Festa de N. Sra. das Mercês
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Festa de N. Sra. das Mercês
OURO PRETO FICHA DE INVENTÁRIO 23 categoria Patrimônio Imaterial sub-categoria Celebrações município Ouro Preto distrito São Bartolomeu designação FESTA DE NOSSA SENHORA DAS MERCÊS Em dois milênios de Cristianismo, atribuiu-se a Virgem Maria muitos títulos dignos de veneração, em resposta informações históricas às necessidades diversas do seu devoto: se estava desconsolado, evocava por Nossa Senhora da Consolação; se estava aflito e angustiado, chamava Nossa Senhora das Angústias; se estava desamparado, Nossa Senhora do Amparo; se estava temeroso, Nossa Senhora do Bom Sucesso, etc. As qualificações, como se pode perceber, são várias e não se limitam por aí. Existem ainda as designações históricas que conferem nomes à Virgem Maria de acordo com o local de suas aparições: Nossa Senhora de Fátima, de Guadalupe, Lourdes, Caravaggio, Nazaré, Rocio, etc. Tais manifestações marianas mostram como é misericordiosa a Mãe de Deus e como é amada por seus fiéis. No entanto, entre todas uma se destaca pela beleza e abrangente significado. Trata-se da devoção à Nossa Senhora das Mercês, culto de origem espanhol surgido no século XIII. O evento que o fundou foi a aparição da Virgem Maria a São Pedro Nolasco suplicando a criação de uma Ordem engajada no resgate de cristãos aprisionados por sarracenos, povo nômade pré-islâmico que habitou parte da Espanha na Idade Média. A ocupação muçulmana na península ibérica durou seis séculos, período no qual os cristãos daquela terra se refugiaram na África. Muitos foram coagidos a aderirem ao islamismo, os que resistiam na fé cristã eram condenados ao trabalho escravo. A fundação da Ordem das Mercês em 1218 tinha como objetivo resgatar da servidão os cristãos cativos. Foi com o empenho e heroísmo de Pedro Nolasco, contando com o apoio de Raimundo de Penhaforte e do rei Jaime I, de Aragão, que a obra resultou em grande sucesso, só terminando com o fim da pirataria. Tamanha a graça alcançada perante adversidades inimagináveis se converteu em devoção igualmente expressiva, fazendo do culto a Nossa Senhora das Mercês um dos mais presentes na Espanha e Portugal. A palavra "mercês" expressa o quão amplo são suas habilitações. Denota favor, graça, benefício, bom acolhimento, benignidade, clemência, remissão de culpa e perdão. Imbuída de tantas qualidades, Nossa Senhora das Mercês consegue reunir entorno de si invocações sob tão diferentes títulos. Na sua devoção estão combinados todos os favores, graças e misericórdias derramadas sobre os fiéis, suprindo quaisquer necessidades. Deste modo, não é mais preciso aclamar por esta ou aquela Nossa Senhora, pois Mercês é completa, contém em si todas as outras. No caso dos festejos em culto à Nossa Senhora das Mercês, no distrito ouropretano de São Bartolomeu, sustenta-se a hipótese de que a origem das festas religiosas se confirme com a construção de uma ermida dedicada ao santo de devoção. Não existe documentação oficial, no entanto, que aponte para o momento histórico de construção da Capela das Mercês. Seguindo o rastro da tradição oral, diz-se que o templo foi construído em data próxima àquela de levantamento da Matriz de São Bartolomeu. A Matriz teve obras iniciadas em 1711, o que sugere a fatura da Capela das Mercês, na primeira metade do século XVIII, o século do ouro. Para além da oralidade local, as características arquitetônicas da capela também atestam essa possibilidade. Assim, é possível propor a ocorrência da festa de Nossa Senhora das Mercês desde então. Todavia, partindo de uma perspectiva da temporalidade atual, é certo que essa festa era produzida, tal como hoje, com menos pompa e requinte do que a festa do padroeiro, São Bartolomeu. Mas isso não significa que a devoção a ela seja menor ou menos importante, nem mesmo que uma festa concorra com a outra. O culto dispensado à Nossa Senhora das Mercês se comprova pela continuidade das comemorações em sua homenagem. E a igrejinha construída, no outeiro do distrito, comprova que desde seus momentos fundantes, entre as várias manifestações de religiosidade e de festividade, as comemorações à Virgem das Mercês é um bem incontestável que a localidade traz na sua bagagem histórica de formação social e composição cultural. As representações mais comuns de Nossa Senhora das Mercês mostram-na de pé, toda vestida de branco: informações iconográficas túnica, véu e capa que lhe cobrem totalmente o corpo. Por vezes é apresentada com a cabeça descoberta; seus cabelos são longos e lhe caem sobre os ombros. Como atributo tem um escapulário branco com as insígnias da Ordem Mercedária, fundada por meio de sua intervenção junto a São Pedro Nolasco. Ela tem os braços abertos em sinal de proteção. Algumas vezes, é acompanhada de dois cativos ajoelhados tendo algemas e correntes nos braços, ou aparecem apenas alguns grilhões dispostos aos seus pés. "Certas representações apresentam Nossa Senhora das Mercês semelhante à do Carmo, segurando um bentnho com o brasão mercedário. O item distintivo é a vestimenta; os outros atributos variam." (CUNHA) A imagem de Nossa Senhora das Mercês do distrito de São Bartolomeu, em Ouro Preto, não segue o modelo paradigmático à risca. Expressa-se, antes, por meio de atributos e caracteres de produção popular. Sua vestimenta, por exemplo, é em tecido branco com renda nas orlas, o que certamente requererá trocas temporárias por conta da degradação do pano. Sua túnica tem um coração em tecido vermelho a altura do peito. Seus cabelos são longos e em pêlos. Os braços estão abertos simbolizando o socorro concedido aos cristãos aprisionados e a todos aqueles que hoje a evocam. caracterização As comemorações acontecem de maneira muito simples, mas alguns aspectos de preparação dos locais de ocorrência e dos elementos relacionados à festa atestam a importância da ocasião para a comunidade local. O primeiro espaço ornamentado para os festejos é a Capela das Mercês. A área externa ao templo é enfeitada com bambus e luminárias decorativas. O seu interior também é decorado com flores e balões, para a ocorrência da novena, nos dias antecedentes ao fim de semana de festa. A bandeira também é enfeitada para a procissão e para o seu hasteamento em frente à igrejinha. A cada ano ela sai de uma das residências da localidade. A imagem de Nossa Senhora das Mercês também recebe especial atenção. Ela tem a sua figuração (vestes, cabelo, etc.) retocada e embelezada para a procissão, conduzida da Capela das Mercês até a Matriz de São Bartolomeu, que da mesma forma tem o seu interior enfeitado com flores para a missa celebrada no domingo. proteção legal Não há proteção legal para a Festa da Virgem das Mercês enquanto patrimônio imaterial. A proteção existente é indireta, recaindo sobre um dos elementos componentes da celebração: a Igreja Matriz de São Bartolomeu, tombada pelo IPHAN, através do Processo nº 604-T, inscrição nº 453, Livro Belas Artes, fls. 84, de 04 de março de 1960. página 131 I 148 A festa de Nossa Senhora das Mercês é composta de atividades bastante simples. Todos os anos os festejos informações descritivas acontecem no final de semana mais próximo ao dia 24 de setembro. Nos nove dias anteriores ao fim de semana festivo, faz-se a novena preparatória na Capela das Mercês. A reza conta com poucas pessoas, especialmente mulheres e os mais idosos. O último dia da novena é celebrado no sábado da festa e nesse dia hasteia-se a bandeira de Nossa Senhora das Mercês após a procissão. Sucede o levantamento do objeto o forró no salão paroquial. Ali, ao som do show de um grupo musical, os participantes dançam e adquirem comidas e bebidas. A renda com a venda dos petiscos fica sob a responsabilidade do Conselho Comunitário de Pastorais (CCP). As atividades de domingo se dividem entre a procissão e a missa solene. O cortejo com a imagem, sai da Capela das Mercês em direção à Matriz de São Bartolomeu. Depois, acontece a missa solene seguida de um leilão das prendas arrecadadas durante a preparação da festa, uma diversão a mais que completa e encerra os festejos. A Capela de Nossa Senhora das Mercês, no outeiro da sede do distrito de São Bartolomeu, é o principal bem bens relacionados relacionado aos festejos dedicados à santa. A ermida estava em estado precário até pouco tempo atrás, ocasionando grande preocupação para a população local. Por muitos anos, a festa de Nossa Senhora das Mercês, deixou de ser feita na igrejinha dedicada a ela, pois, em virtude da sua má conservação, a edificação oferecia grande risco aos fiéis. Recentemente a igreja passou por uma reforma, oferecendo maior segurança contra o risco de desabamento. A imagem de Nossa Senhora das Mercês é outro elemento importante para a festa, conferindo um grande valor simbólico para as comemorações, já que reúne sobre si as manifestações de fé e devoção. Não se sabe a data real de produção da imagem, mas ela é recente, provavelmente originada de meados do século XX, ao contrário das imagens que estão na Matriz de São Bartolomeu, datadas do século XVIII. Dentre os elementos da festa, a bandeira com o desenho da Virgem das Mercês e um bem com bastante relevo para as comemorações em torno de Nossa Senhora. intervenções A intervenção mais marcante refletida sobre a festa de Nossa Senhora das Mercês se deu com a criação do Conselho Comunitário de Pastorais (CCP), em 1996. A ação do CPC pretendia de reverter para a égide da paróquia, a regulação das atividades e práticas da festa religiosa. A organização do evento sempre esteve às mãos dos leigos, tendo nas figuras dos festeiros e dos mordomos o apoio para o sucesso ou fracasso da festa. A criação do CCP, partindo de uma diretriz diocesana, deslocou o papel central executado por esses personagens. Atualmente, as comemorações estão sob a responsabilidade da instituição criada e o financiamento da festa é feito com os recursos do dízimo – pago pela comunidade católica do lugar. Segundo a tradição oral, antigamente, os custos eram cobertos pelas esmolas recebidas, e pelos recursos arrecadados pelos leilões. A atenção do CCP a essas advertências diocesanas promoveu a retirada de algumas práticas comuns aos festejos, como o lançamento dos fogos de artifício durante as procissões. As recomendações foram acatadas na celebração à Virgem, ao contrário do que aconteceu com a festa de São Bartolomeu, onde a resistência à ação preponderante do Conselho na organização da festa ainda persiste. No caso da festa de Nossa Senhora das Mercês, por ser de menor vulto, essa intervenção da paróquia foi bem sucedida. referências Bibliográficas CHAVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alan. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. CUNHA, Maria José de Assunção. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IAC, 1993. FORTES, Solange Sabino Palazzi. Ouro Preto conta Ouro Preto: tradições da Terra do Ouro. Ouro Preto/MG: 1996. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1956. 3ª edição. SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. A Vila em Ricas Festas: celebrações promovidas pela Câmara de Vila Rica (1711-1744). Belo Horizonte: FACE-FUMEC, C/Arte, 2003. SOCIEDADE DAS CIÊNCIAS ANTIGAS, A Beatíssima Virgem Maria, in www.sca.org.br/LouvoreAcaodeGraças.pdf. Orais ANJOS, Silvana dos. Entrevista: São Bartolomeu, 20/12/2005 Eletrônicas <http://www.carmelitas.com.br> <http://www.ecclesia.pt> <http://www.ouropreto.com.br> <http://www.religiaocatolica.com.br> imagens Patrícia Pereira, 25 de setembro de 2005. Bandeiras página 132 I 148 Distrito de São Bartolomeu Capela de Nossa Senhora das Mercês página 133 I 148 Programação Imagem no andor Leilão ficha técnica levantamento Guga Barros (Comunicação) Guilherme Rodrigues (Sociologia) João Paulo Lopes (História) data Patrícia Pereira (Arquitetura e Urbanismo) Sandra Fosque Sanches (Diretora de Promoção Cultural da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto) set/2005 elaboração Guilherme Rodrigues (Sociologia) João Paulo Lopes (História) data nov/2005 revisão Memória Arquitetura Ltda data jan/2006 página 134 I 148