warley belo

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warley belo
Warley Belo
Advogado Criminalista em Belo Horizonte / MG
Mestre em Ciências Penais
A suspensão condicional do processo é um dos pilares nacionais da chamada Justiça Criminal
Consensual. É um direito subjetivo do acusado e de oferecimento obrigatório.
Diz o artigo 89, caput, da Lei 9.099/95 que, nos crimes em que a pena mínima cominada for
igual ou inferior a um ano, abrangida ou não pela Lei dos Juizados Especiais, o Ministério
Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro
anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por
outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena
(art. 77 do Código Penal).
Havendo, pois, eventualmente, outro processo a que o acusado esteja respondendo, sem
notícia de sentença condenatória, seria suficiente para lhe negar a suspensão condicional do
processo?
O oferecimento da suspensão condicional do processo é um direito público subjetivo do réu,
quando preenche os requisitos legais do art. 89 da LJE, cabendo ao Ministério Público a
atribuição de propor o benefício.
Se, entretanto, o Ministério Público negar-se a oferecer aludida suspensão, ao argumento de
que o acusado está sendo processado por outro crime, estará ofendendo o princípio
constitucional da não-culpabilidade, inserto no art. 5º, inciso LVII da Constituição da República
(1).
O princípio da não-culpabilidade estende-se também à LJE, pois impossível negar ao acusado o
direito de obter a extinção da punibilidade sem julgamento, vale dizer, sem o risco de
condenação, quando o óbice se assenta na pendência de outra ação penal ainda sem solução
definitiva. Deve-se levar em conta a possibilidade da ação penal em curso – a que impede
teoricamente o benefício - ser absolutória ou declaratória da extinção da punibilidade e não
presumi-la, desde sempre, condenatória, o que geraria uma iniquidade.
Destarte, a expressão "não esteja sendo processado" contida no caput do art. 89 da Lei
9.099/95 viola o princípio da não-culpabilidade(2) e do devido processo legal(3), pois inexistem
dúvidas de que a Lei dos Juizados Especiais deve também ser interpretada à luz do modelo
constitucional, onde se postula a presunção de inocência.
1 São garantias constitucionais de liberdade e cidadania: "Não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal" (art. 5º, XXXIV, da CF). "Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII,
da CF).
2 Na esteira desse posicionamento: “A suspensão condicional do processo é um direito
subjetivo do acusado e, sendo ele primário, portador de bons antecedentes e a pena mínima
do delito não superar um ano, deve a ele ser ofertada a suspensão condicional do processo.
[...]”. (TJMG - APELAÇÃO CRIMINAL 1.04443.03.090741-7/001 - 5ª CÂMARA CRIMINAL RELATOR: DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO, j. 27 de fevereiro de 2007). “A existência de
processos em andamento, sem solução condenatória definitiva, não tem o condão de obstar a
propositura da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95, sob
pena, obviamente, de afrontar o princípio constitucional da presunção de inocência.”
(TACRIMSP - Ap 1167267/5 - 8ª C. - Rel. Juiz Fernando Miranda - DOESP 2/2/2000)
3 Veja-se o correto raciocínio desses juristas: "A existência de outro processo em curso,
destarte, levará o juiz a um exame mais aprofundado das chamadas circunstâncias judiciais
(culpabilidade, conduta social, personalidade, motivos, etc.), mas por si só não pode ser
obstáculo à suspensão do processo. Em virtude de um juízo negativo (fundamentado) das
condições judiciais torna-se possível o indeferimento da mencionada via alternativa. Tal não
poderá ocorrer, no entanto, com a invocação 'seca' da existência de processo em curso. As
normas constitucionais [que estabelecem o princípio da presunção de inocência] ocupam
hierarquia superior e não são meras peças de decoração" (Grinover, Ada et alii, "Juizados
Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995", 2ª ed., rev., atual. e aum., São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 214). Em obra diversa, o magistério de Ada Pellegrini
Grinover, em conjunto com Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e
Luiz Flávio Gomes: "Enquanto o processo está em andamento, o acusado é presumido
inocente. E quem é presumido inocente não pode ser tratado como condenado. Onde está
escrito processado, portanto, deve ser lido condenando irrecorrivelmente, isto é, revoga-se
obrigatoriamente a suspensão do processo se o acusado vier a ser condenado
irrecorrivelmente por outro crime. Não importa se essa condenação tenha por objeto crime
ocorrido antes ou depois da suspensão do processo. A lei não distingue". (In Juizados Especiais
Criminais. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 335). Luiz Flávio Gomes postulou,
em outra obra: "Estando o processo em curso o acusado é reputado inocente. Logo, o
legislador não pode tratá-lo como se condenado fosse" (Suspensão Condicional do Processo
Penal, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 159). No mesmo sentido, Maurício Antonio
Ribeiro Lopes entende que "para o impedimento à obtenção da suspensão condicional do
processo, no plano objetivo, é necessário que exista condenação por outro crime com
sentença transitada em julgado" (Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,
Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 391)

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