 192 – Onde você vai ficar hoje? – Vou ficar num hotel e amanhã volto a Goiânia... – De maneira nenhuma! Você vai lá para casa! Joseph acompanha Komoda até o fim de seu expediente de trabalho na Diretoria de Administração e Logística e, depois, vai para casa do amigo. À noite, depois do jantar e, após a esposa de Komoda decidir ir dormir, eles começam a conversar sobre vários assuntos. Num dado momento, Joseph fica compenetrado, muda o rumo da conversa e confidencia: – Sabe de uma coisa, Japa? Eu estou com umas teorias estranhas, mas que me parecem plausíveis e você é a única pessoa com a qual tenho coragem de compartilhar abertamente... – Como é? Joseph pega uma pasta onde havia todos os objetos colhidos em suas diligências referentes ao caso dos Mizhadi e os retira. – Olha isso! – diz ele, mostrando o desenho do “homem de olhos negros” que Maria das Graças havia feito. – O que é que tem? – indaga-lhe Komoda, não entendendo nada. – O que parece isso para você? O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Ora! Parece um desenho feito por uma criança... – É claro que sim, Japa! Mas o que o desenho parece para você? – Parece feio, a criança desenhava mal... – Não! O que você lembra ao ver esse desenho. Não parece um extraterrestre? – E você já viu um extraterrestre? – pergunta Komoda, brincando. – Não! Mas esse desenho é igual ao que aparece em filmes e relatos de pessoas que viram seres estranhos. É muito parecido com o que foi visto em Varginha! – O ET de Varginha? – Sim... Komoda dá uma grande gargalhada. – Joseph, você está realmente precisando de férias... – Calma, tem mais: Joseph tira o outro desenho de Maria das Graças, o do “carro redondo”. – Isso foi desenhado pela menina também? – Sim! – Esse seria o disco voador? – diz Komoda, pegando o desenho nas mãos e simulando um voo com o papel. – Qual é? Por que a menina ia desenhar essas coisas se realmente não as tivesse visto? – retruca-lhe Joseph, irritado com a brincadeira de Komoda. – Desculpe-me, continue – diz Komoda, recompondo-se e tentando ficar sério. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 193 – Sei que parece loucura, mas vi relatos de pessoas que tiveram experiências com seres extraterrestres – inclusive, experiências sexuais. Maria das Graças foi violentada e nela foi encontrada uma substância não identificada. Ora, essa substância só poder ser alienígena! Além do mais, essa descrição dos desenhos é nitidamente a de um disco voador e um ser estranho que, com certeza, não é um ser humano; o qual, possivelmente, fez uma espécie de experiência com ela. Os malucos de Altamira, que mataram muitas crianças em rituais de magia negra, diziam ouvir vozes de extraterrestres! Os Mizhadi também eram místicos envolvidos com essas coisas... – Joseph, você está ficando maluco por causa de sua obsessão com esse caso, cara! Essas pessoas dessa seita de Altamira eram todas malucas. Eles não ouviam nada, além de suas próprias mentes insanas e psicopatas. Joseph se cala, ressentido pela incredulidade do amigo. Nesse momento, a esposa de Komoda chama seu marido para dormir. – Joseph, vá aproveitar suas férias, meu amigo! Esqueça tudo isso! Acabou! Você entregou o caso; o próximo investigador que quebre sua cabeça para desvendar o que aconteceu – tenta consolá-lo. – Tudo bem, Japa! Obrigado! – diz ele, resignado e cabisbaixo. Joseph fica na sala algum tempo, olhando para os desenhos e muito pensativo, depois, bastante contrariado, vai dormir. No outro dia, bem cedo, retorna para Goiânia, para sua residência. Na sala de seu apartamento, ele, mais uma vez, coloca todos os papeis e evidências referentes ao caso Mizhadi e, raciocinando acuradamente, examina-os. Ele anda O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 194 freneticamente de um lado para o outro, com papéis nas mãos. Até que para e pega um dos cartões que havia sido encontrado na pousada Sétimo Portal – o cartão de apresentação pertencente a um guia turístico de Machu Picchu, no Peru. Depois de pensar um pouco, pega a lista telefônica e procura um número nas páginas amarelas. Localiza o número que queria e efetua uma ligação. Uma moça com voz 195 doce atente: – Castro Turismo, bom dia! – Bom dia! Gostaria de saber se vocês estão efetuando excursões para Cusco e Machu Picchu... – Sim, senhor! Estamos fechando um pacote especial de Natal e Ano Novo. A saída está prevista para daqui a dois dias. Será uma semana desvendando os segredos da Civilização Inca, passando por Cusco e o Vale Sagrado dos Incas, culminando com a virada de ano em Machu Picchu. – Ótimo! Vou fazer uma reserva! Joseph fornece seus dados e faz a reserva, depois liga para Luna. – Oi, princesa... – Oi, Joseph! – Só vou poder ver você em janeiro, não vou poder passar o dia de Natal com você... – Mas, por quê? – Vou para o Peru! Preciso ver se descubro algo lá. A partir de agora, esse caso é algo de cunho pessoal, vou ter que trabalhar por conta própria, e só vou ficar tranquilo quando tudo tiver terminado. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO XVIII Quíchua Hotel, Cusco, Peru, 24 de dezembro de 2006. Joseph hospeda-se num hotel na cidade de Cusco, juntamente com as pessoas de sua excursão; todos haviam chegado no dia anterior a Lima e, pela tarde, se dirigiram a Cusco, chegando pela manhã ao Quíchua Hotel. Sherman está no saguão do hotel, caminhando na direção do refeitório, até que, subitamente, ele é surpreendido e abordado por um senhor de idade, que levava alguns livros em uma das mãos. – Não acredito! O filho de Jacob Sherman! – surpreende-se o homem, tocando o rosto de Joseph. – Professor Fritz? – pergunta Sherman, recordando-se que esse senhor era amigo de seu pai, Jacob. – O que faz aqui, meu jovem? – indaga Fritz, abraçando-o. – Estou de férias e passeando. E o senhor? – Eu estou fazendo uma pesquisa sobre a arquitetura inca; um estudo arquitetônico e histórico... – Que bom! – Também está hospedado aqui no Quíchua? – Sim! Estava indo tomar café... – Claro! Eu também estava indo ao refeitório para o café... Eles dirigem-se até o refeitório onde se sentam para tomar café. Joseph, por gentileza, tomara, no trajeto até o refeitório, os livros que havia com o O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 196 professor, para ajudá-lo a levá-los. Quando se sentam, Joseph coloca os livros sobre a mesa, mas, por curiosidade, abre um dos livros e começa a folheá-lo, fitando atentamente as figuras que há nele, enquanto come e conversa com o amigo de seu pai. – Jovem Sherman, como está? Já se casou? 197 – Ainda não... – Pois, case-se, filho; case-se, e logo! Um judeu sem esposa não é um judeu de verdade! Todos os grandes judeus de nossa história tiveram grandes esposas, mulheres de fibra! – Certo! Mas, se isso o tranquiliza, acho que já encontrei a candidata perfeita! – diz Joseph, rindo. – Muito bem! De repente, Joseph para em uma das páginas do livro que folheava e observa a foto de uma estátua de um faraó. No diadema da cabeça da estátua do faraó, há uma serpente de ouro; essa serpente é muito parecida com a que estava habituado a ver em suas investigações. – Quem é este? – pergunta Joseph a Fritz, virando o livro e apontando para foto da estátua. O senhor pega novamente seus óculos, pois os havia colocado em cima da mesa ao se sentar, e olha atentamente para a figura. – Amenófis IV! Também conhecido como Akhenaton, que significa “adorador Aton” – responde, com ar de erudição. – É um faraó? – pergunta-lhe Joseph. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO – Sim! Ele tem uma trajetória peculiar dentro do estudo da História do Antigo Egito, pois foi responsável por uma reforma religiosa pioneira, durante o lapso temporal conhecido como Novo Império; instituiu o monoteísmo no Egito, a adoração exclusiva a Aton: o deus sol – diz Fritz, tomando o livro das mãos de Joseph e virando a página, para mostrar outra figura referente ao faraó e a Aton. Joseph fica ainda mais surpreso e muito mais perplexo ao ver a segunda figura, pois era uma foto em relevo, no qual havia sido esculpida uma imagem de Amenófis IV, juntamente com sua esposa, Nefertite, e seus três filhos, sustentando copos em direção a um grande círculo, do qual saiam traços simulando raios de luminosidade. Joseph vê naquele relevo uma cena muito parecida com a descrita por Maria das Graças, quando relatara que os Mizhadi estavam diante do “carro redondo” de luz forte e com taças nas mãos. – O que é isso? – questiona-lhe Joseph, apontando para o círculo que era reverenciado pelo faraó e sua família. – É Aton, o deus sol! – Aton? – Sim! Joseph olha atentamente para o relevo, raciocina e, um tanto quanto acanhado, indaga: – Mas poderia ser outra coisa que não o sol? – Como assim ser outra coisa? – Poderia ser... Ser... Um outro astro ou até mesmo algum outro objeto? – Ser o quê? Não entendi... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 198 – Um disco voador, por exemplo? Fritz dá uma longa gargalhada. – Meu jovem... – Desculpe-me professor, ando vendo muita televisão – pondera Joseph, envergonhado pela reação do professor. – Na verdade, alguns místicos querem atribuir as grandes construções de pirâmides a um suposto auxílio de seres evoluídos ou extraterrestres, mas isso é uma grande balela. O misterioso universo egípcio dá margem a muitos devaneios – completa o professor, tirando seus óculos e os limpando com um lenço. – Entendo. – Além do mais, muitas culturas adoravam ao deus sol... – Sério? – Sim! Vários povos, em diversos lugares e épocas diferentes, o cultuavam: na Mesopotâmia, os assírios tinham Assur como seu deus sol; os inuit, aborígenes do Ártico, têm outro deus sol, Akicha. Nas Américas temos Kinich Ahau, que era o deus sol dos maias; e Xiuhcoatl, deus sol para os astecas. Por fim, os incas também reverenciavam o sol como um deus, entre tantos outros exemplos que poderia citar... – E nessas culturas era realizado algum sacrifício ou apresentação de pessoas como oferendas ao deus sol? – pergunta Joseph, interessado nas revelações do professor e querendo fazer analogias entre o que já tinha investigado e o caso de sacrifícios em Altamira. – Sim! Os astecas ofereciam sangue humano, por crerem que se não fosse O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 199 feito isso, as engrenagens do mundo poderiam parar de funcionar. Nas cerimônias incas, eram sacrificadas crianças. Não há provas cabais, mas há indícios que os egípcios e assírios também sacrificavam pessoas em suas liturgias... – E nesses rituais incas, em que eram oferecidas crianças, eles bebiam sangue? – Na verdade, nos rituais incas eles tomavam uma bebida avermelhada chamada chicha, que levava os seus consumidores, num linguajar religioso, a estados xamânicos... – Estados xamânicos? – Estados de alteração de consciência, pois as bebidas eram feitas à base de acacia cebil ou, vulgarmente dizendo, angico, o qual possui propriedades similares aos narcóticos – esclarece-lhe. – Angico? – questiona Joseph, perplexo ao recordar-se que no exame cadavérico dos Mizhadi havia sido encontrada tal substância em seus estômagos. – Na verdade, muitas dessas induções místicas que querem atribuir intervenção alienígena à arquitetura do Egito e da América Pré-Colombiana, são em virtude de serem modernas estruturas arquitetônicas, tomando como paradigma suas próprias épocas e povos contemporâneos. Todavia, isso é fruto de um conhecimento profundo e pioneiro da Matemática, Engenharia e da Física e não de seres alienígenas, como querem apregoar esses sensacionalistas – complementa Fritz. – Mas o interessante é a similaridade desses credos com as cerimônias ocultistas de hoje – constata Joseph, vendo clara tangência de liturgias no caso dos O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 200 Mizhadi, o rapto de crianças pela seita ufológica de Altamira e as dos povos citados na conversa com professor Fritz. – Senhor! Precisamos sair para iniciar a programação. Interrompe o guia brasileiro que era responsável pela excursão de Joseph, chamando-o à mesa. – Tenho que ir! Foi um prazer, professor! – diz Joseph, cumprimentando-o. 201 – O prazer foi meu, filho! Joseph vai embora e, durante toda aquela semana, segue com sua excursão. Ele conhece todos os lugares de Cusco. No Templo do Sol, Joseph aprende, com a palestra do guia turístico, que tal monumento, obra da arquitetura Inca – erigida em honra ao deus sol – fora destruído pelos espanhóis, que sobre ele construíram uma Igreja. Entretanto, a obra de engenharia espanhola havia sido destruída por terremotos, em duas ocasiões. Numa delas, descobriu-se a existência do Templo do Sol. Misteriosamente, tal Templo ficara intacto à ação dos tremores de terra. Joseph, ao tomar conhecimento disso, recorda-se que Maria das Graças falara sobre um tremor de terra, antes do aparecimento do “carro redondo”. Depois dessas visitas, as pessoas da excursão comemoram o dia de Natal. Muitos da excursão o fazem de forma atípica, seguindo credos ecléticos, pois era, eminentemente, um grupo de místicos; a exceção era Joseph. No decorrer dos demais dias, a excursão continua pelo Vale Sagrado dos Incas e conclui seu trajeto em Machu Picchu, onde haveria o rompimento de ano, à meia-noite do dia 31 de dezembro de 2006. Ao chegar àquela cidade, durante o dia, Joseph vê uma placa da UNESCO, órgão da ONU, alusiva à elevação do local à categoria de Patrimônio da Humanidade. Para sua surpresa, há inscrito na placa, entre os membros da ONU O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO responsáveis pela iniciativa, o nome do brasileiro David Cavallera. Joseph fica perplexo ao extremo. Quando o crepúsculo da tarde se aproximava, Joseph observa algumas que pessoas da sua excursão estão comentando que a localização de Machu Picchu seria propícia para contatos imediatos com seres de outros planetas, pois a cidade fica no cume de um vale de montanhas. Outra pessoa, desse mesmo grupo, diz que sente ali a mesma energia que sentira na Chapada dos Veadeiros, na cidade de Alto Paraíso de Goiás. Nesse momento, interessado na conversa, Joseph interrompe e questiona: – Por que você sente a mesma coisa? – Ora! Porque ambas estão no Paralelo 14, uma zona mística. Dotada de uma energia cósmica indescritível... – Sei... – Na verdade, creio que Machu Picchu era o berço do misticismo da antiguidade, mas, atualmente, Alto Paraíso assumiu seu posto de “Berço da Nova Era” – conclui outra pessoa do grupo. – Sei – responde Joseph, desconfiado. – Você parece meio deslocado. O que está fazendo aqui? Machu Picchu é um roteiro para místicos, não é comum esse tipo de pergunta! A não ser que você seja leigo – questiona-lhe outra pessoa do grupo a Sherman. – Sou historiador, estou aqui fazendo uma pesquisa – mente. – Ah, um cético! Todo historiador é cético. Mas, independente do ceticismo de vocês, a Nova Ordem Mundial será estabelecida, uma Nova Era de paz está para O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 202 chegar e todos os céticos verão – diz a pessoa que o havia indagado anteriormente. – Como assim, Nova Ordem Mundial? Fale-me a respeito disso – pergunta Sherman, bastante curioso. – Quando chegarmos à Era de Aquário um novo e definitivo Messias aparecerá: o Senhor Maitreya! A última reencarnação de Cristo! Aquele que trará paz e prosperidade definitivas à nossa Terra, nos agraciando com uma Nova Ordem Mundial sem fome e guerras; e com total liberdade, tolerância e compreensão! Todas as religiões se darão as mãos e haverá paz, pois o homem compreenderá que todos os caminhos levam ao mesmo cume da montanha... – Cume da montanha? – indaga Joseph. – Sim! Todos os caminhos levam ao mesmo Deus, aquele que é tudo e que tudo é – esclarece. – E quanto aos contatos imediatos? – pergunta Joseph. – Nossos irmãos extraterrestres são seres evoluídos que em breve virão para nos conduzir ao Senhor Maitreya e à Nova Ordem Mundial... Joseph encerra a conversa e fica muito intrigado com aquelas declarações. Todos da excursão comemoram o rompimento do Ano Novo com cânticos e rituais místicos, sob olhar perplexo e desconfiado de Sherman. Dois dias depois, Joseph volta ao Brasil e, ao chegar, passa aquela semana em seu apartamento, descansando. Depois, segue para Santos, para encontrar-se com Luna e passar uma semana com ela, antes de ir à festa de casamento na casa de seu amigo, Mário Komoda. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 203 CAPÍTULO XIX Santos-SP, 15 de janeiro de 2007. Joseph tinha chegado a Santos e passado uma semana inteira hospedado na casa do tio de Luna. Mas, o dia de regressar até Brasília já havia chegado: – Não queria que você fosse embora, pois essa semana passou num estalar de dedos; nem pudemos aproveitar para passear com você, por eu estar com meus movimentos ainda comprometidos – lamenta-se Luna, despedindo-se de Joseph. Joseph estava voltando para Brasília, onde iria prestigiar o aniversário de casamento de seu amigo, Mário Komoda. – Não queria ir, mas seria uma grande desfeita com o Japa se eu não fosse. Além do mais, eu voltarei mês que vem e ficarei aqui com você até o dia de ir para Pérgamo e descobrir o que há lá – justifica-se Joseph, acariciando a testa de Luna e a beijando. – Estou preocupada com você... – Vou tomar cuidado e tudo que descobrir será colocado à disposição das autoridades internacionais... – Não estou falando disso. – Como assim? – Joseph, você está muito obcecado por esse caso. E pior, está com teorias muito malucas sobre tudo isso. Você acha realmente que isso é obra alienígena – repreende-o Luna. Durante toda aquela semana, Joseph só falava do caso, de suas teorias O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 204 acerca dele e de como, com as vestes negras que colhera na casa do taxista traficante, iria se infiltrar num suposto evento de Pérgamo. – Luna, se eu não descobrir o que está realmente acontecendo vou ficar maluco de verdade – replica. – Que tal você esquecer esse caso e vivermos a nossa vida como pessoas 205 normais? – Esse é meu último caso, prometo a você! Depois dele, vou pedir licença da polícia e aplicar minha poupança em ações, casar-me com você e me dedicar a aproveitar a vida ao seu lado. Mas, para isso, você precisa me dizer se quer casar comigo, você ainda não me disse um “sim” oficial – brinca Joseph, buscando desviar a atenção de Luna. – Joseph, você sabe o quanto quero. Estou certa que quero, mas, em relação a esse caso dos Mizhadi, eu mudei completamente de ideia, e acho muito melhor deixá-lo de lado. Estou com uma sensação ruim, de que alguma coisa de mal vai te acontecer. – É? – Não queria te falar antes, mas tive vários sonhos em que você era baleado e morria... – Não, meu amor, nada de mal vai acontecer. O que você está sentindo é uma projeção de uma situação negativa que você passou anteriormente. Você tem medo de perder seu companheiro novamente. Isso não é presságio, é apenas medo. Seus sonhos são os frutos de seu medo inconsciente... – Você é muito contumaz, Joseph! – irrita-se Luna, revoltando-se com a O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO atitude perseverante dele em relação ao caso. – Você fica tão linda com raiva – provoca-lhe Joseph, dando um beijo em seu pescoço e pegando sua mala para ir embora. – Seu chato! – Agradeça a hospitalidade de seu tio e da esposa dele, eles foram muito simpáticos. Pena que eles saíram e não tive oportunidade de me despedir... – Tudo bem! Joseph toma um táxi e vai até o aeroporto; de lá, volta para Brasília, onde é aguardado por Komoda. Joseph fica na casa de seu amigo, até o dia da festa de aniversário de casamento dele. Quando o dia da festa chega, todos se confraternizam com o casal, mas, Joseph, muito acanhado e compenetrado, fica sentado num dos cantos da sala, pois não tirava de sua mente o caso Mizhadi e tudo que havia investigado e descoberto. – Pensando naquelas maluquices? – interrompe Komoda, ao ver a apatia do amigo. – Não posso negar que sim, meu amigo – responde Joseph, entoando resignação. Komoda fica apenas calado e sai. Joseph, então, levanta-se e vai até o banheiro social, reservado aos hóspedes, mas que estava ocupado. A esposa de Komoda, que passava naquele instante, percebe que o amigo de seu marido queria ir ao banheiro e, ao ver que o banheiro dos hospedes estava ocupado, oferece o banheiro da suíte do quarto deles para Joseph usar. Ele agradece e vai até o quarto do casal, usa o banheiro e sai. Entretanto, num relance de olhar, quando está saindo O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 206 do quarto, Joseph vê um escritório ao lado do quarto do casal. Aquele era um cômodo da casa que ele ainda não conhecia. Por isso, fica curioso e decide dar uma olhada nesse recinto, para tentar se distrair com alguma coisa que porventura houvesse lá. No escritório há muitos livros. Num dos móveis do cômodo há uma série de objetos alusivos ao Egito Antigo, Joseph vê, entre eles, um cálice dourado, objeto que chama sua atenção. Ele se aproxima e toma o objeto nas mãos, verificando que nele havia um desenho talhado de algumas pessoas prostradas diante de um círculo, simulando um sol. Ele lembra-se, imediatamente, da conversa que tivera com professor Fritz, acerca de Amenófis IV, e do sonho que tivera no restaurante de Altamira, bem como, das palavras da menina no seu sonho. Pois ela dizia que havia perto de Joseph um “Judas”, um traidor, que “bebia do Cálice do Inimigo”. – Uma réplica de uma taça de Amenófis IV! Faraó do Novo Império Egípcio, adorador de Aton, deus sol – diz Komoda, encostado à entrada do seu escritório, em relação à peça que Joseph tem nas mãos. – Aton? Já ouvi falar – diz Joseph, em tom irônico e disfarçando o susto que teve ao ser surpreendido por Komoda em um aposento íntimo. – Procurei você por toda a casa, achei que tinha ido embora sem me avisar – diz Komoda. – Como conseguiu esse artefato? – pergunta Joseph, desconfiado e mostrando a taça. – Presente! Recebi de seu Superintendente, Horácio! Ele sabe que sou um amante da História Antiga e me presenteou com esta réplica... O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 207 – Entendo. Você já usou o cálice para beber alguma coisa, alguma vez? – pergunta Joseph, com ar investigativo. – Sim! Bebi vinho nele, pois queria sentir-me como um faraó – brinca Komoda. – E em rituais para matar crianças? Quantas vezes você já o usou? – insinua Joseph, abertamente, crendo, pelas coincidências, que estava diante do traidor que tinha sido aludido em seu sonho. – Não entendi – responde-lhe, perplexo, mas rindo. – Tudo se encaixa perfeitamente! Agora sei exatamente como é que Cavallera sempre seguia meus passos! Ele tinha um de seus capangas bem próximo a mim – continua Joseph, fazendo insinuações conclusivas. – Do que está falando, Joseph? – indaga Komoda, mudando o semblante e apresentando feição contrariada. – Por que se passou por meu amigo? Eu confiava em você, Komoda! Sempre fomos bons parceiros e amigos! – Do que você está falando? Que brincadeira é essa? – indaga Komoda. – Brincadeira? Brincadeira? Você tem uma lanterna ultravioleta? – Tenho sim. Na gaveta dessa mesa tenho uma, a qual usava quando trabalhava na identificação de documentos da polícia. Mas, o que você quer com uma lanterna? Não estou entendendo nada! Isso é uma espécie de brincadeira? Joseph abre a gaveta e tira a lanterna. – Deixe-me desmascarar você, seu traidor de uma figa! – esbraveja Joseph, dirigindo-se, com a lanterna ligada, à testa de Komoda. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 208 – O que é isso, Joseph? – questiona-lhe, dando uma tapa na lanterna e a derrubando, antes de Joseph projetar a luz dela em sua testa. – Não preciso de mais provas, tudo se encaixa! Era você que estava vazando todas as informações acerca de mim e Luna para Cavallera. Não acredito que você foi capaz de colaborar no atentado que quase tira nossas vidas! – vocifera Joseph, 209 completamente transtornado. – Joseph, você está pirando! Você precisa de tratamento psicológico... – Que tipo de tratamento psicológico? O mesmo que você e sua organização escusa deram a Maria das Graças? – Joseph, você está descontrolado... O que aconteceu, meu amigo? – Você não é meu amigo! Joseph empurra Komoda e vai pegar suas coisas no quarto de hóspedes. Depois, ele sai da casa de Komoda, às pressas, sob olhar perplexo dos convidados. Ele corre pela rua até encontrar um táxi e vai para o aeroporto. De lá liga para Luna e informa que descobriu que Komoda era um traidor engajado na organização de Cavallera. Naquela noite, dorme no saguão do aeroporto e, no dia seguinte, volta para Santos, onde permanecerá com Luna, preparando-se até o dia de viajar para Pérgamo. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO XX Hotel Barkiçay, Bergama, Turquia, 28 de fevereiro de 2007. Joseph hospeda-se em um hotel na cidade de Bergama, que ficava bem próxima às ruínas de Pérgamo. Ele planejava ir às ruínas com certa antecedência e munido de um equipamento de GPS para que pudesse, com as coordenadas geográficas que havia no cartão dos Mizhadi, descobrir e determinar o exato local do possível evento descrito com a misteriosa frase “a lua não dará sua força e o Senhor Maitreya será consagrado diante do trono do Portador da Luz”. O suposto evento, como descrito no cartão, teria data prevista para acontecer em quatro dias. Joseph desce de seu apartamento e se informa na portaria do hotel sobre o horário de excursões às ruínas da antiga cidade de Pérgamo – o próprio hotel onde se hospedara possuía um serviço de turismo que levava hóspedes às ruínas e com guias que falavam inglês. Ele contrata um pacote para aquela mesmo dia. E solicita pacotes para os próximos três dias. Entretanto, o funcionário do hotel o esclarece sobre a impossibilidade do pedido: – Não será possível, senhor Sherman, pois as visitas a partir do dia dois do mês de março estarão restritas. – Como assim? – Só alguns membros da ONU e seus convidados poderão acessar as ruínas, pois solicitaram o local para um evento. No dia dois será feito um rastreamento de segurança e isolamento compreendido num raio de quatro quilômetros a partir do O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 210 centro das ruínas da antiga cidade. No dia três será realizado esse evento restrito. Visitas só até o dia um ou após o dia quatro de março. Sinto muito! – Obrigado – responde Joseph, contrariado e perplexo frente à informação. Pensativo, Joseph anda um pouco para o lado e fica parado, raciocinando o que poderia fazer para burlar a segurança do evento. Nesse interregno, observa, sem muito interesse, uma senhora se aproximando do funcionário com o qual ele falara anteriormente. Sherman fica olhando para a mulher, mas ainda pensando sobre o que acabara de ouvir do funcionário. Todavia, ele observa que tal mulher abre sua bolsa e tira sua carteira para efetuar um pagamento ao funcionário. Nessa carteira há, em uma das bolsinhas transparentes, um cartão idêntico ao que pertencia aos Mizhadi: branco com uma serpente ao meio. Joseph se assusta com o que vê e passa a observar a mulher com muito mais interesse. A mulher termina de falar com o funcionário e começa a caminhar em direção ao interior do hotel. Ela entra num elevador. Joseph a segue e também entra no elevador. Há no elevador apenas eles dois e o ascensorista. A mulher solicita subida ao quinto andar, Joseph também. A mulher desconfia da atitude de Joseph e o indaga, em inglês: – Fala minha língua? – Sim – responde Joseph, constrangido por ter se precipitado e cometido uma falha infantil no que concerne a perseguição e acompanhamento de suspeitos, pois percebeu que a mulher havia descoberto que a estava seguindo. – Nos conhecemos? Por que está me seguindo? – questiona a mulher. Joseph raciocina um pouco, expressa uma feição serena e pergunta, cinicamente, para tentar contornar a situação: O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 211 – Também veio para “A Consagração”? A mulher expressa uma feição surpresa e, muito assustada, olha discretamente para o ascensorista, depois olha para Joseph e fala em voz baixa: – Como sabe? – Pelo seu olhar e perspicácia vejo que é uma serva devota de Maitreya! Um servo de Maitreya é inconfundível! – tenta iludi-la, fazendo um jogo de palavras com as informações que tinha para tentar confirmar suas suspeitas; ciente de que a mulher havia caído em seu golpe inicial. – Você acha mesmo? – pergunta a mulher, retocando seus cabelos, sorridente e crédula à mentira de Joseph. – Já preparou suas vestes para o grande dia? – continua ele a tentar fazer um jogo com as informações que dispunha. – Sim! – reponde a mulher. Nesse momento o elevador chega ao quinto andar e eles descem e ficam a sós. – Você é dos mestres? Ninguém nos informou que seríamos abordados por mestres – pergunta, com empolgação, a mulher. – Não me faça perguntas desse tipo! Não posso responder! Você parece um neófito com perguntas tolas e impertinentes! – Desculpe-me... – Eu sou uma espécie de inspetor dos convidados da consagração de Maitreya! –diz, em tom ríspido e alterando a voz, para escapar da pergunta que a mulher fizera. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 212 – Desculpe-me, mas essa é a reunião mais importante que já fui convidada, depois que evoluí ao grau máximo na nossa seita, minha meta é ser mestre – diz ela, muito constrangida. – Sua burca negra está limpa e bem passada para o grande dia da consagração? Quem estiver com as vestes sujas não poderá entrar! – diz Joseph, com ar de soberba, querendo confirmar se realmente as vestes que encontrara na casa do taxista traficante seriam as usadas no dia do evento. – Sim! Claro que sim! – Muito bem! Está ciente do dia e da hora? – Sim! – Confirme-os para mim! – diz, em tom imperativo, tentando corporificar o papel de “inspetor dos convidados da consagração de Maitreya” e confirmar suas suspeitas. – Dia três de março, na hora que a lua não der sua força! – Você tem a senha? – Sim! Olhe aqui – diz a mulher mostrando o cartão branco com a serpente ao centro e que estava no interior de sua carteira. – Já sabe o que vai fazer dia três? – Deverei, ao crepúsculo da tarde, dirigir-me a Pérgamo, apresentar o cartão aos soldados que serão responsáveis pela segurança. Depois, ao chegar ao Trono, vestir a burca negra e aguardar que a grande consagração aconteça... – Ótimo, está dispensada! Não comente com ninguém que nos falamos, pode prejudicar o grande dia de consagração e minhas inspeções, mas saiba que terá O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 213 excelentes recomendações minhas perante todos os mestres – mente Joseph. – Isso é ótimo! – diz a mulher, ingênua às mentiras que Joseph contara e sem saber que tinha dado a ele todas as informações de como ele poderia se infiltrar no evento. A mulher vai para seu quarto e, quando ela sai, Joseph muda a feição, 214 falsamente soberba, e comemora. – Bingo! A gorducha me entregou tudo! Vou me infiltrar na “festinha de Maitreya”! Joseph retorna ao térreo e aguarda o momento da saída da excursão rumo às ruínas de Pérgamo. Esse momento chega, e ele vai munido de seu equipamento de GPS e das coordenadas existentes no cartão dos Mizhadi anotadas num papel. Chegando ao local, o guia inicia a apresentação de toda a cidade, fazendo uma pequena palestra sobre cada ponto e apresentando figuras e imagens de maquetes de como eram as edificações e estátuas antes de virarem ruínas, tudo a título de enriquecimento histórico. O passeio começa pela Acrópole de Pérgamo. Joseph, discretamente, aciona o GPS. O primeiro lugar a ser visitado é o Templo de Trajano, as colunas que o cercavam e suas fundações, mas as coordenadas apontadas pelo GPS não conferem com as do cartão dos Mizhadi. Na sequência, todos passam à biblioteca e, posteriormente, ao Altar de Atenas, mas nenhum dos dois tinha a mesma localização das coordenadas do cartão. A excursão segue em direção ao Teatro de Pérgamo e seus terraços, cujas coordenadas também não conferem com as do cartão. Eles visitam o Templo de Dionísio, o Altar de Zeus e os três ginásios de Pérgamo: superior, intermediário e inferior; nenhum desses locais é o exato em O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO relação às coordenadas do cartão. Eles são levados até a Rua Sagrada, que ligava a cidade ao Ascplepieion: o Templo de Asclépio. As coordenadas do GPS começam a se aproximar das do cartão. – Está esquentando! – comemora Joseph. Ao chegar ao Templo de Asclépio, Joseph confirma: ali era o local exato das coordenadas do cartão, segundo o equipamento GPS. Joseph para e observa de um lado a outro em busca de alguma pista. O Ascplepieion é uma grande estrutura, que compreendia a Porta Monumental, um anfiteatro (com espaço para mais de três mil pessoas), o Templo de Telésforo e uma galeria subterrânea. O guia faz a apresentação do local parando à Porta Monumental, onde, numa posição centralizada e espaçosa, há os restos de coluna que possui, em sua base, duas serpentes enroladas a ramos de oliveiras – era um altar. Essas serpentes chamam a atenção de Joseph. Concomitantemente às suas explicações sobre o local, o guia mostra uma grande foto de uma réplica da estátua representando Asclépio: um homem robusto e barbudo, munido de um bastão no qual há uma serpente enrolada. Essa descrição chama mais ainda a atenção de Joseph. – Esse tal de Asclépio tem algo a ver com a gang de Cavallera. Aqui tem serpente pra tudo que é lado – pensa Joseph. Ele interrompe seu pensamento e questiona o guia qual o significado daquelas serpentes e daquele bastão: – Eis a mais aceita das explicações: havia uma crença, entre os médicos antigos, que, sempre que houvesse uma peste ou epidemia, seria necessário sair O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 215 com bastões para matar cobras, pois criam que elas eram seres demoníacos que causavam as doenças. Entretanto, há outras explicações – responde o guia. – Quais as outras? – indaga. – O bastão de Asclépio seria um símbolo de magia e a serpente seria o ser ctônico (ou subterrâneo) responsável pela comunicação entre o mundo inferior (as profundezas da terra) e o mundo da superfície; mais poeticamente: entre o mundo invisível e transcendental e o mundo visível e palpável – reponde. A excursão segue aos demais pontos da cidade e é encerrada. Todos começam a retornar a Bergama, ao Hotel Barkiçay. Joseph, ao retornar à cidade, observa muitos veículos da ONU e alguns caminhões. Por curiosidade, ele questiona ao guia o que era aquilo. – São os soldados responsáveis pelo evento das Nações Unidas, que será realizado daqui a quatro dias. Aqueles caminhões levam a estrutura da tenda que será armada para a convenção da Organização. Por questões de segurança, principalmente contra terrorismo, o local será isolado num raio de quatro quilômetros. Joseph volta para o hotel e solicita o aluguel de um carro, com o qual iria deslocar-se até o evento atribuído à ONU. Depois, dirige-se ao seu quarto. Ele liga a televisão, que era conectada a um sistema que possuía canais internacionais, pelo que aproveita para olhar as notícias internacionais, para saber se seria anunciado o evento das Nações Unidas, que estava para ser realizado nas ruínas de Pérgamo. Ele acompanha todo o noticiário, mas nada acerca do evento é anunciado na televisão; entretanto, antes do término do noticiário é dada uma última notícia, O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 216 Joseph cria uma expectativa e aguarda a última notícia: – Uma última notícia: está previsto para o próximo dia três de março um fenômeno incomum e belíssimo – o eclipse total da lua, que será visto em sua totalidade e em todos os continentes. Joseph desliga a televisão e murmura: 217 – Quem quer saber de porcaria de eclipse? Depois, ele fica estático e pensa consigo, tomando o cartão branco com a serpente ao centro: – Eclipse! Claro! Eclipse no dia três! “A lua não dará sua força”! Isso significa que o evento descrito no cartão será no exato momento do eclipse! No exato momento em que houver o eclipse, que a lua não der sua força, o Senhor Maitreya será consagrado ao Portador da Luz! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO CAPÍTULO XXI Entrada do Hotel Barkiçay, Bergama, Turquia, 03 de fevereiro de 2007, 17h00min. Joseph está dentro do carro que locara. Ele está com o cartão dos Mizhadi e com a burca negra que apreendera em Brasília, na casa de João Lennon, dentro de uma bolsa. Ele olha para esses objetos que estão no banco do passageiro, respira fundo e liga o carro. – É hora do show! Joseph segue em direção às ruínas de Pérgamo e avista uma barricada com muitos soldados e até tanques com a sigla das Nações Unidas. Ele é abordado por um dos soldados, que controlava e selecionava o tráfego em direção às ruínas. – Entrada restrita, retorne – diz, rispidamente, o militar. Joseph faz um semblante altivo e mostra seu cartão. O militar olha demoradamente para o cartão e fita Joseph, depois, reconsidera: – Desculpe-me, senhor, pode passar. Joseph segue após a barricada e vê que, à frente, há outras pessoas organizando um estacionamento que ainda distava muito das ruínas de Pérgamo. Ele para o carro em que estava e sob a orientação de outro soldado – responsável pela disposição dos veículos no estacionamento – manobra seu veículo em uma das vagas. – Por questão de segurança não será permitida a passagem e veículos após esse ponto. Daqui o senhor deverá seguir a pé – esclarece o soldado. Joseph pega a bolsa onde estava sua burca negra, sai do carro e caminha O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 218 bastante em direção às ruínas de Pérgamo. Ao chegar ao Asclepieion, ele percebe que há uma grande estrutura, uma espécie de tenda moderna, que estava armada desde o altar do Portal Monumental e possuía um túnel que se estendia até o anfiteatro, cobrindo-o totalmente. Essa tenda era gigantesca e muito moderna, parecia ter uma estrutura de refrigeração própria, além de suas peças de montagem construídas com um material à prova de ruídos, isto é, o que fosse falado dentro dela não seria ouvido por quem estava fora da tenda. Próximo daquele local não havia mais soldados, apenas algumas pessoas com vestes civis e credenciais da ONU penduradas no pescoço. Essas pessoas indicavam por qual local os convidados que chegassem deviam passar. Joseph, sob a orientação daquelas pessoas, adentra à estrutura montada sobre o Asclepieion, passa pelo túnel e toma lugar num dos confortáveis assentos que haviam sido montados sob o semicírculo do anfiteatro. Após alguns instantes, Joseph observa as entradas da estrutura sendo fechadas. Por duas horas, nada acontece, apenas é servido um lanche aos convidados. Depois, um homem aparece no palco do anfiteatro, toma um microfone e saúda a plateia. Joseph reconhece sua voz, fica assustado e procura se esconder entre as pessoas para não ser visto. A voz era de David Cavallera. Ele, em inglês, fala à plateia: – Senhoras e senhores, ordenadamente, dirijam-se às cabines, troquem suas vestes e se posicionem ante o altar do Portal Monumental, porque, dentro de instantes, nós todos iremos ser testemunhas do evento mais importante da História da Humanidade. Todos começam a se dirigir às cabines instaladas e a vestir suas burcas O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 219 negras e a passar pelo túnel em direção ao altar do Portal Monumental – aquele altar em que havia as ruínas de uma coluna com serpentes enroladas a ramos de oliveira. Joseph segue a multidão e também veste a burca negra que portava e vai até o local determinado. O altar está isolado. As pessoas formam um grupo ordenado a cerca de quarenta metros dele e silenciam. Só quem está próximo às ruínas do altar é David Cavallera. Ele está prostrado ante os restos da coluna. Duas horas se passam, Cavallera levanta-se, toma o microfone e anuncia: – Aqui estão homens e mulheres dos quatro cantos desse planeta, que presenciarão a consagração daquele que governará com todo poder e autoridade! Somos responsáveis pela instituição de uma Nova Era em nosso planeta! Fomos os escolhidos dentre os melhores de cada povo e nação, em meio a muitos, para presenciarmos e participarmos desse dia único! A fala de Cavallera é interrompida pela vibração das pessoas presentes, que gritam e aplaudem. Ele acena com as mãos, pedindo silêncio. – Gerações após gerações nos prepararam para que nós fôssemos os felizardos que consagraríamos Maitreya e implementaríamos, de uma vez por todas, a Nova Ordem Mundial. A plateia, com delírio, novamente vibra. Ele sorri e, mais uma vez, acena solicitando silêncio. Joseph fica perplexo e desconfiado. – Cada sacrifício apresentado pelos senhores e pelas senhoras não foram em vão! Pois o Portador da Luz, o Anjo adorado por nossas almas, nos recompensou com esse dia. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 220 Todos, mais uma vez, vão ao delírio, vibrando e aplaudindo. Cavallera pede silêncio novamente e dá uma ordem: – Façam entrar o Senhor Maitreya... Joseph fica muito curioso para ver quem seria o Senhor Maitreya. Mas só vê uma mulher trazendo, cuidadosamente, uma espécie de cesta e deixando com 221 Cavallera. – Senhor Maitreya é uma cesta? – ri Joseph. – Senhoras e senhores, da mais alta linhagem da raça humana, criado com a mais moderna combinação genética, eis o Ser que dominará esse planeta: Senhor Maitreya – diz Cavallera, mostrando o objeto que tinha nas mãos. A plateia prostra-se, em total silêncio e reverência à Maitreya, Joseph imita os demais e se prostra também. – Esse que hoje é uma criança, será o homem que dominará com mão de ferro toda a terra! Aquele que negará a existência de outros Messias e Cristos e será o Guia e Governante Supremo da Humanidade! Ele governará a política, a economia, as nações e as almas dos homens! Dentro da cesta havia uma criança. Nesse instante, um telão é ligado atrás de Cavallera, mostrando imagens da lua, pois o eclipse tinha tido início. Todos permanecem prostrados. Cavallera toma a criança e se prostra ante as ruínas do altar. – Não acredito que vim para cá para ver uma cambada de malucos se prostrando diante de uma criança de colo! – lamenta-se Joseph. O processo de oclusão da lua vai se adiantando, até que quando chega à O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO totalidade, e toda lua é escurecida, todos se levantam e começam a fazer preces não compreensíveis. O chão do local começa a tremer. Onde havia o altar, o chão começa a se abrir, mas de forma uniformizada. Objetos voadores e luminosos, idênticos aos descritos por Maria das Graças saem dos buracos abertos no chão e começam a pousar de forma uniformizada. Eles emitem uma luz violeta que tornam visíveis desenhos de serpentes nas testas de todos os presentes. Desenhos iguais aos que havia nos corpos dos Mizhadi. – Deus do Céu! O que é isso? – diz Joseph, espantado. Os objetos luminosos pousam formando um pentagrama perfeito sobre o altar. De cada desses objetos saem criaturas idênticas às descritas por Maria das Graças: seres de baixa estatura, com cabeça arredondada e olhos negros. As criaturas se prostram em direção a um grande buraco que havia sido formado exatamente no altar e do pentagrama formado pelos objetos voadores. Um grande trono negro começa a surgir do buraco. Nele há uma grande serpente, enrolada e sobre a parte do assento do trono. Quando o trono surge completamente, a serpente começa a se transformar e assume a forma de um grande dragão vermelho com sete cabeças, sete chifres e sobre suas cabeças sete diademas. Dele é emitida uma luz violeta ainda mais forte do que a dos objetos. Esse dragão tem uma voz muito poderosa, que é emitida de uma de suas cabeças: – Prostrai-vos diante do Portador da Luz! Todos se prostram. – Trazei perante mim o escolhido – diz o ser com aspecto de dragão. Cavallera coloca a criança ante a serpente que virara um dragão. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 222 – Eis o Messias que eu escolhi! Eis o homem que governará sob meu comando e dominará o mundo que jaz em mim! – diz o dragão. Todos estão em silêncio. – Pouco tempo me resta! Pouco tempo me resta! Todas as nações deverão entregar seu poder ao comando do meu Messias. Todos os governos deverão se unificar e entregar sua soberania nas mãos do meu Messias. Todas as religiões deverão considerar esse homem como único e definitivo Messias! Eu o darei autoridade e ele realizará sinais e dominará a mente dos homens para servi-lo! Os meus servos, anjos que comigo combateram contra Deus, serão os Guardiões do Messias... Os seres que havia nos objetos voadores se aproximam da criança. – Uma Nova Ordem Mundial deve ser estabelecida dentro em breve! Ninguém poderá comprar ou vender ou fazer qualquer tipo de comércio sem que possua a minha insígnia. Quem se recusar a colocar minha insígnia e a do meu Messias deverá ser sumariamente destruído. Quem falar em nome de outro Messias deverá ser destruído! Eu trarei sinais, pois cessarei de enviar meus servos que fazem guerra, eu cessarei de enviar meus servos que trazem a fome, e trarei paz e prosperidade ao mundo que jaz em mim, para que todos adorem ao meu Messias, aquele que entrará no Templo Sagrado e se declarará Deus, negando a existência de qualquer outro Messias! Quem não adorar meu Messias deverá ser destruído! Meus servos deverão consolidar a concepção de que os Guardiões de Maitreya são seres evoluídos de outros planetas, para que todos os homens e mulheres da terra creiam nisso e sejam submissos aos Guardiões, a Maitreya e a mim. Quem ousar ir O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 223 de encontro a essa concepção deverá ser destruído! Quem não servir a Maitreya deverá ser destruído! Quem não colocar nossa insígnia deverá ser destruído! Quem ousar falar na existência de outro Messias, além de Maitreya, deverá ser destruído! O dragão termina de dar suas ordens e retoma a forma de serpente, sendo novamente o trono recolhido às profundezas da terra, juntamente com os objetos voadores que formavam um pentagrama e seus seres. Como se nada houvesse acontecido, o chão e as ruínas ficam intactos. - Meu Deus! – diz Joseph, num quase estado de choque. O evento é encerrado: Maitreya estava consagrado ante o Portador da Luz, Lúcifer. Joseph não sabe o que pensar e sai desnorteado em direção ao estacionamento. Ele volta ao hotel e, no dia seguinte, segue imediatamente para o Brasil, indo direto a Goiânia. Nesse período de tempo, tenta ligar para Luna, mas não consegue. Ele chega durante a madrugada na cidade de Goiânia, ainda assim tenta ligar para Luna, mas não obtém êxito. Então, ele pensa em quem poderia contatar naquele momento, pois não confiava mais no seu amigo, Mário Komoda. Decide, dessa forma, ligar para Horácio. – Alô? – Horácio? É Joseph! – Joseph, você está com titica de galinha na cabeça? Isso é hora de me acordar? – Mas é sério! A coisa mais séria do mundo... – Você viu assombração, homem? Parece tenso... – Horácio, eu vi Lúcifer... Vi e ouvi! Vi Lúcifer consagrando o Anticristo! O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 224 – O que você está dizendo? – Eu fui a Pérgamo e vi Lúcifer sentado no seu trono e consagrando o Anticristo! Preciso te encontrar num local discreto para te contar as coisas que vi. Horácio cala-se por um instante, depois diz: – Sabe aquele descampado afastado da cidade. – Aquele onde encontramos os corpos de alguns traficantes há uns cinco anos? – Sim! – Eu vou encontrar você daqui uma hora! Aí você vai poder me explicar melhor essa história... – Certo! Joseph toma um táxi do aeroporto até sua casa, toma um banho e, em seu veículo, dirige-se ao local marcado com Horácio. Ele chega primeiro e aguarda. Após alguns instantes de espera, um carro se aproxima: era Horácio. Ele desce do seu veículo e, sem mesmo cumprimentar Joseph direito, questiona: – Conte-me essa história direito, homem! Não entendi nada... – Perdoe-me se isso vai parecer um clichê barato, mas “há muita coisa mais no céu e na terra, Horácio, do que sonha a nossa pobre filosofia”. – O que quer dizer com isso, Joseph? Andou fumando maconha e lendo Hamlet? – Horácio, por mais incrível que possa parecer, eu vi o Trono do Diabo! Eu vi! E, o pior, descobri que aqueles que as pessoas acham que são seres de outros planetas, extraterrestres, são na verdade demônios a serviço do Diabo e guardiões O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 225 do Anticristo. Eles não vêm de outros planetas, eles saem das profundezas da terra... – Sei... – Meus pais sempre me falaram que haveria um Anticristo, um homem que dominaria todo o planeta com a ajuda de Lúcifer. Eu o vi, ele foi consagrado diante do Diabo. Eu me infiltrei dentro de um evento satânico com um cartão que achei com os Mizhadi... – Sei... – Horácio, você acha que sou maluco? – questiona Joseph, ao perceber a expressão contrariada de Horácio. – Joseph, Joseph, Joseph – diz Horácio, virando as costas para Sherman, calçando luvas, tirando de sua cintura uma pistola e acoplando a ela um dispositivo silencioso. – Você acredita em mim? – insiste Joseph. – Meu jovem, quando te trouxe para trabalhar comigo eu tinha planos para você! Queria integrar você à nossa Organização – diz Horácio, voltando-se para Joseph e mostrando a pistola. – Não estou entendendo – diz Joseph, muito surpreso, olhando para Horácio e para arma. – Eu queria te preparar para fazer parte da organização que trará a Nova Ordem Mundial! Muitos estão a nosso serviço: empresários, músicos, cineastas, políticos, líderes religiosos. Mas você sempre estava despreparado. Sempre que procurava você para convidá-lo a fazer parte dos Servos de Maitreya, você estava O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 226 com algum problema. Sempre foi um homem fraco! Indigno de Maitreya! – Meu Deus, você é quem é o Judas! Aquele que bebe do Cálice do Inimigo... – Você descobriu algo que não deveria e agora vou ter que eliminar você. Sinto muito! – Você teria coragem de atirar em mim? – pergunta Joseph, chocado. 227 Horácio dá uma grande gargalhada. – Joseph! Eu matei aquela pequena vadia, Maria das Graças, que viu coisas que não devia. Matei nove crianças na cidade de Altamira. Por que não mataria você? Sempre bebi do cálice de meu Senhor. – Seu canalha! Foi você que matou a menina no hospital – diz Joseph, atirando uma pedra na cabeça de Horácio e o ferindo. Horácio irrita-se, atira e atinge a perna de Joseph; ele cai e fica de joelhos. – Você vai morrer, Joseph – diz Horácio, apontando a arma para a cabeça de Joseph. – Se ainda resta um pouco de honra, deixe-me fazer um pedido e uma pergunta antes de ser morto – solicita-lhe Joseph. – Ah! O moribundo enxerido e curioso tem um último pedido e uma última pergunta? – Komoda está envolvido nisso também? – Não! Ele não tem fibra para estar conosco, também é indigno de servir a Maitreya. Mas qual o seu último pedido? – Já que você vai me matar, ao menos tenha um pouco de misericórdia e atire logo em minha cabeça. Assim tenho uma morte rápida e não vou sentir seu O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO cheiro podre por nem mais um segundo... Horácio dá uma gargalhada. – Como você é orgulhoso! Vou fazer justamente o contrário. Vou dar um tiro bem no seu coração. Para que você tenha uma morte bem lenta... Horácio dá um tiro certeiro no peito de Joseph, que cai de bruços, em decúbito ventral. Horácio, imediatamente, recolhe sua arma, entra em seu veículo e vai embora. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 228 CAPÍTULO XXII Superintendência da Polícia Federal, Goiânia-GO, dez dias depois. Alguém bate à entrada da porta da sala de Horácio. – Pode entrar – diz Horácio, sem olhar para porta, enquanto verifica alguns papéis que estão sobre sua mesa. – Como vai, Horácio? – diz uma pessoa, ao entrar na sala de Horácio. Essa pessoa está com um envelope nas mãos. – Bem! Mas o que faz aqui, Komoda? – surpreende-se Horácio, ao ver que a pessoa que entrara era ele. – Venho trazer notícias de um de seus policiais. Entretanto, infelizmente, a meu ver, não são notícias muito boas... – Do que se trata? – Parece que perdemos um dos nossos policiais: Joseph. Como sabe, ele estava desaparecido desde que saiu de férias... – Não! Meu Deus! Que pena! Não me diga que está morto! Quando será o velório? – pergunta Horácio, em total cinismo, pois esperava receber a notícia de que o corpo de Joseph fora encontrado. – Velório? Não é caso de velório! Veja você mesmo – diz Komoda, entregando-lhe o envelope que tinha nas mãos. Horácio, com expressão perplexa e contrariada, abre o envelope e retira um papel. – Que brincadeira é essa? – pergunta Horácio, nervoso e trêmulo, ao ler o O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 229 que havia no papel. – Não é brincadeira! Joseph está pedindo licença sem vencimentos. Vamos perder um excelente delegado por algum tempo. Talvez nem volte mais à polícia. – Mas... Mas... Como poder pedir licença se... Se... – Ele se comunicou comigo, revelou-me que sofreu um assalto, mas enganou 230 o ladrão e conseguiu sobreviver – complementa Komoda. – Assalto? Enganou o ladrão? Como assim? – Ele foi sequestrado por um ladrão e sabia que o marginal queria assassiná-lo. Todavia, no momento em que estava para ser executado, usou de Psicologia Reversa. Mandou o canalha atirar em sua cabeça e executá-lo rapidamente para instigar o meliante a fazer justamente o contrário: atirar em outro local do seu corpo para lhe dar uma morte lenta. – Não acredito! – diz Horácio, ainda mais nervoso e preocupado. – O ladrão atirou em seu peito achando que ele iria morrer lentamente, mas Joseph estava usando colete balístico. Ele ficou de bruços simulando que estava morrendo e esperou o bandido sair. Depois que o meliante saiu, ele pegou seu celular, chamou uma ambulância e foi socorrido só com um ferimento à bala na perna, que foi de raspão e nem o feriu muito. Joseph é muito esperto! – Onde ele está agora? – questiona, em tom de desespero, Horácio. – Ele me enviou esse pedido de licença pelos Correios, com uma carta explicando tudo e uma procuração para que eu pudesse pedir a licença em nome dele, mas não disse onde estava. A Agência dos Correios que emitiu a correspondência é goiana. Fui até sua casa, mas não o encontrei. O porteiro O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO revelou-me que ele disse que sairia sem rumo. Foi essa a única informação que deixou. – Ele identificou o “ladrão” que atirou nele? – Não, mas disse na carta que o meliante foi atingido por uma pedra na cabeça. Por coincidência, nesse mesmo local onde o senhor está com um curativo... – Foi? – diz Horácio, colocando a mão sobre seu ferimento e ficando desconfiado. – Bem, tenho que ir! Obrigado, Horácio! – De nada, Komoda! – diz Horácio, abismado e perplexo. Enquanto isso, na Ilha de São José, em Fernando de Noronha, há ancorado, às margens da praia, um moderno e belíssimo veleiro de quarenta e cinco pés. Na praia, num altar improvisado, há um casal de frente a uma outra pessoa e uma outra mulher um pouco mais afastada, à esquerda. É uma celebração de casamento: – Luna Brown, aceita Joseph Sherman como seu legítimo marido? – pergunta o homem que está à frente do casal. – Sim! – diz Luna, sorrindo. – Joseph Sherman, aceita Luna Brown como sua legítima mulher? – Sim! – responde Joseph. – Se há alguém aqui contrário a essa união, que fale agora ou cale-se para sempre! Todos três olham para a única pessoa que havia além deles: a esposa do tio de Luna, o qual era o responsável pela celebração do casamento. Ela apenas balança a cabeça em sinal negativo e sorri. Todos riem. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 231 – Pode beijar a noiva... Joseph beija Luna e ambos são congratulados pelo tio de Luna e por sua esposa. Os recém-casados se preparam para embarcar no veleiro que estava às margens da praia. O tio de Luna se aproxima de Joseph e pergunta: – Tudo que você viu é surpreendente. Não tem medo de sair por aí sozinho num barco? De ser perseguido pelas pessoas envolvidas com isso tudo? – Não tenho escolha, é melhor estar em lugar incerto do que num lugar fixo, seria mais facilmente localizado. Eu e Luna vamos viver por aí, administrando ações por Internet e aproveitando nossas vidas conhecendo o mundo. – Você vai, de alguma forma, divulgar o que viu? – Não adianta contar o que vi para qualquer pessoa. Ninguém iria acreditar mesmo! – Entendo! Quero que vocês levem isso – diz o tio de Luna dando-lhes uma Bíblia. – Obrigado! Depois do que vi não posso mais me autointitular como um cético – agradece e considera Joseph, tomando a Bíblia nas mãos. – Joseph, se a Bíblia estava certa sobre a existência do Trono de Satanás ela deve estar correta em relação aos seus demais relatos, existe um Deus Maravilhoso e esse livro fala dEle – completa o tio de Luna. – Faz sentido mais coisas nesse livro serem verdade – constata Joseph, olhando para Luna que também acena positivamente. – Aproveitem seu tempo para buscar a Deus através das páginas desse Livro. Deus é real e se deixa achar por aqueles que o buscam. Se vocês O O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 232 buscarem, vocês serão conduzidos ao Trono dEle. Onde Deus está e, à Sua destra, o verdadeiro e único Messias: Deus Filho, Jesus Cristo de Nazaré! Aquele que, sendo Deus, assumiu forma humana, foi crucificado e ressuscitou para que todo aquele que se arrepende, abandona suas injustiças e nEle crê, seja justificado. Esse Messias, verdadeiramente, e em breve, retornará e julgará todas as obras malignas dos homens, estabelecendo seu Domínio e Reino Eterno, onde haverá verdadeira Paz, Justiça e Felicidade para sempre! – reforça o tio de Luna, em tom de pregação e buscando com essas palavras dar segurança ao casal. Luna e Joseph ficam serenos frente às declarações. O tio Luna e sua esposa fazem uma oração por eles e se despedem em definitivo. Os recém-casados adentram o veleiro e iniciam sua viagem. Quando o barco se distancia da terra firme e só há mar aos quatro cantos, eles deixam a embarcação ao sabor dos ventos. De repente, Luna olha serenamente para Joseph e saca uma arma de uma bolsa, apontando para seu marido. – O que é isso Luna? – indaga Joseph, assustado e com as mãos para cima. – Não adianta usar de Psicologia Reversa comigo. Vou atirar no seu rosto! Sou um ser alienígena programado para destruir você... Joseph fica parado, Luna aperta o gatilho da arma. Joseph fecha os olhos e sente água batendo em seu rosto, pois a arma que Luna tinha nas mãos era das que disparam água: uma arma de brinquedo que esguichava água. Luna começa a rir descontroladamente, frente à reação de Joseph, pois ele estava com um semblante patético e muito temeroso. – Esse é seu castigo por ter assustado aquela criancinha! – diz Luna, O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO 233 recordando-se da ação que Joseph efetuara contra Ezequiel, o menino mal-educado do ônibus. Pois Joseph, numa das vezes que fora a Santos, contara a Luna o que havia feito à criança. – Sua pilantrinha! Eu percebi que a arma era de brinquedo – diz ele, encabulado. 234 – Mentiroso e orgulhoso! – diz Luna, ainda rindo. Joseph a toma nos braços a beijando e a leva para o interior da embarcação, dando início à sua lua-de-mel. FIM? Esta obra de ficção foi baseada em testemunho de uma família ex-integrante de uma seita ufológica e hoje integrada a uma comunidade cristã. O SEGREDO DE PÉRGAMO KET JEFFSON VASCONCELOS LEITÃO