Crenças sobre a punição física e os seus efeitos nas práticas
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Crenças sobre a punição física e os seus efeitos nas práticas
CRENÇAS SOBRE A PUNIÇÃO FÍSICA E OS SEUS EFEITOS NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS FAMILIARES Ana Rita Mota Ana Rodrigues da Costa Universidade Fernando Pessoa [email protected] Este estudo procura analisar as práticas educativas parentais e as crenças sobre punição física e a sua influência na ocorrência de práticas educativas fisicamente abusivas. Pretende-se assim verificar esses efeitos nos diferentes níveis socio-económicos e em relação ao sexo da figura parental. Um segundo objectivo relaciona-se com o estabelecer correlações entre crenças de pais e os comportamentos assumidos pelos mesmos. Os participantes são 128 pais de crianças e adolescentes até aos 16 anos. Os materiais usados foram os seguintes: ECPF e o IPF (Gonçalves, Machado & Matos, 2000) e um questionário sóciodemográfico. Quanto aos resultados comprovamos que quando o NSE baixa, aumenta o uso da punição corporal; o sexo feminino apresenta uma maior aceitação da punição física, maior utilização de práticas adequadas e das inadequadas mas não abusivas assim como de práticas educativas fisicamente violentas mas socialmente aceites. Os pais que admitem condutas fisicamente abusivas subscrevem atitudes de maior legitimação da violência. Palavras-Chave: práticas educativas; punição física. Introdução A violência sobre as crianças é um fenómeno social pouco esclarecido e de pouca visibilidade pública (Muncie & McLaughlin, 1996). Segundo Straus (1990), a violência familiar ocorre num contexto de comunidade, de vizinhos e de grupos socioculturais. Cada família é, consequentemente, exposta aos padrões dos grupos, acerca do que é aceitável ou inaceitável no sentido do controlo dos impulsos, agressão, punição e violência. A importância das normas culturais que aceitam e toleram a violência permitem a prevalência destes fenómenos e a sua perpetuação às gerações vindouras. O uso da força física é visto e aceite como forma de resolver os problemas, sendo traduzido no modo como é utilizada, como forma de certos pais educarem as suas crianças. A aceitação social destas práticas para controlar a criança reflecte a tolerância social da violência interpessoal dos mais fortes relativamente aos mais fracos (Straus, 1990). A própria concepção das crianças como propriedade dos seus pais, patenteada nestes padrões de aceitação da sociedade, legitima práticas educativas menos adequadas e influencia as relações interpessoais no interior das famílias (Straus, 1990). A maior parte dos pais considera normal esta forma de punição, quando usada de forma moderada e com o objectivo de disciplinar e controlar o comportamento das crianças. De facto, apesar do reconhecimento da experiência negativa que a punição física supõe, os dados 1199 disponíveis indicam que esta continua a ser uma prática globalmente bem acolhida, o que fornece um enquadramento cultural que justificaria uma certa tolerância e permissividade relativamente ao uso da violência física. O discurso racionalizador da prática punitiva, que a considera um direito e um dever dos pais, legitimados pelas suas finalidades pedagógicas e de interiorização de valores e regulação da conduta, domina o conflito com o discurso subjectivo e emocional da punição física (Gough e Reavey, 1997, citado por Martins, 2002). Práticas Educativas Parentais “As práticas educativas parentais podem ser definidas como um conjunto de comportamentos que os educadores adoptam procurando atingir objectivos específicos ao nível da socialização das crianças” (Carlinga & Steinberg, 1993, citado por Machado, Gonçalves, & Matos, 2003, p. 84). O estilo parental caracteriza a forma como os pais lidam com as questões de poder e de hierarquia na relação com os filhos e as posições que adoptam frente aos problemas disciplinares, ao controle do comportamento e à tomada de decisão (Hennigen, 1994, citado por Pacheco, Teixeira, & Gomes, 1999). Entre a variedade de práticas educativas possíveis, a punição física ocupa ainda na nossa cultura um lugar central enquanto estratégia disciplinar e punitiva. De facto, estudos conduzidos em Portugal, tais como o de Amaro (1986, citado por Machado, Gonçalves, & Matos, 2003, p. 84), evidenciam que a punição física continua a ser frequentemente utilizada entre nós e a receber ampla legitimação social. Punição Física A punição física pode corresponder a uma resposta disciplinar parental, ou pode ser usada de forma relativamente isolada, sem uma componente explicativa (ensino e orientação), como uma tentativa de parar um comportamento indesejado. Uma definição comum de punição física usada na literatura relacionada com este tema é “o uso da força física com a intenção causar na criança a experiência de medo mas não injuria, com o propósito de correcção ou controlo do comportamento da criança” (Straus, 1995, citado por Ateah, 2003, p.90). Parece haver evidência que o uso da disciplina física está relacionada com um número de comportamentos negativos da criança e experiências associadas com a punição corporal parental, como a agressão, problemas de saúde mental e, talvez mais preocupante, o seu papel na emergência do abuso físico à criança e a morbilidade e mortalidade associada (Ateah, 2003). Segundo Ateah (2003), um numero de factores pré-existentes são associados ao uso da punição física. Estes incluem a experiência paterna com punição física durante a própria infância, o nível de conhecimento do desenvolvimento da criança, nível sócio-económico, nível educacional, e ideologia religiosa. 1200 Silva (1995) procurou, através de um estudo empírico realizado em Portugal, mostrar a importância do fenómeno da agressão física às crianças na sociedade portuguesa. Os dados obtidos neste estudo permitiram demonstrar que a agressão física é uma prática punitiva generalizada entre as famílias, utilizada tanto pelo pai como pela mãe, aparece mais vulgarmente usada contra os rapazes do que contra as raparigas e é maioritariamente do tipo “agressão física directa” (Silva, 1995). Como conclusão, Silva (1995) refere que a agressão física do tipo punitivo, faz parte da experiência quotidiana da nossa sociedade. A análise da significação da agressão física não pode deixar de levar em conta as suas raízes culturais e a sua relação com a estrutura social onde ganha sentido (Silva, 1995). De facto, assistimos a uma utilização quase banal da agressão física de pequena gravidade, mas verificamos também a prática corrente de agressão a um nível afectivo-relacional e do amor-próprio (Silva, 1995). Segundo Belsky (1993, citado por Corral-Verdugo, Frias-Armenta, Romero & Munoz, 1995) a atitude geral da sociedade perante as crianças está implicada na etiologia dos maustratos infantis. As crenças relacionadas com o direito dos pais para punir os seus filhos são componentes importantes desta atitude geral, já que estas implicam que as crianças são propriedade ser lidar com a escolha parental. Pais maltratantes são mais propensos a acreditar no valor de bater e menos propensos a descrever raciocínio como técnica disciplinar (CorralVerdugo et al, 1995). Abordagens clínicas e do desenvolvimento infantil têm focado a relação entre crenças parentais e praticas parentais, com a suposição implícita que as crenças motivam a acção ou o comportamento. Se esta suposição é verdade, uma crença deve manifestar-se não só em termos de ocorrência linguística, mas também como um comportamento. Assim, pais que acreditam nos efeitos positivos da punição provavelmente punem os seus filhos. Brazelton e Sparrow (2004) afirmam que os pais que foram educados com castigos corporais têm tendência a manter essa tradição em relação aos filhos. Fazem-no muitas vezes por um sentido de lealdade aos seus pais e à sua cultura. As famílias precisam de entender as suas próprias tradições disciplinares, quer as mantenham ou sigam um caminho diferente. Segundo os mesmos autores, os danos corporais são completamente inaceitáveis, sejam quais forem as circunstâncias, visto não contribuírem em nada para a aquisição da auto-disciplina. Uma variedade de estudos encontrou associação negativa entre o nível sócio-económico – operacionalizado pelo rendimento, nível educacional e/ou profissão e o uso da punição corporal pelos pais. Quando o nível sócio-económico baixa, aumenta o uso da punição corporal (Flynn, 1994; Gunnoe & Mariner, 1997; Straus & Stewart, 1999; Xu, Tung & Dunaway, 2000; Canha, 2003). Dietz (2000) afirma que os factores sócio-económicos se encontram teoricamente associados ao uso da punição física, e que o seu uso tem sido associado a classes sociais mais 1201 baixas. Contudo, a mesma autora refere que há estudos com resultados contraditórios ou inconclusivos. Um estudo sobre crenças sobre punição física e práticas educativas em diferentes níveis sócio-económicos (Souzela e Machado, 2002, citado por Machado, Gonçalves e Matos, 2003), refere que os pais de nível sócio-económico mais baixo exprimem crenças mais tolerantes em relação ao uso da violência. A pontuação na Escala de Crenças sobre Punição física (ECPF) correlaciona-se significativamente com a adopção de práticas educativas de punição física e com os maus tratos físicos e emocionais. Elmer (1979, citado por Gallardo, 1994), afirma que as formas de tensão que afectam as famílias variam conforme os estratos sociais. Efectivamente, as famílias de classes mais baixas sobrevivem lutando contra o desemprego, subemprego, educação nula e todas aquelas condições que estão ligadas com a pobreza. Pelo contrário, as famílias de classe média e alta sofrem diferentes tipos de tensões: algumas são afectadas pela pressão na carreira, dando lugar ao pluriemprego do marido, originando o abandono dos filhos ou a possibilidade de que a empregada maltrate a criança nas costas dos pais. O mau trato é diferente, conforme a classe social em que se encontra a criança. Nas classes sociais inferiores, o mau trato físico é maior; pelo contrário, nas classes média e alta o emocional - mais subtil – é mais habitual. O sexo dos pais está muitas vezes ligado ao uso da punição corporal, com as mães a relatarem o seu uso mais frequentemente (Day, Peterson, & McCracken,, 1998; Dietz, 2000; Gilles-Sims, Straus, & Sugarman, 1995; Gunnoe & Mariner, 1997; Nobes, Smith, Upton, & Heverin, 1999; Straus, 1994a; Straus & Stewart, 1999; Xu, Tung & Dunaway, 2000). A maior frequência do uso da punição física pelas mães pode ter a sua origem no facto de as mães passarem mais tempo com os filhos, uma vez que as mulheres continuam a ser os principais cuidadores dos seus filhos mesmo quando trabalham (Biernat & Wortman, 1991). Contudo, outros estudos não encontraram diferenças no nível de punição física entre os pais e as mães (Holden, Miller, & Harris, 1999; Wissow, 2001). Características parentais, tais como crenças relacionadas com a parentalidade (e.g. crenças acerca do valor da punição corporal), assim como padrões de processamento de informação relacionados com situações de educação infantil (e.g. expectativas adequadas em relação à obediência da criança, capacidade para lidar com situações imprevistas), estão relacionadas com o risco de abuso físico infantil (Crouch & Behl, 2001). Machado, Gonçalves e Matos (2003) referem que há diferenças significativas entre as médias dos grupos de sujeitos abusivos e não abusivos, sugerindo posições mais favoráveis ao uso da violência por parte do subgrupo abusivo. Quando se faz a comparação de pais que admitem comportamentos de maltrato físico com os restantes, as diferenças entre os grupos 1202 aumentam, e os pais que admitem condutas fisicamente abusivas subscrevem atitudes de maior legitimação da violência. Objectivos e hipóteses Objectivos O principal objectivo deste estudo prende-se com a análise das práticas educativas parentais e as crenças sobre punição física, pretendendo-se verificar esses efeitos nos diferentes níveis sócioeconómicos e em relação ao sexo da figura parental. Um segundo objectivo relaciona-se com o estabelecer correlações entre crenças de pais e os comportamentos assumidos pelos mesmos. Hipóteses Hipótese 1: Espera-se que o nível sócio-económico tenha influência nas crenças sobre a punição física, sendo de esperar que no nível socio-económico baixo a ocorrência de práticas parentais violentas prevaleça mais do que nos meios sócio-económicos médio e alto. Hipótese 2: Espera-se que as crenças sobre punição física e as práticas educativas parentais sejam diferentes de acordo com o sexo parental. Hipótese 3: Os sujeitos que admitem ter usado uma ou mais práticas abusivas têm uma posição mais favorável ao uso da violência. Método Instrumentos De forma a investigarmos em que medida as práticas educativas parentais e as crenças sobre a punição física influenciam a prática de maus tratos infantis, e se há diferenças nos três níveis socio-económicos, decidimos utilizar 3 questionários: a) Questionário sócio-demográfico; b)Escala de Crenças Sobre Punição Física (ECPF) e c) Inventário de Práticas Educativas (IPE), ambos de Machado, Gonçalves e Matos (2000). Procedimento Os questionários foram entregues aos participantes, juntamente com o objectivo do estudo, deixando claro que a finalidade é analisar os resultados gerais, e não um questionário em particular, focando essencialmente a questão da confidencialidade, e da importância da sinceridade para os resultados serem o mais fiáveis possível. De forma a evitar questões de resposta por desejabilidade social, a questão da relação dos resultados com os maus tratos foi omitida. Os indivíduos foram contactados por familiares e amigos que serviram de intermediários no contacto com os sujeitos e, depois de terem aceite colaborar, receberam os questionários, que foram devolvidos posteriormente dentro de um envelope fechado. Os dados 1203 foram recolhidos entre os meses de Janeiro e Fevereiro de 2004. Participantes Os questionários foram administrados a 128 sujeitos, do concelho de Santa Maria da Feira., 83 do sexo feminino e 45 do sexo masculino. Trata-se de uma amostra de conveniência, constituída por pais de crianças e adolescentes até aos 16 anos de idade. Relativamente ao sexo, 35,2% dos participantes são do sexo masculino, e 64,8% do sexo feminino (Quadro 1). Apesar de ter sido pedido, nalguns casos, para ser o pai a responder ao questionário, isso não se verificou, o que pode denotar uma certa tendência para ser a mãe a responsável pelas questões educacionais dos filhos. Inserir quadro 1 aproximadamente aqui No que concerne aos níveis sócio-económicos, a amostra está distribuída pelos três níveis, sendo que 33,6% pertence ao nível alto, 34.4% ao nível médio e 32% ao nível baixo (Quadro 2). Inserir quadro 2 aproximadamente aqui Apresentação e discussão dos resultados Resultados Referentes ao Nível Sócio-Económico dos Sujeitos da Amostra Através da Análise de Variância Multivariada (ANOVA multivariada) verifica-se que existem itens que são influenciados pelo NSE. Inserir quadro 3 aproximadamente aqui Uma análise ao teste de post-hoc Bonferroni indica que, no que diz respeito à legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil, existem diferenças significativas nas respostas dos sujeitos que fazem parte do NSE alto e baixo (p≤.05). A legitimação da punição física pela sua normalidade e necessidade regista as mesmas diferenças (p≤.005), assim como a legitimação pelo papel punitivo do pai C (p≤.05). Em relação à punição pela autoridade parental, as diferenças verificam-se nos três grupos, entre o NSE Alto e o NSE Baixo (p≤.05), e entre o NSE Médio e o NSE Baixo (p≤.05). No que diz respeito ao uso de práticas inadequadas mas não abusivas, parecem existir diferenças entre o NSE alto e baixo (.038), e às práticas que envolvem violência física socialmente aceite, parecem as diferenças aparecem entre o NSE médio e o baixo (.030). No que diz respeito ao uso de práticas fisicamente abusivas, registam-se diferenças nas respostas do NSE Alto e baixo (.014), e médio e baixo (.003). Podemos constatar as diferenças nos três NSE, para cada um dos factores dados como significativamente diferentes. Verificamos uma prevalência de valores médios mais elevados no NSE Baixo, o que pode significar uma atitude de maior aceitação da punição física como método educativo. 1204 Ao nível das práticas educativas, verificamos que as consideradas inadequadas mas não abusivas vão decrescendo com o NSE, isto é, são mais elevadas no NSE baixo, e menos no elevadas no NSE alto. A violência física socialmente aceite é menos utilizada no NSE médio, seguindo-se do alto e depois do baixo. As médias das práticas fisicamente abusivas são semelhantes às descritas anteriormente, sendo o NSE baixo o que obtém maior média. Resultados Referentes ao Sexo dos Sujeitos da Amostra Para saber se há diferenças significativas entre o grupo de sujeitos do sexo masculino e feminino foi utilizado o t-test para amostras emparelhadas. Após a análise do teste de Levene, e a analise das variâncias, passou-se à selecção das variáveis consideradas significativamente diferentes. Inserir quadro 4 aproximadamente aqui A análise do Quadro 4 permite verificar que existem diferenças quanto às crenças sobre punição física e quanto às práticas educativas. Assim, observa-se que os sujeitos do sexo feminino obtiveram médias mais elevadas nos diferentes itens. Ao nível das crenças, surgem diferenças significativas na questão da legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil. No que respeita às práticas educativas, os sujeitos do sexo feminino obtiveram médias superiores na punição física adequada, nas práticas educativas inadequada mas não-abusivas, e nas práticas educativas que envolvem violência física socialmente aceite. Existem diferenças significativas entre as condições (t(126)=-2.304, p≤.05) sendo que o género feminino apresenta uma maior aceitação da punição física (M=21.49) comparativamente ao género masculino (M=18.88). Outras diferenças significativas verificam-se na utilização de práticas adequadas (t(126)=-3.383, p≤.05), em que o sexo feminino apresenta uma maior utilização destas práticas (M=14.50) do que o sexo masculino (M=13.13). Ao nível das práticas educativas inadequadas mas não abusivas, verificam-se diferenças significativas, (t(126)=-2.611,p≤.05), sendo que as mulheres utilizam estas práticas mais vezes (M= 9.98) do que os homens (M=8.62). Em relação às práticas educativas fisicamente violentas mas socialmente aceites, voltamos a verificar uma diferença significativa (t(126)=-3.561, p≤.05), em que o sexo feminino tem uma utilização maior (M=9.56) dessas práticas que os sujeitos do sexo masculino M=7.66). Resultados Referentes à relação entre as crenças sobre punição física e as práticas educativas fisicamente abusivas Para avaliar o grau de relação das crenças sobre punição física com as práticas 1205 punitivas, foi utilizada a correlação (Quadro 5). Todos os itens da escala de crenças sobre punição física se correlacionam entre si, de forma positiva e significativa. Existe uma correlação significativa e positiva entre os itens da legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil e: a) a legitimação pela normalidade e necessidade (r=.901, N=128, p≤.01); b) a legitimação pelo papel punitivo da autoridade do pai (r=.852 , N=128 ,p≤.01); c) a legitimação pela autoridade parental (r=.814 , N=128 ,p≤ .01). Verifica-se uma correlação significativa e positiva entre os itens da legitimação da punição física pela sua normalidade e necessidade e: a) legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil (r=.901, N=128, p≤.01); b) a legitimação pelo papel punitivo da autoridade do pai (r=.791 , N=128 ,p≤.01); c) a legitimação pela autoridade parental (r=.871, N=128 ,p≤ .01). Inserir quadro 5 aproximadamente aqui Em relação ao item da legitimação pelo papel punitivo da autoridade do pai, verifica-se uma correlação significativa e positiva com os itens: a) legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil (r=.852, N=128, p≤.01); b) legitimação da punição física pela sua normalidade e necessidade (r=.791 , N=128 , p≤.01); c) a legitimação pela autoridade parental (r=.787, N=128 , p≤.01). Assim, a legitimação pela autoridade parental encontra-se também relacionada com os outros itens da escala: a) legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil (r=.814, N=128, p≤.01); b) legitimação da punição física pela sua normalidade e necessidade (r=.871 , N=128 , p≤.01); c) legitimação pelo papel punitivo da autoridade do pai (r=.787, N=128 , p≤.01). Há uma correlação positiva e significativa entre os itens da legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil e: a) práticas educativas inadequadas mas não abusivas (r= -.270, N=128 , p≤.01); práticas educativas emocionalmente abusivas (r=.276, N=128 , p≤.01) e práticas educativas fisicamente abusivas (r=.258, N=128 , p≤.01). Verifica-se uma correlação positiva e significativa entre os itens da legitimação da punição física pela sua normalidade e necessidade e: a) práticas educativas inadequadas mas não abusivas (r= .223, N=128, p≤.05); práticas educativas emocionalmente abusivas (r=.212, N=128 , p≤.05) e práticas educativas fisicamente abusivas (r=.253, N=128, p≤.01). Os itens da legitimação pelo papel punitivo da autoridade do pai verifica-se uma correlação positiva e significativa com: a) práticas educativas inadequadas mas não abusivas (r= .284, N=128, p≤.01); práticas educativas emocionalmente abusivas (r=.327, N=128, p≤.01) e práticas educativas fisicamente abusivas (r=.207, N=128, p≤.05). 1206 Verifica-se uma correlação positiva e significativa entre os itens da a legitimação pela autoridade parental e: a) práticas educativas inadequadas mas não abusivas (r= .221, N=128, p≤.05); práticas educativas emocionalmente abusivas (r=.218, N=128, p≤.05) e práticas educativas fisicamente abusivas (r=.205, N=128, p≤.05). O item práticas educativas adequadas relaciona-se positiva e significativamente com as práticas educativas violentas mais socialmente aceites (r=.423, N=128, p≤.01). O item práticas educativas inadequadas mas não abusivas tem uma relação significativa e positiva com os outros itens. Em relação às práticas educativas violentas mas socialmente aceites, acontece o mesmo, assim como nas práticas emocionalmente abusivas. Interessa sobretudo verificar o item práticas educativas fisicamente abusivas, onde encontramos uma relação positiva e significativa com todos os itens da escala de crenças sobre punição física, isto é, quando aumentam a aceitação da violência, aumenta também as práticas educativas violentas. Análise de alguns itens qualitativos Alguns itens do Inventário de Práticas Educativas têm espaço para uma resposta livre, nomeadamente em relação a outros castigos que os pais costumem aplicar e que não estão descritos, ou por exemplo, em relação a outros objectos que tenham utilizado. A resposta que os sujeitos mais indicam no item “Outros”, como outras formas de punição, é o “não deixar jogar computador” (4 ocorrências); seguida de “não deixar andar de bicicleta” e “brincar com os amigos” (3 ocorrências); depois surgem ocorrências isoladas, como “mandar dormir mais cedo”, “tirar o telemóvel”, “não brincar com o brinquedo preferido”, “reforços positivos”, “não comprar determinado brinquedo”, “dizer que os pais ficam tristes por a criança se portar mal”, “adiar oferta prometida”, “não brincar durante um dia”, “não deixar ir ao aniversário de um amigo”, e “não dar lambarices”. Em relação a bater com um objecto, quatro sujeitos referem a colher de pau, e três o chinelo. Interpretação dos Resultados Resultados referentes ao Nível Sócio-económico Os resultados encontrados em relação ao Nível Sócio-económico parecem estar de acordo com a revisão bibliográfica, e vêm comprovar a hipótese 1. Verifica-se uma prevalência de valores médios mais elevados no NSE Baixo, o que pode significar uma atitude de maior aceitação da punição física como método educativo. Ao nível das práticas educativas, verifica-se que as consideradas inadequadas mas não abusivas vão decrescendo com o NSE, a violência física socialmente aceite é menos utilizada no NSE médio, seguindo-se do alto e depois do baixo. As médias das práticas fisicamente abusivas são semelhantes às descritas anteriormente, sendo o NSE baixo o q obtém maior média. 1207 Comprovou-se que quando o nível sócio-económico baixa, aumenta o uso da punição corporal, como já havia sido defendido por vários autores (Flynn, 1994; Gunnoe & Mariner, 1997; Straus & Stewart, 1999; Xu, Tung & Dunaway, 2000; Canha, 2003). Assim como no estudo de Souzela e Machado (2002, citado por Machado, Gonçalves e Matos, 2003), os pais de nível sócio-económico mais baixo exprimem crenças mais tolerantes em relação ao uso da violência. Resultados referentes ao Sexo Parental Analisando os resultados, verifica-se que há de facto diferenças entre os sexos, como foi postulado na Hipótese 2. Os resultados indicam que o sexo feminino apresenta uma maior aceitação da punição física, maior utilização de práticas educativas adequadas, e das práticas educativas inadequadas mas não abusivas, assim como das práticas educativas fisicamente violentas mas socialmente aceites. Não parecem existir, contudo, diferenças significativas em relação à utilização de práticas fisicamente e emocionalmente abusivas, entre indivíduos do sexo masculino e feminino. Estes resultados podem ir de encontro ao que outros autores já defenderam, que sexo dos pais está muitas vezes ligado ao uso da punição corporal, com as mães a relatarem o seu uso mais frequentemente (Day et al, 1998; Dietz, 2000; Giles-Sims et al., 1995; Gunnoe & Mariner, 1997; Nobes et al., 1999; Straus, 1994a; Straus & Stewart, 1999; Xu, Tung & Dunaway, 2000). Contudo, aqui apenas poderá ser entendida a punição física socialmente aceite, uma vez que não encontramos diferenças significativas entre os géneros nas práticas educativas violentas. Resultados à relação entre as crenças sobre punição física e as práticas educativas fisicamente abusivas Os resultados encontrados vêm de encontro ao que foi colocado em hipótese 3. Interessa sobretudo verificar o item práticas educativas fisicamente abusivas, onde se encontra uma relação positiva e significativa com todos os itens da escala de crenças sobre punição física, isto é, quando aumentam a aceitação da violência, aumenta também as práticas educativas violentas. Parece existir então uma relação entre as duas variáveis, sendo comprovado que quando um sujeito tem uma atitude de aceitação da punição física como meio de disciplinar uma criança, o mais certo é que venha a utilizar a punição física como prática educativa. Assim, verifica-se que as características parentais, tais como crenças relacionadas com a parentalidade, estão relacionadas com o risco de abuso físico infantil (Crouch & Behl, 2001), uma vez que se o indivíduo tiver um elevado grau de aceitação da punição física mais provavelmente irá utilizar esse método como método disciplinar, o que poderá levar a uma escalada da violência até ao abuso físico – crenças e comportamentos assumidos parecem estar 1208 interligados. Como defendem Machado, Gonçalves e Matos (2003), quando se faz a comparação de pais que admitem comportamentos de maltrato físico com os restantes, os pais que admitem condutas fisicamente abusivas subscrevem atitudes de maior legitimação da violência. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi necessário percorrer um longo caminho para alcançar a defesa da dignidade e dos direitos das crianças. Actualmente, são reconhecidos os direitos das crianças, as condições e os requisitos necessários e indispensáveis ao desenvolvimento pleno das suas capacidades, continuamos a assistir à sua violação. O termo família continua a designar a um grupo em que o factor preponderante é a união e o amor entre os seus membros. Este grupo relaciona-se de forma única. Contudo, há padrões que se podem identificar, aos quais podemos chamar Práticas Educativas, e nos quais se inserem as mais diferentes famílias. A punição física continua a ser uma prática presente na forma dos pais educarem os filhos, a fazer parte da experiência quotidiana da nossa sociedade. A sua utilização é fundamentada sobretudo pelas crenças sobre a punição, e para isso parece contribuir a transmissão inter-geracional das práticas educativas familiares. Os resultados do presente estudo estão de acordo com as hipóteses levantadas. Comprovou-se que quando o nível sócio-económico baixa, aumenta o uso da punição corporal, e que os pais de nível sócio-económico mais baixo exprimem crenças mais tolerantes em relação ao uso da violência. Verifica-se que há de facto diferenças entre os sexos. Os resultados indicam que o sexo feminino apresenta uma maior aceitação da punição física, maior utilização de práticas educativas adequadas, e das práticas educativas inadequadas mas não abusivas, assim como das práticas educativas fisicamente violentas mas socialmente aceites. Os pais que admitem condutas fisicamente abusivas subscrevem atitudes de maior legitimação da violência Os resultados poderão guiar uma possível intervenção/ prevenção junto das diferentes populações, nomeadamente no “desmistificar” de algumas crenças que possam manter ou exacerbar o problema, e no partilhar de práticas mais adaptativas. Seria particularmente interessante uma formação para pais que permitisse uma consciencialização dos efeitos nefastos da punição física. Com uma importância talvez acrescida, seria pertinente fornecer alternativas para a punição física, demonstrar outras técnicas educacionais que funcionem e que não sejam física e emocionalmente abusivas. Esta formação seria importante nos meios sócio-económicos mais baixos, visto serem os meios onde prevalecem maiores índices de crenças legitimadoras da 1209 punição física, e onde provavelmente esta terá mais prevalente. Contudo, uma intervenção nos outros níveis sócio-económicos não seria descabida. Contudo, deverá ser considerado que este estudo apresenta algumas limitações que colocam reservas às conclusões referidas anteriormente Esta investigação tem como limitações o facto de ser um tema que apresenta resistências por parte dos pais em responder de forma sincera ao questionário, por ser uma questão que tem subjacente um papel social, em que os participantes poderão responder da forma mais desejável socialmente. Em relação à nossa amostra. pela sua reduzida dimensão, que não se pode considerar representativa da população de pais e todos os participantes estão circunscritos ao concelho de Santa Maria da Feira. Este é um tema vasto, pelo que ainda há muito que estudar, nomeadamente no obviar, colmatar e prevenir situações de punição física. Trabalhos no âmbito de como os próprios menores encaram as práticas educativas dos seus pais, e as suas próprias crenças em volta da punição física seriam interessantes. Além disso, a polémica em torno da punição física e dos maus tratos continua sem uma resposta concreta, pelo que parece ficar ao critério do profissional que lida com estas problemáticas, do psicólogo ao assistente social, quer em termos jurídicos, e educacionais, aceitar a punição e definir o limite. Talvez fossem importantes medidas mais concretas, para que o fenómeno perdesse a sua subjectividade. Bibliografia Ateah, C. (2003). Disciplinary practices with children: parental sources of information, attitudes, and educational needs. Issues in Compreensive Pediatric Nursing, 26, 89-101. Brazelton, T. B., & Sparrow, J. D. (2004). A criança e a disciplina: O método Brazelton. Lisboa: Editorial Presença. Canha, J. (2003). Criança maltratada. (2ªEd). Coimbra: Quarteto. Corral-Verdugo, V., Frías-Armenta, M., Romero, M. & Munoz, A. (1995). Validity of a scale measuring beliefs regarding the ‘positive’ effects os punishing children: a study of mexican mothers. 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Ethnicity, income, and parenting contexts os physical punishment in a national sample of families with young children. Child maltreatment, 6, 118-129. 1211 Xu, X., Tung, Y., & Dunaway, R.g. (2000). Cultural, human and social capital as determinants of corporal punishment: toward an integrated theorical model. Journal of interpersonal violence, 15, 603-630. Quadro 1: Distribuição da amostra relativamente ao Sexo Sexo Frequência Percentagem Masculino 45 35.2 Feminino 83 64.8 Total 128 100 Quadro 2: Distribuição da amostra nos diferentes Níveis Sócio-económicos NSE Frequência Percentagem NSE - Alto 43 33.6% NSE - Médio 44 34.4% NSE - Baixo 41 32% Total 128 100% Quadro 3: Análise de Variância Multivariada para os NSE LPF - MC LPF - NN LPF – PPAP LPF - AP PE – INA PE - VFSA PE - FA p≤ .005 NSE Alto NSE Médio NSE Baixo N=43 N=44 N=41 M 18.69 19.39 15.04 16.93 8.95 8.86 10.97 DP 7.12 7.45 5.78 6.72 2.91 2.94 1.56 M 20.20 21.29 17.52 18.65 9.11 8.04 10.79 DP 4.92 5.15 3.76 4.41 2.6 2.62 1.21 M 22.95 25.07 20.43 23.19 10.51 9.85 12.19 DP 5.77 6.01 5.25 5.61 2.88 3.89 2.74 F gl p 5.394 8.862 12.228 13.678 3.844 3.430 6.502 2 2 2 2 2 2 2 .006 .000 .000 .000 .024 .035 .002 LPF – MC = legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil; LPF – NN = legitimação da punição física pela sua normalidade e necessidade; LPF – PPAP = legitimação da punição física pelo papel punitivo e autoridade do pai;LPF – AP = legitimação da punição física pela autoridade parental; PE – INA = práticas inadequadas embora não abusivas; PE - VFSA = práticas punitivas que envolvem violência física socialmente considerada aceitável; PE – FA = práticas punitivas fisicamente abusivas 1212 Quadro 4: Comparação entre o sexo masculino e o sexo feminino, em função das crenças sobre punição física e das práticas educativas parentais Variáveis Legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil Práticas Educativas adequadas Práticas Educativas inadequadas mas não abusivas Práticas Educativas fisicamente violentas mas socialmente aceites Sexo Masc. N=45 M DP 18.88 5.20 sexo fem. N=85 M DP 21.49 6.54 t gl p -2.304 126 .023 13.13 8.62 7.66 14.50 9.98 9.56 -3.383 -2.611 -3.561 126 126 126 .001 .010 .001 2.45 2.26 2.56 1.59 3.08 3.38 1213 Quadro 5: Correlações entre os factores que incluem os itens de cada escala Correlações LPF MC LPF NN LPF – PPAP LPF AP PE INA PE - PA PE VFSA PE - EA PE - FA LPF - MC N= 128 r 1.000 .901(**) .852(**) .814(**) -.071 .270(**) .127 .276(**) .258(**) p . .000 .000 .000 .428 .002 .154 .002 .003 LPF - NN N= 128 r .901(**) 1.000 .791(**) .871(**) -.084 .223(*) .108 .212(*) .253(**) p .000 . .000 .000 .343 .011 .226 .016 .004 LPF – PPAP N=128 r .852(**) .791(**) 1.000 .787(**) -.116 .284(**) .090 .327(**) .207(*) p .000 .000 . .000 .193 .001 .312 .000 .019 LPF - AP N=128 r .814(**) .871(**) .787(**) 1.000 -.121 .221(*) .070 .218(*) .205(*) p .000 .000 .000 . .173 .012 .434 .013 .020 PE - PA N=128 r -.071 -.084 -.116 -.121 1.000 .444(**) .423(**) .118 .148 p .428 .343 .193 .173 . .000 .000 .184 .096 PE - INA r .270(**) .223(*) .284(**) .221(*) .444(**) 1.000 .591(**) .296(**) .455(**) N=128 p .002 .011 .001 .012 .000 . .000 .001 .000 PE - VFSA N=128 r .127 .108 .090 .070 .423(**) .591(**) 1.000 .328(**) .569(**) p .154 .226 .312 .434 .000 .000 . .000 .000 PE - EA N=128 r .276(**) .212(*) .327(**) .218(*) .118 .296(**) .328(**) 1.000 .244(**) p .002 .016 .000 .013 .184 .001 .000 . .006 PE - FA N=128 r .258(**) .253(**) .207(*) .205(*) .148 .455(**) .569(**) .244(**) 1.000 p .003 .004 .019 .020 .096 .000 .000 .006 . ** A correlação é significativa ao nível 0.01 (2-tailed). * A correlação é significativa ao nível 0.05 (2-tailed). LPF – MC = legitimação da punição física pelo mau comportamento infantil; LPF – NN = legitimação da punição física pela sua normalidade e necessidade; LPF – PPAP = legitimação da punição física pelo papel punitivo e autoridade do pai; LPF – AP = legitimação da punição física pela autoridade parental; PE – PA = práticas adequadas; PE – INA = práticas inadequadas embora não abusivas; PE - VFSA = práticas punitivas que envolvem violência física socialmente considerada aceitável; PE – EA = práticas punitivas emocionalmente abusivas PE – FA = práticas punitivas fisicamente abusivas 1214