apresentaçào - mma consultoria
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TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo APRESENTAÇÃO Apresentação 1 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 2 O sistema capitalista internacional, nas últimas três décadas, tem apresentado como uma de suas tendências marcantes a ênfase na gestão do Capital. Boltanski e Chiapello (1999) salientam que, se na década de 1970 havia uma forte crítica ao capitalismo familiar, na década de 1990 a discussão se deu a partir das grandes organizações, das questões da hierarquia e da planificação. Nos anos 1990 ganharam expressão várias teorias administrativas (orientais e ocidentais), muitas delas tendendo à rejeição da hierarquia, pelo entendimento de que esta se assenta na dominação e é uma forma antiquada de coordenação. Para Lojkine (1995), as três grandes características da revolução industrial (a especialização, a estandardização e a reprodução rígida) foram contrapostas pelas três maiores características da Revolução Informacional: a polifuncionalidade (que é distinta da polivalência tapa-buracos), a flexibilidade (variedade de uso das máquinas informacionais) e a estrutura de redes descentralizadas. Do ponto de vista do trabalho, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 3 a reestruturação do capitalismo nas duas últimas décadas feita em torno dos mercados financeiros e dos movimentos de fusãoaquisição de multinacionais num contexto de políticas governamentais favoráveis em matéria fiscal social e salarial, foi acompanhada rigorosamente de importantes incitações do crescimento de flexibilização do trabalho. As possibilidades de emprego temporário, de uso de mão-de-obra provisória, de horários flexíveis e a redução de custos de dispensa de trabalhadores se desenvolveram largamente [...] corroendo pouco a pouco os dispositivos de segurança instalados no decorrer de um século de luta social.1 (Boltanski e Chiapello, 1999:21 – tradução minha)” Aparece assim a outra face deste cenário: um contexto de agudização do desemprego, em que os postos de trabalho são cada dia mais escassos e é cada vez mais difícil as pessoas conseguirem um emprego com carteira assinada, é crescente o número de indivíduos que busca sua sobrevivência em atividades não assalariadas, seja como trabalhador por conta própria, seja se associando a outros trabalhadores em busca de alguma ocupação coletiva que permita sua sobrevivência. O Brasil não tem tradição no âmbito da política de emprego, e só muito recentemente se iniciaram mudanças institucionais voltadas para políticas ativas de emprego, trabalho e renda. Ao aproximar-me da temática foco desta pesquisa – geração de emprego, trabalho e renda – e, percebendo o hiato existente entre a necessidade de empregos e a oferta de postos de trabalho, decidi direcionar meus estudos para projetos não governamentais que buscam encontrar saídas para estas situações. 1 Tradução livre da autora (1999:21). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 4 Fruto de meu envolvimento político, sempre privilegiei em minha prática profissional e social a ótica dos movimentos populares. Mais do que um exercício intelectual, eu buscava propostas concretas que pudessem ser implementadas e que favorecessem grupos populares. A preocupação subjacente era relativa ao fato de inúmeros grupos populacionais não serem alcançados pelas estratégias das políticas públicas de combate ao desemprego. Como resposta a isso, grupos da sociedade civil buscam alternativas de sobrevivência a partir da geração de trabalho e renda. Através da minha militância pastoral e política, foi possível um primeiro contato com algumas experiências produtivas nascidas nos meios populares. Foi assim que me relacionei com as fábricas comunitárias de Birigüi que, há mais de dez anos, vêm desenvolvendo um projeto de produção de tênis. Considerei que poderiam se constituir no universo empírico de minha tese e então empreendi as primeiras aproximações agora com olhos de pesquisadora. O objetivo inicial dos grupos que criaram as Fábricas comunitárias era o estabelecimento de um modo de viver e sobreviver em comum. Durante toda a trajetória deles estão muito presentes os sentimentos de união e de construção comunitária. Desde sua constituição, as decisões tomadas sempre priorizam a incorporação de pessoas, mais do que a acumulação. A prioridade maior é com a relação interna à fábrica, ainda que num esforço contínuo para se manterem no mercado. A história das Fábricas Comunitárias é perpassada por diversas propostas, dentre elas, o cooperativismo; mas é como empresa limitada que elas têm funcionado nos últimos anos. A novidade que apresentam é justamente um sistema de gestão híbrido que busca construir um espírito de convivência num espaço que é produtivo. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 5 Para entender o desenho organizativo das Fábricas comunitárias foram necessários estudos sobre gestão de empresas em geral, passando por propostas como cooperativismo, autogestão e co-gestão, e isto para constatar que em seu processo estas fábricas comunitárias não concretizam de modo puro nenhum destes modelos. A partir do desenho adotado, os sócios do empreendimento estão alocados na operação direta da produção, num face a face com os trabalhadores cuja principal característica é a ausência de intermediários, sejam eles gerentes ou contramestres. Ao coletar dados, a preocupação que me movia era entender esta nova dinâmica de produção que parecia anunciar “sementes socialistas implantadas nos poros do modo de produção capitalista” (Singer, 1998a:114) e que vinha iluminada pelo ethos cristão e pela exigência de uma relação mais fraterna entre os sócios dos empreendimentos e os trabalhadores. Mais do que a necessidade de um grau acadêmico, o que me impulsionou para este doutorado foi um interesse em realizar estudos que contribuíssem para a construção de respostas à realidade de desemprego que cada dia assola nosso povo, e o objeto escolhido parece dar pistas neste sentido. Esta pesquisa tem por objeto um estudo crítico de uma organização produtiva, sediada em Birigüi – município da Região Noroeste do Estado de São Paulo – buscando verificar em que medida ela pode se apresentar como uma possibilidade de geração de emprego, trabalho e renda em municípios de médio porte. Mesmo sendo uma experiência datada, contextualizada e localizada, suas potencialidades indicam a possibilidade de uma replicabilidade reservadas as características próprias que contém. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 6 Entendo ser este um objeto que permite, e exige mesmo, uma multiplicidade de enfoques, e portanto mereceria um estudo multiprofissional. Faço, assim um esforço de recorte e focalização do objeto, considerando naturalmente minha formação profissional, ciente da pouca experiência em pesquisa. Este contexto permitiu que, ao final do estudo, chegasse a considerações, ainda preliminares, que sugerem novas questões e caminhos a serem trilhados por outros pesquisadores. A questão norteadora deste estudo pode ser entendida como a busca de elementos que permitam identificar se é possível aos trabalhadores, à classe trabalhadora, organizar-se dentro do sistema capitalista sem reproduzir as mazelas da forma mais contundente da relação Capital/Trabalho. Os objetivos do estudo foram: (1) reconstruir a história do grupo e da Marc’ellsse (uma das fábricas comunitárias); (2) compreender e analisar as características particulares do objeto estudado, ou seja, as condições internas e externas que permitiram tecer esta experiência; e (3) analisar se as Fábricas comunitárias se constituem em empreendimentos de geração de emprego, trabalho e renda. Meus primeiros contatos com as Fábricas comunitárias ocorreram no contexto de uma articulação mais ampla que envolve a Região Noroeste do Estado de São Paulo. Produtores rurais, bordadeiras, confeccionistas, catadores de papel e sapateiros se articulam ao redor de uma “Rede de Experiências Econômicas Alternativas”. A troca de experiências nas áreas de formação e de produção são muito intensas e há uma rede de comercialização comum permitindo que grupos, mesmo frágeis, sobrevivam de seus trabalhos. Estas experiências se originaram nas CEBs – Comunidades Eclesiais de Base, que, segundo Sandri representavam TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 7 no campo estritamente político, [...] a reação popular à exclusão radical de toda a sociedade em relação à participação na política econômica, social, educacional. Era a nova sociedade que nascia a partir da base, do povo. (1990:174) A constituição das Fábricas comunitárias foi conseqüência de um trabalho de educação popular realizado principalmente pela Igreja Católica. Ancorado na proposta pedagógica de Paulo Freire, este trabalho partia da cultura e do saber do povo, e o ajudava a assumir, conscientemente sua vida social e política. Ao me aproximar da experiência das Fábricas comunitárias, estava movida por uma curiosidade comprometida com trabalhos desse tipo, e em cada um dos momentos busquei olhar para depois ad-mirar, no sentido dado por Paulo Freire.2 Conhecendo esses empreendimentos há alguns anos, sabia de antemão que, no início, eles buscavam saídas para suas vidas, quem sabe com a intenção de construir um caminho que também pudesse ser trilhado por outros grupos; mesmo ao nominarem seus empreendimentos de “fábricas comunitárias”, não pretendiam construir um novo conceito, mas demonstrar que era possível concretizar o sonho que esteve presente em seu discurso quando eram simplesmente militantes de CEBs. Ao aprofundar o conhecimento sobre o modo como organizavam a produção nesse empreendimento, foi possível perceber que, de fato, ele tem características diferenciadas, principalmente no que se refere às relações internas de produção. Para a realização do estudo, percorri a seguinte trajetória metodológica: 2 “Ad-mirar, olhar por dentro, separar para voltar a olhar o todo admirado, que é um ir para o todo, um voltar para suas partes, o que significa separá-las, são operações que só se dividem pela necessidade que o espírito tem de abstrair para alcançar o concreto. No fundo são operações que se implicam dialeticamente”. (Freire, 1981:44) TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 8 A primeira etapa consistiu em levantamento e estudo bibliográficos iniciais sobre políticas de emprego, cooperativismo e trabalho informal. Na verdade, a pesquisa bibliográfica acompanhou todo o percurso da pesquisa. A definição das Fábricas comunitárias como objeto empírico do estudo exigiu, de um lado uma aproximação com a realidade do setor calçadista, e de outro lado um conhecimento da realidade de Birigüi – sua história e desenvolvimento econômico – de modo a situar-me no cenário no qual se move o objeto de estudo em questão. Com esta intencionalidade, fiz contato tanto com técnicos da Secretaria de Estado e Relações do Trabalho (SERT) e do CEPAM – órgão vinculado à Fundação Prefeito Faria Lima e que assessora os municípios paulistas; quanto com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Vestuário, que inclui calçadistas, vinculada à CUT que me possibilitou acesso ao Sindicato dos Trabalhadores em Calçado de São Paulo. Já no primeiro momento, iniciei a prática que me acompanharia durante todo este percurso que era o de guardar as informações na memória para posteriormente registrá-las num Diário de Campo. Ainda na construção deste cenário, realizei entrevistas com os presidentes do Sindicato dos Trabalhadores em Calçado de São Paulo e da Comissão Municipal de Empregos de Birigüi. Numa primeira viagem à cidade, iniciei estudos exploratórios que permitiram, naquele momento, esboçar a história das fábricas comunitárias e de suas relações no município de Birigüi e na região de Araçatuba. No decorrer do mesmo processo, entrevistei pessoas ligadas à Igreja Católica (Diocese de Araçatuba) objetivando conhecer a memória delas sobre o processo vivido pelas fábricas comunitárias. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 9 A transcrição das entrevistas e anotações das conversas foram cotejadas com informações que eu já dispunha sobre o objeto empírico, na medida em que já conhecia o grupo há cinco anos. Isto possibilitou a elaboração de um plano de estudos e pesquisas. Com referência à construção do cenário, ainda havia dois tipos de preocupação: como me apropriar do pano de fundo relativo às relações sociais na região, e como apreender a dinâmica do setor calçadista de modo a identificar as questões-chave. Ao sistematizar as informações dispersas que, durante vários anos, havia recebido e que se relacionavam ao grupo, percebi várias lacunas e mesmo algumas contradições. Tudo isso foi considerado quando elaborei os primeiros roteiros de entrevistas que permitiriam a apropriação do objeto em estudo. Foram de muita utilidade na construção dos instrumentos de coleta de dados as informações e dados obtidos no CEPAM: a dinâmica da Comissão Municipal de Empregos de Birigüi, os subsídios para elaboração do diagnóstico municipal e as primeiras aproximações feitas pela Comissão de Empregos. Foi significativo o estudo feito por Vedovotto e publicado com o título de Birigüi: a revolução que começou pelos pés (1998). Objetivando contextualizar o estudo, realizei uma pesquisa documental, em fontes secundárias. A primeira delas foi relativa à situação de emprego e desemprego no Brasil e no Estado de São Paulo; as fontes de dados foram o IBGE, a Fundação Seade, o Ministério do Trabalho/Datamec, a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho e a Fundap. No decorrer de quatro anos, outros documentos foram se juntando aos primeiros e, sem dúvida, enriqueceram a investigação. A busca do significado das fábricas comunitárias implicou dois movimentos que se somam e se alternam. Um deles buscou o significado das fábricas em si, ou TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 10 seja, cotejou a proposta original, o discurso de seus membros e sua atuação efetiva, assim como buscou apreender a leitura do processo que é feita pelos trabalhadores das fábricas. O outro movimento buscou apreender o significado das fábricas comunitárias para si, ou seja, na sua relação com o município em que estão situadas, levando em conta sua relação com os Sindicatos Patronal e de Trabalhadores. As fábricas comunitárias instauraram uma relação diferenciada entre gestores do capital e trabalhadores; a partir delas, tanto há um preservar das condições de trabalho quanto há uma qualificação maior na gestão da produção. Outro aspecto em que pude me deter foi o modo como tem sido construída a identidade híbrida desses sujeitos sociais que, vindos da classe trabalhadora, buscam, no exercício da função patronal que hoje exercem, preservar seu compromisso com os trabalhadores. As estratégias metodológicas adotadas foram o estudo de caso e a pesquisa participante. A opção pelo estudo de caso objetivou a reconstrução da história e o desenvolvimento das fábricas comunitárias. A partir dessa reflexão, busquei apreender a filosofia dos empreendimentos, cotejando-a com a proposta original. Entendendo a pesquisa participante como uma estratégia que pode ser intermediada por diversas técnicas, utilizei um misto de instrumentos de natureza qualitativa e quantitativa, dando prioridade aos qualitativos. Os dados quantitativos, a meu ver, complementam a pesquisa; desta forma buscamos a totalização das informações que permitissem o entendimento do processo de produção. Considero que o objetivo maior da pesquisa participante é a incorporação de setores populares no processo de produção e comunicação de conhecimento. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 11 Segundo Silva (1991), é no compromisso do pesquisador e na sua relação com os grupos que surge um método novo a partir do qual é possível a obtenção do conhecimento e a compreensão da realidade. Brandão (1984:12) enfatiza que o compromisso da pesquisa participante mais do que conhecer para explicar, é de compreender para servir. Pesquisador, metodologia e grupos sociais são indissociáveis e não podem ser concebidos separadamente. Concordando com Freire, reafirmo a idéia de que toda pesquisa é ato de conhecimento e como tal é orientada politicamente, seja pela análise, seja pela seleção de procedimentos. O conhecimento empírico que emerge desse processo prático pode extrapolar os canais acadêmicos, o que não significa ser menos preciso que aquele gerado pela ciência dominante; possuindo racionalidade própria, este conhecimento expressa-se em uma linguagem e segundo uma cultura diferentes daquelas que têm sido usadas nos processos dominantes. Elaborado o plano de estudos e pesquisa, realizei 18 entrevistas – todas elas conduzidas com base em roteiros orientadores. Conforme se verifica no Anexo III, dentre os entrevistados, encontram-se vários sujeitos da experiência (sócios, trabalhadores contratados e vendedor), empresários do setor calçadista, sindicalistas, representante de entidade patronal, assim como pessoas ligadas à Igreja Católica. Se as primeiras visavam a coleta de informações sobre a dinâmica desse setor produtivo e a situação de emprego/desemprego de Birigüi, estas últimas tiveram como sujeitos as pessoas envolvidas na experiência, tanto aquelas que trabalham diretamente nas fábricas comunitárias como aquelas cuja atuação tem interface com as mesmas. Os dados obtidos nas entrevistas foram complementados por conversas informais e levantamentos da situação da produção e do perfil de trabalhadores envolvidos em algumas das fábricas comunitárias. Todo esse processo encontra-se TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 12 devidamente registrado em meu diário de campo. O instrumento utilizado na coleta de dados junto aos trabalhadores contratados pelas fábricas comunitárias foi um questionário de pesquisa contendo 14 questões [O Anexo III traz o instrumental e a tabulação dos dados]. Além das conversas e entrevistas individuais, houve dois momentos de observação significativos: no primeiro deles, os sócios da Marc’ellsse permitiram a minha presença numa de suas reuniões de direção, o que possibilitou uma primeira aproximação ao processo de tomada de decisões da fábrica. O segundo momento foi a realização de reunião com objetivo específico de coleta de dados, no qual os sócios da Marc’ellsse conversaram comigo sobre sua história e o processo que vêm empreendendo. Outro momento significativo foi a participação numa oficina realizada pelo Programa Gestão Pública e Cidadania, da FGV-SP,3 no qual a experiência das fábricas comunitárias foi discutida com um seleto público de especialistas em pobreza e emprego. Essa oficina possibilitou uma interlocução com vários especialistas, ampliando o diálogo e as óticas de análise do objeto. As informações coletadas por meio do conjunto desses instrumentos foram sistematizadas em tabelas, quadros e gráficos de modo a facilitar as análises. Não tomei como referência teórica nenhum autor especialmente, mas busquei apoio teórico e metodológico em vários autores que possibilitaram o estudo e análise do objeto de estudo. A Tese, assim construída, compõe-se de quatro capítulos, conforme descrito a seguir: O primeiro capítulo – Trabalhar: busca permanente dos trabalhadores – traz a construção do cenário no qual este objeto se move. Esta breve contextualização TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Apresentação 13 foi elaborada a partir de duas óticas principais: a das Pastorais da Igreja Católica e a situação de emprego e desemprego no Estado de São Paulo, com base nas estatísticas oficiais. Na seqüência, para retratar o município onde se situa o objeto, busquei conhecer sua história e desenvolvimento, especialmente o setor calçadista que é prioritário na cidade de Birigüi. O segundo capítulo – Uma história construída no trabalhar – traz a história das fábricas comunitárias contada a partir do depoimento das pessoas que vivenciaram esta experiência. O terceiro capítulo – A dinâmica de produção da Marc’ellsse – traz a análise da Organização Produtiva da Marc’ellsse, fábrica comunitária priorizada neste estudo. A maior ênfase é dada ao seu sistema de gestão e à relação que estabelece internamente e com outros atores da região. O quarto capítulo – Trabalhador/empresário, empresário/trabalhador: uma reflexão sobre identidade – traz uma reflexão sobre a identidade híbrida destes sujeitos. Finalmente, nas Considerações finais estão algumas observações sobre o processo que, sem se pretenderem conclusões terminadas, esperam que este seja o início de um novo diálogo sobre estes empreendimentos. 3 O relatório desta oficina foi publicado em 2000, num volume intitulado Estratégias Locais para Redução da Pobreza – Construindo a Cidadania (Camarotti e Spink, 2000). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 Capítulo 1 TRABALHAR: BUSCA PERMANENTE DOS TRABALHADORES 14 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 15 O conteúdo deste capítulo objetiva situar o cenário no qual este estudo se desenvolve. Ainda que de forma breve, a contextualização aqui apresentada foi elaborada tomando por base duas óticas principais: de um lado a das Pastorais da Igreja Católica que têm iluminado os textos voltados para a preparação e capacitação da militância que se empenha na construção de uma sociedade mais justa e fraterna; de outro lado a situação de emprego e desemprego no Estado de São Paulo, vista a partir das estatísticas oficiais. E, ainda, para retratar o Município de Birigüi, onde o objeto de estudo está situado, busquei conhecer sua história e desenvolvimento, principalmente no que concerne ao seu perfil de pólo calçadista da região noroeste paulista. Mais do que a juntada de dados estatísticos e dos relatos da História oficial, construir esse cenário implicou um interagir com os diversos atores que de uma ou de outra maneira influenciaram esse processo. O papel da Igreja Católica é um elemento bastante significativo na construção do perfil das pessoas daquela região, e as ações socioeducativas que lá se desenvolveram deixaram sementes que têm germinado de diversos modos. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 16 Conforme evidenciará esta tese, desde seu surgimento, a experiência analisada tem sido fortemente marcada pelo ethos cristão. 1.1. Raízes significativas A descrição do contexto no qual se insere a experiência que está sendo estudada indica a necessidade de voltarmos ao passado recente de nosso país, nos detendo principalmente nas ações das classes e categorias sociais na luta pela conquista de direitos, bens e equipamentos, e pela luta contra injustiças sociais, discriminações ou atentados contra a dignidade humana. No governo de Vargas (1930/1945) a questão social tornou-se uma questão legal. Diz Vieira que foi neste período que “as camadas mais humildes da população brasileira tinham visto surgir a possibilidade de reclamar perante o Estado o cumprimento de seus direitos” (1985:19). Ainda que o populismo perdurasse por muito tempo, as alianças partidárias percebiam o impacto causado pela força dos trabalhadores que apresentavam reivindicações cada dia mais consistentes. Os governantes procuravam estabelecer relações diretas com estes trabalhadores para ouvi-los e para solicitar sua colaboração na busca de saídas. Vieira aponta que “o jogo político de Getúlio encontra um de seus fundamentos na dificuldade das massas populares constituírem uma classe, com certo grau de unidade e com aptidão para ficar responsável pelas tarefas governamentais” (1985:23). Ao ser empossado, em 1956, Juscelino Kubitschek propunha uma “mudança na rota de um país empenhado em transpor a barreira do subdesenvolvimento e ocupar, entre os povos do mundo, o lugar que lhe cabe em extensão, pelas suas riquezas, pelo valor de seus filhos” (apud Cardoso, 1977:80). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 17 A ideologia desenvolvimentista, que impregnava o continente latinoamericano, buscava equacionar o subdesenvolvimento pela via do crescimento econômico: Desenvolver-se significava atingir o modelo das sociedades desenvolvidas ou “sociedades modernas”. Para a explicação da passagem do “tradicional” ao “moderno”, faziam-se recorrências a um modelo e a uma ideologia de modernização, com os matizes e diferenciações que comportam. (Wanderley, 1998:22) O povo foi chamado a participar da construção desta nova sociedade desenvolvida e moderna – cinqüenta anos em cinco era o que propunha o governo JK. É nesse mesmo período que a irrupção do povo na cena política passa a ter algum poder de pressão. Há a exigência de novas políticas de controle social em substituição às velhas táticas coronelísticas de forte controle em nível local. Estudiosos do assunto apontam ser este um dos períodos mais ricos em mobilizações e propostas sociais.4 1.2. O protagonismo cristão Entre os anos 50 e 60, a Igreja Católica desenvolveu uma série de ações nos meios agrário, operário, secundarta e universitário com a finalidade de organizá-los para participar da vida societária e, conseqüentemente, da vida política nacional, à luz dos ensinamentos do Evangelho. 4 Dentre outros, é interessante conhecer as análises feitas por Wanderley (1980); Jacobi (1989); Boschi (1983); Cardoso (1983); Doimo (1984); Evers (1982, 1984); Gohn (1980, 1985, 1991); Moisés (1978 e 1982); Sader (1984, 1988), Scheren-Warren e Krischke (1987). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 18 Foi intensa a participação de estudantes na vida política nacional, no período de 1957 a 1964, tendo levado inclusive à redefinição de sua principal entidade, a UNE – União Nacional dos Estudantes – palco de intensas lutas políticas internas entre as alas esquerda e direita, estimuladas principalmente pela JUC – Juventude Universitária Católica. No período seguinte (1964/1974), sob o regime de ditadura militar, foi intensa a articulação de forças políticas que, operando na clandestinidade, desenvolviam ações violentas respaldadas na crença da necessidade da luta armada como a única forma de instalar uma nova sociedade no país. As massas populares sofriam forte arrocho salarial, mas se mantinham caladas pois havia o medo da perda do emprego e era extremamente perigoso se manifestar publicamente em virtude da forte repressão policial. Não havia vida políticosindical, a não ser de caráter assistencialista. O “sonho da casa própria” foi alimentado pela possibilidade da compra do lote nas periferias das cidades e o uso da autoconstrução familiar. Só na década de 1970 é que explodem as reivindicações, surgidas pela constatação de que os lotes eram clandestinos e que não era possível sobreviver nas casas construídas sem um mínimo de infraestrutura urbana. É importante salientar que, desde o tempo do Brasil Colônia, eram significativos a presença e o protagonismo de leigos na direção de cultos e na criação de formas organizativas da religiosidade popular dentro dos espaços institucionais que a Igreja oferecia. Ruiz (1997) menciona a tutela do Estado sobre a Igreja nesse período histórico – regime do padroado régio – apontando que os conflitos e a luta de interesses quando da necessidade de indicação de um novo bispo fazia com que as dioceses ficassem vacantes durante muito tempo, o que aliado à grande extensão territorial de cada diocese dificultava a organização da estrutura clerical, potencializando a ações de leigos nesses espaços. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 19 Na década de 1970, a Igreja Católica faz uma inflexão e explicita sua opção preferencial pelos pobres, buscando melhorar as condições de existência na vida cotidiana dos setores populares. A partir desta orientação florescem diversas experiências comunitárias que estão na origem das Comunidades Eclesiais de Base, CEBs. Nas CEBs, os pobres descobrem um novo modo de ser Igreja e vão apontando caminhos para um viver solidário que é alimentado por uma fé comprometida com a justiça. O Concílio Vaticano II, o Congresso de Medellin [1968] e a Conferência de Puebla [1978] são marcos referenciais desta nova Teologia da Libertação, de origem latino-americana. Nessa mesma época torna-se visível a confluência da religiosidade popular com os movimentos sociais e populares, que identificamos como Comunidades Eclesiais de Base. Ao estudar a construção do imaginário nas CEBs, Ruiz (1997:24) opta pelas categorias gênese e genealogia, contrapondo-as à categoria de surgimento.5 O imaginário das CEBs não vai limitar seus objetivos a uma atuação interna na Igreja, mas vai pretender, também, construir um imaginário que seja alternativa de ação na sociedade, com propostas próprias ou integradas nos movimentos populares. (Ruiz, 1997:30) Nas CEBs, incorporam-se os símbolos tradicionais da religiosidade e da cultura, porém com significados modificados, buscando uma travessia de uma consciência ingênua para uma consciência crítica da realidade. Se a primeira mantinha as pessoas alienadas da realidade social e domesticadas ao poder dominante, esta segunda vai procurar imprimir uma dimensão transformadora 5 Surgimento transmite uma noção de imediatismo, algo que pode ser localizado pontualmente no espaço e no tempo. Gênese indica um processo e que, como tal, não é facilmente manipulado em nossas categorias de espaço e tempo. A categoria da genealogia se opõe à causalidade linear. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 20 dessa realidade injusta e opressora, projetando a possibilidade de uma utopia social e histórica que questiona o status quo presente. Essa mudança de significações levará à construção de uma nova práxis na medida em que motiva e orienta o agir. Compromisso com a justiça e esperança que empurra para a libertação tudo aquilo que oprime o povo: este foi o sentido, para a Igreja do Brasil, das novas diretrizes. Segundo Beozzo (1994:11) permitiu-se que novas formas de eclesialidade fossem sendo tecidas no chão da Igreja: eis o advento das CEBs. A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em documento aprovado em 1982, afirmava: “As Comunidades Eclesiais de Base constituem hoje, em nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja...” (CNBB, 1986). Segundo Souza, foi no Brasil que começou a concretizar-se a teologia da libertação. Para afirmar isso, este autor conta que Gustavo Gutierrez, teólogo peruano e um dos precursores da Teologia da Libertação, expressou repetidas vezes que: foi no Brasil [...] no início dos anos 60 que muitas das intuições do que constituiria mais tarde a teologia da libertação latinoamericana começaram a concretizar-se num lento processo ligado a uma prática e, sobretudo, a uma prática política. (apud Souza, 1984:9) Este tema é bastante complexo e impossível de ser reconstituído em poucos parágrafos. Há uma vasta e extensa bibliografia e um tratamento aprofundado extrapola os objetivos deste trabalho. No entanto, é importante frisar que foi a partir do fortalecimento do papel do leigo na Igreja que começaram a ser construídos caminhos de emancipação que irão extrapolar o espaço eclesial e expandir-se para o mundo. No Brasil, a TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 21 Ação Católica (ACB) suscitou que leigos assumissem responsabilidade e voz ativa. Este foi o ponto de partida para a consolidação de movimentos de juventude (JEC – Juventude Estudantil Católica; JUC – Juventude Universitária Católica; JOC – Juventude Operária Católica). Além disso, sua ação social é orientada por uma definição clara: As CEBs ampliarão [...] a visão de classe social para além dos elementos puramente econômicos, definindo sua opção de ação social pela categoria dos “pobres”. Esta categoria do “pobre” inclui não só o lugar ocupado nas relações de produção, mas se amplia a outras variáveis como marginalizados sociais, culturas oprimidas, etnias dominadas, relações de gênero, mulher marginalizada, crianças abandonadas, etc. (Ruiz, 1997:43) As CEBS, inspiradas na Teologia da Libertação, foram construindo uma visão dialética da sociedade, com base em reflexões sobre as contradições que provocam a pobreza, a marginalização e miséria, a partir da lógica marxista. Richard, analisando a Igreja latino-americana da época, afirma que “a razão da contradição principal, no atual confronto teológico, reside na dialética: OPRESSÃOLIBERTAÇÃO. Esta contradição abrange fundamentalmente o nível econômico, como também o nível político, cultural e teológico” (1982:14). A ACB tinha como estratégia atingir minorias conscientizadas que atuariam como fermento na massa social. Já as CEBs, mais do que na formação de quadros, investem na formação de lideranças populares por entenderem que a própria massa popular é o sujeito da ação. É a busca da participação do povo para o crescimento dos grupos em número de pessoas e em participação. Os grupos assim constituídos estariam assumindo a luta pela justiça social, contra a miséria, pela erradicação da fome e do analfabetismo, etc. Trata-se de um esforço concentrado na busca de melhores condições de vida que passa por TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 22 melhorias habitacionais e o atendimento a outras necessidades. Segundo Santa Ana (1985:106) do ponto de vista cristão, o processo de libertação dura a vida toda. O objetivo último da luta contra a pobreza é criar a sociedade humana sem opressores nem oprimidos, onde todos se esforçam para ser verdadeiramente humanos. Santa Ana continua a reflexão apontando três níveis nos quais os esforços precisam ser envidados na busca da construção dessa sociedade justa, inclusiva, participativa e sustentável. No nível dos valores, é preciso superar os modelos vigentes de economia e sociedade, e fortalecer a busca da comunidade como lugar de partilha e solidariedade com os mais fracos e de responsabilidade social com a coletividade. No nível das instituições, o desejo emancipatório leva a priorizar o esforço pela igualdade econômica e social, construindo-se canais de participação que levam à identificação com as necessidades dos mais pobres e à solidariedade como précondição para a elaboração de políticas voltadas para a eqüidade. O resultante do cruzamento destas duas prerrogativas é a construção de sistemas sociais nos quais a lei não precisa ser mais o jogo do mercado, mas um imperativo de autoconfiança. Sistema nascido da ação popular e onde o destino dos pobres não seja mais a opressão, mas a libertação. Na discussão sobre a identidade dos trabalhadores sujeitos desta pesquisa (Capítulo 4), estas reflexões serão retomadas, pois são constituintes da experiência em análise. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 23 1.3. O universo do emprego Para conhecer o contexto de emprego no Estado de São Paulo, é preciso cuidado especial com conceito de desemprego, pois tal conceito foi cunhado em países desenvolvidos onde o mercado de trabalho é bem estruturado e as pessoas estão claramente empregadas ou desempregadas. No Brasil, os vínculos empregatícios são frágeis e inexistem esquemas consistentes de proteção social que permitam às pessoas sobreviver durante os períodos de desemprego. As primeiras fontes consultadas traçam a evolução da População Economicamente Ativa – PEA no marco de três universos: o Estado de São Paulo como um todo, sua Região Metropolitana (RMSP) e o Interior do Estado. Dentre elas, destacam-se a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo IBGE, e a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pela Fundação Seade e Dieese. Cruzamentos quanto a faixa etária, gênero, raça e escolaridade serão priorizados no entendimento de que estes enfoques são fundamentais ao equacionamento do tema desta pesquisa. No que se refere aos dados relativos ao desemprego, há controvérsias em relação aos números apresentados por um e outro instituto, e elas se originam das metodologias utilizadas. A PNAD, realizada pelo IBGE, considera como População Economicamente Ativa, na semana em referência, todas as pessoas de 10 anos e mais que, no período, tinham vínculo de trabalho (pessoas ocupadas) ou estavam dispostas a trabalhar, tendo, para isso, tomado alguma providência efetiva. As pessoas que não tinham trabalho e nem tomaram qualquer providência, na semana em referência, para consegui-lo, foram classificadas como não-economicamente ativas.(Fundação Seade, 1991:495) TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 24 O limite de uma semana para uma pesquisa de mão de obra, principalmente nas condições do mercado brasileiro, é preocupante, e mais ainda pelo fato de esta semana ser variável ao longo dos anos. A amostra da PNAD no Estado de São Paulo e sua Região Metropolitana é de 1/800 e vem sendo modificada (ampliada ou reduzida) através dos anos (em 1986, voltou a ter o tamanho de 1976). A fração da amostragem no Estado de São Paulo já foi de 1/400. Especialistas consideram que a redução de 1/400 para 1/800 pode comprometer a precisão das estimativas. Sobre a PED, o Anuário estatístico do Estado de São Paulo - 1990 traz as seguintes definições: A Pesquisa de Emprego e Desemprego na Grande São Paulo (PED) considera como População Economicamente Ativa todas as pessoas de 10 anos ou mais que se encontram ocupadas ou desempregadas. São ocupadas as pessoas que: a) possuem trabalho remunerado, exercido de forma regular, independentemente de haver procura de trabalho; b) têm trabalho remunerado, exercido de forma irregular, sem procura de trabalho; c) têm trabalho não-remunerado de ajuda em negócios de parentes ou remunerados em espécie/benefício, sem procura de trabalho; d) não são consideradas ocupadas as pessoas que, de forma excepcional, exerceram algum trabalho nos últimos 30 dias. Consideram-se desempregadas as pessoas que se encontram numa destas três situações: TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 25 a) desemprego aberto – procuraram trabalho de forma efetiva, nos trinta dias que antecederam a entrevista, e não exerceram nenhuma ocupação nos últimos sete dias; b) desemprego oculto pelo trabalho precário – realizaram, de forma irregular, algum trabalho e, efetivamente, procuraram trabalho nos últimos trinta dias; c) desemprego oculto pelo desalento – não possuem trabalho e nem o procuraram nos últimos trinta dias, por desestímulos do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, havendo, entretanto, procurado nos últimos doze meses.(Fundação Seade, 1991) Importante observar que o segmento crescente formado pela população que mora na rua não é computado numa ou noutra amostra, na medida em que sobrevivem de bicos sem pressionar o mercado de trabalho. A amostra da PED é de 10.000 pessoas por mês e a metodologia e conceitos utilizados atendem a recomendações internacionais, seguindo critérios da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atente-se que em países como Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Espanha, Chile e Costa Rica a taxa de desemprego aberto é calculada para o período de referência de 30 dias. Diante da controvérsia sobre os números do desemprego, a Fundação Seade esclareceu que O desemprego oculto é subdividido em desemprego oculto pelo desalento (medida acolhida pela OIT) e desemprego oculto pelo trabalho precário, inovação introduzida pela PED e, portanto, não comparável internacionalmente.6 6 A propósito, consultar a última revisão de 4/12/97: URL: http://www.seade.gov.br/ped/declara.html. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 26 Na construção deste capítulo, utilizo informações estatísticas de diversas fontes. Uma das mais significativas é a Pesquisa Emprego e Desemprego, que vem sendo construída pela Fundação Seade. Os dados estatísticos sobre o Município de Birigüi foram extraídos do documento “Subsídios para a Elaboração do Diagnóstico Municipal” preparado pela Comissão Estadual de Emprego de São Paulo (CETE-SP, 1997). 1.3.1. A segunda metade do século XX No período de 1950 a 1980 o Brasil foi um país que experimentou um crescimento e uma transformação econômica sem par. A mudança do perfil econômico rural – com forte concentração populacional no campo – para o urbano toma impulso em meados dos anos 50 quando se introduzem novos ramos industriais voltados para a produção de bens de capital, insumos básicos e bens de consumo duráveis. Esse desempenho, considerado altamente favorável, entra em colapso na década de 1980 em virtude do pesado endividamento externo acumulado na década de 1970: inicia-se um período de crise e estagnação. Entre 1950 e 1980 o PIB7 brasileiro multiplicou-se por dez e a renda per capita por quatro: o processo de expansão e modernização, impulsionados pelo Estado, traduziu-se numa taxa de crescimento médio do PIB da ordem de 7,4% ao ano (Oliveira, 1993). No início dos anos 80 há o esgotamento do padrão de crescimento e uma dívida externa no valor de ¼ do PIB nacional, além de uma inflação que parecia incontrolável. Década perdida foi a denominação usada para definir esse período com forte descontinuidade na condução da política econômica, com redução de investimentos, bruscas oscilações nas taxas de inflação e atraso tecnológico no 7 PIB = Produto Interno Bruto é o correspondente ao total de bens e serviços produzidos no país. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 27 setor industrial, além de uma forte dependência do exterior no que se refere a inovações. Nesse mesmo período, o PIB nacional caiu para uma taxa anual de apenas 1,5%, e o PIB per capita de US$ 3.000 passou a US$ 2.856, tendo se acirrado ainda mais as disparidades regionais (Oliveira, 1993). Importante salientar a mudança no padrão de produtividade8 que ocorre a partir de 1991, com expressivo crescimento se a compararmos com a década de 1980. Naquela década, havia variação no emprego ao mesmo tempo em que variava o nível de atividade industrial. Na década de 1990, há uma redução acentuada no emprego enquanto a produção se mantém: isso se deve à queda do emprego na indústria e à perda da capacidade de gerar empregos no setor manufatureiro. Os setores de transporte, mecânica, papel e papelão, alimentação e química mantêm ganhos de produtividade por estarem em crescimento ou terem estabilidade em seu nível de atividade. A perda de empregos é menor do que a média verificada nas indústrias de transformação. Os setores têxtil, de material elétrico e de comunicações têm sua produtividade acoplada a uma queda acentuada do nível de emprego que é maior do que a média das indústrias de transformação, uma vez que a produtividade está intimamente relacionada com a estagnação do seu nível de atividade. Em situações como estas, a queda de investimentos tem sido compensada pela reestruturação que gera uma maior eficiência no uso de sua capacidade 8 A noção de Produtividade é vista de diferenciadas formas: igual ao produto dividido por um de seus elementos de produção (OCDE); a integração de quatro elementos principais: terra, capital, trabalho, organização, e sua medida é a proporção destes elementos na produção (OIT); maximizar cientificamente o uso de recursos (Centro de Produtividade do Japão). Para uma reflexão mais aprofundada, ver Fundação Seade (1995b). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 28 instalada. Modernização e racionalização estão condicionadas à automação flexível e à adoção de novas técnicas gerenciais. Há necessidade de atenção para o fato de que tal processo tem um limite que, esgotado, exigirá a retomada dos investimentos e a difusão de novas tecnologias para se alcançar novamente o crescimento da produtividade. A maior fraqueza é nosso atraso tecnológico. Uma Trajetória de Perdas Estudos sobre o desemprego no Brasil apontam uma redução de mais de dois milhões de postos de trabalho entre os anos de 1990 e 1997. Além disso, pioram a qualidade do emprego e as relações de trabalho. O trabalho informal e as situações esdrúxulas dos assalariados sem carteira crescem a cada dia. Nos anos 90, de cada 10 empregos criados, oito eram não assalariados, enquanto na década anterior, de dez empregos, oito eram assalariados. Segundo Pochmann (1999), o mercado de trabalho no Brasil está se desestruturando antes mesmo de atingir a maioridade como nos países desenvolvidos. A População Economicamente Ativa cresceu 6,8%, entre 1990 e 1996. Os registros em carteira, no mesmo período, caíram em 9,5%, tendo crescido em 39,1% o número de trabalhadores sem carteira. Os autônomos cresceram 18,9% no mesmo período e estão espalhados por todo o país. Praticamente todos os estados apresentam redução no número de postos de trabalho de melhor qualidade. O desemprego não pode mais ser visto como um fenômeno isolado que só ocorre nas regiões mais industrializadas, nem está restrito às capitais. Ele está TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo presente em áreas geográficas distintas Capítulo 1 e com diferentes graus 29 de desenvolvimento. A PEA em 1996 era da ordem de 70 milhões, 16,5% a mais do que aquela existente no início da década. No entanto, a população efetivamente ocupada aumentou apenas 11,4% no mesmo período o que levou o contingente de desempregados a crescer em 179,1%. São 7,3 milhões. Nos anos 90 chegaram ao mercado de trabalho 1,417 milhões de pessoas por ano, e no entanto os empregos criados anualmente foram 951,4 milhões. Em virtude disso, o desemprego atingiu 465,7 mil pessoas por ano. A situação encontrada no Estado de São Paulo não difere muito desta realidade nacional. Crescimento e pobreza, pujança e miséria são faces da mesma moeda, apontando que o crescimento econômico acelerado e a mobilização vertical que o acompanhou não contribuíram para o equacionamento da pobreza e no mesmo período ampliaram-se os segmentos de população submetidos a situações inadequadas de sobrevivência. 1.3.2. O Estado de São Paulo na década de 1990 Com 247.898 km2, o Estado de São Paulo compreende 3% do território brasileiro, mas é responsável por uma parcela considerável do PIB nacional9. A população economicamente ativa localizada em suas terras é de 16.491.029 o que significa que o estado acolhe 22,6% da PEA nacional, da qual 48% estão na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). A década de 1990 iniciou-se com retração que ocasionou o crescimento do desemprego e a diminuição dos rendimentos reais. Apenas em 1993 esse 9 39% do PIB nacional em 1995; e 49% do PIB industrial no mesmo ano. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 30 movimento foi interrompido: nesse ano houve um comportamento positivo mas com variações inexpressivas na maioria dos indicadores relevantes. O melhor desempenho é o do setor de serviços. A indústria ampliou significativamente sua produção, mas continuou a reduzir sua participação nos postos de trabalho. Um dos aspectos, em relação ao ano de 1993, foi a incapacidade da indústria em gerar novos postos de trabalho mesmo tendo apresentado crescimento. As explicações apontam a expansão das jornadas de trabalho no setor e a racionalização das atividades. No mesmo período, o setor de comércio e serviços apresentou aumento nos postos de trabalho; constata-se, no entanto, que os postos gerados são de pior qualidade do que aqueles suprimidos pelo setor industrial. Além da redução de postos na indústria, houve uma redução na participação dos assalariados com carteira assinada, ampliando-se o peso dos assalariados sem carteira e dos autônomos no comércio e nos serviços. Em 1994, o mercado de trabalho continuou em linha ascendente. Ressaltese, no entanto, o comportamento bastante desigual dos indicadores: no primeiro semestre os índices não foram favoráveis à retomada das atividades, só a partir de meados do ano é que houve uma melhoria nos indicadores do mercado de trabalho. O pequeno aumento da ocupação, aliado a uma menor inserção de pessoas no mercado de trabalho contribuiu para a redução, ainda que pequena, da taxa de desemprego na RMSP ( índices Seade/Dieese apontam 14,6% da PEA, em 1993 e 14,2% em 1994). No ano de 1996, o PIB Paulista cresceu 2,4% em relação a 1995. Nos vários setores de atividade o percentual do PIB do Estado de São Paulo é significativo em relação ao PIB Nacional, conforme se pode ver na Tabela 1.1. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 31 Tabela 1.1 Participação do PIB Paulista no PIB Nacional em termos reais por setor de atividade econômica Estado de São Paulo – 1990/1995 Ano 1990 1991 1992 1993 1994 1995 Agropecuária 15,42 15,48 14,75 14,91 14,34 14,24 Indústria 41,57 41,54 41,49 41,33 42,06 41,37 em porcentagem Serviços Total 33,05 34,41 35,38 35,49 33,90 34,42 32,60 32,62 38,03 36,30 37,82 36,24 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996). Nos últimos anos tem havido uma mudança estrutural no mercado mundial que se reflete diretamente na economia brasileira, com impacto no nível de empregos. O terciário se sobressai nesse movimento tornando-se o setor mais importante sob o aspecto da geração de renda e empregos. Em 1996 o setor de serviços foi responsável por 55% do PIB Paulista, e segundo o Banco Central, “assumiu a liderança na captação de investimentos diretos em moeda estrangeira no Brasil, deixando para trás a indústria de transformação” (Fundação Seade, 1997a, introdução). No Estado de São Paulo, a População em Idade Ativa (PIA)10, que no início da década era de 25.813.511, em 1996 perfaz 27.772.432 podendo-se verificar um aumento da força de trabalho feminina, que de 35,73% em 1990 passou a 39,44% em 1996. Na RMSP a força de trabalho feminina tem correspondido a aproximadamente 40% do total de ocupados, com ligeiras oscilações, conforme evidencia a Tabela 1.2. Atente-se que, na década de 1970, o percentual de mulheres no mercado de trabalho era da ordem de 30%. Na década de 1980 houve um crescimento visto por alguns estudiosos como conseqüência das 10 A PIA é aquela de 15 anos ou mais, ocupada, desempregada e inativa. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 32 condições propícias à absorção de trabalho feminino.11 Desde então, tem estado mais ou menos independente das flutuações relativas aos ciclos econômicos. Tabela 1.2 Distribuição dos Ocupados, segundo o sexo Região Metropolitana de São Paulo – 1990/1996 em porcentagem Ano Homens Mulheres Total 1990 61,5 38,5 100,0 1991 60,0 40,0 100,0 1992 59,9 40,1 100,0 1993 59,3 40,7 100,0 1994 59,8 40,2 100,0 1995 59,2 40,8 100,0 1996 58,5 41,5 100,0 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996). Na verdade, na maioria dos países vêm se verificando profundas alterações nas condições de funcionamento do mercado de trabalho, havendo hoje, em nível internacional, um intenso debate sobre o significado e o alcance das transformações no mundo do trabalho: deterioram-se as condições de trabalho e aumentam as taxas de desemprego, em especial nos países europeus mas também nos Estados Unidos. Estudiosos chamam a atenção para a deterioração da qualidade dos postos gerados e da distribuição de renda. Por outro lado, apontam um crescimento da participação das mulheres no mundo do trabalho, fenômeno que está ocorrendo nas principais cidades do mundo. Encontramos hoje mulheres ocupando postos que, até tempos atrás, eram monopolizados por homens. O número de empregados com carteira assinada no Estado de São Paulo (Tabela 1.3) diminuiu entre os anos 1990 e 1992, tendo um crescimento entre 11 Costa (1994: 19 ) aponta que “Árias e Cordeiro, com base na Rais, constataram que quatro de cada cinco empregos gerados no Brasil no setor formal, no período de 1981 a 1988 foram preenchidos por mulheres (Árias e Cordeiro, 1990, p. 11)”. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 33 1993 e 1995 e voltando a cair em 1996, ocasião em que alcançou um número inferior a 92% do contingente empregado no início da década. Tabela 1.3 Número estimado de empregados com carteira assinada Estado de São Paulo, Região Metropolitana e Município de São Paulo 1990/1996 Ano Estado de São Paulo Região Metropolitana de São Paulo 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 7.868.712 7.768.102 7.708.737 7.756.288 7.796.130 8.186.215 7.177.023 4.673.155 4.577.201 4.504.257 4.481.454 4.392.920 4.648.096 4.056.935 Município de São Paulo 3.316.996 3.263.413 3.219.017 3.201.180 3.075.659 3.258.277 2.782.045 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996), Ministério do Trabalho (Lei 4923/65). Os números do município de São Paulo são ainda mais alarmantes pois há uma queda constante ano após ano, sendo o número de empregados de 1996 correspondente a menos de 84% dos empregados com carteira assinada no início da década. Na Região Metropolitana há queda dos números até 1994, uma reação em 1995 e nova queda em 1996. Ao longo da década de 1990, manteve-se a taxa de participação12 (Tabela 1.4). O crescimento de 1,6 pontos percentuais entre 1990 e 1996 pode ser visto como variação aleatória tendo em vista tratar-se de uma coleta amostral. No ano de 1994 houve uma pequena retração (0,7%) que foi recuperada em 1995. Nesta década, a PEA situada na RMSP cresceu em quase dois milhões e não houve o crescimento correspondente em postos de trabalho. A Tabela 1.5 aponta 12 Taxa de participação é o percentual da população em idade de trabalhar que está, de fato, no mercado de trabalho, trabalhando, temporariamente ausente ou procurando trabalho. A definição de qual a faixa de idade que estas taxas de participação vão considerar é feita por cada país. No caso brasileiro, considera-se a faixa de idade que vai dos 10 aos 65 anos, apesar de a legislação definir que apenas aos 14 anos o jovem deveria estar inserido no mercado de trabalho. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 34 que neste mesmo período foi reduzido o percentual de ocupados que passou de 54,0% no início da década para 52,5% em 1996. Tabela 1.4 Distribuição da População em Idade Ativa (PIA), segundo a Condição de Atividade Região Metropolitana de São Paulo – 1990/1996 Condição de Atividade TOTAL População Economicamente Ativa Ocupados Desempregados Inativos 1990 100,0 60,2 54,0 6,2 39,8 1991 100,0 61,3 54,1 7,2 38,7 1992 100,0 61,5 52,1 9,4 38,5 1993 100,0 61,4 52,5 9,0 38,6 1994 100,0 60,7 52,1 8,6 39,3 em porcentagem 1995 1996 100,0 100,0 61,1 61,8 53,0 52,5 8,1 9,3 38,9 38,2 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996), Secretaria de Economia e Planejamento: SEP/ Pesquisa de Emprego e Desemprego. Na mesma tabela pode-se perceber o aumento do contingente de desempregados que no início da década era da 6,2% e em 1996 já aponta 9,3%, significando um aumento da ordem de 50% no contingente de desempregados. Gráfico 1.1 Distribuição da População em Idade Ativa, segundo a condição de atividade RMSP/1996 Inativos 38% Ocupados 53% Desempregados 9% Fonte: Fundação Seade (1997a). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 35 O Gráfico 1.1, com dados correspondentes à última coluna da Tabela 1.5, permite visualizar a PEA da RMSP em 1996 e sua distribuição entre ocupados, desempregados e inativos. Perfil dos Ocupados Podemos visualizar, no Gráfico 1.2, o perfil dos ocupados no Estado de São Paulo, em 1996. Na distribuição dos ocupados, pode-se perceber que o setor que acolhe uma maior porcentagem de trabalhadores é o de serviços (45,5%), seguido da indústria de transformação (28%) e do comércio (14,8%). A agricultura ocupava 8,6% dos trabalhadores. Gráfico 1.2 Distribuição dos ocupados por setor de atividade Estado de São Paulo – 1996 50 45,5 40 28 30 20 14,8 8,6 10 3,1 0 Serviços Indústria Comércio Agricultura Outros Fonte: Fundação Seade (1997a). Na Tabela 1.5, os dados relativos à distribuição dos ocupados por setor de atividade são apresentados de modo mais detalhado, ficando evidenciados a participação significativa da prestação de serviços (21,7%) e ainda da indústria de transformação (20,3%). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 36 Tabela 1.5 Distribuição dos ocupados por setor de atividade Estado de São Paulo – 1996 SETORES Serviços Prestação de Serviços Serviços Auxiliares de Atividade Econômica Transporte e Comunicação Social Administração Pública * Indústria Indústria de Transformação Construção civil Outras Atividades Industriais Comércio Agricultura Outras Atividades TOTAL Números Absolutos 6.845.375 3.262.217 768.673 702.266 1.477.129 635.090 4.218.444 3.050.979 1.028.665 138.800 2.235.439 1.291.055 457.108 15.047.421 Números Relativos (%) 45,5 21,7 5,1 4,7 9,8 4,2 28,0 20,3 6,8 0,9 14,8 8,6 3,1 100,0 Fonte: Retrato do Mercado de Trabalho Paulista (PNAD/IBGE). * inclui apenas estatutários e militares. Sabendo-se que as relações de trabalho no comércio e nos serviços são mais frágeis, é preocupante o aumento constante do percentual correspondente a estes setores. Na RMSP, o setor terciário (comércio mais serviços) respondeu por 63,8% em 1994; 64,6% em 1995 e 65,8% em 1996, notando-se que são setores em expansão no que se refere à sua posição na economia do Estado (Tabela 1.6). Tabela 1.6 Distribuição dos ocupados, segundo o setor de atividade econômica Região Metropolitana de São Paulo – 1990/1996 Setor de Atividade Indústria de Transformação Construção Civil Comércio Serviços Serviços Domésticos Outros TOTAL 1990 31,2 3,4 16,0 42,5 6,0 0,9 100,0 1991 28,3 2,9 16,3 44,9 6,9 0,7 100,0 1992 26,4 3,3 16,3 46,0 7,3 0,7 100,0 1993 25,2 2,9 16,3 47,7 7,1 0,6 100,0 1994 25,3 3,0 16,9 46,9 7,2 0,6 100,0 1995 24,7 2,6 17,0 47,6 7,6 0,6 100,0 em porcentagem 1996 22,6 3,0 17,2 48,6 8,1 0,6 100,0 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996), Secretaria de Economia e Planejamento: SEP (Convênio Seade/Dieese; PED). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 37 Houve crescimento da produção física na Indústria, sem que isso tenha propiciado um aumento correspondente na geração de postos de trabalho, muito pelo contrário, entre 1990 e 1996 reduziram-se em 27,56% (de 31,2% passou para 22,6%) os postos de trabalho na indústria. Nesse processo evaporaram 2.100.000 postos de trabalho, dos quais mais de um milhão eram do setor industrial. Na verdade, desde o início da década de 1980 o crescimento industrial e o conseqüente uso da capacidade instalada tem funcionado como uma sanfona: de 1981 a 1983 decresceu, crescendo de 1984 a 1986; ficando estagnado de 1987 a 1989. Voltou a decrescer de 1991 a 1992 e cresceu novamente de 1993 a 1995. Observe-se que este último crescimento (1993/1995) não gerou novos postos de trabalho (regulares) na medida em que “as empresas opta(ra)m por ajustes de sobrevivência que, em geral, representam a transferência do maior peso dos custos para os trabalhadores e o Estado” (Singer, 1996a:137). Gráfico 1.3 Distribuição da PIA, segundo a condição de atividade Estado de São Paulo – 1990/1996 60 50 40 Indústria de Transformação 30 Construção Civil Comércio 20 Serviços Serviços Domésticos 10 Outros 0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 38 Por outro lado, comparando-se os índices médios anuais do total de pessoal ocupado (Tabela 1.7) comprova-se o quanto esta queda é significativa: a TPO caiu de 103,3 em 1990 para 75,4 em 1996, tomando-se como base 100 o ano de 1978. O mesmo quadro aponta que as horas trabalhadas também se reduziram de 94,9 em 1990 para 71,3 em 1996 - dados da FIESP. Tabela 1.7 Índices médios anuais do total do pessoal ocupado (TPO) e das horas trabalhadas na produção (HTP) Estado de São Paulo – 1990/1996 TPO HTP 1990 103,3 94,9 1991 95,2 85,2 1992 89,1 80,0 1993 85,8 80,4 1994 83,8 79,5 [1978 = 100] 1995 1996 82,5 75,4 78,8 71,3 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Distribuição dos desempregados Quando visualizamos o setor de atividade de onde saíram os maiores contingentes de desempregados (Tabela 1.8) verificamos índices crescentes nos diversos setores desde o início da década até o ano de 1996. Os 5 pontos percentuais que foram acrescidos no índice de desemprego total nesses 6 anos se distribuem nos diversos setores com certa semelhança. Quanto à relação entre tipo de desemprego e sexo (Tabela 1.9), podemos observar que, na Região Metropolitana de São Paulo, no desemprego aberto cresceu mais o contingente feminino (9,1% para 12,5%) que o masculino (6,3% para 8,1%). No desemprego oculto, os dois gêneros tiveram comportamentos semelhantes (3,0% para 4,7% e 2,9% para 5,4%). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 39 Tabela 1.8 Distribuição dos desempregados em relação ao setor de atividade do último trabalho Região Metropolitana de São Paulo – 1990/1996 Setor de Atividade TOTAL Indústria de Transformação Comércio Serviços 1990 10,6 11,5 14,7 8,1 1991 12,5 14,2 16,1 9,7 1992 16,0 18,0 20,6 12,7 1993 14,6 16,5 19,3 11,4 em 1994 14,9 16,2 19,7 12,1 porcentagem 1995 1996 13,9 15,9 14,6 17,4 17,9 21,0 11,7 13,2 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996), Secretaria da Economia e Planejamento: SEP (Convênio SEADE/DIEESE). Exclui empregados domésticos. No Município de São Paulo, assim como nos municípios da região metropolitana encontramos comportamento semelhante, o que alerta mais uma vez para a necessidade de uma preocupação com gênero quando se equaciona a situação emprego/desemprego: Estudos efetuados no Brasil e no exterior demonstram que o uso mais freqüente de relações laborais baseadas na contratação de trabalhadores por tempo determinado, com jornada parcial de trabalho e que exercem suas atividades no próprio domicílio atinge predominantemente as mulheres. Se isto amplia as possibilidades de inserção feminina, permitindo a combinação de suas atividades domésticas com as do mundo do trabalho, contribui também para que sua inserção se dê em condições precárias e inseguras, geralmente levando à intensificação da carga de trabalho, à redução da remuneração e à perda da proteção oferecida pela legislação” (Fundação Seade, 1998:1) Atente-se para o fato de nem todas as mulheres exercerem trabalhos informais e em jornada parcial. Não se pode negar que nos últimos anos tem TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 40 havido uma maior inserção feminina no mundo do trabalho em geral, inclusive em postos tradicionalmente ocupados pelos homens. Em todo esse período (1990 a 1996) manteve-se uma tendência de aumento da participação informal, ou seja, daquela que não é regulamentada e é sempre mais precária. Tabela 1.9 Taxa de Desemprego, em relação à respectiva PEA, segundo tipo de desemprego e o sexo Região Metropolitana de São Paulo, Município de São Paulo e demais Municípios da Região Metropolitana – 1990/1996 Tipo de Desemprego e sexo 1990 em porcentagem 1995 1996 1991 1992 1993 1994 10,3 9,1 12,1 7,4 6,3 9,1 2,9 2,9 3,0 11,7 10,8 13,0 7,9 6,8 9,6 3,7 4,0 3,4 15,2 13,9 17,1 9,2 7,7 11,5 6,0 6,2 5,5 14,6 13,4 16,3 8,6 7,1 10,9 6,0 6,3 5,4 14,2 12,7 16,4 8,9 7,4 11,2 5,3 5,3 5,2 13,2 11,8 15,3 9,0 7,4 11,3 4,2 4,4 3,9 15,1 13,5 17,2 10,0 8,1 12,5 5,1 5,4 4,7 9,7 8,6 11,4 10,8 9,7 12,2 14,2 13,2 15,7 13,4 12,5 14,7 13,1 11,6 15,2 12,4 11,3 13,9 14,0 12,6 15,9 16,1 14,5 18,7 14,7 12,6 17,9 17,0 15,1 19,8 REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO Desemprego Total Homens Mulheres Desemprego Aberto (*) Homens Mulheres Desemprego Oculto Homens Mulheres MUNICÍPIO DE SÃO PAULO Desemprego Total Homens Mulheres DEMAIS MUNICÍPIOS DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO Desemprego Total Homens Mulheres 11,4 10,1 13,6 13,4 12,6 14,8 17,1 15,3 19,9 16,8 15,1 19,4 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996). (*) Os dados não comportam a desagregação por município e região metropolitana. Para analisarmos os vários tipos de desemprego e a inserção das pessoas é fundamental considerarmos uma outra variável: os grupos de idade. A Tabela 1.10 traz dados relativos à Região Metropolitana de São Paulo, apontando que o maior contingente de desempregados é jovem, com idades inferiores a 17 anos, e que TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 41 estes jovens se colocam tanto no contingente de desemprego aberto como no oculto. Tabela 1.10 Taxa de desemprego em relação à PEA, segundo tipo de desemprego e grupo de idade Região Metropolitana de São Paulo – 1990/1996 1990 1991 1992 TOTAL 10,3 11,7 15,2 10 a 14 anos 28,3 28,6 38,7 15 a 17 anos 28,3 28,6 38,7 18 a 24 anos 14,4 16,0 20,8 25 a 39 anos 7,7 9,3 12,0 40 anos e mais 4,6 6,2 8,1 DESEMPREGO ABERTO 7,4 7,9 9,2 10 a 14 anos 21,7 22,5 27,3 15 a 17 anos 21,7 22,5 27,3 18 a 24 anos 10,7 11,4 13,5 25 a 39 anos 5,1 5,7 6,4 40 anos e mais 3,0 3,6 4,3 DESEMPREGO OCULTO 2,9 3,7 6,0 10 a 17 anos 6,6 6,1 11,4 18 a 24 anos 3,7 4,6 7,3 25 a 39 anos 2,6 3,5 5,5 40 anos e mais 1,6 2,6 3,8 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, em porcentagem 1993 1994 1995 1996 14,6 14,2 13,2 15,1 42,2 42,9 42,6 44,3 38,1 38,0 32,7 38,7 20,1 20,1 19,1 21,0 11,4 11,0 10,1 11,9 7,3 6,9 6,9 8,3 8,6 8,9 9,0 10,0 31,4 33,1 34,9 32,5 26,0 26,5 24,9 29,8 12,5 13,6 13,8 14,8 6,0 6,2 6,3 7,2 3,6 3,7 3,9 4,7 6,0 5,3 4,2 5,1 11,7 11,1 7,8 9,6 7,6 6,5 5,2 6,1 5,4 4,8 3,8 4,8 3,7 3,2 3,0 3,6 1995a, 1996). A Tabela 1.11 traz a distribuição de desempregados segundo o grau de instrução, o que provoca uma reflexão relativa ao estoque educacional no Estado. Segundo dados da Fundação Seade (1997a:2), “pouco mais de um terço dos ocupados da RMSP havia concluído pelo menos o 2o. grau, percentual superior ao de todos os demais anos da década de 90. 46% dos ocupados não tinha chegado a concluir o 1o. grau”. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 42 Tabela 1.11 Distribuição dos desempregados segundo o grau de Instrução Região Metropolitana de São Paulo – 1990/1996 Grau de Instrução 1990 Analfabeto 3,8 1o. grau incompleto 62,4 1o. grau incompleto + 2o. grau incompleto 20,1 2o. grau completo + 3o. grau incompleto 11,1 3o. grau completo 2,6 Fonte: Secretaria de Economia e Planejamento Desemprego - PED. em porcentagem 1991 1992 1993 1994 1995 1996 4,1 4,3 4,3 4,1 4,6 4,0 61,0 60,3 58,2 54,3 52,8 52,3 20,8 20,4 22,3 24,4 23,8 24,9 10,9 12,0 12,1 14,0 15,2 15,2 3,3 3,1 3,1 3,2 3,6 3,6 SEP (Convênio SEADE/DIEESE); Pesquisa de Emprego e O crescimento da escolaridade entre os ocupados e o fato de o maior índice de desempregados estar entre aqueles que têm baixa escolaridade (Tabela 1.12) têm levado a ações de capacitação que, de certa forma tentam maquiar a situação de desemprego estrutural. Tabela 1.12 Taxas de desemprego em relação à PEA, segundo tipo de desemprego e cor Região Metropolitana de São Paulo – 1990/1996 em porcentagem Cor 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 TOTAL 10,3 11,7 15,2 14,6 13,6 13,2 14,0 Branca 9,7 10,6 13,7 13,1 12,1 12,0 13,1 Não Branca 11,6 13,9 18,2 17,6 16,4 15,4 18,6 Desemprego Aberto 7,4 7,9 9,2 8,6 8,0 9,0 9,3 Branca 7,0 7,4 8,4 8,0 7,5 8,4 8,9 Não Branca 8,1 9,1 10,8 9,9 8,9 10,2 12,0 Desemprego Oculto 2,9 3,7 6,0 6,0 5,6 4,2 4,7 Branca 2,7 3,2 5,2 5,1 4,6 3,6 4,2 Não Branca 3,5 4,8 7,3 7,6 7,5 5,2 6,6 Fonte: Fundação Seade (1991, 1992a, 1993, 1994a, 1995a, 1996), Secretaria de Economia e Planejamento: SEP (Convênio Seade/Dieese). Gênero e raça têm sido os maiores diferenciais no que se refere aos contingentes de ocupados e desempregados. Em todos os tipos de desemprego são apontados índices maiores para as parcelas “não-brancas” – utilizando a TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 43 nomenclatura da PNAD – do que para as parcelas brancas (Tabela 1.12). No total de desempregados na Região Metropolitana, que de 10,3% em 1990 passaram a 14% em 1996, há um distanciamento crescente quanto aos “não-brancos” (11,6% em 1990 e 18,6% em 1996). A diferença é de três pontos percentuais no desemprego aberto e 2 pontos no desemprego oculto por trabalho precário. Dados da Comissão Estadual do Emprego apontam interiorização da indústria paulista a partir da década de 1970, tendo ocorrido uma queda da participação na RMSP e um aumento de participação nas outras Regiões Administrativas. O município de Birigüi, onde está situado nosso objeto de estudo, é da Região Administrativa de Araçatuba, no noroeste do Estado de São Paulo. Segundo a Comissão, “este processo de interiorização da indústria foi acompanhado de uma profunda alteração na estrutura de apoio à produção industrial, que se desenvolveu impulsionado pela urbanização” (CETE/SP, 1997:6). 1.4. Birigüi: sua história e desenvolvimento Para o levantamento da história de Birigüi, foram usadas fontes secundárias, especialmente publicações sobre o município (Ramos, 1961; Vedovotto, 1998) e folhetos preparados pela Igreja Católica e que eram utilizados na formação de seus militantes na década de 1980. Entrevistas com diversos moradores da cidade, empresários e militantes da Igreja Católica trouxeram mais cor ao relato. É sabido por seus habitantes que o nome da cidade é também o nome de um mosquito díptero hematófago13, da família dos psicodídeos [Phlebolumos] que é transmissor de febres. Abundante naquela Região, deu nome ao riacho que 13 “Birigüi” é derivado do Tupi: “mberú-i”, mosca pequena, ou “mberu-gui”, mosca que vem. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 44 cortava a clareira onde havia um ponto de parada das locomotivas e depois à própria cidade que foi fundada por Nicolau da Silva Nunes. Até 1905, aquela região constava dos mapas como sendo desconhecida e habitada por índios ferozes [caigangues]. As pessoas preferiam o transporte por trem, pois nas estradas de rodagem havia o perigo de tocaias. Dizia-se que ali dava bugres até nas árvores e que os traiçoeiros caigangues viviam nas imensas florestas e eram comparsas da fauna e da flora. Ela havia sido explorada desde o século XVIII, ao longo do Rio Tietê, pelos paulistas que o navegavam em demanda do ouro de Cuiabá (MT). Foi também ao longo do Rio Tietê que, pouco antes da Guerra do Paraguai foram instaladas duas colônias militares sob responsabilidade da Marinha, uma no salto de Avanhandava e outra no salto de Itapura. Em 1906, o Governo do Estado de São Paulo enviou à área duas expedições geográficas para estudo dos vales do Rio Feio/Aguapei e do Tietê. As expedições estudaram o solo, o clima, a vegetação, o regime das chuvas e dos rios, assinalando também os vários pontos onde era mais patente a presença indígena. Um ano antes, partindo de Bauru e buscando a linha do espigão entre os rios Tietê e Feio, foi iniciada a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que já alcançava, em 1908, Lins e Araçatuba. A afluência àquela região intensificou-se a partir de 1912 em virtude da crescente fama da qualidade das suas terras. A Companhia de Terras Madeiras e Colonização de São Paulo foi uma das principais responsáveis pela ocupação planificada ocorrida naquela região. As terras eram de boa qualidade e os pequenos agricultores implementaram culturas diversificadas e racionalizadas o que levou ao progresso da região. Das suas lavouras, a principal foi o café. Em dois outros lugares havia uma penetração datando do início do século, nos lados de Pirajuí, com a fazenda Faca e São Benedito da Corredeira e na altura TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 45 de Penápolis, onde foram doadas terras aos capuchinhos para iniciar o patrimônio que deu origem à cidade de Penápolis (1914). Em ambos os lugares foram constantes os choques com os índios da região. O povoamento precisava de autonomia administrativa e lutou por ela. Foi elevado a distrito de paz, ao mesmo tempo em que ganhou foros de vila a 10 de novembro de 1914 [lei 1426]. Em 1917, foram inaugurados a Estação de trens e o telégrafo de Birigüi. A autonomia potencializou um crescimento extremamente acelerado que levou a uma auto-suficiência baseada na agricultura e na pecuária. O nível de renda melhorou a qualidade de vida e propiciou uma poupança interna excedente que, mais tarde permitiu que se implementasse uma industrialização auto-sustentada. Ao contrário do restante da Região de Araçatuba, onde se considera que o ciclo do café foi um dos maiores responsáveis pela forte imigração, especialmente na década de 1940, quando atingiu o auge, em Birigüi a produção da café nunca foi a cultura mais forte. No final da década de 1940, a safra birigüiense era de 840 mil arrobas de caroço de algodão, quantidade que superava em produtividade as colheitas de Araçatuba, Penápolis, Lins e Bauru. Sua produção de amendoim da seca apenas era superada por Penápolis e Cafelândia. Glicério, Penápolis e Lins tinham maior produção de arroz do que Birigüi. Na década de 1940, na região, 80% da população morava na zona rural, e apenas 20% na zona urbana. A Igreja Católica era bastante atuante, tendo mais de 500 capelas rurais em pleno funcionamento e que eram o centro da vida do povo, realizando encontros, celebrações, e devoções. Entre as décadas de 1940 e 1950 propriamente não há imigração. Os deslocamentos são pequenos e dentro da própria região, saindo de Bauru e Araçatuba e indo para outras cidades. Nesse processo é que crescem os municípios de Guararapes, Valparaíso, Bento de Abreu, Mirandópolis e Andradina. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 46 Entre 1960 e 1970, houve um grande êxodo, provocado pela erradicação do café e pela entrada das pastagens e do boi: cerca de 250.000 pessoas deixaram a região e foram para centros maiores, principalmente para São Paulo, Campinas, e Americana. Tabela 1.13 Produção agrícola Município de Birigüi – 1940/1994 Produto Caroço de algodão Amendoim da seca Arroz Café Fonte: Vedovotto (1998). Década de 1940 840 mil arrobas 60 mil sacas 54 mil sacas (60 kg) 86 mil sacas (60 kg) Década de 1950 27 mil arrobas 18 mil sacas 56 mil sacas 26 mil sacas Censo 93/94 11.220 arrobas 7.500 sacas 3.100 sacas 3.048 sacas Comparando-se os números das décadas de 40, 50 e 90 verificamos ter havido uma diminuição expressiva na produção agrícola daquela região (Tabela 1.13), números estes que, de certa forma, explicam o êxodo rural sofrido pelo município, apontados pela Tabela 1.14. A Tabela 1.15 permite visualizar, na Região de Araçatuba, o êxodo ocorrido dos municípios pequenos e intermediários para os maiores, dos anos 70 aos 90. Tabela 1.14 População urbana e rural Município de Birigüi – 1940/1990 Ano População Rural População Urbana 9.667 33.245 1940 12.550 18.468 1950 27.118 7.858 1970 45.338 5.551 1980 70.567 4.558 1990 Fontes: IBGE e Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 47 Tabela 1.15 Distribuição Populacional Região de Araçatuba – 1970/1990 Ano 1970 População 620.000 habitantes 1980 580.000 habitantes 1990 700.000 habitantes Municípios 223.200 nos municípios maiores 80.600 nos pequenos municípios 316.200 nos municípios intermediários 313.200 nos municípios maiores 34.800 nos pequenos municípios 232.000 nos municípios intermediários 413.000 nos municípios maiores 33.600 nos pequenos municípios 253.400 nos municípios intermediários % 36% 13% 51% 54% 6% 40% 59% 4,8% 36,2% Fonte: Fundação Seade (1991). Até 1970, a região apresenta crescimento populacional positivo, no entanto, inferior às taxas do crescimento vegetativo. Essa emigração agravou-se na última década, quando houve, inclusive diminuição da população em termos absolutos, o que gerou um processo de esvaziamento. Uma das marcas fortes na região foi a construção, na década de 80 das grandes barragens de Jupiá e Ilha Solteira [Alta Noroeste], e na década seguinte as de Promissão e Nova Avanhandava [Média Noroeste]. Com a aceleração do ritmo de construção civil, milhares de trabalhadores foram contratados; a maioria destes eram da própria região, mas outro tanto vinha de outras partes do país. Apelidados de barrageiros ou peões, estes trabalhadores aumentaram sobremaneira a população e o comércio local. Tratava-se de um aumento transitório que provocava apenas um inchaço demográfico ocasional. Este crescimento inesperado e rápido abalou as precárias estruturas dessas cidades que não tinham condições de acolher e instalar todos aqueles que não dispunham de alojamento ou moradia. O comércio local também não tinha condições para atender tão grande demanda. Na década de 1970, ocorre o inverso: com o término da construção das barragens, as cidades que já começavam a se adaptar à nova realidade sofrem um TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 48 esvaziamento quase tão repentino quanto ocorrera o inchaço. O próspero e crescente comércio decaiu rapidamente, famílias se desagregaram, maridos deixaram mulheres e filhos para seguir em busca de outras obras como Tucuruí, no Pará, e Itaipu, na Foz do Iguaçu, no Paraná. Tabela 1.16 Componentes do crescimento demográfico Região de Araçatuba – 1940/1980 Período Crescimento Absoluto Crescimento Percentual Total Vegetativo Migratório Total Vegetativo Migratório 17,17 29,75 46,92 49.536 85.817 135.353 1940-50 15,36 29,04 13,68 65.104 123.083 57.979 1950-60 15,40 25,93 10,53 74.197 124.940 50.743 1960-70 19,23 18,77 - 0,46 - 102.388 99.985 - 2.423 1970-80 Fonte: Fundação IBGE, Censos Demográficos; Fundação Seade, Movimento do Registro Civil. Segundo documento da Fundação Seade (1982), os números absolutos apresentados na Tabela 1.16 não representam os fluxos migratórios ocorridos em cada década. Não há como medi-los, o que se tem são os saldos resultantes dessas duas correntes, de entrada e de saída da região. O uso combinado de dados do Registro Civil e do censo permite a verificação do número de pessoas que migraram e sobreviveram à morte e à migração de retorno e não o volume total dos saldos migratórios. Na região de Araçatuba, declinou o crescimento vegetativo no período, e isso se deve, em parte à queda da fecundidade. Apesar de o crescimento ter sido sempre positivo, a diminuição de seu volume contribuiu para o esvaziamento populacional, pois os nascimentos não compensaram os óbitos e menos ainda as emigrações. Essa região sempre foi pouco povoada em relação ao restante do Estado. Dados do IBGE apontam que em 1940 naquela região vivia 4,02% da população TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 49 do Estado; já em 1980, essa taxa corresponde a 2,12%. Dados da Fundação Seade, apontam que, em 1997, essa taxa corresponde a 1,88% (Tabela 1.17). Tabela 1.17 População Total Região de Araçatuba – 1940/1980 Período 1940 1950 1960 1970 1980 1997 Araçatuba 265.622 313.680 350.193 358.842 379.825 651.615 4,64 3,76 3,00 2,12 1,88 % do Estado 4,02 Fonte: Fundação IBGE, Censos Demográficos do Estado de São Paulo de 1940 a 1980. O processo de urbanização de Birigüi acelerou-se nas duas últimas décadas. Até 1980, 89,1% da população total se localizava na zona urbana e este percentual cresceu para 95,5% em 1996 (Tabela 1.18). Tabela 1.18 População Urbana e Rural Município de Birigüi – 1970/1996 População 1970 N°s Abs. Urbana 27.118 7.858 Rural Total 34.976 Fonte: Fundação IBGE – 1980 1991 1996 % N°s Abs. % N°s Abs. % N°s Abs. % 77,5 45.066 89,1 70.567 93,9 81,563 95,5 22,5 5.514 10,9 4.558 6,1 3.864 4,5 100,0 50.580 100,0 75.125 100,0 85,427 100,0 Censo Demográfico (1970, 1980 e 1991), Contagem Populacional de 1996. A média anual de crescimento, no período de 1980 a 1991, foi de 3,6%. Nos anos seguintes (1991 a 1996), o ritmo de crescimento caiu para 2,6% ao ano. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 50 É este crescimento da população urbana que vai influir no aumento de densidade do município, conforme se vê pela Tabela 1.19. Tabela 1.19 Densidade Habitacional Município de Birigüi – 1980/1996 habitantes/km2 1980 1991 1994 1996 (dado preliminar) 96,02 141,71 154,47 160,70 Fonte: Fundação IBGE. Censo demográfico 1991 e Contagem Populacional de 1996. A industrialização em Birigüi cresceu a partir da década de 1960; documentos apontam que tal se deu em virtude do saneamento, da fácil comunicação e das ruas e avenidas com boas condições de tráfego, além da água potável tratada e das boas condições de moradia para operários e para as empresas. Relacionado a isso, conforme já apontado anteriormente (Tabela 1.19), houve um forte processo de urbanização no período 1970-1996. É também na década de 1970 que as fábricas de calçados começam a despontar: menos de 1% das indústrias foram implantadas na década de 1960. Pouco a pouco a vocação da cidade vai se consolidando. De uma cidade que “exportava” mão-de-obra para a zona rural por falta de opção, (...) hoje recebe trabalhadores de todos os municípios vizinhos, e nada menos que dezenove ônibus chegam todos os dias, trazendo 969 trabalhadores das cidades de Bilac (dois ônibus), Braúna (dois), Buritama (um), Clementina (dois), Coroados (três), Gabriel Monteiro (dois), Glicério (três), Rinópolis (um) e Brejo Alegre (três). (Vedovotto, 1998:32) TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 51 Comentando essa situação dos trabalhadores que se deslocam para Birigüi para trabalhar na indústria do calçado, Mestriner14, disse que suas fábricas estão localizadas em Birigüi, em Gabriel Monteiro e em Penápolis e que a proposta de deslocar as fábricas para estas cidades foi para diminuir o tempo de transporte dos trabalhadores até a fábrica. Segundo a Pesquisa Agrícola Municipal que é realizada anualmente pelo IBGE, Birigüi apontava em 1990 doze culturas na lavoura temporária [9.946 ha] sendo as principais o milho [3.800 ha] e feijão [1.350 ha]. Em 1995, apesar de ter crescido a área plantada [12.547 ha], havia onze culturas, mantendo-se o milho na dianteira [5.900 ha]; a soja passou para 2.150 ha e o feijão para 1.492 ha (CETE, 1997). No período de 1990 a 1995 houve redução significativa daquelas que são consideradas lavouras permanentes como o café e a laranja. Esta última reduziuse em 95,7% no período. A população em idade ativa (PIA), em 1991, representava 66,5% do total. O tamanho da PIA serve como referência para o dimensionamento do mercado de trabalho local, na medida em que esta é a parcela da população apta para o trabalho. Tabela 1.20 População segundo faixa etária Município de Birigüi – 1991 Faixa Etária Números absolutos 21.202 0 a 14 anos 49.978 15 a 64 anos 3.945 65 anos e Mais 75.125 Total Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico de 1991. Dados do IBGE informam que, em relação à renda dos chefes de domicílios, a maior faixa de população (47,6%) encontra-se entre os que recebiam até dois 14 Carlos Alberto Mestriner, diretor das Indústrias de Calçados Klin, foi presidente do Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigüi no biênio 1996/1997. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 52 salários mínimos (Tabela 1.21). 17,2% recebiam até um salário mínimo. Observase que, se dentre aqueles com renda mensal até 1 salário mínimo temos uma maioria de rurais, na faixa que vai de 1 a 2 salários mínimos, há um número menor (46%) de moradores urbanos do que de rurais (74,1 %). Tabela 1.21 Renda dos Chefes de Domicílios Município de Birigüi – 1991 Renda Mensal % 7,2 até ½ SM 7,2 Urbanos 6,7 Rurais 17,2 até 1 SM 38,8 Urbanos 28,4 Rurais 47,6 até 2 SM 46,0 Urbanos 74,1 Rurais 52,2 mais de 2 SM 53,8 Urbanos 25,6 Rurais Fonte: Fundação IBGE. Censo Demográfico de 1991. No Estado de São Paulo, naquele mesmo período (1991), 36,6% da população recebia até 2 salários mínimos, enquanto 15,9% até 1 salário mínimo. Na zona urbana, 34,4% recebiam até dois salários mínimos, enquanto na zona rural esse percentual era de 67%. Quanto à alfabetização, enquanto no Estado de São Paulo havia uma parcela de 11,3% de chefes de domicílios analfabetos, em Birigüi essa taxa era de 13,5%. Enquanto os chefes de domicílio do sexo feminino em Birigüi eram 13,9%, no Estado de São Paulo eram 16,8%. Em 1991, Birigüi possuía 19.251 domicílios particulares, 94,2% dos quais estavam localizados na zona urbana. No Estado de São Paulo, esse percentual era de 93,0%. Desses domicílios, 4,3% possuíam abastecimento de água inadequado TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 53 e 17,2% esgoto sanitário, também, inadequado. No Estado, estes percentuais atingiam, respectivamente, 4,7% e 20,8%. A taxa de mortalidade infantil em Birigüi, no ano de 1996, era de 18,6 por mil nascidos vivos, e a taxa de natalidade era de 15,7 por mil. O coeficiente de leitos gerais, em 1994, foi de 1,8 por mil habitantes, enquanto o parâmetro estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 4,5 leitos por mil. 1.4.1. Os calçados no nascimento de uma vocação Os documentos mais antigos apontam que a primeira selaria e sapataria de Birigüi foi a Selaria e Sapataria Noroeste onde a família Tokunaga iniciou a fabricação de botinas, botas e sapatos, [que eram] vendidos diretamente ao consumidor, [e ainda] de chinelos e sandálias [que eram] vendidas no atacado (Vedovotto, 1998:23) A fabricação desses calçados era totalmente manual e a maior dificuldade era a falta de profissionais habilitados. Apenas a partir de 1945 é que começaram a ser introduzidas as primeiras máquinas nesse tipo de produção. A Selaria e Sapataria Noroeste transformou-se em espaço de aprendizado para quantos se interessassem por aquele ofício. Sua ação foi bastante significativa e isso pode ser atestado pelo fato de muitos empresários calçadistas que surgiram na fase seguinte, mais industrializada, terem passado pelo aprendizado nessa empresa, que encerrou suas atividades na década de 1960. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 54 Na raiz da vocação industrial de Birigüi pelo calçado infantil, encontra-se uma decisão tomada em 1958 por um dos pioneiros naquela indústria: Antônio Ramos de Assumpção15. Seu depoimento é relatado por Vedovotto (1998:31) Tínhamos conhecimento na época de que a cidade de Franca era especialista em calçado masculino, Jaú grande produtora de sandálias femininas e que o Estado do Rio Grande do Sul era fabricante conhecido de sapatos femininos. Daí, então, optamos pelo calçado infantil e também porque este exigia menos capital. A partir da década de 1960 é que há um crescimento das indústrias de calçado de Birigüi: Menos de 1% das indústrias foram implantadas antes da década de 60. Nos anos 60, oito fábricas apareceram. Na década de 70, houve crescimento de 9,6%, quando surgiram mais quinze unidades. Na atual década, registrou-se crescimento de 16,6%, com mais 26 novas empresas. (Vedovotto, 1998:33) Um olhar para o perfil dos empresários de calçado de Birigüi levou Vedovotto a afirmar ser esta indústria genuinamente birigüiense. 74% deles nasceram na cidade de Birigüi. E, além disso, 66% vieram de outras indústrias de Birigüi (aproximadamente 140) onde eram empregados. Mestriner afirma que em Birigüi há apenas cinco grandes empresas, e explica que estas são grandes em relação ao município, mas pequenas se considerarmos as indústrias nacionais. O setor já chegou a empregar diretamente mais de 16 mil trabalhadores e com o advento do Plano Real teve o maior índice de desemprego registrado em torno de 5 mil pessoas. Até então a 15 Esta primeira fábrica de calçado infantil, a Ramos de Assumpção Ltda. transformou-se na Fiorotto e Assumpção e mais tarde na Popi Indústria e Comércio de Calçados Ltda. que é hoje uma das maiores fábricas da cidade [em 1986, 980 funcionários e produção de 11.000 pares/dia]. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 55 média de dispensa em todos os inícios de ano girava entre 1500 e 2 mil trabalhadores. Hoje, com algumas fábricas trabalhando com todo o seu potencial, mantém-se a média de 11 mil empregos diretos. (Vedovotto, 1998:34) Além disso, a indústria calçadista alimenta setores correlatos que geram mais de mil empregos: a cartonagem, a representação, os fornecedores de componentes, as fábricas de solados, as fábricas de favas industriais para balancins, a indústria de colas, etiquetas, máquinas, fivelas e outros enfeites, assim como palmilhas, cadarços, etc. Comentando a relação que há entre as várias empresas da cidade, Mestriner disse que Birigüi é uma cidade em que todos nós nos conhecemos. E todos nós viemos do nada. Todos nós, ontem, fomos funcionários de alguém. Ninguém nasceu em berço de ouro. [...] A essência desse entrelaçamento entre os empresários é que há um convívio ou na infância ou no conhecimento... mesmo que eu não conheça você, eu sei quem você é... não tem ninguém de fora, todos são daqui ou das cidades vizinhas e todos nós nos conhecemos.16 Apesar de a indústria do calçado ser a principal atividade industrial da cidade, Vedovotto atesta que ela se fez por si só, não tendo em nenhum momento contado com ajuda do poder público.17 1.4.2. Perfil econômico Um dos instrumentos para a caracterização do perfil econômico dos municípios é a análise do valor adicionado por setor industrial18. Em 1996, com 16 As citações de entrevistas coletadas durante a pesquisa serão apresentadas em itálico. Segundo Vedovotto (1998:34) “a primeira atitude em favor da iniciativa privada (...) foi em 1985, com a implantação do primeiro Distrito Industrial local onde não se encontra instalada uma única fábrica de calçados”. 17 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 56 603 estabelecimentos industriais (Tabela 1.22), Birigüi participou com 27,7% no total do valor adicionado da Região Administrativa de Araçatuba; este valor correspondeu, ainda, a 65,6% do Valor Adicionado Municipal. A Tabela 1.22 traz o número de estabelecimentos segundo o ramo industrial ano após ano. Analisando estes dados, observa-se que Vestuário, Calçados e Artefatos de Tecidos tem sido um dos ramos industriais de maior destaque no município. Esse setor correspondia a 61,4% do total da indústria em 1990 e 61,5% em 1996. Em termos regionais, Birigüi é responsável por 87% da produção industrial desse setor. Tabela 1.22 Número de estabelecimentos, segundo ramo industrial (valor adicionado) Município de Birigüi – 1980/1996 Ramo Industrial Vestuário, Calçados e Artef. Tecidos Material de Transporte Metalurgia Material Elétrico e de Comunicações Produtos Químicos Produtos Alimentícios Produtos Têxteis Produtos Farmacêuticos, Médicos e Perf. Produtos Minerais Não-metálicos e Cimento Papel e Papelão Mecânica Material Plástico Produtos de Borracha Bebidas, Liq. Alcoólicos e Vinagre Mobiliários Editorial e Gráfica Indústria Diversos (I e II) Indústria Diversos (I) Artigos e Artefatos de Madeira Produtos Agrícolas Produtos Pecuários e Frigoríficos Fumo e Produtos Derivados Pedra e Outros Materiais de Construção Couros, Peles e Prod. Similares Outras Indústrias Indústria Extrativa Total da Indústria 1980 65 2 15 1 2 8 1 11 2 5 1 1 6 13 8 2 4 15 2 4 1 1 170 1985 91 3 12 2 1 7 2 8 2 5 5 3 14 6 1 2 4 13 4 2 1 188 1990 247 4 29 2 2 9 1 8 5 9 2 2 32 10 7 4 5 12 5 2 3 2 402 1995 343 7 40 3 6 20 4 2 13 8 13 9 2 39 10 5 4 9 5 3 3 3 4 555 1996 371 6 41 5 5 24 2 4 13 10 13 10 3 41 15 3 4 14 4 5 3 3 4 603 RA/1996 752 27 203 16 24 148 20 10 187 22 36 26 9 27 185 70 35 10 75 75 34 2 9 21 20 26 2.069 Fonte: Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo. Dipam. 18 Declarado anualmente, o VA (valor adicionado) é a diferença entre entradas e saídas de mercadorias das diversas empresas. Corresponde ao montante que os processos produtivos acrescentam de valor às matériasprimas, e é base para apuração dos índices de participação no ICMS. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 57 Em relação à produção nacional de calçados infantis, Birigüi destaca-se como o maior produtor. Em 1986, já tinha uma produção de 100.000 pares/dia e era uma liderança nacional em produção de calçados infantis. Eram 64 unidades fabris que geravam 6.000 empregos diretos. A Tabela 1.23 apresenta a produção de Birigüi em comparação com algumas outras cidades e com o Estado de Minas Gerais. Pode-se dizer, em relação ao calçado infantil, que Birigüi não é suplantada por nenhuma outra região do país, o que lhe confere o título de Capital Brasileira do Calçado Infantil. Interessante observar que a produtividade encontrada em Birigüi (11 pares/dia por trabalhador) é maior do que aquela encontrada em Franca e no Estado de Minas Gerais (4,5 pares/dia por trabalhador). Tabela 1.23 Produção de calçados Birigüi, Jaú, Franca, EMG, São Paulo e Santa Cruz do Rio Pardo Município Produção / dia (em mil) 129 65 90 Empregados Observações Birigüi Jaú Franca Número de Fábricas 152 160 350 11.000 4.200 20.000 Estado de MG 1500 350 75.000 90 % infantis 80% femininos e 10% infantis 20% entre infantis e femininos 5% infantis 10% infantis masculino 500 25 5 Cidade São Paulo Santa Cruz do Rio Pardo Fonte: Vedovotto, 1998. As representações patronais e de trabalhadores encontram-se articuladas desde 1979 quando foram criadas a Associação dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário de Birigüi, e a Associação Profissional da Indústria do Vestuário de Birigüi que mais tarde se transformaram, respectivamente, no Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados, Confecções de Roupas, Material de TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 58 Segurança e Proteção ao Trabalho de Birigüi e Região (1983) e Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigüi e Região (1986). “As primeiras reivindicações de melhoria do segmento começaram a ser formuladas conjuntamente pelos dois sindicatos, que em 1985 pleiteavam a instalação de uma escola profissionalizante” (Vedovotto, 1998:98). O Centro de Treinamento Calçadista Avak Bedouian encontra-se instalado desde 1985 e uma das metas atuais do sindicato patronal é a implementação de uma Escola Completa do Calçado que em conjunto com o Senai e com a prefeitura estimulariam o desenvolvimento da indústria, além de se constituir em um laboratório para testes. O sindicato patronal vem apoiando a micro e pequena indústria, tanto a partir de cursos de qualificação quanto na facilitação para que estas participem de congressos e feiras internacionais, como a Couromoda e a Francal. A Feira das Indústrias de Birigüi (Fibi) é outra conquista que já se encontra em sua 4ª edição. Segundo Vedovotto (1998:101), nessas feiras, “os micros e pequenos empresários, através da venda direta ao consumidor, têm a oportunidade de ‘engordar’ o caixa, garantindo o pagamento de seus compromissos, principalmente no final do ano, quando se acumulam férias, o 13º, etc...” A articulação dos empresários foi se fortalecendo e desde 1996 reúnem-se mensalmente. O objetivo é se constituírem numa “unidade industrial organizada onde todos os sensos – de utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina – pudessem ser colocados em prática, transformando-se de forma radical o conceito da indústria calçadista” (Vedovotto, 1998:112). Nesse processo tem tido papel significativo o Sebrae e a Fundação Christiano Ottoni, de Minas Gerais, que contribuem na qualificação: “foi aplicado um treinamento intensivo em 84 facilitadores incumbidos de levar os princípios da qualidade a outros 4 mil trabalhadores de 32 empresas associadas ao projeto” (Vedovotto, 1998:114). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 59 Essa preocupação com a qualidade tem produzido efeitos positivos: Este novo movimento, que está sensibilizando até as grandes indústrias locais (a Bical aderiu ao Programa de Qualidade e contratou a Fundação Christiano Ottoni para gerir as fases de implementação), desperta a atenção de todo o país, é bem recebido por clientes e fornecedores, entidades governamentais e privadas. (Vedovotto, 1998:113) 1.4.3. O mercado de trabalho em Birigüi Até 1990, os estabelecimentos com maior peso eram aqueles voltados para as atividades comerciais, seguidos da indústria e dos serviços. Naquele período, a agropecuária era o setor menos expressivo na economia do município. Entre 1990 e 1995, expande-se quantitativamente este setor, colocando-se na dianteira da Construção Civil. No mesmo período, o total de estabelecimentos sediados em Birigüi aumentou de 1.206 para 1.669, sendo no setor agropecuário o maior acréscimo [218 estabelecimentos]. Tabela 1.24 Distribuição dos ocupados, segundo o Setor de Atividade Município de Birigüi – 1990/1995 Setor de Atividade Indústria Construção civil Comércio Serviços Agropecuária Outros Total Fonte: Ministério do Trabalho. RAIS. Município 1990 11.525 603 2.027 3.970 160 754 19.039 Região Administrativa 1995 12.251 447 2.408 4.466 512 88 20.172 1995 29.342 2.650 14.977 36.008 10.627 786 94.390 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 60 Em 1995, o Município de Birigüi incorporava a maior parte dos ocupados do mercado de trabalho formal na indústria – especialmente a calçadista –, seguidos do setor de serviços e dos funcionários da administração pública, transportes e comunicação, além do comércio varejista. O nível de ocupação apresentou desempenho positivo entre 1990 e 1995 – aumento de 1.133 pessoas ocupadas no período, conforme se verifica na Tabela 1.24. O crescimento do número de ocupados [variação de 6,0%, ou seja, 1.133 pessoas] deve ser visto com cautela. Ele tanto pode ser um crescimento real como o resultado da formalização de vínculos trabalhistas no setor agrícola, em decorrência das sucessivas reivindicações salariais. A indústria acresceu 726 postos, os serviços, 496; o comércio, 381 e a agropecuária, 352. Diminuíram as pessoas ocupadas na construção civil [156 pessoas] e em outros [666 pessoas]. Segundo análise feita pela Comissão Estadual de Emprego de São Paulo– CETE-SP (1997), pode-se observar as seguintes características no Município de Birigüi. • Ele detinha 21,4% da totalidade dos postos de trabalho (94.390) concentrados na sua Região Administrativa; • a estrutura do mercado de trabalho formal da Região Administrativa de Araçatuba tinha poucas semelhanças com as do Município: na região, de modo diverso do município, constatava-se predomínio dos ocupados nos Serviços; • a maior contribuição do município sobre o total de ocupados da região era na indústria (418 %). O mesmo relatório aponta que TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 1 61 em 1996, a tendência do mercado de trabalho foi de ampliação, tendo o contingente de admitidos superado o de demitidos, levando ao acréscimo de 979 postos de trabalho, ao longo do ano. Este resultado deveu-se, principalmente, ao desempenho verificado na Indústria, com saldo positivo de 443 postos, nos Serviços, que incorporou 383 pessoas, além do aumento de 220 ocupados na Construção Civil, naquele ano. (...) O mercado de trabalho formal em Birigüi, em 1997, manteve-se em recuperação – o contingente de admitidos superou em 2.180 pessoas o de demitidos. O setor com melhor desempenho nesse ano foi o industrial, com saldo de 1.421 admitidos, seguindo-se acréscimos menos substantivos nos demais setores, exceção feita ao agregado Outros, que se mostrou relativamente estável ao longo do ano. (CETE/SP, 1997) A breve contextualização aqui apresentada permite situar o cenário onde se desenrola a experiência analisada nesta tese, conforme veremos nos capítulos que se seguem. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 Capítulo 2 UMA HISTÓRIA CONSTRUÍDA AO TRABALHAR 62 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 63 Na busca de elementos para escrever a história do grupo que protagoniza esta experiência, foram colhidos depoimentos, em longas “conversas” com cada um dos sujeitos, buscando resgatar a memória do grupo, reconstituindo assim esta história a partir de seus protagonistas. Por outro lado, foram ouvidos alguns militantes tanto da Igreja Católica quanto da luta por direitos humanos, a partir dos quais é possível perceber o modo como esta experiência foi vista, no decorrer destes anos, por estes outros atores. Na construção deste texto busquei guardar uma linguagem o mais próxima possível das expressões, metáforas e exemplos utilizados pelos sujeitos, de modo a respeitar a originalidade dos relatos. Assim, os depoimentos apontam que tudo começou com a participação de cada um deles em grupos de jovens de diversas paróquias da cidade de Birigüi. Na militância católica, foram se conhecendo e convivendo. Suas discussões e reflexões foram amadurecendo, fruto da vivência nas CEBs e nas atividades de oposição sindical onde também estavam engajados. As discussões que propiciaram a formação da Marc’ellsse começaram em 1991, porém a semente já havia sido lançada tempos antes e ainda que os frutos só chegassem mais tarde, já era possível ver o surgimento de pequenos brotos TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 64 verdes que indicavam que o campo era fértil, mas que era necessário tempo e trabalho para chegarem a colher frutos. A amizade destes jovens, católicos de classe média baixa, foi alimentada e fortalecida pela participação em grupos de jovens de diversas paróquias da Igreja Católica. A ação pastoral da Igreja de Lins levava grupos de jovens de várias paróquias a se encontrarem para cursos bíblicos, nos quais refletiam sobre o papel dos cristãos na construção de uma sociedade diferente daquela na qual viviam. Quando perguntados sobre o início desse processo, eles rememoram um Encontro de Jovens que teria ocorrido em Peacatu, cujo tema central foram os ensinamentos cristãos contidos no Ato dos Apóstolos19. A metodologia utilizada salientava os potenciais individuais, motivando os jovens a colocá-los em comum. Dessa reflexão surge a idéia de experienciar um modo de vida semelhante ao dos apóstolos. Se eles viviam assim lá, na época, deve ser bom aqui, hoje, também (RP). Ao mesmo tempo em que refletiam sobre as comunidades primitivas, estes jovens procuravam atuar de maneira coerente com tais ensinamentos. A busca de uma sociedade mais justa levou-os a se engajarem na luta sindical, participando da oposição ao sindicato constituído, e num segundo momento resolveram experimentar uma nova forma, criando um empreendimento que pudesse garantir a sobrevivência, em um processo em que não houvesse explorados nem exploradores. 19 Parte constitutiva do Novo Testamento, o “Ato dos Apóstolos” é o texto que, na Bíblia, apresenta a história das origens cristãs. O trecho que é mais citado por estas pessoas é o dos versículos 44 e 45: “Todos os fiéis, unidos, tinham tudo em comum: vendiam as suas propriedades e os seus bens e dividiam o preço entre todos, segundo as necessidades de cada um”. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 65 A utopia20 era mostrar à cidade que a força comunitária pode transformar um sonho em algo real. Na construção do sonho, decidiram que buscariam sua sobrevivência no trabalho, fazendo aquilo que a maioria já sabia fazer: produzir sapatos. Ao mesmo tempo em que amadurecia a idéia, o grupo buscou convidar pessoas que, acreditavam, tinham os mesmos ideais que os seus. Dizem eles que quinze pessoas foram chamadas para uma primeira reunião, mas no processo de construção da proposta o grupo foi se consolidando ao redor de oito pessoas: Carlos Alberto Moraes (Carlinhos), Edson Esperança Roman (Pardal), Jean Cesar Maran (Jean), Luciano Moraes Filho (Luciano), Marlene Arquilini Moraes (Marlene), Mauro Martins da Silva (Mauro), Roberto Piloto (Roberto) e Rosa Helena dos Santos Silva (Rosa). Estes oito iniciaram estudos e planejamentos que levaram seis meses e que objetivavam a construção de uma oficina de produção de tênis. Alguns deles eram nascidos em Birigüi, outros vindos do interior do Paraná onde haviam trabalhado na roça. Dois estavam casados [um recentemente e outro esperando o primeiro filho], os outros eram solteiros e as namoradas [hoje sócias e esposas] participavam dos mesmos grupos. Durante este período, mais quatro pessoas se juntaram a eles e com isso, na concretização das primeiras ações, o grupo era constituído de 12 pessoas. Durante esses dez anos, dois desistiram, dois casaram... de novo, eram 12. Dois foram para a segunda fábrica (Maic d’jol) e mais dois casaram... e, mais uma vez, eram 12. A gente falava que sim, vai dar certo, mas era uma aventura. A gente não pensava – minha vida vai ser isso aqui... (CAM) 20 O sentido dado à palavra utopia, por estas pessoas, não é a de um projeto irrealizável, uma quimera. Seu significado emana da leitura cristã que considera a possibilidade da realização terrena do Reino de Deus. Assim, a ação dos cristãos não é distinta da ação dos não-cristãos, em termos do que fazem; no entanto, vem impulsionada por motivações e significados de construção de um mundo de justiça e liberdade para todos. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 66 Alguns destes jovens haviam participado de uma experiência não bemsucedida de formação de um sindicato de trabalhadores que objetivava a defesa dos sapateiros de Birigüi... Não conseguiram oficializar o sindicato e ficaram conhecidos entre os empresários como radicais, o que fez com que perdessem o emprego e ficassem marginalizados pelas indústrias da cidade. Outro tinha sido dono de um negócio, uma pequena fábrica de calçados, e apontava uma frustração por não ter podido realizar naquela fábrica um trabalho comunitário e social. Dez, dos doze tinham escolaridade de primeiro grau. No momento da conclusão da pesquisa, um deles tem formação universitária (administração); dois têm segundo grau completo; dois têm segundo grau incompleto e seis têm primeiro grau incompleto; alguns deles estão estudando à noite. Dos 12 que constituem o grupo atual dez tinham experiência profissional no calçado, um era expert em vendas e outro administrador de empresas. A experiência profissional do grupo era bastante diversa, havendo dois deles que tinham grande habilidade na modelagem. Segundo o depoimento de Mestriner, eles têm conhecimento do como funcionam as grandes fábricas já que trabalharam lá, e usam bem esse conhecimento. A experiência concreta de colocar em comum o pouco que tinham era uma solução para o desemprego daqueles que haviam sido demitidos, mas, mais do que isso, era a possibilidade de experimentar uma nova forma de vida, que objetivava, sim, a sobrevivência, mas que trazia o impulso de um projeto de vida. A proposta era produzir calçados de forma comunitária, fazendo desta função algo também social – “proteger os pés das pessoas menos favorecidas” – e também garantir uma sobrevivência de forma digna e honesta através do trabalho. Partiam para o fortalecimento de uma verdadeira experiência de vida comunitária no cotidiano, e que tudo seria partilhado: lucros, prejuízos, alegrias, dificuldades, idéias e até mesmo o sonho de cada um. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Jean Cesar Moran e Shirlei Lobo Moran, casados, tem uma filha – Taís - de 4 anos Elizabete Maria Folini Buono, casada com Luis Cláudio Buono, tem dois filhos: Ariele, de 5 anos e Caio de 4 meses. Roberto Piloto e Lucinéia Cuer Piloto, são casados e tem um filho – Rafael – de 4 anos Capítulo 2 Élio Arquilini e Marilene Marchesini Arquilini, casados, tem dois filhos: Caroline de 5 anos e Felipe de 9 meses Carlos Alberto Moraes e Marlene Arquilini Moraes, casados, tem dois filhos: Danilo de 3 anos e Carlos Alberto de 5 meses. Edson Esperança Roman (Pardal) e Marinete Lot Roman, casados, têm um filho, Anderson, de 7 anos Luciano Moraes Filho é casado com Míriam Costa Rodrigues Moraes e têm um filho – João Vitor – de 1 ano 67 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 68 Ao definir a razão social da empresa que concretizaria a proposta, estes jovens fizeram um exercício de construção de um nome que fosse um anagrama que utilizasse as iniciais dos nomes de todos eles: Marc’ellsse. No mesmo processo definiram um código [FK12] cujo significado somente é conhecido por três deles e cujo segredo serve para avaliar o grau de confiabilidade que cada um pode ter no outro. “O rompimento, se ocorresse, poderia significar o fim do sonho”, declarou JCM em entrevista fornecida a Vedovotto (1998:82). Segundo informações dos sócios, este “mistério” ainda continua. O início do trabalho é relatado por Vedovotto: Em uma das reuniões feitas no domingo à tarde surgiu a idéia de fabricar um sapatinho fechado. No domingo à noite foram para São Paulo buscar as matérias-primas necessárias. Embora a cidade tivesse infra-estrutura para oferecer o que precisavam, tinham a informação de que encontrariam o produto por um custo menor na capital. (Vedovotto, 1998:82) Ainda não era desta vez que venceriam. O sapatinho produzido não vendeu, encalhou e as dívidas pesavam no orçamento daquelas pessoas que viviam de salários baixos e precisaram administrar um prejuízo que parecia impagável a alguns. A maioria do grupo era solteira, mas já havia entre eles dois casais, um deles esperando o primeiro filho... A saída encontrada foi coletiva, juntaram-se e foram vender gelinho, um sorvete caseiro e muito popular, no Estádio Pedro Marim Berbel. Mas o sonho não estava abandonado: continuavam a se reunir, discutindo a montagem de uma sociedade diferente, sociedade que ia começar sem dinheiro e onde pretendiam “estar dos dois lados”: TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 69 A gente estaria sentindo a parte dos empregados que até aquela época nós éramos, e estaríamos sentindo a parte do empresário, porque também estaríamos como empresários. (MMS) Dando continuidade ao sonho, no início de 92, decidiram iniciar a produção de um tênis infantil. Desta feita não repetiram o que haviam feito inicialmente de produzir primeiro e descobrir se o produto era vendável, depois. Fizeram apenas um mostruário com alguns modelos e colocaram nas mãos de um vendedor/viajante. A expectativa era a de uma encomenda pequena, cerca de 30 pares/dia, possível de ser produzida artesanalmente e suficiente para garantir a sobrevivência dos três companheiros que estavam desempregados. Com o crescimento das encomendas, que avaliavam poder ocorrer em um ano, outros deles sairiam de seus empregos e se ocupariam da Marc’ellsse. Na primeira saída do vendedor, a surpresa: foi feito um pedido para 450 pares, e na segunda semana, mais 200... Sérgio – aquele primeiro vendedor e que, ainda hoje é representante da Marc’ellsse – avalia que aquele tipo de tênis estava fazendo falta no mercado... segundo sua lembrança, era época ruim para venda de calçados. Eu comecei a mostrar, o pessoal começou a gostar, e daí foi uma semana que vendeu uns 450 pares... Sérgio conta que sempre trabalhou com diversas marcas, mas naquela semana percebeu que mostrava o modelo deles e o pessoal gostava... passou a dizer que era uma marca nova que estava vendendo bem e o pessoal gostou e as vendas cresceram. Como ainda não tinham nenhuma fábrica, decidiram começar a produção na garagem da casa dos pais de um deles (JCM). Em apenas um mês, aquele espaço já estava pequeno e precisaram mudar-se para um prédio maior. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 70 Esta primeira produção era bastante artesanal. O corte era feito com estilete, o pesponto era feito com máquina caseira, e haviam construído uma frizadeira usando para isso motor de um liqüidificador... Para a compra da matériaprima, fizeram uma “vaquinha”, na qual cada um entrou com o que podia para com isso formar o capital inicial. Com esse capital, compraram os instrumentos manuais necessários, e uma máquina de coluna. A criatividade e o esforço coletivo foram fundamentais para racionalizar o uso do pouco que tinham e que precisava ser constantemente multiplicado. O espírito era o da partilha. Como as possibilidades de contribuir com dinheiro eram diversas, combinaram que cada um entrava com o que podia, que os débitos eram de pessoa a pessoa e o capital juntado era de todos. Ele tinha uma Brasília, comprou a máquina de coluna: vendeu a Brasília, comprou a máquina e ficou sem dinheiro. O Luciano pegou o acerto dele na fábrica e investiu. Foi mais ou menos o dinheiro que entrou. Entrou dinheiro só suficiente para fazer a abertura dos documentos, comprar a máquina, comprar o motorzinho, e mais alguma coisa que precisava para o funcionamento e complemento. (MMS) Conseguir o capital para a compra de matéria-prima não era a única dificuldade. Eles contam que a primeira vez que visitaram um fornecedor, buscando comprar matéria-prima precisaram do aval de um empresário da cidade. Eram garotos, vestiam camisetas, bermudas e sandalinhas de dedo e não inspiravam confiança. A sorte foi que um dos empresários, Ismael Varoni21, apresentou-os, dizendo ao fornecedor que não se arrependeria por vender para eles, e que se tivesse problemas no recebimento poderia recorrer a ele. Além da falta de capital, havia outra questão a administrar que era disponibilidade das pessoas. Aqueles três que estavam desempregados, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 71 imediatamente, passaram a se ocupar da produção, e os outros trabalhavam à noite e nos finais de semana. Com o crescimento dos pedidos, aqueles que estavam empregados foram saindo de seus empregos e se inserindo na fábrica. A primeira grande decisão acho que foi do pessoal que estava trabalhando fora da empresa, a gente tirar e puxar para dentro da empresa. Foi uma das maiores decisões do início. (RP) Desde esse primeiro momento, decidiram partilhar tudo, inclusive os salários que cada um recebia em seus empregos. Esses valores entravam num caixa comum que, depois de tirar o necessário para garantir a produção, deixava o saldo a ser dividido por todos. A gente já tinha definido isso aí. A partir do momento em que fosse precisando, que iria saindo do serviço um por um. A gente começaria por aqueles que ganhavam menos, e iria até o último que era aquele que ganhava mais. Mesmo porque o salário que a gente ganhava fora era dividido com o pessoal que estava dentro. Era depositado todo o salário e feito média. (CAM) Com o crescimento das vendas, tiveram que pensar numa estratégia para superar a falta de capital. A saída encontrada foi comprar a matéria-prima a prazo, e descontar as duplicadas com agentes financeiros para arcar com os compromissos. Em menos de três meses, estavam produzindo 150 pares por dia. Compra material, transforma em calçado, pega o cheque, transforma o cheque em dinheiro, paga o material, compra outro, transforma em calçado, transforma em dinheiro... até as coisas equilibrarem. (MMS) O sonho estava se tornando realidade muito rapidamente. O aumento da produção, não previsto, exigiu que muitos deles trabalhassem de forma 21 Indústria Peroni, iniciada em 1990, produz 2.500 pares de tênis por dia. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 72 extraordinária o que gerou desgastes físicos e psicológicos.22 Avaliam que um dos principais instrumentos para a superação dessa situação foram as reflexões e confraternizações que realizavam. Durante todo o processo de implementação das fábricas, o grupo mantinha um cronograma de reuniões de formação e de reflexão, além de celebrações e mesmo encontros recreativos que iam permitindo o amadurecimento da proposta e solidificando os laços entre eles. A idéia nossa, no início, era estabilizar os 12, e fazer como lá na Alemanha, que junta o grupo, cresce até certo ponto, pára, estabiliza, e começa a viver a vida. (RP) O processo de admissão de outros sócios seria lento uma vez que implicaria amadurecimento frente à filosofia de trabalho e aos objetivos do grupo. Visto que as vendas aumentavam e havia dificuldades em formar rapidamente um novo grupo, a saída encontrada foi a contratação de mão-de-obra. O processo preparatório à incorporação de novos trabalhadores foi de muita discussão. As primeiras reflexões estavam centradas no conflito entre uma decisão anterior de que não teriam empregados e o entendimento de que o processo de formação de novos sócios demandaria um tempo que a urgência da produção não permitia. Num primeiro momento, os trabalhadores seriam contratados e, pouco a pouco, seriam motivados para criar um novo grupo que trabalharia em parceria. Mais do que uma decisão empresarial, a contratação de empregados foi uma contingência – os pedidos eram maiores do que os sócios sozinhos poderiam produzir e não havia tempo hábil para se pensar em um novo grupo. Durante todo esse tempo, o grupo dialogava com as comunidades de base, das quais participavam, fazendo depoimentos sobre suas conquistas, seus limites e 22 Estes desgastes se relacionavam com a sobrecarga de trabalho, e pela tensão de trabalhar com grande volume de dinheiro, muito maior do que os valores que o grupo tinha, e o necessário endividamento para garantir a produção. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 73 as dificuldades que enfrentavam... Esses depoimentos eram motivadores e provocaram o surgimento de um segundo grupo que formou uma segunda indústria comunitária: a Maic d’jol. Partilhando os mesmos ideais, o novo projeto pôde apropriar-se da experiência acumulada pela Marc’ellsse. Entre os dois grupos havia um processo constante de intercâmbio de experiências. Como parte desse intercâmbio, um dos sócios da Marc’ellsse, foi emprestado para a Maic d’jol, acabando por incorporar-se a essa nova empresa. Precisavam de alguém que já tinha passado por aquilo, para ajudar eles. Quem sabia mais, quem já tinha passado, quem estava passando mas que já tinha feito uma vez, para resolver aquilo. (MMS) O sócio que se deslocou de uma para outra fábrica é um exímio modelador, e, além disso, tinha interesse em participar da organização administrativa da fábrica, o que não vinha sendo possível já que as tarefas de cada um eram bem definidas. Desde o primeiro momento, o grupo acreditava ser muito importante que todos conhecessem o processo inteiro, mas que deveriam estar locados no setor em que tinham maior habilidade. Ao mudar-se para a Maic d’jol, MMS almejava experimentar uma nova posição, atuando na organização ainda que continuasse auxiliando na modelagem. Em abril de 1994, as duas fábricas iam de vento em popa, os pedidos se sucediam e a produção aumentava. Foi então, que, ocorreu uma tragédia. A Marc’ellsse, a mais antiga das duas, estava com muitos pedidos para produzir, o espaço estava pequeno e eles estavam atolados de material no almoxarifado. Como não cabia mais embaixo, foi feita uma plataforma em cima da sala da frente e sobre ela foi colocado o material, que ia até perto do telhado, pois não havia mais local para estocar. Era uma época de calor, havia sido um dia muito quente... com o aquecimento do telhado e a composição do material houve atrito e foi produzida uma faísca que provocou um incêndio, que destruiu tudo. O TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 74 imóvel no qual a fábrica estava instalada era alugado e de propriedade da Pinókio – Indústria e Comércio de Calçados Ltda. Segundo a Perícia Técnica, houve combustão espontânea no estoque de matéria-prima. O desespero tomou conta de todos ao verem seus sonhos virarem cinzas. O que o fogo não destruiu, destruiu a água. Perderam-se o estoque de matéria-prima, o estoque de calçados já produzidos, e as máquinas todas tiveram que passar por revisão. (MMS) A fábrica estava segurada, e o prêmio foi utilizado para pagar a manutenção das máquinas, algumas das quais tiveram que ser mandadas para o sul do país, para que fossem feitas as reformas. O prejuízo foi muito grande, pois não houve quem pagasse a reposição do material já produzido, a reposição da matéria-prima e os dias parados. Dos pedidos feitos, alguns foram cancelados, porque alguns dos compradores não esperaram, preferindo comprar de outros fornecedores... Mas, nem tudo foram dificuldades. Ao contar o ocorrido, apontam que a desgraça serviu para mostrar que já haviam adquirido o respeito de pessoas da cidade. Muitas pessoas vieram a eles para consolá-los, e rezar por eles. Houve alguns empresários que se solidarizaram de maneira mais concreta. A Pinókio cedeu suas máquinas [balancins]: como a jornada de seus trabalhadores terminava às 17:18 horas, ala permitiu que os trabalhadores da Marc’ellsse entrassem para produzir das 17:30 horas em diante. A matéria-prima para a produção também foi cedida por outras empresas visto que não podiam pedir empréstimo a Banco, pois o que tinham como garantia era apenas uma fábrica queimada. Empresários solidários compravam a prazo, por eles, a matéria-prima. Os dois empresários que tiveram um papel mais significativo nesse momento foram Ismael Varone, da Perone Indústria e Comércio de Calçados Ltda., e Dorival Canassa, da Pinókio Indústria e Comércio de Calçados Ltda. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 75 Ressalte-se o significado destes fatos, que expressam a confiança depositada nos jovens empreendedores, uma vez que estes não podiam oferecer garantias de pagamento, após o consumo da matéria-prima emprestada. Após o incêndio, foi necessário buscar um novo local, pois a reconstrução do barracão antes utilizado pela fábrica seria muito demorada. Um novo local, liberação pela companhia de energia elétrica, e ei-los recomeçando mais uma vez. E estavam recomeçando em 1995, período no qual todo o setor de calçados passava por dificuldades ocasionadas principalmente pela entrada no país dos calçados importados da China, de custo bastante baixo, com grandes repercussões no mercado. No relato que fazem desse período apontam o incêndio como um momento em que se fortaleceu a união do grupo. As dificuldades enfrentadas naqueles primeiros anos tinham exigido maior empenho na produção dos calçados, deixando em segundo plano os momentos de reflexão, celebração e mesmo de convivência informal, o que, avaliam eles, causou uma certa dispersão face ao projeto inicial, gerando atritos. Recomeçar exigiu a revitalização do entusiasmo dos primeiros dias, e com isso o sonho foi retomado. Foram grandes as dificuldades vividas pela Marc’ellsse: havia escassez de pedidos e a situação era grave, mas a experiência vivida até então serviu para que acreditassem ser possível vencer, pois tinham segurança no que faziam. Assim, na busca da superação daquele momento, criaram novas estratégias para manter a fábrica. Durante este período, o grupo se ocupou de tarefas diversas [construção de casas, roça, vendas] e apenas dois ou três ficaram trabalhando dentro da fábrica. Ao avaliar aquele período, os sócios da Marc’ellsse mencionam a conjuntura de crise do setor calçadista, mas consideram que, ao invés de procurar sobreviver com base em atividades paralelas, como fizeram, deveriam ter buscado fazer um diagnóstico dos produtos que ofertavam no mercado. Além da conjuntura, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 76 apontam a necessidade de análise das causas intrínsecas sobre as quais, geralmente, se tem a governabilidade. Se nova crise ocorresse nos dias de hoje, sem dúvida, agiriam diferentemente, buscando a resposta dentro da própria fábrica e não saindo para fazer trabalhos dispersos na cidade. O grupo da Marc’ellsse resistia à idéia de ter empregados e acreditava que todas as pessoas tinham o mesmo sonho que eles. Assim, nos momentos em que a produção exigiu a contratação de pessoas, isso foi considerado uma situação provisória e essas pessoas eram trabalhadas o tempo todo para que se tornassem independentes criando novos núcleos produtivos. Fruto desse processo, surge, em 1996, a Greiffer, que foi formada por um grupo de funcionários da Marc’ellsse que resolveu sair para montar sua própria fábrica. Ao sair da Marc’ellsse, estes funcionários receberam, como gratificação uma ou duas máquinas que constituíram seu capital inicial. Tanto as pessoas da Marc’ellsse como da Maic d’jol ajudaram a orientar o novo grupo, inclusive repassando pedidos quando eles estavam começando. Esta fábrica enfrentou dificuldades e hoje está ativa, mas fazendo apenas produtos terceirizados. Processo semelhante foi o da Marc shildrem que foi formada por funcionários da Maic d’jol. A Marc shildrem funcionou de 96 a 99 e no momento encontra-se paralisada. Ainda em 1996, foi iniciada uma outra fábrica comunitária, a Dejalmy, cuja proposta é semelhante. Inicialmente eram 15 pessoas, no processo algumas foram desistindo e recentemente estavam com apenas cinco sócios. Como nas situações anteriores, o capital veio da venda de bens pessoais. Um dos rapazes tinha uma moto que, vendida, permitiu comprar uma máquina de meia coluna. A Dejalmy cresce lentamente, mas de maneira sólida e estável. As várias fábricas tiveram ritmos diferenciados de desenvolvimento. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 77 Quadro 2.1 Dados da produção diária das fábricas comunitárias Birigüi – 1992/2000 Marc’ellsse 1992 1993 1º 2º 1º 2º 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 sem = sem = sem = sem = 250 250 350 600 650 650 850 30 120 120 180 Maic d’jol Dejalmy Greiffer Marc shildrem 20 80 80 180 250 400 500 500* 50 100 120 120 250 400 20 70 150 150 150* 20 70 150 150 fechou * TerceirIzado. No Quadro 2.1, podemos ver dados da produção ano a ano das cinco fábricas comunitárias. Em todas elas há procedimentos comuns: • A dinâmica de produção é semelhante; • o maquinário e equipamentos utilizados têm as mesmas características, muitas vezes sendo cedidos por uma das fábricas já em funcionamento para aquela que começava; • a matéria-prima é comprada dos mesmos fornecedores, o que possibilita negociar melhores condições de preço e pagamento; • os momentos de treinamento e formação dos trabalhadores são feitos em comum; • nos primeiros tempos, quando uma das fábricas tinha mais pedidos do que sua capacidade de produção, estes eram repassados para a fábrica que estivesse com escassez de pedidos; • ao iniciar o empreendimento, os sócios que ainda permaneciam trabalhando fora, punham o salário em comum, porque o que desse TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 78 para tirar de dentro da fábrica era somado com o que era recebido pelo pessoal que trabalhava fora e dividido por todos. Ao mesmo tempo em que atuavam profissionalmente nas fábricas, os grupos continuavam sua militância junto à Igreja Católica. Desde meados de 1994, uma articulação de grupos de base, potencializada pela EPOP – Equipe Permanente de Organização Popular23 – voltava-se para a questão da sustentação de grupos de geração de renda. Eram pequenas confecções, bordadeiras, pequenos produtores rurais, artesãos, etc., e dentre eles destacava-se o “grupo de Birigüi”. Como a maioria dos grupos tinha dificuldades de comercialização, decidiram criar uma Rede que foi nomeada “Rede de Experiências Econômicas Alternativas”. Esta Rede criava momentos de capacitação para os grupos e realizou eventos a partir dos quais os produtos eram levados a várias cidades, para comercialização. A FEPAL – Feira de Experiência de Produção Alternativa – trouxe uma maior visibilidade aos grupos e, conseqüentemente, às fábricas comunitárias de calçados. O significado da comercialização do produto das fábricas comunitárias nesses eventos sempre foi de pequeno porte; o que garantia a produção era o trabalho de vendas, conforme citado anteriormente. No entanto, depoimentos dos sócios atestam a importância do participar desses espaços devido à visibilidade nas cidades da região e junto aos grupos de Igreja. Por outro lado, os organizadores das Feiras consideravam que a participação do grupo de Birigüi nos eventos garantia uma outra qualidade, uma vez que os outros grupos tinham mais dificuldades em apresentar produtos que chamassem a atenção dos consumidores. Na busca da melhoria das condições de vida, algumas pessoas ligadas à Marc’ellsse (aquelas que não tinham moradia) cotizaram-se e compraram uma área onde construíram suas moradias, pomar, horta, espaço para as crianças, ou 23 Grupo de assessoria, mantido pela Diocese de Lins (Igreja Católica), que atuava na articulação, apoio e assessoria aos grupos de base. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 79 seja, uma pequena vila. As casas têm plantas diferenciadas por considerarem que apesar da proposta comunitária, as necessidades são diferentes. Fazem coletivamente apenas aquilo que consideram que precisa ser coletivo: água, luz, esgoto, pomar, horta, etc. A dosagem entre o que deve ser comum, por ser coletivo, e o respeito às diferenças tem permitido uma certa autonomia dos sujeitos, sem que isso signifique perda em relação ao projeto coletivamente construído. Ainda que com um projeto semelhante, as várias fábricas comunitárias têm tido desempenhos diferenciados: Nunca cresce por igual porque tem a diferença das pessoas, a estrutura das fábricas... (...) A Marc’ellsse foi um grupo privilegiado, porque nós pegamos numa época em que nós estávamos na Comunidade... Pegamos aquelas pessoas que sonhavam firme e formamos um grupo bom. No caso da Maic d’jol, também, nós conseguimos formar um grupo com maioria de pessoas que participavam de movimento, então já tinham alguma vivência nessa parte. E pegamos épocas menos piores. Aí está o resultado de uma crescer mais rápido e outras mais devagar. Umas começam com menos gente na experiência do calçado, outras não têm ninguém que pense administração e modelagem, e isso atrasa um pouco o crescimento. (MMS) Ao fundar a Marc’ellsse o grupo pretendia desencadear um processo a partir do qual surgiriam inúmeras pequenas empresas: queriam garantir espaços de trabalho, nos quais a sobrevivência estivesse assegurada e onde se estabelecesse uma relação de trabalho diferente daquela vivenciada nas fábricas tradicionais. Essas empresas seriam articuladas, formando um grupo mais forte que pudesse conseguir melhores condições de compra da matéria-prima, acesso a informações sobre novas tecnologias e novidades do mercado, de modo a viabilizar cada pequeno empreendimento. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 80 ... As fábricas, normalmente, faziam intercâmbios de material; quando faltava pedido para uma, a outra passava; havia também empréstimo de máquinas. Então, já existia o intercâmbio. Comprávamos materiais juntos. Aí a gente conversou na hipótese de formalizar isso, formar a cooperativa de fato mesmo, no papel. A gente conversou quase um ano em cima disso, fazendo estatuto, fazendo essas coisas. (MMS) Querendo consolidar esses intercâmbios entre as fábricas, é que toma corpo a discussão de criação da COMPABI – Cooperativa Mista de Produção Alternativa de Birigüi – cujos associados seriam os sócios das fábricas comunitárias. Da discussão que precedeu a fundação da COMPABI participaram os quadros das cinco fábricas, porém pouco antes do registro do Estatuto da Cooperativa, o pessoal da Marc’ellsse decidiu retirar-se por discordar de algumas decisões do grupo. Ao ser registrada, portanto, a COMPABI24 era formada pela Maic d’jol, Marc Shildrem, Dejalmy e Greiffer. Poucos dias após, no entanto, antes mesmo de começar a funcionar, o pessoal da Greiffer resolveu, também, retirar-se, tendo ficado, portanto Maic d’jol, Marc Shildrem e Dejalmy. O processo de constituição da COMPABI foi polêmico e mais desagregou do que agregou. É consenso na direção das fábricas que, ao formalizar juridicamente o intercâmbio que tinham, eles criaram um peso para as fábricas, porque cada uma teria que disponibilizar pessoas que ajudassem no funcionamento da cooperativa. Além disso, algumas pessoas viam o risco de que a cooperativa viesse a tirar a liberdade de cada fábrica definir seu caminho. Seja como for, é notório que a Maic d’jol perdeu muita vitalidade, pois seus sócios assumiram mais responsabilidades na condução da COMPABI e isso parece 24 O Estatuto da COMPABI aponta os seguintes objetivos: Unir os participantes dos Grupos comunitários; Administrar compras de matéria-prima e vendas dos produtos industrializados pelos grupos comunitários; Promover cursos de capacitação técnica e qualitativa; Promover trabalhos sociais junto aos cooperados, bem como creches, refeitórios, formação pessoal, plano de saúde, habitação entre outros; Promover a conscientização política, social, profissional, cooperativista e comunitária; e Ser empreendimento economicamente eficaz, de autogestão, onde os cooperados tomem as decisões. O Estatuto define, ainda, que TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 81 ter interferido no funcionamento da fábrica, que se encontra numa situação de fragilidade difícil de ser superada. As fábricas comunitárias são bem conceituadas pelos moradores da cidade, assim como nos meios empresariais e dos movimentos populares. Alguns dos sócios têm participado com outros micro-empresários e com representantes de sociedades amigos de bairro da União das Comissões Amigos de Bairro com as Micro-empresas. A primeira iniciativa posta em prática, União das Associações de Moradores – UNAM, foi uma articulação das várias Associações de Moradores que se reuniu e escolheu uma diretoria comum. O objetivo principal era o combate ao desemprego na cidade. Posteriormente, as fábricas comunitárias se juntaram à UNAM. Dentre as propostas da UNAM, destaca-se a criação de um mini-parque industrial. Discute-se com a Prefeitura a utilização de um espaço à beira da estrada que possibilitaria a construção de 20 pequenas fábricas, e mesmo um minishopping. Um mini-parque industrial ampliaria as vendas e possibilitaria às pequenas empresas construírem suas fábricas, já que a maioria funciona em imóveis alugados. Em médio prazo, essa providência baixaria o custo de produção, possibilitando a ampliação das fábricas e conseqüentemente a criação de novos empregos. Em curto prazo, geraria empregos na Construção Civil. Além disso, propuseram à Prefeitura que estude incentivos para as indústrias da cidade, pois várias indústrias têm sido procuradas por administrações de cidades próximas com promessas de cessão de terrenos, de construção a baixo custo e de isenção de impostos por 10 anos. À medida que fui me aproximando do objeto de estudo e conhecendo sua complexidade, foi preciso fazer uma opção metodológica: para uma análise mais detalhada, seria conveniente restringir o universo estudado. a COMPABI vai articular-se com outras organizações, apoiando iniciativas de ação e organização social, rural e urbana, e promovendo a solidariedade entre as pessoas e grupos. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: um cotidiano construído passo a passo Capítulo 2 82 Por isso, decidi concentrar-me no estudo da Marc’ellsse. Sendo a mais antiga das fábricas comunitárias, pode ser considerada a pioneira dentre este tipo de empresas, e foi no dia-a-dia de seu processo que foi amadurecendo esta nova relação de trabalho, refletindo os caminhos a serem seguidos, fazendo diversas experimentações e tendo que decidir empiricamente quais as melhores saídas. Sua história permite o acompanhamento desse processo. Esta fábrica comunitária iniciou, no ano 2000, um processo de exportação de seus produtos. O próximo capítulo focará o olhar na forma de organização da produção da Marc’ellsse, uma vez que se constituiu num aspecto essencial para compreensão e análise desta experiência. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 Capítulo 3 A DINÂMICA DE PRODUÇÃO DA MARC’ELLSSE 83 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 84 Como já apontado no Capítulo 1, a Igreja Católica, a partir da Conferência dos Bispos da América Latina, realizada em Medellin, na Colômbia, passou a orientar seus agentes para um trabalho voltado a uma tomada de consciência da exploração sofrida, fazendo surgir no meio popular as Comunidades Eclesiais de Base [CEBs], espaços de experiência comunitária, participativa e de renovação religiosa-cultural que tinham como características mais importantes: • O aspecto educativo-cultural que, opondo-se à massificação e manipulação cultural impetrada pela ditadura e pela burguesia, atacou na raiz o autoritarismo e a cultura da dominação que vinham desde as origens da colonização; • A experiência de democracia dentro dessas organizações, onde eram partilhadas as tarefas e responsabilidades, mas também a tomada de decisões. Neste sentido havia um trabalho significativo na recuperação do valor, do poder e do uso da palavra e na capacitação de todos para assumir seu lugar na sociedade e na organização desses núcleos que se propunham a intervir politicamente. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 85 No capítulo precedente foi evidenciado que a motivação alimentada na participação em Comunidades Eclesiais de Base, associada ao “espírito de aventura” próprio da juventude incitou um grupo de jovens a construir um projeto que concretizasse seus ideais e ao mesmo tempo possibilitasse sua sobrevivência material. Os membros do grupo eram jovens, a maioria solteiros. Talvez, naquele momento, mais do que construir o futuro, buscassem viver uma aventura: A gente falava que sim, vai dar certo, mas era uma aventura. A gente não pensava minha vida vai ser isso aqui [...] de início a gente não tinha isso na cabeça não.(EER) A experiência profissional acumulada e a vocação da cidade onde viviam foram determinantes na opção pela produção de calçados. 3.1. Proposta inicial Para analisar a dinâmica produtiva da Marc’ellsse, é necessário retomar alguns aspectos já abordados no Capítulo 2. Em depoimento fornecido a Vedovotto, JCM afirmava: Produzir calçado de forma comunitária, que tivesse função social, protegendo os pés dos consumidores, e que, ao mesmo tempo garantisse a sobrevivência digna e honesta, pelo trabalho, fortalecendo a experiência de vida comunitária, em que tudo pudesse ser partilhado: lucro, prejuízo, alegria, dificuldades, conhecimentos, idéias e até mesmo os sonhos de cada um. (Vedovotto, 1998:82) Este foi o objetivo construído pelo grupo de 12 jovens que decidiu iniciar o primeiro de uma série de empreendimentos que denominaram de fábricas comunitárias. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 86 3.1.1. Fábrica comunitária A fábrica de calçados (tênis) que é objeto deste estudo foi nomeada por seus membros como fábrica comunitária. Isto nos remete ao conceito de comunidade: pode-se dizer que a discussão “foi gestada, inicialmente, no período de transição da sociedade feudal para a sociedade burguesa. Os principais intelectuais da época, diante das enormes transformações que se operavam pelo advento e hegemonia do capital cunharam a categoria de comunidade como expressão do tipo de relações sociais que se tinha no primeiro momento, buscando contrarrestar com o novo tipo de relações sociais que se iam afirmando, à base de contrato e dos interesses estabelecidos à base da troca, a partir da venda de mercadorias, típicas da sociedade burguesa. Comunidade e sociedade, então, eram categorias que expressavam dois tipos de organizações sociais” (Simões, 1998:16). A partir deste entendimento, comunidade é o local onde as pessoas estão associadas e têm laços orgânicos. Ancoradas nessa relação, as pessoas se ajudam mutuamente, pensam coletivamente e buscam a melhoria de todos. Segundo Tönnies, os homens se associam quando estabelecem relações positivas; esta vontade de associar-se, que é a base para qualquer associação, é subjetiva (pessoal); e leva as pessoas a agirem de forma homogênea tanto externa quanto internamente. O conceito de comunidade foi se modificando no tempo sob a influência das diferentes matrizes teórico-metodológicas. Nas tendências epistemológicas em que prevalece, por exemplo, a noção de processo, a concepção de comunidade pode ser entendida como processo histórico em que indivíduos e grupos assumem TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 87 identidade referida ao coletivo. Nesta acepção é o sentido de coletivo que se sobrepõe ao de comum. Juridicamente, a fábrica é uma sociedade comercial de capital limitado, cujo patrimônio é constituído pela participação financeira, mobiliária e imobiliária dos sócios, doações, empréstimos e financiamentos, além da capitalização nas operações mercantis. Seu capital encontra-se distribuído igualmente entre os doze sócios que coordenam a produção, atuando cotidianamente na linha de montagem. Atente-se para o fato de que as retiradas dos sócios, enquanto prólabores, representam valor muito próximo daquele que é pago como salário aos trabalhadores. Sua área de atuação é a produção de calçados tipo tênis que são comercializados em vários estados brasileiros, estando em andamento um processo de exportação de seus produtos para o exterior. A direção técnica da fábrica está em mãos dos sócios (detentores do capital) que criaram um desenho organizacional no qual se situam estrategicamente nos diversos pontos da fábrica, atuando junto com os trabalhadores. É sistema de gestão em que os sócios combinam a visão ampla da produção com visões específicas necessárias à tomada de decisões relativas ao funcionamento de cada um dos setores. Nas atividades que objetivam aprofundamento sobre novas tecnologias, os sócios se fazem acompanhar de trabalhadores da fábrica de modo a garantir que os estudos sejam feitos considerando a ótica de quem está na linha de produção, além de garantir a circulação de informações entre os trabalhadores. Poder-se-ia fazer um paralelo desta forma de organização e gestão com o que Marx chamou de “sociedades por ações” No século passado, Karl Marx, no seu O Capital, já via nas sociedades por ações os fundamentos técnicos-formais de um novo modo de produção, que integra o “trabalhador coletivo” tornando TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 88 obsoleta a direção do capitalista. Em outros termos, a estrutura das sociedades por ações redefiniu o capitalismo como modo de produção, às custas da exclusão do capitalista enquanto propriedade e direção personalizadas. Por isso Marx enunciara que sob a ótica capitalista o lucro aparece como fruto do trabalho do capitalista, e ele, como trabalhador, fazendo jus ao que Marx denominara “salário de superintendência”. Esse tipo de salário aparece em qualquer estrutura que se funde no antagonismo de classes. (Tragtemberg, 1989:9) As fábricas comunitárias aqui estudadas não se configuram como sociedades por ações – juridicamente são sociedades comerciais de capital limitado – porém, vale salientar, da citação acima, a referência ao “trabalhador coletivo” que, segundo Marx, torna obsoleta a direção do capitalista, excluindo-o enquanto propriedade e direção personalizadas. Na Marc’ellsse, como nas outras fábricas que seguem seu modelo de gestão, há uma integração não apenas do capitalista com o diretor/controlador da produção, mas destes com o trabalhador, pois estes controladores estão alocados na linha de produção. Neste sentido, seus salários não podem nem ao menos ser considerados salários de superintendência, pois são remunerados por seu trabalho na produção. Em termos clássicos, há nas empresas três tipos de papéis: o acionista, o executivo e a força de trabalho. Detentores do fator Capital, os acionistas assumem todos os riscos, recebendo em troca algumas compensações relativas e, talvez alguns benefícios de poder. Os executivos, contratados para a tomada de decisões, devem garantir os interesses dos acionistas. E os trabalhadores que, pela venda de sua força de trabalho, garantem o funcionamento da empresa. Nestas fábricas comunitárias, os meios de produção são propriedade de alguns trabalhadores, num processo em que eles próprios estavam desejosos e habilitados a assumir o controle dos meios de produção. Por esta condição, estes TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 89 trabalhadores vivem os três papéis, por vezes em diferentes momentos, e às vezes, até mesmo concomitantemente, tendo que conviver com os conflitos existentes entre eles. Tragtemberg aponta que o grande obstáculo para a realização de idéias como esta é a participação operária nas decisões da empresa: Segundo os ideólogos das grandes corporações, o problema é evitar que o trabalho usurpe as funções de poder gerencial legitimadas. Enquanto isso, sob o impacto do desemprego tecnológico, os operários procuram vincular-se à fábrica enquanto “propriedade coletiva”. (Tragtemberg, 1989:12) Imbuídos do espírito comunitário, os idealizadores destas fábricas têm uma preocupação permanente com a formação dos trabalhadores e com a manutenção de processo democrático de tomada de decisões. Ainda que a decisão esteja em mãos da minoria diretiva que são os sócios, há um processo de consulta e de discussão da dinâmica de produção que envolve o conjunto de trabalhadores. 3.1.2. O início da produção O primeiro produto do grupo foi nomeado de “sapatinho de menina-moça” – calçado infantil, fechado. A matéria-prima foi comprada em São Paulo, pois tinham a informação que os preços da capital eram menores do que aqueles que poderiam encontrar na cidade de Birigui, onde residiam. O sapatinho de menina-moça não vendeu, encalhou e com as dívidas acumuladas bateu o desespero na maioria porque eram pessoas que viviam de salários baixos e de repente precisavam administrar um prejuízo considerado impagável para alguns. (Vedovotto, 1998:82) TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 90 Meses depois, no início de 92, foi iniciada a produção do tênis infantil, marca FK-12. A lição aprendida com o primeiro produto levou-os a uma nova estratégia: produziram apenas um mostruário que foi colocado nas mãos de um experiente vendedor do setor de calçados e aguardaram as vendas antes de iniciar a produção. Nas primeiras semanas, as vendas do novo produto extrapolaram as previsões, indicando que a empresa poderia ter sucesso. A proposta inicial foi a constituição da fábrica como uma sociedade limitada. A sede inicial foi instalada em dois cômodos construídos no fundo do quintal dos pais de JCM. O valor arrecadado pelo grupo – FGTS de um e venda do carro de outro – era suficiente apenas para a compra de uma máquina de costura e de ferramentas. As necessidades foram superadas com esforço e criatividade. Em seus depoimentos, contam que improvisaram uma frizadeira com um motor de liqüidificador e construíram artesanalmente uma prensa de madeira. O corte das peças era feito com estiletes, a partir de moldes em papelão. Nesse primeiro momento os produtores eram os próprios sócios que tinham experiências em setores diversos da produção de calçados e assim se dividiam como modeladores, cortadores, pespontadores e montadores. Cada sócio participava com seu trabalho e conhecimento. A maior dificuldade foi a obtenção de crédito para compra da matériaprima; o apoio para superá-la veio de Ismael Varoni, proprietário da Peroni – Indústria e Comércio de Calçados Ltda., que além de incentivador, colocou seu nome à disposição do grupo, servindo de referência para ele junto aos fornecedores. Certa feita fomos até a K & B, de Mauri Oliveira, buscar matériaprima e demos Ismael como referência. Ao ver uns garotos de camiseta, alguns com chinelo de dedo, Mauri não acreditou e ligou TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 91 imediatamente para Ismael. Só depois disso conseguimos o material e o crédito.(Vedovotto, 1998:83) A compra da matéria-prima a prazo – saída encontrada para superar a falta de capital – imprimia uma velocidade maior à produção. “Compra material, transforma em calçado, pega o cheque, transforma o cheque em dinheiro, paga o material, compra outro, transforma em calçado...” – desta forma, Mauro explica a dinâmica inicial para fazer frente à falta de capital. As vendas eram feitas para pagamento 30 dias após a entrega. A duplicata, ou cheque pré-datado, era trocada em agentes financeiros informais de modo a possibilitar o pagamento da matéria-prima comprada com prazo de 45 dias. Qualquer atraso na produção ocasionaria uma falta de caixa para respeitar o compromisso assumido com os fornecedores, o que geraria uma perda do crédito, a conseqüência disso era uma jornada de trabalho extensiva. Dentro da pequena fábrica, desde esse primeiro momento, está muito clara a cooperação baseada na divisão de tarefas: corte; colagem e pesponto; montagem; expedição e administração. As vendas seguiam sendo feitas por aquele primeiro representante, que vendia, cobrava e entregava a mercadoria. Durante o ano de 199325, a produção teve um crescimento de 50% [120 pares/dia em janeiro e 180 pares/dia em dezembro]. O cumprimento dessa tarefa foi possível devido à extensão das jornadas de trabalho e os próprios sócios deram conta de toda a produção. 25 Ainda neste ano, surge a segunda fábrica comunitária - a Maic d’jol, que realizava uma produção inicial de 20 pares/dia. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 92 3.2. A busca de um sistema de gestão· Integração grupal, crescimento pessoal e profissional, visando à satisfação e bem-estar de todos, com responsabilidade de crescer com qualidade, projetar o sucesso de nossa marca onde identificamos nossa existência. (Missão da Marc’ellsse, 2000) 3.2.1. Autogestão O propósito da Marc’ellsse era a constituição de experiências coletivas de trabalho e produção nas quais trabalhadores, visando à preservação de seus postos de trabalho, assumiam uma postura pró-ativa, empenhando-se na formação de empresas autogeridas e co-geridas. Ultimamente, a idéia da autogestão tem estado presente no debate público nacional e internacional.26 Não se pode considerar, no entanto, que a autogestão seja uma novidade da década de 1990: ela é tão velha quanto a própria empresa industrial. Segundo Vieitez (1997:27) Hoje, ela volta ao cenário em função, basicamente, das experiências denominadas de economia social, terceiro setor e cooperativismo de trabalho, que apresentam uma vitalidade impressionante nas economias da Europa Ocidental e Estados Unidos. 26 Segundo dados da SERT (1998:9), em 1998, as cooperativas brasileiras eram responsáveis por 75% do trigo, 40% do açúcar, 32% do álcool, 37% da soja, e 41% da cevada produzidos no país. São elas ainda as responsáveis por 43% das exportações brasileiras de lã e derivados, por 53% do leite inspecionado, 25,5% do leite em pó integral, 42% do leite desnatado, 50% da manteiga, 35% do queijo e 40% do iogurte produzido no Brasil e ainda de 23% da capacidade nacional de armazenamento de grãos. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 93 No Brasil, muitas dessas empresas autogeridas e co-geridas são fruto de falências, muitas das quais atribuídas à abertura do mercado interno, com câmbio sobrevalorizado e altas taxas de juros: São milhares de trabalhadores resgatando auto-estima e cidadania que, hoje, detêm em suas mãos os meios de produção e o próprio destino. Não são mais operários em construção. São cidadãos brasileiros construindo a autogestão e garantindo o sustento de milhares de famílias. (Anteag, 2000:3) O BNDES considera que Autogestão é um modelo administrativo no qual o controle da empresa é exercido pelos trabalhadores. O objetivo principal é a democratização do capital através de soluções coletivas para a manutenção dos postos de trabalho, associada ao desenvolvimento e ao crescimento empresarial. Os projetos de autogestão destinam-se aos trabalhadores organizados, na sua maioria em associações ou cooperativas nos setores industrial e de serviços.27 Segundo Rech (1995) este “trabalhar junto” era visto como um embrião de uma nova sociedade onde os trabalhadores estariam livres do jogo do capital, podendo mesclar interesses pessoais e coletivos. Não se trata aqui apenas do aumento da força produtiva individual por meio da cooperação mas da criação de uma força produtiva que tem de ser, em si e para si, uma força de massas. [...]. O trabalho individual de cada um pode ainda assim representar, como parte do trabalho global, diferentes fases do próprio processo de trabalho, as quais o objeto de trabalho percorre mais rapidamente em virtude da cooperação. [...] Por outro lado, ocorre combinação de trabalho quando, por exemplo, uma construção é 27 Texto extraído de: www.bndes.gov.br/atuar/cogestao.htm. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 94 iniciada ao mesmo tempo, de vários lados, embora os que cooperam façam o mesmo ou algo da mesma espécie.(Marx, 1985a:260) A idéia inicial da cooperação total foi inviabilizada em virtude da absorção da idéia cooperativa pelo sistema capitalista, na medida em que a cooperação vinculada ao capital tomou ares de uma empresa de características comerciais, havendo algumas exceções em países com tradição cultural coletivista. A ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária –, em seu folder institucional defende que a autogestão é um “modelo administrativo onde as decisões e o controle da empresa são exercidos pelos trabalhadores”. Trata-se de uma proposta por meio da qual os trabalhadores “decidem sobre tudo: metas de produção, salários, políticas de investimento e modernização, política de pessoal, mercado, etc.”. Segundo essa concepção, prossegue o folder da Anteag, a autogestão é a busca de soluções coletivas para problemas sociais, em meio à crise industrial e o desemprego, por meio do controle das empresas. É a participação direta e inteligente do coletivo na tomada de decisões e no poder da empresa. A autogestão contribui para a busca de saídas relativas a problemas concretos de alguns grupos de trabalhadores, pois preserva postos de trabalho que de outra forma estariam perdidos. Este novo experimento social aponta para mudança radical que se encontra em construção tanto do ponto de vista pessoal (dos trabalhadores) quanto nos seus aspectos legais, de gestão e de organização da produção. Nesse processo de mudança emergem aspectos que precisam ser constantemente aprofundados uma vez que propõe: TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo • Capítulo 3 95 uma nova relação entre propriedade e liberdade de ação – ainda que, ao nível do discurso, os trabalhadores explicitem que “são os donos”, ao inserir-se na cooperativa, a maioria deles se comporta como se ainda tivesse “patrão”; • uma outra perspectiva de remuneração – além da esperança do vir a ganhar mais, há um sentimento subjacente do “nunca mais ser demitido” que gesta um sentimento de segurança; • uma co-responsabilização pelas decisões – que exige um apropriar-se do todo do “negócio” e uma postura clara no definir os regimentos; • um equilíbrio orçamentário que permita a compra dos equipamentos necessários sem esquecer a necessidade de remuneração justa para os trabalhadores. A autogestão implica um potencial novo que é a coesão entre os trabalhadores: relação que se constrói apesar e a partir dos conflitos. Nesse processo, as empresas autogestionárias têm provocado um efeito colateral que é um aumento da participação de setores populares. Estes setores, que sempre estiveram excluídos, demandam uma pedagogia nova a partir da qual apropriamse de tecnologias produtivas, adequando-as à sua cultura e ao saber popular, iniciando a construção de um novo conceito: a economia popular solidária, que, ainda que se integre e se comunique com a economia de mercado, mantém uma certa autonomia por conter no seu interior uma outra lógica que é a lógica da solidariedade e da democracia. Esta construção não se dá sem riscos como a remuneração ficar muito baixa (pela necessidade de novos investimentos), haver uma sobrecarga de trabalho (horas extras não remuneradas para superar equipamentos desatualizados), o imobilismo na espera de subsídios e, até mesmo, um certo desapontamento quando os benefícios e dividendos demoram a ser TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 96 distribuídos (muitas vezes pela sobrecarga ocasionada pelas dívidas da empresa anterior28 que podem vir a ser eternas). Segundo Paul Singer, em entrevista concedida para esta pesquisa (2000), pontua que a autogestão é a experiência mais revolucionária face ao autoritarismo característico das relações de trabalho capitalistas. Ela constitui um modo de produção distinto dentro do sistema econômico dominado pelo capital e prenuncia uma economia democrática, sucessora da atual. Ainda falando sobre o significado das experiências de autogestão, Singer pondera que elas proporcionam a criação de postos de trabalho, mas em nível inevitavelmente lento, pois exigem um processo de reeducação da maioria dos trabalhadores. Dada a urgência em enfrentar o desemprego em massa, a autogestão não substitui políticas de desenvolvimento econômico que ensejam a reinserção de milhões na produção e consumo.(idem) A Marc’ellsse tem características híbridas de gestão, pois, ainda que mantenha o estatuto jurídico de uma empresa limitada, construiu um sistema de informações e um processo de tomada de decisões em que cada um dos trabalhadores participa da decisão sobre metas de produção, salários, políticas de investimentos, modernização e política de pessoal. 28 Muitos destes novos empreendimentos estão ancorados em empresas em situação pré-falimentar o que faz com que estes trabalhadores tenham que dar conta da empresa em construção e dos compromissos herdados. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 97 3.2.2. A vinda de novos trabalhadores O ritmo de crescimento iniciado em 1992 e 1993 manteve-se em 1994. A produção de 1994, que se iniciara com 180 pares/dia, chega a 250 pares/dia no final do ano. Para essa produção o grupo dos 12 já não era suficiente e foi necessário incorporar novos trabalhadores. Decidida a contratação das pessoas, havia uma segunda decisão a ser tomada e essa era relativa à remuneração. Desde o princípio, os sócios se dividiam cumprindo as diversas funções que a produção demandava e todos percebiam o mesmo valor. Ainda que tivessem vindo de empresas onde estas funções são remuneradas diferentemente, dependendo de sua complexidade, haviam decidido que todos ganhariam igualmente e reforçavam isso dizendo que se houvesse o cortador, mas não houvesse o passador de cola, o sapato não saía pronto lá na frente, e nós não íamos faturar. Então, não adianta você ter um cortador, ele jogar 50.000 pares cortados lá na frente e ficar sem passar cola para continuar a produção. [RP] Sem considerarmos a criação de novos modelos [desenho, modelagem, etc.] e nem a questão administrativa [compras, manutenção de estoque, etc.] existem algumas tarefas profissionais que são imprescindíveis na produção de calçados. São elas o corte das peças, a colagem, o pesponto e a montagem. No mercado profissional, as funções de cortador e de montador são mais bem remuneradas do que a função de pespontador. Evidentemente, os auxiliares (montagem, corte, pesponto) ganham menos do que os responsáveis pela tarefa. A função pior remunerada é a do colador. A decisão da Marc’ellsse pela contratação de trabalhadores foi perpassada por muitas discussões no âmbito dos doze sócios, em virtude de a proposta original ser de um empreendimento em que não houvesse patrões nem TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 98 empregados, em que todos fossem responsáveis pela produção e pudessem igualmente repartir os frutos do trabalho do conjunto das pessoas. Tal decisão foi determinada pela impossibilidade de estabelecerem novo processo de procura de mais sócios, pelo fato de pedidos estarem crescendo e ser necessária uma ampliação imediata da produção. O entendimento dos sócios, naquele primeiro momento, era que as pessoas seriam contratadas imediatamente como trabalhadores da Marc’ellsse, mas com elas seria feito um processo que possibilitaria a formação de um novo grupo, e, portanto a criação de uma nova fábrica, onde, novamente, ninguém seria patrão ou empregado, mas todos teriam igual responsabilidade na produção, cujos frutos seriam divididos igualmente entre todos. Segundo Marx (1978:81), A força de trabalho de um homem consiste, pura e simplesmente, na sua individualidade viva. Para poder crescer e manter-se, um homem precisa consumir uma determinada quantidade de meios de subsistência, o homem, como a máquina, se gasta e tem que ser substituído por outro homem. Além da soma de artigos de primeira necessidade exigidos para o seu próprio sustento, ele precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar determinado número de filhos, que hão de substituí-lo no mercado de trabalho e perpetuar a raça dos trabalhadores. Ademais, tem que gastar outra soma de valores no desenvolvimento de sua força de trabalho e na aquisição de uma certa habilidade. A partir deste entendimento, e considerando a importância de cada uma das funções na produção, o grupo propunha que os salários fossem iguais, independente da tarefa que o trabalhador desempenhasse na produção. O salário proposto era equiparado àqueles que eram pagos, pelas outras fábricas da cidade, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo para os trabalhadores mais qualificados Capítulo 3 [cortadores]. Estas 99 condições permaneceram por cerca de um ano, porém, desagradou aos trabalhadores. Os cortadores (considerada a função mais especializada) – questionavam estar ganhando o mesmo que as pespontadeiras ou coladeiras. De outro lado, as pessoas que eram coladeiras de peça [a função mais simples que há na produção] não tinham incentivo algum para empenhar-se em aprender outras funções, uma vez que a remuneração não se alteraria se mudassem de função. Sobre isso, Marx já pontuava... Dentro de um sistema de salariado, o valor da força de trabalho se fixa como o de outra mercadoria qualquer; e, como distintas espécies de força de trabalho possuem distintos valores ou exigem para a sua produção distintas quantidades de trabalho, necessariamente têm que ter preços distintos no mercado de trabalho. Pedir uma retribuição igual ou simplesmente uma retribuição justa, na base do sistema do salariado, é o mesmo que pedir liberdade na base do sistema de escravatura. (Marx, 1978:81-82) Interessante observar que não há uma distância muito grande de salários entre as funções acima citadas29 e, no entanto, os trabalhadores apresentaram resistências em receber o mesmo salário. Os relatos demonstram que os trabalhadores reclamavam de seus salários, porém permaneciam na fábrica, pois, na realidade seus salários eram superiores aos praticados pelo mercado local. A reconstituição da história do grupo revela que também não é verdade que todos os trabalhadores que vieram para a Marc’ellsse aceitaram o desafio de iniciar uma nova fábrica. Dos 10 trabalhadores que foram contratados pela Marc’ellsse, naquele primeiro momento, cinco se dispuseram a fazer a tentativa, e criaram a 29 Em setembro de 2000, a Marc’ellsse praticava os seguintes salários (mensais): Cortador = R$ 285 a R$ 416; Montador = R$ 398; Pespontador = R$ 260 a R$ 321; Coladores = R$ 225; Auxiliar de Montagem = R$ 163 a R$ 335; Auxiliar de Pesponto = R$ 215 a R$ 240. As variações dentro de uma mesma função estão referidas ao tempo de trabalho. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 100 Greiffer, que funcionou alguns anos mas com muita dificuldade. Hoje, a maioria dos sócios saiu de lá, alguns deles tendo voltado para suas funções anteriores na Marc’ellsse, e o pequeno grupo que se mantém está fazendo apenas serviço terceirizado.30 3.2.3. Crise nas vendas e diminuição da produção O crescimento da estrutura de cada uma das fábricas representou sempre um processo cuidadoso. Há preocupação do grupo com o ambiente da fábrica e com o bem-estar dos trabalhadores, e, são muito cautelosos para não fazer ampliações temporárias que levem num segundo momento a demissões. O grupo encarregado da produção na Marc’ellsse era de 25 pessoas, treze sócios e doze colaboradores, quando em 1995 eles tiveram um ano ruim em vendas. A primeira providência foi a redução de jornada com redução de salários para todos, de modo a não demitir ninguém. Num segundo momento, a situação se agravou ainda mais e repetindo o que haviam feito no primeiro momento, quando das dificuldades em relação ao primeiro produto, os sócios decidiram buscar outros trabalhos [colheita de feijão, construção de casas, etc.] deixando poucas pessoas encarregadas pela pequena produção que havia sido vendida31. As pessoas que haviam sido contratadas no ano anterior foram convidadas a acompanhar os sócios nessa empreitada, mas poucos aceitaram. Os que não aceitaram, saíram da empresa e foram procurar sua sobrevivência em outro lugar. O ano seguinte, 95, foi um ano difícil. Tivemos que fazer casa, fazer horta... Faltou trabalho para todo mundo, aí nós optamos por pegar casas para construir, acho que construímos umas três ou 30 A terceirização aqui apontada não é o trabalho por facção em que uma fábrica faz apenas uma parte do produto. A Greiffer produz o calçado todo, do corte à montagem, mas a empresa que repassa o pedido a eles se responsabiliza pela compra da matéria-prima e pela venda dos produtos acabados. 31 A Maic d’jol, fábrica irmã, procedeu da mesma maneira. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 101 quatro casas. Ficavam algumas pessoas aqui dentro fazendo o sapato que vinha encomenda (...) e os outros trabalhando fora. Foi assim até a coisa dar uma clareada, e voltamos todos para a fábrica. (MMS) Os salários recebidos nas distintas tarefas desempenhadas eram diferentes, mas o acordo de partilha fazia com que aquilo que cada um ganhava fosse colocado num caixa comum e redividido por todos, de forma igualitária. Este hiato durou três meses. Após esse tempo, a produção foi retomada a partir de um novo modelo de sapato que, apresentado ao mercado, reaqueceu as vendas. A interrupção da produção ensejou reformulações: rediscutiram as regras relativas à forma de trabalho, à remuneração e ao vínculo dos trabalhadores com a empresa. Naquele momento, ainda acreditavam que muitos trabalhadores tivessem o mesmo sonho que eles e buscavam fortalecê-los por meio de atividades de formação, nas quais refletiam o processo vivido e as lições aprendidas. Ainda que juridicamente constituídas como sociedades comerciais de capital limitado, as fábricas comunitárias, assim construídas, propõem que, entre todos as pessoas que trabalham na fábrica, independente de seu vínculo com o empreendimento, haja um relacionamento de cooperação. O trabalho baseado na cooperação é definido por Marx: ”A forma de trabalho em que muitos trabalham planejadamente lado a lado e conjuntamente no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos, chama-se cooperação” (1985a:259). Levando em conta os conflitos que haviam vivido no período anterior, em que muitos não aceitavam a igualdade de remuneração para funções diferenciadas, foram criadas três faixas de salário, acompanhando os valores de TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 102 mercado. Essa decisão, tomada pelo conjunto dos 12 sócios, redundava numa economia para a fábrica. Convencionaram que o excedente seria guardado para fazer frente às folhas de pagamento nos períodos em que houvesse necessidade de diminuição da produção por problemas nas vendas. Ainda no ano de 199532, conseguiram retomar a produção de 250 pares/dia na Marc’ellsse e 80 pares/dia na Maic d’jol. O espaço de reflexão sobre os processos empreendidos e a socialização dos avanços e das dificuldades propiciava trocas diversas entre as fábricas. Exemplo disso foi a utilização, pelas várias fábricas, em sistema de rodízio, das primeiras máquinas de bordar. O repasse de pedidos, quando uma tinha muito serviço e outra estava ociosa e a compra conjunta de matéria-prima foram algumas das ações concretas que apontavam a conveniência de um trabalho em rede. 3.3. A divisão do trabalho A experiência da Marc’ellsse, e das fábricas que seguiram seu exemplo, representa a concretização de um empreendimento onde a divisão técnica do trabalho acompanha as exigências de mercado, ao mesmo tempo em que se garante a convivialidade que se contrapõe à separação que geralmente ocorre e é provocada pela divisão social do trabalho. Dez anos passados da instalação da primeira empresa, a experiência aponta a construção de um novo modo de trabalhar. O grupo tem buscado acompanhar as evoluções da tecnologia do seu setor e, com isso, mantém uma divisão técnica do trabalho avançada, com momentos de formação dos trabalhadores, atuando no 32 Foi neste mesmo ano que surgiu a terceira fábrica comunitária, com uma produção inicial de 50 pares/dia. A Dejalmy – montada nos mesmos moldes – e que passou a atuar em parceria com as outras duas. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 103 sentido de que esta especialização não provoque distanciamento entre os trabalhadores ou um olhar fragmentado da produção. A preocupação com a formação e a constatação da baixa escolaridade da maioria dos trabalhadores, levou à montagem de um curso de alfabetização que funcionou durante alguns anos e foi reconhecido pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura. Retomando aspectos importantes da trajetória do grupo, vale a pena ressaltar que o que eles propunham, inicialmente, era um empreendimento onde não houvessem empregados, onde todos fossem igualmente proprietários dos meios de produção. Segundo Gorz (1989:17) “a propriedade coletiva dos instrumentos pode significar que a comunidade se empenha em utilizá-los de modo a promover relações sociais de convivência”. Na construção das relações sociais de convivência, entenderam, desde o princípio, a necessidade de divisão de responsabilidades pelas diversas funções existentes na produção do calçado. Cada um deles conhecia o processo como um todo, mas estava incumbido de uma parcela da produção, mantendo-se naquela função para a qual tinha melhores habilidades. A unidade dos trabalhos socialmente divididos buscava corresponder à experiência da cooperação, da troca, de uma produção em comum de um resultado global. Marx (1985a:275) afirma que: As diferentes operações que são executadas alternadamente pelo produtor de uma mercadoria e que se entrelaçam no conjunto de seu processo de trabalho apresentam-lhe exigências diferentes. Numa ele tem de desenvolver mais força, em outra mais habilidade, numa terceira mais atenção mental etc., e o mesmo indivíduo não possui essas qualidades no mesmo grau. Depois da separação, autonomização e isolamento das diferentes operações, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 104 os trabalhadores são separados, classificados e agrupados segundo suas qualidades dominantes. Se suas peculiaridades naturais formam a base sobre a qual se monta a divisão do trabalho, a manufatura desenvolve, uma vez introduzida, forças de trabalho que por natureza só são aptas para funções específicas unilaterais. O trabalhador coletivo possui agora todas as propriedades produtivas no mesmo grau de virtuosidade e ao mesmo tempo as despende de maneira mais econômica, empregando todos os seus órgãos, individualizados em trabalhadores ou grupos de trabalhadores determinados, exclusivamente para suas funções específicas. Podemos fazer um paralelo entre este modo de funcionamento e o mecanismo que era utilizado no período manufatureiro onde o próprio trabalhador coletivo era composto de muitos trabalhadores parciais. Em vez do mesmo artífice executar as diferentes operações dentro de uma seqüência temporal, elas são desprendidas umas das outras, isoladas, justapostas no espaço, cada uma delas confiada a um artífice diferente e todas executadas ao mesmo tempo pelos cooperadores. Essa divisão acidental se repete, mostra suas vantagens peculiares e ossifica-se pouco a pouco em divisão sistemática do trabalho. Do produto individual de um artífice autônomo, que faz muitas coisas, a mercadoria transforma-se no produto social de uma união de artífices, cada um dos quais realiza ininterruptamente uma mesma tarefa parcial. (Marx, 1985a:268) Podemos dizer que a produção inicial na Marc’ellsse era praticamente artesanal; por exemplo: o corte das peças era realizado com base em moldes sobrepostos ao tecido e cortados com estiletes por um trabalhador que tinha habilidade nisso; as máquinas de costura eram poucas e nem sempre totalmente adequadas ao produto realizado; a montagem era manual. Dentre os sócios, havia TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 105 aqueles que eram bons modeladores, cortadores e montadores e havia aqueles que vinham de outros ramos de trabalho e que, por isso, não tinham especialização na indústria calçadista. Dentre eles, havia divisão do trabalho, mas não havia hierarquia, pois consideravam que todas as tarefas eram igualmente necessárias para que o calçado fosse produzido com qualidade. Na Crítica da divisão do trabalho, Gorz (1989:23) alerta que nem a hierarquia nem a divisão do trabalho nasceram com o capitalismo. A divisão social do trabalho, a especialização das tarefas é uma característica de todas as sociedades complexas e não um traço particular das sociedades industrializadas ou economicamente evoluídas; basta pensar na divisão do trabalho em castas e na hierarquia que a acompanha, na sociedade tradicional hindu. A divisão técnica do trabalho, tampouco, é exclusiva do capitalismo ou da indústria moderna. A produção têxtil, por exemplo, mesmo sob o sistema corporativo, era dividida em tarefas separadas, cada uma controlada por especialistas. Mas, como já dissemos, o artesão membro de uma guilda controlava o produto e o processo de produção. O que devemos esclarecer é por que a divisão do trabalho de tipo corporativo sucumbiu à divisão do trabalho do tipo capitalista, na qual a tarefa do trabalhador tornou-se tão especializada e parcelada, que ele não tinha praticamente mais produto para vender e, em conseqüência, devia submeter-se ao capitalista para combinar seu trabalho com o dos outros operários e fazer, do conjunto, um produto mercantil. Levaram mais de seis meses procurando pessoas que, com eles, aceitassem o desafio de começar algo novo: um empreendimento no qual não haveria patrões e empregados. Por esta proposta, haveria tarefas separadas que seriam realizadas pelos sócios, além de um controle coletivo do produto e do processo de produção. Eram doze e doze continuariam sendo, e produziriam aquilo que seus braços o TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 106 permitissem, sem a ambição de ir além disso. Conforme já explicitado, no início, as tarefas foram distribuídas entre todos, e independente do grau de complexidade delas, todos recebiam salários do mesmo valor. Muito rapidamente, o grupo compreendeu que a empresa criada estava dentro do sistema capitalista no qual ou se acompanha o ritmo do mercado ou se sucumbe e morre. A aceitação do produto forçou o aumento da produção, o que significou, necessariamente, a incorporação de novos trabalhadores num prazo curto de tempo, e a manutenção de um ritmo acelerado na produção. Não havia tempo de fazer o mesmo processo de seleção que buscasse identificar pessoas que aceitassem o desafio de construir um paradigma novo; era preciso contratar trabalhadores no mercado como o fazem as outras empresas. Nas primeiras contratações, a Marc’ellsse apresentava uma proposta que se diferenciava das de outras empresas em dois aspectos: a relação entre os trabalhadores e sócios e a definição de que, independente do papel a ser exercido na produção, a remuneração e as condições de trabalho seriam as mesmas. Não apenas os trabalhadores das diversas funções tinham a mesma remuneração, mas esta era igual à remuneração recebida pelos sócios do empreendimento. As regras colocadas, também, eram iguais para todos. O grupo procurava vivenciar uma igualdade de condições entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores. Durante os primeiros anos, os membros do grupo inicial partiam do pressuposto de que todos os trabalhadores querem ser seus próprios patrões e buscavam incentivá-los e mesmo dar condições para que eles formassem novos grupos que começassem uma experiência autônoma.33 33 Vide, no capítulo 2 – Uma História Construída ao Trabalhar, o relato sobre o surgimento da Marc Shildrem, Greiffer e Dejalmy. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 107 Alguns anos após a contratação dos primeiros empregados, a fábrica redefine sua política de remuneração estabelecendo faixas de salários de acordo com o tipo de função exercida na produção. A retirada dos sócios corresponde a 25% a mais do que a faixa de salário mais alta, sendo este valor fixo, ainda que estes sócios façam horas a mais de trabalho, o que para os empregados corresponde a horas extras. 3.3.1. A apropriação da riqueza Para distinguir a origem do acréscimo de produtividade de um empreendimento como a Marc’ellsse, é preciso analisar sua estrutura e como se dá no seu interior a composição orgânica do Capital. Para o entendimento da estrutura da Marc’ellsse, vamos nos deter em três aspectos: sua dimensão, sua complexidade e sua formalização. Na identificação da dimensão, é necessário atentar ao fato de que a Marc’ellsse é uma empresa limitada, sendo um empreendimento voltado para produção final que é vendida em lojas sediadas em diversos estados. Tem doze sócios e 78 trabalhadores, além do seu corpo de vendedores, que é autônomo. Sua produção, totalmente comercializada (just in time), é da ordem de 800 pares/dia. Sendo seu ponto de equilíbrio alto, há a necessidade constante de investimento para manutenção de sua marca no mercado. O valor apropriado por seus proprietários pode ser visto como custo, tendo em vista a colocação de cada um deles na linha de produção. Não podemos deixar de considerar, no entanto, que os proprietários dos meios de produção, ainda que não façam retiradas sistemáticas maiores do que os trabalhadores, estão acumulando capital na medida em que a empresa cresce em maquinário e equipamentos. Na verdade, a organização do processo de produção está subordinada a uma determinação tecnológica e a uma outra social, que TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 108 interferem nas condições concretas de trabalho. Estas determinações são exteriores à esfera de produção imediata uma vez que “o imperativo tecnológico que comanda a organização da produção opera em condições econômicas e culturais, historicamente determinadas, segundo uma lógica e na base de uma longa história” (Pignon e Querzola, 1989:126). Outro aspecto da estrutura a ser evidenciado é o da complexidade. Tendo a sociedade uma composição de doze sócios que atuam diretamente na linha de produção, há certa descentralização do poder, ainda que haja linhas claras de autoridade, uma vez que cada um deles está locado num ponto-chave da estrutura produtiva. O corpo de trabalhadores é pouco estratificado, pois não há encarregados, nem contramestres; os trabalhadores atuam a partir de tarefas, numa divisão clara de responsabilidades. A produção do calçado implica algumas funções especializadas (modelista, cortador, pespontador e montador) que atuam de forma complementar. Na Marc’ellsse há um diálogo permanente com os trabalhadores relativo aos objetivos da produção e às normas e planejamento das atividades. Os trabalhadores têm, permanentemente, acesso aos dados relativos ao pagamento das obrigações tributárias, cujos comprovantes ficam afixados em quadro na sala de produção. No entanto, uma afirmação de Gorz (1989:14) nos leva a refletir sobre os meios de produção: ela [a fábrica] também não é do povo, se o trabalho, mesmo favorecendo o desenvolvimento das faculdades corporais e intelectuais, tem finalidades que não podem ser as de todos e produz riquezas reservadas, por definição, a uma minoria.34 34 Neste trecho, ao autor sublinha “por definição”, apontando (em nota) que: “o desenvolvimento capitalista, com efeito, progride modernizando os privilégios (‘Concorde’, TV a cores, casa com piscina, etc.) ao mesmo TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 109 Na experiência aqui analisada, esta relação capital/trabalho tem estado amenizada, pois além de as decisões sempre serem tomadas com a participação dos trabalhadores, a “riqueza” produzida não tem sido desagregada do empreendimento, sendo feitas retiradas pelos detentores do capital em valores correspondentes às tarefas empreendidas na operação direta na fábrica. N’O Capital, Marx (1985a:171) pontua os papéis dos diversos fatores do processo de trabalho, dizendo que: As mesmas partes componentes do capital, que do ponto de vista do processo de trabalho se distinguem como fatores objetivos e subjetivos, como meios de produção e força de trabalho, se distinguem, do ponto de vista do processo de valorização, como capital constante e capital variável. A composição orgânica do capital é a relação entre estes valores: constante e variável e é a análise desta relação que nos permite analisar o como se dá a apropriação da riqueza. As sociedades aquisitivas – pré-capitalistas ou socialistas – criam instituições graças às quais as coletividades determinam a taxa de acumulação. Na sociedade capitalista moderna, a taxa de acumulação é determinada principalmente pela grande empresa, o truste. (Marglin, 1989:40) O grande esforço da Marc’ellsse, em todos estes anos, tem sido a busca da manutenção do seu “capital constante” próximo da média das empresas do seu ramo de atividade. Por outro lado, não pode prescindir da manutenção de um “capital variável” principalmente levando-se em conta que o setor de calçados mantém uma produção embasada mais nos trabalhadores do que no maquinário. tempo que a pobreza. À medida que a massa tem acesso aos bens outrora reservados à elite, esta tem acesso a bens ‘melhores’, que desvalorizam os primeiros. O modelo de consumo capitalista baseia-se no princípio de TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 110 Ora, garantir o capital constante, por um lado, e o capital variável pelo outro, mantendo-se dentro de preços próximos aos valores de custo da produção, mas que permitem que seus produtos sejam competitivos no mercado. Isto coloca o ponto de equilíbrio da empresa além da média do seu ramo produtivo, o que diminui a margem de acumulação. 3.3.2. A hierarquia A organização hierárquica do trabalho não tem como função social a eficácia técnica, mas a acumulação. Interpondo-se entre o produtor e o consumidor, a organização capitalista permite gastar, para a expansão das instalações e melhoria dos equipamentos, muito mais do que fariam os indivíduos, se pudessem controlar o ritmo de acumulação do capital. (Marglin, 1989:41) Ao pensarmos na hierarquia existente no empreendimento objeto deste estudo, identificamos uma proximidade com aquela encontrada nas sociedades pré-capitalistas, onde no ápice, como na base, encontrava-se um produtor. “O mestre artesão trabalhava junto com o aprendiz, em vez de simplesmente indicarlhe o que fazer” (Marglin, 1989:43). Tratava-se de uma hierarquia linear, havendo grande possibilidade de o aprendiz um dia chegar a companheiro, possivelmente a mestre. Em Birigüi, o grande desafio era introduzir essa proposta em uma sociedade na qual as hierarquias são do modo capitalista, organizadas piramidalmente e a mobilidade é muito pequena. A proposta do grupo era a manutenção de pequenas empresas com cerca de 12 a 13 pessoas e que poderiam servir como laboratório de que sairiam que aquilo que é bom para todos não é bom para ti. O modelo de consumo comunista baseia-se no princípio TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 111 pessoas que poderiam abrir novas fábricas nas quais se colocariam como proprietários. O tempo mostrou a eles que nem todos têm o desejo ou as aptidões para isso. Pouco a pouco, foram entendendo seu papel como empresários que coordenam e mantêm uma produção que dá trabalho àqueles trabalhadores que têm outras aptidões que não a empresarial. A origem do empreendimento e a intenção do grupo se mantêm no sentido da construção de uma outra relação entre todos os envolvidos na produção, independente do seu vínculo institucional. Marglin salienta que o artesão membro de uma corporação não estava separado do mercado por um intermediário. Vendia igualmente um produto e não seu trabalho, por conseguinte, controlava, ao mesmo tempo, o produto e o processo de trabalho. (1989:43) Com o advento das fábricas, no mundo capitalista, o controle da produção saiu do produtor/operário e foi transferido para os capitalistas, que detêm tanto o controle do produto quanto o controle do processo de produção. “A função da hierarquia de fábrica, em última análise, é subtrair ao controle operário as condições e as modalidades do funcionamento das máquinas, tornando a função de controle uma função separada” (Gorz, 1989:83). Na Marc’ellsse os trabalhadores participam da organização do processo de trabalho. Exemplificando, pode-se citar a consultoria voltada para a melhoria da qualidade que está sendo acompanhada por dois diretores e um grupo de colaboradores. A partir deste modo de ordenar a fábrica, a satisfação dos trabalhadores é sempre considerada quando são propostas modificações que objetivem um aumento da produtividade ou melhoria do produto. Um dos sinais deste modo de funcionar é a inexistência de encarregados ou contramestres. Cada equipe de trabalhadores tem tarefas que vão sendo expressas num quadro que oposto: só é bom para mim o que é bom para todos”. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 112 torna visível para o conjunto dos trabalhadores como o processo de produção está se desenrolando. As mudanças implementadas em nome de uma maior eficácia tecnológica35 têm sido discutidas com o conjunto dos trabalhadores. Neste entendimento, não basta que um novo método seja eficaz em termos de uma maior produção diária se ele exigir mais horas de trabalho, um esforço mais intenso ou condições de trabalho mais desagradáveis. 3.4. O sistema de produção Os sócios das fábricas comunitárias têm uma vivência de militância em comunidades eclesiais de base e em movimentos populares e sindical. Desde o primeiro tempo das fábricas comunitárias, eles mantiveram as portas de suas fábricas abertas ao movimento sindical e buscaram dialogar com o sindicato patronal, e pouco a pouco foram se introduzindo no diálogo empresarial local. Segundo Mestriner, num primeiro momento essas fábricas comunitárias causaram um certo estranhamento entre os empresários, mas hoje eles “já mostraram que têm competência, que fazem um trabalho fantástico, e são bem aceitos na comunidade empresarial”. Quando presidente do sindicato patronal, preocupou-se com o acesso de suas filiadas a informações que permitissem melhorar a performance das empresas. Assim, o sindicato deu atenção diferenciada às pequenas empresas por entender que as grandes empresas têm menos dificuldade de acesso a informações e conhecimentos. “As pequenas, de menor porte assimilaram bem a 35 Um método é considerado tecnologicamente eficaz se não existir nenhum outro que lhe seja superior. Em termos econômicos, é eficaz aquele método que custa menos independente de outras circunstâncias. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 113 idéia e ganharam conhecimento com todo esse trabalho que a gente procurou fazer”, diz ele. A primeira etapa desse processo levou pouco mais de um ano [maio de 96 a junho de 97] e envolveu, além do sindicato patronal, a prefeitura de Birigüi, o Sebrae/SP – agência Araçatuba, e a Fundação Cristiano Otoni. Mais de 500 pessoas participaram de palestras iniciais, e 32 empresas aceitaram o desafio colocado pelo sindicato patronal: abrir sua dinâmica de produção para que fosse vista e analisada pelas outras empresas, num processo de socialização das conquistas e dificuldades que objetivavam levar ao aprimoramento da dinâmica de produção. Estas 32 empresas foram divididas em 3 grupos. A Marc’ellsse estava no grupo 1 e a Maic d’jol no grupo 2. O processo consistiu na apresentação do histórico da empresa, discussão das metas a alcançar, visitas às fábricas, mesas redondas e sugestões a serem aplicadas na unidade visitada. Ao mesmo tempo, o Sindicato Patronal providenciou a filmagem de todas as fábricas envolvidas no programa para que pudessem acompanhar no tempo a evolução das melhorias. (Vedovotto, 1998:111) Em seus relatos, os sócios da Marc’ellsse e da Maic d’jol dizem que é muito interessante a comparação da realidade documentada nos vídeos (1996) e aquela que vivem hoje. “Não dá para acreditar que nós trabalhávamos daquele jeito”, diz MMS. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 114 3.4.1. Primeiro momento [1994/1996] A Marc'ellsse iniciou suas operações de forma artesanal, cortando as peças com estilete, utilizando apenas uma máquina de costura e as máquinas construídas artesanalmente para substituir a frizadeira e a prensa. Para definir as etapas necessárias à produção do tênis, o grupo se baseou em sua experiência de trabalho em outras fábricas de calçado. Como eram profissionais competentes, não tiveram dificuldades em estabelecer o “modus operandi”. Pouco a pouco, cada um deles deveria se assenhorear das várias fases do processo ainda que se mantivesse como especialista numa delas. O desafio era estabelecer um relacionamento fraterno, em que as decisões seriam discutidas amplamente e as condições de trabalho teriam um peso significativo, ainda que subordinadas às necessidades da produção. Com o crescimento da Marc’ellsse, e o surgimento de outras fábricas comunitárias foi comprado o primeiro balancim [máquina de corte] que passou a cortar peças para as diversas unidades. Dois modelistas se revezavam criando modelos para as três fábricas. Com o passar do tmepo, cada uma das fábricas foi comprando suas máquinas e preparando seus trabalhadores e sócios para a execução de todas as tarefas de modo a serem independentes umas das outras, mantendo uma relação de parceria entre si. Na reconstituição da história do grupo sujeito desta pesquisa, como vem sendo analisado, é forte a presença da doutrina cristã, principalmente quanto à divisão dos bens. Nestes dez anos, a partilha tem sido algo que perpassa o cotidiano das fábricas. Há um olhar atento às necessidades de cada grupo em cada momento e uma disponibilidade em contribuir para o equacionamento das situações que se apresentam. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 115 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 116 O processo que começou a ser desencadeado sem grandes regras, no qual a convivência e o bom senso dirimiam as diferenças entre os doze, foi se tornando complexo no decorrer do tempo, principalmente pela incorporação de um número significativo de trabalhadores. Pouco a pouco algumas regras foram se impondo no dia-a-dia da fábrica. À primeira vista, a Marc’ellsse pode ser entendida como uma empresa familiar, pois há cinco casais dentre os doze sócios e muitos dos trabalhadores da fábrica são aparentados entre si e com os sócios. No ambiente da fábrica, estas condições parecem não interferir nas relações entre trabalhadores e entre estes e os sócios na medida em que as regras são claras, não havendo privilégios e sim uma consideração por igual que busca levar em conta as necessidades de cada um dos trabalhadores. 3.4.2. A atual configuração do sistema de produção Desde sua formação, o grupo tinha uma preocupação com as relações entre as pessoas e pretendia estabelecer um sistema democrático no qual o poder seria dividido entre os detentores do capital e os trabalhadores, procurando trocar as relações de mando e obediência por relações de companheirismo e compromisso com a atividade-fim. A reformulação da produção (Figura 3.1) proposta em 1996, coincidia com a preocupação existente entre os sócios da Marc’ellsse, pois desde a criação da fábrica estavam em busca de um sistema de administração democrático que valorizasse cada um dos trabalhadores enquanto pessoa responsável e capaz de críticas construtivas. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 117 Figura 3.1 – Esquema básico do sistema atual de produção da Marc’ellsse Definição do Modelo * Produção do Mostruário não * Compra de matéria-prima Corte das sim peças Bordar? Bordar não Colar Costurar Fechar peça Não a * Obs.: o processo de Cola e Pesponta ocorre várias vezes, indo e vindo de um trabalhador para outro. Modelar * Montar * Controle de qualidade Expedir para vendedores Entregar e * cobrar * As * indicam os pontos nos quais os sócios estão locados. O centro da filosofia do Controle de Qualidade é mobilizar e canalizar toda a inteligência, todo o potencial colocando-os a serviço da empresa. Após vários anos de aplicação no Japão, o “5 S”36 chegou ao Brasil em 1991. A partir desta 36 O “5 S” é um sistema organizador, mobilizador e transformador de pessoas e organizações abertas à filosofia da qualidade. São cinco as palavras japonesas que deram origem a esse nome: seiri, seiton, seisou, seiketsu e shitsuke que significam utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. Segundo Silva (1996a:22), “No Japão, o sistema ou programa 5 S foi formalizado no ambiente empresarial no início da década de 50, apesar de sua longa existência informal como fundamento da educação moral daquele país. Tendo sido introduzido nas empresas japonesas para acabar com o trabalho forçado, o sistema foi redescoberto em países como Taiwan e Cingapura na década de 80 e considerado uma excelente maneira de se comunicar, pronta e eficazmente a idéia de qualidade como um hábito, e não como um mero ato”. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 118 proposta, mais do que definir regras que busquem a produtividade, as organizações procuram trabalhar as condições para que ela ocorra. Assim, os dirigentes das empresas devem “criar uma atmosfera na qual seus trabalhadores gostem de trabalhar” (Silva, 1996a:20). Nesta ótica, é fundamental que a fábrica tenha um ambiente de ordem e tranqüilidade, que as tarefas estejam distribuídas eqüitativamente num ambiente onde impere o diálogo que permite a comunicação dos desejos e onde as idéias de cada trabalhador sejam valorizadas de modo a que se consiga trabalhar em equipe na busca do objetivo final. Esta busca da qualidade deve atender a diversos interesses que podem ser agrupados do seguinte modo: • Interesses dos empregados – remuneração condizente com o trabalho executado, condições de trabalho adequadas, respeito aos ideais e sonhos de cada um, em especial aqueles voltados para a auto-expressão e o consumo; • Interesses dos acionistas – retorno de seus investimentos; • Interesse da sociedade – compromisso e responsabilidade social; • Interesses do mercado – atualização tecnológica, a partir da seleção dos melhores profissionais, das condições de trabalho e da utilização do potencial criativo que apenas se obtém com educação e treinamento constantes. Esta proposta é complementada pelo just in time37, que busca uma utilização mais eficiente dos equipamentos, de modo a obter um padrão de qualidade superior e eliminar perdas. A proposta é a formação de grupos de 37 Just in time é mais conhecido como a redução do inventário, mas é muito mais do que isso: é “a organização total do processo de produção, de modo que as peças e submontagens – tanto compradas quanto manufaturadas – encontram-se disponíveis no piso da fábrica somente quando necessárias – nem antes, nem depois do tempo certo” (Moura, 1994:VII). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 119 trabalhadores que, a partir de círculos de melhoria de qualidade buscam desenvolver novos métodos de produção. O Just in time (JIT) trabalha em conjunto os processos de manutenção e administração, procurando atingir três metas: pequenos ciclos de manufatura, qualidade total e aperfeiçoamento contínuo. A Administração da tecnologia está voltada para a criação de um ambiente de produção receptivo, baseado na manufatura em fluxo contínuo, na produção em pequenos lotes, na redução do setup38 e na adaptação ao uso, ou seja ao exato atendimento às necessidades do cliente39. A Administração de pessoas visa o aperfeiçoamento contínuo através das pessoas; tanto a alta gerência quanto os horistas recebem responsabilidade e autoridade para sugerir e implementar aperfeiçoamentos num ambiente de riscos assumidos onde é possível o rápido aperfeiçoamento sem se gastar muito dinheiro. (Moura, 1994:12) Os elementos básicos desta administração de pessoas são: envolvimento total dos funcionários, controle através da visibilidade, organização física do espaço e qualidade total. A Administração de Sistemas volta-se para a aplicação cuidadosa dos recursos do negócio: equipamento, material, pessoal, dinheiro e tempo. Este estilo de organização propõe um processo mais cooperativo e integrado, dando ênfase aos enfoques de fluxo, de modo a maximizar o uso eficiente dos recursos. Para tanto, deve-se atentar para quatro aspectos: carga equilibrada e fluxo sincronizado, manutenção preventiva, participação dos fornecedores em relações 38 Intervalo de tempo que se leva para preparar máquinas ou linhas de produção para uma nova peça. Cliente aqui é entendido não apenas como a pessoa que compra o produto. “O passo seguinte no processo de reposição total é o cliente do passo anterior, e os resultados de um centro de trabalho devem atender as necessidades ou exigências do próximo centro de trabalho...” (Moura, 1994:11) 39 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 120 estáveis de parceria e kanban, método de programação onde os materiais são “puxados” apenas quando necessários. Figura 3.2– Fundamentos do Just in Time PEQUENOS CICLOS DE MANUFATURA ADMINISTRAÇÃO DA TECNOLOGIA • Manufatura em fluxo contínuo • Produção em pequenos lotes ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS • Envolvimento total dos colaboradores • Controle através da visibilidade • Redução do Setup • Ordem • Adaptação ao uso • Foco na Qualidade Total QUALIDADE TOTAL ADMINISTRAÇÃO DE SISTEMAS • • • • • Carga tributária e fluxo balanceado Manutenção Preventiva Participação Preventiva Participação do fornecedor Sistemas de Puxar MELHORIAS CONTÍNUAS (KAISEN) Fonte: Moura, 1994. Segundo Moura (1994:14) quando estas três áreas do negócio [...] estão em equilíbrio e os elementos do JIT são implantados numa empresa de manufatura, o resultado é grandes aperfeiçoamentos de desempenho, chegando a custos significativamente menores e Lead Times mais curtos. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 121 Apesar de controversa, combatida e sempre muito discutida, a Qualidade Total enquanto filosofia ainda é a principal corrente da atualidade e seus princípios têm prevalecido na definição das dinâmicas produtivas. 3.5. Uma gestão diferenciada As etapas evolutivas vividas pelas fábricas comunitárias são muito semelhantes àquelas vividas por muitos dos pequenos empreendimentos. O primeiro momento é aquele em que todas as pessoas estão envolvidas afetivamente com aquilo que fazem e os pactos substituem regras de convivência. Com o crescimento, começa-se a admitir pessoas com base em critérios mais técnicos do que afetivos e vai sendo necessário explicitar os limites, as regras e o que se espera de cada profissional. O que diferencia a Marc’ellsse de outras empresas do mesmo setor é um relacionamento horizontal entre colaboradores e sócios. As decisões empresariais são muito discutidas, pois têm clareza de que a empresa precisa ser competitiva, mesmo assim é “ponto de honra” a garantia de condições de trabalho adequadas. Na fábrica, não apenas a higiene é impecável, tendo pessoas encarregadas da limpeza que vão e vem entre as máquinas para não deixar sobras de material no chão; mas o cafezinho está servido durante todo o expediente, não havendo horário pré-definido: cada trabalhador interrompe sua tarefa no momento em que deseja um café, uma água ou mesmo uma pequena pausa em seus afazeres. A opção por ter os sócios distribuídos pelos setores de produção, e em atividades de linha e não de supervisão, permite uma visão da produção sem a intermediação de encarregados ou gerentes: TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 122 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo A Capítulo 3 123 gente trabalhando num setor, tudo chega até a gente. Em outras fábricas, tem coisas que acontecem nos setores, e que nunca o dono vai ficar sabendo. Não fica sabendo porque os líderes ou os gerentes abafam ali e eles nem ficam sabendo. (LCP) Isto nos remete a Gorz (1989:104) quando diz que para liberar a iniciativa das massas é preciso dar-lhes a palavra. Mas como? Há obstáculos: os contramestres, por exemplo, que não são bons representantes das equipes operárias. Em suas relações com os superiores hierárquicos costumam esconder os fatos que não lhes são favoráveis e responsabilizar os operários – que lhes são subordinados – por todas as dificuldades encontradas. Além disso, estão numa posição desconfortável: considerados, pelos engenheiros, como operários que subiram de posto [...]; e, pelos operários como representantes da hierarquia. Os contramestres ou se sentem questionados pelas iniciativas dos trabalhadores, ou então procuram apropriar-se delas. Entre outras conseqüências lamentáveis desse estado de coisas: as iniciativas das massas são bloqueadas. Os sócios da Marc’ellsse têm consciência de que sua proposta é diferente daquelas de outras empresas. Um dos depoimentos (EER) dá conta disso: nas outras empresas, na reunião de direção, tem inspetor que participa, mas não é quem está lá no setor que vai decidir... aqui acontece muito disso, a gente comprar a briga dos funcionários e fazer valer... A gente está acompanhando ali do lado das pessoas e sentindo as dificuldades como as pessoas. Perguntado sobre esse esquema de gerenciamento, Mestriner disse que: TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 124 quando você coloca diretores em pontos estratégicos, no corte, no pesponto, na montagem, na expedição, você tem uma visão do todo, e como eles são donos do negócio, eles pensam como donos. Então, muda um pouco a visão deles. Então, eu acho que a visão deles é uma visão que, primeiro, envolve o negócio, eles são mais transparentes, eles conseguem transmitir de uma forma mais independente, uma coisa assim mais desprendida... Porque uma coisa é diferente: ninguém vai levar bronca... Aqui, eu acho que, às vezes, quando se discute com a equipe, as informações podem ser distorcidas. E, aí prejudica uma decisão, uma alavancagem de recursos, e essa coisa toda. Eu acho que eles conseguem ter uma coisa mais homogênea. Quando você toma uma decisão diante de várias informações reais, transparentes, e chegam num consenso bastante homogêneo, depois de várias discussões, eu acho que é mais assertiva uma decisão destas. Um dos aspectos desta forma de gerenciamento da produção é o reconhecimento da competência dos trabalhadores na organização da produção, o que permite o incentivo às iniciativas individuais canalizando-as para o objetivo do grupo. Questionado sobre este modo de gerenciar a fábrica e a ausência de gerentes e encarregados... um dos sócios (RP) justifica dizendo que “as coisas que saem de cima dificilmente chegam até a linha de produção”. Na busca de qualificação e do acompanhamento das mudanças tecnológicas, há momentos de contratação de profissionais que chegam propondo mudanças na planta produtiva. Nestas situações, os sócios acompanham de muito perto o modo como esse novo profissional se relaciona com o conjunto de trabalhadores na medida em que a busca destas inovações precisa se adequar ao tipo de relação estabelecido no cotidiano da fábrica. “Tem pessoas (gerentes) que TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 125 chegam com um pensamento que para você comandar um grupo, tem que ser radical, precisa humilhar a pessoa, para a pessoa se rebaixar...”, explica RP. Interessante observar que, a postura “doméstica” dos primeiros tempos em que o desprendimento era a regra maior e aceitavam ficar sem receber ou receber a metade por acreditarem no empreendimento que construíam, foi pouco a pouco sendo modificada para uma postura mais empresarial na qual as decisões são tomadas com muita preocupação com a manutenção das condições de trabalho e da relação com os trabalhadores, mas priorizando os interesses da empresa. 3.5.1. Relação com o mercado A relação da Marc’ellsse com o mercado tem sido mediada por um corpo de vendedores (viajantes) que trabalham com mostruários por meio dos quais captam pedidos. Na opinião de Sérgio, vendedor da fábrica desde o primeiro momento, é muito interessante a estratégia de venda que permite ao lojista escolher não apenas os modelos mas a quantidade de cada tamanho, comparada a outras estratégias que exigem a venda de toda a grade de números independente da saída que a loja tenha. Comentou ele, ainda, que os lojistas opinam sobre os modelos fazendo sugestões de mudança de cor, e até mesmo trazendo fotos de calçados produzidos em outros países e que poderiam ser produzidos aqui. Na faixa de preço em que seus calçados estão situados, o produto da Marc’ellsse é considerado de boa qualidade e as vendas têm fluído sem maiores dificuldades. Esta comercialização é feita por um corpo de aproximadamente 30 vendedores. Em agosto de 2000, ao sentirem que estava havendo problemas nas vendas, realizaram uma Convenção de Vendedores na qual foram apontadas as dificuldades enfrentadas e várias sugestões foram incorporadas. A convenção definiu metas a serem atingidas e antecipou-se a problemas que poderiam ocorrer. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 126 Entre outras coisas, nessa convenção definiu-se a contratação de uma pessoa que tem visitado os clientes, colhendo informações sobre seus produtos e buscando uma relação mais próxima com eles. Uma boa relação com o mercado pressupõe o acompanhamento de inovações tecnológicas de modo a garantir que a qualidade do produto apresentado satisfaça ao público consumidor. Nesta proposta em que o controle está mais no processo do que no produto, mais na operação do que no resultado e se busca mais a qualidade do processo de qualidade do que um controle de qualidade no final, tem sido bastante significativo o fato de os controladores (sócios) terem uma participação direta na produção/operação. Tal dinâmica tem garantido a participação dos trabalhadores como um todo, e a estruturação das tarefas a partir da discussão em grupos. Isto requer um compromisso, uma co-responsabilidade e um autocontrole. Sob essa ótica, os processos de avaliação de desempenho são conseqüência das atividades muito mais do que processos individuais de cada trabalhador. A contrapartida é uma maior circulação de informações e até mesmo uma certa capacidade gerencial mais socializada que permite a instalação de sistemas confiáveis de rastreabilidade, reprodutibilidade e repetitividade. Vedovotto, em entrevista, salientou que “eles têm feito um trabalho voltado sempre para a melhoria de produtividade, melhoria do produto, diminuição de retrabalho, e a gente percebe que a empresa hoje está bem sólida; tendo métodos de vendas adequados, e etc.” Falando sobre a estratégia de gestão adotada pela Marc’ellsse, ele comenta que cada um dos sócios cuida de uma parte da produção e sempre buscando fazer o melhor que pode. Nessa busca, envolve as pessoas e busca excelência. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 127 A gente sabe que eles colocam a busca da qualidade em prática, tem alguns problemas, pára, senta, roda a ferramenta de qualidade, busca a causa, o âmago da causa, não vai só no efeito, na coisa em si, vai na causa. Eliminou a causa, o efeito gere, não é? Então, são coisas assim científicas... Eles hoje têm a ambição de ter aquela fábrica lá cientificamente: tem controle de retrabalho, tem controle de desperdício... Na opinião dele, a única coisa que está faltando é a participação nos resultados que eles ainda não implementaram. Mais do que simplesmente se adequarem às propostas de Qualidade Total, a preocupação que tem movido os sócios da Marc’ellsse é entender as lógicas das propostas tecnológicas e organizacionais que visam à produtividade e à qualidade do produto para poder desvendar seus mitos e ilusões de modo a revertê-las em estratégias a favor não só da produção, mas dos trabalhadores. Os produtos da Marc’ellsse têm sido vendidos em diversos estados, a partir da ação de vendedores/representantes viajantes. Numa proposta de ampliação do alcance de suas vendas, uniram-se a seis outras empresas de calçados da cidade num consórcio exportador. Enquanto fazem as adequações necessárias para conseguirem o selo ISO 14000, estão expondo e vendendo seus produtos pela internet. 3.5.2. Relações com outros produtores de calçados da região Nalberto Vedovotto, em entrevista, faz uma descrição do empresariado birigüiense: Birigüi é uma cidade sui-generis. Ela começou esse parque industrial, nós temos pessoas preocupadas com a cidade, [...] com TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 128 a falta de empregos, preocupadas de depender só de duas empresas, multinacionais [...] Pensaram em criar uma forma de negócio. E, através da idéia de um, ficou um nicho de mercado que na época não tinha, tanto que era voltado para o infantil... e a coisa começou. Saiu uma, dessa outra, saiu o chefe e abriu uma outra, e abriu uma outra, aí o outro chefe pensou: não vou trabalhar de empregado e abriu uma outra... e foi assim. Com raras exceções de pessoas que vieram de fora, que não tinham nenhum vínculo com a cidade, que aprontaram e que até sumiram, mas 90% é gente nascida aqui. Nasceu, passou a infância, a adolescência, tem família e tal... então, já há um círculo de amizade muito grande, se conhecem, sabem quem presta e quem não presta... Comentando especificamente o caso das empresas comunitárias, ele prossegue: No caso destes meninos, como são gente simples, tem um passado de luta muito difícil, tinham muito preconceito com eles porque eles tinham opinião política pessoal, combatiam muito essa questão da exploração, ficaram muito tempo até sem emprego, e a única alternativa que eles tiveram foi abrir uma empresa para não morrer de fome. Hoje o pessoal viu que eles não comem criancinha. São gente igual aos outros, e quando perceberam que tem dificuldades, se ajudam. E, no caso, não é só deles, não, tem muitas empresas que hoje existem em função dessa ajuda... um pega material e empresta para o outro, faz aquele acerto, depois, lá na frente, o outro empresta para o um, e vai ajudando. Sem dúvida, o ambiente empresarial calçadista de Birigüi tem um papel significativo no desenvolvimento da experiência que aqui estudamos. A Marc’ellsse, como a grande maioria dos empresários, iniciou seu empreendimento com TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 129 pequeno capital e contou com o apoio dos outros empresários para dar os primeiros passos. As primeiras informações obtidas sobre o relacionamento entre a Marc’ellsse e outros empresários de Birigüi despertaram o interesse em conhecer melhor como se dá o diálogo empresarial naquele município. Em conversa com Mestriner, ele disse que: a relação entre os empresários é fantástica. Com exceção de alguns [...] que não têm contribuído muito para que a gente, de fato, pudesse consolidar essa ação conjunta. Por exemplo, se me faltar uma matéria-prima minha, hoje, [...] pode ter certeza que qualquer fábrica me abastece. Eu não fico sem matéria-prima. Quem tiver, não me deixa sem. Em contrapartida, também é da mesma forma. Agora, tem que ter uma seriedade... e ele explicou que quando uma empresa empresta material para outra, numa relação de seriedade, tem a certeza de que vai receber, ainda que a outra empresa tenha dificuldades. E continuou dizendo que: Eu acho que precisa melhorar, mas existe, sim, uma iniciativa muito boa dos empresários se entenderem. De repente, me quebrou uma máquina. Alguém me cede uma máquina, me empresta uma máquina... acaba matéria-prima, empresta matériaprima... empresta funcionário... Como, geralmente, no sistema capitalista o motor da relação entre empresários é a concorrência, busquei entender um pouco melhor o porquê destes empresários terem esse tipo de relacionamento. Mestriner explicou do seguinte modo: É que Birigüi é uma cidade de 90.000 habitantes, [...] em que todos nós nos conhecemos. [...] Todos nós fomos, ontem, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 130 funcionários de alguém. Ninguém nasceu em berço de ouro.[...] Eu trabalhei, comecei como office-boy numa firma de artefatos para calçados, trabalhei até os 20 anos como vendedor, e comecei a funcionar a fábrica eu e mais dois colaboradores... todo mundo tem uma história muito simples, muito humilde! Então, acho que ninguém esquece do berço e da onde ele veio... Então acho que isso influencia muito. A essência desse entrelaçamento entre os empresários é que há um convívio, ou na infância, ou um conhecimento... mesmo que eu não conheça você, eu sei quem é você, há realmente... não tem ninguém de fora. Não tem nenhum empresário que veio de fora, não tem. Todos são daqui ou de cidades vizinhas aqui... da zona rural... então eu já sei, fala o nome e eu já sei quem é... bairro tal, perto de Birigüi... todos nós nos conhecemos. Isso facilita este entrelaçamento. Esta união. Eu acho que é por causa desse gancho que nós podemos fazer muito mais juntos. Nós participamos de eventos, de festividades juntos, então, o que acontece... aqui, nós somos parceiros, do trevo de Birigüi para fora nós somos concorrentes. Lá no mercado, mercadologicamente, eu quero vender mais que o outro, o outro quer vender mais, e eu tenho claro isso... aqui nós brigamos... se alguém falar mal de um outro, é capaz da gente sair defendendo, mesmo o concorrente... lá no mercado, já existe... entre os próprios vendedores não existe este relacionamento, os nossos vendedores, cada um vem de um lugar, um vem de uma família, outro vem de outra, ninguém se conhece, e aí existe um confronto. Vários empresários entrevistados foram unânimes em afirmar que o mercado é cruel, e que está deixando as pessoas cada dia mais frias e calculistas... a estratégia de pequenos empresários de uma cidade do porte de Birigüi tem sido a união, que permite buscarem estratégias comuns para divulgação dos produtos TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 131 de várias fábricas, mesmo sabendo da concorrência de mercado que existe entre elas. “Se eu tiver uma ação de marketing melhor, se eu tiver uma ação com os lojistas, se minha distribuição for melhor, eu tenho um melhor desempenho”, diz Mestriner. 3.5.3. Na relação interna, a diferença Numa conversa coletiva com os sócios da Marc’ellsse, perguntei qual era o diferencial da fábrica deles em relação às outras fábricas. LCP disse que não encontraríamos grandes diferenças, e explicou que, com o crescimento do número de colaboradores, tiveram que ir criando regras de funcionamento que fazem com que muita coisa seja igual às outras indústrias. Só o que se mantém diferente, completa ela, é a relação entre as pessoas e o ambiente da fábrica. LMF disse: “a burocracia é igual, tem que fazer de acordo com a lei”. Na mesma hora, RP acrescentou: o relacionamento, nós estamos 10 pontos na frente. Independente do cara falar que trabalha com qualidade total... a regra é criada de cima para baixo... As nossas regras não são criadas de cima para baixo. Tanto que o time que joga para a melhoria da empresa40 tem só a Shirley que é sócia e tem um monte de pessoas que são funcionários da empresa. Desde o início, os sócios da Marc’ellsse colocaram-se em setores da produção, o que tem garantido um diálogo cotidiano com os trabalhadores. A introdução de ferramentas de qualidade total tem sido filtrada por esta definição anterior que determina a relação interna na fábrica. Neste sentido, o “time que 40 Ele está se referindo ao grupo que participa das reuniões com outras fábricas para implementação de estratégias e ferramentas voltadas para a melhoria da qualidade do produto. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 132 joga para a melhoria da empresa” constrói junto com cada trabalhador as regras de funcionamento da fábrica. Em termos do “modus operandi”, pode-se dizer que a Marc’ellsse é parte de um pool de empresas que partilham um mesmo universo de treinamento e busca da qualidade total. Durante os últimos anos, foi desencadeado todo um processo voltado para a sensibilização dos setores envolvidos, desde os sócios/dirigentes até os vendedores/representantes, passando por todos os setores de produção. A partir do impulso dado pelo sindicato patronal, em 1996, os sócios da Marc’ellsse se mantiveram alertas no acompanhamento das possibilidades de formação e treinamento, e vêm sendo acompanhados por consultores especializados em qualidade. Todo esforço tem sido feito na busca do aumento da produtividade, melhoria do produto e diminuição do retrabalho. Segundo informações coletadas durante visita, ocorrida em setembro de 2000, a fábrica está entrando em um novo momento em que deve se dar a manualização, ou seja, a sistematização de procedimentos, com a definição da padronização e do controle dos processos voltados para a qualidade definida como padrão. Com isto, a empresa está iniciando uma operação voltada para a exportação de seus produtos para o exterior.41 A proposta de horizontalização, adotada por eles, pressupõe a ausência de funções de controle fora do processo, e um empenho maior no controle do processo do que na verificação do produto final: a ênfase é na operação mais do que no resultado. Däubler que analisa as formas de cooperação institucionalizadas dentro das indústrias japonesas, cita a existência de conselhos consultivos nos quais “representantes dos trabalhadores trocam idéias com os diretores” (1994:35). Esse 41 Isto pode ser acompanhado através do site da APEMEBI – Associação dos Pequenos e Médios Empresários de Birigüi: www.apemebi.com.br. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 133 autor aponta ainda que “um levantamento do Ministério do Trabalho japonês mostrou que o número de instituições deste tipo é duas vezes maior em empresas com sindicatos do que em empresas sem sindicato”. Ele prossegue, esclarecendo: Em mais ou menos metade dos casos, sua criação se baseia no contrato coletivo; nos outros casos trata-se de acordos informais ou de iniciativas da própria direção da empresa. A composição por parte dos empregados não é uniforme. Ao lado de delegados sindicais há também representantes dos funcionários eleitos por estes; em mais de 10% dos casos, os “representantes dos funcionários” são nomeados pelo empregador. Os itens discutidos nestes conselhos são muito amplos, referindo-se a um grande número de questões relacionadas com a política empresarial. (Däubler, 1994:35) Ao fazer uma reflexão sobre estilos europeus de gerenciamento das relações de trabalho, Baglioni (1994) os resume da seguinte forma: estilo constitucional: aquele que, com a presença de maiores ou menores regras contratação institucionais, considera fundamentais a coletiva e as representações sindicais para a regulamentação do uso do trabalho; estilo “consultativo” que tende a utilizar institutos e procedimentos para uma participação mais estreita dos trabalhadores e para uma maior identificação deles com os problemas e o desenvolvimento das empresas; estilo desregulativo ou neoliberal que estabelece relações de trabalho que reduzam a regulamentação e a lógica contratual e permitam a máxima flexibilidade no uso e na remuneração da mão-de-obra. (Baglioni, 1994:64) TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 134 No mesmo texto, é constatada a existência de variações significativas e são apontadas variações do estilo consultativo. Formas de participação que convivem com, ou envolvem também as representações sindicais (e neste caso podem, às vezes, atravessar as fronteiras da lógica da democracia industrial); Formas de participação que implicam relacionamento direto com os trabalhadores (que representam a versão mais nova e dinâmica deste estilo); Formas de participação que despertam o interesse dos trabalhadores para a estrutura ou para os resultados da empresa (ações, obrigações conversíveis, participação nos lucros), ou também para os processos produtivos (círculos de controle de qualidade, grupos para a tramitação de informações, grupos de trabalho autônomos, etc.); Formas de envolvimento que, em troca de flexibilidade, oferecem garantias da vaga de trabalho ou, caso a empresa enfrente dificuldades, mais simplesmente negociam a redução de direitos adquiridos (por exemplo, direitos sindicais). (idem) Neste caso em estudo, é possível dizer que a relação existente dentro da Marc’ellsse aproxima-se daquela que Baglioni aponta como a versão mais nova e dinâmica do estilo “consultativo”, uma vez que os diretores participam do dia-a-dia dos trabalhadores ao partilharem a mesma tarefa. Uma questão que se levanta na análise desta relação é aquela relativa aos conflitos capital/trabalho. Em texto sobre a evolução histórica da idéia do corporativismo, Silva aponta que a relação empregado/empregador não mais se circunscreve ao local de trabalho, mas avança por toda a sociedade. “Esta visão inicial, meramente econômica, se deixa permear de elementos sociais, em que os TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 135 trabalhadores passaram a reivindicar, além do salário, melhores condições não só de trabalho, mas de vida” (1994:110). A configuração do conflito capital/trabalho nos nossos dias é diversa daquela existente antes da Revolução Industrial e pode ser caracterizada por: • Oposição clara de interesses entre trabalhadores e detentores dos meios de produção; • Existência de instrumentos jurídicos próprios (convenção coletiva, greve e co-gestão) que algumas vezes minimizam essa oposição mas não a excluem; • A organização é bilateral numa composição que se faz pela negociação mais do que pela disciplina e pela hierarquia interna. A presença dos detentores dos meios de produção no dia-a-dia dos trabalhadores vem construindo uma relação diferenciada no interior da unidade fabril. O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calçado de Birigüi considera que as condições oferecidas aos trabalhadores são adequadas, havendo momentos de contato com os trabalhadores dentro da própria fábrica. Nesta dinâmica de produção, a função gerencial aparece diluída no processo de autogestão o que não significa que ela não se explicite situacionalmente em suas funções de cobrança, auditoria, definição de ritmo, avaliação e coordenação do processo. Procurando analisar a multiplicidade de tarefas que se expressa na planta produtiva da Marc’ellsse, é interessante observar o locus no qual cada um dos sócios está situado (Figura 3.1). Sem dúvida, cada um deles está colocado em pontos-chave, cada um dos quais tem aspectos de controle, de verificação, de definição de ritmo, de implementação de velocidade, de desobstrução de linha e TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 136 de redução ou aumento do setup, que são os pontos de estrangulamento da produção. Cada um destes gestores, ao mesmo tempo em que busca a excelência no setor em que está situado, envolve-se com a demanda vinda dos trabalhadores. Essa postura tem levado à busca da qualidade na prática, propiciando que os problemas sejam atacados de imediato a partir da utilização de ferramentas de qualidade, o que permite que se ataque o âmago da causa e não apenas o seu efeito. Este esforço é comunicado nas reuniões de direção, o que faz com que o aprendizado seja socializado para a fábrica como um todo. 3.5.4. A solidariedade na colaboração Desde o primeiro momento, no início da década de 1990, a experiência da Marc’ellsse vem sendo acompanhada por grupos de CEBs sediados naquela região. Inúmeros foram os relatos – para CEBs, Paróquias, etc. – nos quais se apresentavam tanto as vitórias e novas conquistas como as dificuldades. A paixão com que construíam sua utopia, pouco a pouco, foi levando outros grupos a fazerem experiências semelhantes. O grupo que iniciara a Marc’ellsse havia instituído espaços de formação voltados não apenas para que os sócios socializassem suas experiências, mas na busca de outros saberes. Atuavam na fábrica de segunda a sexta, e, nos finais de semana, participavam de seminários e oficinas em que podiam ouvir outras vozes. Cada novo grupo que foi criando oficinas de produção de calçados [Maic d’jol, Maic shildrem, Dejalmy, Greiffer] foi se incorporando nestes espaços de formação. Ora, se as pequenas fábricas e oficinas potencializavam em muito a relação entre trabalhadores, o que é considerado fundamental no desenvolvimento da proposta, o fato de serem pequenas criava alguns impasses em termos de custo TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 137 da produção. A intermitência entre pedidos, por fragilidade das equipes de vendedores; máquinas, como as de bordar, demandavam uma produção maior e poderiam ficar ociosas se fossem utilizadas em pequenas produções; o preço da matéria-prima é mais alto quando se compra em quantidades menores. Tudo isto, e mais a necessidade de socializar as lições aprendidas nas experiências que já vinham sendo desenvolvidas há mais tempo, foram indicando ao grupo a conveniência de uma organização em rede que, permitisse uma partilha que resguardasse a particularidade de cada nova experiência. A convivência e a intimidade vivida pelos grupos levava à discussão das dificuldades na busca de saídas comuns e pouco a pouco começaram a trocar pedidos, fazer compras conjuntas de matéria-prima e mesmo a dividirem o uso de máquinas como as de bordar. A perspectiva era a de ações em rede, mantendo-se a autonomia de cada uma das fábricas. Mance aponta a colaboração solidária como um dos fundamentos das novas e concretas marginalizados alternativas pelo que vêm movimento sendo construídas pelos excluídos e de globalização solidária significa do capitalismo. Neste entendimento, colaboração um trabalho e consumo compartilhados cujo vínculo recíproco entre as pessoas advém, primeiramente, de um sentido moral de co-responsabilidade pelo bem-viver de todos e de cada um em particular. (2000:17) 3.6. Os trabalhadores Em setembro de 2000, a Marc’ellsse tem um total de 78 trabalhadores, sendo 33 homens e 43 mulheres. Destes, 33 têm menos de um ano na empresa, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 138 33 têm entre um e três anos, nove têm entre três e cinco anos e apenas um tem mais de cinco anos. Se for cruzado o tempo de trabalho na empresa com as funções desenvolvidas, é possível identificar um certo espaço para o crescimento profissional dentro da empresa: a grande maioria assume, de início, funções de auxiliar. Dos trabalhadores com menos de um ano, há dois auxiliares de corte, sete auxiliares de montagem, um passador de cola, 15 auxiliares de pesponto e sete pespontadoras. As pespontadoras contratadas diretamente, sem um período como auxiliar, são profissionais que tinham experiência anterior, algumas delas, em outras fábricas comunitárias. Os trabalhadores que têm mais de um e menos de três anos de empresa estão distribuídos entre as seguintes funções: dois auxiliares de corte, dez auxiliares de montagem, um auxiliar de modelagem, cinco auxiliares de pesponto e um faxineiro. Têm mais de um e menos de três anos, três cortadores, seis pespontadores, três bordadores, uma plancheteira e um expedidor. Como neste período (1997 a 2000) a produção cresceu em 50%, o acréscimo de profissionais ocorreu em virtude da necessidade de ampliação de máquinas. A maioria dos trabalhadores que atua na empresa há mais de três e menos de cinco anos ocupa cargos semelhantes àqueles que são desempenhados pelos sócios. A única exceção é um trabalhador com quatro anos de empresa e que se mantém como auxiliar de montagem. Saliente-se que, na montagem há apenas um titular e 18 auxiliares. Quanto ao corte de gênero, o maior contingente de mulheres está localizado no pesponto, como titular (15 trabalhadoras) ou auxiliar de pesponto (19 trabalhadoras). Algumas outras funções também são exercidas por mulheres: há três mulheres como auxiliar de montagem, duas como plancheteiras e outras três distribuídas como cortadora, auxiliar de corte e coladeira. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 139 Já os homens estão em maioria como auxiliar de montagem (15) ou como cortadores (cinco). São também homens os bordadores (três) e a maioria dos auxiliares de corte (três). Os outros sete se distribuem como auxiliar de pesponto, pespontador, montador, auxiliar de modelagem, braqueador, expedidor e vigia. Quanto à escolaridade, sabe-se que nenhum dos trabalhadores tem nível universitário. Vinte e seis têm segundo grau completo e seis possuem segundo grau incompleto. Sete possuem primeiro grau completo. Os demais (34) estão em séries que vão da 2ª à 8ª do primeiro grau. Dentre os sócios, 50% está cursando séries que vão da 5ª à 8ª do primeiro grau; um tem primeiro grau completo, dois estão cursando o segundo grau, dois têm segundo grau e um tem nível universitário. Tabela 3.1 Escolaridade dos trabalhadores da Marc’ellsse 2000 Escolaridade Universitário 2º grau completo 2º grau incompleto 1º grau completo Cursando séries da 5ª à 8ª Sócios 1 2 2 1 6 Porcentagem Contratados Trabalhadores 8,33 Nenhum 16,66 26 16,66 6 8,33 9 50,00 24 Porcentagem 0,00 33,33 7,69 11,53 30,76 Cursando séries da 3ª à 4ª 0 0,00 10 12,82 Menos de 2ª série 0 TOTAL 12 Fonte: Dados coletados pela autora. 0,00 100,00 0 78 0,00 100,00 A maioria dos trabalhadores é jovem: 20 deles têm entre 17 e 20 anos; 22 entre 21 e 25 anos; 12 entre 26 e 30 anos; 15 entre 31 e 39 anos; e apenas seis têm mais de 40 anos. Na coleta de dados junto aos sócios da Marc’ellsse e das outras fábricas, priorizei o uso de entrevistas – tanto individuais como coletiva – e conversas informais. Já a captação do entendimento que os trabalhadores contratados têm TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 140 do processo foi feita por meio da aplicação de um questionário por ser inviável entrevistar um número considerável de pessoas. O instrumental continha 14 questões e buscava identificar a percepção dos trabalhadores sobre o processo, comparando-o com sua vivência em outras fábricas. Foram distribuídos 78 questionários e recolhidos 47. Comparando o perfil daqueles que responderam o questionário com o universo de trabalhadores da Marc’ellsse, os Gráficos 3.1 e 3.2 retratam, respectivamente, o tempo de trabalho na empresa e a função exercida. A amostra recolhida foi considerada significativa, pois representa a opinião de 60% dos trabalhadores. Observe-se que a amostra está equilibrada se for ponderado o tempo de empresa dos trabalhadores. Responderam ao questionário, 100% dos trabalhadores com mais de 5 anos (um), 66,66% dos trabalhadores que têm entre três e cinco anos (seis em nove), 54,54% dos trabalhadores com mais de um e menos de três anos de casa (18 em 33) e 66,66% dos trabalhadores com menos de um ano (22 em 33). Gráfico 3.1 Tempo de trabalho na empresa Marc’ellsse – 2000 40 30 20 10 total na fábrica 0 menos questionários entre 1 de 1 entre 3 e 3 anos ano mais de e 5 anos 5 anos Fonte: Dados coletados pela autora. questionários total na fábrica TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 141 O segundo aspecto a observar são as funções exercidas na produção pelos trabalhadores que responderam aos questionários. Eles representam 60% do total da empresa e estão distribuídos entre as seguintes funções: • 51,05% dos questionários (24) foram respondidos por trabalhadores encarregados do pesponto, como titulares (11) ou auxiliares (13). Estes trabalhadores representam respectivamente 72,22% e 61,11% do total de auxiliares e de pespontadores; • 12,76% dos questionários (seis) foram respondidos por trabalhadores encarregados do corte, como titulares (cinco) ou auxiliares (um). Estes trabalhadores representam respectivamente 83,33% e 25% do total de titulares e de auxiliares; • 6,38% dos questionários (três) foram respondidos por trabalhadores encarregados da montagem, como titulares (um) ou auxiliares (dois). Estes trabalhadores representam respectivamente 100% e 11,11% do total de titulares e auxiliares; • 4,25% dos questionários (dois) foram respondidos por bordadores e representam 66,66% do total de trabalhadores encarregados do bordado; • 2,125% dos questionários (um) foram respondidos por trabalhadores encarregados da plancha, representando 50% do total de planchadeiras. Não foi obtida nenhuma resposta de trabalhadores encarregados da modelagem, da braqueadeira e nem da expedição. O questionário não identificou a variável sexo. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 142 Gráfico 3.2 Funções Exercidas Marc’ellsse – 2000 100% 80% 60% 40% 20% 0% re s po nde ra m to ta l fá bric a Fonte: dados coletados pela autora Um primeiro aspecto que a pesquisa permitiu observar foi o ambiente de trabalho na fábrica. Mais de 90% dos trabalhadores que responderam ao questionário souberam da vaga por meio de suas relações pessoais – parentes que já trabalhavam lá (50%); participação da comunidade (19%); foram encaminhados por colegas, amigos ou namoradas (10,6%); eram amigos dos sócios (6%). Outros dois trabalhadores dizem ter chegado à fábrica pelos mecanismos tradicionais de procura de emprego e cinco não responderam. A principal característica da gestão da Marc’ellsse está referida à relação estabelecida dentro da fábrica. Ainda que o poder diretivo permaneça nas mãos dos doze sócios, os mecanismos pelos quais o conjunto de trabalhadores participa das decisões sobre a dinâmica de produção deveriam fazer diferença a ser percebida por todos. Esta “diferença” não foi explicitada nos questionários e é apenas nas entrelinhas que se consegue identificá-la. Na aplicação do mesmo questionário aos TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 143 sócios, encontramos referência à vida em comunidade, ao espírito coletivo e comunitário, mas isto não acontece quando analisamos as respostas dos trabalhadores contratados, apesar de nove deles informarem ter sabido da vaga pela participação na comunidade. O fato de 90% dos trabalhadores ter chegado à fábrica por indicações pessoais pode significar uma avaliação positiva por parte daqueles que fizeram a indicação, aspecto este, porém, bastante subjetivo. Ainda em relação ao processo de admissão de novos trabalhadores, foi perguntado o que os havia atraído para esta fábrica. 76,6% das respostas apontam o ambiente de trabalho como atrativo para sua procura de trabalho na Marc’ellsse: “ambiente de camaradagem, onde o trabalhador é valorizado e tratado com educação e compreensão e onde há honestidade”. Esta resposta parece referendar as características do ambiente criado onde as pessoas têm liberdade de interromper seu trabalho para um café ou mesmo para um pequeno descanso, exigindo-se em contrapartida seu compromisso com a produção estipulada. Três das respostas apontam mudanças na qualidade de vida, após ter iniciado o trabalho na fábrica e as creditam ao prazer de trabalhar e ao comportamento dos sócios. Uma delas afirma: “Mudou muito a minha vida, porque a única fábrica que gostei de trabalhar”. Esta resposta é de um trabalhador que estava empregado em outra empresa quando optou por vir para esta fábrica. Observando-se a situação ocupacional destes trabalhadores no momento em que se apresentaram como candidatos à vaga na fábrica, verifica-se que 70% (33) estavam desempregados, 32% (15) tinham outros empregos, 4,25% (dois) trabalhavam em casa. Sete não responderam. Na questão relativa à experiência TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 144 anterior, 93% (44) tinham experiência anterior em fábricas de calçados. Três deixaram de responder. Daqueles quinze que apontaram ter outros empregos, um definiu trocar de trabalho em virtude do horário, e nove apontam as condições de trabalho, um deles explicitando que nesta fábrica valoriza-se o trabalhador. Os motivos pelos quais um trabalhador procura um novo emprego, quando está empregado, sempre estão referidos a melhores condições de trabalho ou salário e à expectativa de crescimento profissional. Sabe-se, pelos depoimentos dos sócios, que no processo de contratação de novos trabalhadores é feita uma seleção que leva em conta a experiência anterior. Um dos trabalhadores aponta isto em seu questionário, dizendo: “fiz um curso de cortador e consegui uma chance”. Outra questão refere-se à percepção dos trabalhadores acerca do seu conhecimento do processo de trabalho e no que isto altera seu modo de trabalhar. Dos 47 questionários, 32% disseram que conhecem mais o processo do que quando estavam em outro tipo de fábrica. Quanto aos benefícios trazidos por este conhecimento, 12,7% apontaram uma melhor qualidade do que é produzido, em virtude de vários fatores. Dentre as respostas obtidas, pode-se identificar algumas que valorizam a “organização, compromisso, habilidade e muita qualidade”; apontando a necessidade de se trabalhar com mais qualidade e com menos erros: “menos erros, menos consertos e mais produtividade”. Outro aspecto que foi valorizado é relativo à confiança, que gera uma atenção maior no desenrolar do trabalho. Esse tipo de resposta pode indicar uma sensação de co-responsabilidade e compromisso de cada trabalhador com a produção que está sendo feita. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 145 Outra questão referia-se à percepção do trabalhador em relação a mudanças na sua qualidade de vida: Ela está melhor ou pior depois que veio para esta fábrica? Não foi apontada nenhuma piora na qualidade de vida; 40% (19) disseram que está tudo igual e 60% (28) declararam que a vida melhorou. Em quatro questionários, esta melhora está referida ao fator renda. Outras quatro à segurança no emprego. E há uma resposta que junta estas três condições: “as condições de trabalho, trouxe mais satisfação e um melhor salário”. Outras respostas apontam outro tipo de ganho por trabalhar na fábrica. Tanto há alguns que falam em conhecimentos, aprendizado que traz mais confiança na vida profissional e uma maior independência – “Hoje sou uma profissional com bons exemplos e capacidade” – quanto outros que indicam mudanças de comportamento no trabalho e na relação familiar: “Melhorou a minha maneira de ser e de agir, somos mais unidos uns aos outros”. Entre as respostas apontando que sua vida não mudou nada, há indícios de alguma mudança, pois há as seguintes respostas: “quase nada, só tenho mais liberdade de trabalho”; “Não mudou nada, ainda!” Mudanças de comportamento, melhores salários, menos tempo de deslocamento para ir ao trabalho, mais liberdade, união entre os trabalhadores... ao mesmo tempo em que os trabalhadores apontam tudo isso, dizem que é tudo igual, que não mudou nada... Interessante cotejar este tipo de respostas àquelas referidas ao futuro. A última pergunta era relativa ao futuro: o que se espera dele? As respostas podem ser agrupadas em dois grandes blocos: respostas genéricas e a busca de melhores condições de trabalho e renda. Este segundo bloco aponta desejos que TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 3 146 podem ser subdivididos em quatro itens: ser empresário; ganhar mais e ter um cargo melhor; preparação para o trabalho e a busca de uma outra profissão. Dentro da busca de melhores condições de trabalho e renda, 27% (13) das respostas apontam o futuro deste trabalhador ligado ao futuro da Marc’ellsse – “que a cada dia melhore mais a situação da empresa para que assim também possa melhorar a de todos os funcionários”. Algumas destas respostas apontam um certo receio: “Que a fábrica com seu desenvolvimento não se esqueça dos empregados”. Duas respostas apontam a busca de objetivos pessoais, apontando a vida que tiveram em criança e aquela que estão conseguindo dar aos filhos: “Que Deus me dê saúde para que eu possa continuar a trabalhar, para dar à minha filha o que os meus pais não puderam me dar”. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 Capítulo 4 UMA REFLEXÃO SOBRE IDENTIDADE 147 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 148 Em seu texto “A invenção do trabalho”, Freyssenet (1993) considera que o “trabalho seria esse momento que permite ao homem obter direta ou indiretamente mediante troca ou algo equivalente, aquilo que lhe é necessário para viver dentro da sociedade onde ele está inserido”. Na nossa sociedade, este trabalhar se dá baseado em relações sociais que ordenam e constroem aqueles que nela estão inseridos, mas que, ao mesmo tempo tais relações podem ser pensadas, construídas e transformadas pelas ações desses mesmos trabalhadores.42 O século XIX foi muito rico em debates e conflitos que permitiram aos assalariados reconhecerem e terem o reconhecimento de que a relação Capital/Trabalho representava uma relação específica de subordinação que exigia, inclusive, um tratamento diferenciado; é daí que surgem as legislações trabalhistas e outros tratados e documentos sobre direitos, proteção, etc... Leven (1994:9) diz que as relações de trabalho no Brasil nascem de um sonho de paraíso encontrado e progressivamente perdido. Durante quatro séculos, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 149 elas foram relações de colonização o que constitui uma relação política de mando e submissão e de escravidão que implica produção e trabalho, numa relação de propriedade e lucro. Trabalhar é só ser posse do outro para produzir. No mesmo artigo, Leven trata das descontinuidades e continuidades constitutivas das relações de trabalho na contemporaneidade, concluindo que, hoje, estas relações estão maduras porque trabalhadores expressam sua subjetividade; o mundo do trabalho se reconhece como o espaço do conflito entre classes sociais; o local de trabalho é vivido como experiência do sofrimento e também da realização dos indivíduos. (1994:11) Vários fatores impulsionaram o grupo de Birigüi a experienciar uma nova relação de trabalho. Possivelmente em virtude das reflexões potencializadas pela Igreja Católica, redescobriram o espaço de trabalho como campo de conflito e negociação. Nesse processo, engajaram-se na luta sindical que buscava tomar os sindicatos oficiais através das oposições sindicais e, a partir delas, construir um novo modelo sindical. Ainda que em várias partes do Brasil essa luta tenha sido vitoriosa, possibilitando a renovação de parte significativa dos sindicatos, no que se refere ao Sindicato de Trabalhadores do Calçado de Birigüi o resultado foi a derrota. Mesmo derrotado, o grupo saiu da luta ciente de que “para compreender o trabalho é necessário desenvolver a consciência de que o ser humano se faz, se constrói, se constitui a si mesmo, e o faz coletivamente, conflitivamente” (Cunha, 1994:29). Procuraram, então, concretizar na realidade cotidiana e familiar a utopia presente no discurso que preconizava relações mais horizontais. 42 Marx aponta a proeminência da relação capital-trabalho sobre outras relações existentes em sociedade. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 150 O ensinamento bíblico servia de parâmetro para o grupo que se expressava assim: Nós pegamos aquela história e adaptamos à nossa. Pensamos o seguinte: [...] eles venderam tudo e dividiram com os pobres [...] Nós não tínhamos nada, se nós vendêssemos e dividíssemos com os pobres, iam ser mais doze pobres, ia piorar a situação. Então, resolvemos mudar, e fazer alguma adaptação: juntar o que nós tínhamos – cada um entrava com o que tinha – e começarmos alguma coisa para gerar emprego, gerar trabalho para nós mesmos. (MMS) Um aspecto a ser salientado é o processo de construção social de identidade desses trabalhadores que têm compartilhado experiências comuns baseadas na manutenção da sua identidade de classe [trabalhadora] ainda que vivenciando uma experiência que tradicionalmente é de outra classe [empresarial]. Referindo-se a atores sociais, Castells considera que identidade é o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais interrelacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. No entanto, essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na autorepresentação quanto na ação social. (1999:22) As normas existentes em todas as sociedades influenciam o comportamento das pessoas, mas tal influência depende dos papéis que estas desempenham. Cada ator social pode, simultânea ou consecutivamente, desempenhar vários papéis: mãe, filho, trabalhador, militante de determinada causa, etc. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 151 As identidades constituem processos de individuação e são fontes de significado para os próprios atores. A construção das identidades está referida às instituições dominantes da sociedade, mas somente se concretizam ao serem internalizadas pelos sujeitos. Ainda segundo Castells (1999:23), identidades são fontes mais importantes de significado do que papéis, por causa do processo de autoconstrução e individuação que envolvem. Em termos mais genéricos, pode-se dizer que identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções. A identidade dos trabalhadores se forma e se transforma no trabalho e nas relações sociais que o engendram, e não é característica que se constrói fechada em si mesma, ela vai sendo forjada no curso das experiências vividas em coletividade, isto é, através da apropriação/reelaboração do patrimônio social. As relações de trabalho constituem um processo criador: produzem, ao mesmo tempo, a objetividade e a subjetividade humana. (Palangana: 1998:13) Para conhecer esta identidade é preciso observar os dados, mas mais do que isso é necessário que estejamos atentos às ações desenvolvidas. No início do empreendimento (a fábrica Marc’ellsse) todos eles eram trabalhadores, a identidade pressuposta, portanto é uma identidade trabalhadora que vem se metamorfoseando na construção de uma nova identidade trabalhador-empresário. Os sócios das fábricas comunitárias verbalizam, de diversas formas, a consciência de que, mesmo naquele primeiro momento, estariam vivendo um papel híbrido. Quando falava da proposta inicial, MMS dizia assim: “A gente estaria sentindo a parte dos empregados que já naquela época nós éramos, e estaríamos TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 152 sentindo a parte do empresário, porque também estaríamos como empresários”. Ser trabalhador e estar empresário, eis o modo como eles afirmavam este seu novo estado. Aparentemente, esta identidade em construção é uma interpenetração dos dois aspectos – ser trabalhador e ser empresário – de forma que a individualidade empresarial assim construída pressupõe um processo anterior de constituição destes sujeitos como trabalhadores. A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço. (Castells, 1999:23) O processo vivido pelo grupo da Marc’ellsse tem implicado uma ruptura com as representações dominantes e a reelaboração de experiências e relações mediante práticas sociais. É através da experiência que a identidade vai perdendo uma certa noção de “fixidez” e se constituindo, via articulação de práticas e representações, particularmente, nas sociabilidades dos grupos e espaços de luta e afirmação de projetos comuns. (Macedo, 1998:88) No desenrolar desse processo, cada um dos indivíduos tem precisado reelaborar suas experiências a partir da identificação ou não identificação com características que vão formando sua identidade enquanto trabalhador e empresário, enquanto empresário e militante em CEBs, etc. Simultaneamente, TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 153 ocorre a construção desta identidade a partir da elaboração de novas representações sociais, coerentes com suas realidades e práticas sociais, num processo de mediação entre solidariedade e conflito na construção deste novo ser. Considerando que a construção social da identidade sempre ocorre num contexto marcado por relações de poder, Castells propõe uma distinção entre três formas e origens na construção de identidades: Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais, tema este que está no cerne da teoria de autoridade de Sennett, e se aplica a diversas teorias do nacionalismo; Identidade de resistência: criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos, conforme propõe Calhoun ao explicar o surgimento da política de identidade; Identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social. Este é o caso, por exemplo, do feminismo que abandona as trincheiras da resistência da identidade e dos direitos da mulher para fazer frente ao patriarcalismo, à família patriarcal e, assim, a toda a estrutura de produção, reprodução, sexualidade e personalidade sobre a qual as sociedades historicamente se estabeleceram. (1999:24) TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 154 Num esforço conceitual preliminar, poder-se-ia dizer que o processo de construção de identidade do grupo da Marc’ellsse aproxima-se daquilo que Castells chama de “identidade de resistência”. Trabalhadores, descontentes com as relações estabelecidas no seu cotidiano, resolveram experimentar uma nova relação baseada em princípios diferentes daqueles vivenciados nas empresas que conheciam. Por outro lado, se considerarmos o fato de que este grupo está construindo um “projeto de vida” embasado no ethos cristão e em sua militância sindical, poderíamos entender esta identidade em formação como sendo uma “identidade de projeto”. O fato é que esta identidade vem se constituindo pela articulação de práticas e de representações, e é potencializada na sociabilidade do grupo. É nos espaços de conflito e de luta que se afirma, se modifica e se reconstrói o novo projeto. Cotidianamente, ele vem sendo negociado, na interface com um conjunto de pertencimentos sociais, e é na interconexão dessas semelhanças e diferenças que vai se definindo a identidade. Podemos imaginar as mais diversas combinações para configurar uma identidade como uma totalidade. Uma totalidade contraditória, múltipla e mutável, no entanto una. Por mais contraditório, por mais mutável que seja, sei que eu que sou assim, ou seja, sou uma unidade de contrários, sou uno na multiplicidade e na mudança.(Ciampa, 1991:61) A primeira característica comum do grupo em estudo é o fato de seus membros serem originários da classe trabalhadora. Não é esta, no entanto, a novidade que apresentam, já que praticamente a totalidade dos empresários calçadistas de Birigüi tem essa mesma origem. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 155 O que parece ter singularidade e apontar algo de novo diz respeito à dinâmica das relações implementadas na fábrica, que tem relação com a identidade de seus atores. O desenho organizacional em que controladores/sócios se distribuem entre os trabalhadores encarregados da linha de produção, todos realizando tarefas similares, tem alguma semelhança com a chamada administração flexível, proposta na qual se reduzem os níveis hierárquicos e se confere maior autonomia e responsabilidade ao pessoal de linha. Na Marc’ellsse há um bom sistema de informações, fazendo com que os trabalhadores saibam até onde levar a negociação salarial. A liberdade relativa por meio da qual cada trabalhador administra o seu tempo está vinculada ao compromisso de produção e às tarefas especificadas para cada dia, o que exige mais do que o controle, o consenso. No seu dia-a-dia, a Marc’ellsse tem participado de fóruns de discussão voltados para a melhoria da produção, seja em termos de qualidade do produto, seja em termos de aumento da produtividade. Desses fóruns, participam alguns poucos diretores e uma parte significativa dos trabalhadores que, envolvidos diretamente na discussão e nos debates externos, vai construindo parâmetros para orientar as decisões que devem encontrar o meio termo entre as necessidades da produção e o bem-estar dos trabalhadores. Este processo procura estar acima dos interesses particulares e se constrói a partir da recusa da busca de privilégios e da barganha de interesses particulares. Macêdo, cita Lavinas43, quando fala na identidade como uma “categoria da prática”, ou seja, que emerge da ação pela qual os indivíduos adquirem autonomia e 43 transformam-se em sujeitos. Esse processo de identificação implica, A obra citada por Macêdo é Lavinas, Lena, Identidade de gênero: um conceito da prática. In; Encontro Anual da Anpocs, 13., 1989, Caxambu. (mímeo). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 156 necessariamente, e ao mesmo tempo, elaboração de si mesmo e do outro, via interação social. É nesse encontro com o outro que vai sendo reforçado um senso de pertença ou mesmo de afastamento – o que reafirma a proposição de que identidade não pode ser tomada como “dada”, mas como um processo construído num contexto de relações sociais. (1998:88) Embora cada um de nós seja uma totalidade, em cada momento de nossa vida se manifesta uma faceta desta identidade, uma parte deste nós. Esta unidade de contrários que somos reflete-se como desdobramento das múltiplas determinações às quais estamos sujeitos. Neste sentido, cada um de nós é um feixe de relações, uma rede de representações. Ciampa (1987) falando nos modos de produção da Identidade aponta quatro possibilidades: • predominância de um personagem44 sobre outro [modo dominante de produção]; • transformação gradativa, no início há um conservar do modo de ser anterior que vai sendo sucedido por uma nova personagem; • coexistência de dois personagens; • alternância dos personagens dependendo da situação. A construção desta identidade, seja pela coexistência, pela alternância ou pela transformação gradativa é bastante complexa. A administração dos interesses 44 “A identidade, que inicialmente assume a forma de um nome próprio, vai adotando outras formas de predicações, como papéis, especialmente. Porém, a forma personagem expressa melhor isso na sua generalidade” (Ciampa, 1987:134). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 157 de duas classes contraditórias exige muita reflexão e elaboração, num processo de construção da consciência que nasce desta hibridez. Segundo Kofes45 (1997), pensar em identidade exige o reconhecimento da existência de uma tensão constante entre igualdade e diferença, por entender-se que nenhuma identidade se constrói sem o componente da diferenciação. (Macedo, 1998:87) Macedo ressalva, logo a seguir, que “diferença não deve ser vivida como inferioridade. Trata-se aqui de diversidade e, ainda, de resgate de potencialidades”. Entre empresário e trabalhador, no entanto, mais do que uma “diferença” existe um conflito de interesses na medida em que de um lado temos os gestores do capital e de outro a classe-que-vive-do-trabalho e que é despossuída dos meios de produção. Seriam estas pessoas trabalhadores adjetivados como empresários? Ou seriam eles empresários adjetivados como trabalhadores? Qual a ação que melhor os define? São gestores do capital que trabalham na produção? Ou seriam trabalhadores da produção que gerem seu negócio? O ser-empresário sucedeu o ser-trabalhador, ou haveria uma coexistência das duas identidades? Esta coexistência é permanente ou as duas identidades se alternam, dependendo dos momentos? Da análise feita, parece-nos que a “marca original” é o ser trabalhador. Pode-se observar que esta marca é forte e foi cunhada numa militância trabalhadora, principalmente nos momentos de oposição sindical. Quando o segundo personagem [ser-empresário] buscou se estabelecer, encontrou nestas 45 A obra citada por Macêdo é Kofes, Suely. Estudos de Gênero: pressupostos teóricos e campos de pesquisa. Salvador, ago. 1997 (Anoptações de Curso – Mestrado em Sociologia, FFCH-UFBa). TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 158 pessoas um filtro que colocou barreiras e fez com que a construção da nova identidade se desse sem negar a anterior. Ao mesmo tempo em que a Identidade nos diferencia no conjunto de iguais, iguala-nos frente à sociedade mais ampla, levando a nos identificar neste conjunto. Haveria alguma diferença entre estes empresários-trabalhadores e outros empresários, cujas identidades empresariais sucederam a identidade trabalhadora que tiveram anteriormente? Estes empresários/trabalhadores são trabalhadores atuando como empresários? Ou seriam empresários com preocupações de trabalhadores? Isso pode parecer um jogo de palavras, mas não é. Se a identidade de fundo é o ser trabalhador, e a forma como esse trabalho se apresenta é o estar empresário, é muito diferente de se ter uma identidade empresarial ainda que se execute algumas tarefas de trabalhador. Isto não significa que se fundiram as duas esferas [empresário e trabalhador] ou que seus limites tornaram-se indefinidos. O que tem ocorrido, por força da natureza do empreendimento que conduzem, é que estes trabalhadores têm buscado transitar entre os dois mundos: dos trabalhadores e dos empresários. Perguntado sobre a Marc’ellsse e sua opinião sobre ela, Mestriner disse que: eu acompanhei à distância. Eu acho que quando eles começaram o desenrolar da empresa, olha, eles são uns meninos muito sérios. [...] Eu acho que, até, alguns empresários não viram com bons olhos o trabalho deles. [...] Porque, na verdade, tem duas formas de enxergar o trabalho deles: [...]Eles têm competência, eles têm feito um trabalho fantástico, mas acho que eles deveriam estar mais junto das discussões, das colocações... Eles têm, hoje, conseguiram introduzir, implementar nestes anos, entendeu, uma seriedade. [...] Eu acho que eles mostraram serviço e eu acho que TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 159 eles podem se posicionar muito mais do que eles se posicionam, hoje. Apesar de que existe uma evolução, e eles estão num processo evolutivo, mesmo. Mas, eu acho que está na hora deles se posicionarem mais. Segundo Marx, os proprietários de simples força de trabalho, os proprietários de capital e os proprietários de terras, cujas respectivas fontes de receita são o salário, o lucro e a renda do solo, ou seja, os operários assalariados, os capitalistas e os latifundiários formam as três grandes classes da sociedade moderna, baseada no regime capitalista de produção. (1979:99) Os empresários da Marc’ellsse têm sua origem na classe trabalhadora, e, mais do que isso, parecem não ter perdido seu vínculo com a classe-que-vive-dotrabalho, de tal forma que seu que-fazer empresarial talvez possa ser visto como uma ação “subversiva” pois, situados no sistema capitalista, eles não se deixaram cegar pela ambição da acumulação. Estes trabalhadores-empresários têm procurado organizar os trabalhadores para uma nova relação no mundo do trabalho, e, nesta tarefa, buscam ir à origem das desigualdades e aos espaços de poder, procurando compreender os mecanismos empresariais, numa postura que nega a exploração e a opressão. Neste processo, os trabalhadores-contratados da Marc’ellsse têm acesso a todas as informações relativas ao empreendimento, e são convidados cotidianamente para reflexões voltadas para uma reestruturação de suas consciências, de modo a construir uma nova relação de trabalho. Segundo Antunes, foram profundas as transformações ocorridas no mundo do trabalho durante a década de 1980, e ele afirma que TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 160 a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter- relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser. (1995:15) Dentre as mudanças ocorridas na década de 1990, salientam-se um grande salto tecnológico, a automação e a microeletrônica no mundo fabril, que vêm alterando as relações de trabalho e de produção do capital. Fordismo, taylorismo e outros processos produtivos (neofordismo, neotaylorismo, pós-fordismo) mesclamse a experiências como as da “Terceira Itália”. É neste contexto que se apresenta a tese de Sabel e Piore – especialização flexível – trazendo uma nova forma produtiva que articula desenvolvimento tecnológico e desconcentração produtiva. A partir da criação da Marc’ellsse, estes trabalhadores assumiram atribuições da classe patronal, passando a responder pela coordenação da produção, pelas relações internas, processo de trabalho e incremento da produtividade. Pelos relatos de outros empresários calçadistas de Birigüi, ficou evidenciado que a grande maioria deles tem sua origem na classe trabalhadora. O que parece novidade, no caso dos empresários da Marc’ellsse, é o fato de não terem abandonado algumas das características da classe trabalhadora. Mesmo no desempenho de suas funções empresariais, eles permanecem na linha de produção e consideram a ótica dos trabalhadores quando da tomada de decisões. O processo de tomada de decisões ganha uma outra complexidade em virtude de estes empresários-trabalhadores precisarem conciliar interesses de classe que, muitas vezes, são antagônicos. A Marc’ellsse, para se manter no mercado, necessita responder às exigências de qualidade e preço dos produtos; isto demanda o aumento da composição orgânica do capital pela incorporação de novas máquinas e TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 161 equipamentos. De outro lado, o compromisso com os trabalhadores demanda condições de trabalho e de salário. Aparentemente, eles estão num processo de transição em que já não são puramente trabalhadores e nem são burgueses. Num processo de mudança de cultura como este, dez anos são um período curto e somente o tempo nos dirá como eles caminharão. Nesta forma de gestão da fábrica, sócios e trabalhadores assumem relações de trabalho baseadas na busca de cooperação entre novos saberes tecnológicos e antigos saberes da experiência. O desafio está em estabelecer um “modus operandi” no qual todos os trabalhadores, independente de posto ou lugar na produção, desfrutem de igual voz e audiência. Toda produção deve atender à lógica do mercado quanto à produtividade, escala, baixos custos, exploração dos recursos financeiros, materiais e humanos, manutenção da competitividade, etc. Neste sentido, podemos considerar que, no seu papel de coordenador da produção, o empresário é aquele que define: • o método de gestão; • a participação ou não dos controladores na produção; • as relações internas [horizontais ou verticais]; • o processo de trabalho; • as formas de incremento da produtividade; • a estruturação das tarefas; • os mecanismos de rastreamento e solução de problemas; • os indicadores de desempenho; TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 • o fluxo de trabalho e sua velocidade; • as condições de trabalho e salário; • a conveniência de inserir novos investimentos. 162 Por outro lado, é próprio da classe trabalhadora e produtora um comportamento, algumas vezes até mesmo corporativo, voltado para a defesa, conquista e garantia de direitos. O período inicial de formação da Marc’ellsse, e das demais fábricas comunitárias, foi tempo de construção de um relacionamento com o mundo real no qual os ideais foram abrindo caminhos novos a partir do confronto entre o sonho e os limites colocados pelas exigências de produção e do mercado. Foi esse o tempo de identificar o cliente e o mercado certos, buscar as pessoas adequadas que tivessem a dedicação esperada e a identificação com o projeto. Com o passar do tempo, e com o crescimento do grupo, foi sendo necessária a criação de certa burocracia que garantisse o funcionamento de uma empresa mais complexa mas que mantivesse o espírito de convivência dos primeiros tempos. Os pactos que até então eram subentendidos e subliminares ganham forma e transformam-se em regras. Ainda imbuídos do espírito inicial, e conservando sua identidade trabalhadora, foram construindo um modelo de gestão no qual buscam compatibilizar as exigências que tinham quando eram apenas trabalhadores e esta sua nova condição de responsáveis pela produção. Palangana (1998:45) afirma que “o trabalho organizado nos moldes capitalistas amesquinha os que se encontram nos dois pólos sociais: tanto o trabalhador como o patrão”. Esta forma de gestão no qual trabalhadores e gestores do capital atuam lado a lado tem possibilitado que a organização da TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Capítulo 4 163 produção seja definida em conjunto com os trabalhadores o que garante condições de trabalho mais adequadas. No caso da Marc’ellsse e de outras fábricas comunitárias, os detentores do capital continuam atuando como trabalhadores de linha o que faz com que nem percam de vista seu objeto de produção, nem deixem de estar conscientes das dificuldades dos diversos setores, o que faz com que tenham mais condições de tomar as decisões que o caso requer. Na relação interna, assim estabelecida, não há uma submissão dos trabalhadores, mas um comportamento de companheirismo e co- responsabilização. A novidade que esta experiência apresenta está principalmente nas relações que se dão no interior da fábrica. Esta experiência contextualizada geográfica e historicamente parece estar favorecendo a construção de um campo de reconhecimento, ação e reflexão comuns no qual estes sujeitos estão situados, na medida em que está sendo proposta uma relação diferenciada entre gestores do capital e trabalhadores. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo CONSIDERAÇÕES FINAIS 164 Considerações Finais 165 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Considerações Finais A minha aproximação da Marc’ellsse e das demais fábricas comunitárias, construindo a partir da experiência delas o objeto desta pesquisa, foi movida pelo desejo de conhecer mais de perto as propostas que grupos de trabalhadores vêm criando no enfrentamento ao desemprego e às dificuldades vividas por eles. As informações preliminares deixavam entrever nestes grupos características que pareciam interessantes de conhecer e analisar, porém não dava para imaginar a riqueza de ações e significados que encerram. Cabe, ao final do trabalho, reforçar pontos que pareceram importantes no decorrer do processo e que não devem ser vistos como conclusões terminadas, mas aspectos significativos no decorrer da aproximação, da vivência e do estudo empreendido. Considero que esta experiência contribuiu para repensar as relações sociais de produção dentro de um empreendimento industrial estabelecido nos marcos do capitalismo vigente no Brasil. Nascida da concretização de um ideal cristão, a montagem destes empreendimentos industriais buscava construir uma relação de responsabilidade na produção onde todos fossem igualmente trabalhadores. O grande desafio TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 166 Considerações Finais estava na construção de relações que não fossem de exploração, ainda que contextualizadas no sistema capitalista. A experiência em questão situa-se num município de médio porte, onde, nas últimas décadas, vem se incrementando o desenvolvimento industrial. A indústria calçadista de Birigüi é genuinamente birigüiense, tendo contribuído para estancar a migração que fazia com que um contingente significativo de trabalhadores deixasse a cidade em busca de seu sustento; hoje, ao contrário, diariamente chegam à cidade 19 ônibus trazendo trabalhadores vindos de diversas cidades da região. Segundo o censo de 1991, Birigüi foi a cidade que apresentou o maior crescimento populacional do estado. Sem dúvida, este ambiente regional foi fundamental para o êxito dos empreendimentos aqui analisados. Dowbor (2000) salienta nossa dificuldade de repensar o universo social numa perspectiva nova, e considera que isso ocorre pelo fato de as mudanças terem sido rápidas em termos históricos e por terem se dado de maneira progressiva, sem um momento preciso de ruptura. Segundo ele, ao invés de aceitar o desafio da construção de novos conceitos, fomos “espichando” os existentes para dar cobertura à nova realidade que se apresentava: “O lumpenproletariado adquiriu forma mais ampla no conceito de exclusão social, o proletariado evoluiu para um conceito mais geral de classes trabalhadoras e assim por diante”. Apontando que esta preocupação não é apenas da esquerda, continua sua reflexão dizendo que o empresário efetivamente produtivo – não o controlador dos casinos globais – pode acreditar que está defendendo a liberdade de iniciativa, mas cada empresa que fecha ou é adquirida por algum investidor institucional o deixa com mais dúvidas. E quando compara os seus lucros, que resultam de esforço e riscos reais, com as fortunas que especuladores ganham com o dinheiro dos TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 167 Considerações Finais outros, inclusive com remuneração assegurada pelo governo a partir dos seus próprios impostos, começa a colocar em questão, intimamente, a própria lógica do sistema. (Dowbor, 2000:3) Uma característica importante identificada no objeto de estudo desta pesquisa é sua condição híbrida: não é uma experiência de autogestão, mas tem algumas de suas características; não corresponde exatamente aos tipos de empreendimentos que vêm sendo estudados como de economia solidária, mas tem uma lógica que se aproxima deles; as pessoas que têm conduzido este projeto têm uma certa hibridez até mesmo em sua identidade, conforme apontado no capítulo anterior. Esta condição multifacetada pediu uma abordagem que evitasse o mero enquadramento nos modelos e nas descrições existentes. A maioria das propostas conhecidas, originárias de grupos de trabalhadores, partem do pressuposto de que a manutenção do ser trabalhador tem como limite, quando muito, as experiências autogestionárias ou co-gestionárias, não se considerando a possibilidade de este trabalhador transformar-se em empresário para mostrar que é possível conduzir a empresa em outros moldes. E foi isto o que ocorreu com os sujeitos estudados nesta Tese. Tal novidade parece apontar a possibilidade de relações diferentes dentro de empresas que continuam se movendo no mundo capitalista. Trata-se de uma experiência datada, localizada e contextualizada. Com certeza, não pode ser tomada como modelo a ser generalizado, mas isso não significa que não possa ser tomada como referência de análise para outras situações, na medida em que ela tem positividades. Para isso, no entanto, é preciso primeiro ponderar as particularidades da experiência: • Inserção em município de médio porte cuja trajetória de crescimento, nas últimas décadas, suplantou outras cidades da região, fazendo com TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 168 Considerações Finais que, de exportadora de mão-de-obra, passasse a gerar um número significativo de empregos; • Setor industrial que tem exercido atração regional, o que cria um ambiente favorável para estas empresas; • Maioria dos empreendimentos do setor são pequenas empresas e 66% dos empresários vieram de outras indústrias de calçados onde eram empregados ou ex-proprietários; • Trabalhadores jovens que aceitaram o desafio do novo; • Ethos cristão fortemente influente na formação destes trabalhadoresempresários; • Interface com CEBs e com a militância sindical, especialmente as de oposição; • Empresas com características de empreendimento familiar. Ainda que cada uma das características destes empreendimentos possam ser encontradas em outras experiências, o modo como elas se articulam na construção das fábricas comunitárias é bastante singular. Vejo como uma potencialidade o sucesso obtido quanto à garantia de um espaço de trabalho para um número significativo de pessoas, o que representa, portanto, uma experiência de geração de trabalho e emprego e o fato de estarem cunhando uma relação diferenciada que vem atestando ser possível a construção de relações sociais sem exploração em meio a um empreendimento capitalista. Mas é preciso acentuar que é uma experiência com limites bastante definidos. De um lado, trata-se de uma experiência de pequeno porte e que tem conseguido, quando muito, uma alteração de relações num ambiente restrito a menos de dez empresas, num universo de quase 200, que são as sapatarias de 169 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Considerações Finais Birigüi. Por outro lado, está assentada num determinado perfil de empresário, uma vez que este modelo propõe que o organizador da produção seja também ele um produtor, isto é, trabalhador, e se contente com o salário de produtor. Estes jovens empresários foram formados numa dupla militância nas Comunidades Eclesiais de Base e na luta sindical e isto, sem dúvida, imprime elementos singulares que precisam ser considerados em outros estudos similares. Impulsionados por uma “aventura” que foi pouco a pouco se transformando num “projeto de vida”, estes pioneiros iniciaram uma pequena oficina apostando na sua habilidade profissional e num processo de ação-reflexão-ação, construindo um caminho que, segundo Marx, constitui-se numa relação dialética do real pensado. O processo de consolidação das fábricas comunitárias foi, também, educativo, construindo uma trajetória de prática e reflexão sobre a prática. A dupla militância – CEBs e Sindical – não apenas permitiu que tomassem conhecimento de propostas que foram sendo experimentadas, adotadas e/ou descartadas, mas serviu ao mesmo tempo de fonte de inspiração, escola de formação e espaço de reflexão da prática que ia se instituindo. Além disso, a abertura ao diálogo com diversos atores possibilitou não apenas o contato com diversas óticas, mas também para a recepção de insumos diversos como aqueles emanados do sindicato patronal e da discussão no fórum formado com a UNAM. A localização dos controladores na operação direta, a eliminação de encarregados e contramestres, as dificuldades no repasse de pedidos a outra fábrica pela diferença de qualidade do produto, as estratégias de controle de um capital que é sempre escasso sem perderem seu lugar no mercado foram passos de um processo que os levou a se experimentarem em várias situações. Sem dúvida, um dos pontos-chave deste processo tem sido a definição do caráter do empreendimento. A proposta desenvolvida tem características de 170 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Considerações Finais autogestão, num empreendimento formalizado juridicamente como empresa limitada; a atuação em rede com as demais fábricas comunitárias trouxe, em determinado momento, uma preocupação com a relação entre elas e o perigo do assistencialismo. Na busca de saídas, consideram a possibilidade de criação de uma cooperativa “guarda-chuva” dentro da qual as empresas se moveriam. A Cooperativa chegou a ser criada e funcionou por quase dois anos. Quando do encerramento, avaliaram que este não era o caminho, porque o coletivo colocava em risco a autonomia de cada empresa.46 Os ascpectos destacados a seguir são apresentados como pontos de partida para a continuidade e aprofundamento da pesquisa sobre o assunto. O fato de ser dado maior realce aos pontos positivos não significa que a experiência não apresente conflitos, contradições e limites, que são inerentes à trajetória própria dos sujeitos individuais e coletivos que compõem a história destes empreendimentos, alguns dos quais puderam ser observados no decorrer deste estudo. Propriedade dos meios de produção A propriedade dos meios de produção está restrita aos doze sócios, e ainda que as retiradas que estes fazem sejam muito próximas dos valores pagos como salários para os trabalhadores, não se pode negar que vai se constituindo um patrimônio que é apenas dos doze e não do conjunto de trabalhadores do empreendimento. Importante salientar, também, que os mecanismos de inserção produtiva nos mercados nacionais e internacionais têm exigido aumento constante da composição orgânica do capital que, de certa forma, redunda em capitalização dos sócios e não dos demais trabalhadores. 46 O processo de construção e desconstrução da Cooperativa não está detalhado nesta Tese por fugir ao seu escopo, mas o assunto mereceria ser tema de outro estudo. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 171 Considerações Finais A indústria do tênis, calçado produzido pelas fábricas comunitárias, é um empreendimento que requer pouco capital, sendo possível – como foi feito pela Marc’ellsse – ter, de início uma produção quase artesanal na qual a composição orgânica do capital pode ser bastante restrita. Foi assim que estes pioneiros começaram sua produção: cortes das peças com estilete, máquina de costura caseira, frizadeira artesanal montada com motor de um liquidificador. O capital inicial e os créditos conseguidos foram utilizados quase totalmente na compra de matéria-prima. Para dar início ao empreendimento, cada um dos sócios investiu o valor de que dispunha, e, estes valores diferiam de um para o outro. Em aproximadamente um ano, tais valores foram devolvidos a cada um e como todos tinham entrado com o mesmo empenho no trabalho que realizaram, consideraram que cada um dos sócios tinha partes iguais na empresa. Uma das características destes empreendimentos é a sua dimensão de convivialidade. A proposta inicial previa que todos seriam sócios, baseada numa visão organizacional na qual um dos princípios era a participação dos trabalhadores nas decisões. Tradicionalmente, esta convivencialidade é incompatível com unidades produtoras em grande escala que demandariam um tipo de organização mais vertical. A remuneração recebida pelos sócios (retiradas) pode ser entendida como custo na medida em que eles estão inseridos na operação direta da fábrica e os valores são aproximados daqueles pagos como salários aos trabalhadores contratados. Saliente-se que os contratados recebem horas extras quando sua jornada é estendida, o mesmo não ocorrendo com os sócios. Ainda que a propriedade dos meios de produção esteja nas mãos dos sócios, que são minoria entre os trabalhadores do empreendimento, a lógica a partir da qual a empresa se orienta não é de acumulação; em várias das decisões 172 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Considerações Finais tomadas, percebe-se a prevalência do aumento do número de trabalhadores na fábrica e não de ampliação das taxas de acumulação. Desenho organizacional da produção Um segundo aspecto observado diz respeito à busca de superação da hierarquia. Quando se pergunta a qualquer um dos sócios sobre o número de trabalhadores na fábrica, a resposta é noventa. Eles entendem que são trabalhadores tanto aqueles que foram contratados e que recebem salários, quanto os doze sócios. A localização de cada um deles na operação direta na produção é um dos fatores que mantém cada um deles como um trabalhador de linha e não como um coordenador do processo que é desenvolvido pelos trabalhadores. Um dos pilares do modelo de gestão construído pela Marc’ellsse e pelas demais fábricas comunitárias é, sem dúvida, esta presença dos sócios na linha de produção. O convívio direto e diário com os trabalhadores, aliado à sensibilidade potencializada pelo compromisso com eles, faz com que a direção da empresa acompanhe o desenvolvimento de cada um dos contratados, podendo atentar para as dificuldades e mesmo sugerir mudanças de função de modo a tornar as tarefas mais adequadas à produção e à situação de cada trabalhador. Pela dinâmica adotada, cada setor tem afixado em quadros visíveis a todos os trabalhadores qual está sendo o andamento da produção naquele setor, o que permite que cada um acompanhe seu desempenho e o de seus companheiros. Por outro lado, sendo profissionais competentes e estando estrategicamente localizados na produção, o grupo de sócios tem condições de monitorar o conjunto da produção, seus pontos de estrangulamento, propondo alterações no ritmo de produção de cada setor. Experienciar este modo de gestão que nega uma hierarquização rígida exige o ajuste das técnicas de produção, testando-lhes o funcionamento. A base sobre a 173 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Considerações Finais qual se assenta tal gerenciamento é o entendimento de que os trabalhadores conhecem melhor do que ninguém o seu trabalho e, ao se sentirem livremente responsáveis pela produção, apontarão os melhores caminhos. Importante lembrar que isto se dá dentro de uma sociedade fundamentada na hierarquia o que, sem dúvida, implica mudança cultural dos sujeitos envolvidos. Levantamento feito com os trabalhadores (questionários) possibilitou atestar certa dificuldade inicial de participar de uma estrutura não hierarquizada. Muitos dos estudiosos em autogestão apontam a necessidade de rodízio de funções como uma maneira de cada um dos trabalhadores conhecer o todo do seu negócio, para assim poder tomar decisões adequadas. Um contra-argumento apresentado por Costa enfatiza o respeito à diversidade e às habilidades das pessoas. Supor que todos devam ser capazes de fazer tudo com o mesmo bom desempenho, é fortalecer uma compreensão totalitária do coletivo, isto é, uma compreensão que nega e desvaloriza a riqueza presente na diversidade. No meu entender, a circulação de informações é fundamental para que haja uma gestão efetivamente coletiva do trabalho. (Costa, 1989:24) A maioria dos trabalhadores contratados pela Marc’ellsse tem função fixa na produção e isto ocorre não apenas porque as funções requerem habilidades diferenciadas – atenção, força, etc. – mas até mesmo em virtude das convenções coletivas definirem salários diferenciados para as funções. Os sócios são mais versáteis e muitos deles podem se colocar em qualquer ponto da produção, mas, sem dúvida, há setores nos quais as suas habilidades estão mais adequadas. Nas reuniões de direção, discutem a fábrica como um todo e a situação de cada setor. Assim, por exemplo, é a configuração gerada pelo afastamento de trabalhadores por férias ou licenças, que define a posição que 174 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Considerações Finais cada sócio deve ocupar na produção naquele período. A meu ver, trata-se de um rodízio parcial, pois está subordinado às conveniências da produção. O rodízio por si só não garante um conhecimento com qualidade de cada setor da empresa. Tratando-se de um empreendimento produtivo e não de um espaço voltado apenas para o aprendizado, há que se respeitar as habilidades, e a garantia do conhecimento do todo deve se dar na forma de gestão. A superação da fragmentação deve se dar no processo de tomada de decisões possibilitando a cada sócio dominar a organização do trabalho mesmo que permaneça fixado no setor para o qual sua aptidão é maior ou sua especialização exija. Nas fábricas comunitárias, as decisões são coletivas – considerando-se como coletivo o corpo de sócios – mas o processo que as fundamenta perpassa o conjunto dos trabalhadores, que discutem e opinam livremente. Na instância maior de decisão da empresa, no entanto, apenas os sócios têm assento; e, ainda que consideremos que cada um deles possa ser o porta-voz dos trabalhadores do seu Setor, fica patente que este é um dos espaços onde se manifesta a ambigüidade do trabalhador-empresário. Resta saber, afinal das contas, qual o interesse que prevalece. A política salarial adotada está baseada na CLT e os trabalhadores têm garantidos seus direitos e salários que acompanham as convenções coletivas da categoria. Os valores pagos para cada uma das funções é pouco maior do que aqueles pagos por outras empresas. Segundo a presidente do sindicato de trabalhadores, há liberdade de acesso à fábrica pelo sindicato, que considera adequadas as condições de trabalho e ganho. O controle administrativo da fábrica é diferenciado daquele que, tradicionalmente, é visto em outras empresas e cujo objetivo é a extração do máximo de mais-valia, por meio do implemento de uma produtividade cada dia maior. Trata-se de um controle coletivo, exercido pelos próprios trabalhadores e TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 175 Considerações Finais que se coloca horizontalmente na busca da realização das tarefas propostas com um menor desgaste e fadiga por parte dos trabalhadores.47 O ambiente da fábrica é tranqüilo e as relações são democráticas e isso garante um bom relacionamento entre todos os trabalhadores, sejam eles sócios ou empregados. Nesta experiência, assim como em outras, o controle pode estar a serviço dos trabalhadores. Exemplificando, cito Pedrini48 que, analisando um grupo semelhante a este, diz: “pode haver um modo de controle e burocracia que venha a defender os direitos dos trabalhadores, no caso do controle que favoreça a estes...” (1998:169). Existe, nas relações de produção, um controle exercido sobre o trabalhador, considerado alienado, que parte do pressuposto de que ele precisa ser vigiado porque se percebe explorado e adota mecanismos de defesa, desde a diminuição do ritmo de trabalho até a realização de procedimentos inadequados à qualidade esperada. Num processo de produção mais transparente, em que os detalhes são conhecidos por todos os trabalhadores, e estes sabem que seus ganhos são semelhantes àqueles que são percebidos pelos sócios do empreendimento, o controle toma características de um autocontrole, pois cada trabalhador assume a responsabilidade sobre as tarefas que estão a seu cargo. Tal vivência vai construindo uma nova compreensão da autoridade, numa relação de respeito, camaradagem e compromisso. 47 Drucker (1991:66) afirma que foi apenas a partir da Segunda Guerra que os trabalhadores passaram a ser ouvidos e surpreenderam a todos, na medida em que “eles não eram irracionais, nem imaturos, nem desajustados. Eles conheciam muito a respeito do trabalho que faziam, sua lógica e ritmo, as ferramentas, a qualidade e assim por diante”. 48 O objeto de Tese da Dalila Pedrini (1998) é a Empresa Alternativa de Produção Socializada. Assim como as fábricas comunitárias aqui estudadas, a origem da EAPS está ligada a um grupo de jovens da Igreja Católica que, há 11 anos, decidiu iniciar um projeto social, político, econômico e de convivialidade. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 176 Considerações Finais Segundo foi possível observar, a relação estabelecida entre os sócios e os trabalhadores contratados baseia-se na reciprocidade, estando mais próxima da liderança do que da chefia. Nesta lógica, em cada situação específica, quem define a ação é aquele que reúne as melhores condições para fazê-lo no momento. Como conseqüência, cada membro do grupo sente-se pessoalmente responsável pelas deliberações e pelo êxito da tarefa empreendida. Numa proposta como esta, a acumulação deixou de ser a finalidade dominante da produção, sendo contrastada à satisfação dos trabalhadores. Este tem sido o caminho trilhado pela Marc’ellsse, que, ao buscar uma responsabilidade compartilhada na produção, permite um maior aproveitamento do potencial de cada trabalhador, respeitadas suas necessidades e limites. Para que a empresa se mantenha no competitivo mercado capitalista, ela precisa ser eficaz. Em nome da eficácia tecnológica, exige-se a atualização permanente dos métodos de produção – um método somente é eficaz se não existir nenhum outro que o suplante. Já a eficiência significa o uso adequado dos instrumentos e equipamentos; esta eficiência tem que ser construída a partir de dois olhares, as condições de trabalho (turnos, descansos, férias e regras) e as necessidades de produção versus formação dada aos trabalhadores. A discussão das propostas de melhoria da produção, realizada com o conjunto de trabalhadores da fábrica, objetiva a racionalização e a elevação da produtividade, assim como a eliminação do desperdício e do retrabalho. O que se almeja é o crescimento da habilidade individual de cada trabalhador, a economia dos lead times (tempo que o trabalhador perde quando passa de um trabalho para outro), e o uso de máquinas que permitam abreviar o tempo de execução das tarefas. Importante salientar que a produtividade da qual se fala é aquela decorrente do desenvolvimento do processo social de produção e não aquela proveniente da exploração capitalista. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 177 Considerações Finais À medida que os trabalhadores vão se apropriando de algumas competências gestionárias, sua intervenção na gestão do processo produtivo vai sendo qualificada. Capacitação continuada O processo de formação, a socialização das informações e a participação, ainda que indireta, na tomada de decisões vai possibilitando uma apropriação coletiva do progresso técnico e um maior controle e subordinação das máquinas pelos trabalhadores que as submetem ao seu ritmo de trabalho e vida. Este processo demanda uma capacitação continuada dos trabalhadores, sejam eles sócios ou não, de modo a garantir ao mesmo tempo o padrão de qualidade adequado e satisfação pessoal. Todos estes componentes vão construindo uma forma de gestão que perpassa o coletivo dos trabalhadores na medida em que as decisões só se efetivarão se forem assumidas por todos aqueles que trabalham na fábrica. Há um investimento continuado na formação de modo a que se possa somar o saber prático que eles têm e exercitam no seu dia-a-dia e as novas propostas tecnológicas apontadas por outras experiências. Introduzir novas formas de trabalho, mantendo as características de participação na gestão é um processo complexo e que requer mais do que simplesmente disciplina no trabalho. Esta trajetória apresentou dificuldades de diversas ordens, mas ainda assim o grupo não esmoreceu. Muito pelo contrário, os participantes aceitaram o desafio de continuar e foram cunhando sua própria história, permitindo que as relações extrapolassem a fábrica e invadissem o cotidiano e a vida de cada um de seus membros. Permitiram também a multiplicação para outras fábricas. O tempo de existência da Marc’ellsse – doze anos – ainda que suficiente para a análise de alguns aspectos, é insuficiente para que se possa pensar no seu significado futuro. Se aceita a idéia de que a identidade destes empresários está TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 178 Considerações Finais em transição49, será possível garantir que a postura aqui registrada se manterá no decorrer do tempo? A Marc’ellsse parece sólida o suficiente para se manter no mercado nos próximos anos, e, sendo uma empresa com características familiares, poderá ser assumida pelos filhos dos atuais sócios – que hoje são crianças com idades entre alguns meses e 10 anos. Mas os herdeiros terão os mesmos sonhos que seus pais, ou tenderão a transformar-se em empresários distantes dos trabalhadores como tantos que conhecemos? Não sabemos! O que dá para afirmar é que o compromisso comum e a transparência no agir vêm aumentando a confiança entre eles. e isso tem permitido ações ousadas de construção do futuro sonhado. Cabe salientar, ainda que: • as várias fábricas comunitárias tiveram diferenciados graus de sucesso no empreendimento e as pessoas envolvidas avaliam que um dos motivos disso deve-se ao maior ou menor grau de capacidade empreendedora de seus iniciadores; • as ações em rede foram significativas para a socialização entre as diversas fábricas; • à medida que se aproximam de formas institucionalizadas do agir social, precisaram ser formalizados os acordos verbais e definida a metodologia organizacional; • processos como este não se dão sem conflitos e mesmo os consensos alcançados foram construídos a partir da discussão dos pontos de vista de cada um dos envolvidos; • a consolidação da identidade coletiva tem sido um processo interativo que implica investimentos contínuos. 49 - Na concepção de Ciampa, identidade é metamorfose, portanto é/está sempre em transição. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 179 Considerações Finais Finalizando, quero deixar registrado o quanto a pesquisa deste processo significou na minha formação e amadurecimento, e ainda que possa revelar insuficiências, quero fazer minhas as palavras de um dos associados de uma das fábricas comunitárias: Cada momento de nosso trabalho, cada lembrança de nossos passos e obstáculos, cada grupo de pessoas interessadas em seguir nossa caminhada nos deixa a certeza de que estamos contribuindo na organização de uma nova sociedade onde pessoas são valorizadas e não excluídas. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo BIBLIOGRAFIA 180 Bibliografia TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO/TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 181 Bibliografia Referências bibliográficas ANTEAG. Autogestão: construindo uma nova cultura nas relações de trabalho. São Paulo, Anteag, 2000. ANTUNES, Ricardo. 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Quantos são os trabalhadores em atividade ? Há um índice de desemprego do setor ? 3) Qual tem sido a tendência do setor de calçados (anos 80 e 90) no que se refere à absorção e exclusão de mão-de-obra ? 4) A que estas situações estão ligadas: • implantação de novos empreendimentos ? • encerramento de atividades dos estabelecimentos? • introdução de novas tecnologias e/ou procedimentos de gestão ? • outras causas. Quais ? 5) Quais as ocupações/ profissões que têm sofrido com o processo de enxugamento da mão-de-obra e quais têm apresentado maior número de admissões ? 6) A mão-de-obra disponível para contratação tem o nível de qualificação adequado para as necessidades do setor ? Qual o nível de qualificação de mão-de-obra que tem sido admitida e da que tem sido demitida no setor ? 7) No setor de calçados, (em especial a produção de tênis) qual a predominância: pequenas, médias ou grandes empresas ? 8) Como se dá a qualificação da mão-de-obra ? Quem faz, quanto tempo leva... 9) Qual o perfil do profissional desse setor ? Tem havido mudanças em virtude de novas tecnologias ? 10) Como se distribui a produção de calçados no Brasil, no Estado de São Paulo e em Birigüi ? 211 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 11) Birigüi está no segundo lugar no “ranking” de empregos do setor, em especial no que se refere a calçados infantis. Que análise podemos fazer da parcela do setor de calçados localizado nessa cidade ? 12) Como foi formada a Comissão Municipal do Emprego e qual foi o processo de formação? 212 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos II. Presidente da COMPABI – Cooperativa Mista de Produção Alternativa de Birigüi 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) Conte-me como tudo começou, ou seja, como vocês iniciaram a Oposição Sindical e o que houve com ela. Período, conquistas, dificuldades... Como surgiu a idéia da oficina de sapatos ? Vocês haviam saído de um curso de CEBs, não é... que influência o curso teve no desenrolar dos acontecimentos ? Quem são os membros desse primeiro grupo ? Quais estavam desempregados e assumiram a oficina e quais eram a retaguarda ? quais foram as primeiras providências, como venderam os primeiros pares... em quanto tempo perceberam que daria certo e chamaram os outros. Qual foi o processo de definição do regimento interno (dinâmica)? Quantas pessoas participaram ? Quem teve a idéia de formar um nome com as iniciais de todos ? Quanto tempo ficaram nesse primeiro espaço ? Como foram compradas as máquinas (seguintes) ? Como surgiu a Maic d’joll ? Quanto tempo depois ? Quem era o grupo novo? Qual a dinâmica que criaram ? Onde instalaram a segunda oficina ? Fale do incêndio. ( Como aconteceu ? O que ocasionou? Quem socorreu? Como a imprensa cobriu? Como foi o recomeçar ? Local, apoios, tempo que levou para “levantar”... Como foram estes anos ? Fale do que foi bom e do que foi difícil. Sei do tempo das “vacas magras” em que alguns de vocês foram trabalhar no campo para garantir a continuidade do projeto. Quem são eles ? Como foi isso ? 10) Hoje são cinco fábricas, mas houve algumas outras... como são estas histórias ? 11) Como tem sido o crescimento das fábricas ? 12) Em muitos lugares (Franca, Jaú, etc..) a indústria de calçados tem um sistema de terceirização com tarefas que as pessoas executam nas suas casas. Isso também ocorre em Birigüi ? 13) Vocês dão serviço para ser feito em casa ? 14) Cada trabalhador (nas fábricas) tem uma função fixa, ou são polivalentes ? (execução, projeto, administração, etc...) 213 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 15)Como são os treinamentos ? Quem treina hoje e quem treinou os primeiros? 16) Acompanhei alguns espaços de formação que vocês tinham. Ainda tem ? Há anotações de quais as discussões que ocorreram nestes espaços ? 17) O fato das pessoas terem esse tipo de envolvimento aumenta o entusiasmo? Isso se reflete na produção ? (faltas, doenças, alcoolismo, drogas) 18) Compare os salários e benefícios que os trabalhadores das fábricas recebem com o que paga o mercado de calçados de Birigüi. 19) Vocês dialogam com os Sindicatos patronal e de trabalhadores ? 20) Qual o percentual de trabalhadoras mulheres ? Aquela preocupação com gravidez, como se resolveu ? 21) Como o povo da cidade vê essa iniciativa ? 22) Qual o relacionamento de vocês com outros empresários do setor ? 23) Vocês acompanharam a tentativa de criação da câmara setorial de calçados de Birigüi? 24) Você tem acompanhado o que faz a Comissão Municipal do Emprego ? 25) O processo de produção que vocês realizam é igual ao das outras fábricas? Parece-me que vocês não mantêm estoques de calçados, mas vão produzindo conforme os pedidos. É isso mesmo ? Por que isso ? Como é organizada a produção ? 26) Houve um período em que vocês produziram na informalidade ? Em algum momento tiveram problemas trabalhistas ? 27) Como são comercializados os produtos (lojas, pedidos, consignação, vendedores ambulantes ?Qual o tamanho do corpo de vendedores, e o sistema de vendas... eles são cooperados ? 28) Como consolidou-se a cooperativa ? (marca “dectoner”? / todas as cinco ?) O relatório que foi encaminhado à FGV fala em 270 pessoas: funções, cooperados ou não, vendedores... 29) Como você viu o processo da lojinha ? Como funcionam as lojinhas de fábrica? 30) Você acha viáveis as idéias da Edna de caixas de sapato e solas de material reciclável ? 31) O que aconteceu com aquela idéia de produção de chinelos tipo Rider ? 32) Qual o significado da Rede de Experiências Econômicas Alternativas no desenvolvimento da COPABI ? Qual o significado da COPABI na Rede ? 214 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo 33) Fale da creche (desde quando, quantas condições(profissionais/custo/quem custeia, onde...) Anexos crianças, 34) E o refeitório (desde quando, quantas refeições, quem paga, quem trabalha e quem define as refeições ? 35) E o programa de alfabetização ? como surgiu ? Como o MEC soube dele ? Quantas pessoas passaram e passam por ele... Fale do prêmio. 36) E a gleba onde estão construindo ? Conte um pouco... 215 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos III. Assistente Social que trabalha na Vila Bandeirante (bairro pobre de Birigüi) e cuja Dissertação de Mestrado foi sobre os Sapateiros de Birigüi 1. Como você vê a situação social de Birigüi ? 2. A pobreza com a qual você trabalha é fruto do desemprego permanente, do desemprego de entressafra, ou do nível de salários ? 3. Quais as estratégias de reação da população: como fazem para sobreviver? 4. Que outros problemas devem ser encarados (alcoolismo, drogas, violência)? 5. Que ações do Poder Público têm sido significativas ? 6. Como tem sido a ação da Igreja Católica de Birigüi ? e Igrejas de outras confissões ? 7. Que outras forças têm sido significativas ? (Rotary, Lions, Maçonaria, Entidades Sociais) 8. Você trabalha com essa população há vários anos, como vê as mudanças que ocorreram nesse período em termos organizativos ? Como ela reagia e como reage hoje ? 216 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 217 IV. Sindicatos dos Trabalhadores em Calçado50 1) A maioria das empresas do setor de calçado, que produzem tênis, são grandes, médias ou pequenas empresas ? 2) Qual tem sido o comportamento do Setor de Calçados no que se refere a emprego/desemprego ? 3) Quais as causas do Desemprego no Setor Calçadista? [Fechamento de empresas ? Novas tecnologias ? Procedimentos de gestão ? Outros ?] 4) Qual a importância, o significado da parcela do Setor Calçadista que está sediado em Birigüi ? 5) Qual o perfil do trabalhador do setor de calçado ? Que mudanças houve nesse perfil do final da década de 80 até os nossos dias ? 6) Quais os efeitos das novas tecnologias no setor: maior reciclagem ou desemprego? 7) Qual o perfil do desempregado do setor de calçados ? dificuldades que encontra ? Quais as maiores 8) Sabe-se que o setor calçadista de Franca se utiliza muito de trabalho em casas. Como é Birigüi em relação a isso? 9) Qual a incidência de trabalho infantil em Birigüi ? 10) CONTAR DA COMPABI: Qual o significado de um Projeto como este? 11) Ao visitar as fábricas comunitárias de Birigüi, o que devo observar ? 50 O mesmo roteiro foi utilizado com o Sindicato de Trabalhadores em Calçado de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçado de Birigüi. TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos V. Sindicato da Indústria de Calçados Patronal de Calçados 1. Qual o desempenho do setor de calçados ? Qual o percentual de valor agregado pelo qual ele é responsável ? 2. Quantos são os estabelecimentos do setor (calçadista) ? Quantos são os trabalhadores em atividade ? Há um índice de desemprego do setor ? 3. Qual tem sido a tendência do setor de calçados (anos 80 e 90) no que se refere à absorção e exclusão de mão-de-obra ? 4. • • • • A que estas situações estão ligadas: implantação de novos empreendimentos ? encerramento de atividades dos estabelecimentos? introdução de novas tecnologias e/ou procedimentos de gestão ? outras causas (quais) 5. Quais as ocupações/ profissões que têm sofrido com o processo de enxugamento da mão-de-obra e quais têm apresentado maior número de admissões? 6. A mão-de-obra disponível para contratação tem o nível de qualificação adequado para as necessidades do setor ? Qual o nível de qualificação de mão-de-obra que tem sido admitida e da que tem sido demitida no setor ? 7. No setor de calçados, (em especial na produção de tênis) qual a predominância: pequenas, médias ou grandes empresas ? 8. Como se dá a qualificação da mão-de-obra ? Quem faz, quanto tempo leva... 9. Qual o perfil do profissional desse setor ? Tem havido mudanças em virtude de novas tecnologias ? 10. Qual a distribuição regional (no Brasil e em São Paulo) ? 11. Birigüi está no segundo lugar no “ranking” de empregos do setor, em especial no que se refere a calçados infantis. Que análise podemos fazer da parcela do setor de calçados localizado naquela cidade ? 218 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo VI. Empresários do Setor Calçadista de Birigüi Anexos [ diversos] 1. Você acompanhou o surgimento da primeiro oficina deles – a Marc’ellsse? 2. O que acha dessa proposta de uma produção de certa forma socializada onde os empregados têm certo poder de decisão sobre a produção? Isso é semelhante ou diferente da sua fábrica? 3. Como você vê a relação deles com os outros produtores de tênis da cidade? Por que os grandes deixam essas fábricas continuarem? 4. Na sua opinião, como eles conseguem ter espaço no mercado? Menor margem de lucro, condições de pagamento? O que? 5. Como foi a ajuda que você deu a eles? Compra de matéria prima? Cessão da sua fábrica para que produzissem? Como foi isso – deu certo, criou problemas... Por que você teve confiança neles? 6. Na sua opinião, como os outros empresários vêem essa experiência? 7. Você participa do Fórum de Pequenos Empresários e Associações de Moradores? O que acha desse fórum e de suas propostas? 219 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos VII. Pessoas ligadas à Igreja Católica e às CEBs de Lins 1. Discurso da Igreja Oficial x Desenvolvimento das Pastorais na Igreja Particular de Lins 2. Memória dos trabalhos ( relatórios, relatos, materiais tipo jornaizinhos... onde encontrar?) – organizar o povo em torno das necessidades sentidas, o que significava isso? 3. O que foi o processo de “inserção na produção”? Em Birigüi teve um primeiro grupo [ Sérgio/comércio, Carlão/contabilidade, Foquito/professor, Djalma, Dorival] que começou depois de um projeto que a Igreja desenvolveu na Bahia... ficaram um ano lá... 4. Como eram os grupos de jovens na década de 80/90? Como eram as CEBs na região e em Birigüi? O que mais frutificou como eles? 5. Que curso foi feito em Gabriel Monteiro que ficou marcado por todos esses anos? 6. Que visão de empresário esse processo passava? 7. Você tem acompanhado a trajetória desse grupo de Birigüi? – conversar sobre o desenho de construção e reconstrução da COMPABI... [incubadora/autodidata] 8. Nova forma de organização da produção – a produção é socializada, diferente da tradicional... a circulação se resolve no mercado [ Waldemar Rossi à os pés dos mais pobres...] 9. Por que deram certo? existir? Por que os grandes empresários os deixam 10. 10) Como você vê o processo como elemento de reinserção profissional e de valorização profissional? 11) Por que e como mobilizaram a sociedade quando houve o incêndio? 12) Como são vistos pela Igreja, pelos Empresários, pelo Movimento Popular, pelos Sindicatos e pela sociedade em geral? 13) Como era a relação das fabriquinhas na EPOP? Dos outros trabalhos comunitários que assumiram experiências econômicas, quais tem atuação significativa? 14) O que poderemos tirar como lição da experiência da rede de experiências econômicas alternativas? 220 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos VIII. Conversa com Pessoas que participam das Fábricas comunitárias 1) Trajetória pessoal, antes da Marc’ellsse. Dados pessoais/familiares [ idade, casamento, filhos, escolaridade, naturalidade] dados profissionais [ onde trabalhou, experiência profissional/funções que exerceu, avaliação], militância [ sindical, partidária, Igreja, CEBs]. 2) Além de vir para esse processo, quem mais trouxe com você... no início e durante a trajetória. 3) O que mudou na sua vida por conta da fábrica? Era essa sua expectativa? 4) O que vocês queriam no início e o que querem hoje? Monopólio ou só resolver o problema do grupo? 5) Por que pequenas unidades? Impostos ou relações? 6) Qual o perigo de saturação do mercado pelo desdobrar de novos grupos? 7) Como você vê essa nova forma de organização da produção? Considera que vocês conseguiram socializar com todos como propunham? 8) Como você avalia o processo de venda? Em algum momento pensaram num processo diferente... os pés dos mais pobres... 9) Por que deram certo? Preço, qualidade, condições de pagamento? 10) Como é a relação com os outros empresários? 11) Como vocês são vistos pela Igreja, empresários, movimento popular, sociedade, sindicato patronal e sindicato de trabalhadores? 12) Por que e como vocês conseguiram mobilizar a solidariedade da sociedade quando houve o incêndio? 13) Os desdobramentos, o surgimento de novas fábricas foram momentos de crescimento ou maneira de resolver pequenos conflitos? 14) Você considera que esse processo significou reinserção profissional? Para quem? E valorização profissional? Para quem? 15) Quem toma pequenas decisões – compra de matéria prima, novas máquinas, reciclagem/treinamento dos funcionários, onde buscar dinheiro? 16) De onde vem a orientação técnica e estética? 17) Como é decidida a divisão do excedente? 221 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos IX. Conversas com Dirigente da Maic d’jol 1) Quais foram os passos que tornaram o processo das fábricas comunitárias efetivo? 2) Qual o nível de informação/formação que têm os sócios? E os empregados? Quais os meios de comunicação que garantem isso? [ reuniões, escritos, boca a boca, etc..] 3) Qual o lugar das mulheres? Tem por quê? 4) Houve trabalhadores que foram das fábricas comunitárias e voltaram para as tradicionais? 5) A técnica/tecnologia utilizada pelas fábricas comunitárias é mais avançada ou semelhante à que é utilizada pelas outras fábricas da cidade? 6) As fábricas têm um núcleo de gestão comum? Uma assessoria administrativa? 7) Há regras claras no que se refere a direitos e deveres dos empregados, ou se resolve cada caso domesticamente? 8) Existe um risco de auto-exploração por parte dos sócios? 9) Como é a relação das fábricas comunitárias com as outras fábricas de Birigüi? 10) O que mudou, na Maic d’jol, depois da saída do Mauro retirada, encarregados...]? [ regras de 11) Como foi o processo de construção e desconstrução da COMPABI? 222 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo X. Conversa com dirigentes da Marc’ellsse 1. No primeiro momento, quando ainda eram só os 4 primeiros, que tipo de pessoas procuraram para construir a proposta, constituindo o grupo dos primeiros 12? 2. Quem construiu aquela máquina com motor de liquidificador? 3. Quem desenhou os primeiros modelos? 4. Quem montou os primeiros mostruários? 5. Quanto tempo levaram para conseguir o lugar da primeira Marc’ellsse, na medida em que os pedidos eram maiores do que esperavam? 6. Como resolveram o problema da dispobilidade das pessoas nesse primeiro momento? 7. Chamadas à comunidade, buscando convidar pessoas a formarem o segundo grupo e mesmo a se juntar ao primeiro eram feitas como: depoimentos ou individualmente? 8. Esta intensidade do contato (trabalhar, viver e se confraternizar sempre com as mesmas pessoas) não cansa, nem dá atritos? Anexos 223 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos XI. Primeiro Vendedor No relato das fabricas comunitárias, é muito forte aquele primeiro momento em que produziram um mostruário e deram na sua mão, pensando que conseguisse vender poucos pares e você vendeu 400 na primeira semana e 200 na outra. 1. Como foi aquele primeiro momento? Vendeu 400 no mesmo lugar ou em vários? O que facilitou aquelas primeiras vendas? Qualidade/estética do produto, preço, condições de pagamento? O fato de ser uma fábrica comunitária ajudou em alguma coisa naquela venda? 2. Qual o prazo de entrega daquelas primeiras mercadorias? [precisaram reestruturar tudo... deu tempo?] 3. Quem são os compradores deste tipo de mercadoria? Que tipo de lojas? Cidades pequenas ou grandes, lojas populares ou mais finas... o que? 4. O que abre espaço de venda no mercado desses produtos? A qualidade deles, o preço, o prazo de entrega, as condições de pagamento ou o papo do vendedor? 5. Você vende só para estas fábricas ou para outras? 6. Como se dá a renovação da circulação, ou seja, como você abre novas portas para venda? 7. As lojas nas quais você vende têm algum poder de influência na definição do que vai ser produzido? Rejeitam algum tipo de produto, apontam quais são melhor aceitos? Há algum processo de sentar junto para conversar sobre novos produtos? Como saber o que vende mais? 224 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos XII. Conversa com Carlos Alberto Mestriner Na história das fábricas comunitárias de Birigüi, foi muito significativo o salto de qualidade que pode ser dado a partir da ação desencadeada pelo Sindicato Patronal voltado para a qualificação da produção de calçados de Birigüi. 1) Qual foi a proposta do seu mandato de qualificação das pequenas empresas? 2) A partir de qual momento, o Sindicato tomou conhecimento das fábricas comunitárias? 3) O que você acha dessa proposta de uma produção de certa forma socializada onde os empregados tem certo poder de decisão sobre a produção? 4) Como foi aquele processo de troca entre os vários fabricantes que foi desencadeada pelo Sindicato Patronal? 5) Como você vê a relação deles com os outros produtores de tênis da cidade? Por que os grandes deixam essas fábricas continuarem? 6) Na sua opinião, como eles conseguem ter espaço no mercado? Menor margem de lucro, condições de pagamento? O que? 7) Na sua opinião, como os outros empresários vêem essa experiência? 1) Como você vê a ação da União das Associações de Moradores que junta pequenos empresários? Como avaliar suas propostas e o espaço de concretizá-las? 225 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos XIII. Conversa coletiva com pioneiros 1) A utopia de viver em comum era igualmente forte para todos, ou alguns precisaram ser convencidos? Houve embates? 2) Muitos são casais. Maridos e mulheres concordavam com a proposta? O que pensavam os pais dos mais jovens? 3) A socialização tem estado presente na produção... já a venda é feita no Mercado. Como fica a parte da utopia relativa aos pés dos mais pobres? 4) Vocês conseguiram transformar em realidade a proposta de acabar com a exploração dos patrões contra empregados? Como foi a luta para não serem engolidos pelo mercado? 5) Mudou a visão que vocês tinham do empresário? 6) Quais os grandes momentos de decisão e como vocês se organizaram para decidir? 226 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexo II - Anexos 227 QUESTIONÁRIO APLICADO AOS TRABALHADORES DAS FÁBRICAS Questões para os Trabalhadores e Trabalhadoras das fábricas Estou fazendo um estudo sobre o modo como pode se organizar o trabalho. Escolhi como ponto de partida a experiência das fábricas comunitárias da qual você faz parte. Venho conversando com várias pessoas, mas é muito importante que eu saiba o que vocês, que estão trabalhando aí dentro pensam. Você não precisa pôr o seu nome. Não importa quem diz cada coisa, desde que possamos saber como vocês se sentem. Por favor, responda sinceramente. 1) Há quanto tempo você trabalha nesta fábrica? 5 anos entre 3 e 5 anos entre 1 e 3 anos ano 2) Qual a sua relação com esta empresa? sócio fundador sócio, não fundador vendedor outro. O que? _______ menos de um empregado 3) Como foi que você chegou aqui ? através de parentes na comunidade outros. Explique: ______________________________________________________________ __ 4) Das fábricas comunitárias, essa é a primeira onde você trabalha ou trabalhou em outras? esta é a primeira trabalhei em outra à qual? ______________ por quanto tempo? _____________ Por que trocou ? ______________ 5) Qual era sua condição quando optou por vir para esta fábrica ? desempregado cuidava de casa trabalhava em outro lugar 5) Você já tinha, anterior a esse trabalho, experiência em produção de calçados? não sim. Em que setor? ______________________________ 6) O que te atraiu para esta fábrica ? salário horário condições de trabalho outro. Explique ______________________________________________________________ __ 7) Atualmente, você tem uma função fixa na fábrica, ou atua em várias frentes? várias frentes função fixa. Qual? ____________________ TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 8) Você acha que os trabalhadores desta fábrica conhecem melhor o processo todo do que os trabalhadores de fábricas tradicionais de produção de tênis? nós conhecemos mais é tudo igual eles conhecem mais 9) O que esse conhecimento altera no seu modo de trabalhar? ______________________________________________________________ __ 10) Isso traz mais ou menos satisfação para você? mais satisfação mesma coisa menos satisfação 11) Sua vida, hoje, é melhor ou pior do que quando começou a trabalhar nesta fábrica? pior igual melhor 12) O que você considera que mudou na sua vida por trabalhar aqui? ______________________________________________________________ __ 13) O que você espera do futuro ? ( se necessário, escreva atrás) ______________________________________________________________ __ Tabulação dos Questionários Dos 47 trabalhadores que responderam ao questionário, 23 souberam da vaga por parentes que já trabalhavam na fábrica; 9 souberam a partir da participação na comunidade; 5 foram encaminhados por colegas, amigos ou namorada; 3 tinham amizade com um ou mais sócios; e apenas 2 chegaram à fábrica por processos naturais de procura de emprego em fábricas. 5 deixaram de responder a este item. Olhando a situação imediatamente anterior destes novos trabalhadores, verifica-se que 33 estavam desempregados, 15 tinham outros empregos, 2 trabalhavam em casa e 7 não responderam. Na questão relativa à experiência anterior, 44 tinham experiência anterior em fábricas de calçados, e três deixaram de responder. O questionário perguntava, ainda, “o que te atraiu para esta fábrica?” Das respostas obtidas, 36 apontaram as condições de trabalho, tendo havido os seguintes acréscimos, como depoimentos: • “trabalhar aqui é bom”; • “estava desempregada e a firma é muito boa”; • “Os sócios são amigos e honestos, são exemplos de bondade e compreensão”; • “São pessoas educadas e que sabem valorizar o funcionário”. 228 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos Apenas nos questionários aplicados aos sócios é que encontramos referência à vida em comunidade, espírito coletivo e comunitário... 13 questionários apontam situações de necessidade, e colocaram os seguintes depoimentos: • “Estava desempregado”; • “Necessitava de trabalho”; • “Estava desempregada e a firma é muito boa”; • “Precisava trabalhar para ajudar em casa”; • “Estava precisando de um serviço”; • “Desemprego”; • “Falta de emprego”; • “Precisava trabalhar”; • “Por precisar de trabalho”; • “Estava desempregada” (apareceu duas vezes); • “Necessidade de emprego”; • “Para pagar as contas”. Uma das respostas – “fiz um curso de cortador e consegui uma chance” – aponta para a questão da seleção que é feita cada vez que se vai contratar trabalhadores novos. Duas pessoas apontaram facilidades de horário de trabalho. Achamos interessante cotejar estas duas respostas com a questão seguinte: “Sua vida está melhor ou pior depois que veio trabalhar aqui?” na medida em que 4 das respostas apontam como melhoria de vida o fato de trabalharem mais perto de casa o que sem dúvida faz o tempo render mais. Foram os seguintes os depoimentos relativos à proximidade entre trabalho e residência: • “Muito mais perto e patrões considerados bons para trabalhar”; • “Ficar mais perto e as amizades”; • “Facilita a correria por ser perto de casa”; • “Sobrar mais tempo para cuidar dos deveres de casa”. Atente-se para o fato de que nenhum questionário apontou piora na qualidade de vida, 19 disseram que está tudo igual e 28 declararam que a vida melhorou. Dos questionários que apontam melhora na qualidade de vida, quatro apontam o fator renda como determinante: • “Melhorou minha renda familiar”; • “Melhorar a minha renda”; • “Minha condição de vida melhorou”; • “Minha renda, meu ânimo”. Quatro dos questionários apontam o fator segurança como chave da melhoria alcançada. • “Emprego garantido”; • “As condições no trabalho, trouxe mais satisfação e um melhor salário”; • “Estou mais despreocupada por estar trabalhando”; • “Paz, segurança e confiança”. Cinco questionários apontam novos conhecimentos, um aprendizado que traz a confiança de ser profissional, gerando uma maior independência. • “Eu aprendi várias coisas”; 229 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos “Novos conhecimentos”; “Hoje sou uma profissional com bons exemplos e capacidade”; “Adquiri experiência”; “Fiquei mais independente”. Outros sete questionários vão mais ou menos no mesmo sentido mas apontam mudanças de comportamento no trabalho e na relação familiar. • “Posso usar meu próprio dinheiro e ter minha profissão”; • “Melhores condições e roupas novas que eu não tinha”; • “Melhorou a minha maneira de ser e de agir, somos mais unidos uns aos outros”; • “Relacionamento pessoal”; • “Comportamento Melhorou a minha maneira de ser e de agir, somos mais unidos uns aos outros”; • “Relacionamento pessoal”; • “Mudei de comportamento”. “Dois dos respondentes falaram da busca de seus objetivos pessoais, um deles apontando uma mudança entre a vida que teve em criança e a que está conseguindo dar aos filhos: • “A facilidade de conseguir meus objetivos”; • “Que Deus me dê saúde para que eu possa continuar a trabalhar, para dar à minha filha o que meus pais não puderam me dar e conseguir a minha casa própria”. Nove questionários apontam que não mudou • • • • nada. Três deles se expressaram do seguinte modo: • “Quase nada, só tenho mais liberdade de trabalho”; • “Minha vida sempre foi normal e continua normal;” • “Não mudou nada, ainda!” Três dos questionários apontam que mudanças e as creditam ao prazer de trabalhar e ao comportamento dos sócios. • “Mudou muito a minha vida, porque a única fábrica que gostei de trabalhar”; • “Os sócios ajudaram muito a minha situação”; • “Os sócios são muito educados e amigos”. Outra questão foi relativa ao processo de trabalho. Perguntou-se: Você acha que os trabalhadores desta fábrica conhecem melhor o processo todo “do que os trabalhadores das fábricas tradicionais de produção de tênis?” A essa pergunta, três responderam que conhecem menos. 15 disseram que conhecem mais e 31 disseram que o conhecimento é igual em fábricas dos dois tipos. Na seqüência, perguntouse “no que este conhecimento altera seu modo de trabalhar”. O maior número de respostas (seis) apontou uma melhor qualidade do que é produzido, em virtude de vários fatores: • “Organização, compromisso, habilidade e muita qualidade”; • “Na organização, respeito e compromisso com a qualidade do tênis”; • “Mais qualidade e menos erros”; • “que tudo o que a gente aprende nunca é demais”; • “Aperfeiçoar cada dia mais, fazer qualidade e aprender mais Aperfeiçoar cada dia mais, fazer qualidade e aprender mais”; • “Trabalhar com mais qualidade e conhecimento no que fazemos”; • Altera a intenção de evoluir cada vez mais”; 230 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos • “Menos erros, menos consertos e mais produtividade”. Outros quatro questionários apontaram a confiança e que esta gera uma atenção maior no desenrolar do trabalho. • “A gente tem mais confiança”; • “Altera ter mais atenção, observação para aprender como eles conhecem bem o tênis para poder falar tudo sobre ele”; • “Porque aqui na fábrica nós temos mais liberdade”; • “Ser mais atencioso e procurar fazer o melhor possível, não desanimar nunca.” Ao lado destas respostas que apontam um detalhe do que mudou, há dois blocos de respostas relativas a “mudou tudo” e “não mudou nada”, que reproduzimos abaixo: • “Tudo”; • “Muita coisa”; • “Melhora”; • “Nada, pois onde eu for trabalhar tenho que ter responsabilidade e consciência do que estou fazendo”; • “Nada, porque somos sapateiros como todo mundo”; • “Nada, porque os processos de trabalho são idênticos”; • “mínimo possível”. Por fim, há uma resposta que parece trazer uma angústia: “Às vezes, eu fico nervosa”. Uma última questão (aberta) era relativa ao futuro e se expressava assim: “O que você espera do futuro?” Agrupamos as respostas recebidas em três blocos: no primeiro deles, colocamos as respostas que podem ser consideradas genéricas: • “Que o desemprego acabe e que todos tenham o direito a um salário digno e que tenham sua própria moradia”; • “Saúde, paz e não estar desempregado”; • “Alcançar novos horizontes”; • “Melhorar”; • “Que a humanidade se ame mais e leve a sério as leis de Deus, conseguindo assim que o amor fale mais alto trazendo a paz que todos procuram”; • “O futuro não existe, espero saúde no meu presente”; • “Que o amor brote no coração de cada um, amando mais o próximo”; • “Que todos conseguimos crescer e ter uma vida melhor ainda do que temos, etc. ..”; • “Melhores condições de vida e sempre muita saúde para trabalhar”; • “Minha própria casa com meu trabalho”; • “Que Deus liberte a todos nós e que as pessoas não passem fome como hoje estão neste caso absurdo”; • “trabalhar sempre e estar ao lado das pessoas que gosto”. Um segundo bloco, pode ser lido como a busca de melhores condições de trabalho e Renda, e que subdividimos em quatro sub-ítens: SER EMPRESÁRIO: • “Ser uma grande empresária”; • “ser uma boa empreendedora de negócios”; • “ter meu próprio negócio”. GANHAR MAIS, TER UM CARGO MELHOR: • “Uma profissão para ganhar mais”; • “ser reconhecida para ter um cargo melhor e provar a minha capacidade”; 231 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos • “quero um futuro de progresso e que eu me realize profissionalmente. Em relação á fábrica, que ela continue assim e se mudar que seja para melhor”; • “que suba o meu salário”. PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO: • “Ampliar meus conhecimentos e especificações para estar mais adaptável ao mercado de trabalho”; • “continuar estudando para progredir cada vez mais”; • “me aperfeiçoar mais para progredir cada vez mais”. BUSCA DE UMA OUTRA PROFISSÃO: • “Uma profissão para ganhar mais”; • “mudar de profissão e conseguir um serviço melhor”; • “continuar um bom tempo trabalhando aqui, melhorar com o tempo de função, me estabilizar e ter uma renda boa para crescer no mundo lá fora [ pretendo fazer um curso para secretária]”; • “ter uma profissão melhor.” Um último bloco de respostas, entende seu futuro ligado ao futuro da Fábrica. • “Que a firma cresça e que um dia eu possa me situar numa função de empregadora”; • “Que a firma cresça cada vez mais e melhore o meu padrão de vida”; • “Que a empresa cresça mais e que eu tenha um cargo melhor e ganhe mais”; • “Que a cada dia melhore mais a situação da empresa para que assim também possa melhorar a de todos os funcionários”; • “Que a fábrica com seu desenvolvimento não se esqueça dos empregados”; • “Que abra mais caminho para que a gente cresça”; • “Que eu possa tirar proveito o máximo possível nesta fábrica, aprender ao máximo as tarefas que tenho que cumprir. O mundo aí fora exige muito da gente...”; • “Que eu cresça profissionalmente para que a empresa tenha mais qualidade no meu serviço”; • “Um trabalho melhor”; • “Mudar de função”; • “Espero mudar para um serviço melhor”; • “Que a fábrica possa evoluir, crescer cada vez mais. Espero sair da função que estou e partir para uma função melhor”; • “Que todos aprendam a respeitar e amar o próximo, criando assim um outro ritmo de vida e melhor ambiente de trabalho”. 232 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 233 Anexo III - FICHAS DOS ENTREVISTADOS Nome: João Reis Rodrigues Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: Presidente da Comissão Municipal de Empregos de Birigui religião [ não foi perguntado] Observações: A entrevista foi agendada por telefone. Havia sido elaborado um roteiro que foi entregue ao pesquisado para que ele se inteirasse do objetivo da entrevista. Depois disso foi deixado que ele se expressasse livremente, sendo colocadas perguntas apenas para detalhar os momentos em que o relato deixava dúvidas. O entrevistado nos recebeu em sua fábrica – Calçados Hobby Ind e Com Ltda – que visitamos na saída da entrevista. Data da entrevista: 16/7/98 Data da transcrição: 23/7/98 Responsável pela transcrição: Magdalena Nome: Mauro Pereira da Silva Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade Birigüi /SP nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Presidente da COMPABI religião católica Ocupação atual: Observações: A primeira entrevista foi precedida de uma conversa informal, no dia 8/7/98, em São Paulo [ Mauro havia vindo para apresentar os produtos da COMPABI na Francal, Feira de Calçados]. Foram realizadas, mais três entrevistas, a primeira delas na COMPABI, em Birigüi, a segunda em São Paulo, num Hotel onde Mauro estava hospedado em virtude de um Workshop sobre Geração de Trabalho promovido pela FGV-SP. A terceira foi em Birigüi, na sede da sua nova empresa. Data das entrevistas: Data das transcrições: Responsável pela transcrição: 8/7/1998;17/7/1998; 9/7/1998; 24/7/1998; Magdalena 12/3/1999; 8/9/2000 14/3/1999 e 15/9/2001 Nome: Sílvia Helena de Souza Idade sexo x F M estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: Assistente Social da Prefeitura, responsável pelas creches religião católica Observações: Militante em Direitos Humanos. Acompanha os movimentos populares, em especial a Vila Bandeirantes. O marido dela, Sérgio, participou de uma experiência semelhante a essa. Em 1982 alguns militantes da Pastoral Operária montaram uma fábrica de tamancos. O empreendimento durou 3 anos e faliu. Data da entrevista: 17/07/1998 Data da transcrição: 25/7/98 Responsável pela transcrição: Magdalena Nome: Edna Flor Idade sexo x F M estado civil: x solteiro casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: Advogada e vereadora religião católica Observações: Militante dos Direitos Humanos, acompanha toda a movimentação da região. É uma das dirigentes da EPOP e assessora vários movimentos populares. Data da entrevista: 30/06/1998 Data da transcrição: 10/7/1998 Responsável pela transcrição: Magdalena TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos Nome: Edilson Sérgio Borella Idade sexo F xM estado civil: x solteiro Naturalidade nacionalidade brasileiro Ocupação atual: dirigente do CDH / funcionário da CUT casado divorciado raça: negra x branca religião 234 outros outra católica Observações: Enquanto dirigente de um Centro de Direitos Humanos, participava da organização dos grupos de economia popular na região. Realizava feiras (FEPAL) e chegou a montar uma feira de produtos populares em Araçatuba. Data da entrevista: 30/06/1998 Data da transcrição: 10/7/1998 Responsável pela transcrição: Magdalena Nome: José Carlos Getz Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: Presidente do Sindicato de Trabalhadores em Calçado de São Paulo religião não foi perguntado Observações: A entrevista objetivava coletar dados sobre a dinâmica do setor calçadista. Data da entrevista: 16/06/98 Data da 20/06/1998 transcrição: Responsável pela transcrição: Magdalena Nome: Dorival Canassa Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca Ocupação atual diretor da Pinókio, Indústria e Comércio de Calçados Ltda. religião católica Observações: A entrevista foi concedida na sede da empresa. Data da entrevista: 04/09/2000 Data da 10/09/2000 outros outra transcrição: Responsável pela transcrição: Magdalena Nome: Ismael Varoni Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: diretor da Peroni – Indústria e Comércio de Calçados Ltda. religião católica Observações: A entrevista foi concedida na sede da empresa. Data da entrevista: 05/09/2000 Data da transcrição: Responsável pela transcrição: Magdalena 10/09/2000 Nome: Carlos Alberto Mestriner Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade Birigüi nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: diretor das Indústrias de Calçados Klin religião (não foi perguntado) Observações: A entrevista foi concedida na seda da Klin. Mestriner foi presidente do Sindicato Patronal no biênio 96/97 e a entrevista focalizou prioritariamente seu mandato. Data da entrevista: 08/09/2000 Data da transcrição: Responsável pela transcrição: Magdalena 13/09/2000 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 235 Nome: Nalberto de Milton Vedovotto Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: diretor executivo do Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigüi religião (não foi perguntado) Observações: A entrevista foi concedida na sede do Sindicato Patronal. Além de informações sobre a proposta do Sindicato, o entrevistado falou sobre as fábricas comunitárias. Data da entrevista: 05/09/2000 Data da transcrição: Responsável pela transcrição: Magdalena 14/09/2000 Nome: Milene Rodrigues Idade sexo x F M estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçado de Birigui Observações: A entrevista foi concedida na sede do Sindicato. Foi uma longa entrevista que versou sobre a situação do setor de calçados visto pela ótica dos trabalhadores. Data da entrevista: 06/09/2000 Data da transcrição: Responsável pela transcrição: Magdalena 15/09/2000 Nome: Sérgio Luiz Campian (negão) Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual : vendedor de calçados de diversas indústrias religião Observações: Sérgio foi o primeiro vendedor da Marc’ellsse e permanece nesta função até hoje. A entrevista possibilitou ouvir um relato desta história a partir do desenvolvimento das vendas. Data da entrevista: 04/09/2000 Data da transcrição: Responsável pela transcrição: Magdalena 14/09/2000 Nome: Luiz Francisco Morgado Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra Ocupação atual: diretor da Maic d’jol Indústria de Calçados religião católica Observações: A entrevista foi concedida na sede da Maic d’jol. Morgado está desde o início da Maic d’jol e pode falar sobre o processo das fábricas sob esta ótica. Além deste momento da entrevista, tivemos várias conversas com Luiz Morgado Data da entrevista: 04/09/2000 Data da transcrição: Responsável pela transcrição: 15/09/2000 Magdalena Nome: Fernando Santiago Idade sexo F xM estado civil: solteiro x casado divorciado outros Naturalidade nacionalidade brasileira raça: negra x branca outra religião católica Ocupação atual: Observações: Fernando foi responsável pelas ações da Diocese de Lins durante muitos anos e viu o surgimento e crescimento das fábricas comunitárias. Era responsável pela Rede de Experiências Alternativas da qual as fábricas fizeram parte.. Na entrevista com ele, estava presente, também a Miquelina. Data da entrevista: 07/09/2000 Data da transcrição: Responsável pela transcrição: Magdalena 15/09/2000 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 236 Anexo IV - PRODUÇÃO DA MARC’ELLSSE Fábrica: Marc’ellsse Indústria e Comércio de Calçados Ltda Endereço: Rua Ângelo Borin, 715 cep: 16204-165 Fone: [18] 642-4001 Fax: [18] 642-4001 Responsável pelos dados: Shirlei função: sócia proprietária 1.1- ESPAÇO FÍSICO próprio v alugado Tamanho: 800 m2 cedido _____________________ Desde que data a fábrica está neste local ? 1994 Condições de Adequação do Espaço Físico O prédio não é adequado, pois não tem ventilação ideal e, mesmo com ventiladores não é o ideal, mas como não temos condições de ter barracão próprio ainda estamos nos adequando ao espaço. Planta (administração, lojinha, depósito material, depósito produto, área de trabalho, etc.) 1.2 - Maquinário Nome da máquina Quantidade Máquina waster 1 Quantas pessoas em cada máquina 1 lixadeira 1 1 Máquina zig 1 1 Máquina escarnir 1 1 balancim 6 1 Máquina de bordar 2 1 Máquina de pesponto Máquina conformar 1 1 1 Pinheiro 1 5 Prensa 1 1 Braqueadeira 1 1 Forno frio 1 1 Observações O maquinário é adequado. Nossa produção é de 800 pares/dia e o nosso maquinário é suficiente. Exceto a máquina de bordar e balancim e a braqueadeira que é feito em dois turnos TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 237 Custo do Produção O cálculo feito do custo é do produto pronto: Tênis infantil – média R$ 8,00 Tênis adulto – média R$ 11,00 Como é feita a estocagem de matéria prima Tem um espaço reservado, onde trabalha uma pessoa. Como é feita a estocagem de produto pronto Normalmente os produtos não ficam no estoque, pois são feitos conforme os pedidos e temos a loja onde tem sempre um pouco de estoque. 1.3 - Pessoal envolvido na fábrica Nome Idade Sexo Escolaridade Função Salário Tempo na fábrica 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 24 26 52 34 17 44 20 19 28 26 27 22 34 38 18 31 23 31 19 20 19 19 20 22 23 17 20 37 24 40 34 44 22 21 23 18 35 31 19 25 17 M F F F F F M M F M F M F F M F F M F F F M F M F F M M F F M M M M F M F F M F F F M M 4 série 6série 6série 2º grau 2s/ 2ºGrau 1ºgrau 2º grau 2º grau 4 série 6 série 2º grau 6 série 5 série 1º grau 7 série 6 série 1º grau 1º grau 2º grau 2º grau 2º grau 7 série 2º grau 2º grau 1s/2º grau 2º grau 5ª série 2º grau 1º grau 4ª série 5ª série 3ª série 2º grau 5 série 2º grau 2º grau 2ªs/2º grau 7ª série 1s/ 2º grau 6ª série 1º grau 2º grau 2ºgrau 5ª série Cortador Coladora de peça Auxiliar de pesponto Pespontadeira Auxiliar de montagem Pespontadeira Auxiliar de montagem Cortador Auxiliar de pesponto Auxiliar de montagem Auxiliar de corte Cortador Auxiliar de montagem Pespontadeira Auxiliar de montagem Pespontadeira Auxiliar de pesponto Cortador Auxiliar de pesponto Auxiliar de pesponto Auxiliar de pesponto Auxiliar de montagem Auxiliar de pesponto Expedidor Pespontadeira Auxiliar de pesponto Auxiliar de montagem Cortador Auxiliar de pesponto Faxineira (por hora) Auxiliar de montagem Montador Auxiliar de corte Auxiliar de Montagem Auxiliar de pesponto Auxiliar de modelagem Pespontadeira Auxiliar de pesponto Bordador Auxiliar de pesponto Auxiliar de montagem Auxiliar de pesponto Pespontador Vigia noturno 416.00 225.00 225.00 280.00 215.00 304.00 225.00 416.00 215.00 281.00 234.00 350.00 255.00 290.00 215.00 300.00 240.00 285.00 218.00 215.00 230.00 260.00 230.00 280.00 260.00 215.00 240.00 380.00 215.00 0.99/ h 215.00 398.00 280.00 260.00 230.00 245.00 300.00 230.00 250.00 215.00 163.00 215.00 280.00 283.00 3 anos 1 ano 1 ano 4 meses 1 ano 3 anos 1 ano 1 ano 4 meses 2 anos 2 anos 3 anos 2 anos 11 meses 6 meses 1 ano 2 anos 1 ano 11 meses 5 meses 1 mês 2 anos 1 mês 1 ano 2 anos 4 meses 1 ano 1 ano 8 meses 1 ano 6 meses 4 anos 5 meses 2 anos 1 mês 2 anos 2 anos 1 mês 2 anos 6 meses 3 meses 6 meses 5 meses 6 anos 24 52 TRABALHADOR/EMPRESÁRIO, EMPRESÁRIO TRABALHADOR: Um cotidiano construído passo a passo Anexos 238 Nome idade sexo Escolaridade Função Salário Tempo na fábrica 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 25 17 F F F M M M M M F F F F F F F F F F M M M M F F F M F F F M M M M F F M M 6ª série 1º grau 2º grau 2ºgrau 5ª série 6ª série 2º grau 4ª série 5ª série 5ª série 1º grau 5 série 2º grau 4 série 2º grau 4 série 6 série 1º grau 8ª série 2º grau 2º grau 2º grau 1º grau 2º grau 5 série 2ªs/2º grau 3ª série 7ª série 2º grau 4 série 4 série 2º grau 5 série 5 série 2º grau 2º grau inc 5 série Auxiliar de pesponto Auxiliar de montagem Auxiliar de pesponto Pespontador Vigia noturno Auxiliar de pesponto Braqueador Auxiliar de montagem Pespontadeira Auxiliar de pesponto Cortadora Pespontadeira Pespontadeira Auxiliar de pesponto Pespontadeira Pespontadeira Auxliar de pesponto Auxiliar de pesponto Auxiliar de montagem Auxiliar de montagem Bordador Auxiliar de corte Auxiliar de pesponto Planchadeira Pespontadeira Auxiliar de Montagem Pespontadeira Pespontadeira Auxiliar de pesponto Auxiliar de corte Bordador Auxiliar de Montagem Auxiliar de Montagem Planchadeira Pespontadeira Auxiliar de Montagem Auxiliar de Montagem 215.00 163.00 215.00 280.00 283.00 240.00 276.00 240.00 321.00 215.00 416.00 275.00 285.00 232.00 270.00 321.00 220.00 230.00 215.00 230.00 234.00 255.00 240.00 273.00 290.00 215.00 310.00 321.00 215.00 250.00 276.00 312.00 335.00 250.00 290.00 234.00 215.00 6 meses 3 meses 6 meses 5 meses 6 anos 2 anos 3 anos 2 anos 4 anos 6 meses 4 anos 8 meses 1 ano 1 ano 2 anos 8 meses 8 meses 1 mês 5 meses 3 meses 2 anos 3 meses 2 anos 3 anos 2 anos 1 ano 1 mês 8 meses 6 meses 1 ano 2 anos 4 anos 2 anos 2 anos 11 meses 3 meses 6 meses 24 52 18 21 24 39 42 33 29 27 35 21 34 26 17 21 20 19 22 28 24 22 17 27 28 27 34 36 27 19 25 27 22 24 Sócios Proprietários Nome Retirada mensal Função 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 800.00 800.00 800.00 800.00 800.00 800.00 800.00 800.00 800.00 800.00 800.00 800.00 Administração Administração Modelagem Pesponto Montagem Cronometragem/custo Montagem Pesponto Compras Administração Serviços gerais/bancos/ buscar material Administração Escolaridade 2º 3º 1º 1º 1º 2º 1º 1º 1º 2º 1º 2º grau grau grau grau grau grau grau grau grau grau grau grau incompleto (estuda) incompleto (estuda) incompleto incompleto incompleto incompleto incompleto incompleto 12 Obs: Por uma questão de ética, deixamos de explicitar os nomes dos trabalhadores e sócios da Marc’ellsse. (estuda) (estuda) (estuda) (estuda)