estudos e análises de conjuntura

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estudos e análises de conjuntura
ESTUDOS
E ANÁLISES
DE CONJUNTURA
Nº. 2, NOVEMBRO DE 2010
O FINANCIAMENTO DE PARTIDOS
E CAMPANHAS ELEITORAIS NOS ESTADOS UNIDOS:
UMA APROXIMAÇÃO DESCRITIVA
BRUNO WILHELM SPECK
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA
OBSERVATÓRIO POLÍTICO DOS ESTADOS UNIDOS
INSTITUTO NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARA ESTUDOS SOBRE OS ESTADOS UNIDOS – INCT - INEU
Nº. 2, NOVEMBRO DE 2010
O FINANCIAMENTO DE PARTIDOS
E CAMPANHAS ELEITORAIS NOS ESTADOS UNIDOS:
UMA APROXIMAÇÃO DESCRITIVA
BRUNO WILHELM SPECK
PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA UNICAMP
O FINANCIAMENTO DE PARTIDOS
E CAMPANHAS ELEITORAIS NOS ESTADOS UNIDOS:
UMA APROXIMAÇÃO DESCRITIVA
Bruno Wilhelm Speck
O papel do dinheiro na política é um tema clássico das democracias modernas.
Em uma primeira leitura, a promessa da democracia representativa baseia-se no
princípio da igualdade entre os cidadãos em relação à sua participação na política. Segundo essa lógica, o financiamento é percebido como externo à competição política e – mais do que isso – é considerado um fator potencialmente
distorcivo ao processo eleitoral, uma vez que mina os princípios de equidade no
processo de representação. A existência e extensão dessa ameaça precisam ser
empiricamente aferidas. Por exemplo, as pequenas doações de cidadãos para
partidos e candidatos são menos problemáticas: tendem a constituir uma forma
de participação saudável, na medida em que sinalizam uma cidadania ativa
e uma democracia viva. No entanto, quando determinados grupos sociais ou
segmentos da sociedade, em função do seu poder econômico, exercem maior
influência sobre a política do que os demais cidadãos, é quebrada a promessa
da equidade das democracias representativas. Quando não regulados, os recursos privados conferem, pela porta dos fundos, um caráter plutocrático ao mecanismo eleitoral, contrariando as conquistas em termos de equidade alcançadas
com o sufrágio universal. Quem dispõe de mais recursos pode doar mais e,
portanto, exerce maior influência sobre o processo eleitoral e os representantes.
Porém, o financiamento político também se apresenta de outra forma. Do ponto de vista dos candidatos, o gasto possui uma conotação positiva: à exceção
das concepções políticas que dispensam o processo eleitoral convencional, os
recursos são parte integral da construção de organizações partidárias fortes e da
comunicação das propostas aos eleitores. A falta de dinheiro ou sua distribuição
desigual causa danos à competição eleitoral, que se expressa tipicamente no
fortalecimento de alguns candidatos, em detrimento de outros. Elites tradicionais tendem a depender menos de recursos que grupos novos, por exemplo.
Ainda, candidatos que já desfrutam de visibilidade na mídia – tais como radialistas e celebridades – ou que podem mobilizar recursos do Estado – como detentores de cargos públicos – levam vantagem sobre candidatos desconhecidos
ou sem apoio da administração pública. Destacam-se, por fim, os candidatos
que dispõem de recursos próprios para financiar sua campanha e que, por esse
motivo, desfrutam de vantagem comparativa frente a seus concorrentes mesmo quando doações de terceiros são vedadas. Assim, a perspectiva endógena,
segundo a qual os recursos financeiros são meios para viabilizar uma campanha
ou um projeto partidário, permite direcionar uma outra conotação ao tema do
financiamento na política. Nessa perspectiva, o desafio é a distribuição dos recursos entre os competidores, de modo a garantir uma competição justa.
Uma terceira perspectiva sobre o financiamento político se refere à influência
dos doadores sobre os futuros representantes políticos. Esta influência poderá
ocorrer de diferentes formas. Numa interpretação mais moderada, as empresas
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garantem através do financiamento de campanhas o acesso aos políticos beneficiados. Nos momentos em que projetos decisivos para a empresa ou para o
setor financiador estão na agenda política, este acesso garante certa influência
privilegiada sobre o processo decisório. A influência do financiamento também
pode alcançar o âmbito da administração pública. O favorecimento de empresas no processo de licitações de obras e serviços, ou no acesso a créditos de
bancos públicos para citar apenas dois exemplos, configura uma modalidade de
suborno. O risco decorrente do financiamento político nestes casos se refere à
integridade do representante eleito.
A avaliação de sistemas de financiamento de diferentes países passa pela resposta a estes três riscos – minar a igualdade política dos cidadãos pela desigualdade no financiamento, desequilibrar as eleições pelo financiamento desigual
para os candidatos e subverter a integridade do representante quando este
responde mais aos seus doadores do que aos interesses públicos. A avaliação
também se apóia em dois eixos: primeiro, pela avaliação do arcabouço normativo, identificando de que forma os limites de valores e as proibições das fontes estabelecidas pela legislação configuram precauções contra os riscos acima
mencionados; segundo, pela análise dos fluxos reais de financiamento, avaliando se as transações financeiras entre doadores, candidatos, partidos e outros
atores confirmam ou refutam a existência destes riscos.1
Este artigo trata do financiamento político nos Estados Unidos em três recortes.
Primeiramente, são apresentadas as linhas básicas da regulação nessa matéria.
Em segundo lugar, descreve-se o volume do financiamento político, tomando
como referência algumas cifras das eleições de 2008. Em terceiro lugar, retomamos estas questões iniciais, sobre as respostas do sistema de financiamento político estadunidense aos riscos provenientes do dinheiro nas campanhas eleitorais.
I. A REGULAÇÃO DO FINANCIAMENTO DA POLÍTICA NOS
ESTADOS UNIDOS
Uma retrospectiva sobre a regulação do financiamento das campanhas eleitorais nos Estados Unidos permite identificar os dois momentos diferentes na defesa dos valores da democracia e no contexto do crescente volume de recursos
injetados nas campanhas políticas. A questão era como domesticar os grandes
atores que poderiam desequilibrar o processo democrático por seu peso no
financiamento das campanhas eleitorais. A reação a esses dois desafios surgiu
em duas ondas. Num primeiro momento, no final do século XIX, a regulação
do financiamento respondia aos abusos no uso do aparelho estatal para fins
eleitorais; num segundo momento, nas primeiras décadas do século XX, as reformas visavam o controle da influência das grandes fortunas sobre a política,
em especial sobre o processo eleitoral.
1 Para uma avaliação do sistema de financiamento político em vigor no Brasil sob estes mesmos
critérios ver SPECK, Bruno W. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento
político no Brasil Cadernos Adenauer, Ano 6, no. 2, 2005, p. 123-159.
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A limitação do abuso da máquina governamental nas eleições
As análises sobre o financiamento político nos Estados Unidos remetem ao ex-presidente Andrew Jackson (1829-1837), cujo nome está associado à ampliação do sufrágio universal nesse país2. Jackson perdera a eleição para a Presidência de 1824, realizada no contexto do sufrágio limitado e, com vistas a
preparar-se para o pleito de 1828, criou comitês eleitorais em vários estados.
A mobilização gerada por estes resultou na duplicação da participação eleitoral
em 1828, eleição da qual Jackson saiu vencedor. Assim, a democracia jacksoniana tem como uma de suas características principais justamente a referência
ao voto popular.
No que toca aos objetivos deste artigo, a campanha empreendida por esse
político estadunidense implicou a necessidade de levantar recursos para custear
os comitês. Desse modo, além de representar a ampliação do sufrágio, Jackson
aperfeiçoou o sistema de captação de recursos para financiar campanhas políticas. Já anteriormente, os presidentes distribuíam os cargos públicos entre seus
seguidores, mas foi com Jackson que esse sistema foi aperfeiçoado, legitimado
e rotulado como “sistema de spoils”. Neste, o vencedor das eleições adquire o
direito de lotear a máquina pública com correligionários e estes garantem certo
fluxo de recursos para o partido no poder. O sistema de spoils vigorou até o final
do século XIX, quando foi limitado por sucessivas reformas.
Os primeiros esforços com vistas à regulação do financiamento na política estadunidense se dirigiram ao uso abusivo da máquina estatal pelos governos
no poder. Em 1867, foram introduzidas as primeiras regras que limitavam a
pressão política sobre funcionários públicos na indústria naval para financiar
campanhas. Essa proibição foi ampliada a todos os servidores públicos pela Lei
Pendleton (1883). Este instrumento marcou o início do fim do sistema de spoils,
na medida em que protegia funcionários públicos da cobrança de doações pelo
partido político no poder. Essas reformas foram encerradas em 1939, quando
a Lei Hatch proibiu o envolvimento de funcionários públicos em atividades de
campanha eleitoral e vedou a compra de votos em troca de recursos públicos.
Todas essas medidas tinham por objetivo consolidar o sistema meritocrático no
serviço público e coibir a mobilização da máquina administrativa nas campanhas. No entanto, estas formas de abuso da máquina administrativa para fins
eleitorais durante muito tempo continuavam existindo em estados e cidades.3
2 O período marcado por essa mudança é conhecido como jacksoniano, em substituição ao período
jeffersoniano. Não existe, contudo, uma data exata para essa etapa da extensão do sufrágio nos
Estados Unidos, pois cabia aos estados federados decidir sobre o direito de participar em eleições.
Somente a partir de emendas constitucionais, na segunda metade do século XIX, houve certa federalização dessa questão do sufrágio.
3 Ressaltam-se os casos dos líderes políticos William Tweed (1823-1878) e Richard Daley (19021976), em New York e Chicago, respectivamente.
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Outra decisão que teve impacto sobre o abuso da máquina para fins eleitorais
foi a proibição da reeleição. Essa medida tem uma longa tradição nos Estados
Unidos, a começar pelo presidente George Washington (1989-97), que, após
dois mandatos, se recusou a concorrer uma terceira vez. No entanto, a regra
informal nem sempre foi cumprida. Frankin Roosevelt foi eleito para quatro
mandatos consecutivos (1933-45). Em 1951, o Congresso finalmente, mediante a Emenda No. 22, introduziu a limitação a dois mandatos na Constituição.
Em vigor até hoje, a Emenda permite ao presidente no cargo concorrer somente
uma vez para um segundo mandato. A proibição da reeleição tem um forte impacto indireto sobre o uso de recursos públicos em campanhas. A proibição da
reeleição também é bastante difundida nos governos estaduais4.
A proibição de doações pelo setor privado
Após a guerra civil (1861-1865), as grandes corporações tornaram-se uma importante fonte de renda para financiar campanhas nos Estados Unidos. Grandes capitães da construção de estradas de ferro e da industrialização, como
J. Gould, C. Vanderbuilt, A. Carneggie, J. J. Astor, J. P. Morgan financiaram
campanhas de políticos no Congresso. Como no sistema de spoils, a força que
incentivou em primeiro lugar esse novo canal de financiamento foi a solicitação
de doações por parte dos candidatos a cargos eletivos. No final do século, houve uma tentativa do Partido Republicano de ampliar o sistema de spoils para
as corporações. Nesse sentido, o empresário Marcus Hanna, que coordenou a
campanha presidencial do republicano William McKinley, tentou fixar um valor
de referência para as contribuições políticas das grandes corporações (1% sobre
o capital).
Até o início do século XX não havia regulação sobre os recursos privados nas
campanhas eleitorais. Foi o presidente Theodore Roosevelt que, eleito em 1904,
propôs uma mudança na forma de financiamento das campanhas. A primeira
grande cartada contra o dinheiro privado dos “fat cats” na política surgiu com a
Lei Tilman (1905), que proibiu empresas e bancos públicos de contribuir com as
campanhas de candidatos. Em 1943, essa proibição foi estendida aos sindicatos.
Após estas duas reformas, os alicerces do financiamento de campanhas eleitorais nos Estados Unidos começaram a ganhar contornos mais nítidos. O financiamento das campanhas deveria se basear em recursos próprios ou doações
de cidadãos. Por outro lado, os grandes grupos econômicos eram formalmente
proibidos de apoiar candidatos. Ainda, os governos no poder deveriam tomar
uma posição neutra durante a campanha. Porém, as bases do financiamento
político na atualidade seriam definidas no decorrer de uma terceira onda de
reformas que ocorreu nos anos 1970.
4
Ver: <http://en.wikipedia.org/wiki/Term_limits_in_the_United_States>. Acesso em 14 nov. 2010.
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A. REGULAÇÃO DA ORIGEM DOS RECURSOS
As regras atuais sobre o financiamento da política no âmbito federal estão em
vigor desde 1971, quando o Congresso aprovou a Lei Federal de Campanhas
Eleitorais (FECA, sigla em inglês). Esta legislação sofreu alguns ajustes posteriores – 1974, 1976 e 1979 –, e uma modificação mais abrangente ocorreu com
a Lei de Reforma da Campanha Bipartidária (BCRA, sigla em inglês), em 2002.
A FECA e a BCRA compõem os alicerces da legislação sobre financiamento
político. Para além do Legislativo, a Suprema Corte dos Estados Unidos desempenhou um papel importante na regulação do financiamento político: em
diversas ocasiões, a instância decidiu pela inconstitucionalidade das regulações
adotadas pelo Congresso, forçando este órgão a revisar a legislação. Vejamos
as principais regras quanto a fontes e valores permitidos para o financiamento
político. Vale lembrar, desde já, que esta regulação do financiamento se refere
exclusivamente às campanhas federais. Atividades de proselitismo que não se
referem à disputa eleitoral e todas as atividades de financiamento político no
âmbito estadual não são cobertas pelo conjunto de regras que apresentaremos
a seguir.
A base do financiamento: doações individuais
À luz das proibições ao papel de grandes grupos econômicos, a base do financiamento de campanhas eleitorais é constituída, também após as reformas de
1971, por pessoas físicas. Somente cidadãos podem contribuir com recursos
para campanhas eleitorais dos candidatos. Adicionalmente às regras anteriores,
pelas quais as fontes de financiamento já estavam limitadas a recursos próprios
dos candidatos e doações por parte de indivíduos, foram estabelecidos tetos
para as doações individuais. Para o biênio 2007/2008 (os tetos são ajustados
pela inflação a cada ano impar) este teto foi de US$ 115.000, sendo a soma
máxima que cada pessoa pode contribuir para todos os candidatos, comitês e
partidos juntos.
Dentro desse valor máximo há limitações adicionais. As doações são limitadas
por entidade: uma pessoa física pode doar US$ 2.400 por eleição e por candidato; US$ 5.000 por PAC; US$ 10.000 por comitê local ou estadual e US$
30.000 por comitê nacional de partido (a referência continua sendo os valores
em vigor em 2007/2008). É importante entender o significado diferente destas
limitações. Enquanto a soma de doações por cidadão para todas as campanhas
eleitorais representa uma garantia de certo padrão de igualdade entre os cidadãos, os tetos para a contribuição para cada candidato protegem este último de
uma dependência excessiva de doadores individuais.
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O teto global de contribuições políticas que um indivíduo pode realizar em um
biênio – em torno de US$ 115.000 – é alto, se comparado com a renda per
capita média dos Estados Unidos (US$ 46.000, em 2009). Dessa maneira, são
poucas as pessoas físicas capazes de atingir os montantes máximos permitidos.
De fato, o grupo dos doadores representa somente uma pequena fração da população adulta5 do país. Os doadores6 individuais foram estimados em 370.000
pessoas em 1996, o que representaria aproximadamente 0,2% da população
adulta . Somadas as doações até US$ 200 nas eleições presidenciais de 2008,
chega-se a um valor estimado de 6,5 milhões de doadores . Considerando-se
que 132 milhões de eleitores votaram em 2008, a participação chega a 5%
dos eleitores efetivos. De todas as formas, os doadores compõem um pequeno
grupo de cidadãos, suficientemente mobilizado e abastado para se envolver
financeiramente nas campanhas eleitorais. Por outro lado, esse teto global adquire outra conotação, se comparado com países – ou mesmo com entes subnacionais estadunidenses – onde as doações não estão sujeitas a limites e na
prática alcançam contribuições milionárias de alguns indivíduos. Estas doações
milionárias são coibidas pela legislação eleitoral federal nos Estados Unidos.
Proibição de doações por empresas e sindicatos e PACs
Como vimos na introdução, o papel das grandes corporações foi limitado, a
partir de 1907, pela proibição do financiamento direto de campanhas eleitorais
por empresas. Com isto, os maiores grupos de interesse estavam legalmente impedidos de influenciar o processo eleitoral através do aporte de recursos para as
campanhas eleitorais. No entanto, o instrumento legal mencionado acima não
foi totalmente eficiente, conforme verificado nos anos seguintes. Para viabilizar
a influência sobre o processo eleitoral, tanto os maiores grupos econômicos
como os sindicatos, encontraram brechas na legislação. Estas soluções no limbo da lei podem ser classificadas em dois grupos: os Comitês de Ação Política
(PACs) e o Soft Money.
A partir de 1944 as empresas e os sindicatos começaram a criar Comitês de
Ação Política (PACs, sigla em inglês), com o objetivo de viabilizar a influência
financeira destas entidades sobre o processo eleitoral a despeito da proibição de
doações diretas. Nessa época, os sindicatos estadunidenses desejavam apoiar a
reeleição de Franklin Roosevelt e solicitavam a seus membros que contribuíssem para a campanha. Tecnicamente os doadores não eram os sindicatos. Estes
somente orquestraram a ação coletiva e garantiram que as doações individuais
dos seus afiliados apoiassem o candidato certo. Posteriormente, os PACs e seu
modus operandi de coordenar a arrecadação de grande número de doações
pulverizadas de indivíduos foi reconhecido como forma legítima de exercer influência sobre as campanhas eleitorais. PACs existem em grande número hoje.
Trata-se de organizações não-governamentais com a especificidade de serem
registrados na Comissão Eleitoral Federal (FEC, sigla em inglês) e obrigados
5 Peter L. Francia et alii: The financiers of congressional elections, New York, Columbia University
Press, 2003, p. 4.
6 Esta estimativa inclui imprecisões que possivelmente se anulam. Assumiram-se, primeiramente,
doações para somente um dos candidatos, o que pode não ser o caso, reduzindo o número de doadores. Também, considerou-se que todas as doações se aproximem de US$ 200: se forem de valores
inferiores, o número de doadores aumentaria. Ainda, não foram considerados os doadores para
outras candidaturas (deputado e senador), para os partidos e para os PACs.
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a obedecer determinadas regras na arrecadação e aplicação de recursos para
campanhas. Para efeito das limitações, as regras às doações individuais valem
igualmente para os PACs. Sendo assim, esses comitês não podem receber recursos corporativos, e as doações de indivíduos são limitadas a US$ 5 mil ao ano.
Os PACs tampouco podem apoiar candidaturas individuais ilimitadamente: devem obedecer ao teto de US$ 5 mil de contribuição máxima para um candidato
e US$ 15 mil por partido. No caso de despesas diretas para campanha eleitoral,
entretanto, não existem limites impostos aos PACs, que podem arregadar recursos ilimitados em cada campanha, sendo a única obrigação a prestação de
contas ao FEC, o órgão supervisor.
Na prática, esses PACs estão fortemente vinculados a corporações, que podem
arrecadar recursos de seus executivos e acionistas; sindicatos, que podem obter
recursos junto a seus filiados ou determinados grupos de pressão, como por
exemplo grupos feministas que arrecadam doações da rede de simpatizantes
e apoiam candidaturas de mulheres. Outra categoria de PACs é vinculada a
lideranças políticas que podem financiar candidatos. Por fim, também existem
comitês independentes. Os PACs desempenham um papel importante no financiamento de campanhas, sendo responsáveis por aproximadamente 1/3 dos
recursos dos candidatos em eleições legislativas federais.
O Soft Money: a arte de esquivar-se das regras de
financiamento
A outra forma de se esquivar da proibição de doações empresariais ou de sindicatos é o Soft Money, que consiste em uma série de modalidades de financiamento não sujeitas à legislação nacional sobre financiamento de campanhas
eleitorais. Por exemplo, enquanto a lei trata de forma restritiva do financiamento de eleições federais, ela não cobre o financiamento anual de partidos. As
doações não reguladas destinadas aos partidos, formalmente não sujeitas às leis
mais restritivas de financiamento eleitoral, acabam influenciando as campanhas
eleitorais, porque existem muitos elos com o financiamento das eleições. Esta
brecha foi explorada de forma crescente durante os anos 1990, com recursos
cada vez mais volumosos passando pelas contas dos partidos políticos, sendo
aplicados depois nas campanhas eleitorais.
Outra brecha refere-se a doações voltadas a partidos em eleições subnacionais:
a regulação da esfera estadual é atribuição dos estados, os quais, frequentemente, possuem regras menos restritivas quanto ao papel das empresas no
financiamento das campanhas. Dentre os 50 estados estadunidenses, mais da
metade (28) permite financiamento das eleições estaduais por corporações7.
Outra vez, os recursos arrecadados pelos partidos subnacionais acabam influenciando o processo da eleição nacional porque existem elos financeiros entre os
âmbitos subnacional e nacional. Resulta que o financiamento das candidaturas
por poderosos interesses econômicos não foi totalmente banido pela legislação.
7
BARBER, Denise R. Citizens United vs. FEC. http://www.followthemoney.org
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Outra forma de evadir as regras restritivas quanto ao financiamento político são
as campanhas temáticas. Com efeito, a estruturação de campanhas de informação e propaganda tomando posição sobre temas chaves como aborto, guerra
e imigração foi uma das modalidades de financiamento de campanhas políticas
que mais cresceu. A fim de não se submeterem às regras da legislação eleitoral
– mais precisamente, para que não reportem seus balanços financeiros à FEC,
nem sejam enquadradas nos limites estabelecidos pela lei –, essas organizações
não podem doar recursos financeiros para campanhas, tampouco mencionar
diretamente o nome de candidatos. Conhecidas como 527, código de imposto
de renda para instituições sem fins lucrativos, tais organizações têm se mostrado ativas durante as campanhas eleitorais. Seu perfil de financiamento difere
bastante dos PACs, como veremos mais adiante.
Gastos ilimitados de candidatos e doadores: exercício da
liberdade de opinião
A legislação introduzida em 1971 também previa tetos para os gastos nas campanhas. Enquanto os limites para as doações dos indivíduos buscam preservar
um certo grau de igualdade entre os cidadãos quanto à sua capacidade de
influenciar o processo eleitoral, as regras relativas aos gastos com campanhas
visam a manter certo equilíbrio na disputa entre candidatos. Porém, no caso
Buckley vs. Valeo, a Suprema Corte decidiu em 1976 que limitações quanto a
gastos de campanha representavam um cerceamento da liberdade de expressão, direito garantido pela Primeira Emenda da Constituição, o que resultou na
eliminação desses artigos da nova legislação. Ainda, a Suprema Corte declarou
inconstitucionais as limitações impostas ao autofinanciamento da campanha
pelo próprio candidato, isto é, segundo a Corte, os candidatos podem contribuir ilimitadamente com recursos próprios para suas campanhas8.
Em recente decisão, a Suprema Corte reafirmou esta interpretação, estendendo
o direito de liberdade de expressão também para as empresas. A reforma da
legislação 2002 (BCRA) havia fechado uma brecha na legislação, limitado a
possibilidade de influenciar o processo eleitoral com campanhas publicitárias financiadas pelo Soft Money9. Com a decisão de janeiro 2010 Citizens United vs.
Federal Election Commission, as empresas ganharam o direito de aportar recursos ilimitados em campanhas publicitárias também durante o processo eleitoral,
desde que não fizessem proselitismo direto para determinados candidatos e
não repassassem recursos diretamente para os cofres das campanhas. As limitações quanto às contribuições aos partidos e candidatos permanecem em vigor.
8 Como veremos mais adiante, o Congresso em 1976 reagiu a estas críticas, reintroduzindo tetos em
um formato modificado.
9 Uma reforma das regras sobre o financiamento eleitoral implementada em 2002 por meio da BCRA
havia limitado as atividades dos grupos 527 nas semanas imediatamente anteriores às campanhas
eleitorais.
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Esta interpretação da Suprema Corte, segundo a qual tetos para gastos eleitorais representam um cerceamento da liberdade de expressão, teve profunda
influência no debate normativo sobre reformas do financiamento político nos
Estados Unidos.10 As decisões da Suprema Corte resultaram em um caminho
separado da discussão sobre reformas em comparação com praticamente todos
os outros países.11 Muitos introduziram nas últimas décadas tetos para gastos
em campanhas eleitorais como medida para fortalecer certo equilíbrio entre
vários candidatos.
A FEC (Federal Election Comission): fiscalizando o
financiamento
A fiscalização das regras de financiamento revelou-se precária até a instalação
da Federal Election Commission (FEC) em 1974, criada para acompanhar especificamente o cumprimento das normas de financiamento. O referido organismo
possui independência limitada: seus seis integrantes são nomeados pelo presidente e ratificados pelo Senado, processo de seleção que estabelece uma estreita
conexão com lógica do mundo político. Contudo, a independência da FEC é
fortalecida por provisões como o mandato de seis anos para seus integrantes,
ultrapassando o ciclo eleitoral; o princípio da decisão colegiada; e a provisão de
que nenhum partido poderá acumular mais do que três cargos na Comissão.
Tendo em vista sua independência limitada, a FEC logrou cumprir apenas parte
de sua missão – ou seja, divulgar os dados sobre o financiamento dos candidatos
e a destinação de recursos públicos para as campanhas presidenciais. No que diz
respeito à fiscalização, a composição da FEC prejudicou sua eficiência: o critério de paridade entre republicanos e democratas12, conjugado à necessidade de
decisões majoritárias, resultou em um sistema de vetos mútuos contra investigações ou aplicações de multas. A falta de autonomia da FEC tem constituído um
dos principais gargalos na implementação da função de fiscalizar o cumprimento
das leis. Por conseguinte, o papel da Comissão tem sido criticado por organizações que acompanham o fluxo de recursos no financiamento de campanhas.13
Resumimos que a nova legislação, além da criação de uma agencia de supervisão (FEC), ratificou as proibições anteriormente existentes sobre o abuso de
recursos públicos e doações por empresas e sindicatos, estabeleceu limites para
doações privadas dos indivíduos, tetos para gastos dos candidatos (posteriormente revogados pela Suprema Corte) e a possibilidade de financiamento público das campanhas eleitorais para a Presidência.
10
Cito apenas como um exemplo, entre vários outros, o livro de Bradley Smith: Unfree speech: the
folly of campaign finance reform, Princeton, 2001.
11 Como exemplo deste olhar estadunidense sobre outros países veja o informe de Nicole Atwill (Senior Foreign Law Specialist): Campaign Finance, Library of Congress, May 2009 http://www.loc.gov/
law/help/campaign-finance/index.php. Acesso em 20 nov. 2010.
12 Na prática, são três membros do Partido Democrata e três do Partido Republicano.
13 Jesse Zwick: Broken Federal Election Commission Fails to Enforce Campaign-Finance Laws, in:
Washington Independent, 28.9.2010 http://washingtonindependent.com/98816/broken-federal-election-commission-fails-to-enforce-campaign-finance-laws. Acesso em 20 nov, 2010.
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B. A PROVISÃO DE RECURSOS PÚBLICOS PARA AS
CAMPANHAS
A nova legislação também inovou no que diz respeito ao financiamento público de campanhas. Esta modalidade de financiamento, praticada em vários
países da América Latina e da Europa, foi introduzida em 1971 para as eleições
presidenciais e em 1974, para as eleições primárias. No caso do Congresso, as
campanhas continuam a ser custeadas exclusivamente por recursos privados.
O financiamento público nos Estados Unidos apresenta algumas peculiaridades
que devem ser mencionadas. Uma delas é que o fundo público para campanhas presidenciais não possui uma dotação orçamentária fixa: seus recursos
são coletados por meio de uma opção na declaração de imposto dos cidadãos
que podem direcionar um pequeno montante do imposto pago (inicialmente
US$ 1 ao ano; US$ 3 desde 2004) ao financiamento das campanhas.14 Cabe
esclarecer que o cidadão não possui nenhum ônus financeiro com essa opção;
ele apenas determina uma parcela a ser destinada ao fundo de financiamento
político, sem que seja previamente definido o partido ou candidato ao qual o
recurso se destina.15
Nos países que destinam recursos públicos ao financiamento de campanhas ou
de partidos políticos, a forma mais comum de autorizar o financiamento público
é a inclusão de dotações específicas a lei orçamentária. O volume dos recursos é
frequentemente vinculando ao desempenho econômico (vínculo ao PIB do país)
ou ao tamanho do eleitorado (definição de um valor por eleitor ou por voto).
Outra vez, esta sistemática de autorizar a alocação de recursos públicos para
as campanhas por meio de uma decisão dos contribuintes goza certa singularidade entre as democracias contemporâneas. Se interpretarmos a escolha dos
contribuintes como uma espécie de plebiscito permanente sobre o sistema do
financiamento público de campanhas, os dados apontam para uma aprovação
decrescente. Enquanto em 1977, primeiro ano do financiamento público, 27%
dos contribuintes americanos optaram pelo financiamento púbico, estes números decresceram constantemente, chegando a 9% em 2004.16
No entanto, a participação cidadã se limita a direcionar recursos ao fundo em
geral, sem possibilidade de influenciar a alocação dos recursos. Qual é a sistemática de distribuição dos recursos públicos? Quais candidatos recebem quantos recursos e por quê? A alocação de recursos públicos para as campanhas
presidenciais segue três modelos distintos: um para as primárias; outro para as
convenções; e um terceiro para as eleições presidenciais. Os aportes públicos
para as eleições presidenciais primárias são alocados segundo o sistema de contrapartidas (matching funds), ou seja, para cada doação privada, o candidato
14 A participação cidadã na definição do montante de recursos públicos disponíveis para o financiamento de candidatos é vantajosa, sob alguns aspectos. Por exemplo, a classe política deve convencer
os eleitores sobre a importância do financiamento público.
15 A declaração de imposto de renda contém a seguinte frase “Do you want $3 of your federal tax
to go to the Presidential Election Campaign Fund?” instando o contribuinte a autoriza esta transferência.
16 Joseph E. Cantor, CRS Report for Congress: The Presidential Election Campaign Fund and Tax Checkoff: Background and Current Issues, Updated December 12, 2005, Order Code RL32786, http://
www.policyarchive.org/handle/10207/bitstreams/19424.pdf. Acesso em 20 nov. 2010.
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recebe um valor complementar de recursos públicos. Por exemplo, um pré-candidato à Presidência que arrecadar US$ 20 de um cidadão receberá US$ 20
do fundo público. Para incentivar as pequenas doações, esse cofinanciamento é
limitado a um valor máximo por cidadão. Hoje, para cada US$ 250 provenientes
de um doador individual, o Estado subsidia US$ 250. O montante que ultrapassar esse valor – até o teto permitido de US$ 2.400 que vigora para doações
individuais – não é cofinanciado pelo Estado. Esse sistema de contrapartidas
incentiva os candidatos e partidos a buscarem recursos de pequena monta.
Aqui, é necessário retomar a questão dos tetos máximos para gastos nas campanhas, vedados pela Suprema Corte em 1976. Em reação à referida decisão, o
Congresso abandonou os tetos máximos como regra geral para todos os candidatos, mas manteve a limitação para os aspirantes à Presidência que aceitassem
os recursos públicos. Ao aceitar o financiamento público parcial nas primárias,
os candidatos devem limitar seus gastos a US$ 41 milhões para a campanha nacional e a US$ 161 milhões para a campanha nos estados17. O cofinanciamento
público máximo para as eleições primárias é de US$ 20 milhões, metade do teto
previsto para campanhas nacionais.
O direito à liberdade de expressão estaria garantido, uma vez que o uso de recursos públicos é opcional. O candidato que insiste em gastar recursos ilimitados poderá fazê-lo, desde que não recorra ao financiamento público. Ao aceitar esses
recursos, os valores máximos compõem um conjunto de regras acompanhadas
dessa opção. Ainda, a opção pelo financiamento público vem acompanhada de
determinadas condições quanto à prestação de contas (mais frequentemente).
Adicionalmente ao financiamento das candidaturas, o Estado também oferece
recursos para financiar as convenções partidárias. Neste caso, o subsídio é igual
para os dois partidos grandes (US$ 4 milhões). Não há condições específicas
vinculadas à aceitação desse subsídio.
O terceiro momento do financiamento público refere-se às eleições nacionais
para a Presidência. Cada um dos candidatos aprovados pelas convenções partidárias dos dois grandes partidos recebe US$ 82 milhões para financiar a campanha (2008). Caso opte por aceitar esse montante, o candidato não poderá
arrecadar fundos adicionais de doadores privados.
17 Dados
para as eleições em 2008.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
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C. PRESTAÇÃO DE CONTAS E DIVULGAÇÃO DOS
DADOS
A transparência sobre a arrecadação e os gastos com campanhas eleitorais aparece nas regulações pertinentes sobre a matéria desde 1910. Porém, por falta
de controle, essas regras praticamente não foram implementadas até 1967,
quando o Congresso dos Estados Unidos solicitou pela primeira vez uma prestação de contas sobre os recursos de campanha de seus membros. A fiscalização
sobre o cumprimento das regras permaneceu precária até 1974, ano da fundação da FEC, organismo que conferiu maior eficácia às regras sobre prestação
de contas.18
Os candidatos, partidos e PACs devem prestar contas no início da campanha e
trimestralmente ao longo desta e, no caso dos candidatos à Presidência, a cada
mês. A FEC divulga esses dados em um prazo de 48 horas após tê-los recebido.
Atualmente, os dados divulgados pela Comissão constituem a principal fonte
de informação para ativistas que acompanham o financiamento eleitoral.
Uma característica interessante dos Estados Unidos em relação à divulgação
dos dados sobre o financiamento de campanhas é o uso dessas informações
na campanha eleitoral. Nesse sentido, os fundos arrecadados são considerados
reflexos da força de um candidato e do apoio de que este goza; a arrecadação
de recursos é uma espécie de survey permanente sobre a capacidade de atrair
financiadores. O contraste com a cultura política em outros países não poderia
ser maior. Diferentemente, em países como o Brasil, a captação de recursos é
vista de forma crítica e suscita reações contrárias contra os líderes de arrecadação. Nesse país, a campanha política é lida como uma “disputa entre o tostão e
o milhão”, na qual este último será discriminado pelo eleitor.
18
A divulgação pela FEC desses dados em formato eletrônico tem permitido estudos acadêmicos e
análises de ativistas sobre a composição desse financiamento, bem como projetos para informar os
eleitores sobre o financiamento e o impacto deste sobre as eleições.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
14
II. O FINANCIAMENTO EM NÚMEROS
A. O financiamento dos candidatos
Nesse quadro de regras relativamente estáveis desde 1974, o financiamento político nos Estados Unidos desenvolveu um perfil muito peculiar. Os recursos para
campanhas passam por vários canais. Em primeiro lugar, os recursos arrecadados por candidatos em campanhas federais (Presidência, Senado e Câmara) são
diretamente gastos em suas respectivas campanhas.
Em 2008, o conjunto dos candidatos a presidente arrecadou aproximadamente
US$ 1,7 trilhão, somando os recursos para as eleições primárias e as eleições
gerais. Somente os dois candidatos dos maiores partidos, Obama e McCain,
gastaram US$ 744 milhões e US$ 368 milhões, respectivamente. Os candidatos
a deputado federal gastaram, juntos, US$ 808 milhões na mesma eleição, e os
senadores, US$ 389 milhões.19
O comitê eleitoral criado pelos partidos também é representativo, tendo arrecadado US$ 1,2 bilhão, de forma similar aos PACs, que coletaram US$ 1,1 bilhão. Finalmente, as organizações conhecidas como 527, responsáveis pelo Soft
Money, levantaram mais US$ 505 milhões. O Gráfico 1 ilustra os montantes
mobilizados pelos diferentes atores nas campanhas eleitorais de 2008.
GRÁFICO 1: Valores absolutos arrecadados pelos diferentes atores no ciclo eleitoral 2007/2008
Arrecadação de recursos
ciclo eleitoral 2007/2008
USD 2.000.000.000
USD 1.800.000.000
CANDIDATOS
A PRESIDENTE
USD 1.600.000.000
USD 1.400.000.000
USD 1.200.000.000
COMITÊS
PARTIDOS
USD 1.000.000.000
USD 800.000.000
POLITICAL
ACTION
COMMITEES
CANDIDATOS
A DEPUTADO
USD 600.000.000
USD 400.000.000
CANDIDATOS
A SENADOR
USD 200.000.000
ORGANIZAÇÕES
INDEPENDENTES
(527)
USD 0
Baseado em: <www.fec.gov>, <www.opensecrets.org> e <www.cfinst.org>.
19
A eleição presidencial de 2008 nos EUA mobilizou 99% mais recursos que a eleição anterior. Seria
possível questionar a representatividade da campanha para a avaliaçao do conjunto das eleições. Há
dois argumentos relativizando esta possível crítica. Primeiro, o aumento significativo dos recursos em
relaçao à campanha anterior é uma constante nas campanhas eleitorais (2008: 99%; 2004: 66%;
2000: 24%; 1996: 29%; 1992: 2%; 1988: 61%). Este cálculo não leva em conta a inflação. Segundo, o perfil de arrecadação, incluindo fontes de financiamento e agrupamento em pequenas, médias
e grandes doações permanece entre as campanhas. Os valores do financiamento das campanhas
para o Congresso crescem menos (para efeitos de comparação usamos as eleições a cada 4 anos):
2008: 39%; 2004: 13%; 2000: 22%; 1996: 28%; 1992: 47%; 1988: 27%). Cálculos próprios a
partir de <www.cfinst.org> e <www.opensecrets.org>.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
15
Porém, não seria correto simplesmente somar esses valores para chegar a um
quadro geral. Como mostra o Quadro 1, há vários elos entre essas categorias,
tornando mais complexa a análise. Além de aplicar os recursos arrecadados em
atividades de proselitismo político, os diferentes atores (candidatos, partidos,
comitês e outros grupos) transferem parte dos recursos entre si. Os candidatos
recebem parte de seus recursos dos comitês de partidos e dos PACs. Os comitês
dos partidos podem gastar seus recursos diretamente nas campanhas políticas,
mas transferem parte significativa dos valores arrecadados aos candidatos. Por
sua vez, também recebem recursos dos candidatos. No caso dos PACs, as transferências dos recursos aos candidatos chegam a um terço de seus recursos. O
restante é gasto diretamente nas campanhas. Para todas essas organizações
valem os limites quanto à arrecadação, à transferência e aos gastos em campanha. Ainda, o Quadro 1 deixa claro que as organizações 527 não estão sujeitas
a essas limitações, mas não possuem elos com os outros atores do financiamento eleitoral.
QUADRO 1: Arrecadação e gasto de vários atores nas campanhas eleitorais
Gastos em campanha
CANDIDATOS
A PRESIDENTE
CANDIDATOS
A DEPUTADO
CANDIDATOS
A SENADOR
COMITÊS
PARTIDOS
POLITICAL
ACTION
COMMITEES
ORGANIZAÇÕES
INDEPENDENTES
(527)
Fontes de arrecadação
Fonte: Elaboração própria
Doações de indivíduos com valor máximo
LEGENDAS
Transferências com valor máximo
Doações de indivíduos e empresas sem limites
Gastos sem limites
A composição dessas receitas por várias fontes revela que a maior parte do financiamento direto de campanhas advém de doadores individuais, seguidos pelas transferências de PACs, com seu vínculo especial com empresas, sindicatos e
outros grupos de interesse. No caso das 25 pré-candidaturas para a Presidência
em 2008 (identificadas como P no Gráfico 2), dentre as quais 6 concorreram nas
eleições gerais (P&G), o volume de arrecadação varia bastante. Entre Obama e
McCain, o primeiro arrecadou mais do que o dobro de seu concorrente.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
16
GRÁFICO 2: Contribuições diretas para campanhas presidenciais em 2008
Campanhas presidenciais 2008
Total de recursos arrecadados pelos candidatos
USD 800.000.000
USD 700.000.000
USD 600.000.000
USD 500.000.000
USD 400.000.000
USD 300.000.000
USD 200.000.000
USD 100.000.000
DODDS
HUCKABEE
BIDEN
TANCREDO
KUCINICH
BROWNBACK
NADER
HUNTER
VILSACK
BARR
THOMPSON T
GRAVEL
GILMORE
P
P
P
P
P
P
P
P
P
P
P
P&G
P
P
P&G
P
P
P
D
R
R
D
R
R
D
D
R
D
R
D
R
Li
R
D Co R
D
R Gr In
P&G P&G
KEYES
RICHARDSON
P
BALDWIN
PAUL
THOMPSON F
P
McKINNEY
GIULIANI
R
EDWARDS
D
ROMNEY
McCAIN
P&G P&G
CLINTON
OBAMA
USD 0
P
R
Baseado em: <www.opensecrets.org>.
Uma análise da composição de financiamento dos candidatos para presidente, senador e deputado permite identificar algumas diferenças (gráfico 3). Em
primeiro lugar, o financiamento individual direto predomina no financiamento
de campanhas. Destaca-se a capacidade dos candidatos de arrecadar doações
individuais que não ultrapassam US$ 4.800 por cidadão, no caso de eleições
em dois turnos. No caso de Obama, o financiamento por cidadão chega a representar 88% dos fundos levantados. Mesmo no caso de McCain, o financiamento individual soma 54%, sendo que outros 22% são compostos por fundos
públicos. No caso dos deputados e senadores, o financiamento pulverizado por
cidadãos resulta da soma dos valores do financiamento individual e do financiamento por PACs – os quais, por sua vez, são financiados por indivíduos. Os
valores para deputados e senadores são 90% e 82%, respectivamente. Com
isso, todas as campanhas são financiadas com mais de 80% de recursos provenientes dos cidadãos.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
17
GRÁFICO 3: Composição do financiamento de campanhas em 2008
Composição do financiamento de campanhas
Fontes de financiamento
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0
USD 399.000.000
USD 845.000.000
USD 1.726.314.365
CANDIDATOS A SENADOR
CANDIDATOS A DEPUTADO
CANDIDATOS A PRESIDENTE
Outros
Partido
Recurso do Estado
Contribuições de PACs
Candidato
Contribuições de cidadãos
Baseado em: <www.cfinst.org> e <www.opensecrets.org>.
O financiamento próprio e o financiamento público: dois
modelos esgotados
Analisando mais detalhadamente os dados dessas doações para as campanhas
presidenciais (Gráfico 4), percebemos algumas diferenças entre os candidatos.
Desconsiderando por um momento a questão das doações de pessoas físicas,
percebemos que alguns candidatos divergem bastante em relação ao uso de
recursos próprios e públicos. Alguns candidatos complementaram suas campanhas com uma parte considerável de recursos pessoais. A liderança na aplicação
de recursos próprios está com Mitt Romney, que custeou US$ 44 milhões de sua
própria pré-campanha (41,7% do total). Em seguida, estão Hilary Clinton (US$
13 milhões, ou seja, 5,9% de sua campanha), John Edwards (US$ 4 milhões;
6,6%) e Rudolph Giuliani (US$ 1 milhão; 1,9% de sua campanha). Porém, nenhum destes candidatos se manteve na corrida até as eleições gerais.20
20
Outros candidatos que ficaram conhecidos por recorrerem à fortuna pessoal para financiar a campanha a presidente foram Ross Perrot e Steve Forbes. Perrot injetou, em 1992, US$ 63 milhões e,
em 1996, US$ 8 milhões de recursos próprios na sua campanha independente à presidência, valores
que representavam 89% e 21% do total arrecadado, respectivamente, Forbes concorreu em 1996
e 2000 à presidência, injetando US$ 37 milhões (88% do total) e US$ 38 milhões (80%) de recursos
próprios na campanha. Cálculos a partir de dados de www.opensecrets.org>.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
18
GRÁFICO 4: Composição do financiamento de diferentes campanhas presidenciais em 2008
Campanhas presidenciais 2008
Fontes de financiamento
0%
D P&G
OBAMA
R P&G
McCAIN
D P
CLINTON
R P
ROMNEY
R P
GIULIANI
D P
EDWARDS
R P
PAUL
R P
THOMPSON F
D P
RICHARDSON
D P
DODDS
R P
HUCKABEE
D P
BIDEN
R P
TANCREDO
D P
KUCINICH
R P
BROWNBACK
Li P&G
HUNTER
D P
VILSACK
60%
80%
100%
22,8%
5,9%
41,7%
1,9%
6,6%
19,6%
11,2%
15,1%
25,8%
19,4%
1,0%
20,4%
15,1%
3,7%
BARR
R P
THOMPSON T
D P
GRAVEL
R P
GILMORE
Gr P&G
BALDWIN
In P&G
McKINNEY
R P
40%
NADER
R P
Co P&G
20%
19,3%
2,6%
KEYES
Contribuições de cidadãos
Contribuições de PACs
Autofinanciamento do candidato
Recursos do Estado
Outras fontes
Baseado em: <www.opensecrets.org>.
Outro dado interessante do Gráfico 4 refere-se ao papel dos recursos públicos.
Conforme mencionado acima, o candidato pode optar pelo financiamento público de sua campanha, desde que se qualifique para receber tais fundos e aceite as condições quanto ao teto de financiamento envolvidas nessa modalidade.
Dos candidatos nas primárias de 2008, vários se qualificaram e aceitaram o cofinanciamento pelo sistema de contrapartidas, com destaque para John Edwards, que recebeu US$ 12 milhões do Estado, em complementação às pequenas
doações que recebeu de seus apoiadores. Candidatos como Chris Dodds, Joe
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
19
Biden, Tom Tancredo, Dennis Kucinich, Ralph Nader e Duncan Hunter também
optaram pelos fundos públicos. Mas devido a seu baixo desempenho em matéria de doação de pessoas físicas, o valor dos recursos públicos para cada um
deles variou apenas entre US$ 500.000 e US$ 2,1 milhões.
Os US$ 84 milhões arrecadados por McCain decorrem da opção por financiar sua campanha nas eleições gerais exclusivamente com recursos públicos,
decisão pautada na avaliação de que sua capacidade para captar recursos privados já havia se esgotado. Para as eleições primárias, McCain havia rejeitado
o cofinanciamento com contrapartidas públicas para as doações privadas. A
aceitação desses fundos teria limitado seus gastos a US$ 115 milhões no âmbito federal e a US$ 162 milhões nos estados. Outros candidatos que rejeitaram
os fundos públicos foram Hilary Clinton, Mitt Romney e Rudolph Giuliani, que
arrecadaram cerca de US$ 200 milhões e US$ 100 milhões e US$ 50 milhões,
respectivamente, e calcularam que os limites de gastos embutidos ao financiamento público estrangulariam uma eventual impulsão de suas campanhas. Por
fim, Barack Obama não aceitou fundos públicos nem para a sua pré-campanha,
nem para as eleições gerais: ele arrecadou mais de US$ 400 milhões nas primárias e outros US$ 300 milhões nas eleições gerais.
Esse balanço sobre o uso dos recursos públicos nas campanhas presidenciais
mostra que o modelo corre risco de se esgotar, uma vez que cada vez menos
candidatos com capacidade de vencer as eleições utilizam esses fundos. Isso
porque os limites estipulados neste caso são muito inferiores aos demais tetos
definidos pela legislação. A Tabela 1 ilustra o crescente esgotamento do modelo
de financiamento público. Há algumas eleições, anunciava-se a tendência de
que os dois principais adversários nas disputas presidenciais nas primárias abririam mão dos recursos públicos (Bush em 2000; Kerry e Bush em 2004 e McCain e Obama em 2008); no entanto, Obama foi o primeiro a fazê-lo, em 2008.
TABELA 1: Aceitação de recursos públicos pelos candidatos dos dois principais
partidos que concorreriam nas eleições gerais
1976
19801984 1988 199219962000 2004 2008
Eleições Primárias
Democratas
Sim
SimSim Sim SimSimSim Não Não
Republicanos
Sim
SimSim Sim SimSimNão Não Não
Eleições Gerais
Democratas
Sim
SimSim Sim SimSimSim Sim Não
Republicanos
Sim
SimSim Sim SimSimSim Sim Sim
Candidato eleito
Democratas CarterCarter MondaleDukakisClintonClintonGore
Republicanos Ford
Reagan Reagan
G. Bush G. Bush Dole
Kerry
Obama
G.W.Bush G.W.Bush McCain
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
20
Para que esse modelo de financiamento tenha algum papel importante nas eleições presidenciais futuras, é necessária sua revisão quanto aos valores alocados
e limites impostos. No entanto, cabe considerar que o contexto do debate sobre
o financiamento público nos Estados Unidos é diferente daquele observado no
Brasil, por exemplo. Já fizemos referência mais acima à taxa decrescente de
cidadãos que optam pela transferência de recursos ao fundo de financiamento
público na sua declaração de imposto de renda. Em pesquisas de opinião ainda
antes da campanha de 2008 nos Estados Unidos, somente 39% dos cidadãos
manifestaram-se favoráveis à aceitação dos recursos públicos pelos candidatos.
Outros 56% declararam que prefeririam que os candidatos abrissem mão dos
recursos públicos e recorressem exclusivamente a doações privadas. Nesse contexto de opinião pública desfavorável ao principio do financiamento público das
campanhas, é difícil imaginar que o sistema de financiamento público seja reformulado em um futuro próximo: parece mais provável que ele caia em desuso
pelos motivos apontados.21
Doações individuais: cidadania com peso diferenciado
Do ponto de vista dos países que desconhecem a proibição de doações empresariais e tetos para os aportes individuais, a capacidade do sistema estadunidense de mobilizar recursos individuais em campanhas é impressionante. Se
somada, a arrecadação dos diferentes atores que obtêm exclusivamente doações individuais chega a US$ 4,2 bilhões para 2007/2008. Isso inclui recursos
arrecadados por candidatos, partidos e PACs (ver Quadro 1).
Dentro da margem relativamente estreita de contribuições (são permitidas doações de, no máximo, US$ 115.000 por biênio, por cidadão), existem diferenças
significativas, se separarmos pequenas (inferiores a US$ 200)22, médias (de US$
200 a US$ 1.000) e grandes doações (superiores a US$ 1.000). Ao comparar
a composição do financiamento dos candidatos à Presidência sob este ângulo
(Gráfico 5), verifica-se que os pequenos doadores representam 32% do total de
doações de Obama contra 43% de doações provenientes de grandes doadores.
A composição do financiamento de seu adversário McCain é significativamente
diferente (21% e 60%, respectivamente).
20
Resultado de uma pesquisa de opinião realizada em abril 2007 pela Gallup. Informe disponível em
http://www.gallup.com/poll/27394/americans-prefer-presidential-candidates-forgo-public-funding.
aspx. Acesso em 20 nov. 2010.
20 As doações abaixo desse valor não precisam ser identificadas na prestação de contas ao FEC.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
21
GRÁFICO 5: Composição do financiamento individual
0%
20%
32%
OBAMA
CLINTON
20%
60%
23%
56%
6%
79%
13%
83%
10%
18%
65%
23%
48%
8%
83%
70%
13%
KUCINICH
56%
26%
2%
55%
28%
2%
34%
BROWNBACK
43%
18%
29%
9%
33%
28%
39%
16%
47%
22%
39%
17%
43%
22%
45%
THOMPSON, T
8%
15%
até 200 USD
9%
4%
19%
77%
52%
GILMORE
100%
43%
22%
PAUL
DODDS
80%
26%
31%
RICHARDSON
60%
21%
8%
GIULIANI
40%
24%
9%
de 200 até 1000 USD
24%
8%
acima de 1000 USD
Baseado em: <www.cfinst.org>.
Há outros candidatos que financiaram mais que um terço de suas campanhas
com doações pulverizadas, isto é, inferiores a US$ 200 – este é o caso do pré-candidato democrata John Edwards. Mas a diferença em relação a Obama
está no volume de recursos arrecadado. Edwards, por exemplo, captou US$ 38
milhões em doações individuais nas primárias, ao passo que Obama superou a
marca de US$ 409 milhões.
B. O PAPEL DOS PACS E DOS BUNDLERS
Analisados os mecanismos de financiamento direto via arrecadação dos candidatos, é interessante tratar também dos PACs, comitês que representam determinados grupos de interesse, formados para agregar doações. Tecnicamente, os PACs são intermediários entre doadores e candidatos. Nesses comitês,
as regras de arrecadação e doação são basicamente idênticas às doações de
pessoas físicas: pequenas contribuições de cidadãos devem ser distribuídas em
doses moderadas entre partidos e candidatos; e não são permitidos recursos
de empresas, sindicatos ou outras entidades jurídicas. No entanto, empresas,
sindicatos e outras organizações podem tomar a iniciativa de fundar PACs e solicitar doações de seus associados, empregados ou filiados. Eles também podem
apoiar os PACs mediante o financiamento dessas atividades-meio para organizar o PAC e solicitar as doações.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
22
Atualmente, há mais de 5.000 PACs registrados junto à FEC. Existe certa flutuação nesse número, mas a maioria dessas organizações é permanente, tendo
as suas atividades intensificadas na época das eleições. Os últimos dados divulgados revelam que os PACs arrecadaram US$ 1,08 bilhão no ciclo eleitoral de
2005/2006. Destes recursos, aproximadamente 33% são distribuídos para candidatos nas campanhas, e o restante, aplicado diretamente em campanhas23.
Os PACs dividem-se em várias categorias, conforme a sua capacidade de arrecadação de recursos. Os comitês com maior poder econômico arrecadam em torno de US$ 3 milhões por biênio, para financiar propaganda eleitoral, partidos e
candidatos. Tipicamente, os PACs financiam candidatos de ambos os partidos,
mas a maioria desses comitês apresenta certa preferência por um ou outro partido. Diversos ativistas e institutos de pesquisa classificam os PACs segundo os
grupos de interesse que representam. Segundo o Campaign Finance Institute, a
composição para o ano 2008 é a seguinte:
TABELA 2: Composição da origem dos fundos dos PACs em 2008
Sindicatos15,8%
Empresas
37,2%
Comércio/Saúde
27,5%
Independentes16,5%
Outros
3,0%
Soma
100,0%
Valor absoluto
US$ 385.900.000
Fonte: <www.cfinst.org>.
Por exemplo, o PAC National Beer Wholesalers Assn Contributors levanta recursos para representar os interesses dos atacadistas da indústria de cerveja.
Esse comitê arrecadou, no ciclo 2008, mais de US$ 3,28 milhões, o que o torna
um dos mais poderosos em termos financeiros. Essas contribuições provieram
de 1.647 doadore24, que contribuíram individualmente com valores entre US$
200 e US$ 5.000. Todas as doações são feitas por pessoas físicas, que devem
mencionar a sua ocupação, de modo a possibilitar a identificação do grupo de
interesse ao qual pertencem.
O National Beer Wholesalers Assn Contributors desembolsou US$ 3,2 milhões
para candidatos e partidos, lembrando que essas contribuições são limitadas
por tetos relativamente baixos para doações a candidatos individuais. As contribuições para partidos não ultrapassam US$ 30.000, para candidatos individuais
são US$ 10.000. A Tabela 3 mostra a distribuição desses recursos sobre diferentes partidos e cargos.
23
Em 2006, os PACs contribuíram com US$ 372 milhões para as campanhas dos candidatos ao Congresso. O seu peso no financiamento de campanhas presidenciais não é significativo, uma vez que cada
PAC poderia contribuir somente com US$ 5.000.
24 Entre os doadores identificados está, por exemplo, David Ingram, dono da companhia DBI Beverage
Inc. Ingram doou US$ 5.000 para o National Beer Wholesalers Assn Contributors no biênio em questão.
ESTUDOS E ANÁLISES DE CONJUNTURA - Nº. 2, NOVEMBRO 2010
23
TABELA 3: Contribuição do PAC National Beer Wholesalers para candidatos e
partidos
CâmaraSenado PAC
Dem 43,2%3,6% 6,1% 52,9%
Rep
36,3%6,0% 4,8% 47,1%
79,5%9,6% 10,9%100,0%
US$ 3.220.000
Fonte: <www.opensecrets.org>.
Além dos PACs, há também iniciativas individuais com vistas a captar recursos para as campanhas eleitorais. Os chamados bundlers são empreendedores que convencem indivíduos a doar recursos para determinadas campanhas.
As doações aparecem na prestação de contas como doações individuais. Essas
iniciativas são informais, ou seja, não são institucionalizadas; porém, no meio
político, os bundlers são reconhecidos simbolicamente em festas e jantares, ou
até premiados pelo seu sucesso com cargos públicos. Os bundlers podem ser
caracterizados como uma espécie de PAC pessoal e informal.
C. OUTROS ATORES (SOFT MONEY)
Enquanto os PACs são declaradamente formados para arrecadar recursos para
partidos e candidatos, diferentes organizações que participam da formação da
opinião pública nas eleições se esquivam da legislação eleitoral e de seus limites.
Como dito anteriormente, essas organizações – denominadas 527– produzem
anúncios políticos e pagam pela veiculação destes, evitando cuidadosamente a
menção de nomes de candidatos ou partidos.
Em 2004, um dos grupos 527 que influenciou a campanha presidencial de John
Kerry foi o Swift Boat Veterans, que veiculou um depoimento de Kerry perante
o Congresso, no qual o candidato declarava que, ao servir na guerra do Vietnã,
se deparou com violência e abusos cometidos pelos soldados estadunidenses
naquela guerra. Esse depoimento foi retratado pelo Swift Boat Veterans como
postura antipatriótica e prejudicou a imagem de Kerry junto a uma parte do
eleitorado. Perante a FEC, esses anúncios não fazem parte da campanha eleitoral, por não pedir voto para nenhum candidato explicitamente.
Os recursos levantados em 2008 pelos grupos 527 somaram US$ 505 milhões,
sendo US$ 237 milhões investidos em campanhas no âmbito federal. Financeiramente, essas organizações jogam em outra classe, por várias razões. Primeiramente, porque não estão sujeitas aos limites de arrecadação de recursos
elaborados para manter os grandes doadores (“fat cats”) fora da campanha
eleitoral. Eles podem receber recursos provenientes tanto de pessoas físicas
como jurídicas. Em segundo lugar, também não há limites para essas doações.
Terceiro, uma vez que não são formalmente identificadas como atividade de
cunho eleitoral, as iniciativas empreendidas pelas organizações 527, bem como
a movimentação financeira destas, não precisam ser registradas na FEC.
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A identificação das atividades das organizações 527 é mais complexa: para realizar esse mapeamento, é preciso coletar dados junto ao serviço de imposto
de renda, os quais não estão claramente detalhados. Durante a campanha de
2008, as 596 organizações consideradas atuantes com objetivos político-eleitorais arrecadaram um total de US$ 505 milhões – menos de US$ 1 milhão
por organização, em média. No entanto os recursos são distribuídos de forma bastante desigual, sendo que algumas organizações 527 dispõem de até
US$ 20 milhões individualmente. As receitas têm um perfil bastante próprio:
apresentam contribuições volumosas de entidades e indivíduos, que variam de
centenas a centenas de milhares de dólares. A composição do financiamento
da American Solutions Winning the Future (Tabela 3), uma dessas organizações,
ilustra essa diferença.
TABELA 3: Receitas do 527 American Solutions Winning the Future, de orientação conservadora (primeiros 10 doadores)
2008
TOTAL
US$ 20.576.000
Ranking
Doador
Total
1
Las Vegas Sands
$5.000.000
2
Real Estate Developer
$1.100.800
3
Retired
$882.671
4
American Financial Group
$650.000
5
Peabody Energy
$275.000
6
Marcus Foundation
$250.000
7
Devon Energy
$250.000
8
Crow Holdings
$250.000
9
Station Casinos
$249.999
10
Saunders, Karp & Megrue
$200.000
Fonte: <www.opensecrets.org>.
D. BALANÇO
Os recursos arrecadados pelos candidatos para financiar campanhas eleitorais
federais nos Estados Unidos abrangem os US$ 1,7 bilhões diretamente coletados pelos candidatos à Presidência. Somado ao montante arrecadado pelos
candidatos a deputado e senador – cerca de US$ 800 milhões e US$ 400 milhões, respectivamente – o financiamento direto de campanhas nos Estados
Unidos chegou a US$ 2,9 bilhões em 2008. Esses valores já incluem os recursos
repassados pelos bundlers e pelos PACs.
Os recursos dos PACs somam aproximadamente US$ 1,1 bilhão, dos quais
quase US$ 400 milhões são repassados aos candidatos. Os restantes US$ 700
milhões são aplicados diretamente nas campanhas. Para calcular o valor total
das campanhas, é preciso somar estes US$ 700 milhões ao valor arrecadado
pelos candidatos.
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Os partidos arrecadaram em diferentes instâncias – por exemplo, diretórios nacionais, comitês da Câmara de Deputados e do Senado – US$ 1,2 bilhão, mas
uma parcela deste montante aparentemente foi transferida aos candidatos. Finalmente, os recursos arrecadados e gastos pelas organizações 527 e 501 somam aproximadamente US$ 500 milhões, sendo metade destinada ao âmbito
federal, metade ao estadual. Em 2008, o custo total das campanhas federais
nos Estados Unidos pode ser estimado em aproximadamente US$ 5 bilhões.
A capacidade de mobilizar recursos dos cidadãos para financiar o processo eleitoral é uma das marcas que diferenciam as eleições nos Estados Unidos. Os doadores individuais podem ser classificados em três grupos: pequenos, médios e
grandes. Porém, é importante lembrar que mesmo estes doadores grandes não
podem contribuir mais que US$ 115 mil no biênio para todos os candidatos,
com limite de US$ 2.400 por candidato por eleição.
Os PACs são geralmente interpretados como manifestação dos grupos econômicos (sindicatos, corporações, setores econômicos etc.), mas é importante ter
clareza que as doações partem de indivíduos vinculados a estes grupos. Não
está claro se as empresas compensam financeiramente seus empregados pelas
doações que fazem para as campanhas. Também seria interessante verificar se
há coação na mobilização desses recursos. Contudo, a pulverização na arrecadação e na aplicação destes constitui um forte filtro para que tais grupos
econômicos se lancem nas campanhas eleitorais. O contraste com as doações
ilimitadas de empresas no Brasil ou em outros países não poderia ser maior.
O dinheiro que não é contabilizado diretamente como recurso de campanha – e,
portanto, que não está sujeito a vetos e limites vigentes para campanhas – é frequentemente chamado de “soft money”. O sistema de regulação do dinheiro na
política nos Estados Unidos não foi capaz de banir o peso do poder econômico
do processo eleitoral. A influência da iniciativa privada sobre o processo eleitoral
vale-se de uma decisão de 1976 da Suprema Corte, que declarou como inconstitucional a limitação das campanhas políticas. Em decisão de 2010, a Suprema
Corte confirmou seu entendimento de que as campanhas são manifestações de
liberdade de expressão e que este princípio é superior à equidade do processo
eleitoral. A liberdade até agora tem prevalência sobre a defesa de outro valor
importante na democracia: a equidade cidadã no processo representativo.
O sistema de financiamento público estadunidense, pouco conhecido no meio
acadêmico internacional, foi amplamente usado durante 30 anos e teve um
papel considerável no financiamento das campanhas primárias. Para as eleições
gerais, os fundos públicos foram a principal fonte de financiamento durante
praticamente três décadas. Hoje, o modelo esgotou-se no âmbito nacional, sendo rejeitado tanto pelos candidatos como pelos cidadãos. Qualquer iniciativa
para uma reforma desse sistema deverá partir dos estados, onde persiste um
intenso debate sobre a introdução do financiamento público de campanhas.
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A princípio, o poder de fogo dos partidos no financiamento das campanhas surpreende em um sistema eleitoral no qual candidatos se enfrentam em eleições
majoritárias. Também, o sistema partidário nos Estados Unidos é conhecido
como importante durante as campanhas eleitorais, mas pouco presente como
máquina partidária entre os pleitos. A capacidade dos partidos de arrecadar
recursos nas campanhas confirma esse papel chave das organizações partidárias
nas eleições primárias e gerais.
III. O FINANCIAMENTO POLÍTICO NOS ESTADOS
UNIDOS E OS VALORES DEMOCRÁTICOS EM JOGO
Por fim, cabe fazer um balanço para avaliar até que ponto o arcabouço jurídico
que regula o financiamento nos Estados Unidos desde os anos 1970 conseguiu
na prática conter os riscos vinculados ao custeio das campanhas. Voltemos às
indagações iniciais. O sistema de financiamento consegue defender o valor da
igualdade cidadã? Os candidatos competem em condições financeiras que podem ser consideradas equilibradas? O financiamento é a porta de entrada para
influenciar as políticas públicas ou para a compra de favores?
O legislador fez um grande esforço para garantir o primeiro valor: o papel central
do cidadão no financiamento político e a preservação de determinado padrão de
equidade entre os cidadãos. O fato que 80% dos recursos dos candidatos são
provenientes de doações individuais de cidadãos é sinal da enorme capacidade
de mobilização financeira da sociedade. Os Estados Unidos, que se destacam por
uma baixa participação eleitoral nas eleições gerais, neste quesito novamente
contrariam o padrão em outros países. Enquanto em muitos lugares o modelo
de financiamento cidadão de campanhas é considerado obsoleto, servindo de
justificativa pela legalizaçao de doações empresariais como um mal necessário,
este modelo é o principal pilar de custear campanhas nos Estados Unidos.
A exclusão de empresas do financiamento direto de campanhas é certamente
uma conquista importante. Porém, a definição estreita do conceito de campanha eleitoral, deixando espaço para atividades não reguladas do soft money anulam estas conquistas parcialmente. Poder-se-ia dizer que os anúncios
e outras atividades de campanha financiadas pelas 527 frequentemente são
responsáveis pelo jogo sujo nas campanhas. Como não podem ser vinculadas
formalmente a nenhuma candidatura, eles podem entrar em campanhas negativas que prejudicam um candidato, sem aranhar a imagem de integridade e
fair play do oponente. O impacto dos grupos 527 sobre as campanhas, possivelmente, é maior que o valor econômico dos recursos dispensados. Resta esperar
o impacto da recente decisão da Suprema Corte que conferiu mais legitimidade
às atividades não reguladas destes grupos.
Em relação à defesa do equilíbrio da disputa eleitoral, as decisões da corte mais
alta vedaram qualquer medida normativa neste sentido. O caminho alternativo,
aberto pelo financiamento público nos anos 1970 desde o início estava limitado
ao cargo para presidente. As eleições dos deputados e senadores nunca contaram com medidas defendendo patamares mínimos de equilíbrio financeiro
entre as candidaturas. A dinâmica mais recente das eleições presidenciais mos-
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traram que estas mesmas regras em um contexto diferente tornaram o modelo
obsoleto. Para as campanhas nos Estados Unidos o recurso financeiro não é
visto como um fator externo, distorcendo a disputa, mas pelo contrário um
elemento intrínseco, uma espécie de termômetro da força da aceitação da do
candidato na elite da sociedade.
A questão do risco que o financiamento de campanhas apresenta para a integridade dos políticos eleitos foi abordada pela lei eleitoral. Formalmente a dependência estrutural de candidatos de poucos financiadores é vedada pela limitação dos valores máximos de contribuição para um candidato. A dependência de
candidatos do apoio de alguns poucos financiadores dificilmente se configura
nos Estados Unidos – pelo menos não na intensidade e grau que caracteriza o
financiamento em muitos países que permitem contribuições de empresas e não
limitam o valor de doações de um doador para um candidato.25 No entanto, as
atividades dos PACs, apesar de baseadas em recursos individuais, são lidas por
todos os atores como apoio de determinados grupos de interesse. Estes exercem uma forte pressão sobre os candidatos financiados, acompanhando o seu
desempenho durante o mandato. Enquanto a instrumentalização de doações
para a compra de favores por empresas específicas não parece o principal problema do financiamento – há outros canais de influência para processar estas
demandas – os diferentes grupos de interesse parecem fazer uso do financiamento de campanhas para eleger os seus representantes e cobrar o respectivo
apoio a determinadas políticas públicas.
O sistema de financiamento de campanhas nos Estados Unidos enfrenta os
mesmos desafios que outros países. Porém, tanto na regulação pela lei como
também na forma como os atores preenchem os espaços deixados ou criados
pela legislação eleitoral, o país se apresenta com fortes traços de singularidade.
Aposta fortemente no cidadão individual e nos grupos de interesse; defende a
idéia de liberdade de expressão, mesmo que tenha altos custos para o equilíbrio
das campanhas eleitorais; e rejeita a idéia do financiamento público, mesmo
que ela tenha sido um dos pilares para eleições presidenciais mais equilibradas
nas últimas décadas.
24
No caso do Brasil, a dependência de candidatos de alguns poucos doadores cria uma interdependência estrutural entre ambos, base para futures trocas de favores. Vide Speck (op.cit.), p. 149.
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