Um passeio pelo bairro: análise de transformações e usos do
Transcrição
Um passeio pelo bairro: análise de transformações e usos do
U M P AS S EIO PE LO B AIRRO : A NÁL ISE D E T RANS FORMA ÇÕE S E U S OS E S P A ÇO P ÚBLIC O NO B AIRRO K OBRA S OL (S ÃO J OS É - SC) DO S uz ana Cast anhei ro Uliano (PPGAS/UFSC) 1 Resumo A proposta desse t ext o é pensar o bairro Kobr as ol, localizado em São J os é – SC, tendo c om o aspect o c entral a relação entre as transf orm açõe s ar quitetônicas e estr utur ais resultantes do pr oc es so de enobreci ment o pel o qual este vem pass ando. Ainda, vis a refl etir sobr e as rev er beraç ões de t ais mudanç as nas dinâmicas de us o dos espaç os públ icos des se bairro. Par a tant o, o text o c om eç a com um hist órico da região, s eguido de breve debat e ac erc a da met odologia e aport e t eórico. Por fim, e com bas e no debat e levantado, busc a- s e a anális e de algumas i magens do bairro, r esultant es de um a brev e incur são por ele; pensando o ur bano a partir do enobr ecim ent o e da di sputa. Palavr as- ch ave: Espaç o público, enobreci mento, Kobr asol. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista Capes (2013-2015). UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) Introdução Este artigo analisa o pr oc ess o de enobreci ment o ainda cr esc ent e no bairro Kobr as ol, locali zado no m unicí pio de São José, Sant a C atarina (SC). Embor a tenha m enos de 40 anos de fundação, este bairro j á pos sui vital importânci a ec onômica na regi ão c ontinental da Grande Fl orianópolis. Segundo Z ukin (2000), o enobrecim ento dos es paços públicos é u m pr ocess o marcado por si gni ficativas transformações do espaço ur b ano. Rec orr ente em diversas cidades do m undo, es se process o tem c om o maior c aract erística a r emodel agem ar quitetônica de determi nada região a fim de c onfl uir com novas per spectiv as econômi cas. Tais transform aç ões alteram de form a signifi cativa o uso dos es paços públi cos e c onstituem um a clara tent ativa de m udar o perfil dos frequent adores, af astando, por ex em plo, os mor adores de rua e usuários de dr ogas. O u s eja, o enobr eciment o tam bém m ostr a as r elaç ões de poder pr esent es nas cidades. Consi derando is so, o pr es ente t ext o começa por descr ev er o Kobr as ol, apr es ent ando um pouco de sua hist ória e as transf orm aç ões oc orridas pri ncipalment e nos últimos dez anos. Tais m udanças são apresentadas t endo c om o base document os do m unicípi o e artigos de jor nal. Há por fim o aspect o etnogr áfic o, inspirado naqui lo que dá nome a est e arti go, Um pass ei o pel o bairro. Uti lizando-se da “anális e de passagem”, abor dada por M agnani (2002), os pr ocess os de enobr ecimento e ex clusão são pens ados a partir de r egistros f otogr áfi cos do ba irro, resultant es de um a pequena inc ur s ão por i mportant es c aminhos deste. Apresen tação do Bairro Ao s e ref erir às m etrópol es européias da virada do s éc ulo XIX par a o XX, Si mmel (2005) descr ev e- as com o campos de dualidades e c onflitos, pr otagoni st as de um int ens o ac el eram ento ec onômic o e s ocial. P odemos rel acionar es sa vis ão às c om plexas r elaç ões pr esent es no bai rro Kobr asol sob C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 21 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) dois as pect os: a celeridade do s eu des envolviment o e a r ef orm ulaç ão do panor am a econômic o e geogr áfico. O bairro em quest ão nasc eu há 37 anos 2, a parti r da parceria entr e t rê s gr andes empr esários da r egião 3 que deci diram transf orm ar um antigo terr eno baldi o 4, que em parte s ediav a o A er oclube de Santa C at arina nos anos 70, em um loteamento par a pequenas edificaç ões r esidenciai s 5. O pr ojeto inici al, c om o descrito pel o hi st oriador Milton Knabben, [ . . . ] t inh a 5 6 9 m il m e t r os qu a dr a d os disp o ní ve is, se nd o 2 9 0 m i l m e t r os qu a dr a d os pa r a a con st r uçã o d e 7 0 q ua d r a s e 7 81 lo t es, com á r ea m é d ia d e 4 0 0 m e t r o s q u a d r ad o s ca da , a l ém d e 12 7. 7 0 0 m 2 p ar a o co m ple xo v iá r io e 1 7. 6 4 0 m 2 pa r a á r ea s ver d e s e r e cr e a çã o ( KNA BB EN ap ud CAM PO S 2 01 2 ) . Do pr ojeto dess es empr es ários, surgi u o Parque R esi dencial Kobr as ol, no cor ação do bairro C am pi nas. P ensado a princí pio por cont a de s ua pr oxi midade com Fl orianópolis, tinha c om o objetivo s ervir de residência àqueles que trabalhav am na capital. Sua im portância se r eflet iu na di stribuiç ão espacial não só do s mor ador es da cidade, mas tam bém dos pr édios administr ati vos. No Plano Diretor de São José const a que Em 19 7 7 a con st r u çã o do L ot ea m en t o Ko b r aso l n o ba ir r o d e Ca m p ina s a b sor ve u qu ase po r co m pl et o a s at ivida d e s r e side n cia is , eco nô m ica s e soc ia is da pr im it iva se d e d o m u ni cí pio , pe r m a ne cen d o n o n ú cle o o r ig in a l a pe n as pa r t e d a a d m in ist r açã o pú b lica e as a t iv id a d e s cu lt ur a is r e m a ne sce n t es ( GTCA DAS TRO / F E ESC/ UF SC, 20 0 4, p. 1 1 ) . O bairro teve como m arc a, des de a sua fundação, a alta densi dade populacional, dividindo historic am ente c om os bairros Campinas e Barr ei ros os mai ores índic es de densidade populacional. C omo apont a o doc um ent o s upracitado, a densi dade dem ogr áfica do bai rro exc ede em alguns lugare s 2 O município de São José tem 263 anos. A saber, Antônio Scherer, Adroaldo Cassol e Walter Koerich. Para mais ver matéria de Vanessa Campos no Diário Catarinense Online. Florianópolis, 02 de novembro de 2012. Disponível em http://tinyurl.com/prxowy3. Acesso em 10 Jul. 2013. 4 Vide mapa 1. 5 Quatro andares era o antigo padrão dos edifícios do bairro; hoje os prédios da região podem chegar a ter 19 andares. Vide imagens 1 e 2. 3 C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 22 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) 3. 000 habitant es por hect ar e: índic es de três a seis vezes maior es que o normal estipulado em outras cerc ani as. Apes ar da intens a oc upaç ão – ou j ustam ente por conta del a – o Kobr as ol figur a entre os bairros do m unicí pio c om m aior ár ea v erde e mai or núm er o de pr aças. O utro dado relevante é que 100% do bairro possu i rede de c oleta de es got o 6. Porém, a principal c ar act erística d o bairro, hoje, é s eu intens o c om ér cio, que ofer ec e di vers os pr odut os e s erviços. Há tam bém um a vida not ur na forte, bastant e conheci da na regi ão, c om div ers os bar es e r estaurantes que ofer ecem c onsi der áv el variedade gastr onômica e de lazer 7. A loc ali zação desse bairro tam bém é algo important e. O bserv ando o mapa 1, podem os ver que ele tem quatro im portant es vias no s eu ent orno. À es querda, a BR-101, que c orta o E stado de norte a s ul. Na part e superior di reita do m apa aparece a BR -282, chamada de Vi a Ex pres sa, princi pal acess o por terr a à capital . E abaix o, as avenidas Presidente K ennedy – princi pal ac es so a importantes bairros de São J os é ( por ex em plo, o C entro Históric o) – e a Beira-Mar de São José, que esc oa todo o tr ânsito da r egião em direção à c api tal. Portant o, trat a-se de um bairro que t em com o c aract erística t ambém a pr esenç a de importantes r odovias que, além de delimitarem seu traçado, c ontri buem par a que o bairro sej a um lugar de gr ande circ ul ação. J á o traço em vermelho dest ac a o trajet o feito pel a pes quisadora, que é o foco de análise na s equênci a des se trabalho. O ponto de partida é o mai s al to do m apa, na r ua Adhem ar da Silva, seguindo pela r ua Koes a e av eni da Lédio J oão M arti ns (conheci da t am bém como C entral) e Beira M ar de S ão J osé. O ret or no ao pont o inicial s e deu pela avenida President e K ennedy, e em s eguida pela rua A dhem ar da Silva. Esse trajet o consti tui a parte et nográfic a da pesquis a, de onde se apresent am i magens analis adas. 6 Vide análise do plano diretor, págs. 66 e 271, respectivamente. Consultar nas referências matéria feita por Aline Rebequi sobre a vida noturna nos bairros Kobrasol e Coqueiros, publicada no “Diário Catarinense” de abril de 2013. 7 C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 23 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) M ap a 1 : Área c orr e sp on de n t e a o ba i rro Kob ra so l e reg i ã o p es q ui s ad a . Fo nt e : h tt p:/ / go o. gl/ ma p s/ d Ce Z H Antropologia do e no bairro Convi do o leit or a, ant es de tudo, pens ar aqui lo que Gilbert o Vel ho c ham a de “estranhar o familiar”. Podem os compartilhar c om ele a ideia de que “o que v em os e enc ontr am os pode ser exótico, mas, até cert o ponto, c onhecido. ex oti smos No entant o, c om o est am os s em pr e fontes de pr ess upondo fami liari dades c onheciment o ou e desc onheciment o, res pectiv am ente” (VELHO, 1999, p. 126). Estranhar o f amiliar é, nesse c as o, C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 24 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) um pass o indis pensável par a poder per ceber , no espaço r esidenci al, aspecto s ligados à ec onomia, poder e enobr ecim ent o do Kobr as ol , como pr oposto aqui. No entant o, obs er var a cidade “da j anela do meu apart am ent o” 8, assi m c om o o aut or diz, não par ece ser inter es sante par a s e per ceber em as relaç ões entre sujeitos e(m) s uas pr áticas, nos usos do espaço públ ico. D ado iss o, optou- se aqui, a partir de M agnani (2002), apresent ar alternati vas par a est udar o espaç o ur bano. O olhar que est e trabalho busc a des env olver tem por int eress e a c ontraposição entr e du as abordagens. A primeira abor dagem ex pl or a a percepç ão crítica da ci dade a partir do “col apso do si stema de transport e, as deficiênci as do s aneamento básic o, a fal ta de m or adia, a c oncentraç ão e desi gual di stribuiç ão dos equipam ent os, o aument o dos í ndice s de pol uiç ão, da violência” (MAGNANI, 2002, p. 12) . Já a segunda s e apr oxima da s emiologia, abor dando os si gnos r es ul tados “da superposiç ão e c onflitos de si gnos, simulacr os, não-lugares, redes e pont os de enc ontro virtuais” (MAGNANI, 2002, p. 12). Com es se c ontrapont o, o que se busc a é pensar o es paço públi co a partir da r elaç ão dos s ujeitos, os usuários da cidade, aqueles que viv em e a transf ormam, c om os es paços do ref erido bairro a partir de alguns regist ro s simbóli cos. Dadas as li mit ações de t empo e e spaço, não se pode diz er que o que foi fei to aqui constit ua uma et nogr afia, muito m enos como algo “de perto e de dentro”. O que v eremos aqui é m ais o que M agnani cham a de “análise de pass agem ”, que c onsist e em ( . . .) p er co rr er a cida d e e seu s m e an dr os o b se r van d o esp aç os , eq u ip am e n t os e pe r son a ge ns t í p ico s co m seu s h á bit o s, co nf lit o s e exp ed ie n t es, de ix a nd o- se im b u ir p e la f r a gm e n t açã o qu e a suce ss ã o de im a ge ns e s it u açõ es pr o du z. O r e la t o f i na l, ge r a lm e nt e n a f or m a d e e n sa io , t e r m in a p o r e xp r essa r ess a exp er iên cia p o r m e io do uso d e m e t á f o r as qu e s e r ão t an t o m ai s sug est i va s q u an t o m a io r a cr ia t iv id a de d o a n a l ist a e o le qu e d e r e laçõ es q ue est a b e le cer : “ hi br id iza ç ão ” , “ p or o sid ad es” , “ t e rr it o r ia lida d e s f l exí ve is” , “ n ã o- lug a r es” , “ con f ig u r açõ es e spa ç o t e m po r a is” , “ p aisa g en s d isju n t iva s” e ou t r a s ( M AGNANI , 20 0 2 , p. 18 ) . 8 Idem. C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 25 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) Ou, c om o di to ant eriormente, em torno do proc es so de enobr ecim ento. Dadas as ressalv as e li mi tes, iniciemos es sa anál ise par a s aber s uas possi bi lidades. Os p ro cessos de tran sfo rmação do espaço O Kobr as ol , como já apr esentado, é um bairro que des de a s ua f undaç ão v em pas sando por div er sas transform ações ar quitetônic as, vi ári as e ec onômic as. P ar a com pr eender est es fenômenos, optou - se pela obr a de Shar on Zukin ( 2000), cuja pesquis a bus ca trat ar d as relaç ões de poder envoltas nos pr oc es sos de enobr ecim ento, tom ando c om o ex em pl o para s uas análi ses, grandes cidades do m undo, pens adas sob o aspecto da paisagem pós-m oderna: ambí gua e, por isso m esmo, di fícil de defini r em t ermos de ident idade 9. Segundo ela, t ais transf ormações podem s er vi stas sob dois as pect os. Um del es é o pr oc es so ocorr ent e em “anti gas cidades m oder nas”, c om o N ov a York ou C hic ago, que t em como m arc a o enobr ecim ento c ar acterizado pel a s ubstituição de s eus antigos m or ador es, com s eu e stilo vernac ular de velha s edificaç ões, por novos m or adores e construções, dem ar c ando um a paisagem mar c ada pelo poder c ult ural i nvesti do. J á em cidades m ais nov as e m odernas, c om o Miami, a extr apol ação do c onsumo tor na a pr ópria pais agem um pr oduto 10. Ao se tr azer t ais per spectivas, não s e pode ignor ar a relaç ão entre a s transf ormações do espaço e sua identidade. Embor a a aut ora em questão trabal he c om gr andes ci dades do m undo, sua anál ise pont ua as pect os de gr ande rel evânci a par a pensar o que aqui analiso – o bairro Kobrasol. Por ex em plo, ao pont uar o caso das pes soas que têm que s e m udar por não ter em m ais condiç ões financ ei ras de s e manter no mesmo l ugar, remet e também a um pr oc ess o que podem os ver ac ontec er no bai rro em questão, 9 Segundo a autora, “uma paisagem urbana pós-moderna não apenas mapeia cultura e poder: mapeia também a oposição entre mercado – as forças econômicas que desvinculam as pessoas de instituições sociais estabelecidas – e lugar – as formas espaciais que as ancoram no mundo social, proporcionando a base para uma identidade estável” (ZUKIN, 2000, p. 83). 10 A exemplo da Disneyworld. C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 26 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) posto ser esse t am bém um d os r eflexos mais imedi atos do pr oc es so de enobr ecimento. As transf orm ações es paci ais podem s er mel hor compr eendidas s e rem et erm os ao c onceito de pais agem, definido por Zukin com o ( . . .) u m a or d e m e spa cia l im po st a ao am b ie nt e – co n st r uí d o o u na t u r a l. Por t a n t o , ela é s e m pr e so cia lm e n t e co n st r uí d a : é ed if i ca d a em t or n o de in st it u içõe s so cia is do m in a nt e s ( a igr e ja , o la t if ú n d io , a f á b r ica, a f r an q uia cor p o r at i va ) e o r de n ad a p e lo p od e r d e ssa s in st it u iç õe s ( Z UKI N, 2 00 0 , p . 81 ) . Pens ando a paisagem pós-m oder na, res ul tado de r elações econômic as e de poder, el a a define com o Um p r oce ss o so cia l de d iss o lu çã o e r ed if er e nc ia çã o e co m o u m a m e t áf o r a cult ur a l de ssa e xp e r iê nc ia . Co n se q u e n t em e n t e, o pr oce sso soc ia l d e con st r uçã o de u m a pa is a ge m p ós - m o de r n a de p en d e da f r ag m e nt açã o ec o nô m ica d as an t ig a s sol id ar ied ad e s ur ba na s e d e u m a r e in t eg r a çã o q u e é f or t e m e nt e m a t izad a p e la s no vas f or m a s de a pr op r ia ção cu lt ur a l ( ZUKI N, 20 0 0, p . 8 1 ) . Zukin (2000) aponta a identidade c om o um as pecto crítico na pais agem pós-m oderna, dado que o quadr o de m udanç as estrut ur ais caract erístico dess e tipo de transformação tor na o am bi ent e am bí guo. Em suas palavras, O esp aço i nc it a e im it a a am b ig u id a d e. Os sí t io s e spe cí f ic o s d a cid a d e m od e r na sã o t r an sf or m a d os e m e spa ços l im in a r es p ó sm o de r no s, q ue t a nt o f a lse ia m com o f a zem a m e dia çã o e n t r e na t u r e za e ar t e f a t o , uso pú b lico e va lo r pr iva d o, m e r cad o glob a l e lu ga r e spe cí f ico ( ZU KI N, 2 00 0, p. 82 ) . Sobr e os reflexos des sa tr ansformação nos suj eitos, aponta que “ o c om portam ent o apr endi do é s em pr e post o em quest ão quando a liminaridade cruza l ugares lucrativos com não lucrativ os, cas a com es paços de tr abalho, bairro (r esi dencial) com c entro (c om er cial) ” ( ZUK IN, 2000, p. 82) . C om base no que estamos disc utindo, convi do o leitor a v ol tar ao bairro Kobr as ol atrav és da análi se de algum as imagens. C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 27 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) I ma ge m 1 : pa rt e f i n al d a av e ni d a Ce nt ra l , p róx i ma à vi a Exp res s a. Fo nt e : a a ut o ra ( 20 1 3) . Ness a i magem, v em os alguns pr édios antigos, de quatro andar es – todos com al gum estabelecim ento c om er cial em seu pi so t érreo –, uma casa de c om érci o par a al ugar, três pr édi os c om m ais de dez andar es, sendo um ai nda em construç ão, um t erreno v azio ( à direita) e a avenid a, sem a pr esença do c alç adão, que oc upa apr oxi madament e metade do traj eto da via. Cham a a at enç ão justament e o l ocal des sa foto. Trata- se de part e da av enida C entral. Essa é uma das princi pais avenidas do bairro, que l he interc ept a l igando a av. Presi dent e Kennedy à vi a Expr essa. Como m ostra a imagem, se ant es a maiori a das c onstruç ões eram traços de um bairr o resi denci al de ar quitet ur a simples – s em elevador, port eiro ou m esmo garagem par a todos os apartam ent os – hoje o que se c onstat a são em pr eendimentos c ada v ez m ai ores, mais m oder nos e m ais altos, tom ando assim, também, o s c éus da cidade. Como c onsequência, a densidade populacional do bairro é c ada vez m ai or. A avenida C entral est á divi dida em uma parte com c alç adão (que vai do ac es so pela Presidente Kennedy at é apr oxim adam ent e a m etade da avenida) e a outra, da imagem. S endo o c alç adão um dos maior es t raços do enobr ecimento no Kobr asol, falem os sobre ele. O Cal çadão C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 28 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) Inaugur ado no ano 2000, o C alç adão do K obr as ol é um dos maiores ex em pl os do pr ocess o de enobreci ment o empreendido no bai rro, por m udar toda a dinâmica da avenida, diminuindo o fluxo de carr os e priorizando os pedestres. Se pensarmos as m udanças que ess e calçadão troux e ao bairro, v erem os que outr os desdobram ent os analíticos são p ossíveis. I mag em 2: p art e c e nt ra l d a Ave ni da . Ce n t ral , co m o ca l ç ad ão a o c e nt ro . Fo nt e : a a ut o ra ( 20 1 3) . Em term os pr áticos, o obj etivo do c al çadão (c entro da imagem 2) é dar pri oridade às pes soas em detriment o dos c ar ros. O que à prim eira vist a par ec e s er uma i niciati va a fim de traz er segur ança aos m or adores do bairro pode ac abar por r ev el ar um dos aspectos m ais evidentes do pr ocess o de enobr ecimento que est am os anali sando. Cham o m ais um a v ez a atenção para a diferenç a entre a part e da av enida com e s em calç adão, c om parando as imagens 1 e 2. Aponto aqui que as m edidas de “humaniz aç ão” da avenida Central são, na ver dade, aspectos de um proj eto de enobr ecim ento da r egião. Afinal, a estr utur a f aci lita o ac es so do pedestre ao c om ércio, incrementando a ec onomi a e valoriz ando o bairro, tant o par a os comer ciantes quanto par a os pr opri etári os de lugar es tidos c om o alto padr ão. Um exem plo di ss o é o Kobr as ol C enter, que aparece ness a f oto à di reita nas c or es em v erm elho e cr em e. C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 29 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) Um dos r es ultados des se enobr ecim ento é a const ante pr es ença da Polícia Militar, como aparec e na imagem 2, que m ostr a uma viatur a parada em pl eno Calçadão. A políci a, pres ença const ante no Calç adão ( princi palm ent e nos fi nai s de semana) é um indicativ o de quem dev e e quem não dev e ci rcular por ali 11. Tornando es s a via uma ár ea m onitor ada, os que usam os espaço s públi cos do bairro par a div ersos fins, inclusi ve m or adia, se v eem obrigados a s e desloc ar par a out ras ár eas. Refiro-m e es pecificam ent e aos m or adores de rua, us uários de dr ogas e àquel es que trabalham c om colet a de m at erial recicl áv el 12. Ess es s uj eitos for am vistos nas r uas em torno do Calç adão, c om o mostra a imagem 3 subs equent e, na avenida Adhem ar Silva. I mag e m 3: ho mem e m s i t ua ç ão de ru a d ormi nd o n a en t rad a de uma c as a n ot u rna d o b a i rro. F o nt e : a aut ora ( 2 0 13 ) . Concluindo, ou “eu saí da cad ei a, minh a familha não me quer, to co m fome (sic) ” A frase acima estava tosc am ente escrita numa placa de m adeir a encontrada na ligação ent re a av. President e Kennedy e a Beira-M ar de S ão J osé. Es sa pl aca, as sim c om o os c obert ores e peças de r oupa que são facilment e enc ontrados pelo bairro, princi pal ment e em s ua part e não enobr eci da, é sinal da pr esenç a dest es sujeitos que, mesm o à r evelia do s 11 Embora existam diversas denúncias de moradores quanto aos comerciantes que possuem estabelecimentos noturnos no bairro, a presença da polícia é de comum acordo entre estes. 12 O bairro Kobrasol está próximo de outros três bairros carentes – Chico Mendes, Monte Cristo, localizados em Florianópolis, e Barreiros, em São José. Por se tratar de um bairro central, o Kobrasol acaba por concentrar grande quantidade de sujeitos em situação de rua e pedintes. C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 30 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) pr oprietários e c om er ciant es da regi ão, us am os es paços do bai rro de di fer entes form as, deix ando pel as ruas evi dênci as de s ua pr es enç a ( e existência) a olhos at ent os – ou “estranhador es ” – r em et endo ao j á citado Gilberto Velho. O process o de enobr ecim ento é agressiv o, car act eriz ado por transf ormações r adicais, que no Kobr asol se tor nam visív eis , s obret udo, na ar quitetur a e economia. Esse liminaridade 13, quebr ando assim pr oces so vínc ulos tem entre tam bém os outra antigos mar ca: a m or ador es, ac ost um ados com um bairro de perfil residencial, e os nov os us uários des se. Para finaliz ar, tomo como ins piração o texto “A guerr a dos lugar es ”, de Antôni o Ar antes ( 2000), par a afirmar que o enobr ecimento visível nos espaços ur banos é, na verdade, a transform aç ão destes em es paços de guerra, de excl us ão soci al, ex pulsando de áreas de uso c om um os indesej ados, social, ec onômic a e esteticam ente. Atrav és de mecanismos aparent ement e sutis, c om o um c alç adão, pr om ov endo a exclus ão de al guns segm entos do bairro. O m ais mar cant e do process o de enobr eciment o trabalhado ness e es paço é a s ua capacidade de m odificar radicalm ente os lugares a el e s ubm et idos, m ex endo com a arquitet ura, o com ércio, o público ( atraí do e ex pulso dess es lugar es ao sabor dos i nter es ses), o fl ux o de pess oas e mer c adorias e s eus horários de circul aç ão. C ham o a at enção par a o Plano Diretor do Municí pi o, c oncluí do em 2004 e até agor a não vot ado pela C âmar a 14 e, no m eio diss o, o aum ento do limite de andar es par a as c onstr uç ões no bairro, que pas sou par a dez enov e andares. Ao se propor a “m apear z onas de turbul ênci a”, Arant es apr es ent a um a São P aulo em “guerra”, uma guerra quase de c ada um contr a o outr o. Guerr a c ontra quem as salta, por não ter condições de s obr eviver, e c ontra quem é assaltado. Guerr a contra quem dorm e nas r uas, por não ter casa – ou por ter fugi do dela ( em guerra com a famíl ia, port anto) e também c ontra quem tem 13 Termo que surge na antropologia a partir dos estudos de performance e rituais, principalmente com Van Gennep e Victor Turner, e remete à situação (geralmente ritual) de se estar entre dois estados diferentes de existência. 14 Conforme o blog “Urbanidades, “O Plano Diretor de São José foi elaborado entre os anos de 2003 e 2004, através de uma parceria entre a Prefeitura Municipal e a Universidade Federal de Santa Catarina. Após dois anos de um processo amplamente participativo, o plano foi entregue à Câmara de Vereadores para votação. Até o momento, entretanto, o plano ainda não foi aprovado”. C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 31 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) onde mor ar, m as paga – cada v ez m ais car o – par a viv er. Ess a guerr a bancada pelo Estado, ao não prov er nem permitir, deix a ao alc ance das vistas – e dos pobr es – apenas um a políci a que t eatr aliza par a o abast ado um a s egur anç a que, par a o ex cluí do, s e manifesta em agr ess ão e m aus -trat os. Por fi m, es sa guerr a é silencios a, s alv o o barulho dos bate - est acas e das dem ol ições sucessivas de antigas edificaç ões, transform ando assim a ar quitetur a e env olv endo c om er ciant es, morador es e fr eqüent ador es do bairr o num em bat e que, em bor a não declar ado, é expl ícito. É uma guerra não contr a a pobreza, tendo c om o pr ess uposto o bem- estar que a palavr a humanizar nos traz, mas contr a os pobr es, contr a aqueles que a pobr eza atinge. I ma ge m 4 : pl ac a en co nt ra d a n a rua c om o s di ze r e s “eu s aí da ca d ei a , mi nh a f ami l ha nã o me qu er, t o c om f ome ”. F on t e : a au t ora ( 2 01 3 ) C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 32 UM PASSEIO PELO BAIRRO: ANÁLISE DE TRANSFORMAÇÕES E USOS DO ESPAÇO PÚBLICO NO BAIRRO KOBRASOL(SÃO JOSÉ -SC) Refer ências Bibliográficas ARANTE S, A. Antônio. A guerra dos lugares. Mapeando z onas de tur bulência. In: Paisagen s paulistanas. Transformações do esp aço públi co . Cam pinas: Unic am p, 2000. CAMPOS, Vaness a. Fundador es do K obr asol c ont am como criar am um do s bairros m ais pulsant es de São José. Diário Catarin ense Online. Florianópolis, 2 de nov em bro de 2012. Disponív el em <ht tp://tinyurl.com/pr x owy3>. Ac es so em 10 Jul. 2013. GT-CADAST RO/FEESC/UFS C. Leitu ra da cidade d e São Jo sé, SC (tendência s e potenciais). Florianópol is, 2004, 337 p, m apas (92) - Projeto de Revis ão do Plano Diretor de São José – SC. MAGNANI, J. G. De P erto e de dentro: notas par a um a etnogr afi a ur bana. Revist a Brasil eira de Ciênci as Sociais – RBCS, v. 17 n. 49. jun 2002. Disponível em: www.scielo. br/pdf /rbcs oc/v17n49/ a02v1749.pdf Acess o em: 10 jul. 2013 REBEQUI, Aline. Com o s ur giu a vida notur na de Coqueiros e Kobr as ol. Notícias, Diário Catarinense Online, Flori anópolis, 5 abr. 2013. Disponível em htt p://tinyurl.com/oof lnk h. Aces so em: 10 jul . 2013. SIMMEL, Geor g. As gr andes cidades e a vida do es pírito. In Mana: estudos de Antropol ogi a S oci al, v. 11, n. 2, 2005. Disponível em: www.sciel o.br/ scielo. php?s cri pt=sci _arttext& pi d=S010493132005000200010& lng=pt&nrm=iso. Ac es so em: 10 jul. 2013. VELHO, Gilberto. “O bs er v ando o F amil iar” I n: Individualismo e Cultura. No tas para um a Antropo logia da Sociedad e Contempo rânea. Ri o de J aneiro: Zahar, 1999. ZUKIN, Sharon. Pai sagens ur banas pós-moder nas: mapeando cultur a e poder. In: O espaço d a difer ença. Campinas, SP: Papirus, 2000. C adernos NA UI V ol. 2, n. 3, jul -dez 2013 33