marrakech - monmarocguide

Transcrição

marrakech - monmarocguide
marrakech
Talaa 12
texto e fotos de ©Maria João Pavão Serra
O carregador pára junto
a uma bonita porta de madeira
maciça trabalhada com um
enorme número 12 em latão
A minha ida para o Talaa 12
começou logo com um contraste, tão típico em Marrakech,
entre a paz e o caos, o luxo dos riads e o genuíno da medina,
o silêncio e o ruído, a desordem e o requinte. Foi assim que,
deixando o hotel Amanjena, na Palmeraie, num fantástico jipe
de estofos de cabedal beije imaculado, me vejo à espera do
transfer para o riad Talaa 12, numa das entradas da Medina,
e do inevitável efervescente burburinho de gente, motoretas,
bicicletas, carroças, burros... enfim, tudo o que faz parte do
encanto das medinas árabes.
Dentro do jipe, com o ar condicionado ligado, olho em redor, esperando ver chegar a pessoa que ficou de vir ao nosso encontro. Como
assídua e fã dos riads de Marrakech, sei que um dos homens que indolentemente se encontra ao lado das carroças de mão, velhas e
ferrugentas, os “bells-boys” da medina como lhes chamo, será o nosso carregador das bagagens medina adentro. O confortável jipe
não consegue ir mais além. O eficaz motorista do Amanjena ligava do telemóvel para o riad, achando inadmissível não estarem já ali
Nos bhous, salões que se abrem para os pátios, nichos
suavemente iluminados por candeeiros de vitrais coloridos
misturam-se com almofadas coloridas, pufes, sofás
e tecidos tradicionais das noivas marroquinas
à nossa espera. Deixo-me ficar, recostada, indolentemente, como os homens lá fora. Sei que alguém chegará, mais tarde ou mais cedo.
Estou em Marrakech, a noção do tempo é outra, e o stress é para ser deixado antes de se chegar… pelo menos na medina!
Finalmente chega alguém. Chama-se Mohamed. A transferência das malas é feita do imaculado porta bagagens para o ferrugento
carro de mão. Lá saímos do jipe e, a pé, ao lado da carroça e de Mohamed, embrenhámo-nos pela medina. Passámos pelo restaurante Fondouk, um dos mais “in” de Marrakech. Rachid, um dos empregados estava à porta. Falou-nos com um sorriso de
orelha a orelha ao ver-nos passar. Tal como vamos conhecendo as pessoas que por aqui vivem ou trabalham, a medina deixa de
ser tão labiríntica ou, melhor, o emaranhado de ruelas continua a existir, os caminhos deixam é de ser tão misteriosos e desconhecidos. Vamos ganhando pontos de referência e, depois, é como nos jogos, seguimos os sinais até atingir a meta.
O carregador pára junto a uma bonita porta de madeira maciça
trabalhada com um enorme número 12 em latão. Entrámos e,
após a penumbra do hall, a luz aparece em todo o esplendor
iluminando o pátio. Silêncio, tranquilidade, um suave murmurar de água vinda da fonte de mármore, e verde, muito verde
das árvores que ali florescem. Uma palmeira, três laranjeiras,
uma bananeira e uma tangerineira, são testemunhos do passado deste riad, misturando os seus perfumes com os pés de
jasmin e oliveiras plantados pelos novos proprietários. Entre as
folhagens, reparo que, no primeiro andar do riad, se encontram
dois belíssimos moucharabiehs, de um tom cinzento mástique,
a condizer com as portas dos quartos e salões.
Alguém aparece logo com um tabuleiro com sumo de laranja fresco
e a deliciosa patisserie marroquina. É Rizlane, que nos convida a
sentar numa das salas que dá para o pátio. A voz doce e quente de
Natacha Atlas inunda suavemente o ar de forma inebriante.
O riad pertence a um casal belga, Marianne Lacroix e Philip­pe
Taburiaux. Marianne, antiga professora da Académie des BeauxArts de Bruxelas, e Philippe, industrial, apaixonaram-se por
Marrakech e, este riad, propriedade de uma família de notáveis
marrakchis, impôs-se como uma evidência na imaginação criativa dos novos proprietários. Juntos, imaginaram, conceberam,
Grandes panos de tela branca,
suspensos do terraço com a
nobre missão de nos proteger
de um sol demasiado forte,
dançam ao sabor da brisa,
como o balanço ondulante
de uma dançarina oriental,
dando ao lugar um ar ainda
mais misterioso e sensual
desenharam, escolheram, supervisionaram, e fizeram
nascer este pedaço de paraíso, oásis de calma no bulício da medina. Antes de subirmos, para o nosso quarto,
Rizlane mostra-nos o riad.
Nos bhous – salões abertos – que se encontram neste
e noutro pátio, vemos nichos suavemente iluminados
por candeeiros de vidros que se misturam com almofadas
coloridas, pufes, sofás e tecidos tradicionais das noivas
marroquinas, que Marianne transformou em telas.
No grande salão, uma lareira revestida a tadellakt de
tom tabaco, recantos com sofás, uma mesa de casa de
jantar, cadeiras vermelhas, lanternas de chão enormes
e fotograf ias nas paredes compõem o espaço, onde
apetece f icar numa noite de Inverno marroquino.
Ainda no piso térreo, num dos cantos do riad, encontra-se um Hammam tradicional.
Subimos até à imensa açoteia. O seu acesso é feito por
várias escadas estreitas desde vários locais do riad. Para
trás fica a galeria superior ou o primeiro andar, ocupada por quartos: um deles, diz Rhizlane, será o meu.
Frente a frente, dois deles com portas altas e janelas que
se abrem para uma varanda estreita – que por aqui se
chama de galeria. Através dos arcos, cortinas esvoaçam
docemente. Do outro lado, mais misteriosos e recolhidos, os dois moucharabiehs dão a estes quartos uma
aura de Palácio do Vento berbere.
O terraço, em vários níveis, estende-se sobre o pátio e
o interior da casa, abrindo-se depois sob o céu e telha-
dos de Marrakech. Num recanto, vê-se uma tenda sahariana
acolhedora para proteger do sol escaldante do dia e das noites
frias, ou também para começar a manhã de uma forma relaxante. Imagino-me já no dia seguinte, aqui sentada, deliciando-me com um pequeno-almoço marroquino. O amplo
terraço oferece uma vista de 360 graus sobre a medina. Gosto
de olhar para os terraços de Marrakech e pensar, talvez poeticamente, no tempo em que esses terraços eram domínio total
das mulheres, lugar proibido ao olhar masculino. De um terraço, ou de um bhou escondido, chega o doce som de um chá
de menta a ser vertido nos pequenos copos coloridos.
Desço então para conhecer o meu quarto que fica numa das galerias. Grandes panos de tela branca suspensos do terraço, com a
nobre missão de nos proteger de um sol demasiado forte, dançam
ao sabor da brisa, como o balanço ondulante de uma dançarina
oriental, dando ao lugar um ar ainda mais misterioso e sensual.
Uma porta imensa em madeira pintada, de linhas direitas e
esguias com dois batentes de ferro, abre-se para um quarto comprido. De um dos lados, uma cama onde o tecido fino de uma
tenda sahariana ornamenta a parede, fazendo a vez de dossel.
Os tons são quentes, amarelos e ocres, como se no deserto me
encontrasse. O quarto prolonga-se para um espaço transformado
numa agradável área de estar. A tradição marroquina é revisitada,
valorizada, misturada, com texturas de linho, tadellakt, poufs de
couro, almofadas de seda, lanternas trabalhadas e objectos de
madeira. Ao fundo, a casa-de-banho, com um duche com chão
em cimento afagado e paredes de tadellakt creme. Única concessão à linearidade deste estilo monastical marroquino, as torneiras de Philippe Starck e um armário tradicional em madeira
pintada, lembrando vagamente o nosso mobiliário alentejano.
Sei que o riad está completo, mas o sossego é total. Tem 8
quartos rodeando uma série de pátios interligados e voluptuosamente conjugados, interrompidos aqui e ali por pequenas
fontes, degraus, açoteias, recantos e nichos decorados com lanternas ou velas imensas. As janelas abrem-se para o interior,
serenamente. Na fonte de mármore, lá em baixo, a água murmura, de uma forma tranquilizante, quase hipnótica.
Antes de sairmos para uma tarde na medina, avisamos que jantaremos esta noite no riad. É preciso fazê-lo, pois só trabalham com
produtos frescos, comprados no próprio dia. Escolho uma Tagine
de Poulet au Citron e marco o Hammam para o final da tarde.
Ao sair da porta de madeira, deixamos para trás a serenidade do
lugar e misturamo-nos no burburinho da medina. Vamos vaga-
bundeando pelas ruelas e vielas estreitas. Cumprimentam-nos, chamam-nos, algumas pessoas são
já caras conhecidas, outras, na intenção de arranjar negócio, outras ainda pelo eterno galanteio
marroquino. E, para nós, é impossível ficarmonos apenas no “pour le plaisir des yeux”… vamos
parando, regateando... e comprando, claro.
Entardecia já quando voltámos ao riad. Risadas
e tagarelice feminina vinham da cozinha. É para
lá que me dirijo, deparando-me com uma alegre
confratenização dos empregados. Mouna, Mohamed, Rizlane, Redouane, Bouchra, Raja e Lamia.
Estão lá todos! Entro para a cozinha, como se
fosse minha, e entertenho-me a falar com eles
enquanto preparam os acepipes para o jantar.
Bouchra, sentada, enrolava pacientemente massa
folhada dos briks. Vou enriquecendo o meu
árabe, que anoto num cadernito. Riem-se e chamam-me de Helua, a berbere. Chega Amina, a
mulher do Hammam, uma profissão que se ensina
e vai passando de mãe para filha. Amina vem
apenas quando solicitada pelo riad. O hammam é
pequeno, próprio de uma casa da medina.
Ghassoul, savon noire, vapores… sinto o corpo purificado através deste ritual milenar e realizado pelas
mãos enérgicas e mágicas de Amina. Quase uma
hora depois saio com a pele incrivelmente macia e
num estado de bem estar rejuvenescedor. A algaraviada da cozinha tinha parado. Ouve-se apenas
o murmurar da água da fonte e os passos de um
ou outro empregado. Enquanto subo para o quarto,
cruzo-me com um casal português, do Porto, marinheiros de primeira viagem em Marrakech. Saíam
para jantar na medina. Trocámos algumas palavras.
Sobre Marrakech, citaram Fernando Pessoa, “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”… é sem
dúvida uma cidade única! – concluíram encantados.
Seguiram para jantar no Foundouk, e nós ficámonos pelo pátio do riad, numa mesa iluminada à luz
das velas e do luar que enche a noite.
12 talaa ben youssef, Marrakech
www.talaa12.com

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