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O TRAJE E A APARÊNCIA NOS AUTOS DE GIL VICENTE Reitor Pe. Jesus Hortal Sánchez, S.J. Vice-Reitor Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J. Vice-Reitor para Assuntos Acadêmicos Prof. José Ricardo Bergmann Vice-Reitor para Assuntos Administrativos Prof. Luiz Carlos Scavarda do Carmo Vice-Reitor para Assuntos Comunitários Prof. Augusto Luiz Duarte Lopes Sampaio Vice-Reitor para Assuntos de Desenvolvimento Pe. Francisco Ivern Simó, S.J. Decanos Profª Maria Clara Lucchetti Bingemer (CTCH) Profª Luiz Roberto A. Cunha (CCS) Prof. Reinaldo Calixto de Campos (CTC) Prof. Francisco de Paula Amarante Neto (CCBM) O TRAJE E A APARÊNCIA NOS AUTOS DE GIL VICENTE ENEIDA BOMFIM © Editora PUC-Rio Rua Marquês de S. Vicente, 225 – Projeto Comunicar Praça Alceu Amoroso Lima, casa Editora Gávea – Rio de Janeiro – RJ – CEP 22451-900 Telefax: (21)3527-1838/3527-1760 Home-page: www.puc-rio.br/editorapucrio E-mail: [email protected] Conselho Editorial Augusto Sampaio, Cesar Romero Jacob, José Ricardo Bergmann, Fernando Sá, Luiz Roberto A. Cunha, Maria Clara Bingemer, Miguel Pereira e Reinaldo Calixto de Campos. Capa e Projeto Gráfico José Antonio de Oliveira Ilustração da capa Estátua de Gil Vicente, no frontão do Teatro de D. Maria (Vicente, Gil. Obras completas. Lisboa: Sá da Costa, 1968.) Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. ISBN: 978-85-87926-32-6 ©Editora PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2008. Bomfim, Eneida O traje e a aparência nos autos de Gil Vicente / Eneida Bomfim. – Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2008. 232 p. (Coleção Teologia e Ciências Humanas ; 10) Apoio: Instituto Camões. Inclui bibliografia. 1. Vicente, Gil, ca. 1470 - ca. 1536 - Crítica textual. 2. Trajes - Portugal - História. II. Série. III. Título CDD: 869.231 Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses Este livro é fruto de pesquisa desenvolvida na Cátedra Padre António Vieira Para Bomfim, Maria Luisa, Cristina, Inês. Patrícia, Anna, Cecília, Pedro, Leonardo e Luisa, com muito amor SUMÁRIO NOTA EXPLICATIVA .................................................................... 11 PARTE I ......................................................................................... 15 1. COMO SE VESTIAM OS PORTUGUESES ATÉ O INÍCIO DO SÉCULO XVI: AS PISTAS QUE OS AUTOS REVELAM ................ 17 2. O HÁBITO FAZ O MONGE... OU NÃO .................................. 40 PARTE II ........................................................................................ 51 1. VESTES EM GERAL .................................................................. 53 2. O TOUCADO ............................................................................ 85 3. O CALÇADO ........................................................................... 104 4. ADORNOS, JÓIAS E SUA CONFECÇÃO ................................ 112 5. VESTES E INSÍGNIAS RELIGIOSAS ....................................... 140 6. ARMAS .................................................................................... 151 7. CONFECÇÃO DO VESTUÁRIO .............................................. 159 8. ACESSÓRIOS .......................................................................... 178 9. MÃO-DE-OBRA ...................................................................... 186 10. TERMOS GERAIS ................................................................. 211 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 225 BIBLIOGRAFIA ............................................................................ 227 ÍNDICE DOS VOCÁBULOS E EXPRESSÕES .............................. 230 NOTA EXPLICATIVA Os termos relativos ao vestuário nos autos de Gil Vicente fornecem informações importantes para saber-se como se vestiam seus contemporâneos. Embora relevante, essa possibilidade não esgota outras para as quais a análise dos dados aponta, como, por exemplo, o conhecimento do contexto social da época e a função que os termos têm no conjunto dos autos, como instrumento a serviço da crítica de costumes, revelador da posição daquele que “fazia os autos a el-rei” em face da cultura do seu tempo. Foram considerados como referentes ao vestuário os nomes das vestes e suas partes, tecidos e material de confecção, adornos, profissionais e seus respectivos ofícios, verbos designativos das várias fases e modalidades de execução de materiais e de roupas e, também, termos relativos à aparência em geral. O estudo divide-se em duas partes. Na primeira, fazse uma análise em bloco de todos os vocábulos, com o intuito de: 1. caracterizar o modo de vestir quinhentista, estabelecendo, sobretudo, pontos de contacto com a Idade Média e 2. detectar o relacionamento entre o traje e os grupos sociais da época. Na segunda parte, listaremos os vocábulos, informando e precisando seu significado, com especial atenção às mudanças e matizes semânticos. O conjunto é constituído de cerca de cento e oitenta termos diferentes, com várias ocorrências de cada um. Muitos já não se usam. Dos que persistem na língua, alguns estão relacionados a outros referentes. É o caso, por exemplo, de “calças”, na época semelhantes às atuais meias compridas femininas. Eram ajustadas às pernas, cosidas uma à outra na altura dos quadris ou separadas. Prendiam-se à cintura com cordões ou alfinetes ou, quando terminavam abaixo do joelho, por ligas. Com isso, julgamos estar colaborando com os interessados no esclarecimento do 11 sentido dos vocábulos do campo semântico do vestuário e fornecendo, também, indicadores para o valor dado à aparência pela sociedade portuguesa do início dos quinhentos. Em outro trabalho, em fase de revisão, trataremos da função do vestuário na crítica vicentina. Não se pode negar, como demonstrou Révah1, a intervenção do filho e editor Luís Vicente nos textos dos autos, modernizando ou alterando formas, substituindo versos, mutilando estrofes e destruindo a regularidade dos seus esquemas, quando não mudando datas e indicações históricas. Embora o levantamento dessas divergências seja importante para uma edição crítica, reitero que não interferem no âmbito do nosso trabalho. Por motivos operacionais, o texto básico de que nos servimos foi o da edição de Maria Leonor Carvalhão Buescu2, endossando suas palavras: (...) esta leitura visa permitir um acesso imediato mesmo àqueles que, inadvertidos, em relação aos problemas de um texto quinhentista (especialmente deste texto quinhentista, cujos enigmas de transmissão e de fixação estão ainda em grande parte por resolver), certamente encontrarão na obra de Gil Vicente motivos do prazer de ler e do prazer de refletir. 1 Révah, I. S. Recherches sur les oeuvres de Gil Vicente. Lisboa: 1951, tomos I e II. Edição sbvencionada pelo INSTITUTO PARA A ALTA CULTURA e publicada sob o patrocínio do INSTITUTO FRANCÊS EM PORTUGAL. 2 Vicente, Gil. Compilçam de todalas obras. Introdução e normatização do texto de Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Casa da Moeda, 1983, 2 vols. 12 Os critérios de transcrição de Buescu não interferem no tipo de trabalho que ora se inicia e, pelo contrário, permitem ao leitor do século XXI, pouco familiarizado com a variação ortográfica do século XVI e não preocupado com aspectos de ordem lingüística, um acesso mais fácil ao texto vicentino. Todos os exemplos foram conferidos e localizados, também, nos seis volumes da edição da Livraria Sá da Costa3 , com prefácio e notas do prof. Marques Braga. Algumas observações são pertinentes, sobretudo com relação à segunda parte. Os verbetes aparecem em ordem alfabética, obedecendo aos seguintes critérios: a) a entrada será feita pela ortografia da edição de Buescu; b) quando houver forma portuguesa e espanhola, aquela virá em primeiro lugar, seguida desta com a indicação abreviada “esp.”, entre parênteses; e c) será respeitada, na transcrição, a ortografia da edição de Leonor Buescu. A localização dos exemplos será dada pelo título do auto, em negrito, seguido da abreviatura COMP. (Compilação), do número do volume em algarismos romanos e do número da página, em algarismos arábicos. A seguir, separados por /, virão as indicações da edição da Sá da Costa: GV (Gil Vicente), o número do volume em romanos e os da página e linha, em arábicos. Na indicação do título dos autos, destacados em negrito, omitimos deliberadamente as designações “farsa” e “tragicomédia” e conservamos “auto” e “comédia”, além de “diálogo” no “Diálogo sobre a Ressurreição”. As transcrições são geralmente curtas, apenas para registrar a ocorrência. Em alguns casos, julgamos prudente transcrever trechos mais longos que poderão dar melhor idéia do contexto em que aparece o 3 Vicente, Gil. Obras Completas, com prefácio e notas do Prof. Marques Braga. 3ª edição. Lisboa: Sá da Costa, 1968, 6 vols. 13 termo. Cada verbete vem acompanhado de uma pequena explicação, necessária ao seu entendimento e à sua contextualização. Optamos por indicar com letra de corpo menor os trechos transcritos ou citados, também quando ocorrem no interior da frase. Algumas localizações são dadas em notas de pé de página. Com o intuito de facilitar a organização do estudo, distribuímos, na segunda parte, os vocábulos em dez grupos: VESTES EM GERAL, O TOUCADO, O CALÇADO, ADORNOS E ENFEITES, VESTES E INSÍGNIAS RELIGIOSAS, ARMAS, CONFECÇÃO DO VESTUÁRIO, MÃO-DE-OBRA, ACESSÓRIOS e TERMOS GERAIS. Esperamos poder mostrar a riqueza deste material nos autos de Gil Vicente. 14 PARTE I Na página anterior, frontispício da edição quinhentista do Auto de Inês Pereira, de Gil Vicente (Biblioteca Nacional de Madrid). Então os olhos dos dois se abriram; e, vendo que estavam nus, teceram para si tangas com folhas de figueira.. Gênesis 3, 7 E o Senhor Deus fez para Adão e sua mulher túnicas de pele e os vestiu. Gênesis, 3, 21 E por que vos preocupais com as veste? Observai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam. Mas eu vos digo que nem Salomão com toda a sua glória se vestiu como um deles. Mateus, 9, 28-29 1. COMO SE VESTIAM OS PORTUGUESES ATÉ O INÍCIO DO SÉCULO XVI: AS PISTAS QUE OS AUTOS REVELAM Nos autos, Gil Vicente não descreve nem faz alusão a um traje completo, seja de homem seja de mulher. Os Fidalgos do Príncipe (Nau de Amores) tiram a capa e ficam em gibões e calções, mas não se fala nas calças, indispensáveis para cobrir as pernas, nem em sapatos. Na descrição da figura grotesca de Frei Paço (Romagem dos Agravados), tem-se, de um lado, hábito e capelo, próprios da vestimenta religiosa e, de outro, gorra de veludo, luvas e espada dourada, próprias de cortesão. Já o travesso e conquistador Doutor Justiça Maior do Reino (Floresta de Enganos) entrega à moça, que o quer desmascarar, loba, luvas, sombreiro, beca de veludo, depois de deixar de fora a vara que, segundo ele, (...) es vara de condón, / que me da gruessa hazienda; / y aunque ella poco me rienda, / dame mucha ocasión1. A beca e a loba são vestes talares, valo1 COMP. I, 491 / GV. III, 194, 3-6. 17 rizadas no texto pelo material de confecção (veludo e contray frisado). As luvas e o sombreiro são complementos de uso de homens do mundo. O Diabo veste a Alma com um brial, calça-a com chapins de Valença e oferece-lhe como enfeites colar de ouro esmaltado, dez anéis (um para cada dedo) e pendentes (brincos). Não se diz o que vestia debaixo do brial (Auto da Alma). As comadres Branca Anes e Marta Dias, que apenas querem ver a feira, perguntam por anéis de latão (material ordinário), sombreiros de palma bons para segar, burel pardo de lã meirinha, sapatos, enfim, artigos, coisas simples, condizentes com sua condição de mulheres do povo. Antes, Marta perguntara a Ana se o marido lhe dera a fraldilha roxa (avental vermelho). Outra é a situação em que se encontram os pastores Brisco e Juan Guijarro (Triunfo do Inverno), este último, desagasalhado, “en faldetas” (em camisa)2. Observe-se o diálogo. BRISCO JUAN No tienes tú otro hato, Çamarrón o çamarrilla? Ni capote, ni capilla, ni tengo más de un çapato. Yo saqué en Santintín este sayo en hora mala, solo para la zagala verme y pagarse de mi. Y comprelle una sortija, y una saya verde escurra: ...................................... y agora ándome ansí sin çamarro, sin çurrón perdido, manguispanado: 2 A expressão “en faldetas” equivale a “em camisa”, isto é, sem ter o que vestir. 18 el diablo llevó el cayado, y su madre el mi çurrón. COMP. II, 258-9 / GV. IV, 281-2 Juan lastima ter desperdiçado dinheiro com coisas não prioritárias: um saio para impressionar uma pastora e uma sortija (anel) e uma saia para presenteá-la. Com isso, não pôde comprar abrigo para precaver-se contra a chegada do inverno. Estas rápidas pinceladas, tiradas de trechos dos autos em que se fala de roupas, são bastante reveladoras, não só do que diz respeito à personalidade das personagens, mas também de sua situação social. Não se encontram nos autos relações de trajes completos, mas peças de um quebra-cabeça que, devidamente encaixadas, vão fornecer elementos para o conhecimento de como se vestiam os contemporâneos de Gil Vicente. A descrição dos termos e a pesquisa sobre sua história e significação serão o fio condutor para reconstituir-se o quadro do vestuário no início do século XVI, em Portugal, bem como suas raízes medievais. Até o século XIV, a indumentária exterior para homens e mulheres, na Península Ibérica, compunha-se de saia, pelote e manto, superpostos nesta ordem. Estas três peças podem ser facilmente reconhecidas em um selo com a efígie do Rei Sábio, do acervo do Arquivo Histórico Nacional da Espanha. O “pelote” era veste exterior, ajustada, de comprimento variável, muito usada em toda a Idade Média. De meados do século XV até o fim do XVI era muito curto e não passava da metade do quadril. 19 Observa Guerrero Lovillo3 sobre o pelote que Junto a la saya, los textos castellanos citan con mucha insistencia una pieza que, a juzgar por la misma frecuencia de su cita y siempre associada a aquélla, podíamos llamarla su complemento. Os pelotes não serviam de abrigo e eram dispensados aos peões. Podiam ser enfeitados com peles, ter ou não mangas, mas o mais comum era apresentarem aberturas laterais como grandes cavas que deixavam ver a saia, uma espécie de túnica usada por ambos os sexos, logo depois da camisa, esta a peça que entrava em contacto direto com a pele. Não há referência a pelotes femininos nos autos. As ocorrências dizem respeito a homens do povo, com exceção de um trecho do Auto da Feira, aliás suprimido pela censura na edição de 1586. Às vezes vendo virotes, e trago d’Andaluzia naipes com que os sacerdotes arreneguem cada dia, e joguem até os pelotes. Auto da Feira, COMP. I, 154 / GV. I, 210, 8-12 As saias femininas chegavam até os pés e eram semelhantes a vestidos, inteiriços, ajustados à cintura por cintos ou cordões. Em meados do século XIV, passaram a dividirse em duas partes emendadas, um corpete ajustado a que era costurada a parte inferior, franzida, podendo ser cada uma de cor diferente. Este novo feitio dispensava cintos e 3 Lovillo, José Guerrero. Las Cantigas. Madrid: Instituto Diego Velásquez, 1949, p. 55. 20 cordões. O comprimento das saias para os homens variava do joelho ao meio da coxa, conforme a moda. Com isso, tornou-se necessário cobrir as pernas com “calças” que eram semelhantes às meias compridas femininas de hoje. Nos autos não aparecem saias masculinas. O termo “saio” designa outra peça de vestuário, curta até o meio das ancas, muito usada por camponeses. Embora fosse veste para ambos os sexos, em Gil Vicente é masculina, com exceção da forma de diminutivo “sainho”, que é o que veste uma criada nas Cortes de Júpiter. Ainda no século XIV, aparece o gibão ou jubão, também denominado porponto. De certa forma, pode-se dizer que equivalia à camisa social de nossos dias. Era confeccionado de seda, veludo, brocado e tecidos de fantasia, em cores fortes. Podia ser usado no calor sem outra peça de roupa por cima, o mesmo acontecendo em situações solenes. Neste caso, o gibão era ainda mais requintado, em tecidos finos e com lavores preciosos. A frente e as costas eram inteiriços com enchimento no peito, concentrado no meio, por dentro do forro. Para conseguir-se esse efeito, era preciso que a parte da frente fosse muito mais comprida do que a das costas e maior que a do forro. Os golpeados, muito em voga no passado, na época, restringiam-se às mangas. Com o tempo, as golas foram subindo e conservando-se erguidas, deixando ver a extremidade superior da camisa que passou a ter um babado em volta do pescoço. Babados também foram acrescentados nos punhos. Em meados do século XVI, o gibão deixou de ter mangas. As que apareciam, de cor diferente, e em geral, enfeitadas, eram de uma jaqueta curta, usada por debaixo. São poucas as ocorrências de “gibão” nos autos. Salvo engano, não passam de três. Em uma delas, tem-se no- 21 meado o conjunto do traje dos fidalgos do Príncipe da Normandia que calafetam a Nau d’Amores: Foi posta no serão, onde se esta obra representou, ~ ua Nau da grandura de um batel, aparelhada de todo o necessário pera navegar, e os Fidalgos do Príncipe tiraram suas capas e ficaram em calções e gibões de brocado, como carafates: os quais começam a carafetar a Nau com escoparos e maçanetas douradas que para isso levavam ao som desta cantiga: Nau de Amores, COMP. II, 121 / GV. IV, 70 No Cancioneiro Geral, faz-se alusão ao tecido e às características que deve ter o gibão. O Coudel-Mor Fernão da Silveira dirige-se ao sobrinho Garcia de Melo de Serpa, dando-lhe regras de bem vestir e portar-se na corte: O gybam de qualquer pano na barriga bem folgado, dos peytos tam agastado, que seu dono trag’oufano4. Às vezes, a peça é pretexto para zombarias. Nuno Pereira endereça trovas a uma senhora que se casou quando ainda ele a servia e se vinga com referências desairosas ao marido, no que é ajudado por Francisco da Silveira. Entre outros motivos de mofa, Silveira, para ridicularizar a “vítima”, concentra-se no seu vestuário. Depois de falar de “barrete pardo frisado”, “borzeguys marroquis roxos”, “sapatos pretos”, acrescenta: 4 Resende, Garcia de. Cancioneiro Geral. Texto estabelecido, prefaciado e anotado por Álvaro da Costa Pimpão e Aida Fernanda Dias. Coimbra: Centro de Estudos Românicos, 1973, p. 71. 22 Tragua mais gibã d’irlanda, na moor força do Veraão, com meas mangas d’olanda, por lh’a calma ser mais branda5. No século XV, quando a influência na moda vem da França, nota-se a tendência de ajustar as roupas, o que podia incomodar e gerar desconforto em determinadas situações, do mesmo modo que o comprimento. D. Duarte, no capítulo XVIII do Livro da Ensinança de Bem Cavalgar toda Sela6, atenta para a ajuda ou dificuldade que a vestimenta pode trazer ao cavaleiro. Com referência ao gibão, recomenda que seja de tal forma que não aperte nem prenda, nem pese, e que não seja tão largo que o corpo ande solto. Importante, ainda, é o comprimento da fralda (parte da camisa ou da saia que vai da cintura para baixo), aliado ao feitio do gibão, que podia ser aberto dos lados ou tão justo que não a deixasse passar. São feitas, também, recomendações sobre as mangas, que não devem ser grandes, e sobre as roupas, leves o suficiente para não atrapalhar. Já em meados do século, a influência italiana na moda peninsular trouxe mais conforto ao vestuário. O encurtamento das vestes que impôs, como já foi dito, a necessidade do uso das calças (meias), por vezes, trouxe inconvenientes à cobertura de certas partes do corpo. Assim, usaram-se, desde o século XIII, as bragas, facultativas, correspondentes a cuecas atuais, confeccionadas com tecidos comuns, as quais se prendiam às extremidades das camisas, puxando-as para cima ou à cintura, com cordões ou alfinetes. Uma outra peça, também facultativa, necessária 5 Idem, ibidem, p. 118. D. Duarte. Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela. Edição crítica de Joseph M. Piel. Lisboa: Casa da Moeda, 1986, capítulo XVIII, pp. 34-37. 6 23 para não deixar as bragas à mostra, foi a braguilha que consistia num pano de tecido mais nobre, já que ficava aparente, colocado entre as pernas. Primeiramente, as calças prendiam-se à cintura, com cordões ou ao gibão por alfinetes e eram confeccionadas em tecidos de lã. As mais ricas, de escarlata, restringiam-se ao rei e à nobreza. No fim da primeira metade do século XIV, com o encurtamento das vestes, causaram certo escândalo e, na pragmática de 1340, ficaram restritas a ricos-homens, cavaleiros, escudeiros e burgueses ricos. Eram vedadas aos peões. Como passaram a ficar à mostra, não tardou que fossem enfeitadas com bordados, pérolas, fios de ouro e outras decorações, a tal ponto que o tecido às vezes ficava completamente escondido. A extravagância também se revelava no tecido e na cor. O vermelho, o azul e o verde foram muito usados e, em menor escala, o amarelo. As calças coloridas não eram permitidas ao clero. No final do século XIV e no seguinte, foi moda ter calças com pernas de cores diferentes combinadas de acordo com o gosto do dono. As calças soladas eram providas de pés e solas. As que não tinham pés vinham até o tornozelo. No Cancioneiro Geral, nas trovas que citamos, o Coudel-Mor faz alusão a “calças de fole” e “calças de marcar”: As calças tyrem de fole, roscadas como obrea. Tragam-s’as de marcar, Forradas d’yrlanda parda7. 7 Resende, op. cit., p. 71. 24 O mesmo Fernão da Silveira, em outra ocasião, falando de montaria, recomenda: Nem tragays calças cerradas pera mays despejo vosso8. No início do século XVI, não foram muito acentuadas as modificações no traje masculino. A indumentária comum da classe mais privilegiada consistia em calças justas, calção, gibão e vários tipos de sobreveste. Nem sempre é fácil distinguir-se uma peça de outra, apenas pela denominação. Na cabeça, barrete ou outro tipo de cobertura. Os sapatos já não eram pontudos. Na Península Ibérica, usavam-se calções bufantes. Os enchimentos eram presos ao forro de tal maneira que a parte exterior ficava bem esticada. O volume não atrapalhava os movimentos. Prendiam-se aos joelhos por fitas. Na parte superior, eram presos à roupa de baixo ou na parte interior do gibão. Estiveram na moda até o século XVII. A sobreveste mais comum e que nunca saiu de moda desde a Idade Média foi a capa, usada por todas as classes sociais. Era análoga ao manto, este uma peça especial na indumentária medieval, usado em ocasiões solenes, restrito aos nobres e grandes senhores de ambos os sexos. Os mais antigos, sem forro e confeccionados em tecidos finos, permitiam um pregueado miúdo. Foi moda forrá-los com peles de toda espécie. Os tecidos mais usados passaram a ser a seda encorpada e a lã. Vermelho, azul-violeta, verde e pardo eram as cores preferidas, mas usavam-se, também, cores misturadas, dispostas em franjas ou em listas. O tecido às ve- 8 Ibidem, p.75. 25 zes era adornado com círculos, no interior dos quais havia figuras de pássaros, de animais fantásticos e outros enfeites de influência oriental. Quanto ao comprimento, às vezes chegavam a arrastar no chão. Um cordão, tecido de fios de seda e até de ouro em peças mais suntuosas, mantinha o manto sobre os ombros. Era sinal de elegância a maneira de segurar o cordão para evitar deslocamentos da peça. Além do uso em ocasiões solenes, o manto também servia para abrigar e proteger. Havia mantos e capas aguadeiros. Neste caso, suas características perdiam a pompa, a peça tornava-se mais prática e adequada à sua função. A função de proteger, desvirtuada, passou à de encobrir, esconder, disfarçar. No Diálogo sobre a Ressurreição, um ~ manto faz parte das vestes do Rabi Levi que avisa dar-lh’-ei ua figa debaixo do manto, referindo-se a quem vier falar da ressurreição de Cristo. A expressão “debaixo do manto” equivale a “às escondidas”. Na Comédia do Viúvo, D. Rosvel, disfarçado de trabalhador ignorante para aproximar-se da moça de quem se enamorara, filha de um mercador viúvo, esconde os trajes que denunciariam sua origem nobre por baixo de um chapeirão, sem dúvida, um manto. A partir do século XIV, o manto podia ser substituído por peças similares, com a finalidade mais prática de proteger do tempo: o tabardo, que não tem registro nos autos de Gil Vicente, e o capeirão ou chapeirão. Essas peças, mais singelas, com abertura na frente e às vezes com capuz, eram populares. Talvez seja possível reconhecer como deste tipo o “chapeirão” que Gonçalo esconde e o negro, que o estava espreitando, encontra, caracterizando-o como “capote”: Ei-lo aqui sá! Deuso graça. Graça Deuso esse é capote; nunca dexa aqui palote: Clérigo da Beira, COMP. II, 535 / GV. VI, 27, 18-2. 26 No fontispício da edição quinhentista da Farsa de Inês Pereira, aparece a figura de um homem, completamente encoberto por um manto de grandes proporções, com a indicação “Latão”, no caso, um judeu casamenteiro, personagem da farsa em questão. Essa mesma figura, sem indicação, vem repetida no frontispício da Prática dos Compadres, de António Ribeiro Chiado, edição quinhentista do acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa. As figuras repetem-se em outras obras da Escola Vicentina9, em novas composições, às vezes sem estarem atribuídas a personagens, ou mesmo, atribuídas a personagens diferentes, como é o caso da figura de Inês Pereira e do escudeiro que aparece como tal, como compadre e como D. Fernando, no texto anônimo de mesmo nome. A capa do escudeiro é ampla, de corte semicircular, de comprimento pelos joelhos, com bastante pano atrás e um volume à altura da nuca que sugere um capuz. Como a figura apresenta o personagem com inclinação de três quartos do corpo, não se vê a frente, mas são bem visíveis as calças (meias) ajustadas, modelando as pernas, a queda elegante da capa que deixa entrever a espada, os sapatos de ponta moderada e a cobertura de cabeça, talvez um barrete, colocado meio de lado, provavelmente por questão de moda. Em Gil Vicente, as sobrevestes que poderiam servir de agasalho, além da capa e do manto e mantão, são o capote (termo genérico), o chapeirão e o samarro, próprio de pastores. No Auto da Lusitânia, quando o alfaiate judeu chega à casa, manda guardar o mantão com que viera da rua e a mulher reclama do estado em que a roupa se encontra: 9 A reprodução destes e outros frontispícios estão em Vasconcellos, Carolina Michaëlis de. Autos portugueses de Gil Vicente y de la escuela vicentina. Madrid: Centro de Estudios Historicos. 27 Quanta choca, quanta lama, que traz o mantão frisado, que estava tão alimpado, que parcia uma dama diante seu namorado! Por que não fugis do lodo? Auto da Lusitânia, COMP. II, 553 / GV. VI, 55, 20-4 A observação da mulher faz supor que a peça era comprida, arrastando pelo chão. É provável que este tipo de manto, por essa indicação, pelas palavras do Rabi Levi e pelo que se observa nas figuras dos frontispícios das edições quinhentistas, fosse, na época, traje característico de judeus. Roupa, que também pode ser denominação de tecido, designa uma veste que cobria completamente o corpo, uma espécie de opa. Nesta acepção aparece nos autos e ainda como termo geral, equivalente a traje. Em Gil Vicente não há alusão a “mongy”, uma espécie de manto, nem a “balandrau”, vestimenta semelhante à opa. O termo balandrau é usado hoje no sentido de “roupa ou pessoa desajeitada”. Essas duas designações de veste estão registradas no Cancioneiro Geral. Um grupo de fidalgos zomba de Fernão da Silveira porque exibiu-se numa corrida, envergando um “mongy” de veludo preto, forrado de martas e dirigem-lhe trovas com o seguinte refrão: Ahynda m’agora abalo de te ver como te vy, vestido no teu mongy a cavalo10. 10 Op. cit., pp. 229-230. 28 O vestuário feminino foi sempre muito tradicional e evoluiu muito lenta e discretamente. As formas do corpo eram dissimuladas pela amplidão e comprimento das vestes, formando um conjunto simples e harmonioso. Predominavam o recato e o pudor. As camisas, as roupas mais próximas ao corpo, eram feitas de linho e de seda. Os enfeites e lavores localizavam-se exclusivamente em volta do pescoço ou dos punhos e consistiam em bordados com fios de ouro, prata ou seda. A veste que se sobrepunha à camisa era o brial. Por volta do século XIII era largo até o peito, cintado daí aos quadris, ampliando-se a partir deste ponto, em pregas. As mangas variavam em largura e comprimento, às vezes alargando-se desmesuradamente na altura dos punhos. Para Lovillo11, as denominações “saia” e “brial” usavam-se com relação ao mesmo referente. Segundo Oliveira Marques, o termo “brial” deixou de ser corrente a partir de meados do século XIII12. A “saia”, nova denominação desta veste, não diferia do brial, mas variava com a moda. A camisa tornou-se muito decotada. Passaram-se a usar, sob esta, paninhos justos para sustentar os seios e até pequenos sacos para moldá-los. Seriam um ancestral do atual sutiã. Semelhante a um vestido, a saia, já no fim da Idade Média, era confeccionada em veludo, seda ou fazenda mais comum. As mangas eram compridas e justas, alargando-se nas pontas. A cintura era ajustada por meio de cintos, faixas ou cordões, freqüentemente adornados com muito luxo. Também de uso feminino era o “pelote”, desde o século XIII. Inicialmente era muito comprido e às vezes chegava a ter cauda. Tinha cavas, geralmente pronunciadas, 11 12 Op. cit. Op. cit., p. 49. 29 que deixavam à mostra a saia. Foi substituído pela opa que era fechada e encobria a roupa de dentro. No começo do século XV, era fechada até o pescoço, com gola alta ou com um acabamento luxuoso no cabeção. Costumava-se adornar a parte inferior e as aberturas laterais com peles. As mangas tanto podiam ser estreitas quanto largas. Os decotes foram ficando cada vez mais pronunciados, deixando o colo descoberto. As “gargantilhas”, pequenos véus semitransparentes ou mesmo de lã, serviam para proteger o pescoço e o colo. Houve época em que, dada a profundidade do decote da veste, a camisa, não muito decotada, era adornada finamente na parte superior que ficava à mostra. As damas usavam mantos, semelhantes aos masculinos, ainda que mais elegantes, amplos, presos ou não com cordões e, geralmente, cobrindo a cabeça. A evolução do vestuário feminino, como já foi dito, foi lenta, o que não impediu que, sobretudo a partir da segunda metade do século XV, houvesse variações nas roupas exteriores, sobretudo no comprimento e na natureza das mangas. Como as vestes eram sobrepostas, às vezes duas, além da camisa, as mangas variavam no comprimento e na largura. Em O livro da Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, a personagem Aônia sai precipitadamente da cama, cobre a cabeça com uma roupa grande e sai para o eirado, onde Lembrou-se logo que hia toucada d’hum rodilhado sôo como se erguera, e ou por nam parecer que se erguera entam, ou por nam parecer ma, lançou ella hua manga de camisa sobre a cabeça e leixou-se estar assi13. 13 Ribeiro, Bernardim. História da Menina e Moça. Variantes, introdução, notas e glossário de D. E. Gokenberger. Prefácio do Prof. Hernani Cidade. Lisboa: Studium, 1947. 30 As referências a “saia” nos autos de Gil Vicente não permitem decidir se equivaliam ao vestido atual ou se à veste feminina que vai da cintura para baixo. A peça de roupa está ligada a personagens simples e só há alusões especiais à cor, no caso, o verde. Oliveira Marques chama atenção para o favoritismo da combinação entre o verde e o vermelho, no século XV14. A designação “opa” não se registra e “pelote”, nas raras vezes em que aparece, é traje masculino. Tratandose de uma peça exterior à camisa e à saia e, no caso de homens, ao gibão, sua ausência nos autos não é decisiva para descartá-lo da indumentária do século XVI. No já referido frontispício da edição quinhentista da Farsa de Inês Pereira, a figura indicada como Lianor Vaz apresenta uma superposição de vestes. A roupa de cima deixa ver as mangas da de baixo, esta correspondente ao atual vestido, provavelmente uma “saia”, com a parte inferior ampla sem excessos, cobrindo os pés. A peça mais exterior vai, aproximadamente, até os joelhos e tem grandes cavas ovais, o que corresponde à descrição do “pelote” dos séculos anteriores. O movimento da parte inferior desta veste faz crer que fosse ajustada à altura dos ombros e do busto, alargando-se ligeiramente daí até o quadril. Já a figura de Inês Pereira está vestida com uma peça inteiriça, uma espécie de túnica de volume moderado, cingida à cintura por um cordão comprido, decotada, com mangas à altura do cotovelo bastante largas na extremidade e que deixam à mostra as da camisa. O “brial” dos autos de Gil Vicente não pode ser confundido com a “saia” da mesma época. Era luxuoso, talhado em seda, brocado ou outro tecido custoso e próprio de pessoas de posse. Mofina Mendes, no seu devaneio, já se vê casada e 14 Op. cit., p. 52. 31 (...) ataviada com um brial d’escarlata, Auto da Mofina Mendes, COMP. I, 115 / GV. I, 150, 5 No Cancioneiro Geral, Duarte de Brito descreve duas damas que aparecem numa visão e sobre o traje de uma delas diz: ~ delas vestia A hua hum bryal negro chapado de muy rica argentaria, d’ouro com gram pedraria derredor coartepisado d’esmeraldas e robys, çafiras diamantes, ~ manto e hu ~ d’us lavores muy sotys, preçiosos e galantes de grand’espanto15 O Diabo veste a Alma, no auto de mesmo nome, com um brial e o texto não descreve a peça nem a qualifica, o que seria desnecessário, já que o termo designa uma veste de luxo. Cismena, na Comédia de Rubena, pede à criada que traga seu material de costura que está debaixo do seu brial: Que está nessa camarinha Debaixo do meu brial. (O negrito é de nossa responsabilidade.) Comédia de Rubena, COMP. I, 388 / GV. I, 52, 8-9. 15 Cancioneiro Geral, edição citada, pp. 135-136. 32 Depreende-se daí que, apesar de muito rica, Cismena só tem um brial. Não se trata, portanto, de uma roupa comum. Quanto ao calçado masculino e feminino, pouco há para dizer. Os sapatos pontudos até o exagero dos séculos anteriores acomodaram-se a proporções discretas. Eram tingidos de diversas cores e feitos com variedades de couro, com preferência para o cordovão. Havia, também sapatos de fazenda comum ou de seda. Eram permitidas decorações, inclusive a ouro e prata. A bota foi usada como calçado de cerimônia, a partir do século XV. Os sapatos e botas de couro de gamo eram caros e requintados. Nos autos as referências a “botas” prendem-se a um pastor e a um escudeiro pobretão. O “borzeguim”, em voga no século XVI, não é citado nos autos, mas é freqüente no Cancioneiro Geral. O coudel-mor mostra em trovas a Ruy Moniz sua preferência pelas botas: Quem mais o gynete segue, preza-se de borzeguys, mas eu ey por mais gentys botas de muy fyno pregue16. Um tipo de calçado especial, de alto luxo e uso restrito, é o “chapim”. Resultava da superposição de solas, cosidas umas às outras e pespontadas. As damas os usavam para parecerem mais altas. O Diabo oferece à Alma “chapins de Valença”. Os socos, calçado de rústicos, têm uma ocorrência no Auto da Fama. Na Serra da Estrela, Felipa comenta que a visão de um corteão de pantufos de veludo e viola na mão é capaz de perturbá-la. 16 Idem, p. 75. 33 Em Portugal, homens e mulheres usavam a cabeça coberta. Inicialmente, as coberturas mais comuns eram as toucas e as coifas, usadas por camponeses e artífices e também por burgueses e nobres até o final do século XIV. Os camponeses colocavam por cima desta primeira cobertura, denominada barrete, chapéus de abas largas e copas baixas (sombreiros) que protegiam do tempo e que também foram muito usados por peregrinos e viajantes. Freqüentemente, o barrete do homem do povo assemelhava-se a um capuz e dispensava outra cobertura. Nobres e cavalheiros colocavam um sombreiro por cima do barrete, a partir do século XV. O material de confecção dos barretes era feltro, seda ou veludo. O tamanho da copa variava. Os mais populares tinham a copa baixa. Uma cobertura muito difundida a partir do século XIV foi o capeirão ou capeirote, também conhecido como chapeirão, por influência francesa (chaperon). Consistia em um capuz emendado a uma capa pequena que não passava dos ombros, com abertura para o rosto. O feitio desta peça sofreu inúmeras variações. Ora era o comprimento da ponta que chegava ao exagero, ora a maneira de colocar a abertura que resultava em deslocamentos para a direita ou a esquerda, ou ainda permitia que a ponta ficasse para trás. Muitas vezes esta, excessivamente comprida, precisava ser enrolada em volta do pescoço ou da cabeça, como um turbante. Os mais moderados usavam a cobertura sem exageros e na posição normal. Geralmente os capeirões eram confeccionados em fazenda lisa. Para ocasiões solenes, faziam-se de seda e podiam apresentar cores misturadas e ainda enfeites de jóias e bordados. Desapareceu o capeirão como cobertura de cabeça, nos fins do século XV. O chapeirão que aparece em Gil Vicente não é toucado, como já foi visto quando tratamos de mantos e capas. Nas ocorrências dos autos, não há 34 dúvida de que seja uma capa grande, um manto. Aliás esta é a interpretação de Moraes e de Viterbo. Já Leite de Vasconcellos 17, com apoio em Carolina Michaëlis de Vasconcellos18, considera que seja um capuz. De fato, os textos que servem de base a D. Carolina são do Cancioneiro da Vaticana: “caparom”, na cantiga nº 926 e “capeyrote”, na 1069. De acordo com o que foi visto acima, os verbetes dizem respeito a referentes distintos. Oliveira Marques, nossa principal fonte de apoio na descrição da peça, esclarece que Embora de há muito sofresse a concorrência de outros tipos de chapéus, só no último quartel do século XV, o chapeirão parece ter desaparecido inteiramente da indumentária masculina19. Nos autos, o chapeirão está ligado a rústicos, com a função de proteger, seja escondendo (Comédia do Viúvo), seja abrigando do tempo. É possível imaginar-se um capuz prolongado em capa, já não terminada à altura dos ombros, mas suficientemente comprida para proteger o corpo inteiro. Nos autos de Gil Vicente, aparecem como coberturas de cabeça masculinas “barrete”, “capelo”, “capuz”, “carapuça”, “gorra” e “sombreiro”. Não há referências a peças exóticas nem exageradas, como foi próprio dos séculos anteriores. O capelo, pelo que se pode depreender do texto, deveria ser um sucedâneo do capeirote. Diz respeito a rústicos que dele se servem para transportar pequenos objetos e até lebres, frutas e alimentos. É, também, peça característica do traje religioso de frades. O termo “carapuça” aplica-se a qualquer tipo de barrete ou sombreiro. A gorra, co- 17 Vasconcellos, J. Leite de. Estudos de Filologia Portuguesa. Seleção e organização de Serafim da Silva Neto. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1961. 18 In: Zeitsch. F. Rom. Philol. XXVIII (e não XVIII, como, por lapso, registrou Leite de Vasconcellos), 396, nota 1. 19 Op. cit., p. 45. 35 mum a homens e mulheres, foi muito usada até o reino de D. João III. Tinha forma arredondada. As mulheres dedicavam especial atenção ao toucado. Os cabelos soltos eram permitidos às donzelas, mas foi sempre moda trazê-los arrumados, geralmente em tranças que se colocavam no alto, em volta da cabeça, ou cobrindo as orelhas. Veja-se o procedimento de Aônia na Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, no passo transcrito, quando tratamos de “mangas”. Como cobertura eram comuns os véus e lenços e, também, coifas e toucas. A “mantilha” cobria a cabeça e se estendia até a cintura. A “enxaravia”, espécie de lenço de cabeça, refere-se a uma pastora no Auto Pastoril Português. Uma enxaravia vermelha, de acordo com o livro V das Ordenações, era um sinal afrontoso que as alcoviteiras deviam trazer fora de casa, quando não houvesse pena de morte ou degredo20. A “beatilha” era uma espécie de touca usada por mulheres idosas, freiras, beatas e por pastoras. A “coifa”, peça mais delicada, uma rede de seda, de gaze ou de malha, bem agarrada à cabeça, envolvia os cabelos e se fechava no alto da cabeça. Podia ser ricamente ornamentada. Nos séculos XIV e XV usavam-se chapéus sobre a coifa, às vezes excessivamente altos e exóticos. O nome genérico desta peça, que não chegou ao tempo de Gil Vicente, era “crespina”. Uma coifa ajustada à cabeça, às vezes coberta por um véu ou por um chapéu pequeno, enfeitado com cordões de ouro e penas, preso aos cabelos por grampos, foi moda no século XVI. Mais uma vez, recorrendo ao frontispício de edições quinhentistas, podemos observar, no do Auto de Inês Pereira, que a figura que representa Inês tem os cabelos acomo20 Cf. Viana, A. R. Gonçalves. Apostilas aos dicionários portugueses. Lisboa: Livraria Clássica, 1906, Vol. I, p. 395. 36 dados numa coifa e Lianor Vaz usa um chapéu pequeno, com uma copa suficiente para conter os cabelos e aba discreta na frente; no da Prática dos compadres de António Ribeiro Chiado, as mulheres têm coberturas bem ajustadas à cabeça, possivelmente coifas; no da edição de Évora, de 1561, da Comédia Eufrosina de Jorge Ferreira de Vasconcelos, a mulher usa uma coifa enfeitada com uma pena21. Acessórios utilitários não dispensavam adornos requintados. Os cintos eram decorados com metais preciosos e pedras e os cordões e faixas, tecidos com fios de seda e até de ouro. Usavam-se bolsas presas aos cintos, já que as vestes não tinham bolsos. Os lenços (suadeiros), que só se difundiram na Europa a partir do século XVI, podiam ser bordados com pérolas e pedrarias. As luvas eram usadas por pessoas das classes elevadas e, embora servissem para proteger do sol e do frio, podiam ser lavradas com fios de ouro e aljôfar. Moldavam a mão e, provavelmente, não tinham separação para os dedos, daí existirem as de um só polegar. No Cancioneiro Geral nas já mencionadas trovas do Coudel-mor ao seu sobrinho, tem-se: ~ sôo poleguar, Luuas d’huu feytas de pele de lontra, galante que as encontra nam lhe deuem d’escapar22. Como enfeites, homens e mulheres usavam correntes, colares, anéis em todos os dedos (o diabo oferece à Alma dez 21 As ilustrações estão em Picchio, Luciana Stegano. História do Teatro Português. Lisboa: Portugalia,1964. 22 Op. cit., p. 71. 37 anéis no auto de mesmo nome). Os broches (firmais), inicialmente com a função de prender, transformaram-se em jóias valiosas. Braceletes e pulseiras, brincos, coroas e diademas não faltavam para o adorno das mulheres. As pedras mais apreciadas eram a esmeralda, o rubi, a safira e o diamante. Usavam-se, também colares com contas de âmbar e de corais. O material e os próprios recursos de confecção davam prestígio e requinte ao traje. Os tecidos mais valiosos eram a seda, o brocado, o veludo e o cetim. As sedas decoradas com ouro existiam no Oriente e, mais tarde, na Espanha e na Sicília, onde eram manufaturadas pelos árabes. No final do século XV, a arte de tecer com ouro foi abandonada. Um dos processos de valorização da fazenda era o frisado, que consistia em pentear e retorcer o pelo do pano (frisa). Até meados do século XV, os mantos e outras peças costumavam ser enfeitadas com farpas, um acabamento requintado. Estas eram cortadas no próprio tecido ou postiças. A partir desta época, saíram de moda e só as vestes de escudeiros e criados eram farpadas. Pelas Ordenações Afonsinas, as farpas eram símbolo dos tabeliães. No Clérigo da Beira, Gonçalo, filho de um lavrador, diz: Ora fiai de rascão, que farpa todo o pelote, e não se farta de pão. Clérigo da Beira, COMP. II, 542 / GV. VI, 37, 6. A moda em Portugal acompanhou de perto as transformações econômicas e o advento da burguesia. A concentração da população nas cidades contribuiu para o desenvol- 38 vimento do comércio e refletiu-se no vestuário. Todos queriam parecer bem e competir com os concidadãos, e ascender socialmente. Na nobreza a competição se dava entre os pares. Os abusos no setor do vestuário foram de tal ordem que provocaram regulamentações e proibições tanto em Portugal como na Espanha. A indústria têxtil desenvolveu-se. Os materiais passaram a valer também pela procedência. Importavam-se tecidos, peles, materiais diversos e até peças já confeccionadas. No século XIII eram importadas capas da França. A preocupação de estar na moda e de bem trajar era bem viva no século XVI. Nota-se isso nas trovas de zombaria do Cancioneiro Geral em que são apontados exageros, mau gosto e situações ridículas. As personagens vicentinas preocupam-se com a aparência, com os adornos e com as vestes vistosas. Todos querem sobressair e causar boa impressão pelo traje. 39 Vestiduras facen mucho conoscer a los omes por nobles o por viles, e los sábios antiguos estabelecieron que los reyes vistiessen paños de seda e con piedras preciosas porque los omes los puedan conocer. Lei V, título V da II Partida (Apud José Guerrero Lovillo. Las Cantigas, Madrid: Instituto Diego Velásquez, 1949) 2. O HÁBITO FAZ O MONGE... OU NÃO Uma leitura mais cuidadosa dos autos aponta para algo mais do que o número elevado de vocábulos referentes a este campo, principalmente porque as ocorrências se dão no diálogo e raramente na descrição de personagens. A contextualização dos termos fornece ao leitor (já que estamos lidando com o texto escrito) pistas indicadoras da maneira de se vestir de grupos sociais e da importância dada ao traje e à aparência, de maneira geral, pelos indivíduos e pela sociedade. A preocupação com a aparência e o adorno perpassa por todo o texto vicentino. As poucas referências à Virgem Maria a mostram adornada, se bem que estes adornos sejam, na maior parte das vezes, virtudes ou coisas sem valor material. Ela é apresentada “ataviada / de malla de sancta vida”, “pulcra”, “con galas, arreos” (enfeites), “com mui fermosa aparência”, “vestida como Rainha”. Em contrapartida, as condições de pobreza em que Cristo nasceu são ressaltadas e exaltadas. No Auto Pastoril Castelhano, os pastores, avisados pelo Anjo do nascimento do Redentor, encaminham-se para o presépio e lá tecem comentários sobre o que vêem: Señora, com estos hielos / el niño se está temblando: / de frío veo llorando / el criador de los cielos / por falta de pañizuelos. / Juri a san! Si tal pensara, / o 40 por dicha tal supiera, / un çamarro le truxera / de una vara, que ahotas que él callara23. No Auto dos Reis Magos, o Ermitão informa sobre Jesus menino: lo verá desnudo echado / de los fríos trespassado24. A Prudência, no Auto da Mofina Mendes, transmite: Eruteia profetiza / diz aqui também o que sente: / que nascerá pobremente, / sem cueiro nem camisa / nem cousa com que se aquente25. O culto à aparência revela-se em todos os níveis. No Auto da Alma fica bem definida uma oposição entre natural (espiritual) e material (mundano). De um lado, tem-se a vida espiritual, apartada de toda cousa mundana que convém à Alma para sua salvação e, do outro, as pompas, os trajes suntuosos, a ostentação, próprios do mundo. O Diabo diz que a Alma vai... desautorizada, / descalça, pobre, perdida e, depois de vesti-la com um brial e calçá-la com chapins de Valença faz sua apreciação: agora estais vós mulher de parecer26. Tenta atraíla com ouro, pedras preciosas, brocados, sedas e oferece-lhe colar de ouro esmaltado, dez anéis e pendentes (brincos). A Alma, mais tarde, arrependida, lastima-se de ter abandonado seus perfeitos arreios naturais pelos feios trajes mundanais, mas antes respondera ao Anjo que lhe perguntara que estava fazendo ali: Faço o que vejo fazer / polo mundo. Em outras palavras, está acompanhando o luxo, a ostentação, a aparência. Mesmo repudiado, o enfeite está presente nos “arreios naturais”, mas ainda assim há oposição entre natural e mundano. Assim como se viu com referência à Virgem Maria, a necessidade de parecer bem pelo enfeite existe, o que muda é o plano 23 Auto Pastoril Castelhano, COMP. I, 32-3 / GV. I, 26 COMP. I, 42 / GV. I, 41 25 COMP. I, 106 / GV. I, 134 26 COMP. I, 182 / GV. II, 13 24 41 em que este se insere, espiritual ou material. Semelhante é o que se dá na Exortação da Guerra. A troiana Policena, trazida a pedido do Clérigo Nigromante, 27 muito bem ataviada / e concertada, / assi linda como era , dirige-se à platéia, incitando as senhoras a seguir seu exemplo e de suas irmãs que teciam os estandartes bordados de todas partes / com divisas mui louçãs e davam seus colares e jóias28. As palavras de Policena estão imbuídas de patriotismo. Ela contrapõe bandeiras e estandartes, ainda que bordados, a peças de luxo, jóias e lavores requintados. No mesmo auto, com a mesma tônica, são as palavras de Aníbal: Fazei contas de bugalhos, / e perlas de camarinhas, / firmais de cabeças d’alhos; / isto si, Senhoras minhas, / e esses que tendes daí-lhos. / Oh, que não honram vestidos, / nem mui ricos atavios, / mas os feitos nobrecidos! / Não briais d’ouro tecidos / com trepas de desvarios; / 29 daí-os pera capacetes. Os objetos persistem, mas muda a matéria-prima. “Bugalho” é o nome do fruto do carvalho e também a designação das contas grosseiras do rosário. Moraes registra o plural “camarinhas” como frutices, que nascem nos camarções, de certas urzes30 e, na mesma página, “caraminhado” que tem feição de camarinhas, ou bagas d’orvalho. No Aurélio31, uma das acepções do vocábulo é gotículas redondas: camarinhas de suor. Ainda restam os firmais (broches), geralmente redondos, de cabeças d’alho. A substituição do material é engenhosa, tanto nas contas quanto nos firmais e, com respeito às pérolas, já é lugar comum compararem-se gotículas de água ou de 27 Cf. COMP. II, 167 / GV. IV, 138 COMP. II, 171 / GV. IV, 145 29 COMP. II, 176 / GV. IV, 153 30 Op. cit., Vol. I, p.329. 31 Novo Dicionário Aurélio. 1ª ed (2ª impressão). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s.d. 28 42 suor com aljôfar. Destoando da tônica do prestígio da boa aparência, Aníbal enaltece “os feitos nobrecidos” e os “capacetes”, opondo-os a “vestidos”, “ricos atavios” e “briais d’ouro tecidos”. Somente as pessoas simples valorizam o caráter funcional da roupa: cobrir e abrigar. Veja-se o pastor Gil, no Auto Pastoril Castelhano, que, vendo Jesus na manjedoura, nu e com frio, pensa em presenteá-lo com um abrigo, um samarro, veste tipicamente pastoril32. A roupa ajuda a compor o tipo e a revelar a personalidade das personagens. As pessoas simples, pastores e rústicos, usam vestes condizentes com sua situação. As peças alusivas ao seu vestuário são despretensiosas e utilitárias, mais próprias para cobrir e abrigar: camisa, saio, samarro, capote, capuz, capelo, chapeirão. Para as mulheres, além de camisa e saia, há fraldilha, mantilha, enxaravia, coifa e, para enfeitar, anéis e sortijas de material barato. Embora dando importância à roupa como abrigo, os pastores também valorizam a aparência. Suas ambições, entretanto, têm vôo curto. Cismena33, pastora menina, pretende ganhar uma coifinha lavrada e, procurando seus cabritinhos malhados e dois porquinhos, de bom grado Dera eu ora o meu orelo34, / e os meus alfinetinhos / e achasse os meus porquinhos. Juan Guijarro35 pensa impressionar a zagala com sua roupa nova, embora sem luxo, do mesmo modo que Joane36 quer que Catarina veja seu saio pardo. O mesmo Juan Guijarro lastima-se da insensatez de deixar-se levar pelo desejo de agradar a amada, não só com presentes (uma saia 32 COMP. I, 33 / GV. I, 26 Comédia de Rubena 34 Talvez uma peça de lã grosseira. Cf. verbete Orelo. 35 Triunfo do Inverno 36 Auto Pastoril Português 33 43 verde escuro e uma sortija), mas também pela aparência, quando deveria ter guardado dinheiro para comprar samarro para o inverno. De certa forma, pode dizer-se que essas pessoas têm consciência de sua condição social e não ambicionam ir muito além do que são. Isso não impede, entretanto, que os sonhos sentimentais de Filipa37 se voltem para cortesãos de pantufos de veludo e viola na mão. Já Gonçalo, no mesmo auto, repelindo a possibilidade de casar-se com Catarina Meigengra, moça de algumas posses, diz que Não vem a Meigengra a conto, / que é descuidada perdida; / traz a saia descosida / e não lhe dará um ponto. Há um lado negativo na valorização da aparência que não é comum entre os personagens simples, mas observa-se entre burgueses, escudeiros e até fidalgos de alguma renda. Sua principal característica é a ambição de parecer o que não se é, nem tem condições de ser. Os moços de esporas38 dos escudeiros de Quem tem farelos? fazem comentários sobre seus amos e Apariço diz que o seu, Aires Rosado, Vem alta noite de andar, / de dia sempre encerrado: / porque anda mal roupado, / não ousa de se mostrar39. O desejo de aparecer extrapola os limites dos grupos sociais e leva os personagens a perder sua identidade. Bom exemplo é o Frei Paço, ridículo pelo próprio nome, que se apresenta como um misto de religioso, mundano e cavaleiro com seu hábito e capelo, e gorra de veludo, e luvas, e espada dourada, fazendo meneios de muito doce cortesão40. 37 Serra da Estrela Isto é, moços que serviam em casa ou cavalariça com a intenção de ascender socialmente. 39 COMP. II, 328 / GV. V, 60 40 Romagem de Agravados. COMP. II, 289 / GV. V, 1 38 44 Nobres e ricos, e também os escudeiros, parasitas ambiciosos que mal têm o que comer, usam calças, calções, gibão, capa, manto, sombreiro, barrete, gorra. Frei Paço traz luvas e na Comédia de Rubena, as lavrandeiras de Cismena apresentam-lhe um penteador ricamente franzido, destinado ao Bispo de Funchal e fazem lavores em um suadeiro (lenço) do Embaixador, para que veja o Imperador / que as cousas de Portugal / todas têm grande valor. O Doutor Justiça Maior (Floresta de Enganos) usa beca, loba, peças que se ligam a vestes talares. Essa última, segundo Moraes, podia ser traje escolástico, composto de uma túnica sem mangas e de uma capa talar (cf. verbete “loba”). No texto, a beca é de veludo e a loba, de “contray frisado”, tecido fino e trabalhado. O Doutor ainda se apresenta de luvas e sombreiro, como homem elegante que é. Constam do traje de frades e clérigos hábito, burel, barrete, cordão, capelo e, ainda que não se trate de veste, a coroa, tipo de corte de cabelo, é o termo mais solicitado como identificador de religiosos. Na Barca do Inferno, o frade apela para a autoridade de sua coroa – Mantenha Deus esta coroa!41 – como anteriormente já fizera com o hábito – e este hábito não me vale?42 Na Frágua de Amor, coroa vale por condição religiosa: um frade diz que de mero malhardeiro / me fui fazer de coroa. Não é só com relação ao traje que as pessoas se deixam levar pela aparência e pela ambição. Nos Almocreves, Gil Vicente apresenta um fidalgo de muito pouca renda, mas que usava muito estado e tinha capelão seu e ourives seu, e outros oficiais, aos quais nunca pagava43. O capelão, segundo o texto, esfarra- pado, reclama pagamento e alega outras funções que vem 41 COMP. I, 215 / GV. II, 60 COMP. I, 214 / GV. II, 58 43 COMP. II, 495 / GV. V, 331 42 45 exercendo, inclusive a de limpar sapatos, há três anos. O fidalgo tenta engabelá-lo com promessas de conseguir sua entrada para o serviço do paço: foi sempre a vontade minha / dar-vos a el-Rei ou à Rainha44. O mesmo tipo de discurso enganador é dirigido ao ourives e ao próprio pajem, um “ratinho” a quem foram dadas atribuições que não estava capacitado a ter. O Almocreve Pero Vaz dá ao pajem notícias de seus pais: ele, cansado e suado, cavando, e a mãe, mal roupada (mal vestida), levava o gado. Mantém-se entre os dois um diálogo em que, do lado do pajem, nota-se ambição desmedida e fantasia. Ele, um ratinho filho de pais miseráveis, na sua megalomania, considera-se já na corte e estende sua fantasia aos demais de sua condição: Assi que até os pastores / hão de ser d’el-Rei samica! Por isso esta terra é rica / de pão, porque os lavradores / fazem os filhos paçãos. E completa: Cedo não há d’haver vilãos; / todos d’el-Rei, todos del-Rei45. A resposta do almocreve Pero Vaz está impregnada de realismo e senso comum46. PERO VAZ Pardeus, João Crespo Penalvo, que isso seria esperar de mau rafeiro ser galgo. Mais fermoso está ao vilão mau burel, que bom frisado, e romper matos maninhos; e ao fidalgo de nação ter quatro homens de recado, e leixar lavrar ratinhos. Que em Frandres e Alemanha, em toda França e Veneza, que vivem per siso e manha, 44 COMP. II, 500 / GV. V, 339 COMP. II, 504 / GV. V, 346 46 A transcrição será mais longa para permitir o acompanhamento da opinião de Pero Vaz. 45 46 por não viver em tristeza. Não é como nesta terra; porque o filho do lavrador casa lá com a lavradora, e nunca sobem mais nada; e o filho do broslador casa com a brosladora; isto per lei ordenada. E os fidalgos de casta servem os reis e altos senhores, de tudo sem presunção, tão chãos que pouco lhes basta. E os filhos dos lavradores, pera todos lavram pão. COMP. II, 512 / GV. V, 358 A necessidade de ostentação do fidalgo é alimentada pela ambição dos que para ele trabalham. Estes assumem compromissos indevidos, subalternos (capelão), ou que não estão à sua altura (pajem). A fala de Pero Vaz apresenta a ordem estabelecida que está sendo infringida pela vaidade e pela ambição e, como diz ele, Mais fermoso está ao vilão / mau burel, que bom frisado. Se é verdade que o vestuário identifica socialmente o homem, sem sombra de dúvida, os personagens de Gil Vicente poderiam ser reconhecidos pelo que vestem. Vimos anteriormente que, nos autos, não há apresentação de um traje completo, quer masculino, quer feminino. Algumas peças são destacadas como marcas de identificação de quem as usa e, com isso, é possível restabelecer, num primeiro momento, a classe social da personagem e até traços de sua personalidade, como o inconformismo com a própria situação, necessidade de afirmação, seja pelo desejo de parecer bem, seja pela necessidade de presentear, ambição, orgu- 47 lho do pouco que tem, valorização de pequenas coisas. Algumas dessas peças de vestuário identificam a personagem no seu grupo. Para uma mulher do povo, um brial só pode existir nos seus sonhos, como no caso do devaneio de Mofina Mendes que se imagina rica e casada, ... ataviada / com um brial d’escarlata. D. Rosvel, na Comédia do Viúvo, tirou o chapeirão e ficou vestido como quem era47. Ele disfarçara-se como pastor para ficar perto da amada. O Doutor Justiça Maior troca loba e beca por fraldilha e beatilha, peças próprias de mulher do povo, para poder entrar na casa da moça que pretende conquistar48. O frade da Barca do Inferno requer o respeito pelo seu hábito e sua coroa e o Diabo ironiza: Ó padre Frei Capacete! / Cuidei que tínheis barrete49. Na página 60 do volume II da edição de Marques Braga, uma nota esclarece que Ao tirar o capuz, viu-se que o frade trazia capacete. Na Frágua de Amor, diz o frade, que antes fora azemel, carpinteiro e malhadeiro, a Cupido: Aborrece-me a coroa, / o capelo e o cordão, / o hábito e a feição, / e a véspera e a noa / e a missa e o sermão. E ainda: ... e o sino e o badalo, / e o silêncio e a disciplina, / e o frade que nos matina50. Em outras palavras, a apresentação que o identifica e as obrigações decorrentes da condição de religioso lhe são intoleráveis. No Clérigo da Beira, o filho interpela o pai sobre sua coroa: Vós haveis de celebrar / missa da festa em pessoa / e não fazeis a coroa / antes que vamos caçar? / Pois, pai, não haveis de olhar / que sois Clérigo da Beira, / porque já a gente cabreira / em tudo quer atentar?51 Os comentários que vimos tecendo, num primeiro momento, sugerem que grande parte das personagens 47 COMP. I, 438 / GV. III, 122 COMP. I, 491 / GV. III, 194 49 COMP. I, 214 / GV. II, 60 50 COMP. II, 159-160 / GV. IV, 125 51 COMP. II, 518 / GV. VI, 1-2 48 48 vicentinas são seres inconformados e frustrados. No que toca ao vestuário e à maneira de apresentar-se, notam-se personagens insatisfeitas com o que vestem, outras que anseiam por uma melhor aparência, e não poucos que tentam burlar o próximo, disfarçando pelo traje o que realmente são. Nos autos, alguns tipos são marcados pela roupa como membros de um grupo específico. Neste caso, os termos de vestuário ora funcionam como um sinal, ora como símbolo de um grupo, de uma classe social ou de sexo, sem conotação de valor. A vara, embora não seja peça de vestuário, simboliza a justiça e é insígnia de juiz. Compõe a indumentária do Doutor Justiça Maior na Floresta de Enganos. Chegando à casa da moça, o sessentão conquistador deixa de fora a vara, a seu pedido, e comenta: Si, que es vara de condón, / que me da gruessa hazienda; / y aunque ella poco me rienda, / dame mucha ocasión52. A moça esperta procura livrá-lo daquilo que é indício da sua profissão e da sua situação social: Tirai a loba e daí-ma cá, / luvas e sombreiro e tudo, / e a beca de veludo, / que tudo se guardará53 e oferece-lhe o disfarce: e vesti esta fraldilha, / e ponde esta beatilha, / e fazei que peneirais54 . Há uma troca de identidade provocada pela troca de marcas: o magistrado (beca e loba) e homem mundano (luvas e sombreiro) faz-se de mulher do povo (fraldilha e beatilha) e empenha-se numa função feminina subalterna (peneirar farinha). Esse é apenas um exemplo55. Poderíamos falar ainda nas marcas que identificam os religiosos, os homens do 52 COMP. I, 491 / GV. III, 194 COMP. I, 491 / GV. III, 194 54 Ibidem. 55 Tratamos das marcas e dos signos vicentinos em outro trabalho: Bomfim, Eneida do R. M. Termos relativos ao vestuário: sua função nos Autos de Gil Vicente. 53 49 mundo, os cavaleiros. A operacionalização desses elementos nos autos são fundamentais para o entendimento da atitude crítica de Gil Vicente. Mas isso é matéria de outro trabalho, a ser publicado em breve. 50 PARTE II 51 Na página anterior, frontispício da edição de Évora, 1561, de Eufrosina, de Jorge Ferreira de Vasconcelos (Arquivo Nacional daTorre do Tombo, Lisboa). 1.VESTES, EM GERAL As vestes, em geral, pela riqueza de nomenclatura, fazem crer que fossem muito mais variadas do que hoje. Das peças de vestuário masculino, são nomeadas por Gil Vicente: beca, bragas, calças, calções, camisa, capa, capote, chapeirão, chiote, gibão ou jubão, jaqueta, loba, manto e mantão, pelote, penteador, saio, samarro. Como vestes femininas: alfarda, alquicel, brial, camisa, fraldilha, saia, sainho, vasquinha. O termo vestido só aparece como genérico, no sentido de “roupa”, “veste”. Nota-se uma maior preocupação com as vestes masculinas do que com as femininas, o que é explicável numa época em que se, de um lado, o luxo do traje chegava a ser causa de regulamentações oficiais, por outro lado, as mulheres tinham vida quase que restrita ao lar. Alguns termos referem-se especificamente a uma classe e chegam a marcá-la. Assim, chapeirão só diz respeito a rústicos, nos autos. É o disfarce de D. Rosvel na Comédia do Viúvo, nobre apaixonado que passa por camponês, para viver assalariado na casa de sua amada. (COMP. I, 438 / GV. III, 122) Samarro, nas formas çamarro, çamarilla, çamarrón que, aliás, designam agasalhos diferentes uns dos outros, refere-se nos autos a pastores. No Auto da Feira, o feminino samarra diz respeito a pontífices. O saio, veste mais antiga e tradicional, é próprio do homem do campo. Manto, capa, loba e penteador afinam-se com as classes mais elevadas. A peça de vestuário comum tanto a homens quanto a mulheres, usada por todas as classes sociais, é a camisa. As variações dizem respeito ao material de confecção ou a possíveis adornos. 53 Brial liga-se a mulher de classe elevada; loba e beca funcionam como distintivo do Doutor da Floresta de Enganos, trocado por fraldilha e mantilha, no seu disfarce de mulher do povo (COMP. I, 491 / GV. III, 194). Dos vocábulos designativos dos diversos trajes, grande parte caiu em desuso e outros passaram a designar objetos diferentes. Alfarda, alquicel, bragas, brial, chiote, fraldilha, loba, pelote, saio e vasquinha não se usam mais. Gibão que nos autos e no Cancioneiro Geral aparece com a variante jubão, no Brasil é usado na expressão “gibão de couro”, traje típico do vaqueiro nordestino. O termo calças designava uma peça de roupa diferente, semelhante às atuais meias compridas femininas. A camisa era veste interior e, com o tempo, cada vez mais curta, passou a ser semelhante às de hoje. A expressão “estar em camisa” designava estar à vontade, em trajes íntimos, com o mínimo admissível de roupa. Vem a ter duas significações. Ou alguém está sem roupa porque se despiu, ou porque não a tem, daí “em camisa” significar estar em trajes íntimos ou estar na mais absoluta penúria. No texto de Gil Vicente, a expressão “en faldetas” corresponde à segunda acepção. A saia, originariamente traje dos dois sexos, em Gil Vicente já é feminina e, provavelmente, com as características de hoje, como veste que se usa da cintura para baixo. A descrição possível de cada traje será dada no verbete competente. A preocupação com o detalhe das peças pode observar-se na Comédia de Rubena. Um suadeiro (lenço) é trabalhado com pedra de muitas cores. (COMP. I, 393 / GV. 58-59). A noiva de Silvestre (Auto Pastoril Castelhano, COMP. I, 29-8 / GV. I, 20-14) tem manguitos vermejos y alfarda mui lúcida. O Doutor da Floresta de Enganos usa beca de veludo e loba decontray frisado. (COMP. I, 495 / GV. III, 200, 6-7) 54 Entre os vocábulos designativos de vestes em geral, não se nota o cosmopolitismo acentuado que apresentam termos relativos a outros setores. No que concerne à etimologia, a maioria é de origem latina. Alfarda, alquicel e jubão vêm do árabe. Alquicel, aliás, é uma veste mourisca que foi de uso obrigatório para os mouros de Portugal. Em Gil Vicente é usado por uma das criadas das damas de Cortes de Júpiter. Aquelas, para contrastar com estas, primam pelo desmazelo ou pelo exotismo. Talvez seja o caso de alquicel, no texto, alquicé. A moça irá num alguidar; e vestido um alquicé; o alguidar por lavar, e ela por pentear, (COMP. II, 215 / GV. IV, 249, 5-8) No grupo, há vocábulos de origem basca, franca e outras que não oferecem nada de especial para comentar. ALFARDA (esp.) Lenço de cruzar sobre o peito. Danme la moça vestida de hatillos dominguejos, con sus manguitos vermejos, y alfarda mui llozida! Auto Pastoril Castelhano, COMP. I, 29 / GV. I, 20, 16 55 ALQUICÉ Existem, também, as formas alquicel e alquicer, não empregadas por Gil Vicente. É uma espécie de capa mourisca, geralmente branca, de lã. Segundo Viterbo (I, 435), foi tornado traje obrigatório dos mouros por D. Afonso IV. D. Afonso V regulamenta a forma de cerrá-los. D. João II torna-o, novamente, obrigatório, em 1488, havendo penalidades rigorosas para os que não o usassem. As formas alquicel, alquicé e alquicer estão registradas na edição crítica de Viterbo, de Mário Fiúza, assim como alquicée. Em Moraes, apenas alquicé e alquicer. No texto vicentino, tem uma conotação negativa ou, pelo menos, exótica, como já foi visto na introdução ao capítulo. A moça irá num alguidar; e vestido um alquicé; o alguidar por lavar, e ela por pentear, Cortes de Júpiter, COMP. II, 215 / GV. IV, 249, 6 BECA – BECA (esp.) Moraes supõe que antigamente fosse uma espécie de murça curta ou mesmo uma estola. É, também, veste talar de colegiais e magistrados civis. Nos dois empregos de Gil Vicente, as duas acepções são admissíveis. Em Quem tem farelos?, Ordonho, fazendo pouco do patrão, diz apostar que um judeu possa matá-lo com uma beca. Já a beca de veludo do Doutor, na Floresta de Enganos, é distintivo da sua condição social. Dado o tom de exagero do primeiro caso, deve tratar-se de capa curta ou estola, portanto, leve. No segundo emprego, pode admitir-se a veste talar. 56 Tirai a loba e daí-ma cá, luvas e sombreiro e tudo, e a beca de veludo, Floresta de Enganos, COMP. I, 491 / GV. III, 194, 15 Acá me há quedado todo. Una beca de veludo, y loba de contray frisado, Floresta de Enganos, COMP. I, 495 / GV. III, 200, 6 Apuésto-te que un judío con una beca lo mate Quem tem farelos?, COMP. II, 330 / GV. V, 63, 10 BOCAL Forro das extremidades das mangas. Aqui hão d’ir uns caireis ao redor destes bocais. Comédia de Rubena, COMP. I, 392 / GV. III, 57, 6 BRAGAS As bragas eram largas e curtas e deviam corresponder a cuecas. Tornaram-se necessárias dado o encurtamento da roupa até a altura dos quadris. 57 ei-lo Demo vai, ei-lo Demo vem co’as bragas dependuradas. Auto das Fadas, COMP. II, 407 / GV. V, 187,12 porque não se tomam trutas assi a bragas enxutas1. Juiz da Beira, COMP. II, 475 / GV. III, 298, 11 BRIAL Vestido luxuoso, de seda ou tela rica, atado pela cintura. Era usado por homens e mulheres (Moraes, I, 301). Em Gil Vicente, só há referência a briais femininos. e o dia que for casada sairei ataviada com um brial d’escarlata, Auto de Mofina Mendes, COMP. I, 115 / GV. I, 150, 5 Vesti ora este brial, Auto da Alma, COMP. I / GV. II, 12, 17 Traze ca a almofadinha, e a seda e o dedal; 1 Trata-se de um provérbio. 58 e um coxim e todo o al que está nessa camarinha debaixo do meu brial. Comédia de Rubena, COMP. II, 388 / GV. III, 52, 8 não briais d’ouro tecidos com trepas de desvarios: dai-os pera capacetes. Exortação da Guerra, COMP. II, 177 / GV. IV, 154, 9 Outra de grã fermosura irá em nuvem de bonança, em um brial sem costura: Cortes de Júpiter, COMP. II, 215 / GV. IV, 249, 15 Remoçou-m’ela um brial de seda e uns toucados. O Velho da Horta, COMP. II, 396 / GV. V, 170, 13 CABEÇÃO Designa duas coisas diferentes: parte que fica ao redor do pescoço de uma capa, logo, gola, e parte superior da camisa, da cintura para cima. Em Gil Vicente, aparecem os dois sentidos. 59 É d’aljofre um cabeção pera o Conde de Penela. Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 58, 16 foi e esfarrapou-me toda o cabeção da camisa. Inês Pereira, COMP. II, 430 / GV. IV, 224, 19 CALÇAS Semelhantes às meias compridas femininas atuais. Eram geralmente separadas, com ou sem solas sobressalentes, presas à cintura por cordões ou abaixo dos joelhos, por ligas. Era hábito presentear calças em troca de um serviço. folias de tanoeiro em calças e em jubão: Comédia de Rubena, COMP. I, 397 / GV. III, 65, 7 E mais calças te prometo. Inês Pereira, COMP. II, 443 / GV. V, 244, 27 CALÇÕES Eram bufantes, com o volume dependente da diferença de comprimento entre o exterior e o forro. Em outras palavras: quanto mais curto o forro em relação ao tecido exterior, mais bufante o calção. 60 que trarão preso um grumete sem jaqueta nem calções. Auto Pastoril Português, COMP. I, 128 / GV. I, 169,13 (...) e os Fidalgos do Príncipe tiraram suas capas e ficaram em calções e gibões de brocado como carafates Nau d’Amores, COMP. II, 121 / GV. IV, 70 CAMISA – CAMISA / CAMIZON (esp.) Traje interior, masculino e feminino, geralmente em linho ou bragal. As masculinas podiam também ser em seda e bordadas, mesmo a ouro. As femininas, dado o pronunciamento do decote da veste exterior, tinham, às vezes, a parte superior finamente bordada, o mesmo podendo acontecer com os punhos. Primitivamente, a camisa era veste interior que ia até os pés. Depois, passou a ser aberta dos lados, comprida até os joelhos. No calor, podia ser substituída por um peitilho (porta de Holanda), apertado com cordões ou fitas. Na intimidade podia-se andar só de camisa. A expressão “em camisa” significa “em trajes íntimos” e pode, também, ser usada para indicar extrema penúria, ser tão pobre que nem mesmo tem roupas. Agora lhe fio eu ~ ua camisa de linho. Auto Pastoril Português, COMP. I, 136 / GV. I, 182, 9 61 ceñió su camisa las carnes de fuera, Comédia de Rubena, COMP. I, 371 / GV. III, 25, 7 Se camisa furutá eu, labrado d’ouro faramosa, Frágua d’Amor, COMP. II, 147 / GV. IV, 108, 16 “quem te me tivesse “desnuda em camisa! Serra da Estrela, COMP. II, 245 / GV. IV, 224, 7 Cuidei que eles m’esperaram, por não ficar em camisa, Romagem dos Agravados, COMP. II, 31 / GV. V, 36, 9 e prometi-vos em camisa a santa Maria da Luz; Auto da Índia, COMP. II, 358 / GV. V, 113, 5 esta camisa que trago em vossa dita a vesti, Auto da Índia, COMP. II, 359 / GV. V, 114, 14 62 foi e esfarrapou-me toda o cabeção da camisa Inês Pereira, COMP. II, 430 / GV. V, 224, 19 Eu vos trago um bom marido, rico, honrado, conhecido; diz que em camisa vos quer, Inês Pereira, COMP. II, 432 / GV. V, 228, 23 Dadme una camisa açucar colado Auto das Ciganas, COMP. II, 448 / GV. V, 320, 6 A mi bai furtá entanto camisa que sá na muro, Clérigo da Beira, COMP. II, 537 / GV. VI, 30, 15 si me das un camizon hare que seas mas rica que aya en tu generacion. Auto da Festa, COMP. II, 681 / GV. VI, 141, 17 ea dame alguna cosa, cara de rosa una saya desechada, una camisa rasgada. Auto da Festa, COMP. II, 681 / GV. VI, 143, 4 63 CAPA – CAPA (esp.) Veste exterior, usada para proteger. Assumia nomes diferentes de acordo com as características e o feitio. Muitas vezes usava-se com capuz. Havia “capas aguadeiras” para proteger da chuva. Em sentido figurado, Gil Vicente usa o termo como “proteção”. Mandai-me ora agasalhar, capa dos desamparados, Auto da Alma, COMP. I, 190 / GV. II, 23, 23 ni puedo a tus males ponerte remedio. Partamos aquesta mi capa por medio; Auto de S. Martinho, COMP. II, 352 / GV. II, 268, 16 (...) e os fidalgos do Príncipe tiraram suas capas Nau d’Amores, COMP. II, 121 / GV. IV, 70 Sabeis que ganais en eso? El mundo todo por vuesso! Que aunque tal capa me veis, tengo más que pensareis: Auto da Índia, COMP. II, 350 / GV. V, 99, 3 Vós trazeis seis moços de pé e acrescentai-los a capa, Farsa dos Almocreves, COMP. II, 499 / GV. V, 338, 10 64 Senhor, eu tenho gastada ua capa e um mantão; Farsa dos Almocreves, COMP. II, 505 / GV. V, 348, 7 CAPOTE (esp.) Abrigo, espécie de capa. Ni capote ni capilla, Triunfo do Inverno, COMP. II, 258 / GV. IV, 281, 19 CHAPEIRÃO Moraes e Viterbo registram capeiron como capa grande. Leite de Vasconcellos2 discorda, com apoio em D. Carolina Michaëlis em Zeitsch. F. rom. Philol, XXVIII, 396, nota 13. Para ele, a significação é capuz, a mesma que se encontra em Oliveira Marques. Os exemplos que servem de base a D. Carolina Michaëlis são do Cancioneiro da Vaticana: caparom, na cantiga nº 926 e capeyrete, na 1069. De fato, ambos, sem dúvida, significam capuz. A discordância se justifica pela evolução da peça, sem mudança de designação. Em Gil Vicente, é manto. Na Comédia do Viúvo, é disfarce de D. Rosvel, encobre-lhe as vestes que lhe denunciariam a condição. No Clérigo da Beira, o chapeirão escondido por Gonçalo e achado pelo negro é caracterizado como capote: “Graça Deos esse é capote”. Nos autos, chapeirão é traje característico de rústico. 2 Observações de “Elucidário” de Pe. Santa Rosa de Viterbo, In: Estudos de Filologia portuguesa. 3 É XXVIII e não XVIII como, por lapso, registra Leite de Vasconcellos. 65 Tirou Dom Rosvel o chapeirão, e ficou vestido como quem era; Comédia do Viúvo, COMP. I, 438 / GV. III, 122 Olha por teu chapeirão, Clérigo da Beira, COMP. II, 531 / GV. VI, 23, 15 Leixarei o chapeirão metido nesta mouteira, Clérigo da Beira, COMP. II, 534 / GV. VI, 26, 26 Espreita o negro como Gonçalo esconde o chapeirão e o al, Clérigo da Beira, COMP. II, 534 / GV. VI, 27 Jesu! E o meu chapeirão. Clérigo da Beira, COMP. II, 538 / GV. VI, 30, 20 Vai pedir o chapeirão Ao negro do Maracote. Clérigo da Beira, COMP. II, 542 / GV. VI, 37, 3 66 CHIOTE Saio de tecido grosseiro, ou, nas palavras de Moraes, saio de droga vil. A abonação do dicionarista é de Prestes, no Auto do Mouro. Para Marques Braga, Vestiduras pastoris de burel com capelo. (Nota da p. 29, GV. V) maus chiotes de má pano: folgai lá com tais maridos! Romagem dos Agravados, COMP. II, 319 / GV. V,49, 18 CUEIRO Pano de cobrir e enfaixar as criancinhas. E manda pera cueiros tudo quanto aqui se monta; Comédia de Rubena, COMP. I, 373 / GV. III, 29, 1 Disse que alem dos cueiros, manda quantas jóias tinha, Comédia de Rubena, COMP. I, 373 / GV. III, 29, 9 DESNUDAR (-SE) (esp.) Tirar as vestes, despir (-se). Yo confio en Jesú Redentor mio, que por mí se desnudó, Auto da Barca da Glória, COMP. I, 270 / GV. II, 153, 3 67 DESNUDO / DESNUDA Sem roupa ou em trajes íntimos. Cuán contento lo verá desnudo echado, de los frios trespassado, y adorado de los brutos animales Auto dos Reis Magos, COMP. I, 42 / GV. I, 41, 19 “quem te me tivesse “desnuda em camisa! Serra da Estrela, COMP. II, 245 / GV. IV, 224, 7 ándome a calçado viejo, desnudo, desfarrapado, O Juiz da Beira, COMP. II, 469 / GV. V, 287, 9 ESFARRAPADO-DESFARRAPADO (esp.) Roto, em farrapos. Ahora que soy guaiado y negro cristianejo, ándome a calçado viejo, desnudo, desfarrapado, el más triste del consejo. Juiz da Beira, COMP. II, 469 / GV. V, 286, 9 68 (...) um fidalgo de muito pouca renda usava muito estado, e tinha capelão seu e ourives seu, e outros oficiais, aos quais nunca pagava: e vendo-se seu capelão esfarrapado e sem nada de seu, entra dizendo: Farsa dos Almocreves, COMP. II, 495 / GV. V, 331 ESQUIPADO No texto, esfarrapado, coincidindo com nota de pé de página de Marques Braga4. O termo, primitivamente, é próprio da linguagem náutica. Esquipar o navio, segundo Moraes, é meter nele a gente de remar ou marear5. Registra, também a expressão “traje esquipado”, no sentido de “justo”, colado ao corpo. Pois que não posso rezar, por me ver tão esquipado, Farsa dos Almocreves, COMP. II, 495 / GV. V, 331, 2 (En) FALDETAS (esp.) A expressão “en faldetas” deve ser equivalente à portuguesa “em camisa” – sem nada, pobre a ponto de não ter o que vestir. y si mi espírito no yerra, asegún quedé en faldetas, Triunfo do Inverno, COMP. II, 257 / GV. IV, 279, 6 4 5 GV. V, 331. Cf. op. cit., Vol. I, p.767. 69 FRALDILHA Avental. Moraes dá como uma espécie de avental ou fralda de couro que usavam antigamente os moços do monte, caçadores. Em Gil Vicente, é traje caracteristicamente feminino, de mulher do povo. Cf. verbete FRALDIQUEIRA. Deu-t’ele a fraldilha roxa? Auto da Feira, COMP. I, 164 / GV. I, 228, 19 e vesti esta fraldilha, e ponde esta beatilha, e fazei que peneirais. Floresta de Enganos, COMP. II, 491 / GV. III,194, 20 Bem vos diz essa fraldilha! Quereis vós bailar comigo? Floresta de Enganos, COMP. II, 494 / GV. III, 199, 13 Inda eu sou molher bem tesa; e cair não é maravilha; porque empecei na fraldilha, que co’a pressa, não lhe fiz ma ora a presa, Triunfo do Inverno, COMP. II, 263 / GV. IV, 289, 7 70 correge essas crenchas, filha e viste-te essoutra6 fraldilha, Auto da Lusitânia, COMP. II, 554 / GV. VI, 56, 26 GIBÃO / JUBÃO Veste que cobre o corpo até a cintura. Aparece como vestuário civil em meados do século XIV. A gola, facultativa, mais freqüente a partir do século XV, tornou-se cada vez mais alta e fechada. As mangas eram compridas e justas. Apesar de veste interior, em festas e cerimônias, em tempo quente, podia ser usado sem outra roupa por cima. Como em Gil Vicente o termo ocorre uma vez em cada forma, não é possível dizer-se se há diferenças de emprego. No nordeste do Brasil, o gibão de couro é traje típico do vaqueiro. Trago-lhe aqui mil gaiteiros lampas cada São João carreiras no meu ruão folias de tanoeiros em calças e em jubão: Comédia de Rubena, COMP. I, 397 / GV. III, 65, 7 (...) ficaram em calções e gibões de borcado como carafates: Nau de Amores, COMP. II, 121 / GV. IV, 70 6 Na edição de Marques Braga, ess’oitra. Na fala dos judeus, Gil Vicente usa sempre o ditongo oi. 71 Vou e vendo ~ua viola e um gibão de fustão Juiz da Beira, COMP. II, 474 / GV. V, 297, 11 JAQUETA Pequena casaca que se vestia sobre a saia. Segundo Viterbo (II, 187), era traje militar. O mesmo se depreende da descrição de Moraes ( II, 187). No texto vicentino diz respeito a um grumete. e virão três hortelões, que trarão preso um grumete sem jaqueta nem calções. Auto Pastoril Português, COMP. I, 128 / GV. I, 169, 13 LOBA (port. e esp.) Traje antigo, espécie de túnica. Podia ser traje escolástico, composto de uma túnica sem mangas e de uma capa talar. (cf. Moraes, II, 232) Tirai a loba e daí-ma cá, luvas e sombreiro e tudo, Floresta de Enganos, COMP. I, 491 / GV. III, 194, 13 A loba lhe fica cá. Floresta de Enganos, COMP. I, 495 / GV. III, 200, 3 72 Acá me há quedado todo una beca de veludo, y loba de contray frisado Floresta de Enganos, COMP. I, 495 / GV. III, 200, 7 MANGA – MANGUITOS (dim, esp.) As mangas eram facultativas nas roupas exteriores. Podiam ser costuradas ao ombro ou soltas, presas por alfinetes ou cordões. Houve época em que esteve na moda uma manga de cada cor ou até em cor diferente do traje, o que o texto vicentino parece comprovar (manguitos vermejos). De acordo com o tipo de vestimenta, havia mangas longas e justas, abotoadas do punho ao cotovelo; largas no antebraço e muito compridas; franzidas em vários lugares e amarradas com fitas coloridas, confeccionadas com o melhor linho. Certo tipo de opas tinha mangas postiças que podiam ser trocadas. No caso de vestidos femininos sobrepostos, as mangas do de cima eram bem mais largas, ainda que não passassem do cotovelo. Podiam ser costuradas na peça de vestuário ou presas com alfinetes ou cordões No capítulo XX da História da Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, Aônia coloca uma manga de camisa sobre a cabeça, porque se achava no eirado, sem estar toucada convenientemente. Danme la moça vestida De hatillos dominguejos, com sus manguitos vermejos, y alfarda muy llozida: Auto Pastoril Castelhano, COMP. I, 29 / GV. I, 20, 14 73 Tirou o Ermitão da manga, três papelinhos escritos, Serra da Estrela, COMP. II, 237 / GV. IV, 214 MANGUISPANADO Segundo nota da edição de Marques Braga7, entenda-se como “com as mangas rotas”. y agora ándome ansí sin çamarro, sin çurrón, perdido, manguispanado: Triunfo do Inverno, COMP. II, 259 / GV. IV, 282 MANTÃO Capa grande para abrigar. Peça uttilitária e não de adorno, nos autos de Gil Vicente. O mantão, como traje de luxo, bordado a ouro e forrado de arminho, já passara de moda. No século XV, não mais se usava em certas partes da Europa, mas em Portugal, pelo que se depreende dos conselhos do Coudel Mor Fernã da Silveira ao seu sobrinho, no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, mantão era traje admitido na corte, no início do século XVI. Senhor, eu tenho gastada ~ ua capa e um mantão; Farsa dos Almocreves,COMP. II, 505 / GV. V, 348, 7 7 Op. cit., Vol. IV, p. 282. 74 O mantão mandai guardar Auto da Lusitânia, COMP. II, 553 / GV. VI, 55, 11 Quanta choca, quanta lama, Que traz o mantão frisado, Que estava tão alimpado, Que parecia ~ ua dama Dante seu namorado! Auto da Lusitânia, COMP. II, 553 / GV. VI, 55, 21 Nunca logre esse mantão, se o Conde Mordomo-mor não s’emborcou at’ao chão co barrete no arção, como s’eu fora doitor da casa da Relação. Auto da Lusitânia, COMP. II, 553 / GV. VI, 56, 16 MANTO Capa caída a partir da cabeça, para as mulheres e a partir dos ombros, para os homens. Há dois tipos de manto: para proteger do frio, com denominações diferentes, de acordo com as características e o feitio; para ocasiões de cerimônia, usado pelos reis e pelos nobres. Podiam ser forrados de peles ou de outro tipo de material. Às vezes eram tão longos que arrastavam no chão. 75 ~ figa debaixo do manto: Dar-lh’ei ua Diálogo sobre a Ressurreição, COMP. I, 323 / GV. II, 230, 22 Oh,Virgem de Monserrate, livra-nos deste rebate polo teu precioso manto. Triunfo do Inverno, COMP. II, 270 / GV. IV, 301, 9 Empara-nos de tanto vento c’o teu precioso manto, Triunfo do Inverno, COMP. II, 271 / GV. IV, 303, 3 NU / NUA Despido, despida. e vós nu ali deitado Serra da Estrela, COMP. II, 240 / GV. IV, 218, 9 É um mancebo tão belo, que iria polo cobrar nua per este regelo. Triunfo do Inverno, COMP. II, 261 / GV. IV, 286,167 76 ando polos adros nua, ~ sem companhia nenhua, senão um sino samão, Auto das Fadas, COMP. II, 403 / GV. V, 180, 18 PELOTE Veste antiga que se usava em cima da saia e embaixo da capa. Não era usada pelos peões. De meados do século XV a fins do XVI, o pelote foi muito curto, ia até o meio das ancas. Traje masculino ou feminino, era ajustado ao corpo, com mangas facultativas. Viterbo apresenta duas acepções para pelote: capa forrada de peles e vestido. e trago d’Andaluzia naipes com que os sacerdotes arreneguem cada dia, e joguem até os pelotes. Auto da Feira, COMP. I, 154 / GV. I, 210, 12 Graça Deuso esse é capote; Nunca dexa aqui palote: Clérigo da Beira, COMP. II, 535 / GV. VI, 27, 20 Que palote saba são, Barete tão bem bom era. Clérigo da Beira, COMP. II, 535 / GV. VI, 28, 2 77 Ora fiai de rascão, que farpa todo o pelote, e não se farta de pão. Clérigo da Beira, COMP. II, 542 / GV. VI, 37, 6 PENTEADOR Pano para proteger quem se penteia, dos ombros até os joelhos. No texto vicentino, trata-se de uma peça finamente lavrada, destinada ao Bispo de Funchal. Senhora, é penteador pera o Bispo de Funchal. Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 58, 12 ROUPADO O mesmo que enroupado, vestido. De dia sempre encerrado: porque anda mal roupado, não ousa de se mostrar. Quem tem farelos?, COMP. II, 328 / GV. V, 60, 8 lá pera Val de Cobelo, mal roupada que ela ia. Farsa dos Almocreves, COMP. II, 511 / GV. V, 358, 2 78 SAIA – SAYA (esp.) – ÇAIA (cig.) Primitivamente, vestimenta para ambos os sexos. Era uma espécie de túnica ou vestido, com ou sem mangas, confeccionada com tecidos ricos e com profusão de bordados e decorações, às vezes forradas com peles valiosas. Para os homens, o comprimento variou dos pés até a altura dos quadris. A partir do século XIII, tornou-se cada vez mais curta. Por essa época, a forma “saio” foi preferida para a vestimenta masculina. Os saios de nobres e seus pagens primavam pelo luxo. O comprimento das saias femininas não variou, manteve-se até os pés. A partir do final do século XV, o vestido feminino deixou de ser inteiriço e passou a ser feito em duas peças: um corpete, justo, terminando na altura da cintura e uma saia, daí até os pés. Moraes registra saia como vestidura de mulher que vai da cintura para baixo. São essas as saias que se usavam no tempo de Gil Vicente. Nos autos, as saias são sempre vestimentas femininas. É essa a tua saia nova? Auto Pastoril Português, COMP. I, 131 / GV. I, 173, 13 Quero boso que mi bai buscar o poco de venturo, que a mi namoraro sai de moça casa sua pai, que tem saia verde-escuro, Nau d’Amores, COMP. II, 128 / GV. IV, 80, 5 79 traz a saia descosida, e não lhe dará um ponto. Serra da Estrela, COMP. II, 227 / GV. IV, 198, 3 Y comprelle una sortija, y una saya verde escura: Triunfo do Inverno, COMP. II, 259 / GV. IV, 282, 6 Dadme una çaya, ceñur graciuzo, Farsa das Ciganas, COMP. II, 488 / GV. V, 320, 8 ea, da-me alguna cosa, cara de rosa una saya desechada, Auto da Festa, COMP. II, 682 / GV. VI, 143, 3 SAIO / SAYO (esp.) Originariamente, saia (cf. verbete saia). Com o tempo, distinguindo-se o vestido masculino do feminino, sobretudo com respeito ao comprimento, o saio, que não ia abaixo do meio das ancas, tornou-se uma espécie de casaco, semelhante ao gibão ou jubão, que não dispensava, entretanto, o uso deste. Era confeccionado em tecido mais forte, em seda espessa ou em veludo e, de certa forma, correspondia ao colete de hoje. Em pouco tempo, perdeu as características luxuosas. No século XVI, era traje para ambos os sexos, muito usado por 80 camponeses. Em Gil Vicente, saio diz respeito a personagens masculinos, mas o diminutivo sainho a personagens do sexo feminino. Oh, quien m’hora ca mi sayo, para cubrirme estos piés! Auto dos Quatro Tempos, COMP. I, 87 / GV. I, 105, 7 Viste já o meu saio pardo? Auto Pastoril Português,COMP. I, 132 / GV. I, 176, 5 y sobre mis carnes no echas un sayo, ni dexan dolores que lo gane yo? Auto de S. Martinho, COMP. I, 350 / GV. II, 267, 1 E a sua moça irá em trosquia num sendeiro, com um sainho de liteiro Cortes de Júpiter, COMP. II, 213 / GV. IV, 247, 3 yo saqué en Santintín este sayo en hora mala, Triunfo do Inverno, COMP. II, 258 / GV. IV, 282, 2 81 TREPAS Folhos de vestido. Não briais d’ouro tecidos com trepas de desvarios: Exortação da Guerra, COMP.– II, 177 / GV. IV, 154, 8 VASQUINHA Saia antiga, pregueada. Está tão saudosa de vós, que se perde a coutadinha: há mister ~ua vasquinha e três onças de retrós. O Velho da Horta, COMP. II, 396 / GV. V, 171, 1 SAMARRA / SAMARRO – ÇAMARRO (Esp.) Pode ser roupa pastoril ou roupa caseira, aberta na frente, usada por eclesiásticos. Como no texto samarras refere-se a pontífices, o último sentido seria mais adequado.Os dois, entretanto são admissíveis, pois os religiosos são tratados metaforicamente como pastores de almas. Já samarro, o espanhol çamarro e as formas de diminutivo e aumentativo çamarilla e çamarrón aplicam-se a agasalhos usados por pastores, confeccionados de peles, palha ou pano. Leva os tarros e apeiros, e o surrão co’os chocalhos, os samarros dos vaqueiros, Mofina Mendes, COMP. I, 111 / GV. I, 142, 5 82 À feira, à feira, igrejas, mosteiros, pastores das almas, Papas adormidos; comprai aqui panos, mudai os vestidos buscai as samarras dos outros primeiros os antecessores. Auto da Feira, COMP. I, 151 / GV. I, 205, 18 Acá viene Juan Guijarro muy perdido a maravilla, que gastó com Torobilla, con que no compró çamarro, Triunfo do Inverno, COMP. II, 256 / GV. IV, 278, 11 Mejor estás tú, hermano que guardaste del veran con que compraste çamarro. Triunfo do Inverno, COMP. II, 258 / GV. IV, 281, 4 No tienes tú otro hato çamarrón o çamarrilla? Triunfo do Inverno, COMP. II, 258 / GV. IV, 281, 18 y agora ándome ansí sin çamarro, sin çurrón Triunfo do Inverno, COMP. II, 259 / GV. IV, 282, 17 83 Dame el tu çamarro a ver, Triunfo do Inverno, COMP. II, 259 / GV. IV, 283, 5 VESTIR – VESTIR (esp.) Portar roupa. Cobrir-se com vestimenta. Eu são indino pastor, pobre, vestido de pele, Floresta de Enganos, COMP. I, 503 / GV. III, 212, 2 Deves hablar como vistes, o vestir como respondes. D. Duardos, COMP. II, 35 / GV. III, 253, 3 e4 Cuando se viste, toma dos horas despacio! Quem tem farelos?, COMP. II, 330 / GV. V, 64, 7 E do vestir não fazeis conta? Farsa dos Almocreves, COMP. II, 497 / GV. V, 334, 23 84 Eu entro sempre ao vestir; porém pera arrecadar, há mister grande vagar. Farsa dos Almocreves, COMP. II, 505 / GV. V, 347, 13 2. O TOUCADO Estamos considerando toucado tudo aquilo que se usa na cabeça e também o que se relaciona com a maneira de trazer os cabelos. No que diz respeito ao segundo aspecto, pouco Gil Vicente nos fornece sobre o cabelo dos homens, referindose, apenas à tonsura religiosa de que trataremos no capítulo VESTES E INSÍGNIAS RELIGIOSAS. Quanto aos cabelos femininos, tem-se a expressão em cabelo e os vocábulos crenchas e trançado. “Em cabelo” significa “estar com os cabelos soltos”. Só as mulheres solteiras podiam apresentar-se assim. Antigamente, “mulher em cabelo” correspondia a “mulher solteira”8. Não é este, com certeza, o sentido com que aparece na Comédia de Rubena9: Como se vido ya fuera de pena, echó sus vestidos en una ribera, ceñió su camisa las carnes de fuera, hermosa en cabello como una sirena. Comédia de Rubena, COMP. I, 371 / GV. III, 25, 5 8 Cf. Fuero Real de Afonso X, o sábio. Versão portuguesa do século XIII, publicada e comentada por Alfredo Pimenta. Lisboa: Edição Instituto para a Alta Cultura, 1946. 459 p. 9 Rubena acabara de dar à luz uma menina. 85 O mesmo observa-se em Os Lusíadas, no episódio do Velho do Restelo: Qual em cabelo: ó doce e amado esposo, Sem quem não quis Amor que viver possa Camões, Os Lusíadas, IV, 91 Nos dois casos, as mulheres estão de cabelos soltos. Houve época em que foi moda arregaçar os cabelos para trás, descobrindo as orelhas e deixando a testa alta e lisa. Para isso, era preciso raspar os cabelos da fronte. Nos autos, a tosquia feminina tem conotação negativa: E minha ama é judia tão pelada; se a vissem em trosquia, parece demoninhada metida na almotolia Comédia de Rubena, COMP. I, 402 / GV. III, 71, 15 Há outros exemplos, em Cortes de Júpiter, com respeito às criadas das damas, que devem apresentar-se mal, para contrastar com estas. (COMP. II, 213 / GV. IV, 247, 2; COMP. II, 215 / GV. IV, 248, 12 e COMP. II, 209 / GV. IV, 239, 9, este último transcrito abaixo): Irão mulheres solteiras todas nuas trosquiadas bem rapadas as moleiras carregadas de peneiras em senhas sibas sentadas. 86 Crenchas, “tranças” era usado só no plural. Era costume trazer o cabelo trançado e as tranças enroladas e dispostas no alto da cabeça, na nuca ou dos lados, na região das orelhas. O termo ocorre mais de uma vez nos autos. Em Cortes de Júpiter, diz respeito ao desalinho das criadas das donas: E irão suas criadas num lagar d’azeite todas, sem crenchas, descabeladas, como salvagens pasmadas de tão altíssimas bodas. Cortes de Júpiter, COMP. II, 216 / GV. IV, 250, 17 No Auto da Lusitânia, a mãe manda Lediça ajeitar-se: correge essas crenchas, filha, e viste-te essoutra10 fraldilha, que essa vem-te pequenina; Auto da Lusitânia, GV. VI, 56-57, 25 A preocupação com o toucado é revelada em outras passagens. Cismena – menina, na Comédia de Rubena, gabase de sua coifinha lavrada. (COMP. I, 382 / GV. III, 42, 12-13) No Auto Pastoril Português, Joane promete a Catalina que irá à feira e providenciará que ela fique bem toucada. (COMP. I, 131 / GV. I, 174, 18-21) Em Inês Pereira, a mãe dá-lhe o conselho de toucar-se porque o rústico que lhe mandou uma carta pretende casar-se. (COMP. II, 434 / GV. V, 232, 3-4) 10 Na edição de Marques Braga está ess’oitra. Cf. nota 6. 87 Como cobertura, de cabeça para homens há barrete, capelo, capuz, carapuça, gorra, sombreiro. Para as mulheres: beatilha, coifa, enxaravia, touca e véu. A enxaravia era um lenço de cabeça. No Auto Pastoril Português, não é absolutamente insígnia das alcoviteiras. (cf. verbete enxaravia) Quanto aos vocábulos capelo e capuz são derivados de capa, o mesmo podendo-se dizer de chapeirão, através do francês chaperon. Do grupo, um vocábulo é árabe, enxaravia, enquanto touca bem pode ser o ibérico tauca, ou um vocábulo persa que nos chegou através do árabe, pois que foi enorme a influência da indumentária e dos tecidos do Oriente na Península Ibérica medieval. Barrete e coifa têm origem francesa, carapuça, castelhana. Gorra vem do vasco e os demais são latinos ou derivados de vocábulos latinos. BARRETE Cobertura de cabeça usada debaixo do chapéu. Oliveira Marques assinala o uso por parte de nobres e burgueses, no século XV, de coifas e toucas, provavelmente chamadas barretes, como primeira cobertura11. Era também usado pelos clérigos, como única cobertura. Pelo que se pode depreender da ocorrência do termo nos autos de Gil Vicente, ao seu tempo, o uso de barrete era generalizado em todas as camadas sociais. Ainda hoje, faz parte da indumentária típica de várias regiões portuguesas. (cf. Leite de Vasconcellos. Estudos de Filologia Portuguesa. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1961, pp. 23-24) Nos autos, o termo só se refere a personagens do sexo masculino. 11 Marques, A . H. de Oliveira. A Sociedade Medieval Portuguesa, aspectos da vida quotidiana. 4ª ed. Lisboa: Sá da Costa, 1981. 88 Ó padre Frei Capacete Cuidei que tinheis barrete. Barca do Inferno, COMP. I, 215 / GV. II, 60, 9 Não sei que anos haveis mas olhais-me de través, e com o barrete embicado. Floresta de Enganos, COMP. I, 488 / GV. III, 191, 12 Avisa-te, que hás-d’estar sem barrete onde eu estou. Inês Pereira,COMP. II, 442 / GV. V, 244, 7 Nunca logre este mantão, se o Conde Mordomo-Mor não s’emborcou at’ao chão co barrete no arção. Auto da Lusitânia, COMP. II, 554 / GV. VI, 56, 19 chama o povo ao carniceiro Senhor, c’os barretes fora. Auto da Feira, COMP. I, 147 / GV. I, 200, 5 E na mão minha barete. Nau de Amores, COMP. II, 129 / GV. IV, 80, 20 89 Barete tam bem bo era. Clérigo da Beira, COMP. II, 535 / GV. VI, 28, 3 BEATILHA Touca usada por pastoras, por beatas e freiras e, talvez, por mulheres idosas, e vesti esta fraldilha, e ponde esta beatilha, e fazei que peneirais. Floresta de Enganos, COMP. I, 491 / GV. III, 194, 21 (En) CABELLO (esp.) De cabeça descoberta, sem coifa ou outra cobertura. As mulheres usavam os cabelos presos ou trançados e a cabeça coberta. Na intimidade podiam andar sem toucado. Às donzelas era permitido ostentar cabelos caídos. hermosa en cabello como una sirena. Comédia de Rubena, COMP. I, 371 / GV. III, 25, 8 CAPELO – CAPILLA (dim. esp.) Parte de hábito de alguns religiosos com que cobriam a cabeça e o pescoço, logo, capuz. Também capa pequena com capuz, guarnecida de couro ou, em outras palavras, capuz prolongado em capa até os ombros. Em Gil Vicente, o capelo sempre se refere à parte que cobre a cabeça, portanto, é 90 capuz. Refere-se ora a peça do traje clerical, ora a veste de rústicos. RELIGIOSO: Si, co’esse capelo Nau d’Amores, COMP. II, 136 / GV. IV, 91, 16 Aborrece-me a coroa, O capelo e o cordão, Frágua de Amor, COMP. II, 159 / GV. IV, 125, 9 Entra logo Frei Paço com seu hábito e capelo (...) Romagem de Agravados, COMP. II, 289 / GV. V, 1 Eu tenho Jorge de Melo por um Padre São Gião; traz sempre contas na mão mas não sei lá no capelo como vai à devação. Clérigo da Beira, COMP. II, 545 / GV. VI, 42, 1 RÚSTICO: Ni capote ni capilla, ni tengo más de un çapato Triunfo do Inverno, COMP. II, 258 / GV. IV, 281, 19 91 três chocalhos e um novelo, e as peias no capelo: Inês Pereira, COMP. II, 436 / GV. V, 234, 13 algum rapaz m’as comeu, que as meti no capelo, Inês Pereira, COMP. II, 436 / GV. V, 234, 18 Eu lhe trazia das bodas sempre o capelo atestado de figos, de carne e pão. Juiz da Beira, COMP. II, 482 / GV. V, 308, 21 Hou, mulher do amarelo, vistes cá, se vem a mão, um fidalgo terrastão com ~ ua lebre no capelo? Clérigo da Beira, COMP. II, 529 / GV. VI, 20, 6 CAPUZ Cobertura de cabeça. Podia ser solto ou preso ao manto ou capa. bailará com Pero Luz, vestido no seu capuz: Auto Pastoril Português, COMP. I, 129 / GV. I, 168, 13 92 dois anos por acabar o capuz de Dom Fernando Auto da Lusitânia, COMP. II, 547 / GV. VI, 47, 10 CARAPUÇA Freqüentemente serve para designar qualquer tipo de cobertura de cabeça, barrete e até sombreiro. Ora chama tu por ela e aposto-te a carapuça, que a negra burra ruça Mofina Mendes deu nela. Mofina Mendes, COMP. I, 113 / GV. I, 146, 7 CHAPEIRÃO Ver VESTES EM GERAL. Nos autos, o termo não aparece como cobertura de cabeça, mas equivalendo a capa. Esta peça de vestuário sofreu, durante a Idade Média, modificações acentuadas, no tamanho e na forma. Como chapéu, deve ter deixado de ser usado no século XV. COIFA Cobertura de cabeça. Espécie de rede de seda, de linha ou de gaze fina em que se metiam os cabelos e que se apertava no alto da cabeça. Era a cobertura de cabeça feminina por excelência. Na Idade Média as mulheres usavam uma touca de pano, a crespina, colocada sobre um lenço. E a mim hão-me de comprar ~ ua coifinha lavrada. Comédia de Rubena, COMP. I, 382 / GV. III, 42, 13 93 Torna a Velha com a bula do Núncio na mão, com uma coifa lavrada na cabeça e vestida como noiva, e diz Auto da Festa, COMP. II, 699 / GV. VI, 162 CRENCHAS Tranças. Os cabelos deveriam ser trançados e enrolados no alto da cabeça ou dos lados, ou na nuca. Só as mulheres solteiras podiam andar de cabelos soltos. E irão suas criadas num lagar d’azeite todas, Sem crenchas, descabeladas. Cortes de Júpiter, COMP. II, 216 / GV. IV, 250, 19 Correge essas crenchas, filha Auto da Lusitânia, COMP. II, 554 / GV. VI, 56, 25 DESCABELADAS Com os cabelos descompostos. Era de grande importância para a mulher que estivesse convenientemente penteada e toucada. No capítulo XX da Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, Aônia lembra-se de que estava fora de casa, no eirado, toucada de um arrodilhado, como se erguera e, para remediar o mal, coloca uma manga da camisa sobre a cabeça. E irão suas criadas num lagar d’azeite todas, sem crenchas, descabeladas, Cortes de Júpiter, COMP. II, 216 / GV. IV, 250, 19 94 ENXARAVIA Paroxítono pela rima e pela métrica e não proparoxítono, como aparece em Moraes. Toucado antigo, lenço de cabeça. O excelente verbete de Gonçalves Viana12 contém uma citação do livro V das Ordenações, em que se impõe o uso de enxaravia vermelha para as alcoviteiras, quando não houvesse pena de morte ou degredo. Ao meu ver, é a cor da enxaravia que determina a insígnia. Viterbo, com respeito a polaina, sinal afrontoso que as alcoviteiras deviam trazer fora de casa, diz consistir em uma espécie de toucado ou beatilha vermelha (que também se disse enxaravia) (...) A personagem vicentina a quem se refere o termo não é de forma alguma uma alcoviteirsa, é uma pastora. No texto não há alusão a cor. e eu farei de maneira que tu sejas bem toucada. Não m’arrarão alfinetes, e também enxaravia. Auto Pastoril Português, COMP. I, 131 / GV. I, 175, 2 GORRA Espécie de barrete, muito comum até o reino de D. João III. Era usado pelos dois sexos. ~ ua touca esfarrapada, e~ ua gorra amarela Cortes de Júpiter, COMP. II, 213 / GV. IV, 246, 13 12 Cf. bibliografia. Vol. I, p. 395. 95 Entra logo Frei Paço com seu hábito e capelo, e gorra de veludo, e luvas, e espada dourada, fazendo meneios de muito doce cortesão; Romagem de Agravados, COMP. II, 289 / GV. V, 1 MANTILHA Manto que vinha até a cintura, usado por algumas mulheres para cobrir a cabeça. nem me lembrou a mantilha. Triunfo do Inverno, COMP. II, 263 / GV. IV. 289, 10 PENTE – PEINE (esp.) Aparece também com a forma pentem. Objeto para pentear os cabelos. Moraes descreve como chapa de marfim, ou buxo, etc., dividida ao longo em dentes, com a qual se penteya o cabello13. Tem outros significados que não são pertinentes ao texto. Algunos peinam-se allá com peines de veinte y ocho, Frágua de Amor, COMP. II, 159 / GV. IV, 124, 11 Não j’essa arca, ta, ta, ta, que vai o meu pentem i. Triunfo do Inverno, COMP. II, 271 / GV. IV, 304, 11 13 Moraes, op. cit., Vol. II, pp. 429-430. 96 PENTEAR – PEINAR (esp.) Arrumar o cabelo com o pente. Algunos péinanse allá com peines de veinte y ocho, Frágua de Amor, COMP. II, 159 / GV. IV, 124, 10 Oh quantas lendes vi nella, e pentear nemigalha; Serra da Estrela, COMP. II, 215 / GV. IV, 198, 6 o alguidar por lavar, e ela por pentear, Cortes de Júpiter, COMP. II,215 / GV. IV, 249, 8 As cabeças, como outeiros, os cabelos, carcomidos, louros, coma sovereiros, penteados d’ano em ano, Romagem de Agravados, COMP. II, 319 / GV. V, 49, 17 Pentear e jejuar, todo dia sem comer, cantar e sempre tanger, suspirar e bocejar: Quem tem farelos?, COMP. II, 327 / GV. V, 58, 14 97 Eu vo-lo direi: ir amiúde ao espelho, e poer de branco e vermelho, e outras cousas que eu sei: pentear, curar de mi Quem tem farelos?, COMP. II, 343 / GV. V, 86, 8 deve ser um vilãozinho! Ei-lo se vem penteando: será com algum ancinho? Inês Pereira, COMP. II, 434 / GV. V, 232, 11 SOMBREIRO – SOMBRERO (esp.) Tipo de chapéu. Tinha forma variadíssima e podia ser confeccionado em feltro, pele, pano, palha, junco e, às vezes, adornado com plumas, bordados e jóias14. Tinha abas, provavelmente largas. Tendes sombreiros de palma muito bons pera segar, e tapados pera a calma? Auto da Feira, COMP. I, 166 / GV. I, 233, 3 Tirai a loba e daí-ma ca, luvas e sombreiro e tudo, Floresta de Enganos, COMP. I, 491 / GV. III, 194, 14 14 Cf. Oliveira Marques, op. cit., p.46. 98 Quem? o rascão do sombreiro? Auto da Índia, COMP. II, 351 / GV. V, 99, 19 Toma lá esse sombreiro; eu são já acrescentado. Juiz da Beira,COMP. II, 472 / GV. V, 294, 6 Vós, sombreiro acutilado, cuidareis que sois alguém? Clérigo da Beira, COMP. II, 528 / GV. VI, 18,13 cobriram c’um sombreiro em casa d’um alfaiate. Clérigo da Beira, COMP. II, 539 / GV. VI, 33, 1 en un sombrero de sirgo. Auto dos Quatro Tempos, COMP. I, 89 / GV. I, 107, 11 TOUCA Toucado feminino ao tempo de Gil Vicente. Eram usadas antigamente por homens e mulheres. ~ ua touca esfarrapada, e ~ua gorra amarela. Cortes de Júpiter, COMP. II, 213 / GV. IV, 246, 12 99 Dou-te ~ ua touca de seda. Auto da Índia, COMP. II, 346 / GV. V, 92, 4 TOUCADO – TOCADO (esp.) Nome genérico para o que as mulheres usam na cabeça. e quanto tenho lhe dera e, o toucado e o vestido. Auto da Feira, COMP. I, 166 / GV. I, 232, 9 Daí-me cá esse toucado Floresta de Enganos, COMP. I, 499 / GV. III, 198, 9 c’os toucados ao pescoço: Cortes de Júpier, COMP. II, 214 / GV. IV, 248, 13 Remoçou-m’ela um brial de seda e uns toucados. O velho da Horta, COMP. II, 396 / GV. V, 170, 14 Ceñura, ceñura, dadme uno tocado, Farsa das Ciganas, COMP. II, 488 / GV. V, 320, 10 100 E o cáliz achará no almário de cá atado c’os seus toucados. Clérigo da Beira, COMP. II, 524 / GV. VI, 11, 21 TOUCAR Arrumar o cabelo, colocar o toucado. e eu farei de maneira que tu sejas bem toucada. Auto Pastoril Português, COMP. I, 131 / GV. I, 174, 21 Um espelho aí acharás, que foi da Virgem Sagrada, co’ele te toucarás, porque vives mal toucada. Auto da Feira, COMP. I, 159 / GV. I, 220, 13 e 14 Touca-te, se cá vier, pois que pera casar anda. Inês Pereira, COMP. II, 434 / GV. V, 232, 3 TRANÇADO Trança postiça. Ponhamos-lhe ora um trançado, vejamos como lhe vem. Romagem de Agravados, COMP. II, 311 / GV. V, 37, 14 101 TROSQUIA Tosquia. O corte de cabelo. Houve tempo em que foi moda trazer a testa bem alta, lisa, raspada. Em Gil Vicente, o termo tem conotação negativa e refere-se a mulheres. E minha ama é judia tão pelada, se a visseis em trosquia, parece demoninhada metida na almotolia. Comédia de Rubena, COMP. I, 402 / GV. III, 71, 17 E a sua moça irá em trosquia num sendeiro, Cortes de Júpiter, COMP. II, 213 / GV. IV, 247, 2 TROSQUIAR Cortar o cabelo. É também usado com relação ao corte do pelo de animais. Irão mulheres solteiras todas nuas trosquiadas bem rapadas as moleiras Cortes de Júpiter, COMP. II, 209 / GV. IV, 239, 9 Sua moça sem mais moço irá c’os olhos na gente, trosquiada muito rente, Cortes de Júpiter, COMP. II, 214 / GV. IV, 248, 12 102 Eu tenho as unhas cortadas e mais, estou trosquiada: Inês Pereira, COMP. II, 431 / GV. V, 226, 10 Vedes-me aqui sem a moura, trosquiado sem tesoura, Juiz da Beira, COMP. II,478 / GV. V, 304, 12 Ta mãe ma trosquiará, não cures tu de conselhos; Clérigo da Beira, COMP. II, 518 / GV. VI, 2, 3 VÉU Cobertura de cabeça, usada pelas mulheres. E juramento faço ós ceus que deram tantas a enha esposa, qu’é pera dar graças a Deus; porque bem como raposa lhes tiraram a ela os véus. Auto Pastoril Português, COMP. I, 125 / GV. I, 164, 15 Sabeis que me pareceis? Ermitão que endoudeceu melhor vos estava o véu, que quanto em casa trazeis. Floresta de Enganos, COMP. I, 495 / GV. III, 199, 21 103 Que siso, Inês, que siso tens debaixo desses véus. Inês Pereira, COMP. II, 440 / GV. V, 241, 2 Corrigê vós esses véus, e ponde-vos em feição. Inês Pereira, COMP. II, 459 / GV. V, 269, 1 3. O CALÇADO É interessante observar que, nos autos, os termos que indicam calçado aparecem, com pouca freqüência, relativamente a outras peças do vestuário. Os mais comuns são os próprios termos calçado e sapato que ocorrem ora no singular ora no plural, muitas vezes, sendo que uma das ocorrências é da forma do feminino plural, sapatas. A rigor, não parece haver diferenças do objeto, correspondentes à mudança de gênero. Sapatas refere-se a personagem do sexo feminino, a alcoviteira doVelho da Horta que se queixa das sapatas rompidas. trago as sapatas rompidas destas vindas, destas idas, COMP. II, 397 / GV. V, 171, 21 A forma de masculino aplica-se ao calçado dos dois sexos. Nada nos autoriza a considerar sapatas de uso exclusivamente feminino. Na comédia Eufrósina, de Jorge Ferreira de Vasconcellos, obra contemporânea da de Gil Vicente, aparece a expressão romper os sapatos, com relação 104 a uma alcoviteira, por motivos idênticos aos da do Velho da Horta15. Afora calçado e sapato, há botas e chapim. Borzeguim, que era calçado muito valorizado antigamente, a ponto de seu uso ter sido proibido aos peões no século XV, não aparece nos autos, mas é freqüente na citada Comédia Eufrósina16. Chapim é um calçado feminino de luxo, usado por nobres. (cf. verbete chapim) A origem do seu nome é uma onomatopéia – chap – imitativa do ruído que produzia quem andava com este tipo de sapato, principalmente quando ainda era feito de madeira. Aparece no Auto da Alma, quando Satanás oferece chapins de Valença à Alma, entre outras coisas, para que ela fique mais bonita, mais ao jeito da Corte. Outra, quando o Anjo manda que os dispa, junto com os demais enfeites mundanos que traz. (GV. II, 13-14) Também pode ser encontrado no Triunfo do Inverno, no passo em que a forneira queixa-se ao marido de não ter recebido dele nada de valor: nunca me deste um chapim. COMP. II, 281 / GV. IV, 319, 16 Botas é termo usado no plural. No Auto Pastoril Português (COMP. II, 135 / GV. I, 180, 11), depreende-se que são consideradas de pouco valor. Inês diz querer mais às botas 15 Vasconcellos, Jorge Ferreira de. Comédia Eufrósina, conforme a impressão de 1561, publicada por ordem da Academia das Ciências de Lisboa, por Aubrey F. G. Bell. Lisboa: Imprensa Nacional, 1918, p. 38. 16 Cf. BARROS, Mentique da Gama. História da Administração pública em Portugal nos séculos XII e XV. 2ª ed. dirigida por Torquato de Souza Soares. Lisboa: Sá da Costa, (1950), Vol. IX, p. 1922. 105 de Joane do que a dois Afonsos ou três. Depreciando Afonso está depreciando botas, ou melhor, o pouco valor de Afonso é depreendido em função das botas de Joane. Aliás, em outros trechos, o calçado é tido como objeto desvalorizado. Sapato é um insulto no Auto da Barca do Inferno: Sapateiro de Landosa, entrecosto de carrapato, sapato, sapato17, filho da grande aleivosa. COMP. I, 210 / GV. II, 53, 10 No Auto da Feira, diz-se que Mercúrio governa todo tipo de comércio, do mais importante ao de sapatos (cf. GV. I, 202, 24-28). Este traço de desvalorização nota-se, também, na Farsa doVelho da Horta: Pois damas se acharão, que não são vosso sapato. COMP. II, 378 / GV. V, 143, 3 Quanto aos vocábulos, poucos comentários temos a fazer. Sapato é de origem desconhecida. Como já foi dito, a forma feminina é também usada, embora só a tenhamos 17 Na edição crítica do primeiro “Auto das Barcas” o texto é: Çapateiro de Candosa! Antrecosto de carrapato! Hiu! Hiu! Caga no çapato, filho da grande aleivosa! Cf. Révah, I. S. Recherches sur lês oeuvres de Gil Vicente. Lisboa: 1951 Tomo I, p. 138. Nota-se no trecho o “apuro” de Luis Vicente para o texto da Compilação. 106 encontrado uma vez nos autos. Na época, não significaria chinelo. Calçado é derivado de calças. Cabe lembrar que as calças correspondiam às atuais meias compridas femininas e que podiam ter solas (calças soladas). O termo botas tem origem incerta e chapim, que veio do espanhol, decorre de uma onomatopéia. BOTAS A partir do século XV, eram calçado de cerimônia e de corte18. Nos dois exemplos de Gil Vicente, as botas não parecem ter tais características. No Auto Pastoril Português, é calçado de rústico. No Juiz da Beira, um pobre escudeiro vende suas botas de cordovão que durariam um verão para poder pagar os serviços de uma alcoviteira. É fato que os escudeiros vicentinos eram ambiciosos e zelosos da aparência, ainda que não tivessem o que comer. Mais quero eu às tuas botas q’a dous Afonsos nem três. Auto Pastoril Português, COMP. I, 135 / GV. I, 180, 11 Vou e vendo ~ ua viola e um gibão de fustão e botas de cordovão, que tinham inda boa sola que durariam um verão; Juiz da Beira, COMP. II, 474 / GV. V, 297, 12 18 Cf. Oliveira Marques, op. cit., p 44. 107 CALÇADO – CALÇADO (esp.) Tomado em sentido geral. anda homem a gastar calçado, Inês Pereira, COMP. II, 437 / GV. V, 236, 7 que mau calçado é o meu Inês Pereira,COMP. II, 443 GV. V, 244, 20 Vem um sapateiro, Cristão Novo do calçado velho e diz: Juiz da Beira, COMP. II, 468 / GV. V, 286 ándome a calçado viejo, Juiz da Beira, COMP. II, 469 / GV. V, 287, 8 CHAPIM Calçado fino, usado pelas damas para parecerem mais altas, para acrescentar, segundo Viterbo, um côvado a mais à estatura. Eram confeccionados com quatro ou cinco solas sobrepostas e pespontadas. O verbete de Viterbo é CHAPINS DA RAINHA OU DA PRINCESA, nome da vila de Alenquer, porque dela se pagava certo tributo aplicado para o calçado destas reais pessoas 19 . Leite de Vasconcellos, nas observações ao “Elucidário”, nos Estudos de Filologia Portuguesa, faz referência a uma expressão espanhola equivalente chapin de la reina20. 19 20 Viterbo, II, 94. Cf. Bibliografia e nota 2. 108 uns chapins haveis mister de Valença: - ei-los aqui. Auto da Alma, COMP. I, 182 / GV. II, 13, 1 Deixai esses chapins ora, Auto da Alma, COMP. I, 183 / GV. II, 14, 15 nunca me deste um chapim. Triunfo do Inverno, COMP. II, 281/ GV. IV, 319, 16 DESCALÇO (A) – DESCALÇO (A) (esp.) Sem sapatos, por não possuí-los ou por estar sem eles. y ella por se casar viene descalça cantando. Triunfo do Inverno, COMP. II, 260 / GV. IV, 284, 8 AIRES21 “Si estas descalça ...” APARIÇO Eu má hora estou descalço. AIRES “Nam cureis de vos calzar” Quem tem Farelos?, COMP. II, 335 / GV. V, 71, 7 e 8 21 Foi necessário indicar os personagens, porque houve interferência de um na cantiga do outro. 109 SAPATO – ÇAPATO (esp.) Termo genérico. Aparece com freqüência nos autos. Os sapatos medievais eram pontudos e ainda continuaram a sê-lo, com menos exagero nos séculos XV e XVI. O material para confeccioná-los era de preferência couro (cordovão ou cabedal). O cordovão era geralmente tingido. Às vezes eram decorados Os de couro de gamo ou de couro de cervo eram mais caros Existiam, também em pano comum e seda. Usavam-se, às vezes com solas separadas. O sapato era dispensável se as calças eram soladas No século XV, D. Duarte recomenda que o calçado seja apertado no meio do pé, delgado nos dedos, razoavelmente longo, folgado e sem ponta, para dar mais conforto ao cavaleiro22. ministro suas pertenças, até às compras dos sapatos. Auto da Feira, COMP. I, 150 / GV. I, 202, 28 Quereis feirar a cevada quatro pares de sapatos? Auto da Feira, COMP. I, 167 / GV. I, 234, 3 Nem Mexias não são eu, nem pera lhe desatar. 22 “E o calçado devemos trazer apertado no meo do pee, e nos dedos delgado, longo razoadamente, folgado, e sem ponta. Por que, se for muyto delgado, e largo no meo, o pee doerá e canssará mais asynha. E sse for curto, ryjo, ou apertado nos dedos, ou com ponta, o pee se nom poderá bem dobrar nem firmar n[a] estrebeira.” D. Duarte. Livro da Ensinança de bem cavalgar toda sela. Edição crítica por Joseph M. Piel. Lisboa: Casa da Moeda, 1986, pp. 34-35. 110 a correia que levar no santo sapato seu. Auto da História de Deus, COMP. I, 304 / GV. II 202, 22 mas é tão grão sabedor, que me conheceu melhor que eu conheço o meu sapato; Auto da Cananéia, COMP. I, 318 / GV. II, 242, 21 ni tengo más de un çapato. Triunfo do Inverno, COMP. II, 158 / GV. IV, 281, 20 Sapatos tens amarelos, já não falas a ninguém! Quem tem farelos?, COMP. II, 327 / GV. V, 57, 5 Pois damas se acharão, que não são vosso sapato. O Velho da Horta, COMP. II, 378 / GV. V, 143, 3 Dei má hora ~ ua topada trago as sapatas rompidas, destas vindas, destas idas, e enfim não ganho nada. O Velho da Horta, COMP. II, 397 / GV. V, 171, 21 111 Çapatos me daria ele, se me vós désseis dinheiro. Inês Pereira, GV. V, 244, 24 Pois damas se acharão, que não são vosso sapato. O Velho da Horta, COMP. II, 378 / GV. V, 143, 3 negra é a vira do sapato, Auto das Fadas,COMP. II, 406 / GV. V, 186,10 o alimpar-vo-los sapatos, Almocreves, COMP. II, 498 / GV. V, 335, 13 SOCO Calçado vulgar e baixo, usado na comédia. Opõe-se a coturno23. sabei se se tornou aranha, quando viu o demo em socos, Auto da Fama, COMP. II, 373 / GV. V, 137, 3 4. ADORNOS, JÓIAS E SUA CONFECÇÃO A importância do adorno é indiscutível. Os termos que o expressam estão diretamente ligados a prestígio social, influência, beleza. Referem-se tanto às coisas mundanas quan23 Cf. Moraes, II, 712. 112 to às espirituais. Com respeito à Virgem, tem-se: ataviada, guarnecida, ornada, guarnida, arreios. Observa-se que, neste caso particular, os agentes dos enfeites, quando declarados, pertencem a um outro plano, estão em sentido figurado: del sol estaba guarnida, Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 61 / GV. I, 68, 15 ataviada de malla de santa vida. Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 61 / GV. I, 68, 20 de pobreza guarnecida. Auto da Fé, COMP. I, 78 / GV. I, 93, 9 No Auto da Alma, esta se lamenta de ter desprezado seus arreios naturais em prol do ouro e do luxo (COMP. I, 189 / GV. II, 22, 9). Na Exortação da Guerra, enquanto o material das jóias deve reverter em benefício da campanha da África, os objetos de adorno persistem com material diferente: Fazei contas de bugalhos, e perlas de camarinhas, firmais de cabeças d’alhos; isto si, Senhoras minhas, e estes que tendes, dai-lhos COMP. II, 202 / GV. IV, 154, 1-5 113 O material de confecção valoriza o objeto. Por este motivo, é comum seu emprego em linguagem figurada, designando pessoa excepcional pela beleza, qualidades ou condição, ou até mesmo com relação a locais. Há expressões como “ó que jóias esmaltadas” (Auto das Fadas, COMP. II 40 / GV. V, 178, 15; VI, 90,23), “por esta divina jóia” (Cortes de Júpiter, COMP. II, 202 / GV. IV, 227, 2), “tal perla por esposa” (Auto da Lusitânia, COMP. II, 576 / GV. VI, 88,16) “mi esmeralda oriental” (Auto da Lusitânia, COMP. II, 577 / GV. VI, 90,23), além de outras, inclusive a passagem abaixo, do Velho da Horta: Quisera que esses amores foram perlas preciosas, e de rubis o caminho per onde is, COMP. II, 382 / GV. V, 149, 15-18 Dos vocábulos integrantes do grupo, alguns não persistem na língua ou não guardaram o mesmo sentido. É o caso de afeite, arreio, firmal, gorgueira, pendente. Temos algumas observações a fazer. Guarnecer, incoativo de guarnir, este originário do germânico warnjan, significa, originariamente “admoestar”, “advertir contra um perigo”, “prover”. De “prover”, por extensão, tem-se “ornar”, “enfeitar”, acepção registrada por Moraes. Guarnecer suplantou inicialmente as formas acentuadas do presente de guarnir que não são encontradas, apesar do largo emprego deste verbo em português e espanhol. Em Gil Vicente temos guarnida e guarnecida, ambos com referência à Virgem, empregados num dos sentidos que guarnecer possui hoje, o de “enfeitar”, “ornar”. 114 Firmal pode parecer, à primeira vista, um derivado direto de firme, condizendo com a finalidade do objeto, a de “prender”, “firmar”. Entretanto, provém do catalão fermall e corresponde ao francês fermail e ao italiano fermaglio. Afeite e afeitado são formas antigas com vocalização do c. O primeiro, formado regressivamente de afeitar < affectare e o segundo, particípio deste. Às formas afeitar e afeitado correspondem hoje afetar e afetado, com restrição de sentido. As formas vocalizadas desapareceram da língua. Semelhante é o que aconteceu com arreio e arrear. No português antigo, além da acepção que têm hoje, referente aos animais de montaria, tinham os de “enfeite” e “enfeitar”. Rubi aparece, também, com a forma rubim. Não se pode dizer que venha diretamente do baixo latim rubinus. Sua procedência próxima é o catalão robi. A forma nasalada é fenômeno semelhante ao que se deu com bedui, beduim. Estas é que são as formas portuguesas. A forma atual beduino vem do francês24. AFEITE Adorno, enfeite. tudo são puros afeites das criaturas. Auto da Alma, COMP. II, 181 / GV. II, 10, 15 24 Viana, Gonçalves. Apostilas aos Dicionários Portugueses. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1906, tomo I, p. 137. 115 ALFINETE Seu uso era muito difundido para prender peças de roupa. Entre as pessoas simples parecem ter algum valor, como revela o texto. Não m’arrarão alfinetes, e também enxaravia. Auto Pastoril Português, COMP. I, 131 / GV. I, 175, 1 Dera eu ora o meu orelo, e os meus alfinetinhos, e achasse os meus porquinhos Comédia de Rubena, COMP. I, 380 / GV. III, 40, 6 São das terras o Soldão. E Alfaiate e Alfanete,25 Nau de Amores, COMP. II, 130 / GV. IV, 82, 2 E eu não tenho no carril dous alfinetes qu’achei? Comédia de Rubena, COMP. I, 382 / GV. III, 42, 26 manas, achei un alfinete, Auto da Festa, COMP. II, 684 / GV. VI, 145, 16 25 Faz parte da série de disparate ditas pelo frade doido. 116 ALJOFRE Aljôfar, pérola miúda de menos valor. Gil Vicente só emprega a forma aljofre, também registrada em Moraes. As contas deste material são as mais citadas nos autos. É d’aljofre hum cabeção pera o Conde de Penela. Comédia de Rubena, COMP.- I, 393 GV. – III, 58, 16 não tendes em que vos acupar, senão somente enfiar aljofre, já d’enfadada. Quem tem farelos?, COMP. II, 338 / GV. V, 77, 6 Não devia tal senhora como vós d’andar varrendo, Senão enfiar aljofre e perlas orientais, Auto da Lusitânia, COMP. II, 548 / GV. VI, 48, 18 ANEL Um dos objetos de adorno mais generalizados. Usavam-se em todos os dedos. Eram confeccionados em material inferior, como o latão, ou em materiais preciosos, esmaltados e com pedrarias. Em Cortes de Júpiter, alude-se a anel encantado, anel de condão. O anel encantado é comum nos contos de fadas. 117 Tendes vós aqui anéis? Auto da Feira, COMP. I, 165 / GV. I, 230, 18 Vedes aqui um colar d’ouro mui bem esmaltado, e dez anéis, Auto da Alma, COMP. I, 184 / GV. II, 16, 3 Um anel seu encantado, e um dedal de condão, Cortes de Júpiter, COMP. II, 219 / GV. IV, 256, 6 o anel pera saber o que se faz polo mundo. Cortes de Júpiter, COMP. II,219 / GV. IV, 256, 14 Exte anel da condón perguntalde box a él, Cortes de Júpiter, COMP. II, 222 / GV. IV, 260, 13 Faz a moça mui mal feita, corcovada, contrafeita, de feição de meio anel; Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 2 118 ARRAYADA (esp.) Enfeitada. siempre vestida, arrayada, Comédia de Rubena, COMP. I, 359 / GV. III, 7, 12 ARREA26 Bem vestida, enfeitada. Dio guarde, bella pastora, tan farmosa y tan arrea: Auto da Fama, COMP. II, 362 / GV. V, 119, 8 ARREIO – ARREO (esp.) Enfeite. Vamos ver com qué donzellas, com que galas, com que arreos, la hallamos, Auto dos Quatro Tempos, COMP. I, 84 / GV. I, 100, 16 Desterrei da minha mente os meus perfeitos arreios naturais; Auto da Alma, COMP. I, 189 / GV. II, 22, 9 Leixai ora esses arreios, Auto da Alma, COMP. I, 199 / GV. II, 35, 1 26 Faz parte da fala do francês. 119 hallóse preñada, el moço ahuyó: todos sus meses arreo encubrió, Comédia de Rubena, COMP. I, 357 / GV. III, 3, 11 cuanto mas se pon’d’arreo, está más fea. Comédia do Viúvo, COMP. I, 419 / GV. III, 96, 2 ATAVIADO / A (port. e esp.) Enfeitado (a). ataviada de malla de santa vida. Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 61 / GV. I, 68, 19 e o dia que for casada sairei ataviada com um brial d’escarlata, Mofina Mendes, COMP. I, 115 / GV. I, 150, 4 Entram quatro mancebos e quarto moças, todos muito bem ataviados em folia dizendo esta cantiga: Triunfo do Inverno, GV. IV, 327 Minha mercê manda e ordena que tragais logo essas horas diante destas Senhoras 120 a Troiana Policena, muito bem ataviada Exortação da Guerra,COMP II, 167 / GV. IV, 138, 1 como rosa ataviada, Cortes de Júpiter, COMP. II, 213 / GV. IV, 246, 6 ATAVIAR Enfeitar, ornar. Mãe, deixai-me vós a mim, vereis como me atavio. Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 26 ATAVIOS Enfeites. Ó! que não honram vestidos, nem mui ricos atavios, Exortação da Guerra, COMP. II, 177 / GV. IV, 154, 7 CADENA (esp.) Cadeia, colar. As de ouro eram muito usadas, embora em Gil Vicente o termo só apareça raramente. 121 Yo te doy esta cadena. Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 57 / GV. I, 63, 6 COLAR Fio ou cadeia usado ao redor do pescoço, como enfeite, bastante usado. Na sua composição, as contas podiam ser de pedras diferentes, alternadas. Vedes aqui um colar d’ouro mui bem esmaltado, Auto da Alma, COMP. I, 184 / GV. II, 16, 1 Com cantares e alegrias dávamos nossos colares, e nossas jóias a pares Exortação da Guerra, COMP. II, 172 / GV. IV,145, 14 CONTAS Globo de vidro ou pedras preciosas com um furo para enfiar. Gonçalves Viana27 diz que certamente devem seu nome aos globos de vidro empregados nos rosários para contar as orações. Em Gil Vicente são comuns as expressões enfiar aljofre ou enfiar perlas (pérolas). Entre as pedras preciosas ou material para enfiar, há alusão a aljôfar, coral, diamante, esmeralda, pérolas, rubi. O texto vicentino fala de contas de bugalhos, quando Aníbal exorta as senhoras portuguesas a darem suas jóias em benefício daguerra na África. Em 27 Op. cit., p. 323. 122 substituição, usariam nos seus adornos material sem valor. Bugalho, originariamente, é o fruto do carvalho. Tem forma redonda. É também o nome que têm as contas grossas de rosário, daí a sugestão: fazei contas de bugalhos28. Fazei contas de bugalhos e perlas de camarinhas, firmais de cabeças d’alhos; isto si, Senhoras minhas, e esses que tendes, dai-lhos. Exortação da Guerra, COMP. II, 177 / GV. IV, 154, 1 CORAL O termo não aparece em Viterbo. Moraes não alude ao seu uso como material de enfeite. Maria Constança Múrias29 não o relaciona entre as palavras e expressões relativas ao vestuário no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. O coral é um animal antozoário, provido de endoesqueleto ou exosqueleto calcário, responsável pela formação de recifes e atóis. Algumas colônias de coral têm cor vermelho-amarelada e esse material é atualmente usado em bijuterias. Há, também corais azuis e o coral branco, comum no Oceano Índico, equivale à madrepérola. No Auto da Lusitânia, Gil Vicente fala de voltas de corais que, pelo texto, têm algum valor. 28 Diz o Tempo, no Auto da Feira: e mais achareis soma de contas, todas de contar GV. I, 205, 1-2 29 Cf. Bibliografia. 123 Minha mãe tem no seu cofre duas voltas de corais. Auto da Lusitânia, COMP. II, 548 / GV. VI, 48, 22 ESMERALDA – ESMERALDA (esp.) Pedra preciosa das mais valorizadas. No texto também está em sentido figurado. Oh, esmeralda preciosa! Comédia do Viúvo, COMP. I, 439 / GV. III, 116,17 veremos, oh, mi esmeralda, D. Duardos, COMP. II, 18 / GV. III, 229, 16 Huvieron de ser robines esmeraldas mui polidas tus ventanas D. Duardos, COMP. II, 38 / GV. III, 256, 20 de plata son los palacios para Vuesa Señoria, de esmeraldas y jacintos d’oro fino de Turquía, D. Duardos, COMP. II, 75 / GV. III, 305,30 124 Y pues eres Dios del oro, y crias las esmeraldas y çafiras, Templo de Apolo, COMP. II, 192 / GV. IV, 177, 21 e um sobrecéu per cima, d’esmeraldas e rubis Cortes de Júpiter, COMP. II, 210 / GV. IV, 240, 19 Dadnuz ezmula, ezmeraldaz polidaz, Farsa das Ciganas, COMP. II, 490 / GV. V, 322, 9 Mi esmeralda oriental, Auto da Lusitânia, COMP. II, 577 / GV. VI, 90, 23 FIRMAL – FIRMAL (esp. ciganas) Prendedor para segurar as partes dos vestidos ou as peças de vestuário. Com o tempo, passa a ser cada vez mais decorativo e precioso, até transformar-se em jóia. Fazei contas de bugalhos, e perlas de camarinhas, firmais de cabeças d’alhos; Exortação da Guerra, COMP. II, 177 / GV. IV, 154, 3 125 ~ Ua adela me vendia um firmal d’ua senhora com um rubi, O Velho da Horta, COMP. II, 396 / GV. V, 171, 12 Dadme una camisa açucar colado nieve de cira, firmal preciuzo. Farsa das Ciganas, COMP. II, 488 / GV. V, 320, 6 GORGUEIRA Enfeite de pecoço, franzido e engomado. No retrato de Camões, considerado o mais antigo, assinado por Fernando Gomes, o poeta porta uma gorgueira bem engomada. e vós Senhoras guerreiras, bandeiras e não gorgueiras lavrai pera os cavaleiros. Exortação da Guerra, COMP. II, 171 / GV. IV, 143 ,6 GRINALDA (esp.) Coroa de flores ou pedraria. Nos autos é de flores. Yo porné esta grinalda sobre vuessa hermosura D. Duardos, COMP. II, 18 / GV. III, 229, 13 126 Cogí en bravas montañas esta grinalda de rosas, D. Duardos, COMP. II, 18 / GV. III, 238, 6 GUARNECER – GUARNECER (esp.) Enfeitar, adornar. e esta Virgem mui ornada, de pobreza guarnecida, Auto da Fé, COMP. I, 78 / GV. I, 93, 9 e~ ua suma perfeição de resplendor guarnecido, Mofina Mendes, COMP. I, 110 / GV. I, 149, 12 Tu, mi espada guarnecida de tan hermosas hazañas, Amadis de Gaula, COMP. II, 98 / GV. IV, 38, 1 Oh, que corte tão luzida, e guarnecida Exortação da Guerra, COMP. II, 170 / GV. IV, 142, 2 GUARNIR (esp.) Enfeitar. Este verbo concorreu no português com guarnecer, sendo depois por ele suplantado. 127 del sol estava guarnida. Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 61 / GV. I, 68, 15 JÓIA – JOYA (esp.)30 Peça de adorno de metal precioso e/ou pedrarias. As jóias eram muito estimadas e valorizadas. Usavam-se cadeias de ouro, colares de contas de pedras preciosas, broches, firmais, brincos, pulseiras, diademas, anéis. Era hábito recamar as vestes de pedrarias. Em Gil Vicente, também aparece em sentido figurado, designando pessoa de valor. e alguns furtos alheios, assi em jóias de vestir, Barca do Inferno, COMP. I, 218 / GV. II, 65, 4 Disse que além dos cueiros, manda quantas jóias tinha, Comédia de Rubena, COMP. I, 373 / GV. III, 29, 10 Oh, qué copa tan hermosa! tal joya cuya será? D. Duardos, COMP. II, 44 / GV. III, 264, 9 dávamos nossos colares e nossas jóias a pares Exortação da Guerra, COMP. II, 172 / GV. IV, 145, 15 30 joya aparece, também, na fala do italiano. 128 Quando Roma a todas velas conquistava toda a terra todas donas e donzelas davam suas jóias belas pera manter os da guerra. Exortação da Guerra, COMP. II, 175 / GV. IV, 151, 4 por esta deusa de Tróia, por esta divina jóia, Cortes de Júpiter, COMP. II, 202 / GV. IV, 227, 2 Sobre quê, divina jóia Cortes de Júpiter, COMP. II, 203 / GV. IV, 229, 6 Yo te doneré ducate y le joya preciosa Auto da Fama, COMP. II, 366 / GV. V, 125, 19 Oh qué cosa! Una joya tan preciosa, que matáis todos de amores, Auto da Fama, COMP. II, 370 / GV. V, 132, 17 129 Oh, que jóias esmaltadas, oh, que boninas dos céus, Auto das Fadas, COMP. II, 401 / GV. V, 178, 13 LATÃO Metal de pouco valor. No Auto da Feira, uma mulher procura anéis de latão. Tendes vós aqui anéis? ...................................... D’uns que fazem de latão. Auto da Feira, COMP. I, 165 / GV. I, 230, 2 MANIJA (esp.) Pulseira, bracelete. Equivalente ao português manilha. toma estas dos manijas Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 57 / GV. I, 63, 3 OURO – ORO (esp) Metal precioso, de larga utilização na confecção de adornos e em tecidos e bordados. O ouro pera que é, e as pedras preciosas e brocados? Auto da Alma, COMP. I, 184 / GV. II, 15, 19 130 Vedes aqui um colar d’ouro mui bem esmaltado, Auto da Alma,COMP. I, 184 / GV. II, 16, 2 Pondes terra sobre terra; que esses ouros terra são. Auto da Alma, COMP. I, 185 / GV. II, 16, 24 Um lavor de perlas e ouro tal pera o nosso Embaixador por que veja o Emperador que as cousas de Portugal todas têm grande valor. Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 58, 21 Devieras de ser labrado de otro metal más ufano que no oro D. Duardos, COMP. II, 38 / GV. III, 256, 18 Y mis jardines texidos com seda de oro tirado D. Duardos, COMP. II, 63 / GV. III, 290, 1 de plata son los palacios para Vuesa Señoria 131 de esmeraldas y jacintos d’oro fino de Turquia, D. Duardos, COMP. II, 75 / GV. III, 305, 31 porque un pequeño honor de fama y su resplandor es mejor que todo el oro del mundo. Amadis de Gaula, COMP. II, 107 / GV. IV, 4, 17 não briais d’ouro tecidos com trepas de desvarios: Exortação da Guerra, COMP. II, 77 / GV. IV, 154, 9 Y pues eres Dios del oro, Templo de Apolo, COMP. II, 192 / GV. IV, 177, 20 Arrenego eu do argem, que me vem a dar tormento; porque um só contentamento val quanto ouro Deus tem, Serra da Estrela, COMP. II, 228 / GV. IV, 199, 8 132 Eu hei-lhe de presentar minas d’ouro que eu sei, Serra da Estrela, COMP. II, 242 / GV. IV, 220, 13 Um amigo que eu havia mançanas d’ouro m’envia, garrido amor. Um amigo que eu amava, mançanas d’ouro me manda, garrido amor, Mançanas d’ouro m’envia, a melhor era partida, garrido amor. Serra da Estrela, COMP. II, 243 / GV. IV, 222, 4, 7 e 9 o Príncipe, nosso Senhor irá em quatro rocins marinhos em um andor do ouro que melhor for Cortes de Júpiter, COMP. II, 210 / GV. IV, 240, 16 Quem sofrimentos vendesse quanto ouro ganharia? Romagem de Agravados, COMP. II, 297 / GV. V, 13, 23 Tú, ceñura graciusa. ternás tierraz y ganados, 133 cuatro hijoz mucho honradoz, mucho oro y mucha coza Farsa das Ciganas, COMP. II, 493 / GV. V, 327, 7 Vivirás muy descansada, y si me das prata o oro, Auto da Festa, COMP. II, 681 / GV. VI, 141, 21 ORNADA Enfeitada, adornada. e esta Virgem mui ornada, Auto da Fé, COMP. I, 78 / GV. I, 93, 8 E por ir de todo ornada, a dama há-de levar cada ~ ua sua criada, Cortes de Júpiter, COMP. II, 212 / GV. IV, 245, 16 PEDRAS PRECIOSAS – PIEDRAS PRECIOSAS (esp.) Pedras finas de grande importância e valor. Gil Vicente alude ao diamante, à esmeralda, ao rubi e à safira O ouro pera que é, e as pedras preciosas, e brocados ? Auto da Alma, COMP. I, 184 / GV. II, 15, 20 134 Ó Senhores Portugueses31, gastai pedras preciosas, Exortação da Guerra, COMP. II, 176 / GV. IV, 153, 14 qué más piedras preciosas, qué más alindadas cosas, que estardes juntos los dos? Auto da Índia, COMP. II, 349 / GV. V, 96, 12 PENDENTE Adorno para as orelhas, brinco. E poreis estes pendentes, em cada orelha seu: Auto da Alma, COMP. II, 184 / GV. II, 16, 9 PERLA – PERLA (esp.) Pérola. Em sentido figurado, coisa ou pessoa de valor. Oh, mi perla preciosa! Floresta de Enganos, COMP. I, 489 / GV. III, 192, 3 Fazei contas de bugalhos, e perlas de camarinhas, Exortação da Guerra. COMP. II, 177 / GV. IV, 154, 4 31 Está no feminino na edição de Marques Braga. 135 Y sus árboles salvages crien perlas orientales; Templo de Apolo, COMP. II, 187 / GV. IV, 171, 2 Que rosa! que diamante! que preciosa perla fina! O Velho da Horta, COMP. II, 379 / GV. V, 145, 4 Quisera que esses amores foram perlas preciosas, O Velho da Horta, COMP. II, 379 / GV. V, 149, 16 As perlas pera enfiar: Inês Pereira, COMP. II, 436 / GV. V, 234, 12 porque a moça sisuda é~ ua perla pera amar. Inês Pereira, COMP. II, 442 / GV. V, 244, 3 qué dama, qué ruza, que perla! Ciganas, COMP. II, 491 / GV. V, 324, 4 Buena dicha, perla fina, Ciganas, COMP. II, / GV. V, 325, 4 136 Não devia tal senhora como vós d’andar varrendo. Senão enfiar aljofre e perlas orientais, Auto da Lusitânia, COMP. II, 548 / GV. VI, 48, 19 rocío de l’alvorada, perla bien aventurada, Auto da Lusitânia, COMP. II, 576 / GV. VI, 88, 4 Oh, Mercurio, qué máz quierez que tal perla por espusa? Auto da Lusitânia, COMP. II, 576 / GV. VI, 88, 16 PRATA – PLATA ( esp.) Metal branco, precioso. de plata son los palacios para Vuesa Señoria, D. Duardos, COMP. II, 74 / GV. III, 305, 28 Paguei soma de dinheiro a um ourives agora, de prata que me lavrou, Almocreves, COMP. II, 514 / GV. V, 363, 9 137 y si me dás prata, o oro, Auto da Festa, COMP. II, 681 / GV. VI, 141, 21 RUBI / RUBIM – ROBI (esp.) Pedra preciosa vermelha, de grande valor. E assi como marfim seja clara minha vida, e minha honra luzida e como fino rubim; assim seja esclarecida. Comédia de Rubena, COMP. I, 385 / GV. III, 47, 13 Huvieron de ser robines, esmeraldas muy polidas D. Duardos, COMP. II, 38 / GV. III, 256, 19 Briolanja la hermosa, niña hecha de un robí. Amadis de Gaula, COMP. II, 95 / GV. IV, 33, 14 e um sobrecéu per cima, d’esmeraldas e rubis Cortes de Júpiter, COMP. II, 210 / GV. IV, 240, 19 138 Quisera que esses amores foram perlas preciosas, e de rubis o caminho per onde is, O Velho da Horta, COMP. II, 382 / GV. V, 149, 17 ~ Ua adela me vendia ~ senhora um firmal d’ua com um rubi, O Velho da Horta, COMP. II, 396 / GV. V, 171, 13 SAFIRA – ÇAFIRA (esp.) Pedra preciosa de cor azul. Y pues eres Dios del oro, y crias las esmeraldas y çafiras, Templo de Apolo, COMP. II, 192 / GV. IV, 177, 21 SORTIJA (esp.) Anel. Nas vezes en que o termo aparece nos autos, diz repeito a um presente. Y yo te doy estas sortijas de mis hijas. Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 57 / GV. I, 57 139 Y comprelle una sortija, Triunfo do Inverno, COMP. II, 259 / GV. IV, 282, 5 5. VESTES E INSÍGNIAS RELIGIOSAS É um grupo significativo no conjunto dos termos referentes ao vestuário. Quase todos seus integrantes são vocábulos eruditos, representativos de uma camada de cultura superior. Poderíamos separá-los em dois subgrupos. Num ficaria o vocabulário especializado: amicto, diadema, estola, mitra, vestimenta, tonsura; no outro, capelo, cordão, coroa, hábito, que são de domínio geral. Nos autos, todos estão tão ligados à vida religiosa, que chegam a tornar-se seu distintivo. Este fato dá-se especialmente com os termos de domínio geral, como se pode ver abaixo: Aborrece-me a coroa, o capelo e o cordão, o hábito e a feição, e a vespera e a noa, e a missa e o sermão: Frágua de Amor, COMP. II, 159-160 / GV. IV, 125, 8-12 Coroa é o termo mais solicitado como distintivo de frade ou da condição religiosa. No Auto da Barca do Inferno, o frade apela para a autoridade da sua coroa: Mantenha Deus esta coroa! COMP. I, 215 / GV. II, 60, 7 140 Na Frágua deAmor, um frade refere-se à condição religiosa como coroa: Senhores, fui carpinteiro da Ribeira de Lisboa, e muito boa pessoa, e de mero malhadeiro me fui fazer de coroa. COMP. II, 156 / GV. IV, 120, 13-17 Os descontentes extravasam sua ira contra os frades, aludindo à coroa. Em Inês Pereira, a mãe de Inês aconselha Lianor que se queixa de ter sido desrespeitada por um frade: Deras-lhe, má hora boa e mordera-lo na coroa. COMP. II, 431 / GV. V, 227, 10-11 São palavras de Aparicianes na Romagem dos Agravados: Não lhes rogo mal, nem nada, porque são sanctas pessoas; mas praza à paixão sagrada que lhes dêem tanta seixada, que lhes quebrem as coroas. COMP. II, 310 / GV. V, 36, 13-17 O vocábulo coroa refere-se à tonsura religiosa que deixa uma orla de cabelos em volta da parte raspada. A rigor, esta orla de cabelos é que deveria ser a coroa, porque lembra o objeto de mesmo nome que cinge a fronte. Por um 141 processo metonímico, coroa ficou sendo a parte interior, raspada32. Cordão tem três significações. Duas estão ligadas às vestes religiosas: “corda de cingir o hábito” e “corda fina de cingir a alva”. A terceira acepção diz respeito a um accessório ou enfeite, “corda fina de fios de seda ou de ouro”. Pode servir para cingir, para amarrar ou simplesmente para enfeitar. Hábito é o nome especial que leva a veste dos religiosos. O capelo, como se viu no capítulo relacionado ao toucado, é um derivado de capa. Tanto diz respeito ao traje do religioso quanto pode significar capuz. Neste caso, nos autos, é veste de rústico. O vocabulário especializado merece um tratamento à parte. São vocábulos eruditos e alguns entraram na língua por via religiosa. Amicto faz parte das vestes que o celebrante usa para dizer missa. É um pano branco, bento, colocado nos ombros sob a alva. O termo é de procedência latina e, na língua do século XVI, significou, também, velo com que os soldados cobriram a cabeça do Cristo33. Estola vem do grego e significa espécie de faixa que o sacerdote coloca no pescoço, caindo dos ombros para baixo, sempre que vai efetuar qualquer prática ou ritual religioso. A mitra é insígnia dos bispos, arcebispos e cardeais. É usada na cabeça, nos atos solenes. Pode designar a dignidade episcopal34. 32 Cf. Vasconcellos, Leite de. Opúsculos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1928, Vol. I, parte I, pp. 514-515. 33 Cf. Machado, José Pedro. Dicionário Etimológico da língua portuguesa. Lisboa: Editorial Confluência, 1956, p. 188. 34 Chamava-se, também, mitra a carapuça de papel que se colocava na cabeça dos condenados da Inquisição. 142 Vestimenta é um coletivo. Designa os paramentos do sacerdote, o conjunto das vestes religiosas. Quanto a diadema, de origem grega, só o próprio texto indica que diz respeito a religioso: Tem um grande Arcebispado muito honrado, junto da pedra de extrema, onde põe o diadema e a mítara o tal prelado. Exortação da Guerra, COMP. II, 166 / GV. 135, 15-16 Finalmente, tonsura, do latim tonsura, “corte de cabelo” é usado uma vez em espanhol: Tu figura, en tal hábito y tonsura causa pesar en te viendo. D. Duardos, COMP. II, 94 / GV. III, 265, 11, 22 AMICTO Panos brancos que o sacerdote coloca sobre os ombros, debaixo da alva. Moraes registra. Viterbo, não. e os amitos pendurados onde a minha espada está. Clérigo da Beira, COMP. II, 524 / GV. VI, 11, 22 143 CAPELO Ver capítulo TOUCADO. CORDÃO Corda fina usada para segurar ou para cingir. Sua confecção era esmerada. Segundo Moraes (I, 471), de seda, algodão ou fio de ouro. No Auto da Feira, as chaves dos céus estão guardadas em cordões dourados. Cordão é também o nome dado à corda de cingir a túnica dos frades. Aborrece-me a coroa, o capelo e o cordão, Frágua de Amor, COMP. II, 159 / GV. IV, 125, 9 aqui achareis as chaves dos Céus, muito bem guarnecidas em cordões dourados. Auto da Feira, COMP. I, 151 / GV. I, 204, 20 COROA – CORONA (esp.) Adorno com que se cinge a cabeça. Com este sentido aparece na forma espanhola no Auto da Sibila Cassandra, com relação à Virgem Maria e como galardão. Nos autos, não se encontra coroa significando poder ou dignidade da realeza. O termo emprega-se, também, para tonsura distintiva do sarcedócio. Nesta acepção, é usado com freqüência por Gil Vicente com relação a frades. Pode estar em sentido figurado. entre más de mil donzellas com su corona de estrellas Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 64 / GV. I, 68, 6 144 y aun te juro á mi corona. Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 64 / GV. I, 72, 25 Vírgen y madre de Dios, a vos, a vos, corona de las mugeres, Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 69 / GV. I, 79, 17 Mas que monton de coronas!35 Auto da Fé, COMP. I, 71 / GV. I, 83, 7 Oh, noite favorecida de memorável coroa, Auto da Fé, COMP. I, 77 / GV. I, 91, 22 Mantenha Deos esta coroa! Auto da Barca do Inferno, COMP. I, 215 / GV. II, 60, 7 e assi entregar a minha cabeça à cruel coroa, porque ela padeça com tanto de sangue, que quem me olhar que não me conheça Auto da História de Deus, COMP. I, 312 / GV. II, 214, 6 35 O pastor refere-se a clérigos. 145 e só da coroa, também crede vós que não guarecera. Diálogo sobre a Ressureição, COMP. I, 320 / GV. II, 227, 10 e de mero malhadeiro me fui fazer de coroa. Frágua de Amor, COMP. II, 156 / GV. IV, 120, 17 Aborrece-me a coroa, o capelo e o cordão, o hábito e a feição, e a vespera e a noa, e a missa e o sermão: Frágua de Amor, COMP. II, 159 / GV. IV, 125, 8 Y plantar todos los frailes en la tierra que no es buena, las coronas so el arena, las piernas hazia los aires, Templo de Apolo, COMP. II, 183 / GV. IV, 165, 8 Eu são fino da pessoa, e por se não duvidar ~ cousa muito boa: fiz hua deixei crescer a coroa, sem nunca a mandar rapar, Romagem dos Agravados, COMP. II, 290 / GV. V, 2, 9 146 que lhes dêem tanta seixada, que lhes quebrem as coroas, Romagem de Agravados, COMP. II, 310 / GV. V, 36, 17 y sois vida de las glorias, y corona de las gentes. Auto da Fama, COMP. II, 371 / GV. V, 133, 10 Vem a Fé e Fortaleza a laurear esta Fama com uma coroa de louro, Auto da Fama, COMP. II, 375 / GV. V, 139 porque siempre mi persona, desque echó de corona, fue d’amores a la muerte Auto das Fadas, COMP. II, 411 / GV. V, 193, 20 Deras-lhe, ma hora, boa e mordera-lo na coroa. Inês Pereira, COMP. II, 431 / GV. V, 227, 11 e dormir com tanta afronta, que a coroa jaz no chão, Almocreves, COMP. II, 498 / GV. V, 334, 26 147 e não fazeis a coroa antes que vamos caçar? Clérigo da Beira, COMP. II, 518 / GV. VI, 1, 3 Vá lá quem tiver coroa. Clérigo da Beira, COMP. II, 518 / GV. VI, 2, 14 DIADEMA No texto vicentino é insígnia sacerdotal. Moraes define diadema como insígnia real, fita, faixa36. onde põe o diadema e a mítara o tal prelado. Exortação da Guerra, COMP. II, 166 / GV. IV, 135, 15 ESTOLA Peça dos paramentos sacerdotais. Coloca-se por cima da alva e por baixo da casula. E solte a cabra também, que está presa pola estola, Clérigo da Beira, COMP. II, 524 / GV. VI, 12, 10 36 Cf. Moraes, I, 613 148 HÁBITO- HÁBITO (esp.) Vestimenta do religioso. Veste talar. e este habito não me vale ? Auto da Barca do Inferno, COMP. I, 214 / GV. II, 58, 15 Tu figura, en tal hábito y tonsura causa pesar en te viendo. D. Duardos, COMP. II, 44 / GV. III, 265, 12 de estos mis hábitos dos este, señor, vestireis Amadis de Gaula,COMP. II, 101 / GV. IV, 42, 11 Depois de vestido Amadis no hábito, olhando-se a si mesmo diz: Amadis de Gaula, COMP. II, 101 / GV. 42 En hábito de burel pide por essos casales. Amadis de Gaula, COMP. II, 105 / GV. IV, 48, 4 Aborrece-me a coroa, o capelo e o cordão o hábito e a feição, Frágua de Amor, COMP. II, 159 / GV. IV, 125, 10 149 Entra logo Frei Paço com seu, hábito e capelo... Romagem de Agravados, COMP. II, 289 / GV. V, 1 inda que trago comigo hábito que é muito disso. Romagem dos Agravados, COMP. II, 290 / GV. V, 3, 2 MITRA Insígnia episcopal, usada na cabeça em certas ocasiões. onde põe o diadema e a mítara o tal prelado. Exortação da Guerra, COMP. II, 166 / GV. IV, 135, 16 e não sei conjecturar como se pode assentar mítara em cabeça d’asno. Romagem de Agravados, COMP. II, 307 / GV. V, 31, 8 SAMARRA Como veste religiosa, ocorre no Auto da Feira. Para a acepção de roupa pastoril, ver o capítulo VESTES EM GERAL. TONSURA (esp.) O corte de cabelo. Geralmente, a coroa dos religiosos. 150 Tu figura en tal hábito y tonsura causa pesar en te viendo. D. Duardos, COMP. II, 44 / GV. III, 265, 12 VESTIMENTA Vestes dos atos solenes sacerdotais. E a vestimenta achará dobrada sobre a albarda. Clérigo da Beira, COMP. II, 524 / GV. VI, 12, 1 6. ARMAS Na tragicomédia de Amadis de Gaula, há uma passagem em que várias armas são nomeadas. Amadis, desesperado por uma carta de Oriana, pensa em abandonar tudo: El mundo quiero dexallo, pues me dexó su señora; el bivir quiero mudallo, mis armas y mi cavallo despido luego en la hora. Tú, mi espada guarnecida de tan hermosas hazañas, en fuego seas hundida, como arden mis entrañas consumiéndome la vida. Y tu, puñal esmaltado, fuerte y favorecido 151 de aventuras peligrosas, de rayo seas quebrado, e mil pedazos partido, como ahora están mis cosas. Y tú, mi elmo lustrante, com tu cimera hermosa, que por Oriana emprendí, plega a Dios que te quebrante alguna peña rabiosa que del cielo caya en ti. Y tú arnés y piastrón, n’el mar Índico cayáis en lo mas hondo de allí, donde sin causa y razón tales fortunas hayáis como acá dexais a mi.. Quixotes, manoplas, grevas, mis armas nunca vencidas, que os hagan siendas cuevas, y de vos vayan las nuevas que de mí tengo sabidas. COMP. II, 99 / GV. IV, 38-39 Aí temos a relação das armas do herói, as de ataque e as de defesa. Afora espada, que aparece em outros locais, estas armas só são nomeadas uma vez nos autos. Quixote é uma peça de armadura que protege a coxa. Provém do catalão cuixot, derivado de cuixa, que equivale ao português coxa. Cervantes deve ter escolhido propositadamente, o nome do seu herói. O elmo protege a cabeça, piastrão, o peito, quixote a coxa, como foi dito, manopla, a mão e grevas, os pés e as pernas. Como arnês é o conjunto de armas defensivas, apenas espada e punhal são citados entre as ofensivas. 152 Espada aparece, também, na descrição de Frei Paço, na Romagem de Agravados e em outra passagem do mesmo auto, como já foi exemplificado com relação a hábito, capelo e gorra. A figura grotesca do frade é uma mistura de diversas classes. Hábito e capelo distinguem o frade, gorra de veludo e luvas, o homem do mundo, e espada, o cavalheiro. O termo capacete é mais freqüente. Na Exortação da Guerra, simboliza as armas, em geral: Oh, que não honram vestidos, nem mui ricos atavios, mas os feitos nobrecidos! Não briais d’ouro tecidos com trepas de desvarios: dai-os pera capacetes. COMP. II, 177 / GV. IV, 154, 6-11 Em sentido figurado, aparece no Triunfo do Inverno: Sois piloto d’Alcochete pera o rio das enguias, e navegar nestas vias, quer cabeça e capacete. COMP. II, 266 / GV. IV, 294 ARMADOS Com armas. Seis deles não escaparão, que vão muito acutilados; os cinco vinham armados, feitos malha de Milão, Juiz da Beira, COMP. II, 485 / GV. V, 313, 11 153 ARMAS – ARMAS (esp.) Termo genérico. Conjunto de objetos de ataque e de defesa. Ya se tarda que las armas juzgan esto. D. Duardos, COMP. II, 15 / GV. III, 225, 8 mis armas y mi cavallo despido luego en la hora. Amadis de Gaula, COMP. II, 98 / GV. IV, 38, 9 Tus cinco llagas le diste en pago de su cuidado, que la dexase por armas a su reino señalado. Triunfo do Inverno, COMP. II, 275 / GV. IV, 309, 17 ARNÊS – ARNÉS (esp.) Conjunto de armas defensivas que se acomodam ao corpo. Do francês antigo harneis (hoje harnais).Também empregado em sentido figurado. del sol estava guarnida, percebida, contra Lucifer armada, com virgen arnés guardada, Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 61 / GV. I, 68, 18 154 Y tu, arnés y piastrón, n’el mar Índico cayáis en lo mas hondo de allí. Amadis de Gaula, COMP. II, 98 / GV. IV, 39, 1 E haviam mister refundidos, ao menos três partes deles, em leigos, e arneses neles Frágua d’Amor, COMP. II, 157 / GV. IV, 122, 8 CAPACETE Arma de defesa para a cabeça. Nos autos, aparece também em sentido figurado. Ó padre Frei Capacete! Cuidei que tínheis barrete. Barca do Inferno, COMP. I, 215 / GV. II, 60, 8 Não briais d’ouro tecidos com trepas de desvarios: dai-os pera capacetes. Exortação da Guerra, COMP. II, 177 / GV. IV, 54, 11 e navegar nestas vias quer cabeça e capacete. Triunfo do Inverno, COMP. II, 266 / GV. IV, 294, 4 155 CIMEIRA – CIMERA (esp.) Penacho ou outro adorno do capacete ou do elmo. Y tú, mi elmo lustrante, com tu cimera hermosa, Amadis de Gaula, COMP. II, 98 / GV. IV, 38, 23 ESPADA – ESPADA (esp.) Arma de lâmina com ponta. Tú mi espada guarnecida de tan hermosas hazañas, en fuego seas hundida, Amadis de Gaula, COMP. II, 98 / GV. IV, 38, 11 Entra logo Frei Paço com seu hábito e capelo, e gorra de veludo, e luvas, e espada dourada, fazendo meneios de muito doce cortesão; Romagem dos Agravados, GV. V, 1 Deo gratias não me pertence, nem pera sempre nem nada, senão espada dourada porque muito bem parece ao Paço trazer espada Romagem de Agravados, II, 290 / GV. V, 2, 3 e 5 156 Porque mato com rezão, e quando levo da espada, treme a terra e abre o chão. Juiz da Beira, GV. V, 314, 7 ainda lá farei fataxas, qu’eu não hei-d’ir sem espada. Juiz da Beira, COMP. II, 486 / GV. V, 315, 2 GREVAS – GREVAS (esp.) Botas ou polainas de ferro ou outro metal, usadas na guerra, antigamente. Quixotes, manoplas, grevas, mis armas nunca vencidas, Amadis de Gaula, COMP. II, 99 / GV. IV, 39, 7 MANOPLA – MANOPLA (esp.) Palavra de origem incerta. Peça de armadura com que se protegia a mão. Quixotes, manoplas, grevas, mis armas nunca vencidas, Amadis de Gaula, COMP. II, 99 / GV. IV, 39, 7 PUNHAL – PUÑAL (esp.) Arma branca. É derivado de punho. 157 Y tú, puñal esmaltado, fuerte y favorecido de aventuras peligrosas, Amadis de Gaula, COMP. II, 99 / GV. IV, 38, 16 PIASTRÃO – PIASTRÓN (esp.) Peça de armadura que forrava a frente da couraça. Y tú arnés y piastrón, nel mar Índico cayáis en lo mas hondo de allí, Amadis de Gaula, COMP. II, 99 / GV. IV, 39, 1 QUIXOTE – QUIXOTE (esp.) Peça de arnês para cobrir a coxa. Quixotes, manoplas, grevas, mis armas nunca vencidas, Amadis de Gaula, COMP. II, 99 / GV. IV, 39, 7 TERÇADO Espada curva. Segundo Moraes, vem de “terçar a espada”37. e o precioso terçado que foi no campo tomado depois de morto Roldam, O terçado pera vencer; Cortes de Júpiter, COMP. II, 219 / GV. IV, 256, 8 e 11 37 Op. cit., Vol. II, p. 767. 158 7. CONFECÇÃO DO VESTUÁRIO O material de confecção, nos autos, tirando os de valor intrínseco, isto é, os metais e pedras preciosas que entram na fabricação de jóias ou nos bordados e adornos das roupas, refere-se, com mais freqüência, às peças que constituem as vestes propriamente ditas. Há materiais finos (seda, veludo, brocado, escarlata, contray), grosseiros (bragal, saial, liteiro) e comuns (algodão, linho, fustão e lã, o mais fartamente empregado). Para o calçado, há cordovão e, com relação à cobertura de cabeça, seda, veludo e sirgo, este último num trecho de cantiga. O próprio texto permite uma leitura que hierarquiza os materiais. O algodão, por exemplo, é material comum. Relaciona-se a mulher de condição inferior. Aparece em relação sintagmática com linho e estopa em Quem tem farelos? (COMP. II, 344 / GV. V, 87, 6): Hui! pois geita-te ao fiar estopa ou linho ou algodão. Opõe-se, no conjunto da obra, a seda, brocado e contray que aparecem relacionados a personagens de classe superior. É interessante observar que em Gil Vicente as atividades femininas também se hierarquizam de acordo com o material de trabalho ou vice-versa. Fiar é ocupação feminina por excelência, para qualquer classe social, enquanto a mãe de Isabel (Quem tem farelos?) a aconselha a fiar estopa, linho ou algodão, tarefa e materiais condizentes com a sua condição. Aires Rosado promete à mesma Isabel um status melhor, uma vida regalada: 159 não tendes em que vos acupar, senão somente enfiar aljofre, já d’enfadada. COMP. II, 338 / GV. V, 77, 4-6 Do mesmo modo, o cortesão que quer conquistar Lediça, filha do alfaiate judeu do Auto da Lusitânia, diz-lhe que tal senhora não deveria estar varrendo, mas sim: enfiar aljofre e perlas orientais, (COMP. II, 548 / GV. VI, 48, 18-19) A procedência do material tinha muita importância na época. Em Portugal, fabricava-se o mais comum e também a seda de vários tipos e qualidades. Era larga a produção de lã. A escarlata, valorizadíssima, vinha de Flandres ou da Inglaterra. Os veludos e cetins eram de procedência oriental, a cambraia, do norte da Europa. O contray era um pano fino, fabricado em Contray, nome que os espanhóis davam à cidade flamenga de Courtray38. No Auto da Serra da Estrela (COMP. II, 242 / GV. IV, 219-220), há um trecho em que se faz alusão aos presentes, os melhores, da melhor procedência que cada região deverá enviar. Entre queijos manteiga e castanhas, há panos finos de Covilhã, forros de arminho do Val de Penedos e dos montes e caminhos da Serra da Estrela. No que toca à etimologia dos vocábulos, é interessante observar que acompanha paralelamente a evolução 38 Cf. Corominas, J. Diccionario crítico etimológico de la lengua castellana. Madrid: Gredos, 1954, vol. I, p. 802. 160 cultural do vestuário. Enquanto lã, linho, estopa, mais tradicionais e comuns, são de procedência latina, algodão e escarlata são de origem árabe, contray leva o nome da sua cidade de origem, burel provém do francês antigo, brocado é de origem italiana através do catalão, cordovão está ligado à cidade de Córdova, grande centro antigo de curtição e preparo de couros e peles. Como se vê, o cosmopolitismo da moda reflete-se no cosmopolitismo dos termos que lhe dizem respeito. ALGODÃO Material de pouco valor, usado pelas pessoas simples. Hui! pois geita-te ao fiar estopa ou linho ou algodão. Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 6 ARMINHO Sua pele era de grande valor e muito apreciada, usada para forrar e enfeitar mantos. As peles mais comuns eram as de cordeiro e de cabrito, mais ordinárias, as de coelho, mais baratas e mais vulgares. O gato doméstico estava pouco cotado no século XIII, uma pele valia o mesmo que um metro de bragal, tecido utilizado nas vestes interiores. As de esquilo eram muito cotadas. Mudavam a cor, conforme a estação em que o animal era caçado: acinzentadas, no inverno e castanho-avermelhadas, no verão. As de importação, fuinha, marta, lontra, arminho, raposa e outras eram valiosas e tabeladas. Se tingidas, o valor aumentava39. Em sentido figurado, arminho aplica-se a objeto ou coisa de valor. 39 Cf. Oliveira Marques, op. cit., pp. 33-34. 161 E os do Valedos Penedos e Montes dos Três Caminhos, que estão em fortes montados, mandarão empresentados trezentos forros d’arminhos pera forrar os brocados. Serra da Estrela, COMP. II, 242 / GV. IV, 220, 10 Minha rosa! meu arminho! O Velho da Horta, COMP. II, 378 / GV. V, 143, 18 BUREL – BUREL (esp.) Pano grosseiro de lã. Por metonímia, traje grosseiro. Os frades vestiam-se de burel. Pode também indicar luto. Como não era tingido, tinha aspecto esbranquiçado, daí a adoção do branco como luto, até o século XV40. Tendes vós aqui burel, do pardo de lã meirinha? Auto da Feira, COMP. I, 167 / GV. I, 233, 11 Por este vesti burel de vil terra, Auto da Cananéia, COMP. I, 339 / GV. II, 252, 5 40 Cf. Oliveira Marques, op. cit., p. 58. 162 En hábito de burel pide por essos casales. Amadis de Gaula, COMP. II, 105 / IV, 48, 4 Notas de Marques Braga, ao pé das páginas 79 e 106 do segundo volume da edição vicentina da Sá da Costa, referentes aos autos da Barca do Inferno e da Barca do Purgatório, respectivamente, explicam burel como luto. Revendo o texto, creio que, nos dois casos, o sentido mais se aproxima de mortalha: Ora já passei meu fado, e já feito é o burel Barca do Inferno, COMP. I, 227 / GV. II, 75, 21 S’eu não fora pulhador j’ela passava o burel Barca do Purgatório, COMP. I, 242 / GV. II, 106, 9 Na Comédia do Viúvo, há referência ao preto como luto. Quitad el luto de vos, y esos paños negregosos; Comédia do Viúvo, I, 414 / GV. III, 89, 27 que cierto sabemos nos negar los hechos de Dios todos que están lutosos. 163 Que se muestran soberbiosos de quexosos, cargados de paños prietos, Comédia do Viúvo, I, 415 / GV. III, 90, 6 Mais fermoso está ao vilão mau burel que bom frisado, Almocreves, COMP. II, 512 / GV. V, 359, 2 BROCADO – BROCADO (esp.) Tecido fino precioso, de seda, às vezes entretecido de ouro. O ouro pera que é, e as pedras preciosas e brocados? Auto da Alma, COMP. I, 184 / GV. II, 15, 21 E depois darei janeiras de brocado, Comédia de Rubena, COMP. I, 400 / GV. III, 69, 5 parecen viejas pinturas, unas damas de Guinea com brocado D. Duardos, COMP. II, 35 / GV. III, 252, 10 Porque, Amor, yo quiero ver, pues que Dios eres llamado 164 divinal si tu divinal poder hará subir en borcado este sayal; D. Duardos, COMP. II, 47 / GV. III, 268, 11 (...) e os Fidalgos do Príncipe tiraram suas capas e ficaram em calções e gibões de brocado como carafates Nau de Amores, COMP. II, 121 / GV. IV,70 mandarão empresentados trezentos forros d’arminhos pera forrar os brocados. Serra da Estrela, COMP. II, 242 / GV. IV, 220 CAIREL Espécie de galão estreito, debrum. Aqui hão d’ir uns cairéis ao redor destes bocais. Comédia de Rubena, COMP. I, 392 / GV. III, 57, 5 CONTRAY (esp.) Pano fino, fabricado em Courtray de Flandres41. Moraes e Viterbo não registram. Também não há alusão na obra citada de Oliveira Marques. Corominas42 registra, com a mesma explicação da nota de Marques Braga. 41 Cf. nota da página 200, volume III, da edição de Marques Braga, para a Sá da Costa. 42 Op. cit., Vol. I, p. 802. 165 Acá me há quedado todo una beca de veludo, y loba de contray frisado, Floresta de Enganos, COMP. I, 495 / GV. III, 200, 7 CORDOVÃO Couro de cabra, curtido pelos mouros de Córdova. Os sapatos de cordovão eram mais apreciados e mais caros. Vou e vendo ~ ua viola e um gibão de fustão e botas de cordovão, Juiz da Beira, COMP. II, 474 / GV. V, 297, 12 mas já eu a vosso pai vi morder bem um mau cordovão. Clérigo da Beira, COMP. II, 527 / GV. VI, 17,12 ESCARLATA – ESCARLATA (esp.) Pano de lã cremesin, fino, mas não tanto quanto a grã43. Procedia de Flandres ou da Inglaterra e era tingida em cores próximas do vermelho. Segundo Oliveira Marques, a Pragmática de 1340 reserva a escarlata para o rei e outros membros da família real44. Em Gil Vicente aparece como tecido de valor, no Auto de Mofina Mendes, e como cor, na Comédia do Viúvo: 43 Moraes, I, 175 Cf. op. cit., p. 58. 44 166 e o dia que for casada sairei ataviada com um brial d’escarlata, Auto de Mofina Mendes, COMP. I, 115 / GV. I, 150, 5 su muerte es tan notoria de memoria, que el luto desbarata; mas antes la escarlata es meritoria. Comédia do Viúvo, COMP. I, 415 / GV. III, 90, 18 ESTOPA Parte mais grossa do linho. Material inferior. Dá ao demo essa cachopa. Assenta-te na portela e vai correndo trás ela ~ rocada d’estopa. com ua Nau de Amores, COMP. II, 128 / GV. IV, 79, 15 los monges de estopa bela, que en llegando la candela se acabasen de quemar y luego fuego a su celda. Templo de Apolo, COMP. II, 183 / GV. IV, 165, 2 167 Hui! pois geita-te ao fiar estopa ou linho ou algodão. Quem tem farelos ? COMP. II, 344 / GV. V, 87, 6 FIO Fibra proveniente de materiais têxteis. E quaando lhe quebra o fio, renega coma beleguim. Quem tem farelos? COMP. II, 344 / GV. V, 87, 6 Mostra-m’essa roca ca: siquer fiarei um fio. Auto da Índia, COMP. II, 347 / GV. V, 92, 16 FUSTÃO Pano de algodão ou linho, tecido de cordão. Não é de qualidade inferior como o burel, nem tão comum como a lã. Vou e vendo ~ua viola e um gibão de fustão e botas de cordovão, Juiz da Beira, COMP. II, 474 / GV. V, 297,11 LÃ- LANA (esp.) O pelo da ovelha. Tecido feito com o pelo da ovelha. O tecido era comum, de uso geral e baixo preço. Era o material 168 por excelência para as vestes. Nos autos, relaciona-se a personagens humildes. Aparece como material, tecido e agasalho. É essa a tua saia nova? Mostra cá a ver que lã tem. Auto Pastoril Português, COMP. I, 131 / GV. I, 173, 14 Tendes vós aqui burel, do pardo de lã meirinha? Auto da Feira, COMP. I, 167 / GV. I, 233, 12 Depois tomavas a lã da melhor e a mais sã, e davas ao dízimo a do rabo, temporã Auto da Barca do Purgatório, COMP. I, 236 / GV. II, 95, 10 comei dessa fruta amargosa, montesa, e fie da lã a primeira princesa Auto da História de Deus, COMP. I, 290 / GV. II, 184, 21 El hombre queremos ver, que los paños son de lana. D. Duardos, COMP. II, 33 / GV. III, 249, 11 169 Gran remedio es par’al frío al que viste poca lana Triunfo do Inverno, COMP. II, 256 / GV. IV, 279, 2 Isso é ou lobo ou rã, ou feixe de lenha ou armeu de lã; Triunfo do Inverno, COMP. II, 266 / GV. IV, 295,7 LINHO Fio obtido das fibras de linho. Agora lhe fio eu ~ ua camisa de linho. Auto Pastoril Português, COMP. I, 136 / GV. I, 182, 9 Hui! pois geita-te ao fiar estopa ou linho ou algodão. Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 6 LITEIRO Tecido próprio para sacos. No presente passo, explica-se pela excentricidade com que se aprentam as damas em Cortes de Júpiter. E a sua moça irá em trosquia num sendeiro, com um sainho de liteiro, Cortes de Júpiter, COMP. II, 213 / GV. IV, 247, 3 170 MALHA Ver verbete no capítulo MÃO DE OBRA. OURELO Segundo Moraes, trata-se de um tecido de lã grosseira, à borda do pano, para não desfiar. O Novo Dicionário Aurélio registra como fita ou tira de pano grosso; ourela. No tempo de Eça de Queirós usavam-se chinelos de ourelo. Pelo texto, não pode ser parte de uma peça de vestuário nem o material de confecção, mas, por metonímia, a própria peça,provavelmente um abrigo de tecido grosseiro. Cismena menina era uma pastorinha. Dera eu ora o meu orelo, e os meus alfinetinhos, e achasse os meus porquinhos cajuso em Val de Cobelo. Comédia de Rubena, COMP. GV. III, 40, 5 PANO – PAÑO (esp.) Tecido. Por extensão de sentido pode significar “roupa”, “traje”. Vê o menino chorar, e a Senhora afligida, sem ter cousa nesta vida, nem panos pera o pensar: Auto da Fé, COMP. I, 78 / GV. I, 93, 19 comprai aqui panos, mudai os vestidos, Auto da Feira, COMP. I, 78 / GV. I, 205, 17 171 cá dizem que sob mau pano está o bom bebedor: Auto da Feira, COMP. I, 156 / GV. I, 214, 8 Dirás que arrendaste na sisa dos panos, ou nos azeites do haver do peso Diálogo sobre a Ressurreição, COMP. I, 317 / GV. II, 222, 19 Se vos vísseis cá de fora mudaríeis esses panos, Comédia de Rubena, COMP. I, 400 / GV. III, 68, 13 cargados de paños prietos, Comédia do Viúvo, COMP. I, 415 / GV. III, 90, 6 Porque si con muestra de rey vendiéredes después, Señor, falso paño, D. Duardos, COMP. II, 14 / GV. III, 223, 13 Iros hes a su hortelano vestido de paños viles, com paciencia, de príncipe hecho villano; D. Duardos, COMP. II, 27 / GV. III, 241, 23 El hombre queremos ver que los paños son de lana. D. Duardos, COMP. II, 33 / GV. III, 249,11 172 Señor, mudad el pelejo, id a vestir vuessos paños naturales. D. Duardos, COMP. II, 68 / GV. III, 296, 16 Amadís, de essa color es el paño en que me fundo, Amadis de Gaula, COMP. II, 68 / GV. IV, 4, 13 No aprovecha calçar, ni vestir paños loçanos; Nau d’Amores, COMP. II, 126 / GV. IV, 77,14 e Covilhã muitos panos finos que se fazem lá. Serra da Estrela, COMP. II, 242 / GV. IV, 219, 28 leixou-lhe pera três anos trigo, azeite, mel e panos, Auto da Índia, COMP. II, 347 GV. V, 93, 2 Ando dizendo entre mi, que agora vai em dous anos que eu fui lavar os panos além do chão d’Alcami; Auto da Índia, COMP. II, 355 / GV. V, 108, 3 173 que esperança de os ver me hizo vestir tal paño. Inês Pereira, COMP. II, 458 / GV. V, 268, 8 Que Diuz vuz defienda del amor de engaño que muztra una mueztra y vende outro paño, Ciganas, COMP. II, 490 / GV. V, 322, 11 pera ajuda de casar ~ ua orfã, mandastes dar meio côvado de pano d’Alcobaça por tosar, Almocreves, COMP. II, 498 / GV. V, 336, 7 Tirai vós aquestos panos, parecereis de quinze anos pelos santos Evangelhos. Auto da Festa, COMP. II, 692 / GV. VI, 154, 22 PELE As peles eram utilizadas para forrar as vestes ou para decorálas. Tiveram grande uso e prestígio. Havia peles comuns e baratas e outras muito apreciadas, até importadas e de alto custo. As peles de coelho, cordeiro e cabrito eram de pouco valor. No texto vicentino, o exemplo indica tratar-se de material ordinário. Eu são indino pastor pobre, vestido de pele, Floresta de Enganos, COMP. I, 503 / GV. III, 212, 2 174 Fio de seda torcido. RETRÓS Está tão saudosa de vós, que se perde a coitadinha ~ vasquinha há mister hua e três onças de retrós. O Velho da Horta, COMP. II, 396 / GV. V, 171, 2 ROUPA – ROPA (esp.) Ver capítulo TERMOS GERAIS. SAYAL (esp.) Pano ordinário, grosseiro. Segundo Marques Braga, de lã45. Porque, Amor, yo quiero ver, pues que Dios eres llamado divinal si tu divinal poder hará subir en borcado este sayal; D. Duardos, COMP. II, 47 / GV. III, 268, 12 SEDA – SEDA (esp.) Tecido fino, importado, muito valorizado. Usava-se até na confecção de roupas íntimas. Pode ser, também, o fio de seda. E as sedas pera quê? Auto da Alma, COMP. I, 184 / GV. II, 15, 22 45 Cf. GV. III, p. 268, nota. 175 Traze cá a almofadinha, e a seda e o dedal, Comédia de Rubena, COMP. I, 388 / GV. III, 52, 5 Y mis jardines texidos com seda de oro tirado D. Duardos, COMP. II, 63 / GV. III, 290, 14 Pero quiso Vuessa Alteza que deva besar la mano de mi seda D. Duardos, COMP. II, 71 / GV. III, 301, 7 como rosa ataviada, toda de seda amorada, Cortes de Júpiter, COMP. II, 213 / GV. IV, 246, 7 ~ touca de seda. Dou-te ua Auto da Índia, COMP. II, 346 / GV. V, 92, 4 Remoçou-m’ela um brial de seda e uns toucados. O Velho da Horta, COMP. II, 396 / GV. V, 170,14 176 SIRGO (esp.) Sirgo. Fio de seda ou seda bruta. Para dar al su amigo en un sombrero de sirgo. Auto dos Quatro Tempos, COMP. I, 89 / GV. I, 107, 11 VELUDO – VELUDO (esp.) Seda com pelo alto. Era tecido produzido em Portugal assim como a seda. Tirai a loba e daí-ma cá luvas e sombreiro e tudo, e a beca de veludo, que tudo se guardará: Floresta de Enganos, COMP. I, 491 / GV. III, 194, 15 Acá me ha quedado todo una beca de veludo, y loba de contray frisado, Floresta de Enganos, COMP. I, 495 / GV. III, 200, 6 Quando vejo um cortesão com pantufos de veludo, e~ ua viola na mão tresanda-m’o coração, e leva-me a alma e tudo. Serra da Estrela, COMP. II, 236 / GV. IV, 212, 8 177 se não tiver que vos venda vinho a seis, cabra a três, pão de calo, filhós de manteiga, moça formosa, lençóis de veludo. Almocreves, COMP. II, 507 / GV. V, 351, 23 8. ACESSÓRIOS Estamos considerando accessórios46 aqueles objetos que, sem fazer parte do vestuário propriamente dito, são, entretanto, indispensáveis para compô-lo ou têm função utilitária e fazem parte do que as pessoas levam consigo. Estão neste caso: bolsa, cinto, cordão, faixa, luvas e surrão. O grupo é pequeno e limitar-nos-emos a dar alguns esclarecimentos sobre cada um dos termos. Bolsa, do latim bursa, ocorre raramente nos autos47. Os cintos eram usados em larga escala porque todas as roupas eram cintadas. Os camponeses, quando o comprimento das vestes atrapalhava o trabalho, levantavam-nas pela cintura com o cinto. Além de objeto utilitário, podia servir de pretexto a decorações preciosas de ouro, prata e pedrarias, tornando-se um adorno de luxo. Os cordões48 tinham utilidades várias: cingir e atar peças de vestuário ou objetos pequenos. Há cordões de fios de seda e, mais preciosos, de fios de ouro. No Auto da Feira, as chaves dos céus estão atadas com cordões dourados: 46 Há um grupo de palavras de que não nos ocupamos por não fazerem parte do traje, embora acompanhem sempre os personagens que as usam. São instrumentos de trabalho, relativos aos pastores: cajado, tarros, apeiros, chocalhos, etc. 47 Cf. verbete bolsa. 48 No capítulo VESTES E INSÍGNIAS RELIGIOSAS, tratamos deste accessório como distintivo de frades, por fazer parte de sua indumentária. 178 Aqui achareis as chaves dos Céus muito bem guarnecidas em cordões dourados; COMP. II, 151 / GV. I, 204, 19-20 Faixa aparece também na forma espanhola faxa na edição de Buescu, grafado faja na edição de Marques Braga. Na Idade Média, como revelam os cancioneiros, as faixas ou cintas foram objeto de presente das damas para seus trovadores. Na Comédia do Viúvo, trata-se de um presente, mas não de dama para trovador. Sobre luvas temos a observar que a expressão já se usava no sentido de “pagamento ao mediador de uma transação”. Na Romagem dos Agravados, lê-se: Luva vai e luva vem, e alvalá de filhamento, fazemo-lo casamento c’o carrapato d’Ourém, moço da Câmara do vento. COMP. II, 302 / GV. V, 22, 4-8 Surrão é a bolsa própria dos pastores. Aparece na forma espanhola çurrón. É palavra de origem incerta para o português e o espanhol. É provável que venha do vasco zorro. Resolvemos, depois de alguma hesitação, mencionar o termo “espelho de alinde”. Apesar de não ser um accessório que a pessoa porta consigo, este objeto serve para conferir a aparência. Em sentido figurado, aparece no Auto da Fama: Ormuz, Quíloa, Mombaça Sofala, Cochim, Melinde, 179 como em espelhos d’alinde, reluze quanta é sua graça. Auto da Fama, COMP. II, 367 / GV. V, 126,24 Na acepção de “modelo”, espelho/espejo têm largo emprego, em português e espanhol. Espejo de generaciones y naciones, de Dios hija, madre y esposa, Auto da Sibila Cassandra, COMP. I, 69 / GV. I, 79,20 BOLSA Saco de tecido, de seda, confeccionado com ponto de meia e, talvez, de malha ou metal, para guardar o dinheiro. Eram presas ao cinto49. Vejamos bolsa que tem: um pente para quê bom? Clérigo da Beira, COMP. II, 535 / GV. VI, 28,6 Quando bolsa mi achase Fernão d’Alvaro, esse si; nunca pente sá ali. Clérigo da Beira, COMP. II, 536 / GV. VI, 28, 14 49 Cf. Oliveira Marques, op. cit., p.47. 180 Ah Reus! Quem te furtasse bolsa, Nuna Ribeiro! Clérigo da Beira, COMP. II, 536 / GV. VI, 28, 18 CINTO Correia ou tira para cingir a cintura, com fecho. Quase todas as roupas masculinas eram cintadas. Os cintos eram confeccionados em couro, fazenda, inclusive veludo e seda, e até em metal. Os fechos eram de vários modelos e ostentavam grande quantidade de ouro, prata e pedrarias. Eram usados por ambos os sexos. As cintas, que tinham a mesma finalidade, eram faixas. Em Gil Vicente, cinta só aparece com o sentido de cintura, parte do corpo. Leixarei o chapeirão metido nesta mouteira, e o cinto e a esmoleira, Clérigo da Beira, COMP. II, 534 / GV. VI, 26, 28 Jesu! E o meu chapeirão e o cinto e esmoleira? Clérigo da Beira, COMP. II, 538 / GV. VI, 30, 2 CORDÃO Ver capítulo VESTES E INSÍGNIAS RELIGIOSAS. ESMOLEIRA Bolsa de guardar as esmolas. 181 Leixarei o chapeirão metido nesta mouteira, e o cinto e a esmoleira, Clérigo da Beira, COMP. II, 534 / GV. VI, 26, 28 Jesu! E o meu chapeirão e o cinto e a esmoleira? Clérigo da Beira, COMP. II, 538 / GV. VI, 30, 21 FAXA (esp.) Tira para cingir a cintura. No texto vicentino é um presente. Nas cantigas medievais as cintas, que são faixas, aparecem como prendas que as damas oferecem a seus trovadores50. luego la vestió y le dio una faxa colorada de presente. Comédia do Viúvo, COMP. I, 424 / GV. III, 102, 22 FRALDIQUEIRA Provavelmente trata-se de bolso da fraldilha. Como já observamos, nos autos, fraldilha faz parte do vestuário feminino: é avental. Moraes descreve fraldilha como fralda de couro que usavam antigamente os moços do monte. Seria um “avental de couro”. No verbete “fralda”, caracteriza-a como a parte do vestido da cintura para baixo51. Em nota 50 Cf. Michaëlis, Carolina. Glossário do Cancioneiro da Ajuda. Revista Lusitana, XXIII, 1920, nºs 1-4, p. 17, cinta. 51 Moraes, II, 55. 182 de pé de página, Marques Braga propõe o significado “algibeira”52. Duarte, tendes vós dinheiro na fraldiqueira? Clérigo da Beira, COMP. II, 542 / GV. VI, 36,18 LUVAS Moraes aponta-lhe a finalidade de proteger as mãos do sol e do frio53. Eram próprias das classes mais elevadas. Segundo Oliveira Marques54, houve luvas trabalhadas com fio de ouro e aljôfar. As de lã eram de pouca valia. No Cancioneiro Geral, o coudel-mor Fernã da Silveira aconselha a um sobrinho, que acabara de chegar à Corte, luvas de lontra de um só polegar ~ luvas ou furt’as a alguém. e compra uas Diálogo sobre a Ressurreição, COMP. II, 318 / GV. II, 223, 13 Entra logo Frei Paço com seu hábito e capelo, e gorra de veludo, e luvas, e espada dourada, fazendo meneios de muito doce cortesão. Romagem de Agravados, COMP. II, 289 / GV. V, 1 52 Gil Vicente. Obras completas, com prefácio e notas do Prof. Marques Braga. 4ª ed. Lisboa: Sá da Costa, 1971, Vol. VI, p. 36. 53 MORAES, II, 241. 54 Op. cit., p. 47. 183 Luva pode ser, também o pagamento que se dá ao mediador de uma negociação: Luva vai e luva vem, e alvalá de filhamento, fazemo-lo casamento c’o carrapato d’Ourém moço da Câmara do Vento. Romagem de Agravados, COMP. II, 302 / GV. V, 22,4 SUADEIRO Lenço. O termo lenço aparece no Cancioneiro geral e, segundo Freitas55, os lenços lavrados eram então, como hoje, objetos de luxo. Na Crônica de D. Fernando de Fernão Lopes, há uma passagem em que Leonor Teles parte um véu em dois pedaços para que seu irmão, o conde D. Gonçalo e Joham Fernandez d’Andeiro enxuguem o suor56. O termo usado por D. Leonor é sudairo, sudário, do latim sudariu. Suadeiro é formação vernácula. Segundo Oliveira Marques (op. cit.), embora os lenços fossem conhecidos dos romanos, seu uso só se divulgou no século XVI a não ser na Itália, onde foram introduzidos no Renascimento. Em Portugal, entretanto, no século XIII já eram conhecidos. No texto vicentino, a peça é bordada com pedras. 55 Freitas, Maria Constança Múrias de. “Palavras e expressões sobre vestuário no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende”. Boletim de Filologia Lisboa: Jorge Fernandes Ltda, v. 8, 1945, 67-88; 1946, 93-120. A observação citada está na p. 114. 56 “Hora assi aveo que estando el-rrei em Evora, como dissemos, chegarom huu dia pella sesta aa camara da rrainha ho conde Dom Gonçallo seu irmaão e Joham Fernandez d’Aandeiro com elle; e por a calma que fazia grande hiam elles suando muito; e ella quando os assi vio viir, preguntou-lhe se tagiam sudairos com que sse alimpar d’aquella suor, e elles disserom que nom; entom tomou a ~ veeo e parti-ho per meo e deu a cada huu ~ sua parte pera sse rrainha huu alimparem.” Capítulo CXXXIX, p. 488. Cf. Bibliografia. 184 Estes lavores são par’ele suadeiros com pedras de muitas cores, e broslados uns letreiros que dizem – Amores, Amores! Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 59, 5 SURRÃO – ÇURRÓN (esp.) Bolsa de couro, usada por pastores. Veamos cuán presto viene y cuán cargado, çurron luego aparejado, y unas dos cabezas de ajos y del pan, Comédia do Viúvo, COMP. I, 426 / GV. III, 106, 8 Antes que más te detengas, dalde luego el çurron, moças: ve corriendo. Comédia do Viúvo, COMP. I, 426 / GV. III, 106, 18 Vi andar después de aquella, Raquel guardando ganado, tan linda, que su cayado era perdido por ella, y el çurron su enamorado, Templo de Apolo, COMP. II, 180 / GV. IV, 161, 5 185 y agora ándome ansí sin çamarro, sin çurrón, Triunfo do Inverno,COMP. II, 259 / GV. IV, 282, 17 el diablo llevó el cayado, y su madre el mi çurrón. Triunfo do Inverno, COMP. II, 259 / GV. IV. 28 9. MÃO-DE-OBRA Este grupo compõe-se de três sub-grupos: profissionais, processos e instrumentos. PROFISSIONAIS A mão de obra referente ao vestuário, quer a de confecção quer a de enfeite, estava entregue a profissionais. Fiar, bordar e costurar eram ocupações femininas do lar, mas até estas atividades podiam ser exercidas por oficiais. Geralmente, estes instalavam-se em ruas especiais, existindo a dos alfaiates, a dos sapateiros e assim por diante. Este fato, além de centralizar o comércio, favorecia a fiscalização mútua, a concorrência e a homogeneidade de preços. Pelo que se deduz do texto vicentino, os sapateiros não gozavam de grande prestígio. É insulto do parvo ao diabo, no Auto da Barca do Inferno: Sapateiro de Landosa57, entrecosto de carrapato, 57 Cf. nota 12. Esse passo deve ter passado pela “apuração” de Luís Vicente. 186 sapato, sapato, filho da grande aleivosa; COMP. I, 210 / GV. II, 53, 8-11 No Clérigo da Beira, sapateiro é usado como zombaria (COMP. 529 / GV. VI, 20, 11). É como se a inferioridade do sapato se transmitisse a quem o confecciona. Os alfaiates possivelmente eram judeus ou árabes. O próprio termo alfaiate assim o faz crer. É vocábulo árabe que se manteve em português mas foi substituído por sastre em espanhol e catalão. Para Cervantes, o ofício de alfaiate era judaico58. O alfaiate do Auto da Lusitânia é um judeu. Não se pode dizer que tenham existido bordadores do sexo masculino. Talvez Gil Vicente, ao usar broslador tenha querido ilustrar o seu exemplo. Pero Vaz, na Farsa dos Almocreves, diz que fora de Portugal não há ascenção social: Que em Frandres e Alemanha, em toda França e Veneza, que vivem per siso e manha, por não viver em tisteza, Não é como nesta terra; porque o filho do lavrador casa lá com lavradora, e nunca sobem mais nada; e o filho do broslador casa com a brosladora: isto per lei ordenada. COMP. II, 512 / GV. V, 359, 7-17 58 Cf. Castro, Américo. Los españoles: como llegaran a serlo. Madrid: Taurus, 1995, p. 170, nota 3. 187 Broslador e brosladora vêm de broslar, forma antiga para bordar, do germânico bruzdan, “abafar”. Na Comédia de Rubena, Cismena manda chamar as “lavrandeiras reais”. Estas mulheres orgulham-se do seu trabalho. Nas formas de feminino relativas aos profissionais, nota-se preferência pelas formações com o sufixo –eira. Temse lavrandeira, linheira, tecedeira (tecelã). PROCESSOS São variados, desde o fiado até o frisado e os detalhes de bordado. Os processos de costura vão do ponto ao franzido, laços e lavores de toda sorte. INSTRUMENTOS Afora agulha e dedal, usados também pelos alfaiates, todos os instrumentos são de uso feminino, no lar. A almofada talvez servisse para espetar as agulhas. Cismena pede na Comédia de Rubena: Traze cá a almofadinha, e a seda e o dedal, e um coxim e todo o al que está nessa camarinha debaixo do meu brial. COMP. I, 388 / GV. III, 52, 4-8 As mulheres costumavam trabalhar em casa, sentadas num estrado, daí Cismena pedir o coxim. As almofadas também eram usadas para recosto ou para colocar os pés. No Auto da Festa, a Verdade senta-se com uma almofada aos pés. (COMP. II, 675 / GV. VI, 13). Quanto à almofadinha, faz parte do material para o trabalho. 188 Fuso e roca relacionam-se a mulher do povo. AGULHA Instrumento para costurar. sem agulha e sem dinheiro. Auto da Lusitânia, COMP. II, 547 / GV. IV, 48, 2 ALFAIATE Profissão relacionada com o traje. Os ofícios eram exercidos artesanalmente e não deviam ser muito lucrativos. Socialmente, os alfaiates não eram muito prestigiados . No regimento das procissões de Évora, dos fins do século XV, há um escalonamento hierárquico da ordem em que devem seguir os grupos de profissionais. Os alfaiates estão na décima posição, acima dos sapateiros, que ocupam a décima primeira e abaixo de tecelões, penteadores de lã e outros. São das terras do Soldão59, e Alfaiate e Alfanete, Alfareme e Alçaprema, Alpiarça e Alfazema e Alpedriz são do mestrado d’Avis. Nau de Amores, COMP. II, 130 / GV. IV, 82, 2 59 Neste passo, alfaiate não diz respeito à profissão. Trata-se de uma relação disparatada de termos de origem árabe, iniciados por al-, que fazem parte de uma fala do frade doido. 189 Cacis era um alfaiate que morava ali à Sé. Romagem de Agravados, COMP. II, 294 / GV. V, 10, 16 A pragmática mãe da Isabel de Quem tem farelos? procura afastar um escudeiro que canta à janela da filha: Vai comer, homem coitado, e dá ao demo o tanger. E demais, se não tens pão, que má hora começaste, aprenderas a alfaiate ou, sequer, a tecelão. Quem tem farelos?, COMP. II, 342 / GV. V, 83, 11 São palavras de Lediça, filha de um alfaiate judeu: Meu pai não era de arte senão pera cavaleiro, ou fidalgo, ou rendeiro, e o cristão pera alfaiate, sem agulha e sem dinheiro. Auto da Lusitânia, COMP. II, 547 / GV. VI, 48, 1 ALMOFADA Na Comédia de Rubena trata-se de uma almofafinha que deve fazer parte do equipamento para trabalhos de agulha. 190 Traze cá a almofadinha, e a seda e o dedal, e um coxim e todo o al que está nessa camarinha debaixo do meu brial. Comédia de Rubena, COMP. I, 388 / GV. III, 52, 4 BROSLADOR/BROSLADORA Aquele ou aquela que borda. O mesmo que bordador/ bordadeira. e o filho do broslador casa com a brosladora! Almocreves, COMP. II, 512 / GV. V, 359, 15 COSER – COSER (esp.) Costurar. É ocupação para ambos os sexos. É tarefa doméstica e também de oficiais. Para as mulheres, encontram-se com mais freqüência, no texto, as ocupações de fiar e lavrar. Assentai-vos a coser, que pareceis assi mal. Auto da Lusitânia, COMP. II, 554 / GV. VI, 57, 13 Assentai-vos a fiar, Saulinho e eu a coser, Auto da Lusitânia,COMP. II, 555 / GV. VI, 58, 7 191 Cuidais que o sabeis todo; pera cantar e coser haveis de dizer cantiga que vos tire o pé do lodo; Auto da Lusitânia, COMP. II, 555 / GV. VI, 58, 25 Vi más a la reina Esther, com su hermosura tanta, matar pulgas en su manta, que tenía por coser, Templo de Apolo, COMP. II, 181 / GV. IV. 161, 14 a vela com fé cosida Auto da Barca do Purgatório, COMP. I, 229 / GV. II, 83, 1 COSTURA Ocupação feminina, caseira, ligada a qualquer classe social. Trabalho. Diz respeito, também, ao ofício de alfaiate, próprio de pessoas de condição humilde. já não tendes mais costura, deixai-nos, por vossa fé. Comédia de Rubena, COMP. I, 373 / GV. III, 29,23 Senhora, não mais costura; Comédia de Rubena, COMP. I, 411 / GV. III, 83, 11 192 Não, mas antes sei que tambem alguns cristãos hão de deixar a costura. Almocreves, COMP. II, 505 / GV. V, 347, 2 Meu pai vai-se a passear com oitros Judeus andando, e a costura está folgando, dois anos por acabar o capuz de Dom Fernando. Auto da Lusitânia, COMP. II, 547 / GV. VI, 47, 8 DEDAL Dedal. Tinha o mesmo uso que hoje: proteger do fundo da agulha a cabeça do dedo médio. Em Cortes de Júpiter, nas duas ocorrências, trata-se de um dedal de condão. É comum a presença de dedais em contos de fadas. Em um deles impõe-se a tarefa de esvaziar o mar com um dedal. Traze cá a almofadinha, e a seda e o dedal, Comédia de Rubena, COMP. I, 399 / GV. III, 52, 5 E a moura há – de trazer três cousas que vos disser, pera do estreito avante. Um anel seu encantado, e um dedal de condão, e o precioso treçado que foi no campo tomado depois de morto Roldão 193 O terçado pera vencer; o dedal é tão facundo, que tudo lhe fará trazer; Cortes de Júpiter, COMP. II, 219 / GV. IV, 256, 7 e 12 señora, assi mi morir Mora, Júpiter dar box gran empresa; que exte dedal halá quebir extar de mãy de Mahomad Cortes de Júpiter, COMP. II, 222 / GV. IV, 260, 8 Não é este o meu dedal; este é o dedal do menino, Auto da Lusitânia, COMP. II, 554 / GV. VI, 57, 17 e 18 ESMALTADO Ornado de esmalte, isto é, de uma composição feita de vidro calcinado, sal e metais. O esmalte era um lavor que valorizava as jóias. O termo aparece, também, em sentido figurado. Alma humana, formada ~ cousa, feita de nenhua mui preciosa, de corrupção separada, e esmaltada naquella frágoa perfeita gloriosa; Auto da Alma, COMP. I, 177 / GV. II, 5 194 Vedes aqui um colar d’ouro mui bem esmaltado, Auto da Alma, COMP. I, 184 / GV. II, 16, 2 Oh, que jóias esmaltadas, oh, que boninas dos céus, oh, que rosas perfumadas! Auto das Fadas, COMP. II, 401 / GV. V, 178, 13 Olhai-me esta boa sombra, este lírio esmaltado; Auto da Festa, COMP. II, 692 / GV. VI, 154, 14 FARPAR Recortar em tiras. O farpado era ornato antigo, um tipo de acabamento requintado. Ora fiai de rascão, que farpa todo o pelote Clérigo da Beira, COMP. II, 542 / GV. VI, 37, 6 FIADO No texto, a tarefa de fiar. Então bulir co fiado! Achais outro mais honrado ofício pera eu saber? Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87,16 195 FIAR – HILAR (esp.) Ocupação feminina de todas as classes, variando, apenas, o material a ser fiado. Ella sentose a hilar, desnuda sobre su baño Templo de Apolo, COMP. II, 180 / GV. IV, 160, 21 Hui! pois geita-te ao fiar estopa ou linho ou algodão. Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 5 Engeitas tu o fiar? Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 9 Que não hei-de fiar, não. Eu sou filha de moleira? Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 10 Mostra-m’essa roca cá: sequer fiarei um fio. Auto da Índia, COMP. II, 347 / GV. V, 92, 16 Quero fiar e cantar segura de o nunca ver. Auto da Índia, COMP. II, 356 / GV. V, 109, 11 196 y oz davan en axuar una manta y un paramiento hilando. Ciganas, COMP. II, 490 / GV. V, 322,4 Assentai-vos a fiar, Saulinho e eu a coser. Auto da Lusitânia, COMP. II, 555 / GV. VI, 58, 6 FRANZIDO Trabalho de costura. O vestuário assume importância pelo lavor de que é objeto. O franzido do penteador do Bispo de Funchal é elogiado por Cismena como real: Que franzido tão real! Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 58, 10 FRISADO (esp.) Diz respeito ao pano que tem a frisa penteada e retorcida. Frisa é o pelo do pano. O frisado valoriza o tecido. y loba de contray frisado, Floresta de Enganos, COMP. I, 495 / GV. III, 200, 7 Mais fermoso está ao vilão mau burel, que bom frisado, e romper matos maninhos; 197 e ao fidalgo de nação ter quatro homens de recado, e leixar lavrar ratinhos. Almocreves, COMP. II, 512 / GV. V, 359, 2 FUSO Instrumento para torcer e enrolar o fio para tecer. Serve, portanto, para fiar. traze-me a roca e a banca, e o fuso que está co’ela. Auto da Lusitânia, COMP. II, 555 / GV. VI, 58, 3 LAÇOS Enfeites em forma de laço. Lavor. Laços de pontos reais. Comédia de Rubena, COMP. I, 392 / GV. III, 57, 3 LANÇADEIRA Instrumento de tecelão em que se enrola o fio para tecer. Que se fora tecedeira casada com tecelão, no inverno e no verão sempre andara a lançadeira. Triunfo do Inverno, COMP. II, 281 / GV. IV, 318, 16 198 LAVOR Trabalho de mão. Os lavores eram muito apreciados e valorizavam os trajes. Na Comédia de Rubena, uma bordadeira admite que um lavor possa mostrar o grande valor das coisas de Portugal. E primeiro será bem que digas a Miraflores que me mande os meus lavores, Comédia de Rubena, COMP. I, 389 / GV. III, 52, 11 Mostrai, Sequeira, o lavor, Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 58, 9 Estes lavores são par’ele suadeiros com pedras de muitas cores, Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 59, 4 e um sobrecéu per cima, d’esmeraldas e rubis lavrados d’obra de lima, que não possam dar estima a lavores tão sotis. Cortes de Júpiter, COMP. II, 210 / GV. IV, 241, 2 199 ~ Ua adela me vendia ~ senhora, um firmal d’ua ......................................... ......................................... lavrado de mil lavores, por cem cruzados. O Velho da Horta, COMP. 396 / GV. V, 171, 15 LAVRANDEIRA O mesmo que lavradeira mulher que trabalha com agulha. Está ~ ua lavradeira lá no bairro sobre Alfama, Comédia de Rubena COMP. I, 374 / GV. III, 31, 2 e que traga cá consigo as lavrandeiras reais, ou que mas mande contigo. Comédia de Rubena, COMP. I, 391 / GV. III, 56, 7 Entram cinco lavrandeiras (...) Comédia de Rubena, COMP. I, 392 / GV. III, 57 Eis aqui cem peças d’ouro pera fruita às lavrandeiras; Comédia de Rubena, COMP. I, 400 / GV. III, 68, 25 200 LAVRAR Fazer trabalho de mão. Freqüentemente quer dizer “costurar”, “fiar” ou “bordar”. Diz-se que uma peça é lavrada quando foi objeto de trabalho de mão. E a mim hão-me de comprar ~ ua coifinha lavrada Comédia de Rubena, COMP. I, 382 / GV. III, 42, 12 Mostrai cá o que lavrais e veremos que fazeis. Comédia de Rubena, COMP. I, 392 / GV. III, 57, 1 Se eu fora vereador, posera-vos já, donzella, pena do caso maior, que lavrasseis à janella; Comédia de Rubena, COMP. I, 397 / GV. III, 64, 10 e vós Senhoras guerreiras, bandeiras e não gorgueiras lavrai pera os cavaleiros. Exortação da Guerra, COMP. II, 171 GV. IV, 145, 7 e um sobrecéu per cima, d’esmeraldas e rubis lavrados d’obra de lima, Cortes de Júpiter, COMP. II, 210 / GV. IV, 240, 20 201 E o lavrar, Isabel? Quem tem Farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 86, 20 ~ Ua adela me vendia ~ senhora um firmal d’ua com um rubi, pera o collo de marfi, lavrado de mil lavores, O Velho da Horta, COMP. II, 396 / GV. V, 171, 15 que Renego deste lavrar e do primeiro que o usou! Inês Pereira, GV. V, 219, 1 Comendo-me eu logo ao demo s’eu mais lavro nem pontada! Inês Pereira COMP. II, 427 / GV. V, 221, 5 Logo eu adivinhei lá na missa onde eu estava, como a minha Inês lavrava a tarefa que lhe eu dei. Inês Pereira, COMP. II, 428 / GV. V, 222, 1 assi me dê Deus o paraíso, mil vezes que não lavrar. Inês Pereira, COMP. II, 429 / GV. V, 223, 6 202 Vós lavrai, ficai per i. Inês Pereira, COMP. II, 451 / GV. V, 257, 4 Vós fartai-vos de lavrar, eu me vou desenfadar Inês Pereira, COMP. II, 452 / GV. V, 258, 5 Fica fechada Inês Pereira e lavrando canta: Inês Pereira, COMP. II, 452 / GV. V, 258 Sois vós aquele que um dia em casa de minha tia me mandastes camarinhas? E quando aprendia a lavrar mandáveis-me tanta cousinha? Inês Pereira, COMP. II, 458 / GV. V, 268, 13 LINHEIRA Pessoa que trata com o linho. Melhor terá a linheira Comédia de Rubena, COMP. I, 378 / GV. III, 31, 1 MALHA – MALLA (esp.) Tem três sentidos: 1. cada um dos nós ou voltas que forma o fio de qualquer fibra têxtil quando entrançados ou tecidos, bastante apertados, como nas meias e mais largos, como 203 nas redes de pescar; 2. tecidos cujas malhas se ligam, formando carreiras superpostas; 3. tecido de malha com fios metálicos, usado em vestes de combate. Nesta última acepção, pode ser tomado como “armadura”. A malha caracteriza-se pela elasticidade. del sol estava guarnida, percebida, contra Lucifer armada, com virgen arnés guardada, ataviada de malla de santa vida. Auto de Sibila Cassandra, COMP. I, 61 / GV. I, 68, 20 os cinco vinham armados, feitos malha de Milão, Juiz da Beira, COMP. II, 485 / GV. V, 313, 12 NOVELO Bola de fio de linha enrolada, para ser usada para tecer. Vós não haveis de mandar em casa somente um pelo; se eu disser, isto é novelo, havei-lo de confirmar: Inês Pereira, COMP. II, 451 / GV. V, 256, 12 OURIVES Aquele que trabalha com ouro e fabrica as jóias. Era um ofício de muito prestígio. No final do século XV, de acordo 204 com o Regimento das procissões de Évora, os ourives ocupavam o primeiro lugar na hierarquia das profissões60. Senhor, o ourives sé ali Almocreves, COMP. II, 501 / GV. V, 341,6 Paguei soma de dinheiro a um ourives agora, de prata que me lavrou, Almocreves, COMP. II, 514 / GV. V, 363, 8 PONTO O que a costureira faz no pano com a agulha, quando costura. Pode também ser ponto de bordado. Laços de pontos reais61. Comédia de Rubena, COMP. I, 392 / GV. III, 57, 3 Renegai dos desfiados e dos pontos enlevados: Exortação da Guerra, COMP. II, 172 / GV. IV, 146, 1 traz a saia descosida, e não lhe dará um ponto. Serra da Estrela, COMP. II, 227 / GV. IV, 198, 4 60 61 Cf. Oliveira Marques, op. cit., pp. 136-137. Trata-se de um ponto de bordado. 205 ROCA Instrumento para fiar. Em roca me falais vós? Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 12 Mostra-m’essa roca ca: Auto da Índia, COMP. II, 347 / GV. V, 92, 15 Não tenho roca de meu. Auto da Lusitânia, COMP. II, 550 / GV. VI, 51, 22 ROUPA – ROPA (esp.) Além de “conjunto de peças de vestuário”e “traje”, pode, também, significar “tecido com que se fazem as roupas”. Nesta última acepção, não aparece nos autos. Confira verbete no capítulo TERMOS GERAIS. SAPATEIRO Aquele que faz sapatos. Ofício de pouco prestígio na época de Gil Vicente, o que é confirmado nos autos. Havia, nos grandes centros, dezenas de especialidades no ofício de fazer calçados. Uns faziam borzeguins, outros, botas, chapins, socos e assim por diante. Sapateiro de Landosa, entrecosto de carrapato62, Auto da Barca do Inferno, COMP. I, 210 / GV. II, 53, 8 62 Cf. nota 12. 206 Vem um Sapateiro, carregado de formas (...) Auto da Barca do Inferno, I, 211 / GV. II, 54 Santo sapateiro honrado, como vens tão carregado! Auto da Barca do Inferno, COMP. I, 212 / GV. II, 54, 22 Eu desejo ser casada com um mancebo solteiro, filho do priol d’Aveiro, e eu sua namorada, e o moço sapateiro. Triunfo do Inverno, COMP. II, 261 / GV. IV, 285, 21 Ide assoviar ao gado e não tenhades cuidado do meu Fernão sapateiro. Triunfo do Inverno, COMP. II, 262 / GV. IV, 288, 6 Que farei que o sapateiro não tem solas, nem tem pele? Inês Pereira, COMP. II, 443 / GV. V, 244, 22 Vem um Sapateiro, Cristão Novo, do calçado velho e diz: Juiz da Beira, COMP. II, 468 / GV. V, 286 207 Dize, senhor sapateiro, e minha lebre vai cá? Clérigo da Beira, COMP. II, 529 / GV. VI, 20, 11 TEAR Engenho para tecer panos. Ensinar-me a passear, pera quando for casada; não digam que fui criada em cima d’algum tear: Quem tem farelos?, COMP. II, 343 / GV. V, 86, 15 TECEDEIRA Mulher que tece. Forma derivada de tecer, correspondente à pessoa do sexo feminino que exerce o ofício de tecer. O profissional do sexo masculino é o tecelão. Que se fora tecedeira, casada com tecelão, no inverno e no verão sempre andara a lançadeira. Triunfo do Inverno, COMP. II, 281 / GV. IV, 318, 13 Tecedeira viu alguém, que não fosse boliçosa, cantadeira, presuntuosa e não tem nunca vintém? Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 19 208 TECELÃO – TECELAN (esp.) Aquele que tem o ofício de tecer. Que se fora tecedeira casada com tecelão, Triunfo do Inverno, COMP. II, 281 / GV. IV, 318, 14 E, demais, se não tens pão, que má hora começaste, aprenderas a alfaiate ou sequer a tecelão. Quem tem farelos?, COMP. II, 342 / GV. V, 83,12 Acá fui gran predicador, allá me hizieron tecelán, Auto da Fadas, COMP. II, 412 / GV. V, 195, 4 ele foi já tecelão d’estas mantas d’Alentejo Auto da Lusitânia, COMP. II, 559 / GV. VI, 65, 2 E quer-se o demo meter (o tecelão das aranhas!) a trovar e escrever as portuguesas façanhas, que só Deus sabe entender! Auto da Lusitânia, COMP. II, 559 / GV. VI, 65, 7 209 TECER – TEXER (esp.) Colocar os fios entre as urdiduras e formar a tela. Usado em sentido figurado no Auto da Barca do Inferno. I-vos tornar a tecer, Auto da Barca do Inferno, COMP. I, 225 / GV. II, 77, 7 Y mis jardines texidos com seda de oro tirado D. Duardos, COMP. II, 63 / GV. III, 290, 13 Ou tecer, se vem à mão. Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 7 Aprende logo a tecer. Quem tem farelos?, COMP. II, 344 / GV. V, 87, 15 Ora me deixai fazer, e começai de ouvir, porque lhe farei tecer uma teia sem urdir, Auto da Festa, COMP. II, 692 / GV. VI, 153, 25 210 URDIR Começar a teia, colocar os primeiros fios para tecer. I-vos tornar a tecer, e urdir outra meada, Auto da Barca do Inferno, COMP. I, 225 / GV. II, 77 e começai de ouvir, porque lhe farei tecer uma teia sem urdir, nem na saber entender. Auto da Festa, COMP. II, 692 / GV. VI, 15 11. TERMOS GERAIS Este conjunto é constituído por termos genéricos como roupa, fato, e por outros que, embora relacionados ao vestuário, não dizem respeito a nenhum grupo em particular. É o caso de dó (luto), axuar (enxoval) e esperavel, que deveria ser uma espécie de guarda-sol, e foi inccluído, também, entre os termos gerais, assim como lã, significando “agasalho”, parecer, significando “aparência” e soticapa. Fato, na forma espanhola hato e seu diminutivo hatillos, roupa, trajo e traje (esp.) e vestido são tomados como vestes em geral, a vestimenta. Já fatiota corresponde a “conjunto de pertences, inclusive a roupa”. São palavras de Branca Anes com relação ao marido, no Auto da Feira: Ó diabo que o eu dou, que o leve em fatiota, COMP. I, 164 / GV. I, 229, 2 211 No texto vicentino, hato e hatillos não têm esse sentido coletivo, como era corrente na época. Correspondem ao atual roupa como demonstram os exemplos: No tienes tú outro hato çamarrón o çamarrilla? Triunfo do Inverno, COMP. II, 258 / GV. IV, 281, 17 e Danme la moça vestida de hatillos dominguejos, Auto Pastoril Castelhano, COMP. I, 29 / GV. I, 20, 13 la ropa no está hilada, Auto Pastoril Castelhano, COMP. I, 29 / GV. I, 20, 11 Vestido não aparece uma vez sequer como peça de vestuário, é sempre tomado em sentido geral, nas vezes em que ocorre nos autos, inclusive em sentido figurado, como: À feira, à feira igrejas, mosteiros, pastores das almas, Papas adormidos; comprai aqui panos, mudai os vestidos buscai as samarras dos outros primeiros os antecessores. Auto da Feira, COMP. I, 151 / GV. I, 205, 17 212 Dó tanto significa o “luto” quanto as “roupas de luto”. No texto vicentino equivale a roupa. Na Comédia de Rubena, Cismena entra coberta de dó, ou seja, com roupas de luto. Hoje o vocábulo tem o sentido de “pena”, “lástima”. Axuar é espanhol antigo, de origem árabe, correspondente ao moderno ajuar. Embora não pareça, à primeira vista, tem a mesma origem do português enxoval.63 Esperavel ou esparavel que Viterbo diz ser palavra da Índia, é, sem dúvida, um objeto para proteger contra o sol. Moraes diz ser a franja que orla os chapéus de sol64. Já na edição crítica de Viterbo, tem-se: “De todas essas passagens se manifesta que esparavel ou esperavel nada mais é, na Etiópia, do que um grande sombreiro real (alguns dos quais cobrem só homens) com feitio de umbela, com sua cortina e franjas à roda”65. É possível que, por metonímia, o nome da franja se tenha estendido ao objeto. Aliás todos os exemplos transcritos por Viterbo são de objetos que admitem a franja. No texto vicentino, há duas ocorrências. A primeira pode referir-se a um chapéu de sol: Este he seu esperavel66, jacintos pola ourela; Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 59, 10 63 Cf. Viana, Gonçalves. Apostilas aos dicionários portugueses. Lisboa: Livraria Clássica, 1906, Vol. I, p. 397. 64 Op. cit. vol. I, 755 65 Viterbo, Fr. J. de Santa Rosa de. Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal, antigamente se usaram.e que hoje regularmente se ignoram. Edição crítica, baseada nos manuscritos e originais de Viterbo, por Mário Fiúza, Lisboa: Liv. Civilização, Vol. II, p. 231. 66 Do Embaixador de Portugal. 213 Em outro exemplo, é usado em sentido figurado, como proteção: repouso de Portugal, seu precioso esperavel. Auto da Serra da Estrela, COMP. II, 223 / GV. IV, 192, 20 Foi incluído, também, o verbete PARECER (aparência, bom aspecto). A preocupação com a aparência perpassa os autos e é bem flagrante numa passagem de Quem tem farelos?: Ir amiúde ao espelho, e poer do branco e vermelho, e outras cousas que eu sei: pentear, curar de mi e poer a ceja em dereito; e morder por meu proveito estes beicinhos assi. Quem tem farelos?, COMP. II, 343 / GV. V, 86, 5-11 AXUAR (esp. antigo) Enxoval. Segundo Gonçalves Viana, enxoval e axuar vêm do árabe al- xuar. José Pedro Machado aponta como étimo de enxoval o árabe ax-xauar. y oz davan en axuar una manta y un paramiento “hilando” Ciganas, COMP. II, 490 / GV. V, 322, 2 214 DÓ Luto. Roupas de luto. Entra primeiramente Cismena coberta de dó, pela morte de sua Senhora, e diz: Comédia de Rubena, COMP. I, 384 / GV. III,46 ESPERAVEL Moraes e Viterbo registram as formas esperavel e esparavel. Corresponde, segundo Marques Braga, a chapéu de sol, sobrecéu67. Em sentido figurado, proteção. Este é seu esperavel, jacintos pola ourela; Comédia de Rubena, COMP. I, 393 / GV. III, 59, 10 repouso de Portugal, seu precioso esperavel. Serra da Estrela, COMP. II, 223 / GV. IV, 192, 20 FATIOTA Não apenas a roupa, mas o conjunto dos pertences móveis, como fato. Ó diabo que o eu dou que o leve em fatiota, Auto da Feira, COMP. I, 164 / GV. I, 229, 2 67 Obras Completas de Gil Vicente. Lisboa: Sá da Costa, 1971, Vol. III, p.59, nota. 215 FATO – HATO E HATILLO (esp.) Está empregado no sentido de “vestimenta”, “traje” e não no de “conjunto de pertences” (Cf. FATIOTA).Também usado na forma de dminutivo hatillo. Danme la moza vestida de hatillos dominguejos, Auto Pastoril Castelhano, COMP. I, 29 / GV. I, 20, 13 Agora que anda assi só no deserto, veste este fato, e faze-te monge, Auto da História de Deus, COMP. I, 309 / GV. II, 210, 7 No tienes tú otro hato, çamarrón o çamarrilla? Triunfo do Inverno, COMP. II, 258 / GV. IV, 281, 17 LUTO No século XVI, usava-se, também, o vocábulo dó, na mesma acepção. Pode significar o sentimento pela morte de alguém ou o traje que manifesta este sentimento. Ao tempo de Gil Vicente, a cor do luto já era o negro. Na Idade Média, as roupas de luto não eram tingidas, portanto, tinham a aparência esbranquiçada. Como as pessoas sem posse não usavam tecidos de cores, demonstravam o luto, vestindo as roupas pelo avesso. 216 Quitad el luto de vos, y esos paños negregosos; su muerte es tan notoria de memoria, que el luto desbarata; mas antes la escarlata es meritoria. Comédia do Viúvo, COMP. I, 415 / GV. III, 90, 16 Y los que mueren honrados, como acá vuestra muger, contritos y confessados; qué haze luto menester? Comédia do Viúvo, COMP. I, 415 / GV. III, 91, 7 Aunque veáis mi figura hecha un salvage bruto, yo cubro el aire de luto, y las sierras de blancura. Triunfo do Inverno, COMP. II, 249 / GV. IV, 267, 11 PARECER Aparência, bom aspecto. Uns chapins haveis mister de Valença: ei-los aqui. Agora estais vós mulher de parecer. Auto da Alma, COMP. I, 182 / GV. II, 13, 4 217 Ponde-vos a for da corte, desta sorte viva vosso parecer, Auto da Alma, COMP. I, 184 / GV. II, 15, 17 ROUPA – ROPA (esp.) Pode significar tecido com que se fazem os trajes e conjunto de peças de vestuário. Antigamente designava, também, uma veste que cobria o corpo completamente, semelhante a uma opa, aberta na frente ou no pescoço Observe-se o uso do termo num trecho da Arte de bem cavalgar toda sela de D. Duarte: A roupa deve ser curta razoadamente, segundo sse costumarem, de nom grandes mangas e leves (...) E aquesto que fallo das roupas, entendo das armas (...) E as roupas que trouxerem devem seer soltas, assy como mantões, ou jórneas, ou alguas de tal feiçom que se possam assim bem trazer68. La ropa no está hilada, Auto Pastoril Castelhano, COMP. 29 / GV. I, 20, 11 A mi leva boso roupa Alfama Frágua de Amor, COMP. II, 147 / GV. IV, 108, 8 68 D. Duarte. Livro da Ensinança de bem cavalgar toda sela .Edição crítica por Joseph M. Piel. Lisboa: Casa da Moeda, 1986, pp. 35-36. 218 Pardeus! tal roupa com’esta nunca a vi vender em feira; Templo de Apolo, COMP. II, 197 / GV. 186, 2 Madama dona Maria irá sobre querubins numa roupa d’alegria, Cortes de Júpiter, COMP. II, 212 / GV. IV, 244, 20 Tão boa roupa como esta inda eu não vi na feira; Auto da Festa, COMP. II, 688 / GV. VI, 149,17 SOTICAPA Tem valor adverbial. Significa “debaixo da capa”, logo, “escondido”. A expressão “andar de soticapa” equivale a encobrir-se. Vão-se iaramá casar e não andar de soticapa. Juro a Deus, s’eu fora papa, eu lhes secara o cantar. Auto Pastoril Português, COMP. I, 140 / GV. I, 189, 15 TRAJE – TRAGE / TRAJO (esp.) Termo genérico, a vestimenta. 219 La clara luz anciana mudada, hecha moderna en nuevo trage. Auto dos Quatro Tempos, COMP. I, 82 / GV. I, 97, 9 Por mal trajo que me dés, no m’há de matar desmayo. Auto dos Quatro Tempos, COMP. I, 87 / GV. I, 105, 5 não me prezei de prudente, mas, contente, me gozei c’os trajos feios mundanais. Auto da Alma, COMP. I, 189 / GV. II, 22, 13 Bem vês tu, Senhor, que são ermitão; logo meu traje demonstra quem são; Auto da História de Deus, COMP. I, 309 / GV. II, 210, 18 E eu havia de dizer que ereis pobre escurdeirão, sem cavalo e sem tostão, e em trajes de mulher que is enganar um ladrão? Floresta de Enganos, COMP. I, 478 / GV. III, 177, 1 220 Que besteiro é este tal! este é o Déxemo inteiro em trajes de carafate. Clérigo da Beira, COMP. II, 539 / GV. VI, 33, 4 VESTIDO – VESTIDO (esp.) A vestidura, conjunto do que se veste, roupa. Esta é a acepção registrada por Moraes. Não aparece como peça de vestuário. Usado, também em sentido figurado. e~ ua suma perfeição, de resplendor guarnecido tomar pera seu vestido sangue do meu coração, indigno de ser nascido! Auto de Mofina Mendes, COMP. I, 110 / GV. I, 140, 13 À feira, à feira, igrejas, mosteiros, pastores das almas, Papas adormidos; comprai aqui panos, mudai os vestidos buscai as samarras dos outros primeiros os antecessores. Auto da Feira, COMP. I, 151 / GV. I, 205, 17 S’eu soubera quem ele era69, fizera-lhe bom partido: 69 Branca Annes, tendo sido alertada por Marta Dias, que reconhecera o diabo como mercador, lamenta a ocasião perdida de tentar livrar-se do marido. 221 que me levara o marido, e quanto tenho lhe dera, e o toucado e o vestido. Auto da Feira, COMP. I, 166 / GV. I, 232, 9 Eu também o sei, mui certo e sabido; serão suas mãos e pés mui furados, e todos seus ossos lhe serão contados, e deitarão sortes sobre seu vestido. Auto da História de Deus, COMP. I, 301 / GV. II, 198, 24 Eis aqui subimos a Hierusalem pera tirar o vestido em que ando; porque os açoutes me estão esperando. Auto da História de Deus, GV. II, 213, 20 Chacota na mão, fender os ouvidos a quem nos ouvir. Alto, começar a travar dos vestidos, e cabecear. Diálogo sobre a Ressurreição COMP. I, 32 / GV. II, 232, 3 Como se vido ya fuera de pena echó sus vestidos en una ribera, Comédia de Rubena, COMP. I, 371 / GV. III, 25, 6 Dígolo, porque si a Flérida amáis como haveis contado 222 y referido cúmpleos mudar la vida, y el nombre y el estado, y el vestido. D. Duardos, COMP. II, 27 / GV. III, 241, 15 Buen vestido no haze ledos los tristes. D. Duardos, COMP. II, 35 / GV. III, 253, 5 Este mundo no lo quiero, el pobre hábito querría; será el vestido postrero, pues que no vino primero la postrera muerte mía. Amadis de Gaula, COMP. II, 101 / GV. IV, 42, 6 Oh! que não honram vestidos, nem mui ricos atavios, Exortação da Guerra, COMP. II, 177 / GV. IV, 154, 6 E por ir de todo ornada, a dama há de levar cada ~ ua sua criada, e que vá deferençada no vestido e no lugar Cortes de Júpiter, COMP. II, 212 / GV. IV, 245, 20 223 Ora pois, que se quer ir sem pancada, nem arruído, muito farto e conhecido, dei-lhe agora de vestir, torne-me cá o meu vestido. Juiz da Beira, COMP. II, 477 / GV. V, 301, 19 Ao tempo que vim par’ele estava mais melhorado, mas agora, mal pecado mau pesar é feito dele, e da viola e do cavalo, e da cama e do vestido, Juiz da Beira,COMP. II, 477 / GV. V, 302,1 224 CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos ter cumprido o propósito de informar como se vestiam os portugueses na época de Gil Vicente, a partir dos dados que os autos fornecem. Esse conhecimento foi o ponto de partida para um retrospecto no campo do vestuário. Os termos designativos de peças de roupa e da apresentação, além de muito numerosos, têm muitas vezes uma forma insólita para o leitor de hoje. Nessa primeira leitura, voltada para o campo específico da maneira de apresentar-se, tentamos caracterizar as peças do traje, aproximando-as da classe social dos usuários. A contextualização do material pesquisado permitiu chegar-se ao conhecimento de traços psicológicos das personagens, ajudando a traçar seu perfil. Acreditamos que as informações de ordem etimológica e lingüística possam contribuir para a exploração por parte do leitor de um campo do léxico tão rico e variado no português dos quinhentos. Em resumo, podem fazer-se as seguintes considerações: ! É inegável a importância e a variedade dos vocábulos e expressões relativas ao vestuário no conjunto da obra vicentina. ! O estudo dos termos revela uma incidência considerável de vocábulos de origem árabe o que patenteia a influência moura no vestuário da Península Ibérica até princípios do século XVI. ! No contingente do vocabulário do vestir, raro é aquele vocábulo que revela a permanência do costume tipicamente ibérico em relação à moda introduzida pelos romanos, pelos árabes e pelas relações mútuas dos povos românicos. Também é de estranhar a pou- 225 ca contribuição germânica na denominação das vestes em confronto com o contingente germânico para os nomes de cores e expressões típicas do vestir. ! O vestuário está relacionado com classes e grupos sociais e em alguns casos funciona como seu distintivo. ! A partir do século XVI nota-se uma simplificação nos hábitos de vestir em Portugal, como reflexo da tendência à homogeneidade das classes sociais. ! Finalmente, pode-se, através deste estudo, depreender a importância do traje e da aparência no Portugal medievo até a época de Gil Vicente. 226 BIBLIOGRAFIA BOMFIM, Eneida do Rego Monteiro.Termos relativos a vestuário: sua função nos autos de Gil Vicente. In: MARGATO, Izabel, Figuras da Lusofonia – Cleonice Berardinelli. Lisboa: Instituto Camões, 2002, pp.172-188. _________ Traje e aparência como instrumentos da crítica vicentina. A sair. CASTRO, Américo. Los españoles: como llegaron a serlo. Madrid: Taurus, 1965, 297 p. COROMINAS, J. Diccionario crítico etimológico de la lengua castellana. Madrid: 1954. 4 v. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa.1ª ed., 2ª impressão. 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Civilização, 1966. 2 v. 229 ÍNDICE DOS VOCÁBULOS E EXPRESSÕES Afeite, 115 Agulha, 189 Alfaiate, 189 Alfarda, 55 Alfinete, 116 Algodão, 161 Aljofre, 117 Almofada, 190 Alquicé, 56 Amicto, 143 Anel, 117 Armas, 151, 154 Arminho, 161 Arnês, 154 Arrayada, 119 Arrea, 119 Arreio, 119 Ataviada, 120 Atavios, 121 Axuar, 214 Barrete, 88 Beatilha, 90 Beca, 56 Bocal, 57 Bolsa, 180 Botas, 107 Bragas, 57 Brial, 58 Brocado, 164 Broslaor/Brosladora, 191 Burel, 162 Cabeção, 59 (En) Cabello, 90 Cadena, 121 Cairel, 165 Calçado, 104, 108 Calças, 60 Calções, 60 Camisa, 61 Capa, 64 Capacete, 155 Capelo, 90, 144 Capote, 65 Capuz, 92 Carapuça, 93 Chapeirão, 65 Chapim, 108 Chiote, 67 Cimeira, 156 Cinto, 181 Coifa, 93 Colar, 122 Contas, 122 Contray, 165 Coral, 123 Cordão, 144, 181 Cordovão, 166 Coroa/Corona, 144 Coser, 191 Costura, 192 Crenchas, 94 Cueiro, 67 Dedal, 193 Descabelada, 94 Descalço, 109 Desfarrapada, 68 Desnuda, 68 Desnudar, 67 Diadema, 148 Dó, 215 Enxaravia, 95 Escarlata, 166 Esfarrapado, 68 Esmaltado, 194 Esmeralda, 124 Esmoleira, 181 Espada, 156 Esperavel, 215 Esquipado, 69 Estola, 148 Estopa, 167 Faxa, 182 (En) Faldetas, 69 Farpar, 195 Fatiota, 215 Fato, 216 Fiado, 195 Fiar, 196 Fio, 168 Firmal, 125 Fraldilha, 70 Fraldiqueira, 182 Franzido, 197 Frisado, 197 Fuso, 198 Fustão, 168 Gibão/jubão, 71 Gorgueira, 126 Gorra, 95 Grevas, 157 Grinalda, 126 Guarnecer, 127 Guarnir, 127 Hábito, 149 Hato/hatillos, 216 Jaqueta, 72 Jóia, 128 Lã/lana, 168 Laços, 198 Latão, 130 Lavor, 199 Lavrandeira, 200 Lavrar, 201 Linheira, 203 Linho, 170 Liteiro, 170 Loba, 72 Luto, 216 Luvas, 183 Malha, 171, 203 Manga, 73 Manguispanado, 74 Manija, 130 Manopla, 157 Mantão, 74 Mantilha, 96 Manto, 75 Mitra, 150 Nu/nua, 76 Ourelo, 171 Ouro, 130 Ornada, 134 Ourives, 204 Pano/paño, 171 Parecer, 217 Pedras preciosas, 134 Pele, 174 Pelote, 77 Pendente, 135 Pente/peine, 96 Pentear/peinar, 97 Penteador, 78 Perla, 135 Piastrão/piastrón, 158 Ponto, 205 Prata, 137 Punhal/puñal, 157 Quixote, 158 Retrós, 175 Roca, 206 Roupa/ropa, 175, 206, 218 Roupado, 78 Rubi, 138 Safira, 139 Saia, 79 Saio, 80 Sayal, 175 Samarra/samarro/çamarilla çamarrón, 82 Sapateiro, 206 Sapato, 110 Seda, 175 Sirgo, 177 Soco, 112 Sombreiro/sombrero, 98 Sortija, 139 Soticapa, 219 Suadeiro, 184 Surrão, 185 Tear, 208 Tecedeira, 208 Tecelão, 209 Tecer, 210 Terçado, 158 Touca, 99 Toucado, 85, 100 Toucar, 101 Traje/trage, 219 Trançado, 101 Trepas, 82 Trosquia, 102 Trosquiar, 102 Tonsura, 150 Urdir, 211 Vasquinha, 82 Veludo, 177 Vestido, 221 Vestimenta, 151 Vestir, 84 Véu, 103 233 Este livro foi composto em Sabon, corpo 11/12 e 12/14. O miolo impresso em papel Pólen Soft 80g/m2 e capa em Cartão Supremo 250g/m2, na gráfica das Edições Loyola, em outubro de 2002. 234