Proposta pedagógica

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Proposta pedagógica
Escola Internacional Lumiar - Proposta Educativa
Princípios Pedagógicos da Escola Lumiar
Democracia e liberdade são os preceitos básicos da Proposta Pedagógica da Escola Lumiar. A partir destes
nascem uma administração e uma pedagogia específica.
A administração da escola é compartilhada igualmente por educadores e educandos. Toda semana é
realizada uma assembléia em que são apresentadas propostas e são discutidos os problemas do dia-a-dia
da Escola, onde vale o princípio democrático: " cada cabeça um voto". O objetivo é que a comunidade
escolar seja autônoma na resolução de questões gerenciais e pedagógicas, assumindo responsabilidade
pelas decisões tomadas e por sua execução.
Coerente com a administração, o educando tem a liberdade de escolher o próprio itinerário de aprendizado.
O conhecimento é concebido não como a reprodução de um conjunto de informações, mas como o produto
de uma interação apaixonada e livre entre os educandos e educadores. Nesse processo, tanto educador
como educandos são sujeitos. As dimensões racional, cientifica, sentimental, estética e sensorial integram,
sem qualquer hierarquia. O conhecimento é concebido em sua dimensão histórica: inacabada e dinâmica.
Dessa maneira educador é alguém aberto a infinitas formas do aprender, estando sempre disponível a
orientar cada educando em seus itinerários.
A pluralidade da comunidade escolar é importantíssima, de forma que a união de diversas faixas etárias e a
convivência entre pessoas de diferentes grupos socioculturais é seu pressuposto.
Fins e Objetivos
A Lumiar oferece ensino formal para crianças e adolescentes de 2 a 1o anos, com base em uma gestão
democrática, em que educadores, educandos e pais compartilham da responsabilidade pela comunidade
escolar.
O objetivo primeiro da Lumiar é oferecer aos jovens de todas as classes sociais condições para que se
tornem cidadãos:
Responsáveis por suas ações e capazes de determinar o curso e a dimensão de suas atividades
A formação de indivíduos autônomos é o objetivo de toda proposta educacional. No entanto, os jovens
raramente são exercitados para esta autonomia. Na escola democrática, os educandos organizam seu
cotidiano e planejam seu aprendizado desde os quatro anos de idade. Apenas deste modo é possível
adquirir um real sentido de responsabilidade pelas escolhas e decisões individuais e valorizar de fato o
comportamento ético.
Capazes de aprender diferentes ofícios, desenvolver talentos e se aprofundar em qualquer área do
conhecimento humano
A revolução na informática está produzindo mudanças tão rápidas nas sociedades modernas que não é
mais possível determinar qual conhecimento específico será necessário para a realização pessoal e
profissional do cidadão nos próximos anos. A seleção de algumas áreas específicas às quais crianças e
adolescentes são normalmente expostos, evidencia processos excludentes preconceituosos que de fato
restringem o conhecimento que um ser humano é capaz de desenvolver. Deste modo, o objetivo da
educação deve ser habilitar o indivíduo a aprender qualquer ofício e se aprofundar em qualquer área,
seguindo seu ritmo e suas inclinações, sem utilizar o conhecimento como instrumento disciplinador – que
estabelece o “horário do trabalho”, a interdição às brincadeiras, os instrumentos de avaliação e controle. Na
escola democrática o processo de aprendizado é vivido com grande prazer, sendo impossível dissociá-lo do
horário de lazer.
Participantes ativos em todos os processos decisórios que envolvam a comunidade em que vivem
O comportamento ético e os valores democráticos só podem ser desenvolvidos se forem praticados no dia a
dia. Traduzir valores democráticos em conteúdos temáticos de currículos rígidos e compulsórios é inútil e
até mesmo contraproducente. A democracia precisa ser vivida. É importante a participação dos educandos
em todas as decisões relativas ao cotidiano escolar. É participando que se aprende a questionar,
desenvolver argumentações, formar alianças, ceder e convencer. É, sobretudo, vivendo a possibilidade real
de implementar sugestões que se aprende a valorizar a participação nas instâncias de decisão e a
responsabilidade comunitária.
Pessoas equilibradas (Ou, pessoas virtuosas)
A Lumiar constitui-se num meio ambiente favorável ao desenvolvimento emocional, físico, intelectual,
psíquico e social. Esse desenvolvimento propicia os sentimentos de bem-estar, equilíbrio e satisfação - o
mais próximo, enfim, do estado de felicidade. As pessoas equilibradas, ou virtuosas, são aquelas que diante
de situações novas, estão inteiras dosando racionalidade e paixões.
O que entendemos por desenvolvimento voltado para uma pessoa equilibrada ou virtuosa pode ser
sintetizado na idéia de dosagem das paixões. Uma característica da modernidade é a separação radical
entre Razão e Paixão, e a transformação da Razão em lei até o ponto de reprimir totalmente as paixões e
associá-las à menoridade. Já para certos pensadores da Antiguidade, Razão e Paixão não podem ser
separadas. O virtuoso, ou ético, é aquele que sabe "dosar" suas paixões; conforme as circunstâncias, age
em harmonia com as paixões. É neste sentido dado pela Antiguidade que tomamos a educação das
paixões: saber colocá-las a sua disposição .
Cidadãos capazes de aprender com a diferença
A Lumiar possibilita a convivência de pessoas de diferentes culturas, origens sociais e idades e constrói o
conhecimento sem hierarquias, concebendo as diferentes visões e tradições como patrimônios da
humanidade. É assim que os jovens adquirem a capacidade de valorizar e aprender com as diferenças.
Cf. Lebrun , 1987.
Justificativa
Esta proposta segue a tradição pedagógica inspirada em Jean-Jacques Rousseau e que se espalhou e
desenvolveu no mundo todo pelas obras de educadores como Johan Heinrich Pestalozzi , Leon Tolstoi ,
Janusz Korczak , Homer Lane , Wilhelm Reich, Alexander Sutherland Neill e Paulo Freire . Hoje em dia, esta
linha – que recebe diferentes nomes como educação democrática, pedagogia centrada no estudante,
pedagogia libertária, pedagogia crítica, entre outros - orienta centenas de escolas públicas e privadas
espalhadas pelos cinco continentes .
Observando o desenvolvimento de seus alunos na escola Yasnaia-Poliana, que dirigiu entre 1857 e 1860,
Leon Tolstoi percebeu que as crianças criadas sob o princípio democrático se tornam mais capazes e
responsáveis por suas ações porque viveram de fato a experiência de tomar decisões e assumir as suas
conseqüências.
Se esta tradição pedagógica ainda não frutificou no Brasil no ensino formal, nos espaços de educação
informal ela tem se multiplicado. Trata-se de projetos que procuram atrair meninos e meninas em situação
de risco para atividades artísticas e culturais complementares à escola. Buscam as atividades que lhes são
de maior interesse para garantir que se engajem em um processo educativo. Livres para fazer suas
escolhas, os jovens dedicam-se e se desenvolvem grandemente.
No âmbito da educação formal, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 introduziu o sistema de ciclos e
de progressão continuada. Em 1998, foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais nos quais a
escola é concebida como espaço flexível, aberto, dinâmico, conectado com o mundo exterior pela
integração com os pais, a tecnologia, o meio ambiente, a economia, a televisão, os museus, os centros de
saúde etc. A presente proposta aspira enriquecer as propostas de melhoria e renovação do ensino no país,
introduzindo novos conceitos na administração e nas relações sociais escolares.
ROUSSEAU, 1940.
Sobre Pestalozzi: LUZURIAGA, 1946.
TOLSTOI, 1978.
KORCZAK, 1981; 1983; KORCZAK & DALLARI, 1986; GEVERTZ, 1991; LEWOWICKI, MURAHOVSCHI &
SINGER, 1998.
LANE, 1968.
FREIRE, 1999; FREIRE & ILLICH, 1975.
Sobre as experiências atuais, ver ALVES, 2001; GREENBERG & SADOFSKY, 1998; SINGER, 1997.
Organização Administrativa e Técnica
1 Recursos Financeiros
A Lumiar busca parcerias que garantam ensino gratuito a estudantes de baixa renda, bem como a oferta de
material didático, assistência alimentar, médica, odontológica, transporte e auxílio de custo para as famílias
manterem seus filhos na escola.
Os recursos são provenientes de outras fundações e empresas nacionais e estrangeiras, que financiam os
educandos mediante concessões de bolsas de estudos e outros tipos de auxílio.
Como é prioridade da escola garantir a convivência de jovens de diferentes níveis sociais, busca-se incluir
na comunidade também estudantes de classes média e alta que custeiem seus próprios estudos.
Finalmente, o Instituto Lumiar também pode auxiliar na manutenção da escola. Trata-se de em um think
tank em educação, que reúne profissionais de diferentes áreas – cientistas, artistas, educadores – para
procurar um redesenho do modelo escolar para os tempos atuais. O objetivo é reestruturar a forma e o
conteúdo do modelo escolar contemporâneo realizando pesquisas sobre as possibilidades abertas pela
tecnologia, bem como novas propostas de seleção, organização e apresentação dos conteúdos
curriculares. Para tanto, o Instituto está buscando estabelecer intercâmbio de projetos e de profissionais
com os principais centros de pesquisa na área no Brasil e no mundo. Em médio prazo, serão formulados
cursos de formação continuada para educadores em diferentes atividades (professores, facilitadores,
orientadores, mestres etc.) e também será desenvolvido material de apoio coerente com a proposta
educativa da Lumiar .
Divisão Administrativa
Quatro são os valores fundamentais da gestão escolar proposta: democracia , responsabilidade,
transparência e reversibilidade das decisões . Estes valores são interdependentes, de modo que se
eliminando um deles, os demais perdem seu significado. Toda a estrutura escolar é decorrente destes
valores.
Do ponto de vista administrativo, a gestão democrática , tem como efeitos o maior envolvimento de todos os
participantes, a satisfação com o trabalho e o desenvolvimento da criatividade. Mas, para que a gestão
participativa seja implementada, são necessários alguns mecanismos básicos.
Em primeiro lugar, é preciso que todos tenham igual acesso às informações, o que implica que as relações
não podem ser hierárquicas. Assim, a estrutura organizacional não pode se dar sob a tradicional forma
piramidal, em que uma direção é encarregada de todas as decisões relativas à vida escolar, e o grau de
participação e o acesso às informações relativas a estas decisões são relativamente menores conforme a
distância que separa a base (os estudantes) do topo da pirâmide (os diretores). Ao contrário, todos os
membros da comunidade escolar devem estar no mesmo nível e todas as decisões importantes sobre a
vida escolar devem ser tomadas de forma colegiada. A experiência mostra que a participação nas decisões
que afetam a vida de cada um, mesmo que seja administrativamente mais difícil, motiva e aumenta a autoestima. Mas, esta participação tem que ser real e efetiva, sem que haja espaço para subterfúgios que
restabeleçam a estrutura piramidal, já que a base para a manutenção desta estrutura é a confiança.
O segundo mecanismo fundador da gestão democrática é a rotatividade das posições. Ao longo de sua vida
escolar, os educandos devem participar do maior número possível de comitês para desenvolver uma ampla
gama de habilidades, experimentar diferentes posições administrativas e, conseqüentemente, potencializar
sua criatividade. Em relação aos educadores, esta rotatividade também é importante para que eles não
fiquem limitados às suas especialidades e para que não se corra o risco de criar estruturas centralizadoras.
Em terceiro lugar, é preciso que os grupos de trabalho sejam pequenos – o que é conhecido como “respeito
aos limites da escala humana”, garantindo a participação de todos.
O último mecanismo é a reversibilidade das decisões tomadas, quer dizer, as decisões da Assembléia são
sempre passíveis de revisão e retificação desde que a própria Assembléia tenha considerado relevante
rediscuti-las.
Sendo todos igualmente responsáveis pelo bom andamento da instituição, tornam-se desnecessários
mecanismos autoritários de controle e vigilância sobre o cumprimento de horários e tarefas.
A estrutura colegiada se apresenta como a única possibilidade para o trabalho criativo e inovador, uma
demanda da sociedade contemporânea. Mais do que isso, a formação de pessoas criativas, responsáveis e
participantes, objetivo maior preconizado pela educação democrática, só pode ser alcançado se o próprio
espaço escolar se organizar sobre estes princípios.
Trata-se de coerência entre o projeto pedagógico e a organização administrativa, e coerência é elemento
primeiro do processo educativo. É somente participando de processos decisórios, que o educando
aprenderá a decidir; somente exercitando a curiosidade, desenvolverá a criatividade; somente respondendo
por suas escolhas, tornar-se responsável.
Conselho Escolar
Composto pelos educadores, educandos, pais dos educandos e membros exteriores à comunidade escolar
- pessoas das instituições financiadoras, pessoas de destaque em sua atuação profissional e política,
pessoas interessadas na educação democrática que solicitem a participação nesta instância e sejam
aprovadas pela assembléia e, finalmente, ex-educandos ou ex-educadores que queiram manter o vínculo
com a Lumiar . O Conselho reúne-se trimestralmente, e é responsável por determinar os valores dos
salários; recomendar educadores a serem contratados; aprovar desligamentos de educadores; aprovar
mudanças no regimento escolar; expedir diplomas. Finalmente, cabe a esta instância a avaliação contínua
do projeto escolar.
Assembléia Escolar
Composta por todos os educadores e educandos que queiram participar, é responsável pela administração
cotidiana da escola. Todas as decisões relativas a esta administração – da menos a mais importante – são
tomadas pela Assembléia: aprovação do orçamento e de gastos previstos ou extraordinários; contratação e
demissão de educadores; regras de convivência e de utilização do espaço comum; criação e manutenção
dos comitês; cursos a s erem oferecidos. A assembléia reúne-se semanalmente e a sua coordenação é feita
por dois membros da comunidade – o mesário e o secretário - eleitos periodicamente. Para cada
Assembléia há uma pauta anteriormente conhecida e uma ata posteriormente divulgada.
Fórum
Composto por educandos e educadores eleitos pela Assembléia. O número de membros, a duração de seu
mandato e a freqüência de seus encontros também são decididas pela Assembléia. O Fórum encaminha
situações conflituosas buscando desfechos adequados para os envolvidos e se responsabiliza pelo
cumprimento das regras escolares.
Os membros do Fórum podem formular reclamações contra indivíduos que estejam prejudicando a
comunidade escolar ou o espaço comum.
O educando ou o educador que se sente contrariado ou agredido formula uma reclamação para o Fórum,
que ouve as partes envolvidas e encontrará soluções satisfatórias a ser implementadas mediante acordo
entre todos. As partes podem, se não se convencerem da decisão do Fórum, recorrer na Assembléia.
Finalmente, os membros do Fórum podem também ser solicitados a resolver um conflito no momento
mesmo em que ele estiver ocorrendo, sem necessariamente ter que esperar pela reunião, desde que as
partes concordem com a mediação.
Comitês
Todas as posições administrativas e de manutenção da Lumiar são ocupadas pelos membros da
comunidade – educandos e educadores – que se candidatam a participar de comitês e são aprovados pela
Assembléia para a função por um certo período de tempo. O mecanismo privilegiado para a formação dos
comitês é a rotatividade de posições. Os comitês são responsáveis pelo gerenciamento dos recursos e pelo
andamento das atividades sob sua alçada, em todas as etapas de sua implementação. Os comitês
reportam-se à Assembléia, que tem o poder de destituí-los, caso não cumpram com suas
responsabilidades.
Aplicada com sucesso nas empresas do grupo Semco há quase vinte anos . Sobre esta experiência e seus
resultados ver SEMLER, 1988.
Organização da Vida Escolar
Níveis e Modalidades de Educação e Ensino
A Lumiar oferece a educação básica, englobando os níveis de ensino infantil, fundamental e médio.
Gestão Democrática do Conhecimento
A Lumiar constitui-se em um espaço de produção do conhecimento. Conhecer não é ter erudição, nem
manipular um certo repertório, mas sim ter uma posição diante desse repertório, utilizá-lo de uma maneira
livre e criativa, reinterpretá-lo segundo as suas experiências intelectuais (ou seja, racionais, estéticas,
sentimentais, políticas) ou mesmo invalidá-lo parcialmente. O objetivo é estimular e ajudar a desenvolver o
conhecimento, e não passar informações. Hoje em dia, a rede mundial pode dar mais, melhores e mais
rápidas informações do que qualquer aula. No entanto, conhecimento não é ter acesso a um número
qualquer de informações, mas saber o que fazer com elas.
Na concepção educativa da Lumiar, a idéia norteadora é de produção coletiva e gestão democrática do
conhecimento. Para isto, a escola desenvolve uma tecnologia nova, que almeja resolver um problema
histórico da educação: a defasagem teórica, tecnológica, técnica da escola em relação a outros lugares
sociais de produção do conhecimento (universidades, ateliês, laboratórios, empresas etc.).
Na Lumiar, os cursos são oportunidades em que “mestres”- pessoas com particular interesse, cuidado e
paixão por certo estudo, que se dedicam a um ramo de atividades, que têm habilidade ou prática especial
em determinada coisa - compartilham seus saberes com os educandos. Não é transmissão de informação,
nem de conhecimento, mas sim compartilhar um saber-fazer.
A proposta é, por um lado, acabar com a supremacia do pensamento científico sobre todas as outras formas
de pensamento que foram negligenciadas pela escola e, por outro, diminuir a imensa dependência que
existe em nossa sociedade, uma sociedade que expropria os saberes tradicionais e comunitários e coloca
em seu lugar um “profissional”. Neste longo processo de especialização, todos nós nos tornamos menos
capazes de compreender a política, a economia, a infância, nossa mente, nosso corpo. A Lumiar está na
contramão desse processo buscando reencontrar-se com a capacidade do educando para se tornar sujeito
de seu aprendizado.
É com esta concepção democrática do conhecimento que se busca abranger a base comum estabelecida
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, conferindo-lhe uma nova estrutura, que ultrapasse o confinamento
disciplinar e os pré-requisitos hierarquizantes.
Critérios de Organização Curricular
A organização curricular é estruturada em um único ciclo, com alternância regular de períodos de estudos,
grupos não seriados, baseados no interesse e na competência de cada um.
O Mosaico é uma tecnologia para a gestão do conhecimento que faz reconhecer a diversidade de saberes,
mesmo aqueles que não são validados por sistemas acadêmicos. Construindo-se com base nas descrições
que os mestres fazem de suas habilidades e competências, o Mosaico disponibiliza para a comunidade
escolar uma multiplicidade organizada de saberes. Trata-se de uma construção dinâmica, consultável por
meio do Banco de Mestres. Assim, ficam disponíveis no Banco de Mestres tanto as aptidões
comportamentais (saber ser) como as habilidades ( savoir-faire , know-how ) e os conhecimentos teóricos.
Permitindo a expressão da diversidade de competências, o Mosaico não fecha os Mestres em uma
profissão ou categoria.
Caminhar pelo Mosaico significa desenhar um percurso em uma rede, um percurso único, porque cada
pedra pode conter um Mosaico inteiro. A interação dos estudantes com as peças do Mosaico produz uma
construção dinâmica de saberes que não resulta de uma classificação a priori: ela é a expressão, evoluindo
em tempo real, dos percursos de aprendizagem e de experiência dos membros da coletividade. Cada
estudante constrói o seu Mosaico e o Mosaico da coletividade escolar cresce e se transforma na medida da
evolução dos saberes de cada estudante e dos projetos por ele realizados.
Na forma do Mosaico tridimensional, os estudantes podem passar de uma pedra para a que está a seu lado,
explorando os saberes de base, ou podem ir de uma pedra para aquela que lhe está imediatamente abaixo,
experimentando saberes mais especializados. Mas a organização dos saberes expressa pelo Mosaico não
é fixa, ela reflete a experiência coletiva de um grupo humano e vai portanto, evoluir com esta experiência. O
Mosaico não reflete as divisões habituais em disciplinas, em níveis, em cursos ou segundo recortes
institucionais. Ao contrário, o dispositivo de construção dinâmica e de percurso que ele propõe produz um
espaço de saber sem separações, em reorganização permanente segundo contextos e usos.
A representação em Mosaico permite determinar a posição ocupada por um saber em um dado momento e
os itinerários de aprendizagem possíveis para se ter acesso a este ou aquele saber. O Mosaico permite ao
estudante perceber sua situação no "espaço do saber" e elaborar, com conhecimento de causa, suas
estratégias de aprendizagem.
Trata-se, portanto, de um instrumento a serviço do laço social para troca de saberes e emprego de
competências, que coloca em funcionamento uma pedagogia cooperativa, não compartimentada e
personalizada. O Mosaico oferece instrumentos de determinação e mobilização das habilidades.
No Mosaico, é possível fundir, dividir, conectar peças, introduzir pequenas peças em grandes peças etc. A
construção proposta pode ser generalizada progressivamente, por extensão e conexão, nunca impondo
normas a priori. No Mosaico, a organização e o valor dos conhecimentos não são congelados, mas são
permanentemente reorientados pelos estudantes.
É importante ressaltar que o Mosaico não faz uma escolha pela transdisciplinaridade, pluridisciplinaridade
(estudo de um objeto por várias disciplinas) ou interdisciplinaridade (transferência de métodos de uma
disciplina para outra). Tampouco ele descarta as disciplinas. Elas são pedras do Mosaico, pedras que
contêm em si outros mosaicos e que podem ser exploradas de acordo com o interesse de cada um, como
saberes disponíveis, porém não totalizadores. Tendo o Mosaico como mapa, muitas são as oportunidades
de aprendizado na Lumiar.
Cursos planejados com mestres : o Instituto Lumiar e os educadores da Lumiar buscam entre os pais, as
pessoas da comunidade em que a escola está inserida e pessoas exteriores à comunidade, pessoas com
notório conhecimento ou habilidade em uma determinada área que atuam como mestres em cursos que
partem dos interesses dos educandos e se encadeiam em uma continuidade lógica e significativa.
Cursos de iniciativa dos educandos : constituem-se com base no interesse de grupos de educandos que
desejam estudar temas específicos com um mestre na área. Este mestre pode ser um educador, um
membro do Conselho, um educando com alguma habilidade específica ou alguém contratado
especialmente para este fim, por tempo determinado, e com autorização da Assembléia. Uma vez que o
curso tenha sido aprovado, os participantes decidem sobre a sua duração, o formato e a freqüência dos
encontros. A relação entre o mestre e a classe é do tipo contratual, o que significa que se uma das partes
não cumpre com suas obrigações, o curso é encerrado.
Estudos individuais : constituem-se com base no interesse do educando por um tema específico no qual
decide se aprofundar usando os recursos da Lumiar : livros, revistas especializadas, vídeos, cd-rom,
pesquisas na rede mundial, laboratórios etc. Nesta pesquisa, o educando conta com a orientação dos
educadores.
Participação nas Assembléias, Fóruns e Comitês : assumir posições administrativas na escola possibilita
aos educandos a oportunidade de desenvolver um amplo leque de habilidades e acumular experiência em
diferentes campos de atuação, tais como: administração, contabilidade, economia, direito, culinária,
eletricidade, eletro-técnica, marcenaria, carpintaria, biblioteconomia, secretariado, turismo, editoração,
jornalismo, informática, relações públicas, horticultura e reciclagem. Nas Assembléias e no Fórum, os
educandos desenvolvem o maior objetivo da escola: responsabilidade social, respeito ao bem comum e à
ordem democrática.
Intercâmbios : constituindo-se a Lumiar num centro de referência para a educação democrática, é facilitado
também o intercâmbio com as escolas semelhantes espalhadas pelo mundo e com as muitas iniciativas
educacionais de interesse no Brasil. Assim, os educandos podem passar temporadas em outros estados e
países e também hospedar em suas casas educandos destes outros lugares, possibilitando a troca de
experiências e o aprimoramento dos estudos de línguas estrangeiras.
Vivência cultural : conferências, mesas redondas, seminários presenciais e virtuais (fóruns, chats ,
netmeetings ), mostras de vídeo, festas e festivais são organizados pela comunidade escolar e facilitados
pelo Instituto Lumiar .
Visitas e viagens : por iniciativa de educandos e educadores, organizam-se visitas freqüentes a concertos
de música, espetáculos de dança, bibliotecas, museus, cinemas, teatros, eventos esportivos, planetários e
outros locais de interesse. Fora da cidade, é possível organizar viagens a outros locais do estado de São
Paulo bem como outras regiões do país, em que é possível explorar o meio ambiente e social de modo a
complementar a formação do cidadão brasileiro.
Educadores e educandos criam, em conjunto, oportunidades de sistematização do conhecimento adquirido
individualmente e de compartilhar deste conhecimento com a comunidade escolar e com pessoas exteriores
a ela. É no momento da sistematização e exposição dos trabalhos, que os educandos desenvolvem a
capacidade de reelaboração e superação da linguagem de senso comum.
Alguns exemplos de como se dá esta sistematização individual e coletiva do conhecimento:
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Tradução de artigo ou livro de interesse em língua estrangeira
Produção de livro, revista ou jornal com artigos sobre temas de interesse da comunidade
Produção de programa de rádio, televisão, filme, documentário ou página virtual
Relatório sobre alguma atividade social, política ou cultural desenvolvida junto à comunidade
Monografia sobre algum tema específico
Obra de arte: pintura, gravura, escultura, música, conto, poesia, romance, teatro, fotografia, dança etc.
Experimento científico ou desenvolvimento de algum procedimento científico.
Desenvolvimento de software ou tecnologia da computação
Projeto arquitetônico
Proposta de solução para um problema social ou ecológico reconhecido
Como dizia Tolstoi, o exercício do aprendizado não por coação, mas sim pela curiosidade é a única forma
de respeitar o conhecimento e desenvolver nas crianças o gosto pelo saber.
Fazendo uma licença no pensamento de Neill, podemos fazer ainda uma analogia com a jam session do
jazz, quando cada músico mostra seu virtuosismo, improvisando sobre um mesmo tema, solando inclusive,
mas sempre fazendo parte de um conjunto belo.
Nas palavras de Tolstoi, “À medida que as crianças se adiantam nos estudos, mais se estende o ensino e
mais se impõe a necessidade da ordem. Portanto, em uma escola que se desenvolve normalmente e sem
violência, quanto mais instruídos são os discípulos, mais capazes da ordem tornam-se eles, mais sentem
eles mesmos a necessidade dela, e mais se estabelece a autoridade do professor” .
Para Neill, a forma de educar a criança para a auto-regulação é incentivar-lhe os sonhos possíveis,
libertando-a dos impossíveis e encorajando-a sempre a encontrar seu caminho.
Respeito ao conhecimento
O conhecimento deve ser respeitado, o que significa que jamais pode ser utilizado como forma de punição
ou de recompensa que se expressam nos sistemas de notas, gradações, tudo aquilo enfim que transforma o
processo de conhecimento em um castigo, sofrimento, esforço, dor, obrigação. Ao contrário, o
conhecimento é desejado e reconhecido como uma recompensa em si, bem como todos os trabalhos
desenvolvidos pela comunidade escolar e para ela.
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