EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza
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EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 CMF Colégio Militar de Fortaleza EDUCARE Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza Publicação Anual Ano 1 – Nº. 1 – Jun. 2009 _____________________________________________________________________________ Colégio Militar de Fortaleza Av. Santos Dumont, 485 – Aldeota Fortaleza – CE – CEP: 60150-160 www.cmf.ensino.eb.br _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 EDUCARE Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza Ano 1 Nº. 1 – Jun. 2009 ISSN: 1984-3283 Colégio Militar de Fortaleza – CMF Casa de Eudoro Corrêa Diretor de Ensino: Coronel José Antonio Mendonça da Cruz Chefe da Divisão de Ensino: Tenente-Coronel Wilson Rocha Ferreira CONSELHO CONSULTIVO Dra. Ana Maria Iório Dias – UFC Ms. Lissa Mara Saraiva Fontenele – CMF Ms. Anete Barbosa Fritz Neves – CMF Dr. Luís Botelho Albuquerque – UFC Dra. Fernanda Nunes Guimarães Vieira – CMF Ms. Margaret Corchs – CMF Ms. Janote Pires Marques – CMF Ms. Regina Cláudia Oliveira da Silva – CMF Ms. Renata Rovaris Diorio – CMF CONSELHO EDITORIAL Anete Barbosa Fritz Neves Janote Pires Marques – 1º Ten Lissa Mara Saraiva Fontenele – 2º Ten Margaret Corchs – 2º Ten Regina Cláudia Oliveira da Silva Renata Rovaris Diorio CONSELHO TÉCNICO Capa: Concepção: Renata Rovaris Diorio Arte: Larri Pereira Fotos: Janote Pires Marques – 1º Ten Formatação e Diagramação: Regina Cláudia Oliveira da Silva Revisão: Anete Barbosa Fritz Neves Margaret Corchs – 2º Ten ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Colégio Militar de Fortaleza Divisão de Ensino (Seção de Expediente) Av. Santos Dumont, 485 – Aldeota Fortaleza – CE – CEP: 60150-160 Correio eletrônico: [email protected] Educare: Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza, Fortaleza-CE, v. 1, n.1, 131 p. Jun. 2009. Publicação Anual ISSN: 1984-3283 1. Ciências Exatas. 2. Educação. 3. Filosofia. 4. História. 5. Literatura. I. Colégio Militar de Fortaleza. II. Título. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia ou escrita. Todas as informações dos artigos com autoria declarada são de responsabilidade dos respectivos autores, não representando a opinião da Instituição. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 SUMÁRIO Editorial................................................................................................................................ p. 5 Diretor de Ensino: Coronel José Antonio Mendonça da Cruz Apresentação...................................................................................................................... p. 6 Profa. Dra. Ana Maria Iorio Dias I. Artigos p. 8 1. A CASA DO AMOR IMORREDOURO: História e Memória da Educação Militar no Ceará..... p. 9 Janote Pires Marques 2. MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL: Análise de Caso com Alunos do Ensino Fundamental do Colégio Militar de Fortaleza…………………………….....……................ p. 16 Regina Cláudia Oliveira da Silva 3. O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LITERATURA SOB A PERSPECTIVA DIALÓGICA.......... p. 27 Anete Barbosa Fritz Neves 4. UMA PROPOSTA DE MEDIAÇÃO VIRTUAL, EM APOIO AO TREINAMENTO DOS ALUNOS PARTICIPANTES DA OBMEP, NO CONTEXTO DO JOGO MATH CITY............................................. p. 34 Vilmar Andrade do Nascimento, Francisca das Chagas Soares Reis 5. PERSPECTIVAS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO.......................... Maria Regina Ponte da Silva p. 41 6. AVALIAÇÃO POSTURAL NA ESCOLA: UMA AÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA........... p. 50 Adriana Vasconcellos, Clineu França, Marcelo Noronha, Marcos Ramos 7. A SALA DE AULA DE LÍNGUA INGLESA: um Espaço de Descoberta e Novas Aprendizagens.................................................................................................................... p. 56 Renata Rovaris Diório 8. RAZÕES PARA O USO DA LITERATURA NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA..................................... Margaret Corchs p. 62 9. OBJETOS DE APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA...................................................... Bergson Rodrigo Siqueira de Melo, Alisandra Cavalcante Fernandes, Geraldo de Oliveira Macedo Júnior, Verônica Maria Lavor Silva de Melo p. 67 10. PARTIÇÃO DE Z E SUAS APLICAÇÕES....................................................................................... p. 73 Delano Klinger Alves de Souza 11. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: Alguns Desencontros..................................................................................................................... p. 77 José Neyardo Alves de Araújo 12. O PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO NA SALA DE AULA DE LE............................................................ Lissa Mara Saraiva Fontenele p. 84 13. A SOMBRA, O SANGUE E O SONHO NO ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA.................................. p. 90 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 Ana Maria de Oliveira Melo 14. ASPECTOS DAS REVOLUÇÕES E LEVANTES NO BRASIL: 1922-1935...................................... p. 97 Wilson Rocha Ferreira 15. REFLEXÕES SOBRE AS ORIGENS DO TOTALITARISMO SOVIÉTICO................................................ p. 103 Geraldo de Oliveira Macêdo Júnior, Bergson Rodrigo Siqueira de Melo II. Projetos em Andamento p. 109 1. O CULTO DA SAUDADE NA CASA DE EUDORO CORRÊA.............................................................. p. 110 Regina Cláudia Oliveira da Silva, Luciano Pinheiro Klein Filho (Clube de Ciências Humanas) 2. DICIONÁRIO BIOGRÁFICO DE PROFESSORES............................................................................... p. 115 Janote Pires Marques 3. ÉTICA AMBIENTAL E EDUCAÇÃO............................................................................................... p. 118 Jean Cid Ferreira de Brito, Francisca Elsenir Porfírio dos Santos, Analuce de Macêdo e Silva Caneca, Cristiane Moreira Reis, Regina Cláudia Oliveira da Silva 4. I SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA Práticas Pedagógicas: Desafios e Possibilidades........................................................... p. 123 Francisca das Chagas Soares Reis 5. PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DA BIBLIOTECA DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA EM COMEMORAÇÃO AOS SEUS 90 ANOS DE EXCELÊNCIA EDUCACIONAL......................................... Clube de Inglês Renata Rovaris Diorio p. 124 6. PROJETO DE HISTÓRIA E MEMÓRIA: Oralidade e Reminiscências da Casa de Eudoro Corrêa................................................................................................................................... p. 125 Regina Cláudia Oliveira da Silva Luciano Pinheiro Klein Filho Janote Pires Marques Clube de Ciências Humanas III. Chamada para a Revista EDUCARE – Nº. 2 (2010).......................................................... p. 127 Conselho Editorial IV. Orientação para Submissão de Artigos para a Revista EDUCARE – Nº. 2 (2010)......... p. 129 Conselho Editorial EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 EDITORIAL Coronel José Antonio Mendonça da Cruz Diretor de Ensino do CMF A comemoração dos 90 anos do início das atividades escolares no Colégio Militar do Ceará requer um rol de eventos direcionados para a educação de excelência que envolva o corpo docente. Nesse sentido, nossos professores propuseram editar o primeiro número da EDUCARE, EDUCARE a revista científica do Colégio Militar de Fortaleza. Cumprimento os integrantes do Conselho Editorial da revista, que além de planejar, organizar e dar vida ao empreendimento, apresentou artigos nesta publicação. Destaco ainda que todas as contribuições são originadas de nosso corpo docente, ratificando a qualidade dos que aqui labutam no processo de ensinoaprendizagem. Essa equipe de pensadores está abrindo uma porta para todos aqueles envolvidos com a educação, estimulando os demais a apresentar suas experiências e opiniões, originando um novo ciclo cultural neste estabelecimento de ensino. As contribuições reunidas nesta primeira edição contemplam abordagens sobre a História do Colégio Militar, o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), a literatura nacional, a mediação, a filosofia, a avaliação postural, a língua inglesa, os objetos de aprendizagem, o livro didático, a História do Brasil e a História Geral. Ainda são apresentados os projetos em andamento na Divisão de Ensino: sobre o Projeto de Revitalização do Museu Gustavo Barroso, o Dicionário Biográfico de Professores, a Ética Ambiental e o I Simpósio de Educação. A proposta pedagógica do Colégio Militar de Fortaleza acaba de ganhar um vigoroso instrumento de divulgação de conhecimento, reafirmando sua tradição de vencer obstáculos em prol do objetivo de construir uma educação básica de alto nível. Vamos desfrutar desta publicação e aguardar ansiosos pela próxima edição. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a |5 APRESENTAÇÃO Ana Maria Iorio Dias Professora da Faculdade de Educação do Ceará Doutora em Educação Brasileira Eis que os “moradores” da Casa de Eudoro Corrêa nos oferecem o primeiro número da Revista Científica EDUCARE, do Colégio Militar de Fortaleza. Nele, o leitor encontrará artigos e relatos de experiência, lidos e selecionados pelo Conselho Editorial, com o apoio do Conselho Consultivo, que abordam temas que, certamente, contribuirão para desencadear reflexões significativas para a contemporaneidade da Educação, militar, cearense, brasileira, mundial. Assim, o leitor encontrará no presente número, artigos que discutem teorias filosóficas, como o de Geraldo de Oliveira Macêdo Júnior e Bergson Rodrigo Siqueira de Melo, ou que refletem sobre as contribuições do ensino de Filosofia para a Educação Básica, como o de Maria Regina Ponte da Silva, ou, ainda, sobre as revoluções e os levantes no Brasil no período de 1922 a 1935, escrito por Wilson Rocha Ferreira. Há estudos que denotam a preocupação com diferentes conteúdos abordados na Educação Básica, mediante análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais ou de livros didáticos, como os trabalhos de Lissa Mara Saraiva Fontenele e de José Neyardo Alves de Araújo. Outros trabalhos centram sua atenção nas suas relações com o ensino e com a aprendizagem, como os textos de Renata Rovaris Diorio, de Margaret Corchs, de Anete Barbosa Fritz Neves, de Vilmar Andrade do Nascimento, de Regina Cláudia Oliveira da Silva, de Ana Maria de Oliveira Melo. Bergson Rodrigo Siqueira de Melo, Geraldo de Oliveira Macedo Júnior, Verônica Maria Lavor Silva de Melo e Alisandra Cavalcante Fernandes nos apresentam e discutem os Objetos de Aprendizagem na área de Matemática; e Adriana Vasconcellos, Clineu França, Marcelo Noronha, EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a |6 Marcos Ramos promovem uma reflexão em torno da ação do profissional de Educação Física em relação à avaliação postural na escola. Destaque-se, também, o texto em que Janote Pires Marques faz uma análise do percurso da Educação Militar no Estado do Ceará por intermédio de fontes institucionais e outras, produzidas por alunos e ex-alunos, enfocando a constituição de suas identidades e tradições. A segunda parte da Revista EDUCARE nos apresenta uma série de relatos de projetos em andamento na Instituição, e, nesse momento o leitor conhecerá o trabalho de Regina Cláudia Oliveira da Silva e de Luciano Pinheiro Klein Filho, no qual, tendo em vista os ensinamentos de Gustavo Barroso, procuram revitalizar o Museu do Colégio Militar de Fortaleza (CMF); o texto de Janote Pires Marques, que, com seu Dicionário Biográfico de Professores, procura contar a história do CMF; as práticas de conscientização sobre Ética Ambiental, desencadeadas por Jean Cid Ferreira de Brito, Francisca Elsenir Porfírio dos Santos, Analuce de Macêdo e Silva Caneca, Cristiane Moreira Rios e Regina Cláudia Oliveira da Silva e as informações sobre o I Seminário de Educação do CMF, a ser realizado ainda nesse ano letivo, apresentadas por Francisca das Chagas Soares Reis. Enfim, este é o primeiro número, de uma série de muitos outros que a ele se sucederão. De parabéns estão os idealizadores da Revista, de parabéns estão os autores deste número e os que fazem o Colégio Militar de Fortaleza. Concluímos fazendo um convite especial para a leitura. Esperamos ter despertado a curiosidade intelectual e acadêmica para a leitura e reflexão desse material ora apresentado, com o carinho e o rigor dos organizadores. Que essa iniciativa possa, também, servir de inspiração para outras ações semelhantes de divulgação de estudos, pesquisas, sistematizações de práticas e descobertas. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a |7 I. Artigos EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a |8 1. A CASA DO AMOR IMORREDOURO HISTÓRIA E MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO MILITAR NO CEARÁ Janote Pires Marques1 Resumo. Este artigo analisa a Educação Militar no Ceará praticada nas instituições de ensino que foram sediadas no prédio atualmente ocupado pelo Colégio Militar de Fortaleza. Através da análise de fontes diversas, produzidas por alunos e ex-alunos, bem como dos registros institucionais, esse trabalho conta um pouco da história do Colégio Militar de Fortaleza, da Escola Preparatória de Fortaleza, do Colégio Militar do Ceará e da Escola Militar do Ceará, numa abordagem que explora interligações entre a memória dos discentes e a história contada e escrita sobre esses estabelecimentos de ensino, considerados “tradicionais”. Nesse processo, essas escolas se constituem em território onde predomina uma cultura escolar baseada numa série de símbolos, ritos e comemorações que fomentam vínculos sociais entre os discentes e destes com a instituição na qual estudaram, sendo esta freqüentemente associada ao sentimento de família e de casa. Percebe-se que a identidade dos alunos é uma construção coletiva e que, entre lembranças e esquecimentos, a memória sobre a educação militar preserva-se ligada a uma idéia de tradição. Palavras-chave: Educação Militar (Ceará). História. Memória. Cultura Escolar. Abstract. This article examines the Military Education in Ceará practiced in educational institutions that were located in the building currently occupied by the Military School of Fortaleza. Through analysis of various sources, produced by students and former students as well as institutional records, this work tells a little about of the history of the Military School of Fortaleza, the Preparatory School of Fortaleza, Ceara's Military School and the Military School of Ceara, using an approach that explores the interconnections between the studen´s memory and the oral and written history of these schools, considered "traditional". In this process, these schools are a territory where school culture based on a series of symbols, rituals and celebrations often associated with the feeling of family and home. The identity of the students is a collective construction and that, between memories and oblivion, the memory on the military education is preserved tied to a tradition idea. Keywords: Military Education (Ceara). History. Memory. Culture School. 1 Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará. Licenciado em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Professor de História do Colégio Militar de Fortaleza. [email protected] EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a |9 1. Introdução Quem já percorreu os corredores do Colégio Militar de Fortaleza (CMF), ainda que numa deambulação despretensiosa, provavelmente deve ter observado a grande quantidade de placas comemorativas afixadas em suas paredes. São dezenas de placas que trazem, por exemplo, nomes de formandos, referências a antigos professores e diretores, nomes dos responsáveis por obras e por reformas nas instalações físicas do Colégio. Mas, há um tipo de placa que chama especial atenção pela carga de valores expressa em palavras cunhadas no bronze: são as placas alusivas aos encontros de ex-alunos e que parecem querer “eternizar” sentimentos desses discentes que freqüentemente retornam (em grupo) à escola para rememorarem experiências vividas há tempos. Embora as placas tragam os mais diversos tipos de textos, até porque são criadas por ex-alunos de categorias sociais variadas, elas em geral têm uma espécie de discurso comum no qual predominam idéias, como o tipo de conhecimento recebido (educação militar), a importância de lembrar e de continuamente reconhecer tal experiência (memória), e os efeitos destas vivências estudantis (numa escola de “tradição”) na vida dos discentes. Tomando como exemplo as placas comemorativas providenciadas por ex-alunos da Escola Preparatória de Fortaleza1, nota-se a reincidência de palavras como “aprendizado”, “educação”, “civismo”, “gratidão”, “comemoração” e, mais do que qualquer outra, aparece a palavra “casa” para se referir à escola. Um aspecto interessante é que a associação entre “casa” e “escola” surge articulada com expressões que ressaltam certo sentimentalismo dos ex-alunos ligado à educação militar que, em última instância, tem seu “baluarte” físico e simbólico no prédio que, desde 1962, abriga o Colégio Militar de Fortaleza. Assim, facilmente se encontram nas placas, expressões como “histórico casarão”, “querida escola”, “velha escola”, “inolvidável escola”, “nossa escola”, “templo do civismo”, e outras similares que expressam um sentimento de apego à escola e uma reverência às suas “tradições”. 1 A Escola Preparatória de Fortaleza funcionou entre 1942 e 1961 e formava cadetes (num curso, cujo nível corresponderia ao atual Ensino Médio) que seguiam para o curso de oficiais na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), no Rio de Janeiro. Sobre as escolas e colégios militares no Ceará, ver: MARQUES, Janote Pires; KLEIN FILHO, Luciano. O casarão do Outeiro: memórias e ilustrações. Fortaleza: ABC Editora, 2007. No ano de 2005, por exemplo, cinqüenta e seis ex-alunos se encontraram no Colégio Militar de Fortaleza para comemorar cinco décadas de formatura na sua antiga “casa”: a Escola Preparatória de Fortaleza (EPF). A placa alusiva ao encontro ressalta bem esse sentimento dos ex-alunos que estamos audaciosamente tentando capturar. Nessa placa, afirma-se que a reunião desses antigos discentes é para comemorar o “amor imorredouro pela nossa querida escola” (PLACAS ALUSIVAS, 2005, grifo meu). Eis aqui o mote para esse artigo. Como e por que a educação nesses colégios e escolas militares criou (e cria) intensos vínculos sociais entre os discentes e destes com a instituição na qual estudaram? Por conseguinte, esse artigo analisa os elementos simbólicos presentes na educação militar, suas interligações com a memória e com o que usualmente se tem denominado “tradição” e, ainda, as implicações dessa “cultura escolar” na dinâmica da sala de aula. 2. História da educação militar no Ceará É comum ouvir ou ler em publicações sobre o CMF que o Colégio é “herdeiro das caras tradições de seus ilustres antecessores” (REVISTA, 2006, p.10), ou seja, herdeiro das “tradições” das escolas militares anteriormente sediadas no mesmo edifício, a saber: Escola Militar do Ceará, Colégio Militar do Ceará e Escola Preparatória (de Cadetes) de Fortaleza. A Escola Militar do Ceará, fundada em 1889, funcionou no prédio onde está o CMF, entre 1892 e 1897, e formava oficiais de carreira do Exército. Existindo num tempo de grandes transformações políticas e sociais no Ceará (e no Brasil), não era de se estranhar que alunos (os “cadetes”), professores e diversos militares dessa Escola participassem intensamente daquele importante momento. Assim, os cadetes, que eram oriundos de várias regiões do Brasil, criaram jornais, revistas literárias e tiveram uma atuação decisiva na derrubada do anti-florianista e presidente (do Estado) Clarindo de Queiroz (CÂMARA, 1959). Já o Colégio Militar do Ceará (CMC), criado em 1919, funcionou até 1938. Tinha uma estrutura educacional mais parecida com a do CMF; provavelmente por isso é que o início das atividades escolares no CMC – em 1º de junho (de 1919) – tornou-se tradicionalmente a data para o CMF comemorar seu aniversário. Entretanto, era um tempo de horários bem diferentes dos atuais: o café da manhã ocorria às 05h 45min; em seguida, havia a “Instrucção Physica”; o almoço ocorria às 09h. Todos os deslocamentos eram em forma (como acontece ainda hoje). As aulas EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 10 começavam às 10h, prolongando-se até às 15h 20min. Por volta do meio-dia, havia o “lunch”. Servia-se o jantar às 15h 30min. Ao anoitecer, uma ceia e, em seguida, a revista do recolher, preparando-se os alunos para dormir (MARQUES; KLEIN FILHO, 2007). O regime disciplinar era austero e incluía rigoroso cumprimento de horários, respeito à hierarquia, zelo pela boa apresentação e dedicação aos estudos. A maioria dos alunos eram internos e usar o telefone era permitido somente através de recados que eram transmitidos e recebidos textualmente por um dos inspetores (atuais monitores de alunos); “iguarias e gulodices” tinham sua entrada oficialmente vetadas no Colégio; o futebol era expressamente proibido, por causa das contusões que os discentes sofriam durante a prática dessa atividade (BOLETINS INTERNOS DO COLÉGIO MILITAR DO CEARÁ, 1919). Nesse contexto, não foram poucas as ações dos discentes consideradas atos de indisciplina e registradas quase que diariamente nos boletins internos. Ao que parece, um bom caminho foi o proposto pelo célebre general Eudoro Corrêa (diretor que permaneceu treze anos no comando do Colégio), ao motivar o “bom comportamento” dos alunos com elogios escritos, saídas extraordinárias, ingressos para apresentações artísticas (teatro, por exemplo) na cidade (BOLETINS INTERNOS DO COLÉGIO MILITAR DO CEARÁ, 1923). O curso no Colégio Militar do Ceará durou em média seis ou sete anos. Nos quatro primeiros anos, predominaram as disciplinas de: Matemática, Português, Francês, Geografia e História (Geral e do Brasil) e História Natural. Nos últimos anos, dentre outras matérias, estudava-se Inglês ou Alemão (os alunos podiam optar pelo estudo das duas línguas), Desenho, Geometria, Agrimensura e Legislação de Terras. Ao concluir o curso, os alunos recebiam o diploma de agrimensor (ALBUM DE FOTOGRAFIAS, 1924). Entretanto, muitos tentavam a matrícula na Escola Militar (do Realengo) ou na Escola Naval a fim de seguirem a carreira militar. Turma Coronel Dracon Barreto (1938) Acervo CMF Em 1938, o Colégio Militar do Ceará foi extinto. Apenas em 1942, outra escola militar encontraria abrigo no prédio. Foi a Escola Preparatória (de Cadetes) de Fortaleza, criada no contexto da Segunda Guerra Mundial. Com a iminência de o Brasil entrar nesse conflito mundial, fundaram-se no país três escolas preparatórias de cadetes: em Porto Alegre, em São Paulo e em Fortaleza. Após o curso, que durava três anos, a maioria desses alunos seguia para a Escola Militar de Realengo (depois transferida para a cidade de Resende, transformando-se na Academia Militar das Agulhas Negras). Para muitos jovens cearenses, principalmente os de origem humilde, a Escola Preparatória representou mais uma opção profissional (a carreira das armas) a escolher, pois eram restritas as possibilidades de acesso ao ensino superior na cidade de Fortaleza, que ainda tinham o empecilho de um custeio mais vultoso. O Exército era uma das poucas saídas para o estudante pobre (MARQUES; KLEIN FILHO, 2007). Nos primeiros anos de funcionamento da EPF, as dificuldades materiais foram enormes. Os próprios uniformes, tão caros ao cotidiano militar, tiveram que ser improvisados e adaptados, como foi o caso do uso de tamancos em vez de botas. Conta-nos um ex-aluno (BRAGA, 1999) que o prédio da escola estivera fechado por vários anos e, ao reabri-lo, descobriu-se que havia muitos ninhos de escorpiões. Determinou-se, então, que todos os discentes andassem de tamancos (eram os calçados disponíveis) para evitar picadas venenosas. Logo no primeiro dia, um cadete não cumpriu a determinação e foi andar descalço pelo pátio da EPF, sendo picado por um escorpião. Em pouco tempo, toda a Escola sabia que o aluno tinha sido vitimado pelo bicho e havia baixado à enfermaria. O cadete desse episódio nunca mais foi chamado pelo nome-de-guerra entre os colegas. Passou a ser o “Escorpião”. Tal exemplo é trazido aqui para ilustrar que não se pode entender as vivências (e a memória decorrente das mesmas) descoladas das experiências sociais e das situações experimentadas no cotidiano dos alunos. O caso supracitado ilustra uma das muitas formas de os alunos romperem com a “lógica ordenadora”, no dizer de Michel de Certeau (1994), e de criarem suas próprias formas de apropriações de espaços e códigos. Era, pois, diante dessa imprevisibilidade imanente ao cotidiano dos alunos que se criavam campos férteis às sociabilidades e que surgiam as “histórias” a serem futuramente rememoradas nos encontros de ex-alunos. Ademais, diante das dificuldades e adversidades peculiares à década de 1940, surgiu, no período, grande parte da ritualística ainda hoje EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 11 praticada no CMF, como é o caso do brado oficial “Para frente, custe o que custar”, criado em 1942, para expressar que os problemas não deveriam ser encarados como obstáculos, mas sim, como desafios a serem vivenciados e transpostos. Ao longo dos anos, a expressão ganhou status de “tradição” e, atualmente, no CMF, os alunos, ao ouvirem a frase “Para frente”, respondem: “custe o que custar!”. É, pois, nessa interação entre a história institucional e a memória de ex-alunos que se desenvolvem sentimentos como “honra”, “responsabilidade” e “orgulho” (de pertencimento a um grupo ou/e a estabelecimento de ensino), e que se arvora essa “tradição herdada” pelo CMF. Mas, o que é a “tradição”? Certamente, essa é uma palavra que tem ocupado amplo espaço de discussão na historiografia. Sem querer definir um conceito de tradição, é válido discutir, ainda que brevemente, os sentidos que essa palavra pode assumir. No caso da história da educação militar, predominaria aquela “tradição inventada” sobre a qual alerta Eric Hobsbawn (1984), ou seja, como instrumento destinado apenas a inculcar valores e normas de comportamento por meio da repetição, implicando numa continuidade do passado? Ou seria possível perceber essa tradição, não como algo estático, parado, ultrapassado, um passado cristalizado que deve ser exatamente preservado nas ações do presente; mas, sim, algo em movimento, que mantém certas “permanências” e “raízes”, mas que se transforma e permite a uma série de reelaborações, até por causa dos novos contextos históricos que se constituem com o avançar dos anos? Talvez, haja uma tendência para este último sentido. Veja-se o caso do ingresso do segmento feminino no CMF, em 1989. Durante um século (desde 1889), os estabelecimentos de ensino militar permitiram apenas a matrícula de rapazes. A partir de então, a instituição (no caso, o CMF) teve que se adaptar às novas personagens, que provocaram não apenas mudanças na estrutura física das instalações (banheiros, vestiários, etc...), mas, também, no que se refere à mentalidade educacional. Certamente, mulheres freqüentando (e compartilhando) espaços tradicionalmente masculinos foi bem mais que a simples quebra de um paradigma cultural. No corpo discente, território até então exclusivo dos homens, as alunas estabeleceram (e estabelecem) um importante processo de construção histórica, traçando novos horizontes profissionais e ampliando os limites do espaço social feminino (MARQUES; KLEIN FILHO, 2007). Desfile de 7 de Setembro (1988) Acervo CMF Entretanto, essa dinâmica da tradição dificilmente ocorre descolada de um arcabouço simbólico e institucional através do qual são (estrategicamente) cultuados valores identificados com a educação militar. É neste processo que o edifício que ora sedia o Colégio Militar de Fortaleza, independentemente do gênero de seus discentes, por vezes é reverenciado como “templo do civismo” e se aproxima, numa microescala, daquilo que Fernando Catroga (2005), ao estudar as comemorações cívicas em Portugal, denomina de “sacralização física do espaço”. 3. Símbolos, ritos e comemorações Aqueles que labutam diariamente no CMF, particularmente os professores e monitores, sabem que o ano letivo é permeado por uma série de procedimentos – cotidianos ou eventuais – que, por múltiplas formas, interferem na dinâmica da sala de aula. É um mundo de símbolos, ritos e comemorações, amparados na questão da tradição, e que orbita em torno dos personagens principais do Colégio, ou seja, dos alunos. São práticas (culturais) que misturam história e memória da educação militar numa ação que fomenta uma identidade de “aluno do Colégio Militar”. No que se refere à simbologia, podem-se destacar hinos, bandeiras, uniformes, dentre outros elementos. Por uma questão de espaço, não cabe nesse artigo a devida (e aprofundada) reflexão semiótica sobre todas essas categorias simbólicas. Entretanto, não poderíamos deixar de refletir sobre alguns pontos, como o hino do CMF, escrito pelo professor José Fernandes. Colégio Militar de Fortaleza És templo de saber de alto padrão O teu porvir refletirá a grandeza Do que está cheia a tua tradição (...) EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 12 Difícil saber até que ponto vai a consciência dos alunos ao pronunciarem a canção. Não obstante, está explícita a proposta de ligação entre passado, presente e futuro ancorada nos costumes (tradição). Uma mistura de tempos amalgamada num prédio que toca mesmo o sentido de sagrado (templo) e permeada por uma memória anualmente revisitada pelos ex-alunos no 1º de Junho (aniversário do Colégio). Além do hino, existem as bandeiras, os uniformes, as divisas, as cores, enfim, um grande número de elementos simbólicos que comunicam uma mensagem sobre a história da educação militar. Veja-se o caso da tradicional cor “garança”, que representa o sangue dos brasileiros mortos na Guerra do Paraguai. Vale lembrar, que a idéia da criação de colégios militares no Brasil teve como principal argumento amparar os órfãos de soldados brasileiros que tombaram nesse conflito. E, pelo menos nas últimas décadas, o principal objetivo do Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) é assistir às famílias dos militares, particularmente dos praças. Mas, o Colégio Militar também é um modelo de ensino que busca incentivar a carreira militar. Por conseguinte, a vida escolar dos alunos tem sido historicamente transcendida por uma série de rituais cotidianos, que vão da apresentação da Turma por um aluno (ou aluna) ao professor quando este chega à sala para a aula, até cerimônias mais amplas, como a tradicional entrada de novos alunos, que ocorre, desde 1942, a cada início de ano letivo. Cerimônia de entrada de novos alunos (1942) Acervo CMF Importa destacar que esses rituais (cerimônias), materializados em gestos e procedimentos, contribuem para a construção de uma identidade entre discentes do Colégio Militar. Certamente, a constituição dessa identidade passa por um entendimento próprio de cada discente e pode ocorrer de forma dinâmica, ou seja, pode ser transformada na interação de indivíduos ou de grupos sociais (BARTH, 1998). Mas, a construção identitária na dimensão da educação militar também se liga a uma série de procedimentos rituais, como a já citada cerimônia de entrada de novos alunos pelo Portão Principal; a formatura para a entrega da boina, na qual afloram as emoções (de alunos e padrinhos – geralmente os pais ou responsáveis); a prática da ordem unida, na qual os alunos marcham (e cantam) juntos e se revezam no comando; as paradas semanais, com toda a sua carga simbólica veiculada através de hinos, bandeiras e homenagens. Alinhados a essa prática estão os eventos comemorativos organizados ao longo do ano letivo, como o culto cívico aos mortos na guerra (patronos da Armas e Quadros das Forças Armadas) e a determinados personagens civis da História do Brasil, a comemoração de datas consideradas importantes e, também, as reuniões de ex-alunos, principalmente na data de aniversário do Colégio. Todas essas práticas culturais (e coletivas), além de conformarem uma “tradição”, constituem-se num fenômeno social importante que interpenetra a vida acadêmica (particularmente, na sala-de-aula) de discentes e docentes, dando-lhes um caráter peculiar, embora muitas vezes não se perceba isso. A propósito, não é justamente no contexto das comemorações dos 90 anos do CMF, no ano de 2009, que surge o primeiro número da Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza? 4. Cultura escolar e educação militar O que é cultura? Muitos artigos e livros têm sido escritos sobre essa categoria. Atualmente, a linha pensada por Edward P. Thompson (1998) é uma das noções mais aceitas, ou seja, cultura não seria algo estático ou dentro de uma idéia “folclórica”, sem possibilidades de mudanças ou de admissão de novos elementos. Porém, o caráter disciplinador da educação militar de certa forma tende a limitar essa dinâmica criativa inerente à cultura. Obviamente que isso tudo se apresenta de forma diferente a depender das temporalidades. Na época da Escola Preparatória de Fortaleza, por exemplo, o regime era bem mais rígido do que nos dias atuais. Eram tempos de guerra e esperava-se que o Brasil sofresse um bombardeio nazista contra alguma capital do Nordeste. Assim, a EPF recebeu a missão de instalar um ponto de observação munido de metralhadora na torre da Igreja do Cristo Rei. À época, esse local dava excelente visibilidade para o litoral fortalezense. Segundo Gustavo Lisboa Braga (1999, p. 63): (...) o mais difícil e perigoso era a subida para o cimo da torre, a escada de acesso não tinha nada à sua esquerda; à proporção que subíamos, íamos nos encostando na parede do lado direito e quando chegávamos lá em cima dava para se ter medo e EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 13 mais ainda para aqueles que levavam a metralhadora Madsen (...). Como precaução, à noite, a cidade ficava totalmente sem iluminação, que era a primeira providência contra um possível ataque aéreo. Em contrapartida tal blecaute nos propiciava, no cimo da torre do Cristo Rei, desfrutar a beleza do céu de Fortaleza. Nunca houve o esperado ataque alemão ou talvez fracassou devido ao apagar das luzes da cidade. De qualquer forma, após a Segunda Guerra Mundial, as instruções militares continuaram, até porque faziam parte da proposta pedagógica da Escola, já que boa parte dos cadetes seguiria para a Academia Militar das Agulhas Negras. Ainda tratando da EPF, à questão da disciplina aliava-se um sentimento: a honra da palavra dada. Em outros termos, os alunos, além do compromisso de não dizerem mentiras, tinham que assumir a responsabilidade de cumprirem o dito (e o escrito). Essa “provação” se dava em momentos decisivos da vida escolar, como nas avaliações que se realizavam aos sábados, nas quais se cumpria o seguinte ritual: Antes de entrarmos na sala para as “sabatinas”, entregávamos ao oficial que ali estivesse um documento que havíamos assinado, contendo os dizeres: “Sob minha palavra de honra declaro que não dei cola nem colei nesta prova”. Sabíamos todos que o não cumprimento da palavra acarretaria o automático desligamento da Escola (BRAGA, 1999, p. 139). Assim, permeando a educação/cultura militar estava (e está) uma tradição amparadora de valores, como patriotismo, coragem, lealdade, honestidade e honra. E tal concepção se perpetua através da simbologia, dos rituais e das comemorações que fomentam essa interligação entre cultura escolar e educação militar. Vale considerar, porém, que a cultura só pode existir a partir da prática de pessoas, em um determinado contexto, sendo importante pensar significados culturais e como eles são (re)construídos dentro das relações sociais em que acontecem as vivências dos sujeitos (THOMPSON, 1998). Nesse sentido, seria interessante refletir sobre como essa cultura escolar é (re)produzida a partir das ações dos discentes, bem como as implicações disso em suas vidas. O que os alunos pensam sobre isso? Talvez um trabalho específico possa, futuramente, explorar essa questão. Não custa citar, entretanto, que segundo conversas que constantemente temos com ex-alunos, a educação militar e todo o seu arcabouço éticocultural (disciplina, organização, camaradagem, honestidade, etc...) tem influenciado positivamente suas vidas pessoais e profissionais e, também, suas atuações como cidadãos. Por outro lado, mais do que alçar o individual, a educação militar busca promover o coletivo, sendo essa coletividade vista como uma família e o Colégio como Casa. Além disso, a própria denominação C.A. (Corpo de Alunos) para se referir aos discentes como um todo, coloca em relevo o grupo (como um corpo único) e não o indivíduo. Nesse processo, também, o Colégio Militar de Fortaleza publica anualmente uma revista que traz nomes e fotografias dos formandos, a retrospectiva do ano letivo e as participações de todos os componentes do Colégio. O nome dessa revista – “Família Garança” – aponta essa idéia do coletivo ligado por laços sentimentais. Outrossim, o Colégio tem – oficialmente – a denominação histórica de “Casa de Eudoro Corrêa”, em homenagem a um antigo diretor (cujo busto fica exposto na entrada principal do Colégio Militar de Fortaleza), o que mais uma vez realça a interligação entre história, memória e a comunidade escolar vista como “família”. Diante disso tudo, a educação militar praticada no Colégio Militar de Fortaleza cria uma infinidade de campos de sociabilidades e elos entre os discentes e desses com o Colégio, que permanecem ao longo de suas vidas. Vejam-se, por exemplo, as dezenas de comunidades na web formadas por alunos e ex-alunos da instituição. Por conseguinte, todos os anos, no 1º de Junho (aniversário do Colégio), centenas de mulheres e homens (de várias gerações) reafirmam a identidade (coletiva) de aluno e ex-alunos, participam do desfile em comemoração ao aniversário da instituição, cantam o hino, bradam “Para frente, custe o que custar” e confraternizam-se em reuniões no interior da “querida escola”. Desfile de ex-alunos (2007) Acervo CMF Ao que parece, portanto, os sentimentos ligados à educação militar e evocados pelos ex-alunos EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 14 não são específicos de quem os recorda e pertencem a um universo de significados nos quais foram criados. Constituem-se, pois, numa espécie de memória coletiva e, nesse contexto, as lembranças reaparecem porque são constantemente recordadas por muitas outras pessoas (HALBWCHS, 1990). Importa destacar, finalmente, que esta memória constantemente mexe com todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e se liga à educação praticada dentro e fora dos muros do Colégio Militar, ainda que muitos não atentem para esse intenso fenômeno social. 5. Considerações finais Jorge Luis Borges (1996), no conto chamado “Funes, o Memorioso”, narra a intrigante história de Ireneo Funes, um rapaz de 19 anos que, após um acidente, passou a lembrar-se, nos mínimos detalhes, de todas as suas memórias “mais antigas e mais triviais”. O que poderia ser uma grande qualidade (e vantagem) tornou-se um drama, pois, ao não conseguir esquecer o passado, Ireneo tornou-se incapaz de pensar (“Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair”) e, por conseguinte, de viver o presente. Eis, portanto, a grande contradição da memória: para que ela exista é necessário haver o esquecimento, no sentido de que é preciso (e inevitável) viver o presente e o devir inerente a cada novo dia. É, pois, a partir dessa dialética entre o lembrar e o esquecer que a memória se perpetua. Pelo que foi colocado ao longo deste artigo, percebe-se que a educação militar é privilegiada no que se refere à existência de instrumentos (símbolos, ritos e comemorações) que fomentam uma carga de sentimentos nos discentes e que lhes provocam mais intensamente essas lembranças do tempo vivido no ambiente escolar. Dessa forma, os encontros de ex-alunos e a fixação de placas comemorativas nas paredes do Colégio não são uma “fórmula” para se eternizar o passado. Ao que parece, o valor maior estaria no diálogo que – através dessas práticas culturais – é estabelecido com esse passado para se entender a pessoa que se é no presente. Enfim, esse “amor imorredouro” pela Escola/Colégio certamente existe, não na tentativa de se constituir uma memória cristalizada, eterna e ininterrupta, mas, sim como um sentimento que motiva antigos discentes a se encontrarem e a organizarem reuniões que se tornam espaços importantes de solidariedade e nos quais se contam antigas e novas histórias e experiências de vida. O que se tentou neste artigo, portanto, foi dialogar com a história e a memória da educação militar no Ceará; não para impedir seu esquecimento, mas para investigarmos um passado que não volta mais, a não ser nas maravilhosas reconstruções que se fazem dele no presente. Fontes e bibliografia ALBUM DE FOTOGRAFIAS. Colégio Militar do Ceará. Fortaleza, 1924. BARTH, F. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P. e STREIFF-FENART, J. Teorias da Etnicidade. São Paulo: UNESP, 1998. BOLETINS INTERNOS DO COLÉGIO MILITAR DO CEARÁ (1919 e1923). BORGES, J. L. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BRAGA, G. L. (Org). Para frente custe o que custar. Fragmentos da história da EPF 1942 contada por seus integrantes. Valença: Editora Valença, 1999. CÂMARA, J. A. S. Um aspecto da tradição militar cearense. Os estabelecimentos militares de Ensino de Fortaleza. Fortaleza: Separata da Revista o Instituto do Ceará, 1959. CAMURÇA, J. B. O aluno itinerante. Livro de memórias de um estudante. Fortaleza: ABC Editora, 2001. CATROGA, F. Nação, mito e rito: religião civil e comemoracionismo (EUA, França e Portugal). Fortaleza: Edições NUDOC/Museu do Ceará, 2005. CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1. artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. HOBSBAWM, E. J. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. MARQUES, J. P.; KLEIN FILHO, L. O casarão do Outeiro: memórias e ilustrações. Fortaleza: ABC Editora, 2007. PLACAS ALUSIVAS. Colégio Militar de Fortaleza. Fortaleza (Datas diversas). REVISTA DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA. Fortaleza, 2006. THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 15 2. MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL: ANÁLISE DE CASO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA Regina Cláudia Oliveira da Silva1 Resumo. O propósito deste trabalho é o de trazer aos leitores uma análise do desenvolvimento da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) de trinta alunos do Ensino Fundamental que fizeram parte da primeira turma do Colégio Militar de Fortaleza (CMF) que concluiu o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), em seus 14 instrumentos que são uma série de tarefas em caneta e papel, que aumentam em dificuldade, são independentes de conteúdo em qualquer área disciplinar e se destinam a ser mais facilmente transferíveis para todas as situações educativas e na vida quotidiana. Toda a apreciação foi feita dentro dos objetivos da teoria do educador Reuven Feuerstein, considerando sua tese de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM), seus conceitos de operações mentais, de funções cognitivas deficientes, bem como de seu conceito de mapa cognitivo. A metodologia utilizada foi uma pesquisa junto aos mediadores, quando se aplicou uma tabela de avaliação de seus mediados que contempla os critérios que estão expostos no modelo de análise da modificabilidade, através dos objetivos gerais e específicos do PEI. Os mediadores responderam uma pesquisa por mediado, atribuindo-lhe uma nota que correspondia a um conceito para cada objetivo específico, o que permitiu a tabulação de dados e as conclusões construídas a partir das informações coletadas. Objetivamos essencialmente fazer uma avaliação da mudança estrutural dos alunos e, a partir das informações obtidas, afirmamos que os resultados foram muito significativos, demonstrando que houve uma efetiva mudança estrutural dos mesmos. Palavras-chave: Mediação. Modificabilidade. Feuerstein. Abstract: The purpose of this paper is to bring to the readers an analysis of the development of Structural Cognitive Modifiability (SCM) of thirty students from a public military junior High School and also from this same High School that prepares the students for a military specific course which it makes them to belong to the army. This public military school also prepares the students for any university course that they may choose for their professional career. This research was taken with these target 30 students from all different ages and all grades. This was the first group to finish the FIE program in 2007. On this way, the teorical embasement that was used for analyzing the collected material from this investigation was the goals of Reuven Feuerstein's theory, considering his thesis on Mediated Learning Experience (MLE), its concepts of mental operations, deficient cognitive functions, as well as its concept of the cognitive map. The methodology used was the data from the survey with the “mediators” that applied a table of assessment to their “mediated learners”, which include the criteria that are exposed in the model of the analysis of modificability, through general and specific goals of FIE program. The mediators answered a survey for each learner, giving him/her a mark that was a concept for each specific goal, which allowed the data tabulation and the possible conclusions from the collected information. So, the aim was essentially to make an evaluation of the structural change on these students. Therefore, we can attest that the results were very meaningful. In fact, they show an effective structural change that has taken place on them. Keywords: Mediation. Modificability. Feuerstein. 1 Graduada em História, especialista em Administração Escolar, Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará, Mediadora do PEI I e II e Professora de História do Colégio Militar de Fortaleza. [email protected]. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 16 1. Por que escolhemos o PEI? Um momento, deixe-me pensar... A experiência de aprendizagem mediada com alunos da primeira turma do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) do Colégio Militar de Fortaleza no segundo semestre de 2006 e no ano de 2007 é o objeto deste artigo. Analisam-se os primeiros resultados concretos com os mediados, a partir da experiência de 14 mediadores que, formados por centros de treinamento do ICELP (International Center for the Enhancement of Learning Potential) como aplicadores do PEI, iniciaram um trabalho de mediação com alunos considerados atingidos por alguma privação cultural, que seria a falta de estímulo mediado e ferramentas cognitivas para poder usufruir plenamente da capacidade de plasticidade mental do ser humano. Após exaustiva discussão em torno das diversas dificuldades cognitivas detectadas em determinados alunos, na busca incessante para que fossem oferecidas condições que pudessem minimizar essas dificuldades, optou-se pelo PEI como meio de ação. Justificou-se a escolha porque o PEI é um recurso psicopedagógico que permite ao professor acompanhar e compreender o processo cognitivo do aluno, através de uma série de exercícios estruturados que perseguem funções cognitivas específicas, seqüenciais, cada vez mais complexas e abstratas à medida que avançam os instrumentos, que forçam a reflexão e proporcionam uma tomada de consciência metacognitiva. Por meio do PEI almejou-se desenvolver a meta-aprendizagem, a consciência de “como se aprende”. Nas palavras de Reuven Feuerstein1, criador do programa, psicólogo e educador romeno, radicado em Israel, fundador e diretor do ICELP, órgão sediado em Jerusalém, Israel, seu trabalho amplia o potencial de aprendizagem de um indivíduo, qualquer que seja a sua idade. Buscamos transformar a inteligência na sua estrutura mais significativa. Com nosso Programa de Enriquecimento Instrumental, ensinamos aos alunos a organizar e a usar a informação. Mais importante do que saber é aprender como usar este saber. (FEUERSTEIN, 1994, p. 6) A aplicação do programa se deu como uma atividade complementar ao processo de ensino formal, em contraturno, em dois encontros semanais, cada um 1 Nascido em Botosan, pequeno povoado da Romênia, em 1921, estudou Psicologia e Pedagogia em Bucareste. Estudou também em Genebra, Suíça (oportunidade em que trabalhou com André Rey e Piaget) e na Universidade de Sorbonne, Paris. Atualmente, dirige o Centro Internacional para o Desenvolvimento do Potencial de Aprendizagem (ICELP/Israel). com três horas de duração, cada, quando foram aplicados os sete instrumentos do PEI-1 (Organização de Pontos, Comparações, Classificações, Orientação Espacial I, Orientação Espacial II, Percepção Analítica e Ilustrações) no segundo semestre de 2006; em seguida, durante todo o ano de 2007 foram aplicados os outros sete instrumentos do PEI-2 (Progressões Numéricas, Instruções, Relações Familiares, Relações Temporais, Relações Transitivas, Silogismos e Desenho de Padrões). Este artigo é tão-somente uma análise dos resultados da turma que iniciou o projeto, segundo o modelo de análise da modificabilidade através dos subobjetivos do PEI2, a partir da aplicação dos sete instrumentos do PEI-1 e da aplicação dos sete instrumentos do PEI-2. Os instrumentos Progressões Numéricas e Instruções do PEI-2 foram inteiramente aplicados e os demais instrumentos foram aplicados em sua versão reduzida, proposta pelo ICELP, com algumas adaptações por parte dos mediadores que planejaram cada instrumento. 2. Fundamentação Teórica A humanidade só existe porque houve um processo de mediação ao longo de sua história (R. F.) De natureza estrutural e interacional, a aprendizagem – possível apenas através de um mediador, como processo histórico, sócio-cultural e coletivo – na teoria de Feuerstein3 está filosoficamente vinculada ao conceito básico de totalidade, quando afirma que uma mudança em um determinado padrão mental afeta toda a estrutura do indivíduo, visto que sua capacidade geral está articulada na estrutura como um todo. Para Feuerstein, segundo Gomes (2002, p. 67), a natureza da modificabilidade cognitiva é a permanência (a duração estável das mudanças alcançadas), a penetrância (potencialmente a mudança deve repercutir em toda a estrutura) e a concentração (contrário da rigidez mental, considerando que o fluxo do sistema cognitivo está sempre aberto a mudanças e é adaptável a novas exigências). A modificabilidade cognitiva só pode ser 2 Criado pelo ICELP e disponível em GOMES, 2002, p. 242-43). Garcia (2004, p. 143) lembra que, por falta de um aporte teórico definitivo sobre a teoria feuersteiana, há que se buscar as bases de Piaget, uma vez que Reuven Feuerstein foi discípulo e companheiro de estudo do mesmo: “Feuerstein não cita em seus trabalhos filósofos que possam constituir-se em fundamentação para a sua obra. Assim, buscamos os filósofos que influenciaram Piaget, uma vez que Feuerstein afirma ter se inspirado nele, a saber: Kant, Husserl, Bergson e o estruturalismo. Buscamos também a tradição judaica, inferindo forte influência da religião, suspeita confirmada, por e-mail, pelo próprio Feuerstein”. 3 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 17 considerada estrutural quando contempla condições fundamentais que efetivem a relação íntima entre a totalidade e as partes, enquanto um permanente e auto-regulador processo de mudança e transformação. Fonseca (2002, p. 17) afirma que “a mediatização4 é a chave do desenvolvimento social e cognitivo da espécie humana” e este é também um princípio fundamental da pedagogia de Feuerstein. A EAM é a transmissão do “algo mais”, não apenas conteúdo. O processo de aprendizagem mediado estabelece um vínculo de aprendizagem entre emissor e receptor: é a transformação no modo de perceber a realidade, a observação mais precisa e detalhada, a atenção dirigida, a intenção de análise, o envolvimento motivacional, a construção de um significado. O foco principal da EAM é o diálogo intencional e interacional entre emissor e receptor, em busca de significados para os conteúdos, reorganizando-os, e da transcendência de ações, promovendo, enfim, a possibilidade de modificabilidade constante do indivíduo. A mediação é o momento em que um ser humano se interpõe entre outro organismo e o mundo, estimulando e acessando sua capacidade de aprender, de reagir e interpretar o ambiente. É a preparação do indivíduo para a aprendizagem. Como salienta Feuerstein é a figura do mediador que intervirá, que induzirá à análise, à dedução e à percepção. Ele transmitirá as motivações e estratégias. Ajudará a interpretar a vida (FEUERSTEIN, 1994, p. 6). O mediador, então, é aquele que intervém, que induz à análise, à dedução e à percepção, que deve promover no mediado uma necessidade de observar, nomear e responder à realidade de forma relacional e não-episódica, para que este transcenda ao momento da mediação e reconheça a sua modificabilidade. Indubitavelmente Feuerstein sofreu influência das considerações de Piaget. Sobre isto, afirma Varela que [...] percebe-se que Feuerstein e Vygotsky desenvolveram suas teorias sob forte influência de Piaget. Contudo, começaram a perceber que certos aspectos da diretriz piagetiana poderiam ser esquecidos. Para Vygotsky, a insatisfação estava no individualismo epistemológico da teoria de Piaget e na negligência da mediação social. Para Feuerstein, havia a questão dos mecanismos concretos da aprendizagem em relação à mediação de outro ser humano (VARELA, 2007, p. 126). 4 O autor prefere usar mediatização que mediação. De um exame do esquema proposto por Piaget para explicar o ato de aprender, o ato decorrente da influência mútua direta do organismoaprendiz (O) com os estímulos (S) que produzem uma resposta (R), no esquema S-O-R, Feuerstein, considerando tal modelo insatisfatório, elaborou seu próprio esquema, acrescentando ao modelo de Piaget a função do mediador humano, identificado como H, perfazendo o esquema: Feuerstein afasta-se de Piaget ao enfatizar a ontogenia sociocultural como principal responsável pelo desenvolvimento cognitivo das pessoas. Para Feuerstein, o desenvolvimento se dá de maneira mais efetiva quando acontecem interações entre a pessoa e os objetos que a cercam e entre a sua resposta e ela mesmo, mediadas intencionalmente por outro ser humano (CRUZ, 2007, p 18). Já Vygotsky (2007) explica seu conceito de desenvolvimento cognitivo a partir de fatores biológicos em que os processos psicológicos se dão em função da maturação orgânica, o que classifica de “processos psicológicos naturais”. Neste momento há uma afinidade com o desenvolvimento cognitivo analisado por Piaget. Explica Vygotsky que o desenvolvimento cognitivo acontece devido a um moroso processo de mediação sociocultural, no qual o mediado vagarosamente opera, em sua mente, os processos psicológicos superiores numa inter-relação sociopsicológica. Através das relações sociopsicológicas se arquitetam as estruturas intrapsíquicas, fazendo, assim, o processo psicológico da internalização desenvolver, na criança, as estruturas lingüísticas e cognitivas. Em linhas gerais, vale lembrar, a base teórico-filosófica de Vygotsky está vinculada ao Materialismo Dialético5 e Histórico6, sendo sócio-histórica e interacionista. Há muitas relações entre o arcabouço teórico de Vygotsky e a teoria de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) de Feuerstein. Pontos semelhantes são facilmente identificados, como a importância de um diagnóstico das funções cognitivas deficientes e sua correção pela mediação na Zona de 5 No seu sentido mais específico, de análise, argumentação, síntese, superação. 6 No sentido da emancipação do ser através de sua modificabilidade estrutural, visto que o homem é socialmente integrado, onde a história vivida é seu campo de mediação, interferências e recorrências críticas. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 18 Desenvolvimento Proximal (ZDP), a metacognição e a autonomia do mediado diante de sua aprendizagem. Sobre mediação, identificamos várias referências em Vygotsky: Por mais de uma década, mesmo os pesquisadores mais sagazes nunca questionaram esse fato; nunca consideraram a noção de que o que a criança consegue fazer com a ajuda dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que o que consegue fazer sozinha. [...] o que chamamos a zona de desenvolvimento proximal. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 2007, p. 96-97). Para Cruz (2007), ao afastar-se de Piaget, Feuerstein aproxima-se de Vygotsky, porque este propõe algo semelhante à dupla ontogenia do ser humano: a interação entre vários planos históricos: filogênese (história da espécie), sociogênese (história do grupo cultural), ontogênese (história do indivíduo pertencente à espécie), e microgênese (história de evento significativo incluída na ontogênese). Assim, a ontogênese seria o resultado da interação entre a filogênse e a sociogênese. (...) A grande diferença entre o ponto de vista de Piaget e a posição adotada por Feuerstein e Vygotsky, de acordo com Kozulin (1998) encontra-se na definição de quem é e ou o que é responsável pelo desenvolvimento das pessoas: o primeiro focaliza a reestruturação interna do pensamento da criança (de dentro pra fora) enquanto que os outros dois enfatizam a influência do modelo sociocultural (de fora pra dentro) (CRUZ, 2007, p 19). Assim, para Vygotsky o homem não é somente um produto do meio em que vive, mas também é um sujeito ativo num movimento que cria esse meio, permanentemente transformando a natureza e a si mesmo, enquanto Feuerstein aceita as diferenças particulares no desenvolvimento cognitivo, o que em si coloca em debate o papel e a importância das interações do indivíduo com o meio, responsáveis pelo desenvolvimento diferencial do funcionamento cognitivo e dos processos mentais superiores. É uma diferença teórica importante entre Vygostsky e Feuerstein o fato de que este assegura que as estruturas cognitivas que se produzem no indivíduo não seriam possíveis a não ser através da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM). A cognição é elemento fundamental para Feuerstein, é o que se persegue através do processo de mediação, enquanto Vygotsky prefere identificar o cognitivo como funções mentais superiores. Qual é então a Experiência da Aprendizagem Mediada (EAM)? No seu nível mais simples, é o caminho pelo que todas as experiências de gerações, de milênios da vida humana, são transmitidas através do mediador ao organismo humano, criando uma infinita riqueza de necessidades, de articulações, ou as modalidades de interação que não estariam disponíveis sem a EAM. O primeiro a enfatizar o papel do Homem mediador no processo de aprendizagem foi Vygotsky, embora houvesse outros, como Durkheim. Vygotsky é o que descreveu uma forte relação entre o tipo de interação social no desenvolvimento da inteligência humana, conceitual e pensamento abstrato. Curiosamente, o nosso desenvolvimento do conceito de EAM ocorreu no início dos anos 1950, antes de nós estarmos cientes do trabalho de Vygotsky, que mais tarde passou a ser uma fonte de estímulo para as nossas formulações teóricas (FEUERSTEIN, 1997, p. 16). A Experiência de Aprendizagem Mediada é, afinal, uma interação na qual o mediador se coloca entre o organismo do indivíduo mediado e os estímulos (os sinais, imagens, objetos, obstáculos, problemas) de maneira a selecioná-los, mudá-los, ampliá-los ou interpretá-los, por meio de estratégias interativas que estabeleçam significados, além do imperativo situacional. Mais que a afetividade e a disciplina, a qualidade do processo mediacional será mais importante para a modificabilidade comportamental. A experiência de aprendizagem mediada pode ser definida como uma qualidade de interação entre a criança e o ambiente que depende da atividade de um adulto intencionado que se interpõe entre a criança e o mundo. [...] As experiências de aprendizagem mediada representam uma condição muito importante para o desenvolvimento de um aspecto único da condição humana que é o da modificabilidade, ou a capacidade de beneficiar-se da exposição aos estímulos de uma maneira mais generalizada do que geralmente acontece (FEUERSTEIN, 1991, p.26). A EAM demanda a presença de três parâmetros essenciais, dentre outros complementares, mas não menos importantes, denominados por Feuerstein como critérios de mediação: Intencionalidade do mediador e Reciprocidade do mediado, por meio da formação de vínculos entre ambos; Significado, quando o mediador incita a construção de significados, por meio de valores, atitudes culturais, laços sociais e outros elementos que desenvolvam no mediado um processo de construção de um sentido de vida, de uma visão de mundo; e Transcendência, quando o momento da mediação se extrapola e o conhecimento adquirido, através da ação mental, projeta generalizações, estendendo-se no EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 19 tempo e no espaço. Graficamente, apresenta-se a operacionalização dos principais critérios de mediação de Reuven Feuerstein. Ilustração 1: Mediação de Intencionalidade e Reciprocidade Ilustração 2: Mediação de Significado um conjunto de ferramentas didático-analíticas, inserido em cada uma das partes da estrutura de mediação (o aluno, o estímulo e o mediador), com o propósito de acrescer vigorosamente o processo de aprendizagem. Engloba 337 páginas, divididas em 14 instrumentos de trabalho, distribuídos em níveis I e II. Os objetivos dos 14 instrumentos são plenamente desenvolvidos por Feuerstein. As atividades escolares que o PEI pressupõe impulsionam o desenvolvimento no estudante das funções psicológicas superiores dependentes das ferramentas psicológicas. A organização sistemática dos materiais do PEI corresponde a organização sistemática das funções psicológicas superiores. Os princípios da aprendizagem mediada proporcionados pelo ensino do PEI correspondem ao complemento necessário ao aspecto instrumental-simbólico deste programa. A instrução baseada nas EAM torna-se o veículo que desenvolve as habilidades simbólicas e dá forma às atividades que garantem a aquisição e interiorizam tais habilidades. A propósito disto as atividades que pressupõem o PEI só podem comparar com o paradigma da atividade e aprendizagem desenvolvida pela escola de Vygotsky (KOZULIN apud GARCIA, 2004, p. 108). Regulação e controle do comportamento, sentimentos de competência, diferenciações psicológicas e individualização, comportamento partilhado, persecução de objetivos, planejamento de objetivos e o comportamento para que se possa atingir objetivos, competência /novidade/complexidade, automudança, escolha otimista de alternativas e sentimentos de pertencer a algo. Todos esses parâmetros oferecem oportunidade ao mediador de fazer escolhas planejadas e sistemáticas para explorar o potencial de mediação em situações para encorajar o funcionamento cognitivo e estimular a modificabilidade (FEUERSTEIN, 2000, palestra). Para Feuerstein, o objetivo basilar do PEI é aumentar a modificabilidade cognitiva estrutural do indivíduo que sofra da “síndrome da privação cultural”, esta entendida como a ausência de um tipo específico de transmissão cultural, da própria cultura do indivíduo pela falta ou insuficiência de interações sociais significativas em seu ambiente cultural, decorrente da falta de mediação. Absolutamente sem qualquer pretensão hierarquizante, é imprescindível ressaltar que privação cultural não é o mesmo que diferença cultural: a diferença ocorre quando o indivíduo é exposto a uma cultura distinta da sua e a privação quando se dá a ausência da experiência da aprendizagem mediada dentro da sua própria cultura. Dessa forma, a privação cultural é marcada exatamente por um vazio existente entre o mediador e o mediado, paralisando a modificabilidade cognitiva, o que nega que os fatores distais (biogenéticos) sejam irreversíveis e determinantes na carência de aprendizagem. Cabe ressaltar que não é a cultura que é privada ou deficiente, mas o indivíduo que, inadequadamente mediado, priva-se de sua própria cultura. Nas palavras de Feuerstein: O PEI é um programa pedagógico que promove processos cognitivos atitudinais com respeito ao conhecimento e à resolução de situaçõesproblemas. Teoricamente é um método de intercessão pluridimensional que engloba um vasto repertório de instrumentos práticos, com tarefas em papel e lápis. É [...] Nossa utilização do termo “privação cultural” não responsabiliza a cultura do grupo ao qual o indivíduo pertence. Não é a cultura que é fator de negação. O que é prejudicial é o fato de indivíduos - ou grupos – serem privados de sua própria cultura. Neste contexto, “cultura” não é um inventário estático de condutas, mas o processo pelo qual os Ilustração 3: Mediação de Transcendência EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 20 conhecimentos, os valores e as crenças são transmitidos de uma geração a outra. Neste sentido, a privação cultural é o resultado do fato de um grupo não transmitir ou mediar sua cultura às novas gerações (FEUERSTEIN, 1980, p. 13 apud DA ROS, 2007, p. 44). Para Sasson (2000) e Gomes (2002), os objetivos específicos do PEI devem ser perseguidos do ponto de vista do mediado, para aprimorar sua modificabilidade estrutural, sua adaptabilidade e melhorar seu funcionamento cognitivo deficiente, com o objetivo de formar uma auto-imagem positiva de gerador de informações ativo e capaz. São eles: correção das funções cognitivas deficientes, aquisição de vocabulário, códigos, conceitos, operações e relações relevantes para as tarefas do PEI, bem como para a resolução geral de problemas, estabelecimento de uma motivação intrínseca através da formação de hábitos, criação do insight e do pensamento reflexivo, criação de motivação intrínseca em relação à tarefa e mudança do papel de receptor passivo e reprodutor de dados ao de gerador ativo de novas informações. Feuerstein, defende Da Ros (1999), percebe o processo cognitivo como um produto histórico que exige interações específicas com relação às diferentes maneiras de apropriação do conhecimento, visto que a mediação varia em forma e conteúdo de acordo com os parâmetros das relações estabelecidas entre os homens em um determinado contexto cultural. Desta forma, só é possível compreender a atividade cognitiva no âmago da conjuntura de relações onde é produzida e do qual ela é expressão. Processo estruturado como um todo, complexo de relações, cada função cognitiva em si já é um processo abstruso, não redutível, que se liga a outras funções também complexas e não redutíveis. É um elemento estrutural, produto da relação dialética entre o biológico e o cultural. Gomes (2002) defende como propriedades das funções cognitivas a capacidade (eu posso), nível interno que recebe a influência de fatores genéticos, endógenos e externos e que se desenvolve a depender do processo de mediação (quanto menor a capacidade, mais intensa deve ser a mediação); a necessidade (eu quero, eu preciso), a propensão energética que tem o indivíduo para mobilizar determinada função, dependendo de sua necessidade social e a orientação (eu sei como), processo regulado por estratégias funcionais que coloca a capacidade em movimento através de um direcionamento também funcional, ou seja, é o modus operandi, a programação de execução. A relação da função em cadeia de funções, o movimento de cada função em relação à outra é a promoção do ato mental em si, fruto desse movimento que é a operação mental7 resultante da combinação de uma série de funções cognitivas. A não operacionalização do pensamento pela criança corresponderia ao que Feuerstein designa por funções cognitivas deficientes. Funções cognitivas deficientes resultam de uma carência ou insuficiência de experiências de aprendizagem mediada e são responsáveis pela manifestação prejudicada, ou “deficiente” do sujeito, são os pré-requisitos do pensamento que fracassaram em manifestar-se ou que estão deficientes devido a falta ou insuficiência da mediação. As funções cognitivas deficientes podem estar presentes em uma das fases do ato mental, ou seja, na fase de entrada ou apropriação (input), elaboração ou saída (output)8. Para realizar o levantamento das funções cognitivas que não estão atuando adequadamente (funções cognitivas deficientes), pode ser utilizado o Mapa Cognitivo9, com a ajuda do qual é possível identificar as limitações no campo atitudinal e motivacional do sujeito, já que refletem muito mais uma falta de hábitos de trabalho e aprendizagem do que incapacidades ou déficits estruturais e de elaboração. 7 Feuerstein as categoriza como: identificação, comparação, análise e síntese, classificação, codificação e decodificação, relações virtuais diferenciação, representação mental, transformação mental, raciocínio divergente, raciocínio hipotético-inferencial, raciocínio transitivo, raciocínio analógico, raciocínio lógico-formal e raciocínio silogístico. 8 Input: percepção superficial e confusa; comportamento impulsivo e assistemático; vocabulário limitado; deficiência na orientação espaço-temporal; percepção deficiente da constância e permanência dos objetos; falta de sistema referencial; prejuízo na capacidade de precisão e exatidão para recorrer a dados; dificuldade de tratar com duas ou mais fontes de informação. Elaboração: dificuldade para perceber e definir o problema; na distinção de dados relevantes; má conduta comparativa espontânea; estreitamento do campo mental; percepção episódica da realidade; falta de raciocínio lógico; dificuldade em interiorizar seu comportamento; deficiência de pensamento hipotético-inferencial; sem estratégias para verificar hipóteses; dificuldade em planejar sua conduta; e em elaborar categorias cognitivas; ausência de conduta somativa e dificuldade para estabelecer relações virtuais. Output: percepção e/ou comunicação egocêntrica; deficiência de relações virtuais; bloqueio na comunicação das respostas; respostas por ensaio e erro; carência de instrumentos verbais adequados; imprecisão e inexatidão ao comunicar respostas; transporte visual inadequado e conduta impulsiva. 9 Modelo de análise do ato mental, tem a função de propiciar ao mediador um melhor planejamento de suas aulas. Os parâmetros são: conteúdo, modalidade de linguagem, operações cognitivas, funções cognitivas, nível de complexidade, nível de abstração e nível de eficiência. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 21 3. Análise do processo e resultados modificabilidade A prática que ajuíza o discurso... (P.F) da Iniciou-se a aplicação do PEI no CMF a partir do mês de agosto de 2006 e concluiu-se em dezembro de 2007. Todos os sete instrumentos do PEI-1 foram aplicados ainda em 2006. A partir dos resultados das notas dos alunos no primeiro semestre e da avaliação diagnóstica do início do ano de 2006, os coordenadores de série indicaram alunos do ensino fundamental que julgaram sofrer de alguma privação cultural. Então, com o aval dos coordenadores de séries junto aos professores, da orientação educacional e da equipe do PEI, houve a convocação dos pais e responsáveis por esses alunos para uma reunião e apresentou-se, em linhas gerais, o programa, com o intuito de sensibilizá-los. Houve grande aceitação por parte dos pais e responsáveis e então o programa foi iniciado com 109 alunos do Ensino Fundamental, distribuídos por série entre oito duplas de aplicadores (posteriormente as duplas reduziram-se a sete). Durante o período de aplicação, por motivos diversos, cerca de 40% dos alunos desistiram ainda no processo de aplicação do PEI-1 e outros 20% na transição para o PEI-2. No início do ano de 2007 houve nova reunião com pais e responsáveis, onde foram aplicados exercícios baseados no PEI, precisamente ligados ao instrumento Organização de Pontos, visando promover a sensibilização para que o PEI-2 fosse iniciado e concluído pelos seus filhos e para que uma nova turma de PEI-1 fosse formada. Houve também alguns depoimentos de pais de alunos e de mediados que já haviam concluído o PEI-1, de modo a incentivar tanto a continuidade do processo para os ditos “veteranos”, como para mostrar a sua experiência aos postulantes a uma vaga no PEI. Finalmente, da primeira turma, contabilizando os que desistiram durante o ano de 2007, apenas 34 alunos concluíram o PEI-2. Destes, apenas os resultados de 30 alunos puderam ser avaliados, pois foi impossível, por motivo de força maior, analisar os dados de uma das mediadoras, responsável por quatro mediados. Os resultados que aqui se apresentam são frutos de uma pesquisa feita junto aos mediadores a respeito das conclusões de suas observações sobre os mediados ao longo da etapa do procedimento de aplicação do PEI-1 e da etapa de aplicação do PEI-2. Os critérios que utilizamos estão no modelo de análise da modificabilidade através dos subobjetivos do PEI, como já citamos. Nosso objetivo maior consistiu em identificar, através da observação desses mediadores, a Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) dos mediados após a vivência de mediação do programa em sua totalidade. Cada mediador respondeu uma ficha para cada mediado sob sua responsabilidade, onde estavam relacionados os itens de modificabilidade através dos subobjetivos do PEI, assinalando em cada item os numerais 1, 2, 3 ou 4, a partir dos seguintes parâmetros: 1 para eficiente - E (de 81% a 100% de aproveitamento), 2 para média eficiência - ME (de 51% a 80% de aproveitamento), 3 para baixa eficiência – BE (de 21% a 50% de aproveitamento) e 4 para ineficiente (de 0 a 20% de aproveitamento). Após a análise de cada ficha, obtivemos o resultado apresentado na tabela 1 – Análise da Modificabilidade – em anexo. A partir dos dados apresentados, podemos afirmar que houve importante modificabilidade nos mediados, considerando principalmente aqueles identificados como eficientes e de média eficiência. É evidente que não houve homogeneidade nos resultados, uma vez que mediados que obtiveram conceito eficiente na maioria dos subobjetivos, também obtiveram conceitos de baixa eficiência e até ineficientes em outros. O mesmo ocorreu ao contrário. Mas o que importante destacar é o volume de bons resultados no conjunto dos subobjetivos. Na análise do objetivo I – Testemunho da correção de funções cognitivas deficientes –, vê-se que predominaram os conceitos 1 e 2 em quase todos os subobjetivos, com exceção do primeiro subobjetivo em que houve um empate no somatório dos conceitos 1 e 2 com o conceito 3, mas que também não apresentou nenhum conceito 4 (ineficiente). Pode-se observar que 69% dos mediados mudaram sua postura positivamente, atingindo a eficiência ou a média eficiência, apresentando uma significativa modificabilidade, tais como a espontaneidade na definição de problemas e na correção de erros, atenuando gradativamente o uso da borracha, o que já indica a redução da impulsividade e também favorece a minimização de condutas agressivas ou passivas. Observa-se a busca pela precisão das respostas e a relevância dos dados analisados, a sistematização natural de idéias e conceitos, o que favoreceu um aumento da auto-estima que refletiu no avanço da disposição para “defender” as respostas, com base no raciocínio lógico. Vale ressaltar que todo esse processo está marcado pelo que se mais busca no decorrer da mediação, ou seja, a autonomia, o uso espontâneo de conceitos, item este que não teve nenhum ineficiente. Percentualmente, nos nove subobjetivos do objetivo I, temos: EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 22 Ilustração 4: I - Testemunho da correção de funções cognitivas deficientes Ilustração 6: III – Desenvolvimento da motivação intrínseca O objetivo II – Vocabulários-conceitos para resolver problemas – resultou num conjunto bastante positivo de respostas à mediação, com 75% dos mediados atingindo os conceitos 1 e 2, por meio da exposição espontânea de conceitos e principalmente no desenvolvimento de estratégias na solução das tarefas e princípios aprendidos, além da criação espontânea de outras formas de informações conceituais, o que demonstra um considerável desempenho quando o mediado é exposto a complexas situações-problemas, bem como afere sua boa capacidade de aplicar no cotidiano os princípios construídos a partir da mediação. O objetivo IV - Aumento da motivação intrínseca própria da tarefa – complementa o anterior na medida em que se volta inteiramente à tarefa que a página propõe, provocando um aumento da curiosidade, da concentração e do tempo dedicado, buscando sair das situações mais simples para as mais complexas, diminuindo a ansiedade e o medo do fracasso. Inicialmente a ansiedade e o medo do fracasso eram problemas que rondavam a maioria dos encontros do PEI. Em nossas reuniões semanais, alguns mediadores relataram casos de alunos que não se envolviam, sob pena do medo de errar e de parecer tolo diante dos colegas. Com o tempo essa postura mudou, à medida que os instrumentos avançavam, havia mais troca de experiências, mais transcendência e a complexidade das tarefas ficava mais evidente. Quando se estabilizou no PEI-1 o número de alunos, houve reflexos na redução do número de ausências e na maior necessidade de compartilhar com os colegas e com os mediadores. Nesse objetivo 64% dos mediados ficaram com os conceitos 1 e 2. Ilustração 5 - II – Vocabulários-conceitos para resolver problemas O objetivo III – Desenvolvimento da motivação intrínseca – formado por um dos mais difíceis conjuntos de subobjetivos, pois é onde se procura fazer o árduo esforço de controle da impulsividade. Um dos mais intricados subobjetivos a ser atingido, esse controle só é possível através da criação da necessidade, para o mediado, por meio da mediação, da leitura espontânea de instruções antes de começar a resolução da página de exercícios, da diminuição do tempo de inquietude ao começar a lição ou empreender o trabalho, provocando um aumento do nível de responsabilidade e de independência na realização das tarefas, sempre na busca pela precisão das respostas. Apesar das dificuldades inerentes aos subobjetivos, o resultado também foi bastante satisfatório, visto que 73% dos mediados atingiram conceitos 1 e 2. Ilustração 7: IV - Aumento da motivação intrínseca própria da tarefa Um maior aprimoramento no processo reflexivo do mediado é observado no objetivo V Testemunho do aumento de raciocínio reflexivo e desenvolvimento do insight -, quando surge maior número de respostas divergentes, uma maior reflexão antes de dar respostas, um aumento da sensibilidade em relação às relações interpessoais por meio da disposição para escutar os colegas e considerar outros pontos de vista. Aqui brotam os grandes indícios de insight, com mais exemplos espontâneos de transcendência e uma elevação da necessidade de averiguar um maior número de alternativas antes de EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 23 tomar uma decisão. Neste objetivo 73% dos mediados atingiram conceitos 1 e 2, o que é altamente positivo, dadas as dificuldades de plena realização deste conjunto de subobjetivos, por encerrar diversos elementos. O reconhecimento do sucesso do PEI no CMF, por parte dos mediados, dos pais e responsáveis e dos mediadores, pode ser comprovada nos seguintes depoimentos, disponíveis no jornal Galo Campina do CMF de agosto de 2007: O PEI utiliza instrumentos que ajudam a ampliar nossa capacidade mental, alem de ajudarem nas notas, que melhoram muito, e também na relação com a vida, que é o que considero mais importante nesse Programa. (Anderson Caetano, mediado) Ilustração 8: V - Testemunho do aumento de raciocínio reflexivo e desenvolvimento do insight O aumento da autonomia cognitiva – objetivo VI – é um dos objetivos que mais se persegue no PEI, pois uma vez atingido é sinal do amadurecimento do mediado e de uma maior autonomia cognitiva. Observa-se que o mediado atinge essa autonomia por meio da redução do número de pedidos de explicações e ajuda antes de iniciar a tarefa, pela maior disposição para compartilhar das discussões, pela elevação da segurança e da confiança em si mesmo, o que deriva em uma maior auto-estima, minimizando a necessidade de autoridade externa para tomar decisões e eleva a disposição para fazer perguntas bem elaboradas, ter insights e transcender com mais naturalidade. 67% dos mediados atingiram os conceitos 1 e 2, mas vale ressaltar que neste objetivo atingiu-se o maior percentual para conceito ineficiente, ou seja, 8% dos mediados ficaram com conceito 4. Ilustração 9: VI - Aumento da autonomia cognitiva Na reflexão analítica dos dados apresentados, pode-se considerar que os moderadores pesquisados observaram em seus mediados uma efetiva modificabilidade, atingindo positivamente todos os objetivos gerais do PEI, com nível conceitual sempre acima de 60% e, mesmo nos maiores índices de baixa eficiência e ineficiência, não se passou de 31% no objetivo IV – Aumento da motivação intrínseca própria da tarefa para baixa eficiência e o maior índice para ineficiente foi de 8% no objetivo VI – aumento da autonomia cognitiva. Como mãe, tenho acompanhado o desenvolvimento da Maria Alice. Sinto que sua auto-estima melhorou bastante, suas notas, seu interesse pelas atividades, sua capacidade de raciocínio e seu modo de agir diante de alguns desafios. (Maria do Carmo Noronha Brasil, mãe de aluna) O PEI, além de despertar nos alunos o senso de planejamento, organização, correlação, análise e síntese de idéias e informações, tem promovido o resgate da auto-estima e tornado-os sujeitos mais críticos e conscientes de seu papel na sociedade. (Ten. Scaramello, mediadora) No início do ano de 2008, vinte novos mediadores iniciaram sua formação, a segunda turma de mediados (2007-2008) já conclui seu processo no PEI no final do ano, enquanto novas turmas se formam e os mediadores experimentam uma formação continuada. Referências Bibliográficas BEN HUR, M. Pei e Aprendizagem: Pontes e Transcendências. Palestra proferida no I Fórum Internacional do PEI. Salvador: Novembro de 2000. CRUZ, S. B. 2007. A teoria da modificabilidade cognitiva estrutural de Feuerstein. Aplicação do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) em estudantes da 3ª série de escolas do ensino médio. Tese de Doutorado em Educação. São Paulo, USP. DA ROS, S. Z. 1999. 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Concebendo que a Literatura possibilita um diálogo permanente entre o passado e o presente, o processo de ensino-aprendizagem da disciplina teve como objetivo principal estimular o aluno a perceber por meio da leitura ativa que o texto literário não é um objeto fixo no tempo e no espaço, mas um produto, resultante de uma atividade – a linguagem. Dessa maneira, o estudo literário desenvolvido com os alunos partiu da concepção de que há relação dialógica entre os textos e que a Literatura (recepção e produção) é pautada na leitura, ou seja, na presentificação valorativa do passado. Na busca em perceber as diversas vozes que perpassam os textos, o método de estudo escolhido foi a leitura comparativa entre os textos literários e as mais diversas formas de expressão. Dentre elas, destacam-se as artes plásticas; a música; a projeção de filmes, de clipes e charges; a fotografia, os textos publicitários e jornalísticos. A receptividade dos alunos em relação às atividades, demonstrada tanto no decorrer das aulas, como em uma ficha avaliativa, foi o elemento principal para a validação desse processo de ensino-aprendizagem. Palavras- chaves: Literatura, Diálogo, Leitor ativo. ABSTRACT: This article is an experience report that describes some Literature classes, in Fortaleza’s Military School, to the students of the Preparatory Course for ESPCEX, in the year 2008. Realizing that Literature enables a permanent dialogue between the past and present, the teaching-learning process of this discipline aimed at stimulating the student to realize through active reading that a literary text isn’t a fixed object in time and space, but a product resulting from an activity: the language. In this way, the literary study developed with these students had the concept that there is a dialogical relation between the texts and that Literature (reception and production) is based on reading, in other words, the “presentification” valued of the past. Seeking to understand the many voices that permeate the texts, the method of study chosen was the comparative reading between the literary texts and other forms of expression. Among then, visual arts; music; projection of movies and clips; picture; advertising and journalistic texts, stand out. The student’s acceptance, in relation to the activities, not only during the classes but also an assessing card, was the main element for the evaluation of the teaching and learning process. Key-words: Literature, Dialogue, Active reader. 1 Mestre em Teoria Literária. Universidade Brasília (UNB), Fortaleza, Brasil. aneteneves@hotmail. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela UNEB- Brasília. Professora de Português e Literatura no Colégio Militar de Fortaleza. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 27 1. Introdução A Literatura, sendo a expressão, ao mesmo tempo, do passado e do presente, não deve reduzir o seu estudo apenas a uma análise historiográfica, já que cada texto literário traz as marcas de um passado que ainda permanece. Concepção essa, que, segundo Leyla Perrone Moisés é uma característica de modernidade assumida pela historiografia no século XX. Nessa perspectiva, os textos literários são compreendidos como mecanismo de linguagem que permitem ouvir a voz do outro, ser histórico e ideológico que mantém uma atividade dialógica com as mais diversas formas de expressão. O estudo da literatura, partindo do pensamento de que há um diálogo permanente entre o passado e o presente, possibilita ao aluno, enquanto leitor, analisar, não só como cada escritor materializa o seu momento histórico, mas como as marcas desse passado se presentificam. Leila Perrone–Moisés (1998, p.26) observa que: As obras são objetos programados para se presentificarem indefinidamente na leitura. A história literária está portanto fadada, mais do qualquer outra outra, assumir-se como releitura do passado e requalificação do passado à luz dos valores do presente. Assim, o texto literário não é visto como um objeto fixo no tempo e no espaço, porquanto propicia a interação com outros textos, em uma relação dialógica, que não se restringe apenas a linguagem verbal ou falada, mas a toda e qualquer forma de expressão criada pelo homem. O aluno deve, portanto, estar atento às múltiplas vozes que perpassam cada texto, para poder escolher e apontar valores. A apreensão textual, dessa maneira, não se limita apenas à análise dos aspectos formais, conseqüentemente, a leitura textual é ancorada principalmente na intenção de dar sentido e de estabelecer o diálogo com todas as formas de expressão. O ensino de Literatura, parte, pois, da concepção de Bakhtin (2000, p. 297), de que o estudo de um texto literário é pautado na atitude responsiva ativa do leitor, em que seu posicionamento diante do discurso, quer concordando ou discordando (total ou parcialmente), do que seja exposto. A recepção e a possível compreensão textual passa pela apreensão do texto como uma estrutura dialógica, da qual o aluno, enquanto leitor, é um dos locutores. A obra, assim, é concebida como uma réplica do diálogo, que visa à resposta do outro (dos outros), a uma compreensão responsiva ativa. Para isso, ainda conforme Bakhtin (2000, p. 298), a obra assume diversas formas e busca exercer uma influência didática no leitor, convencê-lo, suscitar sua apreciação crítica, influir sobre êmulos e continuadores. Assim sendo, o aluno, enquanto leitor, assume um posição ativa diante da obra. A produção de significados acontece por meio do diálogo entre o autor/leitor, entre aluno/aluno e entre aluno/professor, de modo crítico e ao mesmo tempo transformador. Essa concepção do leitor ativo permite colocar o aluno no centro do processo ensinoaprendizagem, o que vai ao encontro da proposta pedagógica do Sistema Colégio Militar, o qual tem a participação ativa do aluno na construção do conhecimento como uma das suas diretrizes. No intuito de atender, não só a essa diretriz, mas também as que preconizam a observância dos princípios de interdisciplinaridade e da contextualização, nos quais os conteúdos estão relacionados aos diversos contextos da vida do aluno, é que procurei desenvolver o processo de ensinoaprendizagem de Literatura, observando a concepção dialógica de Bakhtin (2000, p. 298), assim caracterizada: A obra é um elo na cadeia da comunicação verbal; do mesmo modo que a réplica do diálogo, ela se relaciona com as outras obras-enunciados: com aquelas que respondem e com aquelas que lhe respondem, e, ao mesmo tempo, nisso semelhante à réplica do diálogo, a obra está separada das outras pela alternância dos sujeitos falantes. Para isso, o estudo das épocas literárias, nas turmas preparatórias para ESPCEX, na Seção de Cursos do Colégio Militar de Fortaleza, em 2008, partiu do estudo comparativo entre os textos literários e as mais diversas formas de expressão. Textos jornalísticos, midiáticos, religiosos, músicas, propagandas, filmes e clipes foram algumas das expressões selecionadas para o desenvolvimento dessa proposta. 2. Desenvolvimento Segundo Leila Perrone-Moisés (1998, p.59), a leitura, na história literária, é constitutiva do fato, já que os fatos literários (obras) só encontram sua realização plena na leitura; eles são programados para (re) acontecer na leitura, criando sentidos que renascem e variam a cada época. Por considerar relevantes escolas e movimentos que reúnem um número de fenômenos estéticos semelhantes (temáticos e estilísticos), o processo de ensino-aprendizagem de Literatura, então desenvolvido, pautou-se no estudo da história desses movimentos, buscando privilegiar a leitura crítica e transformadora dos textos literários, ou seja, a leitura ativa. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 28 Descrever todo o processo, nesse breve relato, é uma tarefa quase impossível, motivo que me levou a ilustrar apenas alguns momentos. Assim, apresento um relato bem sucinto desse trabalho de leitura ativa nos seguintes movimentos literários: Barroco, Arcadismo e Romantismo (poesia). 2.1 Barroco De acordo com Dante Tringali (1994, p. 72), a visão de mundo do homem do barroco é marcada pela religiosidade que não se caracteriza por um sentimento vago, pois é vinculada a uma religião positiva: o catolicismo. Sendo a religiosidade, por conseguinte, uma característica marcante do movimento, a primeira leitura proposta aos alunos foi um texto não-verbal: uma alegoria das vaidades da vida humana, quadro de Harmen Steenwyck. Observa-se que os objetos, nessa pintura, foram cuidadosamente escolhidos para falar da vaidade. O título pode ser remetido a uma citação do livro Eclesiastes 1, 2 “vaidade de vaidades, tudo é vaidade.” A leitura atenta de cada elemento que compõe o quadro, inclusive o título, foi estimulada para que o aluno tivesse a percepção da dimensão religiosa e histórica do movimento Barroco. Na leitura da teoria de Dante Tringali (1994, p. 72), os alunos apreenderam que a religiosidade do homem barroco era justificada por uma busca de contato com o infinito. Esse infinito era identificado com um Deus glorioso; criador e redentor; justo e compassivo, que era representado na Terra pelo poder eclesiástico e civil. A morte, portanto, era vista como a transição entre o tempo (este mundo) e a eternidade (o outro mundo), o que gerava a grande tensão do homem barroco. Desse modo, a leitura comparativa entre os textos sacros e líricos de Gregório de Matos e a pintura: uma alegoria das vaidades da vida humana (óleo sobre tela, 1640), de Harmen Steenwyck, foi motivada pela busca em visualizar a maneira como o homem barroco vivenciava a religiosidade, a morte, o amor, a vida, o prazer, entre outros temas. Segundo Octávio Paz (1956, p. 130), as imagens produzidas pela linguagem poética, apesar de ter sentido em diversos níveis, apresentam, em primeiro lugar autenticidade, porque exprimem a visão e experiência de mundo do poeta. Inferir que a poesia de Gregório de Matos apresenta realidades que estão imbricadas na própria existência do poeta é, dessa forma, pertinente, visto que o poeta é ser vidente, objeto visível e ser de linguagem. Nessa perspectiva, não só os poemas líricos, mas também os satíricos, Triste Bahia, A cidade da Bahia e A despedida de um mau governo, foram ofertados ao olhar do aluno como as imagens da visão e experiência de mundo de Gregório de Matos. A recepção textual, conforme Jauss (2001, p.50), acontece em via dupla, já que o interno literário, implicado pela obra e pela mundivivência do leitor são elementos condicionantes para a concretização de sentido. Diante disso, a exposição verbal do que o aluno/leitor apreendeu em cada texto foi o fator importante para se estabelecer os sentidos e, com eles, os elos entre os textos do passado e os do presente. Assim sendo, a leitura e análise de textos literários não se limitou apenas à observação dos aspectos historiográficos, mas procurou despertar no aluno o desejo de explorar as possíveis relações dialógicas que os textos literários estabelecem com outras formas de manifestações e com a própria vivência. No intuito de mostrar aos alunos como um texto do século XVII podia dialogar com outras formas de expressão, foi apresentado aos alunos um videoclipe do poema Triste Bahia, baixado no Youtube. A releitura, realizada por Moisés Amado e Simone Marino, mostrou que alguns dos problemas do sec XVII, expressos nos poemas de Gregório de Matos, ainda fazem parte da sociedade baiana do século XXI. Nas imagens fílmicas da Bahia de hoje, é possível visualizar os signos da pobreza, da decadência e de muitos outros problemas sociais e políticos. A observação dessas possibilidades de diálogo entre os textos literários e outras expressões artísticas ainda foi reforçada com audição da releitura musical que Caetano Veloso fez do mesmo poema Triste Bahia. Nota-se que Caetano Veloso, na música, promove o diálogo entre o passado e o presente por meio de alguns elementos formadores da cultura brasileira, já que é possível ouvir não só a voz de Gregório de Matos, mas também a da capoeira e a do candomblé. A criticidade presente na poesia satírica de Gregório de Matos foi julgada pelos alunos como uma demonstração de que, de algum modo, o poeta estava antenado aos acontecimentos sociais e políticos de sua época. Cada aluno, então, pôde expressar os sentidos que apreendia nos textos, além de observar como os textos interagiam entre si e também com o momento presente. As críticas ferinas de Gregório de Matos foram comparadas às charges e programas humorísticos hoje existentes na televisão brasileira. Na projeção da sátira Análise gramatical da entrevista dos Nardoni, feita pela dupla “Papo Furado” no Youtube, o aluno pode ter uma noção da virulência satírica de Gregório de Matos. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 29 Se em Gregório de Matos, os alunos puderam ver uma sátira irreverente aos tipos e situações sociais da cidade da Bahia; nos textos sermonísticos de Padre Antônio, o aluno teve acesso a temas como a desigualdade social, a ganância humana, a miséria e a corrupção. Segundo Alfredo Bosi (1967, p. 49), no fulcro da personalidade do Padre Antônio Vieira estava o desejo de ação, por esse motivo, em seus sermões, apareciam muitas indagações a respeito do comportamento humano. A leitura do Sermão Santo Antônio aos peixes deu margem à discussão sobre as questões políticas e sociais vivenciadas pelo Brasil na época do Barroco em paralelo com dias atuais. O desrespeito ao ser humano, a ganância, a corrupção e a violência configuraram-se como situações ainda presentes na nossa sociedade. A intenção de mostrar aos alunos que muitos autores de nossa época também utilizam a arte literária para exprimir as suas inquietudes em relação aos acontecimentos políticos e sociais foi o que determinou a escolha do texto Silogismo, de Luís Fernando Veríssimo, para a realização de um estudo comparativo com o texto Sermão de Santo Antônio aos peixes. O fato de Padre Vieira manifestar, por trás da temática da escravidão indígena, praticada pelos colonos europeus, muitos outros questionamentos em torno dos acontecimentos no Brasil caracterizou-se como o principal elo de interação entre o Sermão de Santo Antônio aos peixes e o texto Silogismo. Na abordagem da questão do aumento do salário mínimo no Brasil, Luís Fernando Veríssimo dá uma dimensão mais ampla ao texto, já que não fala só dos problemas econômicos que envolvem esse aumento, mas principalmente das questões morais que norteiam a política brasileira. A percepção do caráter dialógico entre esses textos desencadeou toda a discussão em tornos dos múltiplos sentidos que o texto literário pode apresentar. E foi essa capacidade dialógica que norteou o estudo do Arcadismo e do Romantismo. discussão em torno das diferenças de concepção que o homem tem do mundo e de como essas diferenças podem aparecer expressas nos textos. A concepção racional e cientificista que os alunos depreenderam do texto de Stephen Kanitz, da pintura de Joseph Wright e de alguns textos árcades, em detrimento da concepção emocional e religiosa presente na pintura: uma alegoria das vaidades da vida humana e a maioria dos textos barrocos, a partir da leitura atenta, levou-os a perceber os diferentes olhares em torno do mundo e a debater sobre a validade de cada um. A abordagem do “Carpe Diem”, presente no texto A vida após a morte intensificou o debate sobre a maneira como cada indivíduo concebe a vida e a morte, a religião e a ciência, a tradição e a modernidade. A visualização do diálogo entre os textos do Arcadismo com algumas músicas e textos da atualidade caracterizou-se principalmente pela presença do tema “Carpe Diem”, que aliado ao ideal de simplicidade e à valorização da Natureza, também promoveu a interação entre o passado e o presente. A leitura de alguns textos literários de autores árcades Brasileiros – Antônio Tomás Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Silva Alvarenga – em paralelo com o texto Um sonho de simplicidade, de Rubem Braga, as músicas Casa no Campo, de Zé Rodrix e Tavito; Além do Horizonte, de Roberto Carlos, Casinha de Sapê de Kid Abelha e o videoclipe do poema Filtro Solar, de Pedro Bial, baixado no Youtube, possibilitou ao aluno visualizar que muitas das concepções do homem da época do Barroco e do Arcadismo ainda fazem parte do nosso cotidiano. Essa visualização do passado conectado ao presente provocou inúmeras análises e discussões. Através desse debate, o aluno pôde perceber qual era o seu papel na interação com o texto, já que este carrega em si ideologias, que somente a partir da visão de mundo de quem o lê é possível concordar ou contestar os valores ali presentes. O estudo do Romantismo na poesia seguiu, portanto, essa mesma linha de abordagem. 2.2 Arcadismo A seleção do texto A vida após a Morte, de Stephen Kanitz, publicado na Revista Veja, de 21/04/2008 para a introdução do estudo ao Arcadismo não foi mero acaso, mas motivada pela gama de possibilidades interacionais que esse artigo, a meu ver, apresenta não só com os textos do Barroco, mas com os do Arcadismo e com a própria vida. A leitura do texto A vida após a morte em paralelo com a leitura das pinturas: uma alegoria das vaidades da vida humana, de Harmen Steenwyck ; e a Experiência com uma bomba de ar, de Joseph Wright, configuraram-se como os elementos propulsores da 2.3. Romantismo A contextualização histórica e a identificação das características mais significativas do movimento foram realizadas por meio da leitura das seguintes expressões: a pintura A liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix, o poema As sem-razões do Amor, de Carlos Drummond de Andrade e a música O último romântico, de Caetano Veloso. O estudo do romantismo brasileiro na poesia orientou-se pela divisão em gerações. O nacionalismo presente, principalmente, na primeira geração, permitiu o diálogo com inúmeros textos de nossa época, dentre os quais destacaram- EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 30 se, a titulo de exemplificação, a música Aquarela Brasileira, o Hino Nacional, a música Brasileirinho, na versão tradicional e na mixada; o videoclipe da música Estrangeirismo, de Zé Ramalho. A esse tema está ligada a mais conhecida poesia romântica de Gonçalves Dias, A canção do exílio. Na visualização do nacionalismo, perceberam-se outros temas também expressos pela primeira corrente, tais como: o idioma nacional, o indianismo e a valorização da natureza. A segunda geração romântica, preferida pela maioria dos alunos, em virtude da temática emotiva do amor e da morte, também foi permeada de inúmeras possibilidades dialógicas. Os poemas Pálida à luz, Se eu Morresse amanhã, Lembrança de Morrer, Idéias Intimas de Álvares de Azevedo, Meus oito anos e Segredos de Casimiro de Abreu, entre outros poemas do romantismo, foram lidos e analisados em consonância com a audição de músicas como Flor da Pele, de Zeca Baleiro e Muito Romântico, de Caetano Veloso. A interação com poemas do Modernismo Brasileiro, como Amar, Quero e Liberdade, de Carlos Drummond de Andrade, Soneto da Fidelidade e Soneto do Amor Total de Vinícius de Moraes, fez o aluno ver as inúmeras possibilidades dialógicas entre os textos. Convém ressaltar, que alguns alunos, em determinadas turmas, por desejo próprio, declamaram alguns poemas românticos que já conheciam, como é o caso de um aluno da turma 204 que declamou poemas de Álvaro de Azevedo e Augusto dos Anjos. Outros elaboravam poemas, na tentativa de dialogar, de alguma maneira com os textos literários. Quanto à poesia libertária de Castro Alves, o tema da liberdade determinou o centro das discussões. O texto Liberdade, de Cecília Meireles caracterizou-se como o elemento motivador do estudo da poesia condoreira. A autora, na tentativa de definir o sentimento e a palavra Liberdade, estabeleceu um diálogo com o presente, com o passado e com o futuro. Dentre as muitas vozes que perfazem esse texto, destaca-se a voz de Castro Alves. Voz que despertou à atenção dos alunos pelo fato de apresentar, como propõe Alfredo Bosi (1997, p.133), uma palavra aberta à realidade maciça de uma nação que sobrevive à custa de sangue escravizado, sentido último do Navio Negreiro. A leitura e audição do poema Navio Negreiro, ora declamado por Paulo Autran, ora por Caetano Veloso e Maria Betânia, aguçou não só o sentido visual, mas principalmente auditiva dos alunos. A percepção da indignação do eu-lírico diante da situação do escravo, concretizada por meio de imagens hiperbólicas, gerou um silêncio que só foi quebrado ao fim da declamação. O sentido revolucionário que permeia esse poema e outros poemas de Castro Alves pôde, então, ser relacionado a músicas que, de alguma forma, privilegiam a criticidade. Dentre elas, listam-se A dança do desempregado, Bala Perdida e Sorria, de Gabriel, o Pensador; Todo camburão tem um pouco de Navio Negreiro, de Marcelo Yuka, bem como o videoclipe da música O salto, do Rappa, baixado no youtube. Vale enfatizar, que algumas músicas foram sugeridas pelos alunos, o que demonstra que compreenderam o caráter contestatório como uma marca não só da poesia social e abolicionista de Castro Alves, mas também de muitas outras expressões artísticas. A leitura ativa dos poemas de Castro Alves, principalmente os condoreiros, proporcionou inúmeras discussões, que foram do contexto histórico vivenciado pelo poeta até o momento atual. Assim, a exposição verbal de cada aluno/leitor teve grande importância para se estabelecer os possíveis sentidos do poema. Tzvetan Todorov (2000, p. 20), no prefácio do livro Estética da criação verbal, expõe que o sentido é liberdade e a interpretação é o seu exercício. Nessa perspectiva, todo o processo de ensino-aprendizagem de Literatura, aqui relatado, foi calcado no encontro dos sujeitos por meio do diálogo. Nesse encontro, o aluno pôde exercitar o sentimento de liberdade, principalmente a liberdade de expressar os sentidos percebidos na leitura dos textos verbais, não-verbais ou mesmo da própria vida e, ao mesmo tempo, exercitar a interpretação, por meio de um olhar mais aguçado ao texto. Dessa maneira, tanto no estudo do Romantismo (poesia) quanto no estudo do Barroco e do Arcadismo, procurou-se instigar o aluno a expressar o que sentiu e apreendeu do texto, a propor novas possibilidades de interação textual, a julgar e questionar o que foi expresso pelo autor e a estabelecer relações entre os sentidos presentes no texto e a vivência de cada aluno. 3. Considerações Finais Desse processo de ensino–aprendizagem de Literatura até então empreendido nas turmas da ESPCEX em 2008, algumas conclusões parecem pertinentes, se levarmos em consideração a voz do aluno. Por esse motivo, a validade do trabalho desenvolvido foi, em primeira instância, avaliada pelos alunos por meio de uma ficha de avaliação. Dos alunos que preencheram essa ficha (56), todos consideraram a leitura ativa, pautada na concepção dialógica entre os textos, uma maneira mais dinâmica, provocativa, diversificada e atrativa de estudar a Literatura. Alguns ainda expuseram que passaram a olhar o texto de modo mais cauteloso para formar uma opinião sobre o assunto, melhorando assim EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 31 capacidade de análise textual (54 alunos). Outros alunos disseram que por meio da leitura ativa e das discussões sobre o passado e o presente puderam fazer algumas reflexões acerca das relações humanas e da própria vida (15 alunos). No sentido de ressaltar essa voz do aluno, destaco, aqui, algumas exposições: É mais interessante, pois ocorrem comparações entre as sociedades passadas e a atual. Dá pra entender como era a visão de mundo deles, saber as angústias vividas e etc. (W.Y.V.C. –turma 301) Mais interessante, porque percebemos que uma escola literária não surge apenas pela emoção, mas sim pelo contexto histórico vivenciado pelos seus participantes. (A. R – turma 301) É mais interessante, porque com um fato passado da Literatura pode–se aplicar exemplos em nossa realidade, criando uma relação entre a historiografia da literatura e o mundo no qual vivemos. (B. B. – turma 204) Vem sendo bem interessante. As aulas ficam mais dinâmicas e agradáveis. Os alunos ficam mais atentos, principalmente com o uso da mídia. (F.L.P – turma 205) Essa forma de abordagem torna a aula mais dinâmica e possui a capacidade de facilitar a aprendizagem. Além disso, torna a aprendizagem mais ampla, abordando temas passados, interligando–os com a atualidade. (R.S.O – Turma 204) Olhar o mundo ao redor com uma percepção mais crítica e descritiva foi uma das habilidades que adquiri. (V.M – turma 301) O exame dessas avaliações leva-me a crer que essa abordagem dos textos literários é bastante válida, pois não só atende às necessidades do aluno, mas também à proposta pedagógica da instituição. Entretanto, a exigência de constante atualização do professor pode se configurar como uma dificuldade para a sua execução, já que a abordagem dialógica da literatura com as mais diversas formas de manifestações exige do professor uma pesquisa constante, para que possa estar antenado aos mais diversos acontecimentos e poder realizar uma seleção variada de textos verbais ou não - verbais. O conhecimento dos mais diversos mecanismos da multimídia (Internet, Microsoft Office Powerpoint, Windows Movie Maker, etc.), a leitura de revistas atualizadas e de inúmeros suportes teóricos são algumas das muitas exigências para o desenvolvimento dessa proposta de estudo. Se a instituição escolar não estiver preparada para disponibilizar os instrumentos (computador, projetor, aparelho de som,...) os espaços próprios (auditório e/ou sala de projeção) e principalmente um horário de trabalho pedagógico bem amplo para que professor possa realizar o estudo e a pesquisa demandada para seleção e preparo do material e das estratégias da aula, o trabalho pode ser muito prejudicado ou até mesmo não acontecer. Outro fator que pode atrapalhar a continuidade da proposta é a dificuldade que o aluno tem em ler obras mais extensas como é o caso dos romances. Isso ficou bastante claro no estudo da prosa romântica, realista, modernista e contemporânea. É relevante esclarecer que, no caso da leitura de textos mais sintéticos como poemas, crônicas, charges, músicas, entre outros, há mais facilidade em desenvolver as atividades. Isso se deve ao fato de a leitura ser feita, quase sempre, na sala de aula. Logo, a implantação de um projeto de incentivo à leitura caracterizou-se como uma necessidade primordial para que o processo de ensino de literatura não fique limitado ao estudo de fragmentos e/ ou resumos de obras. Mesmo com as inúmeras dificuldades que podem surgir ao longo desse processo de ensinoaprendizagem de Literatura, o fato de o aluno deixar de ser mero espectador para ser um agente transformador já é um elemento motivador para a sua realização. Dar liberdade de expressão ao aluno, talvez, seja uma maneira de deixar falar a voz participativa ao contrário da voz da indisciplina. Como conclusão, deixo registrada a voz do aluno D.S.K - turma 301) a respeito desse trabalho. A abordagem é ótima, pois é dinâmica e não deixa que aula fique chata e/ ou entediante. Mantém o aluno focado e, ao mesmo tempo, permite a interação com os colegas. Referências Bibliográficas ALENCAR, J. de. Iracema. São Paulo: FTD, 1994. _______. Ubirajara. São Paulo: FTD, 1994. ALVES, C. Espumas flutuantes. 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UMA PROPOSTA DE MEDIAÇÃO VIRTUAL, EM APOIO AO TREINAMENTO DOS ALUNOS PARTICIPANTES DA OBMEP, NO CONTEXTO DO JOGO MATH CITY Vilmar Andrade do Nascimento1 Francisca das Chagas Soares Reis2 Resumo. Este artigo relata a utilização de mediadores virtuais em apoio a preparação dos alunos participantes da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). As situações de aprendizagem foram desenvolvidas com base nas apostilas disponibilizadas pela OBMEP e aplicadas em um grupo de alunos olímpicos do Colégio Militar de Fortaleza. Os personagens do Objeto de Aprendizagem (OA) Math City foram modelados segundo os pressupostos da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) Feuersteniana e simulam a postura de um mediador humano auxiliando os jogadores (alunos) no decorrer das fases do jogo com diálogos construídos com base nos critérios desenvolvidos por Feuerstein como, por exemplo: Significado, sentimento de competência, auto-regulação ou controle do comportamento, planejamento de objetivos e desafio. Os resultados obtidos mostram que a utilização de mediadores virtuais pode facilitar a construção de conceitos matemáticos, independentemente da presença de um mediador humano, e possibilitar o ensino e a aprendizagem de matemática de modo desafiador e interativo. Palavras-chave: Educação matemática. Experiência de aprendizagem mediada. Objetos de aprendizagem. Abstract. This paper describes the use of virtual mediators giving support to the students’ preparation in order to participate in the Brazilian Public Schools Mathematical Olympiad (OBMEP). The learning conditions have been developed based on OBMEP’s handouts and applied on the training of Fortaleza’s Military School students for this aforementioned mathematical Olympiad. Some of the Learning Object (LO) Math City’s characters were modelled according to Dr. Reuven Feuerstein mediated learning experience (MLE) theory and simulate the posture of a mediator helping the human players (students) during the phases of the game with dialogues constructed based on some criteria developed by Feuerstein: Meaning, feeling of competence, regulation of behavior, planning goals and challenge. The results show that the use of virtual mediators which came about to facilitate the construction of mathematical concepts regardless of the presence of a human mediator and enable the teaching and learning of math in a challenging and interactive way. Keywords: Mathematics education. Mediated learning experience. Learning objects. 1 2 Mestre em Engenharia de Teleinformática. Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Brasil. Especialista em Informática Educativa. Universidade Federal de Lavras (UFLA), Lavras, Brasil. [email protected] Especialista em Psicodrama Aplicado (UECE), Professora e Supervisora do CMF e Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará. [email protected]. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 34 1. Introdução Em 2007, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) contou com a participação de mais de 17 milhões de alunos em mais de 98% dos municípios brasileiros. A OBMEP chega à sua quarta edição com os objetivos de descobrir novos talentos em matemática e possibilitar aos alunos olímpicos uma reflexão da matemática como uma linguagem de descrição de fenômenos naturais, científicos e tecnológicos. Entretanto, embora não somente pela a abrangência territorial do projeto OBMEP ou mesmo pelo fato de encontrar-se em uma fase embrionária, uma das dificuldades encontradas nos municípios interioranos e distantes dos grandes centros é a da preparação adequada dos alunos olímpicos; uma vez que o encontro com o tutor (professor responsável pelo treinamento) ocorre quinzenalmente ou mesmo, em alguns casos, mensalmente. De modo que os alunos ficam sem apoio ou orientação por várias semanas, havendo, portanto, uma fragmentação ou descontinuidade no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos matemáticos necessários à formação dos mesmos. Nesse sentido, cabe o seguinte questionamento: como minimizar tal descontinuidade no apoio aos alunos olímpicos, de modo eficaz, desafiador e interativo quando da ausência dos respectivos tutores? A proposta deste artigo é responder a este questionamento ao se delinear um experimento, envolvendo o OA Math City com um grupo de alunos olímpicos do nível 1 (6º e 7º anos) do colégio militar de Fortaleza (CMF). Segundo Nascimento (2007) e Nascimento e Reis (2007), o OA (do tipo jogo) Math City foi originalmente elaborado para facilitar a aquisição de conceitos matemáticos por parte dos alunos com dificuldades e baixos rendimentos em matemática. No entanto, haja vista as características de reusabilidade, adaptabilidade e modificabilidade, concernentes a um OA (WILEY, 2000), foi mantido o enredo original, no que se refere aos objetivos a serem alcançados pelo herói do jogo, porém, foram modificados os mapas, as cidades e as situações de aprendizagem visando adequar-se ao público de alunos olímpicos. As novas situações de aprendizagem foram elaboradas com base nas apostilas disponibilizadas aos tutores pela OBMEP envolvendo métodos de contagem e aritmética (JURKIEWICZ, 2005; CARVALHO, 2006) com o intuito de se construir, ou aprofundar, conceitos matemáticos como, por exemplo, as operações fundamentais, os critérios de divisibilidade e princípio fundamental de contagem, de modo desafiador, interativo e, principalmente, na ausência do tutor, envolvendo o que denominamos de mediação virtual (MV). As novas situações de aprendizagem foram incorporadas ao jogo na forma de situações-problema, que, segundo Nascimento (2004), são problemas matemáticos que não se resolvem com uma simples aplicação de uma fórmula, mas sim ante uma tomada de decisão, uma elaboração de estratégias, de esquemas e um pensamento reflexivo. A metodologia de aplicação desenvolvida constou de quatro momentos: 1. fundamentação relativa ao como jogar e interagir com os personagens; 2. o registro das estratégias usadas para as soluções das situações-problema e a marcação do tempo decorrido em cada uma das quatro (4) fases do jogo; 3. uma avaliação do jogo, por parte dos alunos, ao preencher um questionário; 4. avaliação do jogo, por parte dos professores, ao realizar-se uma mini-olimpíada, nos moldes da OBMEP, envolvendo os conteúdos apresentados no jogo. Este artigo está dividido nas seções que se seguem: na seção 2 é apresentado o referencial teórico do trabalho; na seção 3, o OA Math City e as idéias concernentes à experiência de aprendizagem mediada (EAM) são apresentados; na seção 4 é abordada a dinâmica do experimento com os alunos envolvidos; na seção 5 são apresentados os resultados obtidos; e por fim, na seção 6, a conclusão do trabalho. 2. Referencial Teórico Segundo Meier e Garcia (2007, p.72) o termo mediação tem sido empregado ao longo do tempo na filosofia, antropologia, astronomia e serve como palavra-chave em um considerável número de estudos educacionais correntes. Japiassu e Marcondes (2001, p.96) apresentam o termo mediação, em seu sentido genérico, como a ação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou ligação, de permitir a passagem de uma coisa à outra. Segundo Feuerstein e Bolívar (1983, p.43), mediar significa possibilitar a construção do conhecimento pelo mediado. Significa, segundo Meier e Garcia (2007, p.68), estar intencionalmente entre o objeto de conhecimento e o aprendente de forma a modificar, alterar, organizar, enfatizar, transformar os estímulos provenientes desse objeto a fim de que o mediado construa sua própria aprendizagem, e que aprenda por si só, sendo, portanto, necessária, segundo Fonseca (1998, p.53), a presença de um mediador efetivo, dirigente, conhecedor e competente para mediar esta interação, ou seja, o desenvolvimento cognitivo de EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 35 uma criança é inseparável do desenvolvimento cognitivo dos seus mediadores, sejam eles pais ou professores (GOMES, 2002, p.21-23), ou como aqui propomos: mediadores virtuais (Figura 1) do OA Math City. A princípio, essa idéia pode parecer contraditória às de Feuerstein que defende exclusivamente a figura do mediador humano (FEURSTEIN, 1994, p.45). Porém, concordamos com Molon (2000) ao esclarecer que a mediação não é um conceito, mas um processo. Ela não está entre dois termos que estabelecem uma relação, mas ela é a própria relação. "A mediação não é a presença física do outro (...) mas ela ocorre através dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de mediação.” Figura 1: Mediação virtual De modo sucinto, propõe-se neste artigo a idéia de mediação virtual na qual simula--se a díade: aluno X tutor na forma de: jogador X MV, ou seja, o aluno é transportado de um ambiente de sala de aula para o ambiente digital do jogo. Ambiente no qual os mediadores virtuais são personagens que interagem, no decorrer do jogo, com o aluno (herói do jogo) em situações de aprendizagem que foram criadas e estabelecidas segundo os pressupostos feursteinianos de experiência de aprendizagem mediada (EAM) e os critérios que a caracterizam. 3. Objeto de Aprendizagem Math City Atualmente, há diversos conceitos para objetos de aprendizagem e cada um dos mesmos representa interesses específicos de seus proponentes (Monteiro et al. 2006), de um modo geral, um objeto de aprendizagem é qualquer entidade, digital ou não digital, que pode ser usada para aprendizagem, educação e treinamento (WIELY, 2000), devendo facilitar a exploração e a explanação dos conteúdos variados e tornar possível o uso de ferramentas relacionadas com diferentes mídias, como, por exemplo, música, desenhos e gráficos (TEIXEIRA, 2007) ou mesmo os jogos, como é aqui o caso! Neste artigo, tem-se que o OA Math City deve possibilitar uma aprendizagem baseada em situaçõesproblema segundo a proposta de mediação virtual em que a ausência do tutor não impede a construção de conceitos matemáticos de modo interativo e desafiador. Nesse sentido, haja vista a ampla variedade de forma que tais objetos podem assumir, compreendendo desde vídeos, gráficos, animações, apresentações e jogos, adota-se aqui a utilização de um objeto de aprendizagem (do tipo jogo) denominado Math City (disponível para download em: www.mathcity.zip.net) que visa promover a construção de conceitos matemáticos conforme a criação de um enredo e diálogos modelados segundo a teoria de EAM. 3.1 EAM no contexto do jogo Math City A formulação dos conceitos, envolvendo EAM, possui todo um aporte teórico, definindo, explicando e sistematizando a forma de interação entre o objeto de conhecimento e o aprendente, o que visa, segundo Feurstein (1994, p. 45-48), prover o aluno com modalidades de aprendizagem que possam ser utilizadas de maneira mais ampla ou continuada e menos episódica ou fragmentadas. Para melhor compreensão do modelo de interação proposto pela EAM, Feurstein utiliza a fórmula SHOR (Figura 2), considerando que (S) corresponde aos estímulos externos; (H) representa o mediador humano que se interpõe entre os estímulos externos e o organismo, selecionando-os e organizando-os; (O) constitui-se no organismo humano; e (R) é a resposta que o organismo emite após a interação e elaboração na informação. Figura 2: Mediador humano Um ser humano – agente mediador – ao interpor-se, com intencionalidade, entre o organismo e as fontes de estímulos oferecidos pelo entorno social, busca fazer com que estes estímulos sejam percebidos de forma diferenciada do que se estivesse diretamente exposto a eles. Neste trabalho, propõe-se atribuir, de modo inovador, este papel aos personagens do jogo Math City, em que o mediador virtual (P) simula o papel de (H) (Figura 3), com base nos diálogos, enredo e situações-problema, de modo que propomos, nesse processo interativo, uma mediação realizada virtualmente em que os personagens do jogo se interpõem entre o jogador e o objeto do conhecimento, filtrando, organizando, selecionando e dando significado aos diversos estímulos. Portanto, o papel do MV é provocar os avanços cognitivos que não ocorreriam espontaneamente na ausência do tutor. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 36 Figura 3: Mediador virtual Por fim, a EAM representa a qualidade da interação. A qualidade, por sua vez, depende da configuração total envolvida na interação, ou seja, o “como” (diálogos) da interação da EAM depende do “quem” (personagens) está mediando, para “quem” e o “que” se medeia de um conteúdo particular da intervenção mediacional. 4. Dinâmica do Experimento A turma em que foi realizado o experimento constou de 40 alunos olímpicos do nível 1 (6º e 7º anos) do Colégio Militar de Fortaleza e foi aplicado em uma das aulas de olimpíada do segundo bimestre de 2008, para tanto a turma foi dividida em dois grupos (I e II) com 20 alunos por grupo. O grupo I foi acompanhado pelo professor I no laboratório de informática, de modo que os alunos receberam as instruções gerais de como jogar, do como registrar suas estratégias e como marcar o tempo decorrido em cada fase (Figura 4), definindo-se, ainda, o que deveriam entender por interação e mediação. Em seguida, enquanto os alunos jogavam, o professor I em momento algum interferiu no processo a não ser evitando a interação entre os alunos, mantendo-os um, e somente um, por máquina para que se pudesse verificar a eficácia dos mediadores virtuais. Cada uma das quatro fases envolveu um tópico trabalhado, paralelamente, pelo professor II com o grupo II em sala de aula: fase 1 (operações fundamentais), fase 2 (raciocínio combinatório), fase 3 (geometria plana) e fase 4 (critérios de divisibilidade). O tempo total de desenvolvimento das atividades foi de aproximadamente 140 minutos e no que se refere às formas de interação, pode-se viabilizar quatro abordagens diferentes de interação apresentadas na Tabela 1. Interação Síncrono Alunos X MV (Grupo I) OA (jogo Math City) Blog (Professor I) Lista de discussão Alunos X Tutor (Grupo II) Encontro Presencial (Professor II) Figura 4: Duração das fases em minutos 4.1 Personagens Os personagens foram modelados conforme os pressupostos da EAM simulando a postura de um mediador humano e auxiliando, sempre que necessário, o aluno segundo alguns dos critérios desenvolvidos por Feurstein como: 1. Significado: Neste tipo de interação, o MV motiva o aluno, explicando os motivos e a importância daquela atividade. 2. Competência: Ocorre quando o MV ajuda o mediado a desenvolver a autoconfiança necessária para se engajar numa atividade com sucesso. Assíncrono Tabela 1: Abordagens interativas EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 37 3. Auto-regulação e Controle do Comportamento: Nesta mediação, o MV incentiva o aluno a pensar sobre o seu comportamento, modificando-o. É como um "semáforo" que ajuda a criança a controlar sua impulsividade e a escolher respostas adequadas a um estímulo. 4.2 Diálogos: Desafios e EAM virtual Os desafios encontrados no decorrer do experimento não foram criar um OA, mas adaptá-lo às necessidades dos alunos olímpicos, tanto na inserção das situações-problema desafiadoras, quanto ao esculpir os diálogos de modo que se mantivessem fidedignos aos que ocorrem em sala de aula na presença de um professor mediador. Haja vista que são nos diálogos que os critérios feurstenianos se desenrolam e as interações ocorrem, surgindo, a partir das situações-problema, a necessidade da reflexão, do aperfeiçoamento de esquemas, da tomada de decisões, da busca de estratégias, da interpretação dos dados e da exploração do aprendizado autônomo. De modo que, na interação: aluno X MV busca-se reproduzir a dinâmica da sala de aula, em um contexto de sons, elementos gráficos e textuais. Como se vê, por exemplo, em uma mesma situação-problema apresentada sob as formas dialogais (Figura 5), textuais (Figura 6) e (imagéticas): 4. Planejamento de Objetivos: Ocorre quando o MV encoraja e orienta o aluno para que estabeleça objetivos e discute, de forma explícita, os meios para alcançá-los. Figura 5: Interação via diálogos 5. Desafio: Nesta interação, o MV evoca no aluno a motivação para tentar algo novo. Envolve a superação do medo do desconhecido e a resistência a algo difícil e incomum. Figura 6: Interação via texto EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 38 Com as respectivas alternativas para o desafio citado acima (Figura 7): 5. Resultados As respostas dadas pelo grupo I são apresentadas, ordenadamente, na Figura 8 a seguir: Figura 7: Alternativas para o primeiro desafio 4.3 Avaliação do OA Após finalizarem o jogo, o grupo I respondeu ao seguinte questionário avaliativo (Tabela 3) e ambos os grupos (I e II) foram submetidos a uma miniolimpíada nos moldes das realizadas pela OBMEP, envolvendo os conteúdos trabalhados tanto em sala quanto no jogo, com os respectivos comentários apresentados na seção a seguir. Questionário Avaliativo Alternativas Perguntas Você gostou do Jogo Math City? Por que? (caso sim da pergunta 1). Porque o jogo é: Por que? (caso não da pergunta 1). Porque o jogo é: Que conteúdos você viu serem abordados durante o jogo? Você finalizou o jogo? Quanto aos personagens Vigot, Nicodemus e Lerue você pode dizer que: As dicas apresentadas foram: No decorrer do jogo você se sentiu motivado a resolver aos desafios? ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ) Sim ) Não ) Divertido ) Desafiador ) Outro:__________ ) Chato ) Muito fácil ) Outro: __________ ) Potenciação ) Princípio fundamental de contagem ) Divisibilidade ) Todos acima ) Sim ) Não ) Ajudaram ) Não influenciaram ) Atrapalharam ) Suficientes ) Muitas ) Poucas ) Sim ) Não Tabela 3: Questionário avaliativo. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 39 Os Mediadores Virtuais Ajudaram (16) Não influenciaram (03) Atrapalharam (01) Portanto, de acordo com os resultados obtidos é possível propiciar um ambiente interativo que promova a aprendizagem de conteúdos matemáticos e a tomada de decisões segundo um planejamento consciente, autônomo e reflexivo à luz dos critérios da EAM no âmbito virtual, de modo assíncrono ou off-line, como suporte de aprendizagem para alunos olímpicos que enfrentam a dificuldade com os encontros presenciais. Referências Bibliográficas Figura 8: Respostas do questionário Como pode se perceber, as respostas apontam para um jogo divertido, desafiador e motivador, abrangendo todos os conteúdos especificados no questionário avaliativo e indicam, que 80% dos alunos, os mediadores virtuais, foram importantes no decorrer do jogo. Um mediador virtual efetivo interpondo-se entre o jogador e o objeto do conhecimento, filtrando, organizando, selecionando e dando significado aos diversos estímulos. As médias obtidas na mini-olimpíada pelos grupos I e II foram, respectivamente, 8,4 e 9,6, o que indica uma real eficiência da mediação virtual e apontam para uma nova alterntiva de aprendizagem mediada. 6. Conclusão Os desafios encontrados, no decorrer do experimento, não foram criar um OA, mas adaptá-lo às necessidades dos alunos olímpicos, tanto na inserção das situações-problema desafiadoras, quanto ao esculpir os diálogos de modo que se mantivessem fidedignos ao que se presencia em sala de aula. Não se propõe aqui substituir o mediador humano pelo virtual; mas possibilitar uma nova alternativa de aprendizagem mediada, em situações em que seja difícil, ou mesmo impossível, a presença do mediador humano, garantindo-se, no ambiente virtual, condições que se aproximem das mediadas pelo professor na aula presencial. CARVALHO, P. C. P. Métodos de Contagem e Probabilidade, OBMEP, 2006. 150p. FEUERSTEIN, R.; BOLÍVAR, C, R. La Teoria de la Modificabilidade Cognoscitiva Estrutural: uma explicación alternativa sobre o desarrollo cognoscitivo diferencial. Venezuela: Mimeo, 1983, 279p. FONSECA, V. Aprender a aprender: a educabilidade cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 1998, 230p. GOMES, C. Feuerstein e a construção mediada do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2002, 246p. JAPIASSU, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, 210p. JURKIEWICZ, S. Divisibilidade e Números Inteiros: Introdução a Aritmética Modular. OBMEP, 2004. 127p. MEIER, M.; GARCIA, S. Mediação da Aprendizagem Contribuições de Feuerstein e Vygotsky. Curitiba: MSV, 2007, 321p. MONTEIRO, B. S. Metodologia de desenvolvimento de objetos de aprendizagem com foco na aprendizagem significativa. XVII SBIE, Brasília, 2006. MOLON, S. I. Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky. III conferência de pesquisa sóciocultural, Campinas, Brasil, 2000. NASCIMENTO, V. A. A Criação do Objeto de Aprendizagem Math City em um Contexto Colaborativo: Pais, Professor e Alunos. 2º Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEMAT), Recife, Brasil, 2007. NASCIMENTO, V. A. Situações-Problema e a Extinção dos Mestres-Cucas. Minicurso, VIII Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM), Recife, Brasil, 2004. NASCIMENTO, V. A.; REIS, F. C. S. O Desenvolvimento do Jogo Math City em um Contexto Colaborativo: Pais, Professores e Alunos para a Construção de Conceitos Matemáticos. IV Seminário de Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação, UNEB, Salvador, Bahia, 2007. TEIXEIRA, J. S. F.; SÁ, E. J. V.; FERNANDES, C. T. Representação de Jogos Educacionais a partir do Modelo de Objetos de Aprendizagem. Workshop de Informática na Educação, Rio de Janeiro, 2007. WILLEY, D. The Instructional use of Learning Objects. Disponível em: <http://www.reusability.org/read/>. Acesso em: 15 Jan 2007. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 40 5. PERSPECTIVAS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO Maria Regina Ponte da Silva1 Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir as razões que conduziram a obrigatoriedade do ensino de filosofia na educação brasileira, conforme a lei de número 11.684, de 2 de junho de 2008 e do parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) de 7 de julho de 2006. Os Colégios Militares já estão cumprindo a medida. De acordo com as condições econômicas e sociais, a filosofia foi incluída ou excluída do currículo escolar. Consideramos como dados relevantes para a pesquisa: a história do ensino de filosofia no Brasil, a quantidade de professores habilitados que ministram a disciplina, a quantidade de professores não habilitados que a ensinam, o número de escolas de ensino médio no Brasil, os Estados que já incluíram a disciplina no vestibular e as alterações provocadas por esta nova conjectura. Se existem atualmente aproximadamente 20 mil escolas de ensino médio como poderemos nos adaptar a nova medida se a demanda de professores habilitados poderá não ser suficiente? Quais serão as conseqüências da adoção da nova lei? Quais seriam os assuntos mais adequados para os alunos de ensino médio? Lógica, metafísica, política, ética, teoria do conhecimento. Como saber? Na verdade, ainda não podemos estabelecer uma conclusão definitiva, visto que só poderemos verificar os resultados depois que a medida for implantada. Por conseqüência, faz-se necessário apontar as causas, vantagens e desvantagens das mudanças dessa nova lei, bem como verificar as razões para a necessidade do ensino de filosofia para a juventude brasileira. Palavras-chave: Filosofia. Ensino. Educação. Abstract: This article aims to discuss the reasons that led to the compulsory teaching of philosophy in Brazilian education, as the law number 11,684, from June 2, 2008 and the opinion of the National Education Council (CNE) from July 7, 2006 . The Military Colleges are already complying with the resoluteire. According to the economical and social conditions the philosophy was included or excluded from the school curriculum. We consider as relevant data for this research: the history of philosophy of education in Brazil, the number of trained teachers who teaches the subject, the number of qualified teachers who not teach that, the number of schools of secondary education in Brazil, states that have included discipline in the high exames and the changes brought about by this new conjecture. If there are currently about 20 thousand schools of secondary education as we can adapt the new measure if the demand for qualified teachers may not be enough? What are the consequences of the adoption of the new law? What would be the most appropriate subjects for students in high school? Logic, metaphysics, politics, ethics, theory of knowledge. How do I know? Indeed, we can not establish a definitive conclusion, since we can only verify the results after the measure is implemented. Consequently, it is necessary to identify the causes, advantages and disadvantages, and to verify the reasons for the necessity of the teaching of Philosophy for Brazilian youth. Keywords: Philosophy. Teaching. Education. 1 1º Tenente Oficial Técnico Temporário (OTT), mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), professora de Filosofia do Colégio Militar de Fortaleza (CMF), Fortaleza, Brasil. [email protected]. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 41 1. Introdução Uma das funções básicas da filosofia seria criar e melhorar o discernimento, aprimorando o hábito de leitura e questionamento sobre a realidade. Na verdade, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e os Conselhos Estaduais de Educação (CEE) já recomendavam o ensino facultativo de filosofia como pressuposto para desenvolver o senso crítico, ou para o aluno adquirir noções de filosofia e sociologia ao final do ensino médio, desde 1996. A homologação pelo Ministério da Educação do Parecer 38/2006 do Conselho Nacional de Educação (CNE), exarado pela Câmara de Educação Básica (CEB), que alterou de facultativo para obrigatório, foi apenas o primeiro passo para o reconhecimento da importância da filosofia. Dois anos depois, a lei que regulou a obrigatoriedade de filosofia e sociologia no Ensino Médio do CNE foi, finalmente, sancionada no dia 2 de junho de 2008. Assinada pelo presidente em exercício, José Alencar, vice-presidente, após ser discutida pelo Senado, em que foi aceita por unanimidade. A implementação dessa medida é fundamental para o perfil do jovem no ensino médio, cuja idade oscila entre os 15 aos 17 anos. A esta faixa etária, no Brasil, já é facultado o direito de votar e nos Estados Unidos já é facultada a carteira de habilitação/motorista. Por conta disso, seria pertinente que nosso jovem pudesse aprender sobre o real exercício da cidadania, os problemas éticos que envolvem a bioética, reconhecer suas crises existenciais como uma das fases de sua vida ou mesmo as noções de lógica fundamental para a organização do pensamento e do raciocínio. Se a educação brasileira deve fornecer condições para que o jovem ao final do ensino médio possa ter desenvolvido seu senso crítico e compreendido sobre cidadania e ética, como podemos viabilizar essa preparação sem a obrigatoriedade do ensino da filosofia? Em 2001, a obrigatoriedade do ensino em filosofia foi discutida e vetada pelo expresidente Fernando Henrique Cardoso. A principal justificativa para o veto foi a inexistência de professores habilitados para lotar o quadro de aulas. Discutiremos, assim, em que sentido o referido argumento pode ser considerado pertinente ou não, fazendo um estudo sobre a história do Ensino de Filosofia no Brasil. Além disso, colocaremos os principais argumentos que defendem a obrigatoriedade da filosofia no ensino médio, suas causas e conseqüências para o futuro. 2. A História do Ensino de Filosofia no Brasil A filosofia começou a fazer parte do currículo do ensino médio a partir do século XVI, desde a fundação das primeiras escolas. Entre idas e vindas ao longo da história, a filosofia assumiu os currículos, de acordo com as condições vigentes, às vezes com caráter doutrinário religioso, outras vezes em caráter técnico, ou em condição humanística, até mesmo chegando a ser excluída do currículo para comportar outras disciplinas obrigatórias. Em 1533 foi fundada a primeira escola de ensino médio, cuja administração era da Companhia de Jesus, na cidade de Salvador. O ensino jesuítico considerava a filosofia imprescindível para a propagação das doutrinas cristãs. Seu objetivo era priorizar as questões teológicas e perpetuar o número de fiéis da igreja católica, na medida em que a Reforma Protestante na Europa abalou os alicerces da Igreja Católica no final da Idade Média. Era uma tentativa de conciliar os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas Escrituras com doutrinas filosóficas clássicas. Durante praticamente 3 séculos, até meados do século XIX, predominou, então, a escola chamada - Ratio Studiorum-, de seguindo as idéias do filósofo Tomás de Aquino, uma filosofia letrada, humanista e, sobretudo, católica. “O objetivo dessa educação filosófica era o de formar homens letrados e eruditos e, acima de tudo, católicos.” (CARTOLANO, 1985, p. 21). Entretanto mesmo com a expulsão dos jesuítas, em 3 de setembro de 1759, Marquês de Pombal instituiu “aulas régias”, convidando os leigos para ministrá-las. Este fato não foi o suficiente para estabelecer um novo modelo educacional, visto que esses professores foram formados em colégios jesuítas e perpetuaram o processo de ensino católico preponderante. Quanto à economia, o Brasil foi o maior fornecedor de cana de açúcar nos séculos XVI e XVII e a educação jesuíta dirigia-se aos proprietários rurais, perdurando também no Império e na República. Após esgotar a cana de açúcar, inicia-se o extrativismo mineral, com duração até meados do século XVIII. As precárias condições da colônia, o baixo nível intelectual dos colonos e o fanatismo do ensino levam a colônia brasileira e Portugal à decadência econômica. Para reagir ao contexto, as idéias iluministas, filosóficas da França chegam a Coimbra e despertam os ideais de independência política e de uma religião laica. Em 1750 a 1780, os filósofos iluministas Diderot e d'Alembert publicam uma Enciclopédia, a fim de sistematizar a filosofia da idade moderna, desconsiderando a metafísica e valorizando o método cartesiano e a experiência sensorial, ou seja, o empirismo. A Enciclopédia ou Dicionário Racional das Ciências, Artes e Ofícios, foi o instrumento de difusão das idéias iluministas. Conforme, cita (CARTOLANO, 1985, p. 23) de acordo com o livro de História da Filosofia de Julian Mariás: A filosofia da Enciclopédia é: EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 42 a vulgarização da porção menos metafísica do cartesianismo e do pensamento britânico ao mesmo tempo. Por um lado, o pensamento é racionalista e, por conseguinte é revolucionário: pretende resolver de uma vez, para sempre as questões matematicamente, sem tomar em consideração as circunstâncias históricas. (MARIÁS, apud. s/d: 262). A vinda da família real portuguesa afugentados da invasão napoleônica, em 1808, colaborou para o melhoramento de nossa infraestrutura. Para garantir a estada de D. João VI, foram criadas a Imprensa Régia, uma escola de comércio, o Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional, etc. Além disso, a criação de colégios de qualidade tinha como objetivo capacitar a nova classe econômica para compor os quadros políticos-administrativos da colônia. As idéias assimiladas no Brasil vinham da Universidade de Coimbra e dos princípios iluministas. Assim, foram criadas as primeiras Faculdades. Quanto ao ensino médio, um colégio que representou um marco no modelo educacional foi o Colégio Pedro II, fundado em 1837, e a única escola secundária mantida pelo poder central. Nele, a filosofia possuía uma função introdutória do saber. Durante o primeiro império, com o país recém independente, a prioridade passou a ser o ensino superior. Desta forma, foram criadas as primeiras universidades, Faculdades de Direito (Olinda e São Paulo) e as Faculdades de Medicina (Rio de Janeiro e Bahia). Com a criação dos cursos jurídicos no Brasil, em 1820, a filosofia tornou-se um pré-requisito no ensino médio para o ingresso acadêmico. Assim como hoje, naquele período, o ensino superior recebia assistência do poder central e o ensino primário e secundário das províncias. No final do século XIX, a partir de 1870, muitas teorias novas efervesceram os intelectuais brasileiros: positivismo, evolucionismo, darwinismo, naturalismo, tendo como conseqüência a implantação de um novo modelo de educação, pautado na valorização da ciência e da técnica. Destaca-se principalmente as idéias positivistas, que não foram levantadas pelos fazendeiros de café e latifundiários, mas por uma nova classe emergente, comerciantes e burocratas. Eram principalmente, militares, médicos, engenheiros, revoltados contra a política de padres e fazendeiros, coniventes com a exploração do homem pelo homem, justificando a escravidão. Assim, essa classe emergente lutava pela abolição da escravidão. Benjamim Constant foi um expoente do positivismo, professor de matemática nas escolas militares e politécnicas, manifestou seu interesse pela república e repúdio à monarquia. Com a Proclamação da República, em 1889, o interesse da classe média pela participação política foi atendido provisoriamente, a escravidão foi abolida e os altos impostos aliviados. A descentralização do poder permitiu uma organização escolar dividida entre União e províncias. Benjamim Constant foi nomeado para o Ministério da Instrução. Conseqüentemente, os princípios norteadores da educação foram a laicidade do ensino e a gratuidade da escola primária. Pelo caráter positivista a filosofia não foi incluída no currículo. O que aconteceu “foi um mero acréscimo de disciplinas científicas e tradicionais, tornando o ensino ainda mais enciclopédico”. (CARTOLANO, 1985, p. 35) Em agosto de 1890, a filosofia foi incluída na lista para os exames gerais preparatórios. Mas, em novembro do mesmo ano a filosofia foi retirada dos currículos escolares. A partir do século XX, a filosofia se vê presa a uma série de movimentos político-pedagógicos que, alternadamente a incluem e a excluem dos currículos: volta em 1901 como a disciplina “Lógica” no último ano do secundário, para ser de novo retirada em 1911; regressa como matéria optativa em 1915 e como obrigatória em 1925, com um caráter marcadamente enciclopedista, repercussão das idéias iluministas da Europa. O enciclopedismo significou, portanto, naquela época, ato de subversão, de infiltração de idéias contrárias à ordem estabelecida em Portugal e nas colônias. E pelo crime de enciclopedismo prendeuse, em 1794, muita gente no Brasil, principalmente em Minas Gerais, por ocasião dos levantes contra a cobrança dos quintos durante o ciclo de mineração. (CARTOLANO, 1985, p. 24) O ensino positivista perdurou por todo esse contexto histórico. Com a Revolução de 30, as oligarquias perderam o seu poder e a população passou a exigir a democratização do ensino, reivindicando o acesso ao ensino acadêmico. Contudo, as classes altas se empenharam em manter o controle e a seletividade. “As reformas educacionais que se seguiram vieram confirmar essa herança cultural” (CARTOLANO, 1985, p. 56) A Reforma de Francisco Campos (Decreto nº. 21.241, de 4 de abril de 1932), além de estabelecer novas disciplinas no currículo escolar, determinou a freqüência obrigatória dos alunos. Além disso, dividiu o ensino secundário em duas categorias: o fundamental (obrigatório para o ingresso no vestibular, de cinco anos) e o complementar (preparava para medicina, direito e engenharia, de dois anos). Dentre as disciplinas que fizeram parte do currículo complementar, podemos citar: psicologia, lógica, sociologia e história da filosofia. O contexto histórico da época estava dividido entre católicos e liberais. De um lado, a defesa pela laicização do conhecimento, de outro a conservação das teorias tradicionais. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 43 Com a crise econômica mundial que teve como estopim a quebra da bolsa de valores em Nova York em 1929, a condição político-econômica mudou. A educação passou a ser valorizada pela sua cientificidade. O estudo da lógica foi priorizado em detrimento das idéias metafísicas. Assim, as idéias pedagógicas da época eram: naturalismo, sociologismo, evolucionismo, naturalismo, pragmatismo, nominalismo, o racionalismo e o positivismo no final da Reforma de Campos. A próxima reforma, a Reforma de Capanema (Decreto-lei nº. 4.244, de 9 de abril de 1942) não mudou muito este cenário, o ensino enciclopédico e elitista configurou o ensino de filosofia, obrigatória na 2ª e 3ª séries. De 1945 a 1954, a redução da carga horária de filosofia foi de quatro horas semanais para uma hora semanal no científico. Na década de 60, a lei nº. 4.024/61, que tornou facultativo o ensino de filosofia, foi resultado de mais uma reforma educacional, com debates que iniciaram em 1948. Quanto à Administração do Ensino, esse projeto visava à obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário e a criação de um Conselho Nacional de Educação que subsidiasse os Conselhos Estaduais de Educação. Para dar continuidade às reformas no ensino, em 1971, a lei de Diretrizes e Bases nº. 5.692 reestruturou o ensino em 1º e 2º graus (antigo primário, ginásio e colégio), bem como implantou a profissionalização no 2º grau, em âmbito nacional. Mas, a medida que abalou a perpetuação do ensino de filosofia foi a inclusão de outras disciplinas em caráter obrigatório. Isso significou que as disciplinas que não abordavam diretamente o caráter profissionalizante, técnico ou científico e já não eram obrigatórias, foram excluídas do currículo escolar para remanejar as outras disciplinas. Foi assim que o ensino profissionalizante, técnico e positivista destacou-se como política de ensino vigente. Conforme o artigo 7º da lei 5.692/71: Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus [...] (BRASIL, 2008a). Segundo (Cartolano, 1985: 66) a consideração da proposta da filosofia como disciplina complementar derivou das antigas oligarquias do café e de um grupo de católicos conservadores, porque eram contrários “à democratização da vida social.” Além disso, nesta época governava o PSP (Partido Social Progressista), ligados a interesse dos latifundiários, a manutenção do status quo. Desta forma, a filosofia se apresentava como uma ameaça que conduziria idéias contestadoras. Quase 25 anos depois, em 1996 foi promulgada a nova LDB que reconhece a importância do ensino de filosofia. No entanto, a lei não estabeleceu nenhuma obrigatoriedade quanto à forma de ministrar o conteúdo, deixando implícita a condição de mencionar a filosofia no contexto interdisciplinar ou transversal, ou simplesmente como abordagem facultativa. Isto estava exposto na lei nº. 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada pelo presidente da República, em exercício, Itamar Franco. A lei rezava o seguinte: Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: § 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem; III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania. (BRASIL, 2008b). A partir de então, a discussão sobre o ensino de filosofia se deu sobre dois aspectos: a condição disciplinar ou transversal do conteúdo. A questão continuou em pauta. Em 1999, por cerca de três anos, tramitou na Câmara e no Senado Federal um Projeto de Lei Complementar que substituiu o citado artigo 36 da LDB, instituindo a obrigatoriedade das disciplinas Filosofia e Sociologia nos currículos do ensino médio. Após aprovação nas duas instâncias do Poder Legislativo Federal, o projeto foi vetado em outubro de 2001, pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso. As razões foram as seguintes: demanda insuficiente de professores, desfalque no orçamento público, má formação de professores e redução do discurso filosófico a um discurso pedagógico. Veremos, na unidade 4, a proporção de profissionais formados em filosofia e a demanda de vagas, justificando uma possível solução para o problema em questão. Todavia o que podemos adiantar, por enquanto, é que: a inclusão das novas disciplinas não implica necessariamente em aumento orçamentário. Uma possível solução seria o remanejamento da carga horária a fim de incluir filosofia no ensino médio. Dois anos após o veto da obrigatoriedade da disciplina, a re-inclusão voltou a pauta. O deputado Dr. Ribamar Alves do PSB/MA colocou novamente o projeto de lei em discussão, nº 1641/2003. Segundo ele, a filosofia merecia um reconhecimento que a transversalidade do ensino não reconheceria. Era imprescindível a sua legitimação enquanto disciplina com sua função específica de despertar para o senso EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 44 crítico. Em 24 de junho de 2003, foi realizada uma audiência pública sobre a volta da filosofia e da sociologia no currículo do ensino médio, realizada pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados. Confiram-se alguns dos argumentos apresentados na justificativa do projeto de lei: Vivemos num cenário que proporciona choques e tensionamentos que incidem rapidamente sobre fatos sociais, políticos, históricos, econômicos e que clamam por uma compreensão que somente a Filosofia pode proporcionar à cultura. A filosofia nos currículos da Ensino Médio não pode atuar num espaço restrito, dissolvendo-a em modalidades temáticas de outras disciplinas. Ora, a Filosofia tem no atual contexto político do fortalecimento das instituições democráticas do país um dos papéis mais relevantes neste projeto, qual seja, o de contribuir para uma formação e fundamentação da opinião pública brasileira, não deixando somente a cargo da imprensa, que muitas vezes se vê à deriva com o cerco do fenômeno midiático, que, ao modo do Rei Midas, transforma em ouro, ou melhor, mercado, tudo o que toca. Ela oporá, por aporias. Assim, contribuirá para uma opinião pública responsável e crítica, convidando para o debate reflexivo, introduzindo valores que se assentam sobre aquela tradição grega que falávamos inicio q que em suma, é de vocação política. Para nós, é o que pode construir instituições democráticas e consolidar a democracia verdadeiramente num país como o Brasil. (Brasília, justificativa do PL n° 1641, 2003, p. 4) Apesar de tanto engajamento, o projeto de lei não foi imediatamente aceito. Ainda foi necessário mais três anos para que a obrigatoriedade da disciplina fosse legitimada pelo Conselho Nacional de Educação em 2006 e mais 2 anos para ser sancionada pelo poder executivo. Enquanto isso o que aconteceu, paulatinamente, foi a inclusão da disciplina nos estados, resultado da mobilização de diversos setores da sociedade, motivada, fundamentalmente, pela percepção da importância de um trabalho sistemático com a filosofia na formação dos jovens, a partir dos mais diversos argumentos e pontos de vista. Em conseqüência disso, no dia 6 de julho de 2006, o Conselho Nacional de Educação (CNE) alterou a lei que diz que as escolas deverão tratar de forma interdisciplinar o conhecimento de filosofia e sociologia. Em agosto de 2006, o Parecer CNE/Coordenação de Educação Básica (CEB) nº. 38/2006, foi homologado pelo Ministério da Educação, por intermédio da Resolução CNE/CEB nº. 04/06. No dia 2 de junho de 2008, o presidente da República em exercício, José Alencar, finalmente sancionou a lei que torna obrigatório o ensino das disciplinas de Sociologia e Filosofia nas escolas de Ensino Médio, públicas e privadas de todo o Brasil. A Lei é de número 11.684 e altera o artigo 36 da lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 3. Fatos e conseqüências que colaboraram para tornar a filosofia obrigatória Com o objetivo de mapear as condições do ensino de filosofia no Brasil, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência a e cultura) solicitou aos renomados pesquisadores um levantamento de dados sobre o assunto. O trabalho foi concluído em 2004, sob a coordenação geral de Walter Kohan. Podemos perceber através deste trabalho, que o ensino de filosofia em diversos estados já era uma realidade antes da oficialização da obrigatoriedade. O ensino de filosofia já acontecia como forma de cumprir o solicitado pela LDB desde 1996. Pode-se discriminar do seguinte modo a duração dos cursos de filosofia no ensino médio: • • • Unidades da Federação que adotam a disciplina, em toda a rede pública, com ao menos duas horas semanais durante mais de um ano/série: 2 (Distrito Federal e Mato Grosso do Sul). Estados que adotam a disciplina, em toda a rede pública, com ao menos duas horas semanais durante um ano/série: 13 (Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins). Estados que adotam a disciplina de modo opcional na rede pública, com ao menos duas horas semanais: 7 (Espírito Santo, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Minas Gerais). Nesses estados, a carga horária varia muito. Em Pernambuco, por exemplo, algumas escolas que oferecem a disciplina o fazem, geralmente, no primeiro ano, com duas horas semanais, ao passo que outras oferecem a disciplina também no 2º ano. (KOHAN, 2004: 263) Assim, já que o estudo da filosofia no ensino médio era uma realidade em muitos estados, fez necessário legitimá-la em caráter obrigatório, não mais de forma transversal ou interdisciplinar, mas nas condições de quaisquer disciplinas tidas como relevantes. Mesmo porque, que espaço terá a filosofia na escola, se a quase totalidade das escolas continua organizada através das disciplinas e se os próprios concursos públicos são realizados por disciplina? Quem irá trabalhar os “conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania” propostos na LDB, se toda a estruturação da maioria das escolas continua sendo através da grade curricular por disciplina? Por conseguinte, o reconhecimento do ensino de filosofia como atividade obrigatória pôde legitimar EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 45 os Parâmetros Curriculares conforme citação: Nacionais (PCNs), o momento, hoje, porém é o de estruturar um curriculo em que o estudo das ciências e das humanidades sejam complementares e não excludentes. Busca-se, com isso, uma síntese entre humanismo, ciência e tecnologia, que implique a superação do paradigma positivista, referindo-se à ciência, à cultura e à história. (PCN, 1999, p. 284) Outra mudança nesse sentido é a inclusão de filosofia no vestibular que tem trazido resultados positivos. Dentre as universidades que já estão com o programa, podemos citar: Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a Universidade Estadual de Londrina (UEL) e mais recetemente; a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Estadual de Maringá (UEM). Segundo Gallo e Kohan (2000, p. 92), a inclusão de filosofia no vestibular tem contribuido para melhorar a qualidade das provas discursivas: a inclusão da filosofia nas provas de vestibular tem contribuido também, segundo a Comissão Permanente do Vestibular da Universidade Federal de Uderlândia, para a melhoria da qualidade das provas discursivas das outras disciplinas. Outro aspecto notável, que, segundo Gallo e Kohan (2000), tornou-se resultado da inclusão de conteúdos de filosofia no vestibular, foi o aumento da procura de profissionais formados em filosofia para trabalharem no Ensino Médio, o que, conseqüentemente, resultou no aumento de alunos que procuravam o Curso de Filosofia. Nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal, e mais recentemente Minas Gerais, a Filosofia no Ensino Médio, por legislação estadual, já é obrigatória. A verdade é que até antes de sancionar a lei que regula a obrigatoriedade, o caráter da legislação anterior era a transversalidade do ensino de filosofia. Embora os documentos não excluam o ensino disciplinar nas escolas, a presença transversal nos currículos garantiria, em tese, o cumprimento da LDB. Em uma escola ainda fortemente disciplinar, relegar a filosofia à transversalidade tenderia não apenas a diluir a especificidade da filosofia em meio aos estudos que realmente contam no currículo, como aprofundar a situação de precariedade que se imputa aos professores de filosofia no país, na medida em que poderia servir para reforçar a dispensa de contratação, por parte dos estados, de profissionais especializados para a função. Tendo em vista estas considerações os motivos para institucionalizar a disciplina pesaram mais do que os argumentos para mantê-la na marginalidade. 4. Os Colégios Militares e a Nova Lei Logo que a nova lei foi aprovada pelo CNE(Conselho Nacional de Educação), em julho de 2006, o diretor do Departamento de Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA), órgão do exército responsável pela manutenção do ensino básico no Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), convocou os professores do (SCMB) habilitados nas referidas disciplinas em todo país para estabelecerem os conteúdos prioritários, chamado de CORE, coração, núcleo da disciplina. Desta forma, o objetivo do encontro era reformular o currículo escolar, o antigo Plano de Disciplina e Plano de Estudo (PLADIS/PLAEST). A disciplina de filosofia já era prevista no então 8º ano e no 1º ano, mas o 2º ano do ensino médio ainda não constava. Como conseqüência, fez-se necessário um remanejamento das disciplinas existentes no 2º ano, e a disciplina de geometria descritiva que possuía 2 horas/aula por semana, foi substituída por filosofia e sociologia, sendo 1 hora/aula cada disciplina. O encontro para a discussão da mudança do currículo do ensino médio com os professores habilitados aconteceu no Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ). Todas as atividades foram custeadas pelo DEPA, traslado, hospedagem nos hotéis de trânsito e alimentação. A atividade durou uma semana. Ao professor, foi conferida a autonomia para inserir no currículo conteúdos que se adequassem à realidade de sua cidade. Assim, o resultado dos programas das disciplinas, atualmente, se apresenta de forma diversificada, de acordo com os interesses de cada cidade. A condição estabelecida pelo DEPA foi quanto à metodologia e abordagem de ensino dos conteúdos, prescrevendo de forma didática. Seguindo as instruções do filósofo Silvio Gallo1. Assim, devemos seguir o processo metodológico da abordagem do conteúdo, da seguinte forma: sensibilização, problematização, investigação e conceitualização das unidades didáticas propostas. Para isso, durante a reunião que aconteceu em julho de 2007, os professores participaram de encontros com palestrantes, professores universitários convidados para orientar sobre a escolha do material didático e sobre filosofia e sociologia no vestibular. Foi conferida aos professores a autonomia de escolher três livros didáticos e, dentro deste conjunto, cada cidade poderia escolher a obra de acordo com os temas regionais mais salientados e vivenciados. Os 1 Professor da Faculdade de Educação da Unicamp e autor de diversos livros sobre e o ensino de filosofia. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 46 três livros didáticos escolhidos foram: Fundamentos da Filosofia, Para Filosofar e Temas de Filosofia, da mesma autora do livro Filosofando, utilizado até então pelo SCMB. Como exemplo, temos o Colégio Militar de Fortaleza (CMF), o Colégio Militar de Recife (CMR), o Colégio Militar de Salvador (CMS), que escolheram os Fundamentos da Filosofia, do autor Gilberto Cotrim. Já o Colégio Militar de Juiz de Fora (CMJF) escolheu a obra “Para Filosofar”. Como resultado da reunião, os professores decidiram manter a filosofia no ensino médio nas séries (1º e 2º anos) uma hora/aula por semana e sociologia no 9º ano, e no 2º ano uma hora/aula por semana, cada série. Dessa forma, foi consolidada durante o evento as unidades didáticas dos PLADIS/PLAEST e o SCMB já está cumprindo com a lei que regula a obrigatoriedade destas disciplinas no ensino médio. 5. Demanda de Vagas e Professores Habilitados e prazo para a implantação da lei. Conforme parecer da educação básica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), atualmente, o efetivo de professores de filosofia e sociologia é formado principalmente por não licenciados nas áreas. Nas salas de aula de Sociologia, 88% dos docentes não se formaram na área. Na Filosofia, a porcentagem é de 77%.2 O gráfico abaixo ilustra melhor essa realidade: sociologia para atenderem o ensino médio, tendo em vista a carga horária semanal reduzida à uma hora aula. Cada professor, tendo, em média, dez turmas distribuídas no ensino médio. Contudo, a pesquisa realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), responsável pela formação docente, estipulou que, com a carga horária de três horas semanais, seriam necessários 107.680 docentes em cada uma dessas disciplinas, para atender à nova demanda. A presente estimativa nos leva a concluir em torno de quatro a cinco professores por escola. Na verdade, esse quadro apresenta uma visão otimista das condições de trabalho do docente, levando em consideração um professor com apenas quatro turmas e doze horas semanais. Porém, basta verificar que um professor no Brasil precisa trabalhar em pelo menos duas escolas e ter pelo menos vinte horas semanais para completar seu orçamento. Há 12 cursos de graduação em Sociologia e Estudos Culturais no País e 83 de Filosofia. Quanto à forma de implementação da disciplina e o prazo para a vigência, o processo continua em discussão. No dia 08 de outubro de 2008 foi aprovado o parecer de nº 22/2008, mas que ainda aguarda a homologação. Em resumo, o parecer sugere uma implementação gradual a partir de 31 de dezembro de 2008, sem colocar a imposição imediata nas três séries, seguindo os seguintes critérios: iniciar em 2009, a inclusão das disciplinas em pelo menos um ano do Ensino Médio, preferentemente do primeiro ano do curso; prosseguir essa inclusão ano a ano, até 2011, para os cursos de Ensino Médio de 3 anos de duração, e até 2011, para os cursos de Ensino Médio de 3 anos de duração, e até 2012, para os cursos com 4 anos de duração. (CEB, DF, parecer nº 22/2008) 90% 80% 70% 60% 50% Filos ofia 40% Sociologia 30% 20% 10% 0% lice nciados Não lice nciados Se o parecer for homologado, o prazo para a implementação parece ser coerente com a realidade de nosso efetivo. Assim, espera-se que em 2012 as escolas já tenham se mobilizado para as mudanças na grade curricular e por conseqüência a demanda de professores habilitados também aumentará. 6. Conclusão Existem 25.000 escolas de ensino médio, no Brasil, e 31.118 profissionais ministrando aulas de Filosofia e 20.339 de Sociologia no ensino médio e superior. Isso porque há estimativas de que 17 Estados já tenham aulas dessas disciplinas em pelo menos um ano do ensino médio. Seria possível manter o sistema de ensino com um professor habilitado por escola. É o caso dos Colégios Militares do Brasil, que mantêm um professor habilitado de filosofia e outro de 2 http://www.sofilosofia.com.br/vi_jornal.php?id=21 O fato é que a filosofia assumiu a condição que foi pertinente para cada época. No entanto, podemos observar que mesmo antes da medida ser aprovada, já existia um aumento na produção de material didático de filosofia (revistas, livros, cafés filosóficos e até mesmo filmes) que tentam discutir alguns problemas mundiais à luz da filosofia. Fenômenos como aquecimento global, crises econômicas, atentados terroristas a potências mundiais, problemas de segurança pública nacional, EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 47 corrupção política, segregação socioespacial, delinqüência infanto-juvenil reclamam por uma atitude mais filosófica, questionadora, onde a esperança não se encontra mais na geração adulta, mas na geração jovem que representa, pelo menos teoricamente, o futuro da nação. Claro que a filosofia não é nenhuma tábua de salvação e não podemos afirmar que os problemas mundiais são causados pela ausência da discussão filosófica. Mas, a partir do momento em que os problemas surgem, revela-se a necessidade de descobrir suas causas, suas origens e possíveis soluções. Essa indagação sobre o “porquê” de tudo, a procura de uma resposta fundamentada na razão, consiste no fundamento da filosofia e consistiu no principal motivo de seu surgimento. A educação moral na escola, especialmente a de âmbito filosófico, tem como objetivo apresentar aos alunos os diferentes graus e valores conduzidos pela sociedade, no contexto do debate ético, viabilizado pelo critério argumentativo-reflexivo. Isto porque os discursos pós-modernos incidem diretamente no relativismo moral e, conseqüentemente, no ceticismo factual. É por isso que a educação moral deve nortear o educando e conscientizá-lo de que valores como respeito à dignidade, ao meio ambiente e à vida, são critérios de convivência e sobrevivência imutáveis. Se não dispomos de verdades fixas, também não podemos afirmar que determinados princípios são negociáveis pela impessoalidade presente nas relações. E isso depende da formação ética que o próprio educando poderá encontrar através dos meios que o educador deverá fornecer. Forçosamente, muitos alunos irão reconhecer a dificuldade em filosofia porque escrevem, lêem e interpretam mal, devido ao despreparo em áreas afins, como: português, história e geografia. Com a medida, o ensino superior de filosofia e sociologia será menos estigmatizado. Nosso jovem terá a oportunidade de ampliar seu conhecimento cultural, fazendo-o respeitar as diferenças e valorizar a subjetividade do ser. Estima-se que o mercado de manuais, dicionários e traduções será aquecido. A demanda por cursos de filosofia e a inclusão da disciplina no vestibular também será uma questão de tempo. Entretanto, existem aqueles que culpam as disciplinas de filosofia e sociologia de serem enfadonhas ou inúteis, quando na verdade, isso não passa de um discurso falacioso. A partir do momento em que, elas forem incluídas em todas as escolas, fizerem parte do processo seletivo no vestibular, forem ministradas por profissionais habilitados, onde a escola possa fornecer condições de ensino, de acordo com as necessidades didáticas, poderemos, então, discutir o assunto com maestria. Mas, isso infelizmente ainda não acontece em nosso país. Agora só nos resta observar as mudanças para que possamos inferir nossas conclusões. Por enquanto, ficaremos como espectadores de uma mudança, na esperança que a lei seja cumprida. Referências Bibliográficas BARBOSA, C. L. de A. A filosofia no ensino médio e suas representações sociais. 2005. Tese de doutorado em Educação - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005. BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm>. Acesso em: 14 set. 2008a. BRASIL. 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Cada Indivíduo apresenta características próprias de posturas que podem ser influenciadas por vários fatores: anomalias congênitas ou adquiridas, má postura, obesidade, alimentação inadequada, atividades física sem orientação ou inadequada, distúrbios respiratórios, desequilíbrios musculares, frouxidão ligamentar e doenças psicossomáticas. Assim, a avaliação postural do aluno é importante para que os desequilíbrios possam ser mensurados e as soluções encontradas, para propiciar uma reestruturação completa de suas cadeias musculares e seu posicionamento no movimento. Nesse contexto, a Seção de Educação Física do Colégio Militar de Fortaleza implantou um programa de avaliação postural em escolares do ensino fundamental, público alvo dessa pesquisa, com o objetivo de identificar desvios posturais. Neste estudo descritivo e transversal foram avaliados 530 alunos na faixa etária de 10 a 16 anos, sendo 222 do sexo masculino (41,88 %) e 308 do sexo feminino (58,11%). Para a identificação dos desvios posturais mais evidentes, foi utilizado um simetógrafo com os alunos em posição anterior, posterior e de perfil. Os desvios mais significativos foram de ombros (27,35%) e quadril (27,16 %). Conclui-se que a implantação de programas de avaliação postural nas escolas, é de fundamental importância, visto que professores de educação física poderão não só orientar pais e alunos, bem como intervir através de atividades físicas corretivas para os desequilíbrios posturais. Palavras-chave: Postura, Avaliação Postural, Desvios Posturais Abstract: The posture of the student can be defined as the position that the body stays at in space and the relationship of its parts with the center of gravity. In order for the body to be in good posture, our neuromusculoesquelétic system must be in harmony and balance. Each individual has his/her own characteristic of postures that can be influenced by several factors: congenital or acquired anomalies, inadequate posture and nutrition, obesity, physical activity without proper guidance, respiratory disorders, muscle imbalances, ligament laxity and psychosomatic illnesses. Therefore, the assessment of posture in the student is important so imbalances can be measured and solutions found for better posture. This will enable the complete reconstruction of the muscle chains and their position in movement. In this context, the Physical Education Section of the Military School of Fortaleza implemented a program of postural assessment which aimed to identify postural deviations or flaws in the posture of high school students. This descriptive and cross-cutting study analyzed 530 students aged from 10 to 16 years, with 222 males (41.88%) and 308 females (58.11%). To identify the more evident postural deviations in students it was used a simetry, looking from the front, the back and the side. The most significant deviations were shoulder (27.35%) and hip (27.16%). It is necessary to create and put in practice programs to identify postural deviations in high school, programs where you have the physical education teacher helping the students and their parents by giving advice and even recommending special activities to help correct the postural problem. Keywoards: Posture, Postural Assessment, postural deviations 1 Colégio Militar de Fortaleza. ² Faculdade Integrada do Ceará EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 50 1. Introdução Define-se postura como a posição que o nosso corpo adota no espaço, bem como a relação direta de suas partes com o centro de gravidade, (VERDERI, 2008). Para que possamos estar em boa postura, é necessário uma harmonia e equilíbrio do sistema neuromusculoesquelético. Cada indivíduo apresenta características individuais de posturas que podem vir a ser influenciadas por vários fatores: Anomalias congênitas ou adquiridas, má postura, obesidade, alimentação inadequada, atividades física sem orientação ou inadequada, distúrbios respiratórios, desequilíbrios musculares, frouxidão ligamentar e doenças psicossomáticas, (Vilarinho, 2002). A avaliação postural permite mensurar os desequilíbrios e se adequar uma melhor postura aos individuos, possibilitando a reestruturação completa das cadeias musculares e seu posicionamento no movimento. Nos dias atuais, doenças da coluna têm sido consideradas um sério problema de saúde pública, pois se apresentam com alta incidência na população, incapacitando-a temporária ou definitivamente para atividades profissionais. Segundo Luca (1999), no Brasil, os dados fornecidos neste ano pelo INSS mostraram que a principal causa de aposentados por invalidez é tais afecções. Um estudo realizado na Academia Americana de Ortopedia, nos EUA, revelou que, numa população de 20 milhões de incapacitados, 8,4 milhões de casos eram por doenças da coluna. Ao relacionar o ambiente escolar com postura, percebe-se que os problemas são diversos, tais como: causas ergonômicas, como as encontradas no transporte do material escolar; arquitetura desfavorável do imóvel; disposição e proporções inadequadas do mobiliário, as quais, provavelmente, serão responsáveis pela manutenção, aquisição ou agravamento de hábitos posturais inapropriados (BRACCIALI E VILLARTA, 2000). Considerando que as crianças permanecem por um longo período de tempo nas instituições escolares e que essas podem não apresentar condições ergonômicas adequadas, torna-se conveniente realizar estudos sobre alterações posturais, sobretudo as da coluna vertebral, por entender que as mesmas possam gerar agravos futuros e também pelo elevado número de adultos incapacitados para uma vida social ativa por problemas nesse segmento. Nesse contexto, constata-se que o ambiente escolar é onde se encontram crianças e adolescentes, que desenvolvem hábitos posturais incorretos e que praticam atividades físicas não compatíveis com o seu desenvolvimento (BRACCIALI, 2000). É com base nesses fatos que a escola se apresenta como local ideal para atuação do profissional de Educação Física não só para jogos, esportes, dança e recreação, mas também, para atuar na educação postural dos alunos, prevenindo e orientando os desequilíbrios posturais. Afinal, é na escola que se encontra o maior número de crianças reunidas, e onde se pode aplicar os recursos disponíveis em sua formação (Ribeiro, 2003), informar pais e alunos da importância de melhores posicionamentos da postura, prevenir desequilíbrios, diagnosticar precocemente e orientar com eficiência, a fim de combater o aparecimento e desenvolvimento de alterações posturais. O Colégio Militar de Fortaleza, escola de ensino fundamental e média, lidando com crianças e adolescentes, através da sessão de Educação Física, desenvolve um trabalho de vigilância desses agravos, realizando avaliação e diagnóstico de problemas posturais e encaminhamento para atividades de maior benefício sem oferecer riscos à saúde, já que conta com a orientação de profissionais habilitados. Assim, o presente trabalho tem como objetivo avaliar desvios posturais em alunos do ensino fundamental. 2. Metodologia 2.1. Tipo de estudo Estudo descritivo, transversal e quantitativo. 2.2. Amostra Foram avaliadas no período de março de 2008, 530 alunos do ensino fundamental, distribuídos em 84 alunos do sexto ano, 116 do sétimo ano, 160 do oitavo ano e 170 do nono ano, sendo ainda, 222 do sexo masculino e 308 do sexo feminino 3. Material e Método Foi utilizado um simetógrafo (Tela demarcada com linhas horizontais e verticais para observar pontos antropométricos) empírico da marca Sanny, os alunos colocados em pé, a frente dele, inicialmente na posição anterior, e identificado a posição de alguns pontos anatômicos, como por exemplo: acrômios, cristas ilíacas, trocânteres, côndilos, maléolos etc. Após isso, a altura dos pontos do lado esquerdo foi comparada com os do lado direito em relação às linhas horizontais e verticais do aparelho e pôde-se observar as diferenças existentes com relação à simetria desses pontos. Na posição anterior, foram observadas assimetrias nos ombros, quadril, joelhos, tornozelos e pés, sendo que, para o presente artigo, foram analisados os dados referentes aos ombros e quadril. Os dados foram processados, utilizando o programa estatístico excel, integrante do pacote Office, 2007. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 51 4. Resultados No Quadro 1, observa-se a quantidade total de alunos, apresentando todas as séries e as quantidades por sexo. Série 6º Ano 7º Ano 8º Ano 9°Ano Total Alunos 84 116 160 170 530 Feminino 39 44 69 70 222 Masculino 45 72 91 100 308 Quadro – 1 Quantidade total de alunos por sexo No Quadro 2, em anexo, apresenta-se uma mostragem geral de todos os desvios detectados e analisados. O Gráfico 1, em anexo, apresenta os desvios de ombros e quadril dos lados direito e esquerdo das turmas do sexto ano O gráfico 2 apresenta os desvios de ombros e quadril dos lados direito e esquerdo das turmas do sétimo ano O gráfico 3 apresenta os desvios de ombros e quadril dos lados direito e esquerdo das turmas do oitavo ano O gráfico 4 apresenta os desvios de ombros e quadril dos lados direito e esquerdo das turmas do nono ano 5. Discussão Foram avaliados 530 alunos, o desvio postural mais significativo foi de ombro, representando 27,35% dos alunos analisados, enquanto o desvio de quadril apresentou um percentual de 27,16%. Nas análises específicas por séries, nos alunos do sexto ano, constatou-se a prevalência dos desvios de ombros 29,76% em relação às do quadril 27,38%. Supõe-se que essa preponderância dos desvios de ombro em relação às do quadril esteja relacionado ao peso excessivo das mochilas, constatado em um estudo similar a esse, dos mesmos autores. No sétimo ano, ocorre o contrário, o desvio mais significativo foi o de quadril, 36,20% e o de ombros apresentou um percentual de 31,03%. Ambos são considerados elevados, o que leva a crer que tais ocorrências devam-se ao fato de que os desvios tenham acompanhado o crescimento compatível com a faixa etária. No oitavo ano, os percentuais têm queda significativa, apresentando 23,12% de desvios de ombros e 17,50% de desvios de quadril. A teoria, que poderia justificar tal ocorrência, seria o final de um dos picos de crescimento e o inicio das consolidações ósseas. No nono ano, os percentuais voltam a subir de forma preocupante, os desvios de ombros apresentaram um valor de 27,64% e 30,00% para o quadril. Uma das teorias, que poderiam justificar esse evento, seria a consolidação dos centros de calcificação óssea perante as más posturas evidenciadas no dia-a-dia. 6. Conclusão Conclui-se, portanto, que se faz necessário a correta identificação de desvios posturais, como também a implantação de programa de avaliação postural nas escolas, onde os professores de Educação Física possam orientar os pais, alunos e intervir através de atividades físicas corretivas para os desequilíbrios posturais. Referências Bibliográficas BRACCIALI, L.M.P. e VILARTA, R. Aspectos a serem considerados na elaboração de programas de prevenção e orientação de problemas posturais. Revista Paulista de Educação Física, 14 (2): 159-71, jul./dez. 2000. LUCA, M. C. Z. Prevenção e tratamento das lombalgias. Revista Fisioterapia em Movimento, 13 (1): abr/set. 1999. RIBEIRO, C.Z.P.; AKASHI, P.M.H.; SACCO, I.C.N.; PEDRINELLI, A. Relação entre alterações posturais e lesões do aparelho locomotor em atletas de futebol de salão. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, 9 (2): mar/abr, 2003. VERDERI, E. A importância da avaliação postural. Disponível em: http//www.programapostural.com.br/educaçãopostural htm Acesso em: 20 agosto 2008. VILARINHO RMA. Incidência de hipercifose como alteração postural em escolares de 6 a 17 anos em uma escola pública municipal da cidade Catanduva. Rev Acta Fisiátrica 2002; 1(9). KAVALKO TF. A manifestação de alterações posturais em crianças de primeira a quarta séries do ensino fundamental e sua relação coma ergonomia escolar. Rev Bras Fisioterapia 2000; 2(4). EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 52 Anexos Quadro 2 – Quadro geral dos alunos avaliados Gráfico 1 – Desvios de ombro e quadril do sexto ano EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 53 Gráfico 2 – Desvios de ombros e quadril do sétimo ano Gráfico 3 – Desvios de ombros e quadris do oitavo ano EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 54 Gráfico 4 – Desvios de ombros e quadril do nono ano EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 55 7. A SALA DE AULA DE LíNGUA INGLESA: Um Espaço de Descobertas e Novas Aprendizagens Renata Rovaris Diório1 Resumo: Este artigo trata-se do principal objetivo do ensino do Inglês, em escolas da rede oficial de ensino, que deve ser: possibilitar ao aluno tornar-se cidadão do mundo, comunicando-se com o meio globalizado em que vive, participando do mesmo e transformando-o, por meio de sua ação, em uma sociedade mais justa. Por “cidadão do mundo” entendo o homem que pode participar e interagir com o cenário internacional por meio da aquisição da língua inglesa. Nesse sentido, o aprender inglês propicia condições ao aluno de interagir com outros povos, o que lhe permite com mais facilidade apropriar-se do saber historicamente elaborado pela humanidade. Além disso, o aprendizado contextualizado da língua inglesa deve representar uma nova experiência de vida ao aluno, permitindo-lhe também o conhecimento da realidade onde vive. Esse artigo tratase de uma revisão bibliográfica, abordando a prática docente, enfocando o planejamento do professor, a sala de língua inglesa como um cenário de descobertas para o aluno e como esse idioma é trabalhado em sala de aula. Refiro-me também aos processos de aquisição da leitura e da escrita na língua-alvo, explicitando a necessidade de esses serem compreendidos pelos professores para que possam orientar os seus alunos no desenvolvimento dos mesmos. Espero, portanto, que esse artigo possa contribuir na construção de alguns “pontos de chegada” sobre os processos de ensino e de aprendizagem de inglês, assim como, na reflexão sobre a aquisição da linguagem, na sala de aula de língua inglesa. Palavras-chaves: Aquisição da Linguagem. Processos de Ensino e de Aprendizagem da Língua Inglesa. Prática Docente. Abstract: This article talks about the main aim of teaching English at the public schools, which it must be: to make opportunities to the student to become a world citizen. So, the student may communicate with the global world where he/she lives, participating in it and changing it, if it’s possible, by his/her action for a better and a fair society. For the expression “world citizen”, I think it’s the man that may participate and interact with the international surroundings by the acquisition of the English language. On this way, learning English it’s a possibility for the student to get ready, using it as a tool for interaction with other people from different cultures and backgrounds, in order to help himself/herself to understand the historical social knowledge that has been built by the mankind more easily. Besides, the contextual knowledge of the English language may stand for a new experience of the student’s life, giving him/her the knowledge and the comprehension of the reality where he/she lives in. So, this article is a historical review that talks about the teaching practice, it focus the teacher’s action and the English classroom as a “passport” to the student for new discoveries in his own life. So, it talks about how this target language has been taught at the classroom, nowadays. I also explain the reading and writing acquisition processes in this target language, focusing the necessity of the language teachers understand them in order to teach their students some strategies to develop these different processes. I hope that this article may contribute with some conclusions about the teaching and learning English processes and it may make some reflections about the general acquisition language at the English classroom. Key Words: Language Acquisition. Teaching and Learning English Processes. English Teaching Practice. 1 Mestre em Educação pela UFC. Especialista em Métodos e Técnicas de Ensino pela UNIDERP. Graduada em Letras pela UFMS. Graduada em Direito pela FUCMT. Professora do Colégio Militar de Fortaleza. Pesquisadora na área de Formação Docente. E-mail: [email protected] EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 56 1. A Importância do Planejamento no Ensino do Inglês Para atingir o principal objetivo do ensino do inglês nas escolas, que é possibilitar ao aluno tornarse cidadão do mundo, comunicando-se com o meio globalizado em que vive, participando do mesmo e transformando-o, por meio de sua ação, em uma sociedade mais justa, é necessário planejar, executar e avaliar, continuamente, a prática docente. Esses procedimentos equivalem às ações docentes, em sala de aula, e, por isso, tornam-se fundamentais. O ato de planejar, segundo Luckesi (2005, p.146) “[...] é um ato decisório, político, científico e técnico.” Político porque estabelece uma finalidade a ser intencionalmente construída. Nessa perspectiva, acredito que toda e qualquer ação humana depende de uma decisão filosófica-política. Nesse caso, o professor de inglês há de almejar o desenvolvimento integral do seu aluno. Contudo, o planejamento incide na competência aplicada do professor, porque está intimamente ligado às teorias científicas que explicam e compreendem a realidade, e ao técnico, porque necessita de metodologias e técnicas de ensino que mediam a decisão (opção) política e a compreensão científica no ato educativo. Portanto, planejar não é um ato mecânico de preencher formulários, mas um ato de decisão política. E esse implica em um novo modo de agir do professor. Isso posto, a escola deve ter um projeto pedagógico e o planejamento do professor deve estar em consonância com o mesmo. Esse projeto pedagógico define os objetivos da educação, enquanto o planejamento define os conteúdos socioculturais destinados a serem trabalhados com os alunos. Assim, a execução de um planejamento não é linear, mas sim perpassada por processos de execução, de avaliação, de reorientação da ação docente naquele determinado momento. Nesse sentido, entendo a avaliação em sua dimensão diagnóstica, não a concebendo como mera verificação da aprendizagem que tem por objetivo a classificação do educando, num certo estágio de desenvolvimento. A avaliação, conforme Luckesi (2005, p.166), “[...] é um meio de poder que decide sobre a vida do educando e não um meio de auxiliá-lo ao conhecimento.” No entanto, acredito que a avaliação deve ser um subsídio para o redirecionamento que venha a ser necessário na trajetória da ação docente. Mas, planejar implica em conhecer, em ter conhecimento para agir. E, durante a execução do planejamento, há necessidade de um ensino e de uma aprendizagem sistemáticos, e, de acordo com Luckesi (2005, p.151) “[...] com base na assimilação receptiva de conhecimentos e metodologias, bem como, sua exercitação e aplicação, chegando à inventividade de novos conhecimentos.” A assimilação receptiva de informações e metodologias, assim como a exercitação do apreendido, a aplicação do mesmo conhecimento para a resolução de problemas e a inventividade de soluções para problemas novos, equivalem às etapas do processo de ensino, juntamente com os alunos. Por isso, deve haver um encadeamento lógico entre objetivos, conteúdos socioculturais e instrumentos metodológicos do ensino pelo professor, no ato de planejar sua ação em sala de aula. Sem isso, o planejamento não servirá para direcionar ou redirecionar a sua ação docente. Nessa linha de raciocínio, é necessário optar e decidir sobre quais conteúdos científicos os alunos têm necessidade de adquirir. É importante optar por diferentes gêneros textuais, para que o aluno tenha contato com diversas unidades lingüísticas. Além disso, os textos, principalmente, os originais, oferecem aos alunos a possibilidade de conhecer aspectos relativos às praticas culturais dos povos que têm o inglês como língua materna. Esses textos revelam a realidade sóciohistórico-cultural daqueles que os escreveram, dos grupos a que pertencem e dos grupos que os lêem. Assim, as atividades que podem ser planejadas constituem em: situações comunicativas, como representações de livros lidos, encenação de textos teatrais, produção de textos informativos, roteiros de entrevistas, leituras de revistas, jornais e sites da Internet, entre outras. É importante garantir que essas atividades sejam do interesse da faixa etária do grupo de alunos a que se destinam e que estejam de acordo com o grau de dificuldade dos alunos em trabalhar a língua. Isto não significa exigir pouco do aluno, mas propiciar “doses” certas de desafios, para que os alunos não se sintam desmotivados, quanto à aquisição do novo saber. Somente estimulando a participação dos alunos e mediando o conhecimento que trazem, por meio de inúmeros recursos e atividades diversificadas, é que o professor pode ajudar a construir novas competências lingüísticas e novos conhecimentos. Nesse sentido, como já mencionei anteriormente, os objetivos sempre determinam quais são os conteúdos socioculturais a serem trabalhados em Inglês. O professor, após escolher esses conteúdos, possui uma grande variedade de opções de textos, como os literários, jornalísticos, científicos, etc. Além disso, pode utilizar-se de técnicas como o skimming (estratégia de leitura, de forma rápida, buscando informações gerais sobre o texto), que consiste em ler, rapidamente, procurando as idéias principais, ou por informação específica no texto; o scanning (estratégia de desenvolvimento de leitura, visando à compreensão do texto mais detalhado), que é a leitura mais vagarosa, buscando a compreensão mais detalhada, como por exemplo, a identificação de uma seqüência de eventos na história e suas EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 57 conseqüências. Assim, a definição dos objetivos alicerçada no interesse sociopolítico de que o aluno aprenda o Inglês é de extrema importância ao trabalho do professor, porque encaminha e norteia a sua ação pedagógica. E segundo Luckesi (2005, p.46): Um educador que se preocupe com que a sua prática educacional esteja voltada para a transformação, não poderá agir inconsciente e irrefletidamente. Cada passo de sua ação deverá ser marcado por uma decisão clara e explícita do que está fazendo e para onde possivelmente está encaminhando os resultados de sua ação. Há necessidade, portanto, de reflexão constante sobre a ação docente, para que o professor reoriente-a, visando ao sucesso da aprendizagem do aluno. Cada decisão do professor implicará em conseqüências nos processos de ensino e de aprendizagem, por isso deve ser fundamentada em sua competência aplicada e não tão somente no senso comum (competência implícita). Nessa linha de raciocínio, quando os professores de inglês entram em suas salas de aula, planejam unidades de ensino, criam materiais e avaliam seus alunos. Suas ações pedagógicas orientam-se pela abordagem de ensinar. Essa abordagem é fruto de crenças, princípios, concepções do professor acerca da cultura de aprender dos alunos (representação social dos mesmos), da tradição da escola, dos filtros afetivos dos alunos e dos próprios professores, da ideologia do livro didático adotado, enfim, da “tensão” dessas forças. Por isso, o professor de inglês deve ter consciência do “peso” ou significado de suas representações e, principalmente, reconhecer que sua prática pedagógica não é neutra, porque a mesma está fundamentada em seu arcabouço teórico-prático (competências: implícita, aplicada e profissional). Devido a isso, o professor deve refletir sobre sua própria prática, revendo-a, modificando-a, renovandoa, inovando-a, de acordo com as expectativas e necessidades dos seus alunos. Desse modo, pode tornar os processos de ensino e de aprendizagem do Inglês mais sígnico aos discentes. Isso posto, passo a analisar algumas concepções da aquisição da linguagem, por achar que esse conhecimento é pressuposto para a compreensão da prática docente. 2. A Aquisição da Linguagem na Sala de Aula de Inglês Para que, posteriormente, trace algumas considerações sobre a prática do professor de Inglês, torna-se necessário falar sobre as concepções da aquisição da linguagem. Analisar a aquisição da linguagem é revelar a importância de falar, ouvir, ler e escrever, assim como, adquirir outras competências sociolingüísticas. Mas para isso, é necessário que o aluno desenvolva habilidades lingüísticas e psicológicas, que se estendem desde a decodificação de palavras até a compreensão de textos escritos. Desse modo, a leitura passa a ser um processo de aquisição de estratégias cognitivas e metacognitivas, cabendo ao professor ensiná-las por meio de pistas, de “dicas”, na medida da realização dessas leituras. Nesse sentido, a linguagem é concebida como uma forma de interação social que vai além do domínio semântico, bem como da estrutura textual. Ela significa conhecer o sentido e o significado social para compreender como as pessoas interpretam e representam a si mesmas e a realidade na qual estão inseridas. Os atos de ler e de escrever podem encerrar o prazer que o indivíduo encontra em estar consigo, de sonhar, de fantasiar, de esquecer, de penetrar em outros mundos, enfim, de “falar sozinho”. E se o aluno não tem esta atitude, diante da leitura e da escrita, ele provavelmente tem dificuldades na aquisição da língua materna, e, por conseguinte, na língua estrangeira. Ler significa desvendar sentidos que estão nas entrelinhas dos textos, ultrapassar barreiras do aparente, compreender a intencionalidade do autor do texto, mediante o contexto em que esse se insere. Ler é, principalmente, dialogar com o texto, colocando-se no lugar do escritor do texto, objetivando a compreensão da mensagem. A leitura corresponde a um processo que “[...] envolve aspectos cognitivos, metacognitivos, estratégias de controle e regulamento do próprio conhecimento; reflexão sobre o próprio saber, o que torna esse saber mais acessível às mudanças” (KLEIMAN, 1989, p.9) e psicolingüísticos (aspectos lingüísticos, que envolvem também, elementos psicológicos dos aprendizes), pois constitui um ato social. Logo, tanto estratégias de leitura, quanto habilidades lingüísticas são necessárias para o ato de ler. As estratégias metacognitivas são aquelas que envolvem o porquê de ler e para qual finalidade se lê. A não compreensão do enunciado é o primeiro passo, para que o leitor consciente possa averiguar os motivos pelos quais não entendeu o texto, bem como os caminhos a serem tomados para o entendimento textual. Através de estratégias como releitura do texto, resumo do texto com os principais temas nele abordados, análise semântica de palavras chaves, entre outras, o leitor pode compreender melhor o escrito e a intencionalidade do autor do texto. As estratégias cognitivas da leitura são inconscientes ao leitor, ou seja, estão em nível do subconsciente, propiciando ao mesmo fazer uma EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 58 análise semântica-sintática do texto. Para Kleiman (1989, p.13), as estratégias cognitivas estão inseridas no conhecimento prévio do aluno. Este se divide em: “[...] conhecimento lingüístico, conhecimento textual e o conhecimento de mundo e são ativados durante o processo de leitura.” Por isso a leitura é considerada um processo interativo, pois envolve todos estes “saberes”. Isso significa que o professor deve respeitar o conhecimento prévio do aluno, mediando seu conhecimento sociolingüístico e textual, visando à aprendizagem de novos conhecimentos. Para um entendimento da leitura, é preciso que se faça a análise da linguagem falada e escrita, pois segundo Smith (1989, p.42, há dois aspectos que devem ser considerados neste processo de aquisição da leitura: “[...] a estrutura aparente da linguagem e sua estrutura profunda [...] A estrutura aparente é a informação visual da linguagem escrita [...], enquanto que em contraste à estrutura aparente, o significado da linguagem, seja falada ou escrita, pode ser chamado de estrutura profunda.” Para o autor, esses dois aspectos estão separados por um abismo, não havendo relação direta entre ambos. Enquanto que a estrutura aparente consiste no conhecimento da gramática formal, normativa, regras de semântica e sintaxe, a estrutura profunda consiste na busca do significado. E isso está além dos sons, da mera tradução das palavras. A estrutura profunda é holística, é global, não separa os eventos ou suas descrições em elementos fragmentados. Não faz sentido o leitor decodificar a linguagem escrita em fala porque são elementos distintos. A linguagem escrita não se torna mais compreensível pela fala, mas sim pelas leituras de mundo que o leitor possa ter. Além disso, é preciso considerar, ainda, as circunstâncias na qual a valorização é feita, devido às relações de poder que elas podem representar, entre outros aspectos. O aluno deve saber “falar” diferente de pessoas e contextos diferentes. Usar a formalidade da língua-alvo somente quando for necessário, assim como, ser informal no uso diário do inglês. Porém, faz sentido a linguagem escrita, se envolver de significações, através das palavras, visando ao verdadeiro entendimento da mensagem. Isso porque a palavra isolada não quer dizer nada, só tem sentido dentro de uma sentença, em um contexto, para um leitor específico. Portanto, as palavras podem ser ambíguas (polissêmicas) e o significado dessas, depende do contexto e das opções de mundo do leitor. Para Smith (1989, p.48), a compreensão da linguagem pode ocorrer também pela previsão, e esta significa: [...] simplesmente que a incerteza do ouvinte ou do leitor está limitada a umas poucas alternativas prováveis e desde que a informação possa ser encontrada na estrutura aparente do que foi ouvido ou lido para a eliminação da incerteza remanescente – para indicar qual alternativa prevista é apropriada, então a compreensão se realiza. A previsão permite, segundo o autor, extrair significado de todos os eventos de nossas vidas. O mesmo ocorre com a aquisição da leitura em inglês, ela deve possuir certo grau de previsibilidade do aluno, para que esse compreenda mais facilmente a mesma. A razão de o leitor poder prever é poder facilitar aos alunos a aprendizagem da leitura a a partir de um material que encontrem sentido. Dessa forma, se o material for desconhecido ou fragmentado, torna a previsão impossível e a leitura compreensiva mais difícil de se realizar. Ainda sobre o ato de ler, enfatizo que esse é um processamento cognitivo e por isso deve ser ensinado, em sua relação com o autor do texto, “[...] entre linguagem escrita e compreensão, memória, inferência e pensamento”. (KLEIMAN, 1998, p.31). Esse processo começa pelo ato de perceber o objeto (o texto), como um todo, inserido em um contexto, sem isso, o aluno/leitor acaba adquirindo a leitura, de uma forma mecânica, descontextualizada da realidade. Kleiman (1998, p.32) faz um resumo desse processo cognitivo e psicológico, que consiste em: a. o processamento do objeto (do texto) começa b. c. d. pelos olhos, que permitem a percepção do mesmo (conhecimento instantâneo das palavras); esse material passa a uma memória que o organiza em unidades significativas (reconhecimento das palavras do léxico); o mesmo material passa por outra memória que ativa conhecimentos anteriores (reconhecimento sintático das palavras) e, passa por uma memória mais profunda, uma análise mais acurada do texto, juntamente, com a sua análise semântica, chegando a seu significado (reconhecimento sintático-semântico). O processo de leitura depende de muitos fatores: tanto cognitivos, quanto psicológicos, perpassando por uma memória aparente e outra profunda, para traduzir os significados dos enunciados das mensagens. Portanto, a previsão lingüística, necessária à aquisição da leitura, consiste em olhar ao redor para o tipo de linguagem falada, usando também o conhecimento anterior do leitor. Mas, para isso, é necessário seguir uma linha de pensamento, com argumentos coesos, alicerçados pelo processo de leitura acima citado. Vale ressaltar, também, que o conhecimento lingüístico envolve conhecimentos morfossintáticos e fonéticos, assim como, o próprio uso da língua inglesa. O conhecimento textual implica em distinguir a EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 59 estrutura narrativa dos textos, por exemplo: marcação temporal, cronológica, pela causalidade (causa e tempo), identificação dos temas do texto (ênfase nas idéias e não nas ações), fazer analogias, teses, hipóteses, conclusão sobre o texto. Quanto mais conhecimento textual (narrativo, descritivo ou argumentativo), mais fácil será sua compreensão, porque o conhecimento das estruturas textuais (da estrutura expositiva) e de tipos de discurso determina as expectativas dos alunos em relação ao texto. Para o aprendizado do inglês, isso significa ter mais facilidade na apreensão das idéias e do próprio contexto do texto, tornando essencial à compreensão da leitura e, por conseguinte, da escrita em inglês. Nesse sentido, o conhecimento partilhado da cultura envolve fazer inferências sobre as diversas variações lingüísticas, baseadas em culturas diferentes, visando à compreensão do texto. Isso contribui, em demasia, para o desenvolvimento da leitura em inglês, pois o conhecimento de mundo é fundamental para todas as áreas do conhecimento. É essencial também que o professor perceba que há variações lingüísticas da língua-alvo. Isso corresponde em entender que a linguagem também pode modificar, tanto na língua materna, quanto na língua-alvo, podendo ter diferentes estilos, incorporando gírias, ou até mesmo, dialetos de um grupo social específico. Para Kleiman (1998, p.40), “[...] a aprendizagem é construída na interação de sujeitos que têm objetivos comuns.” Aprender a ler, não é decifrar ou decodificar, mas compreender o significado e o sentido das mensagens dos diferentes interlocutores no enunciado do texto, possibilitando a interação. Esse processo cognitivo de aquisição da linguagem é essencial ao ensino da língua inglesa e o professor precisa estar consciente de seu papel como mediador, facilitando a aprendizagem dessa línguaalvo. Portanto, um dos procedimentos a ser desenvolvido pelo professor de língua materna, ou de língua inglesa, no decorrer do processo da leitura, é o ensino do vocabulário. Todavia, esse não pode ser mais entendido como aquele que busca o significado das palavras no dicionário apenas, mas aquele que vai, além disto. Isso não significa menosprezar o uso do dicionário, porém, mostrar ao aluno a característica polissêmica das palavras, em virtude de contextos diferentes. Por isso, os idiomas não podem ser traduzidos de forma mecânica, isto é, palavra por palavra, de uma língua para outra, pois, dependendo do contexto, existem vários significados para uma mesma palavra (a polissemia), sem falar nos vários significados que a palavra vai adquirindo, de acordo com o seu caráter volitivo-emocional e de acordo com a entonação em que a mesma é produzida. O aluno tem de aprender que o contexto vale muito mais no entendimento do enunciado, do que a tradução literal das palavras. Não que o uso do dicionário não seja importante para a ampliação do vocabulário, mas não é somente desse modo que o aluno apreende novas palavras. Nessa linha de raciocínio, segundo Kleiman, um dos aspectos mais importantes no processo de desenvolvimento da leitura, é a escolha de atividades, baseadas na convergência da própria leitura, até que o aluno possa desenvolver as estratégias necessárias para uma leitura pessoal, individual e singular. A autora ainda acrescenta que “[...] para que haja uma possibilidade de interação com o autor, é crucial, que a divergência na interpretação, esteja fundamentada na convergência, que se fundamenta, por sua vez, não em uma leitura autorizada, mas na análise crítica dos elementos da língua que o autor utiliza” (KLEIMAN, 1998, p.61). A divergência na interpretação consiste na possibilidade do enunciado ter vários sentidos, mas convergir para o mais conhecido. O leitor também pode ter um entendimento diferente da idéia do autor do texto, devido às suas experiências, às suas vivências. O que possibilita caráter dialógico da linguagem, em que autor e leitor interagem, buscando o entendimento recíproco do texto. Nessa perspectiva, para o desenvolvimento das habilidades de leitura, o professor deve recorrer a diversos tipos de materiais de leitura: literatura, livros didáticos, obras técnicas, dicionários, listas, enciclopédias, quadros de horário, catálogos, jornais, revistas, anúncios, cartas formais e informais, cardápios, músicas, sinais de trânsito, receitas, entre outros materiais. Assim, a leitura pode ocorrer nas mais diversas situações: “[...] de um recital público de poesia ao exame privado de listas de preços e horários de ônibus” (SMITH, apud SOARES, 2000, p.69). Isso possibilita tornar compreensivo e ter significado a aquisição do inglês aos alunos. Portanto, o material utilizado para aquisição da linguagem oral e da linguagem escrita na língua-alvo pode ser desde a elaboração de uma lista de compras até uma redação mais elaborada. Sob essas considerações, há um grande número de habilidades cognitivas e metacognitivas que constituem a leitura e a escrita. Enquanto as habilidades de leitura estendem-se da habilidade de decodificar palavras escritas à capacidade de integrar informações de diferentes textos, as habilidades de escrita estendem-se da habilidade de registrar unidades de som até a capacidade de transmitir significado de forma adequada a um leitor. Segundo Soares (2000, p.70), a escrita: [...] engloba desde a habilidade de transcrever a fala, até habilidades cognitivas e metacognitivas; inclui a habilidade motora (caligrafia), a ortografia, o EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 60 uso adequado de pontuação, a habilidade de selecionar informações sobre um determinado assunto e de caracterizar o público desejado como leitor, a habilidade de estabelecer metas para a escrita e decidir qual é a melhor forma de desenvolvê-la, a habilidade de organizar idéias em um texto escrito, estabelecer relações entre elas, expressá-las adequadamente. Isso significa dizer que o desenvolvimento da escrita não é algo tão simples porque corresponde ao conhecimento e ao domínio de várias habilidades cognitivas, lingüísticas, sociolingüísticas e metalingüísticas. Além de expressar bem as suas idéias, os alunos devem escrevê-las corretamente, usando o código lingüístico para tal feito e, ainda, devem saber os porquês e os objetivos que querem alcançar com tal escrita específica. Todavia, com relação ao processo de aquisição da leitura, Kleiman (1998, p. 52), afirma: “[...] se os professores de outras disciplinas se envolverem neste processo de aquisição da leitura, as oportunidades de construir objetivos significativos para a leitura se multiplicariam.” Mas, para isso, os processos de aquisição da leitura e da escrita devem ser vistos, não somente, como atividades, meramente, escolares, e exclusivamente, nas aulas de língua portuguesa e/ou língua inglesa, mas como instrumentos de preparo para o exercício pleno da cidadania de qualquer indivíduo. Isso porque o conhecimento científico deve ser prioridade na educação dos indivíduos, para que estes possam participar da sociedade, transformando-se por meio de sua ação. Digo, dessa forma, porque acredito que conhecer, compreender, conscientizar-se é o primeiro passo para a emancipação do indivíduo. E para que ele possa transformar a sociedade, é necessário que tenha domínio do conhecimento científico construído pela humanidade ao longo dos tempos. Esse é um dos objetivos principais da educação humana. 3. Conclusão O professor de Inglês, portanto, em seus primeiros contatos com os alunos, deve conversar sobre a importância da leitura na vida do indivíduo. Essa conscientização é significativa, pois, se o aluno apresenta dificuldades na leitura em língua materna, não compreende o significado dos enunciados, não gosta de ler, ou ainda, não têm o hábito da leitura, é porque não vê a necessidade da mesma, ou porque o professor não utiliza estratégias de ensino, que o motive enfrentar os desafios da leitura. Para isso, o professor de língua inglesa precisa ser “[...] um profissional que atue de modo criativo e não reprodutivo” (DEMO apud CELANI, 1996, p.12). A criatividade é necessária na profissão do professor, assim como, em qualquer outra profissão nos dias atuais. Sem ela, o professor somente transmite conteúdos. E a mera transmissão de pontos gramaticais não possibilita ao aluno aprender o inglês, porque adquirir uma língua-alvo vai muito mais além da codificação ou decodificação, demanda raciocínio lógico, compreensão, estabelecimento de relações, novas compreensões. Nesse sentido, Luckesi (2005, p.42) afirma que, para o professor trabalhar em sala de aula, é necessário: “[...] romper com esse estado de coisas, rompendo com o modelo de sociedade e com a pedagogia que o traduz.” Isso significa que, para modificar a ótica conteudista do professor, faz-se necessário mudar paradigmas, que só reproduzem os conceitos da sociedade neocapitalista. Isso porque a pedagogia só traduz o tipo de sociedade que estamos inseridos. Nesse sentido, penso que a tensão das lutas de classe entre a burguesia e o proletariado, deve promover uma sociedade mais igualitária e justa, rompendo com a pedagogia da opressão, da reprodução do saber e dessa forma, promover também a pedagogia da libertação, da autonomia dos indivíduos. 4. Referências Bibliográficas CELANI, M.A.A. O perfil do educador do ensino de línguas: o que muda? Comunicação apresentada em mesa-redonda. In: ENCONTRO NACIONAL DE POLÍTICAS DE ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS, 1, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1996. LUCKESI, C.C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 2005. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. KLEIMAN, A. O texto e o leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1989. ____________. Oficina da leitura: teoria e prática. 6. ed. Campinas: Pontes, 1998. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 61 8. RAZÕES PARA O USO DA LITERATURA NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA Margaret Corchs1 Resumo: Este artigo trata do uso do texto literário no ensino de língua inglesa como ferramenta no desenvolvimento do aprendizado dos alunos. O objetivo é apresentar as vantagens do uso de tais textos nas aulas de inglês, visto que, a literatura representa uma nova forma de aprendizado que engloba um universo de informações desconhecidas por muitos alunos, como a linguagem poética, sonoridade, diversos estilos de escrita, questões culturais, entre outros. É válido ressaltar que as atividades envolvendo o texto literário podem ser aplicadas usando as quatro habilidades da língua: falar, ouvir, ler e escrever, o que facilita o aprimoramento do idioma segundo a revisão bibliográfica feita para este artigo. O uso dos textos literários no ensino de língua inglesa pode despertar o interesse dos alunos por ressaltar a subjetividade e proporcionar uma visão mais ampla e rica de informações. Dessa forma, o aluno estará apto a usar a sua criatividade em atividades interessantes, diferenciadas e que proporcionam desenvolvimento no aprendizado do idioma. Palavras-chaves: Ensino; Língua inglesa; Texto literário. Abstract: This article deals with the use of literary texts in English teaching as a tool in students’ learning development. The objective is to present the advantages of the use of such texts in the English classes since literature represents a new form of learning which consists in a universe of information unknown by many students like the poetic language, the sonority, different styles of writing, cultural issues and others. It is important to emphasize that the activities that involve the literary texts can be applied using the four abilities of the language: speaking, listening, reading and writing which improve the language development according to the bibliographical revision made for this article. The use of the literary texts in the education of English language can awake the interest of the pupils for standing out the subjectivity and providing an ampler and rich vision of information. This way, the student will be able to use his/her creativity in interesting and different activities that can also provide development in students’ learning. Key-words: Teaching; English language; Literary texts. 1 Mestre em Lingüística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará e Especialista no ensino de língua inglesa. Oficial temporária do Exército Brasileiro. Professora do Colégio Militar de Fortaleza, Brasil. [email protected] EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 62 1. Introdução Para o presente artigo, é válido ressaltar que o termo literatura é usado para referir-se aos diversos gêneros literários como contos, poemas, romances ou peças de teatro. A literatura aqui é vista como um recurso nas aulas de língua inglesa visando ao aprendizado do idioma e a quebra de atividades comuns em sala. Segundo Duff e Maley (2003), a literatura é vista na língua inglesa como algo remoto e distante da linguagem comum. Entretanto, não devemos considerá-la como algo que não faz parte da língua, pois pode ser uma ferramenta muito útil no ensino de língua inglesa, já que dispõe de vários recursos como a sonoridade, o uso de figuras de linguagem, o estilo de escrita, vocabulário variado, que também podem ser explorados nas aulas dos cursos livres de inglês para aprimorar o aprendizado dos alunos em relação ao idioma, evitar atividades repetitivas e, ao mesmo tempo, enriquecer o conhecimento de mundo dos alunos. Brumfit e Carter (2000) afirmam que a literatura proporciona a mais acessível e rica forma de integração entre o passado e o presente. Isso se dá a partir de cada leitor através do contato com a linguagem literária que por sua vez abrange informações sobre vários aspectos como: filosofia, política, arte, religião de outros países, além de promover o contato com outras formas de pensamento e tradição cultural. O aprendizado da língua não estaria vinculado apenas à aquisição desta, mas também ao aprendizado de outras culturas. É válido salientar que não só os textos literários trazem informações sobre a cultura de outros países; contudo, tais textos proporcionam ao aluno um contexto e uma linguagem que despertam o interesse em descobrir mais sobre determinada cultura ou povo e permitem confrontá-la com aspectos de sua própria cultura. Através dos textos literários, o aluno é colocado em um contexto diferente do que está habituado em se tratando do aprendizado de uma língua estrangeira. Esse universo com que o aluno se depara torna-se algo novo, o que o motiva a perceber novas informações. Para Ur (1996), o uso da literatura nas aulas de língua inglesa pode ser muito útil, já que esta desenvolve o vocabulário, sugere tópicos para discussões e redações, apresenta diferentes estilos de escrita, entre outros. 2. A Literatura em Sala de Aula de Língua Inglesa O uso da literatura no ensino de língua inglesa vem sendo discutido com mais freqüência e implantado aos poucos, já que traz benefícios não só lingüísticos, como também culturais. Mckay (1995) apresenta o desenvolvimento da criatividade dos alunos como um desses benefícios e salienta que existe uma transferência de imaginação do universo literário para os aprendizes. Essa transferência enriquece o conhecimento de mundo do aluno que, através da exposição a uma nova forma de aprendizado, é estimulado a usar sua criatividade com mais freqüência, bem como participar com mais empenho das atividades propostas. Muitas vezes, a criatividade dos alunos não é estimulada o suficiente em sala de aula, pois em alguns casos o estilo de atividades desenvolvidas pelo material ou pelo professor, já é conhecido pelos alunos e isso retrai muitas vezes a participação e uso do lado criativo. Duff e Maley explicam bem esta questão: As atividades devem apresentar amplas oportunidades para os alunos de contribuir e dividir suas próprias experiências, percepções e opiniões. Pela sua própria natureza o texto literário dá acesso a várias experiências pessoais que cada aluno possui. (DUFF e MALEY, 2003, p.6) [1] Lazar (2004) cita várias razões para o uso de textos literários no ensino de língua inglesa: a. ajuda o aluno a entender outras culturas; b. encoraja os aprendizes a expor suas opiniões e sentimentos; c. estimula a aquisição da língua d. desenvolve a capacidade de interpretação dos alunos; e. constitui material autêntico; f. podem ser encontrados em vários níveis; g. tem valor educacional; h. é apreciado pelos alunos; i. é motivador. Sobre o aspecto cultural da literatura, a autora supracitada exemplifica que os textos literários são formas contextualizadas do aluno ter conhecimento de como um indivíduo, membro de uma determinada sociedade, agiria ou se comportaria em uma situação específica. A descrição de uma fazenda localizada na Austrália, por exemplo, familiarizaria os alunos com o cenário típico da região, bem como o tipo de estrutura social que pode ser encontrada. Os alunos poderiam ter uma visão de como seriam os relacionamentos, emoções e atitudes dos habitantes do local. É válido ressaltar que os traços culturais de outros povos são suscetíveis de avaliações, discussões e questionamentos por parte dos alunos que, como indivíduos, podem dar suas opiniões e expressar seus sentimentos acerca de tais traços. Outro ponto comentado pela autora e que, de certa forma, relaciona-se com o item anterior, é que o uso dos textos literários promove situações onde os alunos, ao participarem, expressando seus EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 63 sentimentos e opiniões, aceleram o processo de aquisição da língua. Por exemplo: crianças com nível básico de inglês, quando estimuladas a lerem um pequeno poema em voz alta, acrescentando gestos ou mímica, podem fixar melhor o vocabulário, alguns padrões gramaticais e a entonação. Sobre o desenvolvimento das habilidades de interpretação, Lazar comenta que ao trabalhar textos literários com os alunos, esses desenvolvem sua capacidade, já que tais textos são muitas vezes ricos em ambigüidades ou figuras de linguagem que ajudam no desenvolvimento da habilidade leitora, por estimularem os alunos a deduzirem as informações implícitas no texto. Brumfit e Carter também falam sobre a riqueza do texto literário: [...] Primeiro, o texto literário é um texto autêntico com linguagem real dentro de um contexto. Ele oferece um conteúdo cuja exploração e discussão do conteúdo (o qual, se apropriadamente escolhido, pode ser importante na motivação para estudo) leva a uma percepção natural da linguagem usada. (BRUMFIT e CARTER, 2000, p. 15) [2] Além disso, os textos literários proporcionam exemplos de recurso de linguagem usados em sua totalidade, ou seja, de diversas formas. O leitor, por sua vez, exerce um papel de interação ao trabalhar com tais textos e compreender melhor a língua. Uma outra questão a ser destacada aqui é a autenticidade do material. De acordo com Brumfit e Carter (2000), o texto literário é o único tipo de texto onde diversas formas de linguagem podem ser usadas e mescladas ao mesmo tempo. Cook (2000) acrescenta que uma das características do texto literário é o uso de neologismos, arcaísmos, figuras de linguagem que tornam os textos literários ainda mais interessantes, pois os alunos podem interagir com uma nova forma de linguagem a qual não estão habituados. Entretanto, é importante lembrar que os textos a serem trabalhados com os alunos não devem ser tão marcados por estas características para não dificultar a leitura, pois como já dito anteriormente, um dos objetivos de usar o texto literário na sala de aula de língua inglesa é estimular a participação do aluno e, para que isso aconteça, devemos ser criteriosos com a escolha do material a ser trabalhado. Além dos aspectos citados, Duff e Maley (2003) ainda observam que os textos literários se apresentam de diversas formas, ou seja, os alunos têm contato com amostras de vários gêneros de escrita como peças, contos, poemas e romances. Isso traz benefícios para os aprendizes que se deparam com outras formas de apresentação da linguagem escrita, além de quebrar a rotina de atividades em sala de aula. Lazar (2004) exemplifica e descreve alguns aspectos positivos de se trabalhar com peças ou extrato de peças em sala de aula. Este tipo de gênero literário é rico em diálogos, logo, usá-los com os alunos é uma forma motivadora de focar a linguagem oral. É claro que os diálogos dos personagens nas peças diferem da linguagem do dia-a-dia, mas são ricos em pausas, interrupções, hesitações, que podem enfatizar aspectos importantes da língua em si. É válido mostrar aos alunos que o idioma não é estático, ou seja, há traços como entonação, pronúncia, hesitação, que devem ser levados em consideração na fala. O uso de peças também promove a interação entre os alunos, fazendo com se sintam fortemente engajados, o que reflete positivamente na sua participação. Além disso, os conflitos de ordem humana, moral e política que normalmente fazem parte do enredo das peças, tornam-se recursos valiosos que unem os estudantes intelectualmente e emocionalmente, gerando temas para discussão. A autoconfiança dos alunos também pode ser melhorada através das peças. Até mesmo os alunos mais tímidos que sentem dificuldade em improvisar, podem participar através do texto escrito, praticando a pronúncia e a entonação dos diálogos. Gareis (2000), que também defende o uso da literatura em sala de aula de língua inglesa, enfatiza que os próprios alunos solicitam a leitura de textos literários. Ela ainda sugere o uso de adaptações fílmicas como complemento e suporte para atividades em sala, já que muitos romances foram adaptados para o cinema. Acrescenta, ainda, que os alunos podem desenvolver vídeos com base na leitura. Todos esses exemplos de como trabalhar o texto literário são dados para evitar casos que nos deparamos com freqüência. Muitos alunos não demonstram interesse em ler determinado texto contido nos materiais didáticos e, conseqüentemente, resistem em realizar as atividades sugeridas. Isso acontece porque, muitas vezes, as atividades propostas pelo material são praticamente as mesmas ao longo do curso, mudando em muitos casos, apenas o grau de dificuldade dos textos, mas mantendo o estilo de atividades que envolvem perguntas e respostas prontas, relacionadas à leitura. Essa falta de interesse dificulta não só o andamento da aula, mas também compromete o aprendizado do aluno, já que o pensamento crítico e criativo não é estimulado. Para Duff e Maley, as aulas de língua inglesa devem ser voltadas para a participação de todos. Vejamos o comentário abaixo: O aluno é um agente ativo em sala de aula e não um receptor passivo. É essencial para nós que as atividades provoquem interação entre leitores e texto [...], e entre os leitores mesmos, incluindo o professor. (DUFF e MALEY, 2003, p.5) [3] EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 64 É válido salientar que o texto literário promove esse tipo de interação, já que está aberto a vários tipos de interpretação, dando suporte ainda para outras atividades como explicam Holmes e Moulton (2001) ao discorrerem sobre as vantagens do uso da poesia em sala de aula de língua inglesa, pois incentivam o uso desse gênero literário não só para desenvolver a habilidade leitora, como também a habilidade escrita. Segundo as autoras, a poesia é um veículo importante não só para a prática de estruturas gramaticais, mas também pode ser muito útil na prática das habilidades da língua, bem como no desenvolvimento de vocabulário, pronúncia, escrita, apreciação literária, entre outros. As autoras enumeram ainda as vantagens de incentivar os alunos a escreverem poemas. Além do aspecto cultural, elas destacam: a. uso de vocabulário familiar aos alunos; b. descoberta de novas palavras através do uso do dicionário; c. prática de estruturas como frases, ordem de palavras e tempos verbais; da autoconfiança em compartilhar idéias na escrita; e. uso da criatividade e imaginação; prática de pronúncia e escrita de palavras etc. d. desenvolvimento É importante observar que tal prática pode ser utilizada em todos os níveis e em todas as idades, porém, de acordo com a realidade cultural de cada país, ou seja, os alunos devem ser estimulados a escrever sobre assuntos que lhes sejam familiares e que também sejam motivadores. Isso evita que as atividades voltadas para habilidade escrita tornem-se repetitivas. Alguns temas, por exemplo, já estão saturados, pois frequentemente são solicitados ao longo do curso como: final de semana, férias, carnaval, infância. Tais assuntos devem ser evitados, pois não trazem nenhum desafio para os aprendizes. A partir desses exemplos, destaco aqui que o objetivo de trabalhar com a literatura é exatamente fugir dos padrões que os alunos estão acostumados. Padrões de perguntas e respostas prontas, circular verbos, adjetivos, pronomes etc. A razão de se trabalhar com os gêneros literários é justamente fazer o aluno ir além do que está acostumado, enxergar outras formas de aprendizado, poder usar sua imaginação e criatividade com mais freqüência, útil às quatro habilidades da língua. E é isso que queremos dizer em usar a literatura como ferramenta no ensino de língua inglesa. 3. A Escolha dos Materiais e a Questão da Dificuldade O uso da literatura no ensino de língua inglesa promove algumas discussões sobre a seleção correta dos materiais e a dificuldade dos alunos mediante à utilização de textos literários em sala de aula, já que muitos deles são considerados difíceis. Com relação à dificuldade dos textos, levanto a seguinte questão: o que classifica um texto como difícil? Se refletirmos bem, podemos afirmar que qualquer outro tipo de texto que não seja literário pode ser considerado difícil, pois a dificuldade pode estar somente no léxico ou na articulação gramatical etc. Em outras palavras, o texto literário não é o único tipo de texto que apresenta dificuldades, logo essa questão é muito relativa, já que a literatura se apresenta em vários níveis e de diversas formas como: contos de fadas, poemas, peças e estórias curtas. Além disso, qualquer outra atividade desenvolvida em sala de aula pode gerar dificuldades, se tais atividades não forem bem explicadas ou se não estiverem de acordo com o nível lingüístico e até mesmo cultural da turma. Sobre este tema, Aebersold e Field (1997) enfatizam que os textos literários podem ser encontrados em todos os níveis. Logo, não se pode fazer comparações ou classificações quanto ao que é mais difícil ou complexo, já que a linguagem empregada pode ignorar o tipo de texto. Os autores exemplificam: uma história curta não é necessariamente mais difícil do que um artigo de jornal. Para que as atividades com o texto literário alcancem os objetivos aqui apresentados, é necessário que se estabeleçam critérios para uma seleção correta e coerente dos textos a serem trabalhados com os alunos, pois uma escolha aleatória dos materiais pode conseqüentemente, gerar dificuldade na atividade proposta. Brown (1995) também afirma que o professor deve escolher materiais adequados ao nível dos alunos e com os objetivos previamente traçados para a leitura. Vejamos o que diz Lazar a esse respeito: Ao escolher um texto literário para usar com seus alunos, você deve considerar três áreas principais. São elas: o tipo de curso que você está ensinando, o tipo de alunos que estão fazendo o curso e alguns fatores relacionados com o texto em si. (LAZAR, 2004, p. 48) [4] Para Aebersold & Field (1997) dois critérios devem ser levados em consideração durante a escolha do material, são eles: o conteúdo cultural dos textos e a relevância destes para a realidade de vida dos alunos, pois muitas vezes o aspecto cultural de um determinado texto é tão implícito que torna a leitura uma obrigação ao invés de um prazer. Sobre o EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 65 segundo aspecto que levanta a questão da relevância do texto com a realidade dos alunos, observemos com atenção o seguinte trecho: Os alunos mais jovens geralmente respondem melhor a história sobre assuntos que são centro de suas vidas como relacionamentos, trabalho, adaptação cultural, música. Os alunos mais velhos freqüentemente apresentam interesses mais abrangentes. O professor que souber as preferências dos seus alunos será capaz de fazer escolhas mais sábias. (AEBERSOLD e FIELD, 1997, p. 163.) [5] Gareis (2000) também alerta os professores quanto à seleção correta de materiais. Enfatiza que devem evitar textos que estejam fora da realidade dos alunos em termos de linguagem e conteúdo. Muitas vezes a linguagem que se apresenta nos textos literários não é o tipo de linguagem que o aluno necessita no curso de inglês. Logo, o professor deve estar atento a todos os aspectos, quando decidir trabalhar com a literatura em sua aula, já que esta envolve razões lingüísticas, metodológicas e pedagógicas. 4. Conclusão Este artigo sugere o uso da literatura no ensino de língua inglesa, visto que, essa é conhecida pela riqueza de sua linguagem e a diversidade de seus textos. Além disso, a literatura se apresenta como uma nova forma de aprendizado que foge à rotina de atividades de sala de aula. Observamos também que os textos literários podem ser encontrados em vários níveis, incluindo os níveis mais básicos e podem ser explorados de várias formas diferentes, quebrando, assim, o estilo de atividades de sala de aula, bem como a idéia de que usar a literatura nas aulas de inglês representa dificuldade para os alunos. Seria interessante que as editoras incluíssem com mais freqüência textos literários em seus materiais didáticos e explorassem atividades criativas e interessantes envolvendo as quatro habilidades. Espero que os cursos livres de língua inglesa abram espaço para o uso dessa nova ferramenta e que esse artigo contribua para que os professores possam usar a literatura em suas aulas, visando à participação e ao desenvolvimento dos alunos. Notas [2] “…First, literary text is authentic text, real language in context, to which we can respond directly. It offers a context in which exploration and discussion of content (which if appropriately selected can be an important motivation for study) leads on naturally to examination of language”. [3] “The student is an active agent not a passive recipient. It is vital for us that the activities provoke a genuine interaction between the reader and the text […], and between the readers themselves including the teacher! [4] “In choosing a literary text for use with your students, you should think about three main areas. These are: the type of course you are teaching, the type of students who are doing the course and certain factors connected with the text itself.” [5] “Younger students usually respond well to stories about issues that are central to their own lives – relationships, work, cultural adjustment music. Older students often have a broader range of interests. The teacher who knows her students’ preferences will be able to make wiser choices. Referências Bibliográficas AEBERSOLD, J. A. & FIELD, M. L. From reader to reading teacher. Cambridge: University Press, 1997. BROWN, H.D. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy. New York: Prentice Hall Regents, 1994. BRUMFIT, C. J & CARTER. Literature and language teaching. Oxford University Press 2000 COOK, Guy. Texts, extracts and stylistic textur. In: BRUMFIT, CJ & CARTER. Literature and language teaching. Oxford university, 2000. p 150-166. DUFF, A & MALEY, A. Literature. Resource books for teachers. Oxford University Press, 2003. HOLMES, V. L & MOUTON, M. R. Writing simple poems: pattern poetry for language acquisition. Cambridge: Cambridge University press, 2001. LAZAR, G. A window on literature. Cambridge: Cambridge University press, 1999. ________. Literature and Language teaching. A guide for teachers and trainers. Cambridge: Cambridge University press, 2004. MCKAY, S. Literature in the ESL classroom. In: BRUMFIT, CJ & CARTER. Literature and language teaching. Oxford university, 2000, p. 191-198. UR, P. A course in language teaching. Practice and theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. [1] “The activities should offer ample opportunities for the students to contribute and share their own experiences, perceptions and opinions. By their very nature literary texts give access to the worlds of personal experience which every student carries within. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 66 9. OBJETOS DE APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA* Bergson Rodrigo Siqueira de Melo1 Alisandra Cavalcante Fernandes2 Geraldo de Oliveira Macedo Júnior3 Verônica Maria Lavor Silva de Melo4 Resumo. Ao analisarmos o uso das novas tecnologias no contexto educacional, notamos algumas mudanças na ação de ensinar e aprender. Com a necessidade de entender esse processo, investigamos os Objetos de Aprendizagem (O.A), mecanismos computacionais, que conseguem contribuir para uma aprendizagem mais rápida e significativa. Buscamos ressaltar a importância dos objetos de aprendizagem (O.A), como também refletir sobre as pesquisas e definições a cerca da utilização desses recursos digitais. O presente artigo também tem como objetivo mostrar pontos comuns e divergentes sobre os conceitos de objetos de aprendizagem (O.A), na visão de alguns pesquisadores e da pedagogia sócio-interacionista. Esse artigo faz também uma retrospectiva histórica dos primeiros pesquisadores a utilizarem objetos de aprendizagem (O.A) em suas práticas educacionais, uma vez que nosso objetivo é refletir sobre o uso de objetos de aprendizagem (O.A) na educação Matemática, fazendo uma reflexão sobre as possíveis vantagens em utilizar esses recursos digitais em sala de aula, bem como sobre os impactos desses objetos alvos para educadores e aprendizes. Palavras-chave: Objetos de Aprendizagem, Educação Matemática, definições. Abstract. When analyzing the use of the new technologies in the educational context, we notice some changes in the action of teaching and learning. With the necessity to understand this process, we investigate the Objects of Learning (O.L.), computational mechanisms, which can contribute for such faster and significant learning. We aim at highlighting the importance of objects of learning, as well as reflecting on the researches and definitions about the use of these resources. The approach is the outline of the first changes historic, and policies of the educative computer science are necessary since our objective is to reflect on the conceptual theory of Mathematics. Keywords: Objects of Learning, Mathematical Education, definitions 1 Mestrando em TIC para a formação em EAD. Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza. [email protected]. Mestranda em TIC para a formação em EAD. Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza. [email protected]. 3 Especialista em Educação. Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, [email protected] 4 Especialista em Matemática e Física. Universidade Regional do Cariri (URCA), Crato. [email protected]. * Sob orientação de Mauro Cavalcante Pequeno, Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professor Adjunto da UFC. [email protected]. E também de José Aires de Castro Filho, Doutor em Mathematics Education pela University of Texas at Austin (USA) e professor Adjunto da UFC. [email protected]. 2 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 67 1. Introdução Com objetivo de favorecer a prática docente, a escola inicia um longo processo de apropriação das novas tecnologias. Os recursos interativos vistos através do computador estreitam a dualidade entre o ensino e a aprendizagem. Pellanda (2000) fala que a dualidade no processo de ensino e aprendizagem deve ser vista como uma produção compartilhada entre o educador e aprendiz. Ambos, juntamente com o conteúdo, são os maiores responsáveis pelo processo. Acreditando nisso, apresentamos uma revisão bibliográfica sobre os conceitos e as definições de objetos de aprendizagem (O.A), que ressaltam a importância desses mecanismos, como suporte, para a mediação pedagógica. 2. A Problemática Na sociedade atual, a tecnologia faz parte do cotidiano de todos. Mesmo tendo uma situação sócioeconômica menos favorecida, por exemplo, o aprendiz percebe o mundo de maneira digital. Isso ocorre quando entra no ônibus ou liga a TV ou acessa os terminais eletrônicos dos bancos diariamente. Sobre isso, Carretero (1997) fala que o conhecimento é um produto da interação social e da cultura. Os órgãos governamentais e as políticas públicas anos atrás iniciaram através de um lento processo de transformação, a implementação de projetos educacionais voltados para o uso do computador nas escolas. Com objetivo inicial de formar os aprendizes para o futuro, porém, ainda não havia professores conhecedores dos recursos oferecidos pela tecnologia. Com o passar dos anos, essa realidade mudou, apesar de todas as dificuldades no percurso. Para Lévy (1998) a utilização multiforme dos computadores para o ensino está se propagando na escola, na casa, na formação profissional e contínua. Essa utilização carrega em si uma redefinição docente e de novos modos de acesso aos conhecimentos. Na atualidade percebemos com nossa prática docente que as crianças e adolescentes já iniciam na escola com uma grande predisposição a interagirem muito bem com as máquinas mergulhado assim no mundo digital que está ao seu alcance. Uma das primeiras diretrizes tomadas pelo MEC, na esfera político – educacional, propõe melhorias na informática educativa. Assim em 1982, foi estabelecido que: o desenvolvimento e a utilização da tecnologia da Informática na Educação, respeitando os valores culturais e sócio-políticos sobre os quais se assentam os objetivos do sistema educacional e estabelecendo que os programas computacionais destinados ao ensino, fossem desenvolvidos por equipes brasileiras. Até então, os programas vinham de outros países. Esse foi o início do grande e novo desafio: construir programas educacionais compatíveis com a diversidade cultural brasileira. Após o início dessa evolução na informática educativa, surge o trabalho desenvolvido com os objetos de aprendizagem (O.A), tendo como principal objetivo dinamizar a relação aprendiz x PROFESSOR X APRENDIZAGEM através do uso do computador. Ainda sobre essa relação, Pellandra (2000) diz que ao falar em processo de ensino e aprendizagem, estamos nos referindo ao desenvolvimento dos sujeitos. A nossa preocupação reside em promover situações nas quais o aprendiz aprenda a aprender, potencializando sua aprendizagem de uma forma mais significativa, modificando assim a realidade do aprendiz positivamente, já que as ferramentas digitais poderão modificar a aprendizagem dele para melhor. Segundo Piaget (1998), o papel do educador está ligado ao modo como este concebe a aula. Contraditoriamente ao ensino tradicional, em que o educador impõe seus conhecimentos de maneira autoritária. Piaget é ainda tradicional, porque ele é apenas interacionista e não sócio-interacionista. Para ele, a criança precisa amadurecer apenas fisiologicamente e aí haverá a prontidão necessária para ele aprender. Nesse sentido, para a criança aprender, conforme Piaget basta apenas um excelente laboratório, visto que ela aprenderá sozinha pela interação com o meio. Essa concepção é diferente para os sócio-interacionistas como Vygotsky. Os O.A como ferramentas de suporte ao professor são fundamentais para o surgimento de uma nova maneira de ensinar e aprender O trabalho com objetos de aprendizagem (O.A) propõe uma nova maneira de solucionar problemas, uma nova forma de fazer com que o aprendiz realize reflexões, e mostra situações em contextos reais. Sobre isso, Piaget (1998) ressalta que é a partir do objeto que a criança chegará a construir sua solução. Com as condições básicas laboratoriais, o aprendiz consegue solucionar problemas. No entanto, não é apenas o uso das tecnologias que irá mudar o contexto educacional do país, contudo a busca por novas formas de ensinar poderá renovar a dinâmica da educação. De acordo com Brunner (2001) não se deve cometer o erro de imaginar que a mudança educacional será guiada pelas novas tecnologias da informação e comunicação, por mais poderosas que sejam. A educação é muito mais que seus suportes tecnológicos;: encarna um princípio formativo, é uma tarefa social e cultural que, sejam quais forem as transformações que experimente, continuará dependendo, antes de tudo, de seus componentes humanos, de seus ideais e valores. Por EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 68 acreditar nisso, reconhecemos nos Objetos de Aprendizagem (O.A) tais componentes humanos e valores, que bem definidos para facilitará e melhorará a qualidade do ensino, proporcionando aos aprendizes e educadores uma melhoria considerável nos processos de ensino e aprendizagem. Mas afinal, como reconhecer um objeto de aprendizagem? Como defini-lo? Quais são as suas principais características? Qual formato possui? 3. Conceitos de Objetos de Aprendizagem Segundo Muzio (2001), as definições sobre objetos de aprendizagem ainda são consideradas vagas, pois existem muitas diferentes definições para Objetos de Aprendizagem (O.A) e muitos outros termos são utilizados. Isso sempre resulta em confusão e dificuldade de comunicação, o que não surpreende, em virtude desse campo de estudo ser novo. Contudo apesar de vagos, existem várias maneiras de conceituá-los. Durante muitos anos foram desenvolvidas pesquisas e estudos sobre esse tema, o presente artigo também tem como objetivo, mostrar pontos comuns e divergentes sobre os conceitos de objetos de aprendizagem. Muzio et al (apud Cisco 2001, p.2) fala que objeto de aprendizagem (O.A) é “[...]um granular, reutilizável pedaço de informação independente de mídia”. Em suas pesquisas, Muzio diz que os O.A são objetos educacionais, objeto independente e componente de treinamento, pepita ou pedaço de determinados conteúdos. Caracteriza-o como objeto de comunicação, o qual é designado ou utilizado para propósitos instrucionais. Estes objetos vão desde mapas e gráficos até demonstrações em vídeo e simulações interativas. Os objetos de aprendizagem (O.A), segundo as pesquisas de Muzio, são elementos de um novo paradigma da ciência da computação, pois são construídos baseados em uma instrução computacional. Ele menciona ainda que esses podem ser utilizados simultaneamente por várias pessoas ligadas à internet e sua reutilização pode ser realizada em/para contextos educacionais diversos. Outra definição bastante conhecida é a de Beck (2002, p.1) em que os concebe como “[...] qualquer recurso digital que possa ser reutilizado para o suporte ao ensino”. A principal idéia dos Objetos de Aprendizagem (O.A) é quebrar o conteúdo educacional em pequenos pedaços que possam ser reutilizados em diferentes ambientes de aprendizagem, em um espírito de programação orientada a objetos. Como pesquisador da área de educação e tecnologia, penso que os objetos de aprendizagem (O.A) podem contribuir de uma forma muito ampla para melhorar o ensino e aprendizagem, mas tudo isso só depende da postura do educador, frente ao desejo de inovar suas aulas. Além disso, Wiley (2002, p.52) acredita que “[...] uma mudança importante também pode estar surgindo na maneira com que os materiais educacionais são projetados, analisados, desenvolvidos e apresentados para aqueles que desejam aprender e para ele, os objetos de aprendizagem (O.A) são entidades digitais utilizadas para divulgar informação através da internet, as quais são independentes umas das outras. Beck (2002, p.2), em definição similar a Wiley ressalta que objeto de aprendizagem “[...] é qualquer entidade, digital ou não digital, que possa ser usada, reutilizada ou referenciada durante o uso de tecnologias que suportem ensino”. Para Handa e Silva (2003), os objetos de aprendizagem (O.A) podem ser reutilizados para darem suporte a vários cursos diferentes, eles têm a flexibilidade de ser transportado de uma plataforma para outra, sem serem alterados, e são construídos de maneira que tenham início, meio e fim, daí a sua flexibilidade, e podem ser utilizados sem manutenção contínua. Os objetos de aprendizagem (O.A) devem estar inseridos em um contexto pedagógico que serve de mediação para consolidar um conhecimento ao ser manipulado por aprendizes e educadores. A partir do momento em que um objeto é utilizado várias vezes, em circunstâncias diversas, também vai sendo aprimorado e melhorado, consolidando-se e melhorando a qualidade do ensino. Metadata é uma descrição completa do objeto de aprendizagem (O.A), seu conteúdo e utilização. Este importante item permite a catalogação e a codificação do objeto, tornando-o compreensível para as diversas plataformas. Visando facilitar o entendimento de metadata, pode-se pensar num processo semelhante a fichas de consulta de uma biblioteca. Handa e Silva (2003, p.09) falam que “[...] um objeto de aprendizagem (O.A) é um arquivo digital (imagem, filme etc.) que pretende ser utilizado para fins pedagógicos e que possui, internamente ou através de associações, sugestões sobre o contexto apropriado para sua utilização”. Filho et al (2004, p.5) considera que objetos de “[...] aprendizagem podem ser descritos como qualquer recurso utilizado para apoio ao processo de aprendizagem. Dando continuidade a esse pensamento Sá e Machado (2004) falam ainda que os O.A são recursos digitais, que podem ser usados, reutilizados e combinados com outros objetos para formar um ambiente de aprendizado rico e flexível”. Para Longmire (2001) objetos de aprendizagem (O.A) devem possuir características peculiares, nas quais, ressaltem a importância da EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 69 “flexibilidade”, ou seja, eles já devem nascer flexíveis, podendo ser reutilizados. Devem também ser de fácil atualização, customização, usados para vários segmentos e interoperabilidade que deve sempre ser pensado para o ensino a nível mundial. Pensamos que os O.A além de serem ferramentas digitais (complexas ou fáceis) podem facilitar o ensino e aprendizagem tanto para educadores e aprendizes porque podem também ser considerados jogos educacionais. Tudo isso depende da ótica docente e do manejo em sala de aula. Isso porque a teoria dos “O. A” implica em uma prática reflexiva e fundamentada no cotidiano escolar. O objeto de aprendizagem (O.A) na prática é atividade de multimídia, interativa, a qual se apresenta na forma de animações ou simulações, direcionando o conteúdo educacional disciplinar em pequenos trechos que podem ser reutilizados em vários ambientes de aprendizagem. 4. Objeto de Aprendizagem e Matemática 4.1. Repositórios Os repositórios funcionam como depósitos para os objetos de aprendizagem na internet. Para Sá e Machado (2004, p.06), os repositórios não só potencializam os objetos de aprendizagem e sua localização como também [...] asseguram que o usuário pode encontrar conteúdos com padrões em termos de nível, qualidade e formato”. Alguns pesquisadores defendem que é fundamental que haja organização de uma série de atividades didáticas para ajudar os aprendizes a compreender áreas específicas do conhecimento (ciências, história, matemática). Assim como a apresentação de um repositório, a organização entre os conteúdos é também fundamental. No site do Laboratório Virtual da Escola do Futuro da USP [http://www.labvirt.futuro.usp.br] e de cooperação internacional entre países da América Latina (Brasil, Peru e Venezuela), a Rede Internacional Virtual de Educação (RIVED) [http://rived.proinfo.mec.gov.br], são repositórios de objeto de aprendizagem (O.A). O RIVED teve como objetivo “[...] melhorar o ensino de Ciências e Matemática no ensino presencial das escolas públicas com o uso de Objetos de Aprendizagem” (ABAR, 2004). 4.2. Exemplos de objetos de aprendizagem Nessas pequenas ferramentas digitais ou softwares educacionais ou ainda jogos educativos, podemos encontrar conteúdo multimídia, conteúdos instrucionais, objetivos de ensino de determinados assuntos que compõem a sua programação pedagógica, dando o suporte tecnológico para qualquer conteúdo educacional. Entretanto, entende-se que um objeto de aprendizagem é o conjunto de todos esses recursos, que estejam envolvidos em um processo educacional, visando à aprendizagem e à formalização de conceitos. Figura 1: Tela inicial do O.A - Gangorra Interativa Temos o Gangorra Interativa que é um exemplo de objeto de aprendizagem (O.A), ele tem uma característica bem intuitiva que faz a simulação de uma gangorra de pesos, como aquelas em que as crianças costumam usar em parque de diversão (Figura 1).O objetivo deste objeto de aprendizagem é fazer com que os alunos equilibrem pesos em cada um dos lados da gangorra [CastroFilho et al., 2007]. Aqui nós falaremos especificamente do objeto de aprendizagem (O.A), Gangorra Interativa por ser uma ferramenta digital que já utilizamos em nossas práticas educacionais. Esse O.A tem cinco níveis diferentes de dificuldade e permite trabalhar os conceitos de grandezas proporcionais, abordando o equilíbrio e a relação peso x distância. Como em seu mecanismo não há linearidade entre os níveis, o aprendiz pode decidir usar qualquer um dos níveis de sua preferência. Em todos os níveis, os pesos utilizados têm os seguintes valores: 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80, 90 e 100. Com isso espera-se que o aluno possa estabelecer as relações entre os dois lados da gangorra e perceba nas simulações o sentido de grandezas diretas e inversamente proporcionais. Dessa forma, segundo Ausubel, (1978) o objeto de aprendizagem busca interagir e proporcionar ao aluno uma aprendizagem significativa. No processo da dualidade ensinoaprendizagem significativo, o aprendiz precisa ter uma experiência com o material pedagógico que vai estudar. Segundo Tavares (2003), com base nesse requisito, busca-se, no uso da interatividade, a solução para o desenvolvimento cognitivo mais eficiente do aprendiz. Nesse sentido, os objetos de aprendizagem devem ser considerados como unidades de pequena dimensão, desenhadas e desenvolvidas de forma a fomentar a sua reutilização, eventualmente em mais do que um curso ou em contextos diferenciados, e EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 70 passíveis de combinação e/ou articulação com outros objetos de aprendizagem de modo a formar unidades mais complexas e extensas, conforme Pimenta e Batista (2004). Ressalta-se ainda que o objeto de aprendizagem Gangorra Interativa é de simples usabilidade e de fácil compreensão por parte dos aprendizes, sendo bastante intuitivo (Figura 2). Esse objeto de aprendizagem também dispõe de um número de movimentos realizados com o objetivo de observar a quantidade de manipulações que o usuário realizou para descobrir a seqüência dos pesos não conhecidos pelos usuários: Figura 2-Tela do objeto de aprendizagem Gangorra interativa 5. Conclusões A partir dos estudos e apontamentos teóricos sobre objetos de aprendizagem, pode-se inferir que: • É fundamental o interesse dos professores em trabalhar com os objetos de aprendizagem, como também criar condições propícias e motivadores ao ensino e aprendizagem dos mecanismos computacionais. • O uso dos Objetos de Aprendizagem (O.A) auxilia no processo ensino-aprendizagem, tendo como conseqüência a qualidade no ensino. • O objeto de aprendizagem representa uma nova maneira de ensinar. Essa nova tecnologia dentro da sala de aula possibilita o suporte ao processo de construção do conhecimento do aprendiz. • Os Objetos de aprendizagem são reconhecidos por estudiosos como softwares com características “bem específicas”, ou seja, devem possuir algumas características direcionadas, tais como: Devem ser digitais, ou seja, devem ser utilizados através do acesso ao computador. Devem ter tamanho limitado, ser pequenos, em alguns casos pode ser até reconhecido como parte ou uma atividade especifica de um software maior. Devem ter tempo limitado, deve ser planejados para ser utilizados em uma determinada aula. Devem ter como objetivo um conteúdo determinado, com foco voltado na aprendizagem de um determinado conceito. Completando essa idéia, os objetos de aprendizagem devem ser, segundo Pimenta e Batista (2004), unidades de pequena dimensão, desenhadas e desenvolvidas de forma a fomentar a sua reutilização, eventualmente em mais do que um curso ou em contextos diferenciados, e passíveis de combinação e/ou articulação com outros objetos de aprendizagem de modo a formar unidades mais complexas e extensas. Concluímos, assim, que a utilização dos objetos de aprendizagem provoca diminuição de custo e aumento na qualidade nos processos de ensinos e de aprendizagem. Os objetos de aprendizagem (O.A) são recursos tecnológicos que foram criados com o intuito de interagir com as práticas educacionais. E os repositórios disponíveis na internet, como o Projeto RIVED, vêm melhorando significativamente o modo como os objetos de aprendizagem são armazenados, pois leva em consideração o grande número de pesquisadores e instituições que promovem pesquisas. Esse artigo traz apenas apontamentos iniciais, maiores estudos devem ser realizados para constatar a real eficácia da utilização de Objetos de Aprendizagem (O.A) na área da educação. Referências Bibliográficas AUSUBEL, D.P. NOVAK, J.D. HANESEIAN, H. Educational Psychology: A Cognitive View. New York: Warbel & Peck, 1978. BECK, R.J. Learning Objects: What? Center for International Education. University of Winsconsin. Milwaukee, 2001 BRUNNER, J. J. Educação no encontro com as novas tecnologias. In TEDESCO, J. C. (org), Educação e novas tecnologias, esperanças ou incertezas? São Paulo: Cortez, 2004. 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PARTIÇÃO DE ZE SUAS APLICAÇÕES Delano Klinger Alves de Souza1 Resumo: Nesse artigo desenvolvo alguns resultados de Teoria dos Números Inteiros; de modo a criar uma técnica alternativa, que facilita enormemente na resolução de problemas de divisibilidade, sem recorrer ao exaustivo algoritmo euclidiano da divisão e nem da teoria de congruências módulo de n. Esses resultados são decorrentes da definição de partição do conjunto dos números inteiros no formato r + k Z , que será o viés deste trabalho cientifico. A aplicação desta técnica foi feita no treinamento dos alunos bolsistas CNPQ-Jr da 3ª OBMEP (Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas) nos meses de outubro e novembro de 2007 na cidade de Sobral, Ceará. A metodologia de ensino utilizada na pesquisa de campo do uso desta técnica é devido a George Polya: How to solve it: A New Aspect of Mathematical Method. Palavras-chaves: Inteiro. Algoritmo da divisão. Partição. Forma. Abstract: In this article I develop some results of the Integers Number Theory, so in order to create an alternative technique, which facilitates greatly the resolution of issues of divisibility, without resorting to comprehensive algorithm euclidiano of division and not the theory of congruence module n. These results came from are arising from the definition of partition of all integers numbers in the format, which will be the bias of this scientific work. The application of this technique was made in the training through the use of this technique is due of students CNPQ stock-Jr of the 3rd OBMEP (Mathematics Olympiad Public Schools) in October and November in 2007 in the city of Sobral, Ceará. The teaching methodology used in the research field of use of this technique is due to George Poly: How to solve it: A New Aspect of Mathematical Method. Key Words: Integer. Algorithm of division. Partition. Form. 1 Mestre em Matemática pela Universidade Federal da Paraíba. Licenciado em Matemática pela Universidade Estadual do Ceará. Professor do Colégio Militar de Fortaleza e da Universidade Estadual Vale do Acaraú. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 73 1. Introdução Ao ensinar por diversas vezes a disciplina Estruturas Algébricas II (Teoria dos Anéis), na Universidade Estadual Vale do Acaraú, observei que, no tópico ideal e anéis quocientes, podemos criar uma técnica para o ensino de teoria dos números inteiros que envolvam o algoritmo da divisão, em nível de ensino fundamental e médio, para as turmas de olimpíadas de matemática. Técnica esta, que não precisa recorrer ao exaustivo algoritmo euclidiano da divisão, usado para o ensino fundamental e médio e nem da sofisticada ferramenta da congruência módulo n, criada por Gauss e bastante usado o ensino superior. Na verdade o método aqui apresentado, nada mais é do que a congruência módulo n escrita numa linguagem elementar, tornando assim, o ensino destes tópicos mais prazerosos e interessantes. 2. Desenvolvimento Particionando o conjunto dos números inteiros em subconjuntos denominados de Partes de Z , cujos elementos possuem um formato bem definido. A partir dessas formas, poderemos resolver diversos problemas de aritmética dos inteiros, sem recorrer diretamente ao algoritmo Euclidiano da divisão ou a congruência módulo de n. Como ponto de partida, defino o que é uma partição de um conjunto A qualquer. Para isso, sejam A um conjunto qualquer não vazio e ℘( A) o conjunto das partes de A. Dizemos que um conjunto não vazio P ⊂℘( A) é uma partição de A quando forem atendidos os dois quesitos: vazios de Z , disjuntos dois a dois e cuja união é o próprio Z . Denotando os múltiplos de um inteiro nãonulo k por kZ , o conjunto Y = {2¢ , 3¢ } não forma ■ uma partição de Z , pois 2¢ ∩3¢ = 6¢ ≠ ∅ . Sejam agora r , k ∈ ¢ , com 0 ≤ r <k. O subconjunto de Z formado por todos os inteiros que deixam o mesmo resto r na divisão euclidiana por k será denotado aqui por r + k Z . O caso 0 + k Z , ou simplesmente kZ representa todos os múltiplos do inteiro não-nulo k. Exemplo 2. 7 Z= ={0, ± 7, ± 14, ± 21, K } e 1 + 7Z=={K , − 13, − 6,1,8,15, K }. ■ Exemplo 3. Os inteiros do conjunto 1 + 7Z=assumem a forma 7k+1 ou podem ser escritos na forma 7k+1, enquanto o subconjunto dos inteiros, 1 + 3Z=é constituído pelos inteiros da forma 3k+1. ■ Teorema. Seja k um inteiro não-nulo. Então todo inteiro pode assumir uma, e somente uma das seguintes formas: nk ou nk+1 ou nk+2 ou ... ou nk+(k-1), para um certo inteiro n. Demonstração. A justificativa do Teorema acima é que o conjunto: P = {k ¢ ,1 + k ¢ , 2 + k ¢ , … , ( k -1) + k ¢ }, onde k é um inteiro positivo, forma uma partição de Z.. ■ Exemplo 4. Todo inteiro assume uma das formas: 5k ou 5k+1 ou 5k+2 ou 5k+3 ou 5k+4 ■ 1. Todo inteiro escrito na forma nk + ( k + s), onde 0 ≤ s < k e n é um inteiro conveniente, pode ser também escrito na forma nk + s. Proposição i) ∀X , Y ∈ P , X ≠ Y ⇒ X I Y = ∅; ii) U X ∈P X == A . Observação 1. Note que a definição dada acima é equivalente a dizer que cada elemento de A pertence a um e somente um elemento (ou bloco) da partição P de A. Uma das partições mais simples que podemos obter de A em dois subconjuntos é o conjunto: P== { X , A - X } Demonstração. Seja nk + ( k + s). Assim, a um inteiro da a = qk + ( k + s ) = ( q + 1) k + s Chame q + 1 de n e portanto o inteiro em questão pode ser escrito na forma nk + s. ■ Exemplo 5. Todo inteiro da forma 5k + 7 é também da forma 5k + 2 . De fato, se a é um inteiro da forma 5k + 7 , então a = 5q + 7 ; de modo que Observação 2. Daqui por diante, tomarei A = ¢ . Exemplo 1. forma a P== {{1, 2,3, 4, K },{K , -4, -3, -2, -1, 0}} é uma partição de Z , pois P=é formado de subconjuntos não EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 = 5q + 7 = 5q + 5 + 2 = 5( q + 1) + 2 P á g i n a | 74 Portanto o inteiro a assume a forma 5k + 2 ■ Proposição 2. Sejam a e b dois inteiros respectivamente escritos nas formas: nk + r e nk + s. Então: Observação 4. Também posso dizer que este inteiro assume a forma mk + a n , para um certo inteiro m. Observação 5. De modo análogo temos que (k − b ) n é da forma mk + (-b) n . Exemplo 6. 10 200 − 1 é divisível por 11. De fato, i) a + b assume a forma nk + ( r + s ); ii) a − b assume a forma nk + ( r − s ); iii) ab assume a forma nk + rs; 10 = 11 − 1 10200 = (11 − 1) 200 Demonstração. Demonstrando apenas iii). De fato, sejam os inteiros a da forma nk + r e b da forma nk + s. Assim a = nq + r e b = nq + s, para q = k . Desse modo, teremos sucessivamente, que é da forma 11k + 1 ; logo 10 200 − 1 é da forma 11k , e portanto 10 200 − 1 é divisível por 11. ■ Exemplo 7. Acharei agora, o resto da divisão de 2 45 por 7. Temos: a ⋅b = ( nq + r )( nq + s = n ² q ² + nqr + nqs + rs = nq (r + s + nq ) + rs 2³ é da forma 7k + 1 (23 )15 é da forma 7k + 1 Logo 2 45 é da forma 7 k + 1 e portanto deixa resto. ■ Chamando q ( r + s + nq ) de k, chega-se a conclusão que a ⋅ b assume a forma nk + rs. ■ Proposição 3. Se um inteiro é da forma mnk + r , então ele também é da forma nk + r ou mk + r , onde m,n são inteiros positivos. Demonstração. Seja um inteiro a na forma mnk + r. Desse modo a = mnq + r , para q = k . Assuma agora mq = k , para concluir que a é da forma nk + r. Observação 3. A recíproca desta proposição não é verdadeira. Proposição 4. Sejam k , n e b três números inteiros, com k ≠ 0 e n > 0 . Então o inteiro (k + b ) n assume a forma ■ mk + b n , para algum m∈¢. Demonstração. Considerando a expressão (k + b ) n que representa o binômio de Newton, temos: p =0 n −1 = ∑ (np )b p k n− p + (nn )bn k 0 p =0 = para um certo inteiro m. Exemplo 10. Se n é um quadrado perfeito e também n também é múltiplo de 3. Com efeito, suponha por absurdo que n seja um inteiro ∑ (np )b p k n− p = Exemplo 9. Considere o terno ( a, b, c) para representar as medidas dos lados dos triângulos retângulos, onde a é a hipotenusa e b e c os catetos. Os ternos ( a, b, c) de medidas inteiras recebem o nome de ternos pitagóricos. Não existe nenhum terno pitagórico nos quais as medidas dos catetos sejam ambos ímpares. De fato, digamos que isso seja possível, ou seja, b 2 e c 2 assumem a mesma forma 4k + 1 . Acontece que b 2 + c 2 = a 2 e desse modo a 2 seria da forma 4k + 2 , que não é forma de quadrado perfeito par. ■ múltiplo de 3, então n ( k + b) n Exemplo 8. O quadrado de qualquer inteiro assume uma das formas 4k ou 4k + 1. De fato, qualquer inteiro assume uma das formas: 4k ou 4k + 1 ou 4k + 2 ou 4k + 3. Desse modo seu quadrado pode ser escrito respectivamente por 4k ou 4k + 1² = 4k + 1 ou 4k + 2² = 4k + 4 que é da forma 4k ou finalmente 4k + 3² = 4k + 9 = 4k + 8 + 1 , que é da forma 4k + 1. ■ mk + b n ■ não múltiplo de 3, ou seja, n assume uma das formas: 3k + 1 ou 3k + 2 , de modo que n assume a forma 3k + 1 , contradizendo a hipótese de n ser um múltiplo de 3. ■ EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 75 Exemplo 11. A seqüência (11,111,1111, K ) não possui nenhum quadrado perfeito. De fato, considere as m afirmações: De posse deste estudo, formalizei uma técnica de resolução de problemas de divisibilidade, sem uso do algoritmo euclidiano da divisão. O público alvo do trabalho de campo foi o treinamento dos alunos bolsitas CNPQ-Jr da 3ª OBMEP (Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas) nos meses de outubro e novembro de 2007. Nesse trabalho de campo, resolvi os exemplos deste artigo, utilizando inicialmente o algoritmo da divisão e depois apliquei esta técnica nos mesmos problemas. O método empregado na pesquisa de campo foi a de George Polya: How to solve it: A New Aspect of Mathematical Method. que somando membro à membro, obtemos 111…11 que assume a forma 4k + 3 , e este, não é forma de quadrado perfeito impar. ■ 2.2. Resultados e discussão Exemplo 12. Determinarei agora o resto da divisão de 310 + 663 por 5. De fato, teremos sucessivamente, 32 34 38 310 é da forma 5k + 4 é da forma 5k + 1 é da forma 5k + 1 é da forma 5k + 4 3. Conclusão 6 é da forma 5k + 1 663 é da forma 5k + 1 Portanto 310 + 663 é da forma 5k . O resultado é bastante satisfatório, pois o educando economiza bastante tempo na resolução de problemas de teoria dos números inteiros que envolvam o algoritmo euclidiano da divisão, sem uso do algoritmo da divisão, que muitas vezes se torna muito exaustivo. Com essa técnica, pode-se até resolver certos problemas de cabeça, cuja resolução é bastante engenhosa com o uso do algoritmo da divisão. ■ Exemplo 13. Em que dia da semana cairá daqui a 87777 dias? E há 6 7777 dias, que dia da semana foi? Digamos que hoje seja sexta-feira. Como uma semana possui 7 dias, então devemos procurar formatos 7 k + r. Assim, Após a abordagem algébrica e aplicação de campo deste trabalho, fica bastante claro para o pesquisador uma nova técnica de resolução de problemas da teoria dos números inteiros, sem recorrer ao exaustivo algoritmo da divisão e nem a sofisticada teoria da congruência módulo n. A idéia, aqui, é facilitar o aprendizado com um embasamento teórico simples, sem tirar, é claro, o rigor matemático. Além disso, fica aberto aqui, questionamentos e reflexões sobre as aplicabilidades desta nova ferramenta. Fica claro que trabalhos futuros, utilizando esta ferramenta são bastante convidativos. 8 = 7 +1 87777 = (7 + 1)7777 que é da forma 7 k + 1; logo daqui a 87777 dias cairá num sábado. Finalmente, 6 = 7 −1 67777 = (7 − 1)7777 que é da forma 7 k − 1; logo passados 6 7777 dias, com certeza caiu numa quinta-feira. ■ 2.1 Material e métodos Para desenvolver o presente trabalho, a metodologia adotada teve como base pesquisas bibliográficas nacionais e internacionais na temática teoria dos números. Referências Bibliográficas GARCIA, A., LEQUAIN, Y., Álgebra: Um Curso de Introdução. IMPA, Rio de Janeiro, 1988. HARDY, G. H., WRIGHT, E.M., An Introduction to the Theory of Numbers. 3. Ed. Clarendon Press, Oxford, 1954. NIVEN, I.M., ZUCKERMAN, H.S., MONTGOMERY, H.L., An Introduction to the theory of numbers. New York: Jonh Wiley & Sons, 1991. 529p. POLYA, G. How to Solve it: A New Aspect of Method. New York: Doubleday & Company, Inc, 1957. 253p. SOUZA, D. K. A., Notas de Teoria dos Números. Sobral: Ed. Eletrônica, 2005. SOUZA, D. K. A. Notas de Teoria dos Anéis. Sobral: Ed. Eletrônica, 2005. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 76 STEWART, I. N. and Tall, D. O., Algebraic Number Theory. 2. Ed. Chapman and Hall, London, 1987. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 77 11. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: ALGUNS DESENCONTROS José Neyardo Alves de Araújo1 Resumo. Neste artigo é feito um breve levantamento das habilidades e competências propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira a serem desenvolvidas pelos alunos nos níveis fundamental e médio. O objetivo é verificar se essas propostas são coerentes entre ambos os níveis de ensino ou se apresentam divergências. Para tanto, foram analisadas as duas primeiras versões do documento, que são os PCN-LE para o Ensino Fundamental (1998) e os PCN-LE para o Ensino Médio (1999), bem como a última versão, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), a fim de se observar diacronicamente o que se pensou e repensou em termos de políticas públicas para o ensino de língua estrangeira nas escolas regulares nesse período de dez anos. Após comparação dos três volumes referidos, chegou-se à conclusão de que as habilidades e competências a serem trabalhadas no aluno de língua estrangeira apresentam divergências e incoerências entre os diferentes níveis ou até dentro de um mesmo nível, o que implica a necessidade de releituras dos Parâmetros Curriculares Nacionais e profundas reflexões sobre sua eficácia e adequação à sala de aula. Palavras-chave: PCN. Língua Estrangeira. Competências e habilidades. Abstract. In this article it is made a brief survey of the skills and competences proposed in the National Curricular Parameters of Foreign Language (PCN-LE) to be developed by the pupils in the elementary and high school. The objective is to verify if these proposals are coherent between both the education levels or if they present divergences. Therein, the two first versions of the document were analyzed, which are the PCN-LE for Elementary School (1998) and the PCN-LE for High School (1999), as well as the last version, the Curricular Guidance for High School (2006), in order to observe diachronically what has been thought and rethought in terms of public politics for the teaching of foreign language in regular schools over this period of ten years. After comparison of the three related volumes, it was concluded that the skills and competences to be developed by a student of foreign language present divergences and incoherences between the different levels or even in the same level, which implies the necessity of re-readings of the National Curricular Parameters and deep reflections on its effectiveness and adequacy to the classroom. Keywords: PCN. Foreign Language. Skills and competences. 1 Mestre em Lingüística Aplicada. Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Brasil. [email protected]. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 78 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 79 1. Introdução Primeiramente, é importante apresentar os PCN em linhas gerais. Para tanto, recorro ao documento intitulado “Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais” (BRASIL, 1998). Esse documento tem o fim de apresentar as linhas que norteiam os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, uma proposta de reorientação curricular oferecida pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto a secretarias de educação, escolas, instituições formadoras de professores, instituições de pesquisa, editoras e a todas as pessoas interessadas em educação, dos diferentes estados e municípios brasileiros. Uma análise da conjuntura mundial e brasileira revela a necessidade de construção de uma educação básica voltada para a cidadania. Isso não se resolve apenas garantindo a oferta de vagas, mas sim oferecendo-se um ensino de qualidade, ministrado por professores capazes de incorporar ao seu trabalho os avanços das pesquisas nas diferentes áreas de conhecimento e de estar atentos às dinâmicas sociais e suas implicações no âmbito escolar. Os Parâmetros Curriculares Nacionais nascem da necessidade de se construir uma referência curricular nacional para o Ensino Fundamental que possa ser discutida e traduzida em propostas regionais nos diferentes Estados e Municípios brasileiros, em projetos educativos nas escolas e nas salas de aula. E que possam garantir a todo aluno de qualquer região do país, do interior ou do litoral, de uma grande cidade ou da zona rural, que freqüentem cursos nos períodos diurno ou noturno, que sejam ou não portadores de necessidades especiais, o direito de ter acesso aos conhecimentos indispensáveis para a construção de sua cidadania. Nesse sentido, é necessário redefinir claramente o papel da escola na sociedade brasileira e que objetivos devem ser perseguidos nos oito anos de Ensino Fundamental. Os Parâmetros Curriculares Nacionais têm, desse modo, a intenção de provocar debates a respeito da função da escola e reflexões sobre o que, quando, como e para que ensinar e aprender, que envolvam não apenas as escolas, mas também pais, governo e sociedade. São essas definições que servem de norte para o trabalho das diferentes áreas curriculares, que estruturam o trabalho escolar: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte, Educação Física e Língua Estrangeira. Os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam também a importância de discutir, na escola e na sala de aula, questões da sociedade brasileira, como as ligadas à Ética, ao Meio Ambiente, à Orientação Sexual, à Pluralidade Cultural, à Saúde, ao Trabalho e Consumo ou a outros temas que se mostrem relevantes. Para cada uma das áreas e para cada um dos temas referidos há um documento específico que parte de uma análise do ensino da área ou do tema, de sua importância na formação do aluno do Ensino Fundamental e, em função disso, apresenta uma proposta detalhada em objetivos, conteúdos, avaliação e orientações didáticas. A explicitação desses itens é feita por ciclos, sendo que cada ciclo corresponde a dois anos de escolaridade no Ensino Fundamental. O desenvolvimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais vai ocorrer à medida que cada escola os torne seus. Por isso, será preciso operacionalizar os princípios dos Parâmetros Curriculares Nacionais no projeto educativo de cada escola, peça fundamental de seu bom funcionamento. Em linhas gerais, os Parâmetros Curriculares Nacionais se caracterizam por: • apontar a necessidade de unir esforços entre as diferentes instâncias governamentais e da sociedade, para apoiar a escola na complexa tarefa educativa; • mostrar a importância da participação da comunidade na escola, de forma que o conhecimento aprendido gere maior compreensão, integração e inserção no mundo; a prática escolar comprometida com a interdependência escola-sociedade tem como objetivo situar as pessoas como participantes da sociedade — cidadãos — desde o primeiro dia de sua escolaridade; • contrapor-se à idéia de que é preciso estudar determinados assuntos porque um dia eles serão úteis. O sentido e o significado da aprendizagem precisam estar evidenciados durante toda a escolaridade, de forma a estimular nos alunos o compromisso e a responsabilidade com a própria aprendizagem; • explicitar a necessidade de que as crianças e os jovens deste país desenvolvam suas diferentes capacidades, enfatizando que a apropriação dos conhecimentos socialmente elaborados é base para a construção da cidadania e da sua identidade, e que todos são capazes de aprender e mostrar que a escola deve proporcionar ambientes de construção dos seus conhecimentos e de desenvolvimento de suas inteligências, com suas múltiplas competências; • apontar a fundamental importância de que cada escola tenha clareza quanto ao seu projeto educativo, para que, de fato, possa se constituir em uma unidade com maior grau de autonomia e que todos que dela façam parte possam estar EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 80 • • • • comprometidos em atingir as metas a que se propuseram; ampliar a visão de conteúdo para além dos conceitos, inserindo procedimentos, atitudes e valores como conhecimentos tão relevantes quanto os conceitos tradicionalmente abordados; evidenciar a necessidade de tratar de temas sociais urgentes — chamados Temas Transversais — no âmbito das diferentes áreas curriculares e no convívio escolar; apontar a necessidade do desenvolvimento de trabalhos que contemplem o uso das tecnologias da comunicação e da informação, para que todos, alunos e professores, possam delas se apropriar e participar, bem como criticá-las e/ou delas usufruir; valorizar os trabalhos dos docentes como produtores, articuladores, planejadores das práticas educativas e como mediadores do conhecimento socialmente produzido; destacar a importância da capacidade dos docentes de atuar, levando em conta a diversidade existente entre os alunos e com seus conhecimentos prévios, como fonte de aprendizagem de convívio social e como meio para a aprendizagem de conteúdos específicos. pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua língua materna. (BRASIL, 1998, p. 20) Assim sendo, é notória a argumentação em favor da ênfase a ser dada à leitura no ensino de LE nas escolas. Embora mais adiante se afirme que, dependendo de certas condições, outras habilidades podem ser incluídas nos objetivos do ensino, todo o discurso subjacente a essa versão dos PCN vai ao encontro da leitura como habilidade primordial. Essa posição um tanto indefinida redunda numa certa contradição quando se observam as habilidades e competências que, segundo os PCN, os alunos devem ser capazes de demonstrar ao final do Ensino Fundamental, a seguir transcritas: • • 2. PCN do Ensino Fundamental Logo no início da primeira parte do volume dos PCN-LE para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998), encontra-se a justificativa social para a inclusão de Língua Estrangeira nesse nível. De acordo com o documento, para que uma área seja incluída no currículo escolar é preciso levar em consideração, dentre outros fatores, a função social que desempenha. Com relação à LE, é dito que • • • [...] considerar o desenvolvimento de habilidades orais como central no ensino de Língua Estrangeira no Brasil não leva em conta o critério de relevância social para a sua aprendizagem. Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou de algumas comunidades plurilíngües, o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer. Note-se também que os únicos exames formais em Língua Estrangeira (vestibular e admissão a cursos de pósgraduação) requerem o domínio da habilidade de leitura. Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. Além disso, a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura tem função primordial na escola e aprender a ler em outra língua • • Ao longo dos quatro anos do ensino fundamental, espera-se com o ensino de Língua Estrangeira que o aluno seja capaz de: identificar no universo que o cerca as línguas estrangeiras que cooperam nos sistemas de comunicação, percebendo-se como parte integrante de um mundo plurilíngüe e compreendendo o papel hegemônico que algumas línguas desempenham em determinado momento histórico; vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de uma língua estrangeira, no que se refere a novas maneiras de se expressar e de ver o mundo, refletindo sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir e as visões de seu próprio mundo, possibilitando maior entendimento de um mundo plural e de seu próprio papel como cidadão de seu país e do mundo; reconhecer que o aprendizado de uma ou mais línguas lhe possibilita o acesso a bens culturais da humanidade construídos em outras partes do mundo; construir conhecimento sistêmico, sobre a organização textual e sobre como e quando utilizar a linguagem nas situações de comunicação, tendo como base os conhecimentos da língua materna; construir consciência lingüística e consciência crítica dos usos que se fazem da língua estrangeira que está aprendendo; ler e valorizar a leitura como fonte de informação e prazer, utilizando-a como meio de acesso ao mundo do trabalho e dos estudos avançados; utilizar outras habilidades comunicativas de modo a poder atuar em situações diversas. (BRASIL, 1998, p. 66-67) A incoerência entre a função social que justifica a inclusão da LE no currículo escolar, privilegiando a leitura e as habilidades e competências acima transcritas, reside no fato de que algumas destas não são atingíveis apenas com o domínio da leitura. Além disso, na segunda parte do volume, na seção que trata das orientações didáticas, são discutidas as quatro habilidades comunicativas, que envolvem compreensão e produção. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 81 3. PCN do Ensino Médio É bom começar a discussão sobre os PCN do Ensino Médio (BRASIL, 1999) lembrando que esses parâmetros já sofreram releituras e ajustes pelos assessores do Ministério da Educação, o que resultou na publicação dos PCN + (BRASIL, 2000) e nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), sendo essas últimas discutidas mais adiante. No processo de elaboração dos PCN do Ensino Médio, a primeira reunião entre os dirigentes, os técnicos da Secretaria de Educação Média e Tecnológica e docentes convidados de diversos estabelecimentos de ensino superior do país destacou a necessidade de se elaborar uma proposta curricular que se mostrasse exeqüível por todos os Estados do Brasil, levando-se em consideração as desigualdades regionais, respeitando o princípio da flexibilidade, norteador da Lei de Diretrizes e Bases. Os professores convidados eram de comprovada experiência nos ramos do ensino e da pesquisa e atuaram como consultores especialistas. Após vários debates, tanto em nível acadêmico quanto no âmbito de cada Estado, com a participação dos técnicos coordenadores do projeto e representantes das Secretarias Estaduais de Educação, e após reformulações dos textos, realizaram-se duas reuniões em São Paulo e no Rio de Janeiro com professores da rede pública de ensino, selecionados de forma aleatória, para verificar a compreensão e receptividade dos documentos produzidos. O resultado mostrou “índices de aceitação muito satisfatórios, o que se considerou como um indicador da adequação [grifo nosso] da proposta ao cotidiano das escolas públicas” (BRASIL, 1999, p. 19). Os PCNEM, a respeito do ensino-aprendizagem de LE, dizem que o desenvolvimento de todas as habilidades lingüísticas é importante e chamam a atenção para a função intrínseca às línguas estrangeiras modernas que é a de serem veículos fundamentais de comunicação entre os homens. Afirmam que os objetivos práticos – entender, falar, ler e escrever – a que a legislação e especialistas se referem são relevantes, e que não faz sentido o ensino de línguas que tem como objetivo somente o conhecimento metalingüístico e o domínio consciente de regras gramaticais que permitem, quando muito, atingir resultados medianos em provas escritas. De acordo com o documento, as competências e habilidades a serem desenvolvidas em Língua Estrangeira Moderna são as seguintes: Representação e comunicação • Escolher o registro adequado à situação na qual se processa a comunicação e o vocábulo que melhor reflita a idéia que pretende comunicar. • Utilizar os mecanismos de coerências e coesão na produção oral e/ou escrita. • • Utilizar as estratégias verbais e não-verbais para compensar as falhas, favorecer a efetiva comunicação e alcançar o efeito pretendido em situações de produção e leitura. Conhecer e usar as línguas estrangeiras modernas como instrumento de acesso a informações a outras culturas e grupos sociais. Investigação e compreensão • Compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada em razão de aspectos sociais e/ou culturais. • Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacionando textos/contextos mediante a natureza, função, organização, estrutura, de acordo com as condições de produção/recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da criação e propagação de idéias e escolhas, tecnologias disponíveis). Contextualização sócio-cultural • Saber distinguir as variantes lingüísticas. • Compreender em que medida os enunciados refletem a forma de ser, pensar, agir e sentir de quem os produz. (BRASIL, 1999, p.153) De um modo geral, os objetivos dos PCN para ambos os níveis, fundamental e médio, são semelhantes; o que diverge é o caminho para atingir tais objetivos, pois observamos nas habilidades e competências defendidas nos PCNEM uma mudança de foco da leitura (priorizada no Ensino Fundamental) para a contemplação das quatro habilidades lingüísticas, habilidades essas que podem ser vistas como capacidades comunicativas, conforme Widdowson (1978), dependendo de como são exploradas. 4. Orientações Curriculares para o Ensino Médio Em 2006, a Secretaria de Educação Básica, através do Departamento de Política do Ensino Médio, envia aos professores as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, com o intuito de suscitar reflexões sobre a sua prática docente. A elaboração dessas orientações iniciou em 2004, a partir da necessidade exposta em debates e encontros com os dirigentes das Secretarias Estaduais de Educação e pesquisadores que, nas universidades, vêm levantando questionamentos referentes ao ensino das diversas disciplinas. O que se desejava era uma nova discussão sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, no sentido tanto de aprofundar o entendimento de pontos ainda obscuros quanto de “apontar e desenvolver indicativos que pudessem oferecer alternativas didático-pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico” (BRASIL, 2006, p. 8), para atender às demandas e expectativas dos docentes e das escolas na construção do currículo EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 82 para o Ensino Médio que respondesse às reais necessidades no processo de ensino e aprendizagem. Tendo em vista essa finalidade, o documento diz: Ao se tratar da organização curricular tem-se a consciência de que a essência da organização escolar é, pois, contemplada. Por outro lado, um conjunto de questões emerge, uma vez que o currículo traz na sua construção o tratamento das dimensões histórico-social e epistemológica. A primeira afirma o valor histórico e social do conhecimento; a segunda impõe a necessidade de reconstruir os procedimentos envolvidos na produção dos conhecimentos. Além disso, a política curricular deve ser entendida como expressão de uma política cultural, na medida em que seleciona conteúdos e práticas de uma dada cultura para serem trabalhados no interior da instituição escolar. Trata-se de uma ação de fôlego: envolve crenças, valores e, às vezes, o rompimento com práticas arraigadas. (BRASIL, 2006, p. 7-8) Como ponto de partida do processo de elaboração dessas orientações curriculares, foi constituído um grupo de trabalho multidisciplinar com professores que desenvolvem pesquisas em linhas voltadas para o ensino, com o objetivo de produzir um documento preliminar que suscitasse a discussão sobre conteúdos do Ensino Médio e ações didáticopedagógicas, explorando as especificidades de cada disciplina. Com a publicação dessa produção preliminar em seminários regionais e nacionais, foi feita uma análise do documento por representantes das equipes técnicas das Secretarias Estaduais de Educação, por professores de cada Estado participante e, em alguns casos, por representantes de alunos, o que demonstra um trabalho resultante de contribuições de diversos segmentos do trabalho educacional; não ficando claro, entretanto, que contribuições são essas. Vale ressaltar ainda que os debates revelaram preocupações com os aspectos materiais da atividade docente (jornada de trabalho, programas de desenvolvimento profissional e condições de organização do trabalho pedagógico), pois tais elementos contribuem significativamente para que o processo de ensinoaprendizagem tenha êxito. Com relação às orientações curriculares especificamente para Línguas Estrangeiras, os seus objetivos são: retomar a reflexão sobre a função educacional do ensino de Línguas Estrangeiras no ensino médio e ressaltar a importância dessas; reafirmar a relevância da noção de cidadania e discutir a prática dessa noção no ensino de Línguas Estrangeiras; discutir o problema da exclusão no ensino em face de valores “globalizantes” e o sentimento de inclusão freqüentemente aliado ao conhecimento de Línguas Estrangeiras; introduzir as teorias sobre a linguagem e as novas tecnologias (letramentos, multiletramentos, multimodalidade, hipertexto) e dar sugestões sobre a prática do ensino de Línguas Estrangeiras por meio dessas. (BRASIL, 2006, p. 87) No que tange às habilidades a serem trabalhadas no ensino de Línguas Estrangeiras no nível médio, o documento destaca a leitura, a prática escrita e a comunicação oral contextualizadas. Ao discorrer sobre o papel educacional do ensino de Línguas Estrangeiras na escola, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, com base nos resultados de pesquisas realizadas na área de ensino de idiomas nas escolas regulares, afirmam: [...] depreende-se que as falas dos alunos e dos pesquisadores defendem que o aprendizado de uma língua estrangeira se concretiza em cursos de idiomas, levando-nos a inferir que não há essa expectativa quanto à escola regular. Ressalvando as possibilidades interpretativas das mencionadas falas, entendemos que os quadros descritos por meio delas expressam o desejo de que as escolas disponham de condições mais favoráveis para o ensino de idiomas ou informam que os alunos não encontram motivação para essa aprendizagem na escola regular e que talvez esses fatores justifiquem que os objetivos não sejam alcançados no ensino formal. Essas indicações levamnos a reforçar a discussão sobre os objetivos – ou o conflito de objetivos – do ensino de Línguas Estrangeiras no nível médio. (BRASIL, 2006, p. 89) O documento também destaca um pensamento de Dutra e Mello (2004, p. 37), segundo o qual [...] o sistema educacional brasileiro coloca no mercado de trabalho professores despreparados e muitos recorrem aos cursos de especialização em busca de uma regraduação, o que naturalmente não encontram. Esse contexto reforça, dia-a-dia, o preconceito de que só se aprende língua estrangeira em cursos livres. (BRASIL, 2006, p. 89) O documento critica o fato de a escola regular tender a enfatizar o ensino apenas lingüístico ou instrumental de Língua Estrangeira, deixando de lado outros objetivos , como os culturais e os educacionais. Essa concepção de ensino reflete uma educação voltada mais para o conteúdo a ser ensinado do que para o educando e sua formação. É notória, portanto, a preocupação das Orientações Curriculares com a formação dos indivíduos como cidadãos. O ensino de Línguas Estrangeiras deve, então, centrar-se nesse compromisso de formar educandos e não apenas em questões meramente lingüísticas; colaborando, assim, com o desenvolvimento da cidadania. Como desenvolver o senso de cidadania em aulas de Línguas Estrangeiras EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 83 é, pois, a questão didático-pedagógica focalizada nessas diretrizes curriculares. Ressalte-se que há tempos é dito (VAN EK; TRIM, 1984) que, além de instrumentalizar linguisticamente o aluno, a aprendizagem de língua estrangeira contribui para: • • • • estender o horizonte de comunicação do aprendiz para além de sua comunidade lingüística restrita própria, ou seja, fazer com que ele entenda que há uma heterogeneidade no uso de qualquer linguagem, heterogeneidade esta contextual, social, cultural e histórica. Com isso, é importante fazer com que o aluno entenda que, em determinados contextos (formais, informais, oficiais, religiosos, orais, escritos, etc.), em determinados momentos históricos (no passado longínquo, poucos anos atrás, no presente), em outras comunidades (em seu próprio bairro, em sua própria cidade, em seu país, como em outros países), pessoas pertencentes a grupos diferentes em contextos diferentes comunicam-se de formas variadas e diferentes; fazer com que o aprendiz entenda, com isso, que há diversas maneiras de organizar, categorizar e expressar a experiência humana e de realizar interações sociais por meio da linguagem. (Vale lembrar aqui que essas diferenças de linguagem não são individuais nem aleatórias, e sim sociais e contextualmente determinadas; que não são fixas e estáveis, e podem mudar com o passar do tempo.); aguçar, assim, o nível de sensibilidade lingüística do aprendiz quanto às características das Línguas Estrangeiras em relação à sua língua materna e em relação aos usos variados de uma língua na comunicação cotidiana; desenvolver, com isso, a confiança do aprendiz, por meio de experiências bem-sucedidas no uso de uma língua estrangeira, enfrentar os desafios cotidianos e sociais de viver, adaptando-se, conforme necessário, a usos diversos da linguagem em ambientes diversos (sejam esses em sua própria comunidade, cidade, estado, país ou fora desses). (BRASIL, 2006, p. 92) Portanto, conforme as orientações curriculares, ensinar uma língua estrangeira vai além, inclusive, de simplesmente capacitar o aluno a usar essa língua para fins comunicativos; ensinar língua estrangeira implica também, como já dito, na formação humana no e desenvolvimento da cidadania. Nesse sentido, os temas transversais sugeridos nos PCN podem contribuir bastante, além das atividades de leitura (mas não somente essas) e de concepções como letramento, multiletramento e multimodalidade aplicadas ao ensino. 5. Alguns estudos sobre os PCN Com vista a reflexões sobre as implicações dos PCN no discurso/prática dos professores, temos como referência estudos como os de Rojo (2000), Vieira (2003), Teixeira (2004) e Macau (2006), dentre outros. Barbosa (apud ROJO, op. cit.) afirma que, apesar de a elaboração dos PCN para os ensinos fundamental e médio ter sido uma ação política efetiva na busca da melhoria da qualidade de ensino e da formação para a cidadania, há ainda muito a se fazer pela educação pública brasileira nesses níveis. Pompílio et al. (apud ROJO, op. cit.) destacam que, pelo fato de os PCN fundamentarem-se em teorias relativamente recentes e inovadoras e de serem destinados a um público heterogêneo de educadores em todo o país, fazse necessária uma ação mais concreta para promover práticas mediadoras que permitam uma discussão sobre o que neles se propõe. Entretanto, para que o professor interprete essas diretrizes de modo a levar a efeito uma transposição didática, é preciso haver esforço para refletir acerca dos princípios e referenciais do trabalho docente em sala de aula (ROJO, op. cit.). O estudo de Vieira (2003) analisa como professores brasileiros de inglês reagiram aos Parâmetros Curriculares Nacionais na condição de documento oficial concebido para orientar a educação no Brasil. Os resultados mostram que os PCN não influenciam a visão de ensino desses professores e que são até desconhecidos de alguns deles. O estudo revela ainda que o papel sócio-político do ensino, um dos aspectos principais dos PCN, continua negligenciado. Ao apresentar os resultados de um estudo1 realizado junto a escolas mineiras sobre a aplicação dos PCN, Teixeira (2004, p. 11) conclui assim: Talvez possamos dizer, da pesquisa realizada em VT e NL, que os PCN tiveram muito pouco efeito sobre o que é feito nas escolas, tomando como base o que nelas observamos. O temor de que os PCN se tornassem um currículo nacional não se concretizou, pelo menos até agora. O antídoto indicado por Teixeira (2000, p. 250-254) era a discussão dos PCN pelos professores em suas escolas, a análise do documento e sua adoção ou não, no todo ou em partes, conforme o projeto pedagógico da escola. Os PCN seriam a proposta do MEC a ser confrontada com outras propostas curriculares. A pesquisa nessas escolas mineiras revelou que os PCN podem ser lidos de forma crítica e, a partir dessa leitura, algumas boas experiências podem surgir. A 1 Pesquisa intitulada PCN DO ENSINO FUNDAMENTAL NO CONTEXTO DE ESCOLAS MINEIRAS, desenvolvida por Beatriz de Basto Teixeira, da UFJF, que teve por objetivo levar a conhecer como se dava a adoção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do ensino fundamental (BRASIL. MEC, 1997-1998) em escolas da rede pública estadual mineira, identificadas no trabalho pelos códigos VT e NL, o que foi considerado oportunidade ímpar para a discussão sobre as políticas educacionais, especialmente as curriculares. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 84 leitura crítica, amparada por uma formação que dê ao professor conhecimento dos conteúdos de sua disciplina e compromisso público com sua função, permitiria aos professores a construção de seus próprios projetos de ensino. Os resultados da pesquisa de Macau (2006) evidenciaram que os professores têm a crença de que as diretrizes dos PCN-EM têm seu valor, mas são mal compreendidas, o que, segundo esses professores, demanda uma maior discussão sobre o documento, especialmente nas reuniões pedagógicas. Para esses professores, tal discussão configura-se em um dos fatores que possibilitariam a aplicabilidade dos PCN na sala de aula. Quanto aos fatores que dificultam a sua aplicabilidade, consoante as crenças dos professores pesquisados, Macau cita: o número excessivo de alunos em sala, a carência de recursos didáticos, o trabalho solitário dos professores e a falta de tempo e oportunidades para discussões e elucidações em torno do documento. 5. Conclusão Considerando a conclusão a que chegou Teixeira (2004) de que os PCN tiveram pouquíssimo efeito sobre o trabalho realizado nas escolas por ela pesquisadas, queremos suscitar uma reflexão sobre a suposta adequação desse documento ao cotidiano das escolas defendida nos próprios PCN do Ensino Médio (BRASIL, 1999), observando principalmente os paradoxos entre as várias versões dos parâmetros curriculares e/ou dentro da mesma versão, no que diz respeito aos objetivos e papel da língua estrangeira no processo de ensino-aprendizagem e às habilidades e competências a serem desenvolvidas nos alunos. DUTRA, D. P.; MELLO, H. R. A gramática e o vocabulário no ensino de inglês: novas perspectivas. Belo Horizonte: Fale/Poslin, 2004. MACAU, L. M. R. As representações dos professores de inglês do Ensino Médiosobre os PCN e a sua aplicabilidade. São Paulo, 2006, 105f. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. POMPÍLIO, B. W. et al. Os PCNs: uma experiência de formação de professores do Ensino Fundamental. In: ROJO, R. (org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2000. P. 93-126. ROJO, R. Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula: progressão curricular e projetos. In:______. (Org.) A prática de linguagem em sala de aula – praticando os PCNs. São Paulo: Mercado de Letras, 2000. P. 27-38. TEIXEIRA, B. de B. PCN do ensino fundamental no contexto de escolas mineiras. Juiz de Fora: [s.n.], 2004. 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Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília, MEC/SEF, 1998. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, Ministério da Educação, 1999. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília, Ministério da Educação, 2006. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 85 12. O PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO NA SALA DE AULA DE LE Lissa Mara Saraiva Fontenele1 Resumo: O objetivo deste artigo é fazer uma análise a respeito da importância que o livro didático comumente exerce na sala de aula das escolas de ensino fundamental e de ensino médio, em especial na disciplina de Língua Inglesa. Para isso, o artigo começa fazendo um breve histórico do livro didático no Brasil – desde sua gênese até os dias atuais. A partir daí é possível perceber o quanto o critério mercadológico acabou por se tornar critério definidor para a escolha do livro a ser adotado, dando-se, assim, grande poder às editoras e colocando o livro didático em uma posição hegemônica em sala de aula. É possível constatar também que esse critério influencia na qualidade dos livros didáticos, por exemplo, seus exercícios de interpretação ficam bem aquém do que normalmente se esperaria, visto que muitos não exercitam as capacidades cognoscitivas dos alunos. Outro impacto observado aqui é a limitação imposta aos papéis dos professores e alunos dentro do ambiente de ensino/aprendizagem, podando, então, a criatividade de ambos os lados, para adotarem ou mesmo desenvolverem materiais outros que não o livro didático. Logo em seguida são analisadas duas pesquisas sobre livros didáticos de língua estrangeira que realizam questionamentos relevantes, no que diz respeito à relação entre o ensino de uma língua estrangeira e o ensino da cultura do povo que a detém. O final do artigo discorre sobre o papel ideal a ser exercido pelo livro didático, que é o de estar a serviço de professores e alunos e não o de ser seu guia incondicional. Palavras-chave: Livros Didáticos. Critério Mercadológico. Ensino de Língua Estrangeira. Abstract: The object of this article is to make an analysis about the importance that English textbooks usually exert in the classroom of the primary and secondary education, specially on English as a foreign language subject. In order to do that, the article begins doing a brief review of the text books in Brazil – since their genesis up to now. According to that it is possible to notice how the marketing criterion ended up being the most important criterion to choose the books that are going to be adopted, as a consequence, a great power was given to the publishers and the text books were put in a hegemonic position in the classroom. It is also possible to notice that this criterion influences on the quality of the text books, for instance, the low level of their interpretation exercises since a great deal of them don`t work their cognoscitive students` skills. Another impact that can be pointed out it is related to the limitation imposed upon teachers` and students` roles in the teaching/ learning environment, restricting their creativity related to adopt or even to create other teaching materials than the text books themselves. Then, two researches on foreign language textbooks that do relevant questions in order to discuss about the connection between the teaching of a foreign language and teaching the culture of their native speakers are analyzed. The last part of the article discuss about the ideal role of the text books in the classroom context, that it is of being at the service of teachers and students and not to be their unconditional guide. Keywords: Text Books. Marketing Criterion. The Teaching of a Foreign Language. 1 Mestre em Lingüística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, Brasil. [email protected] EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 86 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 87 1. Introdução Muitos dos processos de ensino e aprendizagem vivenciados em sala de aula têm como principal intermediário o livro didático. Essa realidade pode ser constatada principalmente em escolas de ensino fundamental e de ensino médio, onde é possível observar professores preocupados com a apatia e desinteresse de seus alunos com relação ao livro didático, que, nesse contexto, torna-se ferramenta fundamental para o sucesso da aprendizagem, visto que, na maioria dos casos, ele é adotado como programa do curso e o professor tem que se esforçar ao máximo para cumpri-lo de forma sistemática em sala de aula. Assim, o aluno sente-se cada vez mais desconfortável e entediado por ter que seguir o exaustivo programa escolar que lhe é imposto. Dentro desse processo que se repete a cada ano, aluno e professor só serão considerados competentes se, ao final do ano letivo, o livro didático tiver sido cabalmente estudado e seus exercícios, resolvidos. Apesar do referido quadro estender-se a todas as matérias do currículo escolar, receberá destaque, neste artigo, somente o livro didático de língua inglesa, já que a pesquisadora é professora da matéria e, assim, pôde deter-se mais detalhadamente no contexto do ensino do inglês. 2. Critério para a Escolha do Livro Didático Um primeiro passo para se tentar entender como o livro didático acabou por exercer um papel tão importante em sala de aula, como demonstrado no exemplo acima, é conhecer um pouco de sua gênese no contexto educacional ocidental dos últimos três séculos. Antes do século XIX, a fonte dos estudos escolares restringia-se a textos sagrados, que eram impressos e distribuídos por associações religiosas. A Revolução Industrial trouxe à tona a importância de se capacitar o trabalhador, ocasionando a expansão do sistema educacional. Nesse contexto, começaram a surgir os primeiros livros didáticos que, já chegaram como a única forma autorizada de ensino e, com o tempo, suplantaram definitivamente os textos sagrados. É interessante observar a afirmação de CORACINI (1999, p. 94) no que diz respeito ao enfoque que esses livros objetivavam dar à educação: Naquela época, a tradução de livros didáticos para fins específicos não significava uma genuína preocupação com a autonomia intelectual dos alunos, uma vez que a prática pedagógica estava essencialmente caracterizada pela memorização e recitação. O que se pode observar é a clara falta de preocupação dos educadores, à época, de motivar seus alunos a desenvolverem uma consciência crítica diante do que liam. A isso se juntam também razões econômicas, que pareceram nortear mais o sistema educacional do que os aspectos pedagógicos. Pode-se observar esse ponto, quando CORACINI (1999, p. 95) afirma que “[...] os exames públicos acabaram por condicionar a adoção de determinados livros”. Assim, com o passar dos anos, a situação foi ficando cada vez mais agravada, visto que editoras e autores foram alcançando maior influência na constituição desses livros, por também participarem na elaboração dos exames públicos. Ainda segundo CORACINI (1999), esses níveis e parâmetros, elaborados pelos autores com o apoio financeiro das editoras, é que acabaram originando, atualmente, os chamados currículos escolares. Dentro do contexto atual, as editoras possuem cada vez mais poder financeiro, pois elas detêm o principal, quiçá, o único material usado em sala de aula – o livro didático. Daí ser o critério econômico o que mais pesa na hora da escolha, todavia o livro considerado de sucesso e reeditado é aquele que consegue vender mais exemplares. Nesse processo de escolha do livro didático, no qual predominam principalmente os aspectos de ordem econômica, o papel do autor fica em segundo plano, vendo-se obrigado a seguir padrões preestabelecidos pelas editoras, tanto no que diz respeito aos aspectos pedagógicos quanto financeiros. (SOUZA, 1999). O critério primordialmente econômico das editoras para a adoção de um livro em detrimento de outro pode ter conseqüências diretas na qualidade dos livros publicados. Isso pode ser observado, por exemplo, nos exercícios de interpretação de textos nos quais, em vez de tentarem levar os alunos a desenvolverem um pensamento crítico por meio de práticas de interpretação, há maior interesse no ensino da gramática. Podendo-se detectar nas pesquisas desenvolvidas pela autora do presente artigo sobre livros didáticos, tanto no curso de especialização quanto de mestrado (FONTENELE, 2003, 2008), onde se constatou que o objetivo do seu ensino continua sendo eminentemente a memorização, com vistas ao vestibular. A gramática geralmente é apresentada desvinculada de qualquer contexto ou em textos artificialmente produzidos, com o intuito somente de introduzir uma nova função gramatical. Um exemplo disso é o livro adotado por algumas escolas no ensino médio intitulado Compact English Book (LIBERATO, 1998, p. 19-27) cuja Unidade 2 inicia com um texto no qual predomina o tempo verbal “presente contínuo”. Após a apresentação do texto, há uma seção de gramática explicando em detalhes todos os casos nos quais se deve fazer uso desse tempo verbal; em seguida, são colocados aos alunos vários exercícios, tendo como sua maior característica a mecanicidade. Por exemplo: EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 88 Reescreva os verbos acrescentando o sufixo ING: 1. Look ___________ 2. Search __________ 3. Take ____________ Nas questões I, II e III marque a alternativa na qual todos os verbos estejam ortograficamente corretos: a. Flying - dying - paying b. Sking - sing - bring c. Bing - writting - reading d. Shiftting - suspecting - alterring Após essa seção de gramática, vem imediatamente outra, na qual são simplesmente introduzidos os números arábicos do zero ao milhão. A forma escolhida, aqui, para abordar os números parece ser tediosa e também cansativa para o aluno, que se vê obrigado, “do nada”, a aprender uma quantidade enorme de números, sem ter havido sequer uma preparação ou um objetivo preestabelecido. Quanto aos chamados exercícios de interpretação, quando analisados a fundo, a minoria dos livros elabora questões que levam o aluno a inferir e dar suas opiniões. Em vez disso, o que se observa mais freqüentemente é a presença de perguntas contendo palavras-chave das respostas que são encontradas no texto, onde o aluno precisa simplesmente localizá-las e copiar toda a frase, sem ao menos esforçar-se para entendê-las, bastando da parte dele uma leitura linear do texto. 3. Limitação dos Papéis do Professor e do Aluno Outro aspecto que tem contribuído para a ênfase exacerbada dada ao livro didático é a falta de vontade do sistema educacional, em geral, de encarar o professor como um elemento também importante e contestador do processo de ensino e aprendizagem, sendo capaz de escolher um determinado livro didático e material suplementar que melhor se adapte aos seus alunos. Em vez disso, o professor se vê inserido no “[...] contexto do paradigma do livro didático [...]”, onde ele exerce uma função de controlador e de regente desse livro, que é considerado, pelo mesmo no sistema educacional, como uma “arma” para o ensino. Dentro dessa realidade, portanto, um bom professor seria aquele que tem habilidade de manusear essa “arma” com destreza. (CORACINI, 1999, p. 93). O perigo que se apresenta nesse contexto do livro didático como o principal mediador no ensino promovido pela escola é um possível desdobramento ideológico, tanto para o professor quanto para o aluno, porque ambos se vêem presos a um papel que lhes é preestabelecido pela sociedade e, mais especificamente, pelo sistema educacional materializado nas escolas. Nesse sistema cabe ao professor, como se falou há pouco, o papel de “regente” do livro, simples transmissor de um conteúdo incontestável, e ao aluno, cabe observar, analisar, preencher, responder, escrever, devendo cooperar com o que é pedido no livro didático, já que, como foi observado, a maioria de seus exercícios é desenvolvida de modo a “podar” a imaginação e a livre interpretação dos alunos. Então, em vez dos livros desenvolverem no aluno o seu papel de leitor crítico, capacitando-o a desvelar significados implícitos no texto, eles limitam o papel do aprendiz, ajudando-o a perceber somente os significados mais superficiais das informações lidas, as quais, muitas vezes, se restringem aos aspectos lingüísticos. (CORACINI, 1999, p. 93-103). A chamada hegemonia do livro didático também é preocupante, devido ao provável impacto manipulador que suas informações e idéias podem exercer sobre os leitores, tendo em vista o forte caráter de autoridade que a ele é atribuído. Esta última afirmação baseia-se no fato de que “[...] tanto o escritor como o autor, encontram-se em determinadas posições sociais e discursivas que estruturam sua escrita em um grau maior ou menor.” (KRESS, 1989, p. 68). Ainda segundo Kress (1989, p. 68), [...] essa aparente contradição de liberdade para se construir textos, por um lado, e das restrições (coações) experimentadas por um escritor ao falar ou escrever um texto, por outro lado, é explicado pelo efeito das ideologias em uma determinada cultura ou sociedade. 1 Este fato, portanto, da não neutralidade do escritor e do autor deve merecer atenção, já que, como se viu há pouco, os produtores de textos estão sujeitos a adotarem determinadas posições ideológicas em seus textos, mesmo que de forma inconsciente. 4. Questões de Pesquisa sobre o Ensino de uma Língua Estrangeira No que diz respeito a essas observações e falando mais especificamente no contexto do livro didático de língua estrangeira, pode-se levantar uma questão interessante, no que diz respeito ao que está envolvido em seu ensino: é possível ensinar uma língua estrangeira através apenas de seus aspectos gramaticais ou não é possível prescindir de se ensinar os aspectos culturais dessa língua-alvo? 1 “[...] Writers and authors find themselves in certain social/discursive positions which structure their writing to a greater or lesser degree. This apparent contradiction of freedom to construct texts on the one hand and the constraints experienced by a writer in the speaking or writing of a text on the other is explained by the operation of ideologies in a particular culture or society.” EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 89 Nesse sentido, é importante observar um trabalho de BROWN (1990), no qual aponta que uma das dificuldades enfrentadas por alunos de língua estrangeira, no que concerne a aquisição dos aspectos formais da língua e ao entendimento do discurso dessa língua, é devido à falta de um conhecimento cultural do país ou países onde ela é falada. Com o objetivo de cobrir tal lacuna, segundo BROWN (1990), era comum se encontrar nos livros didáticos textos que pretendessem passar ao aprendiz os costumes de seu povo, chegando, muitas vezes, a diferenciar explicitamente, por exemplo, o inglês britânico do americano, conjuntamente com suas diferenças culturais. Dentro desse contexto, cabia ao professor “passar” para o aluno a “realidade” de cada cultura, da forma mais completa e abrangente. Diante disso, BROWN (1990) defende um ponto de vista mais equilibrado e até mais realista. Primeiro, os professores de línguas não são simples “instrumentos” a serem usados no ensino, mas, são pessoas moldadas com base em suas experiências de mundo; segundo, não se pode esperar que sejam especialistas nas culturas das línguas que ensinam. Em vez disso, BROWN (1990) propõe que os professores, ao ensinarem uma língua estrangeira, devam fazer uma articulação entre sua própria experiência de mundo e seu conhecimento das características culturais dos países falantes da língua-alvo. BROWN (1990) ainda sugere que, os professores também ensinem seus alunos a inferir, com base em seus conhecimentos de mundo, algo num texto que seja estranho aos seus próprios conhecimentos culturais. É possível vislumbrar nesses aspectos a preocupação de BROWN (1990) em incentivar os professores a exercerem uma postura mais independente em relação ao livro didático, mostrandolhes sua importância na produção e no desenvolvimento de boas aulas de línguas. Além disso, BROWN (1990) também considera como de grande importância a participação ativa dos alunos frente às informações encontradas nos textos. Atualmente, não é mais possível conceber um livro de línguas que contenha apenas tópicos gramaticais em contextos irreais e insípidos para ensinar, por exemplo, os tempos verbais. Isso porque os alunos provêm de um contexto real de vida, com suas experiências, expectativas e seus conhecimentos, sendo ideal que todos os fatores sejam aproveitados e usados como sendo mais um incentivo ou um desafio aos aprendizes no seu processo de aquisição de uma língua. Além da contribuição do próprio professor nesse processo, a contribuição também de livros didáticos pode ser de grande valia se trouxer textos interessantes e autênticos que tratem do cotidiano de outras culturas, de temas polêmicos ou surpreendentes. Portanto, os alunos tanto terão a oportunidade de aprender a língua desejada, como também aumentarão sua vivência e seu conhecimento de mundo. Sem falar que o ato de aprender a língua-alvo tenderá a ser mais prazeroso e enriquecedor para os alunos do que se estivessem estudando somente estruturas e regras gramaticais. Ao se perceber que ensinar uma língua estrangeira envolve conhecer tanto seus aspectos formais como culturais, é importante levantar uma outra questão de cunho ideológico, a fim de se tentar observar como o livro adotado trabalha as questões dos aspectos culturais da língua-alvo, já que é possível que permeiem, ali, ideologias e posições hegemônicas em favor dessa cultura. ALPTEKIN (1993, p. 138) afirma que: [...] escritores de livros de línguas, como quaisquer outros, pensam e compõem, sobretudo, por meio de esquemas culturais específicos. [...] A maioria dos escritores de livros de línguas é falante nativo que conscientemente ou inconscientemente transmite visões, valores, crenças, atitudes e sentimentos de sua própria sociedade falante de inglês – geralmente Estados Unidos ou Grã-Bretanha. Assim, quando os aprendizes adquirem um novo conjunto de discurso da língua inglesa como parte de seu conhecimento sistêmico em desenvolvimento, eles compartilham o sistema cultural que esse conjunto engloba.2 Em seguida, ALPTEKIN (1993) faz outro questionamento, no que diz respeito à propriedade de uma língua: a ênfase desmedida nos elementos culturais de uma língua-alvo não equipararia seus falantes nativos a seus únicos detentores? Essa questão é dirigida, principalmente, ao inglês, chamado por ALPTEKIN (1993, p. 140) de “língua franca”, pelo fato dela representar, nos dias atuais, inúmeras culturas e diversos sistemas de valor. Diante do dilema exposto, ALPTEKIN (1993) propõe que se vá à frente a discussão para superar a visão simplista de considerar língua e cultura como inseparáveis, sendo, portanto, mais realista se falar de uma língua que nem sempre está “presa” a uma cultura particular, principalmente quando se tem como referência a língua inglesa. ALPTEKIN (1993) faz sugestões e comentários valiosos sobre como um aluno aprende melhor uma língua-alvo num livro que trabalhe com seu próprio contexto social, em vez de em um que tente inseri-lo no contexto da língua que está estudando. Para escritores de livros didáticos – e até para professores, o ALPTEKIN (1993, p. 142) sugere, no final do artigo, que seria 2 [...] textbook writers, like everyone else, think and compose chiefly through culture-specific schemas. [...] Most textbook writers are native speakers who consciously or unconsciously transmit the views, values, beliefs, attitudes, and feelings of their own English-speaking society - usually the United States or United Kingdom. As such, when learners acquire a new set of English discourse as part of their evolving systemic knowledge, they partake of the cultural system which the set entails.” EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 90 interessante tentar fazer uma ponte entre o conhecimento cultural da língua-mãe dos alunos e a língua-alvo, por meio de técnicas de comparação transculturais ou pela utilização de conceitos universais de raça humana, como pontos de ajuda na compreensão de alguma informação alheia ao aluno. 5. Papel Ideal do Livro Didático em Sala de Aula Tanto aspectos inerentes aos livros didáticos de língua estrangeira, como os outros aspectos já comentados a respeito dos livros das demais matérias, vêm reforçar a importância de se evitar adotar aqueles que subestimam as capacidades e habilidades mentais dos alunos. Para Libâneo (1994, p. 78): O ensino deve ser mais do que isso. Compreende ações conjuntas do professor e dos alunos, pelas quais são estimulados a assimilar, consciente e ativamente os conteúdos e os métodos, de assimilá-los com suas forças intelectuais próprias, bem como aplicá-los, de forma independente e criativa, nas várias situações escolares e na vida prática. LIBÂNEO (1994) ainda enfatiza que o objetivo maior do ensino deveria ser o de desenvolver no aluno sua capacidade cognoscitiva.3 Vale a pena observar que o complexo dessas capacidades excede em muito ao que é trabalhado na maioria dos livros didáticos, ou seja, a memória e o raciocínio lógico (essa última, estando muito presente nos livros das ciências exatas). No entanto, outras capacidades ainda se destacam: Do complexo de capacidades cognoscitivas podemos destacar: a exercitação dos sentidos, a observação, a percepção, a compreensão, a generalização, o raciocínio, a memória, a linguagem, a motivação e a vontade. (LIBÂNEO, 1994, p. 80). Se todos esses aspectos fossem explorados no ensino escolar, o livro didático tenderia a exercer o papel que idealmente lhe cabe, ou seja, “[...] o de estar a serviço dos professores e aprendizes, e não o de ser seu mestre. Seu papel não é o de exercer uma função tirânica como o árbitro do conteúdo do curso e dos métodos de ensino.” (CUNNINGSWORTH, 1995, p. 7)4. Libâneo (1994, p. 80) consegue perceber os limites de 3 Segundo Libâneo (1994), as capacidades cognoscitivas “[...] são as energias mentais disponíveis nos indivíduos, ativadas e desenvolvidas no processo de ensino, em estreita relação com os conhecimentos. O desenvolvimento das capacidades se verifica no decorrer do processo de transmissão-assimilação de conhecimentos e é, ao mesmo tempo, condição para a aquisição e aplicação dos conhecimentos”. 4 “[...] to be at the service of teachers and learners but not to be their master. Its role is not to exercise a tyrannical function as the arbiter of course content and teaching methods”. alcance que o livro didático possui no aprendizado dos alunos, como também a importância do professor no trato do mesmo: O livro didático é necessário, mas por si mesmo ele não tem vida. É um recurso auxiliar cujo uso depende da iniciativa e imaginação do professor. Os conteúdos do livro didático somente ganham vida quando o professor os toma como meio de desenvolvimento intelectual, quando os alunos conseguem ligá-los com seus próprios conhecimentos e experiências, quando através deles aprendem a pensar com sua própria cabeça. Portanto, o livro didático deve ser encarado como mais um recurso disponível para se atingir os objetivos que foram determinados em função das necessidades dos alunos, e nunca como os próprios objetivos em si, isso porque a preocupação primeira do professor é a de ensinar uma língua e não determinado livro. (CUNNINGSWORTH, 1995). Em um contexto ideal de ensino/aprendizagem, o papel do livro didático deve ser redimensionado de forma que, o professor tenha a opção de adotar uma postura de questionamento em relação a esse livro, encará-lo como mais um instrumento a ser usado em suas aulas, podendo ser usado como fonte de atividades práticas e comunicativas, assim como também ser fonte de materiais gramaticais e vocabulares, tanto para o aluno como para o próprio professor. Esse posicionamento pode e deve ser discutido abertamente com os alunos. Atitudes assim, por parte do professor, são importantes porque, além de despertarem nos alunos o senso crítico em relação ao contexto educacional no qual estão inseridos, poderão levá-los à percepção de que eles também podem exercer um papel significativo no contexto; como por exemplo, por participarem junto ao professor na escolha de alguns materiais didáticos a serem usados em sala e sendo capazes de entender que questões de interpretação textual devem ir além da exploração de aspectos lingüísticos e superficiais, devendo ser, sim, cognitivas e questionadoras. Essa mudança de atitude pode levar professores e alunos a impulsionar a quebra desse paradigma relacionado ao livro didático. Referências Bibliográficas ALPTEKIN, C. Target-language culture in EFL materials. ELT Journal, v. 47, n. 2, p. 136-143, Apr. 1993. BROWN, G. Cultural values: the interpretation of discourse. ELT Journal, v. 44, n. 1, p. 11- 17, Jan. 1990. CORACINI, M. J. (Org.). 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Para a confirmação desses aspectos, buscamos embasamentos na teoria filosófica de Platão do mito da caverna e nos elementos caracterizadores da poética ceciliana, que se traduzem na visão da natureza física, nos símbolos, na transparência das coisas, na efemeridade da vida, e na profunda musicalidade que se esparge por toda a sua obra. O objetivo maior da poetisa foi o de resgatar os valores nacionalistas e patrióticos esquecidos pela modernidade tecnológica. Apoiamo-nos nas idéias de críticos literários e historiadores: Machado de Assis, Afrânio Coutinho, Eduardo Portella, Sérgio Buarque de Holanda, o antropólogo Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro, Fernando Novais e Eduardo Galeano. Na busca dos nossos objetivos utilizamo-nos de métodos intrínsecos e extrínsecos: os primeiros apoiados na hermenêutica (em sentido amplo) e no estilístico-retórico. O método comparativista (intertextualidade e autotextualidade) foi-nos imensamente útil no sentido de buscar eficiente complementariedade através do método histórico-cultural, de natureza extrínseca. Com base nas idéias de Platão, pode-se perceber que a poetisa soube fazer dessa sua obra literária “a expressão da verdade”. Encontramos nela a sua alma, um hino imortal de amor à sua terra e à sua gente. Palavras-chaves: Literatura Brasileira: Análise da obra literária Romanceiro da Inconfidência. Ensino. Abstract: In this work we present a laborious analysis about Cecília Meireles’ poetry, approaching the presence of shade, blood and dream in the book Romanceiro da Inconfidência. Also, this work approaches the concept of “nationality instinct”, considering the pariotic poetry rescue, in the modern years. To confirm these aspects, we base our study on Plato Phylosofical Theory called Myth of lave and on the characterized elements of Cecília Meireles’ poetry, which can be translated in the vision of physical nature, in the symbols, in the transparency of things and in the ephemerality of life. Cecília’s major objective was the rescue of nationality and patriotic values, that were forgotten by the technological modernization. We support our study on the ideas of some Literature and History specalists, such as: Machado de Assis, Afrânio Coutinho, Eduardo Portella, Sérgio Buarque de Holanda, as well as on the comments of the anthropologist Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro, Fernando Novais e Eduardo Galeano. To reach our objectives, we used intrinsic and extrinsic methods; the first ones were based on the hermeneutics (lato sensu) and on the stylistic-rethorical method. The comparative method (intertextuality and autotextuality) was very useful to search efficient complementarity through the cultural and historical method, of extrinsic nature. According to Plato’s ideas, we can say that Cecília Meireles knew how to make her poetry “the expression of truth”. We find in it her soul, an immortal hymm of love to her land and folk. Key words: Brazilian Literature: analysis of the literary piece “Romanceiro da Inconfidência“. Teaching (Education). 1 Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira do Colégio Militar de Fortaleza (CMF). EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 93 1. Introdução 2. Desenvolvimento O presente trabalho acadêmico surgiu como tema: “A Sombra, o Sangue e o Sonho no Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles ao percebermos no texto poético íntima união entre a história pátria e os elementos constituintes da poesia ceciliana. Os oitenta e cinco poemas-romance de que se constituem este título dialogizam-se, intercruzam-se, unidos por um fio narrativo, que, de tão tênue, une de forma magistral e surpreendente ao leitor mais avisado as três partes da narrativa. Durante as duas primeiras partes do texto em estudo, este mesmo fio se configura por mais linear do que durante a última parte da obra em análise. Didaticamente, dividimos a obra ceciliana em três partes, que se alargam em três círculos imbricados, a saber: a primeira e a segunda partes se constituem do que denominamos de Ciclo do Ouro e do Diamante. Compõem-se de vinte e seis poemas. Têm início com o poema “Fala Inicial” e termina com o “Romance XXVI ou a Semana Santa de 1789”. Essas duas primeiras partes apresentam um país mergulhado na sombra do poder dominante português, que, por sua vez, é dominado pelo poder da Inglaterra dos séculos XVI, XVII e XVIII. A palavra sombra é encontrada no texto ceciliano por quarenta e quatro vezes, repetição que assinala uma recorrência estilística significante. Unida à presença da sombra surge no poema em estudo, o vermelho do sangue, que se derrama das populações mineiras, (no trabalho das minas de ouro e diamante), sob o poder despótico dos lusos, ao expressarem os primeiros desejos de liberdade. O vocábulo sangue é visto no texto por vinte e três vezes. A terceira parte se constitui no que denominamos de Ciclo da Liberdade. É formado de cinqüenta e nove poemas, iniciando-se com o “Romance XXVII ou Do animoso Alferes” e se conclui com a “Fala aos Inconfidentes Mortos”. Nela contextualiza-se o sonho em que a Liberdade digladia-se com a morte física de forca e cadafalso. O vocábulo sonho é visto na obra em estudo por vinte e duas vezes. O empenho maior desse artigo residiu entre outros objetivos, no resgate dos valores morais e patrióticos transmitidos através da poesia nacionalista de Cecília Meireles do Romanceiro da Inconfidência. Adotamos durante todo o nosso trabalho o método hermenêutico em sentido amplo, combinando tais esforços ao método retórico-estilístico. Necessitamos, outrossim, do método comparativista (intertextualidade e autotextualidade), unido ainda ao histórico-cultural. Para a devida realização dos nossos objetivos, debruçamo-nos sobre a majestosa beleza do texto ceciliano. Utilizando-se da forma popular dos Cancioneiros, o que é próprio de um romanceiro, a poetisa soube transformar o rude cascalho da poesia do povo numa das mais preciosas jóias da nossa Literatura, mercê do seu talento, amor à arte e à sua terra. O texto ceciliano em evidência é constituído de poemas-romance através dos quais o eu lírico expressa toda a gama de vivências e emoções evidenciadas durante o período do Brasil-Colônia, séculos XVI ao XVIII. Tais poemas trazem um indiscutível sabor ibérico inerente às tradições peninsulares, que durante os séculos XII e XIII se constituíram num meio acessório de transmissão da cultura. Segundo SARAIVA (1978, p. 3840), a origem da poesia ibérica está na literatura catalã intimamente ligada à cultura occitânia de além-Pireneus. Esta literatura peninsular em língua portuguesa e galegoportuguesa foi cultivada na Corte de Fernando III e sobretudo na de Afonso X, o Sábio, reis de Castela e Aragão e seus sucessores. A transmissão oral se fazia principalmente através de jograis recitadores, cantores e músicos ambulantes, que divulgavam nas feiras, castelos e cidades medievais ibéricas um repertório musical e literário, por vezes colhido e estilizado em cortes senhoriais e régias. O repertório dos jograis é dirigido a um público de vilões, burgueses e nobres e servia-se das línguas locais, inspirava-se na vida e interesse desse público, que consistia, sobretudo em poemas e narrativas versificadas. É, portanto, com os jograis que nascem as literaturas românticas e os gêneros modernos de ficção, tais como o poema lírico e o romance. Dentre as composições oriundas da Península, as cantigas de amigo representavam dentre outras características, o fato de que o último verso de cada estrofe vai tornar-se o primeiro verso da estrofe correspondente no par seguinte. Cada estrofe vem seguida de um refrão. Essas estruturas paralelísticas constituídas de estrutura rítmica e versificatória próprias redutíveis a um simples esquema, aproximam-se normalmente da produção poética presente na obra em estudo, por várias fases, dentre os oitenta e cinco poemas já referenciados. Através dos Cancioneiros (coletâneas de poemas sob a liderança de Garcia de Resende, nobre português século XIV), tais produções chegaram até nós. Aliados aos elementos acima referidos, os poemas inseridos naquela coletânea continham recursos poéticos, assim denominados: a repetição, o refrão, o paralelismo, a alteração, a rima. Segundo SPINA (2002, p.43), os fenômenos formais que presidem ao nascimento e ao desenvolvimento inicial da poesia forma em todos os tempos recursos e expedientes da elaboração poética, assim denominados: a repetição, o refrão, o paralelismo, a aliteração, a rima e a anacruse. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 94 Tais aspectos são perfeitamente evidentes no Romanceiro. O fenômeno da Repetição se apresenta nos aspectos sintático, semântico, estilístico e do discurso, propriamente dito. Através deste recurso, o leitor percebe reacenderem-se no texto os aspectos emotivos com e pelos quais essa obra literária veio à luz. O “Romance XXVI” reproduz-nos tais fatos com a mais profunda referência: “Lembrai-vos dos altares, / destes anjos e santos, / com seus olhos audazes / nos mundos sobrehumanos. // Haverá sombra e umidade / em vossas pálpebras tristes, / com o céu preso numa grade.) // (...) Pois o amor não é doce, / pois o bem não é suave, / pois amanhã, como ontem, / é amarga a Liberdade. // Gemeu, sobre estes ofícios / que eles são transfigurados, / vossos próprios sacrifícios.” (p. 453). Fazem parte dessas repetições as partículas interjeccionais, representadas não somente pelas interjeições distribuídas durante todo o desenrolar da narrativa, mas também pelos afixos verbais reforçativos. “O Romance VI ou da Transmutação dos Metais”, (p. 422) incorpora ao texto vinte e quatro interjeições expressivas dos lamentos oriundos dos fatos inusitados aí comunicados pelas demais vozes componentes do poema em foco. A Repetição também traduz a condição emotiva em que está colocado o eu lírico. No “Romance XVIII ou dos Velhos de Tijuco”, (p. 440) a presença do diálogo é constituído entre as demais vozes em construção anafórica: um coro lamenta a sorte infeliz de Chica da Silva em tercetos rimados de estrutura regular: “ ( Que tudo passa... / o prazer é um intervalo / na desgraça...) “ (...) “ ( Que tudo acaba! / Quem diz que montanha de ouro / não desaba? ) (...) “ ( Que tudo engana. / Gente, só a morte, mesmo, é soberana? ) “ (...) Que a nossa vida é a mesma coisa que a morte, / — noutra medida...)” (p. 440). Esses aspectos citados apresentam na obra em pesquisa aspectos similares a ponto de a repetição de idéias e de palavras corresponderem-se mutuamente. Tais fatos se constituem de um processo antiqüíssimo, base da poesia hebraica e da lírica medieval portuguesa. Como exemplo, o “Romance XXXI ou de mais Tropeiros”, (p. 462 / 463). O mesmo possui em sua estrutura estrófica de quinze quadras, por cinco vezes consecutivas, a estrutura paralelística: “Por aqui passava um homem / — e como o povo se ria! — ”, e esta mesma estrutura vai servir de refrão, repetindo-se inclusive após a última quadra desse poema. Exemplificam tais aspectos os poemas seguintes : o “Romance XXXV ou do Suspiroso Alferes”, (p. 466), com o verso: “Ah! Se eu me encontrasse em Minas...” por sete vezes reiterado, e, no final, as expressões: “... mesmo em Minas? Mesmo em Minas?”, (p. 467).O mesmo fenômeno se repete no “Romance LXXVI ou Do Ouro Fala”, (p. 533). TAVARES afirma que Paralelismo é a repetição de idéias e de palavras que se correspondem quanto ao sentido. Tautologia artística e não viciosa. Processo antiquíssimo, base da poesia hebraica e da lírica medieval portuguesa. (1984: p.219) São as estruturas paralelísticas as verdadeiras pilastras sobre as quais a poetisa ergueu sua obra, aliadas sempre às construções anafóricas e às inesperadas sinestesias. Exemplifiquemos tal afirmação com o “Romance XXXVI ou das Sentinelas”, (p. 467/468): “Esses versos que se seguem / Joaquim Silvério, quem são? / Devem ser das sentinelas / que amanhã me prenderão? / Quem as pôs sobre meus passos? / quem comete essa traição? / Responde, Joaquim Silvério, / quem nos leva à perdição?” (grifo meu). Outra modalidade de refrão se apresenta no “Romance LVIII ou da Grande Madrugada”: são vozes que se alternam enquanto descrevem os últimos momentos do herói inconfidente em diálogo com o seu carrasco. É a voz do narrador que orienta o leitor para o desfecho fatal do trágico acontecimento do enforcamento de Tiradentes: “... não é nuvem nem rochedo: / defende as rédeas ao medo ! / – É o negro Capitania.” (p. 499). Segue-se outra voz que responde: “E, para gerais assombros / ainda lhes cavalga os ombros, / e nos ares se balança!” (p. 499). Esse tipo de refrão é formado de tercetos regulares isométricos escritos em itálico, expressando veementemente a angústia de um narrador observador onisciente e visionário, que sofre a dor do condenado em todas as suas possíveis nuances, seja num presente que se desenrola à frente do leitor, seja num futuro próximo ou distante. O paralelismo e a anáfora surgem no texto com decidida freqüência. O Romanceiro está alicerçado num esquema paralelístico sólido, sutil e imensamente difuso num imenso mar de imagens e sons, em versos heptassilábicos, ou redondilha maior, com predominância acentual nas sílabas 2, 4 e 6. Como afirma Azevedo (1997, p. 55), o verso heptassilábico é, por excelência, o verso do romanceiro hispânico e do cancioneiro português (tendo ficado como remanescente na poesia popular do Nordeste brasileiro), e não há uma só corrente estética que não o haja praticado largamente. A rima presente no Romanceiro é predominantemente toante, assoante ou vocálica :“Sabeis, ó pastora, / por que o maioral / manda pôr algemas / no louro zagal / que tranqüilo borda / lírico enxoval?”, (p. 495). Das cantigas líricas trovadorescas medievais, a cantiga de amigo foi a que maior influência exerceu na criação e elaboração do Romanceiro: a presença constante desse estado de tensão por parte do eu lírico, quando este expressa todo o seu desejo em resgatar da História os fatos que integraram a Inconfidência através da arte poética, num grito de EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 95 desagravo aos seus heróis, pelo silêncio e frieza das páginas da História. O historiador português nos diz que: Os Provençais elaboraram o ideal do amor cortês, que, nas cantigas de amigo se caracterizou pelo idílio rudimentar nas margens dos rios ou à beira das fontes. Nos cantares de amigo, há a evidência de uma aspiração, de um estado de tensão que, para permanecer, nunca pôde chegar ao fim do desejo. Manter este estado de tensão parece ser o ideal do verdadeiro amador e do verdadeiro poeta, como se moves o amor do amor a uma mulher. E não só a esta dirigem os poetas as suas implorações, queixa ou graças, mas o próprio Amor personificado, figura de retórica muito comum entre os trovadores provençais e por eles transmitida aos galego-portugueses. (Saraiva, 1978, p. 59) Todos os poemas que compõem o Romanceiro são essencialmente eivados de profunda musicalidade, ritmo e métrica, que se adaptam harmoniosamente à música e ao canto. Prova disso é o fato de poemas cecilianos terem sido inseridos no cancioneiro popular: é o caso de Motivo, musicada, gravada e registrada sob o nº 60552026.4 Os poemas que se referem às mulheres no Romanceiro foram musicados por Sueli Costa (cantora e compositora carioca, em 1987). Maria Bethânia, cantora baiana, registrou a música “Nossa Senhora da Ajuda” no CD “Cânticos, preces, súplicas à Senhora dos Jardins do Céu”. A partir do título, o texto convida o leitor a percorrer juntamente com a personagem narradora, com o eu lírico ou com as demais personagens, a trajetória heróica a que se submeteu, de início, o romance, daí o título sugestivo. Por outro lado, o leitor é levado a palmilhar passo a passo as vertentes narrativas dos fatos históricos à Inconfidência vivida do século XVII aos meados do século XVIII do Brasil de então. Caracterizando-se como romance de personagem, a personagem central, Tiradentes, é alvo de demorada análise e objeto de profundas considerações, uma vez que dele partem os principais objetivos para a efetivação do trabalho literário. A autora se utiliza da ação para a esta se sobrepor, através de uma atitude de reflexão sobre os fatos ocorridos naqueles séculos. O texto em análise demonstra que a ambição e o poder exerceram toda a sorte de violências e atrocidades sobre as populações de um Brasil espoliado pelas forças políticas de Portugal e Inglaterra daqueles séculos: “Na mesma cova, as palavras, / o secreto pensamento, / as coroas e os machados, / mentira e verdade estão.” (p. 406). O texto ceciliano, portanto, conduz o leitor a refletir exaustivamente sobre a efemeridade do mundo e dos homens, no qual os valores morais, as honras e ou os crimes são igualmente esquecidos: “Na mesma cova do tempo / cai o castigo e o perdão.” (p. 406). Formado de poesia social por excelência, o Romanceiro apresenta como se estruturava a sociedade mineira naqueles séculos: leis, normas sociais, preconceitos, religião e cultura. Essa sociedade se encontra legitimamente ligada ao Ciclo do Ouro, uma vez que, o precioso metal se constituiu no mais concreto dos motivos pelo qual essa sociedade foi erguida. Na Vila Rica dos séculos XVII a XVIII são visivelmente perceptíveis a observância aos antigos interesses dos navegadores portugueses: a expansão do poderio português no Novo Mundo. O Brasil se resume a uma sociedade de base escravocrata, dominada pela efetiva colonização portuguesa. Assumiu ele sua função complementar na economia da metrópole lusitana, dentro dos parâmetros mercantilistas. Tal sociedade é representada pelas populações que habitam Minas Gerais, tendo em Vila Rica seu núcleo minerador. Todo o texto ceciliano encontra-se impregnado desse clima sutil de revolta dos habitantes das Minas contra o jugo português, cujos conflitos irão resultar posteriormente em revoluções populares, sementes das sedições nativistas e separatistas, que culminaram em morte e destruição em várias regiões do país durante esses séculos. Dividida em diversas classes sociais, a sociedade brasileira de então se encaixa perfeitamente na forma da tradicional pirâmide social: na base, o povo; entre a base e o ápice, os comerciantes, contratadores e funcionários públicos; no ápice, os ouvidores, juízes, eclesiásticos, militares e funcionários do reino: governadores, ministros, condes e viscondes. Segundo Oliveira (1991, p. 87), uma sociedade existe a partir de um conjunto de regras e procedimentos organizados, aceitos e sancionados pela sociedade e que têm grande valor social. São modos de pensar, de sentir e de agir que o indivíduo encontra pré-estabelecidos e cuja mudança se faz muito lentamente, com dificuldade. Faoro (1999, p. 89) se pronuncia com um aporte histórico que “O descobridor, antes de ver a terra, antes de estudar as gentes, antes de sentir a presença da religião, queria saber de ouro e prata.” Havia brasileiros que freqüentavam as universidades européias, conforme o “Romance XXI ou das Idéias”, (p. 451). Desses estudantes e seus ideais partirão mais tarde o brado de Independência que o sangue dos mártires fez conhecer através da figura de Tiradentes. Metaforicamente, a sombra a que nos referimos, corresponde ao modo de vida experimentada, principalmente pelos habitantes naturais da região das Minas. À sombra do poder vai-se desenvolvendo, ao longo de dois séculos, a ignorância dessas populações, aliadas por sua vez à miséria, à estagnação, à ociosidade. Uma cultura moldada estreitamente através dos principais interesse dos colonizadores europeus: “ ( A terra toda remexida, / a água toda revirada... // Deus do EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 96 Céu, como é possível / penar tanto e não ter nada!)”, (p. 424). E é submissa à sombra e à ideologia da obediência que vive e sobrevive toda a época denominada de Ciclo do Ouro e do Diamante. No texto em estudo, essa época se reflete do início até o poema XXVI. O Ciclo do Ouro e do Diamante vão unir-se conteudisticamente ao sangue; uma época em que predominaram o ódio e a perseguição entre as várias camadas sociais das Minas. O Ciclo do Diamante vai caracterizar-se pelo autoritarismo, apadrinhamento e corrupção: “Vede os pequenos tiranos / que mandam mais que o Rei! / Onde a fonte de ouro corre, / apodrece a flor da Lei!” (p. 421). Enquanto o Ciclo do Ouro se encontrou intimamente ligado à época barroca nas artes mineiras, o Ciclo do Diamante surge simultaneamente ligado à época árcade ou neoclássica. Tais aspectos se concretizam através das características presentes em ambas as estéticas literárias: o barroco com as antíteses e analogias; jogo do claro-escuro, cores e tons fortes e cenas violentas. O arcadismo, com a fuga da cidade e a procura da paz do campo se faz presente nos poemas do Ciclo do Diamante. Esse momento se afigura como o instante decisivo em que as manifestações literárias vão adquirir no Brasil, características orgânicas de um sistema, em correlação íntima com a elaboração de uma consciência nacional. Por uma seqüência de eventos e ordem não cronológica e não linear, a narrativa referente a ambos os Ciclos se divide em etapas, com fatos e cenários, enriquecidas de vozes que também se entrecruzam, ações, lendas e mistérios. O Ciclo do Ouro e do Diamante correspondem na História à dinastia dos “joões”: de D. João IV, D. João V, D. Maria e D. João VI; imersa que esteve no predomínio da morte e da forca. Toda a essência desse Ciclo encontra-se dos Romances VI ao XIX. Enquanto o Ciclo do Ouro se desenvolveu como elemento formador da sociedade das Minas, o Ciclo do Diamante alicerçou a História, e ambos os Ciclos sobreviveram durante todo esse período (séculos XVII ao XVIII) sob a tirania implacável da ideologia da obediência. O sonho surge no poema ceciliano no momento em que o Ciclo da Liberdade aparece com o “Romance XXII ou do Diamante Extraviado”, (p. 447). A figura da Liberdade reveste todo este poema, personificada na figura esplendorosa do diamante, conduzido do Serro Frio para a Vila, (Vila Rica), numa retomada alegórica. Na essência do “Romance XXII” estão as características de cada Ciclo: as do Ouro e do Diamante presentificamse no fulgor apolíneo das chispas diamantíferas: “Como noite negra leva / num luminoso planeta / parado na sua terra.” (versos 05 a 07). As referências do Ciclo da Liberdade se acham na simbologia própria da luta pela obtenção e realização do sonho: “Que o negro desceu do Serro / mais que os brancos, arrogante”. (v. 31-32). O sonho é o elemento basilar na formação do Ciclo da Liberdade, que, no “Romance XXII” tem na figura do fugitivo a sua personificação, seu espírito de luta e determinação. Tais aspectos emprestarão aos poemas desse Ciclo visível atmosfera de luta, de dor, de destemor, e irão aureolar a fronte dos heróis e das vítimas desse sistema opressor do qual emergem. O advento de Tiradentes vem aí traduzido, através dessa personagem original, o negro desertor, escravo em sua condição social, mas valente desbravador na escuridão dos caminhos pela obtenção e concretização da Liberdade apesar do delator e da condenação: “Um negro desceu do Serro / soberbamente montado. / Ninguém dorme com desejo / alvoroçado / (...) mas todo mundo tem medo e está calado”. (p. 447 / 448). O ápice do Ciclo da Liberdade se faz existir com o “Romance XXIV ou da Bandeira dos Inconfidentes”. O sabor de um ingênuo nacionalismo em evolução presentifica-se, acompanhado de um significante momento poético. Caracterizado pela atmosfera de denúncia, o Ciclo da Liberdade ergue-se caracterizado pela inveja e traição em expressivos conflitos formadores de um triângulo: o herói, o delator e o poder. No poema seguinte, “Romance XXVII ou do Animoso Alferes”, a figura de Tiradentes se transforma na bandeira dos inconfidentes, pelos caminhos de Minas. No texto e na personagem, encontramos a tríade essencial da nossa pesquisa: a sombra do medo e o habitat natural do traidor ou dos traidores; o sangue do sacrifício e do martírio, elementos que reavivaram o sonho da Liberdade ainda que tardia: “E o negro demônio / seus passos conhece; / fareja-lhe o sonho e a sombra persegue / o audaz, o valente, / o animoso Alferes / ... / Lá vai para a frente / o que se oferece, / para o sacrifício, / na causa que serve.” (p. 456/ 457). Este Ciclo da Liberdade é concluído por uma série de sete poemas, do Romance LXVIII ao LXXIV. Tiradentes é a voz que se cala. A partir desse momento, ele passa a falar através da História. 3. Conclusão Ao longo do texto, a poetisa vai ressaltando repetidamente o papel que detém a palavra nas relações sociais e, principalmente, durante o processo da Inconfidência. Esse tema conduz tanta importância, que a autora a ele dedica um dos mais belos poemas, o “Romance LIII ou das Palavras Aéreas”, (p. 492 / 493). Erguido sobre anáforas e antíteses, a autora enfatiza o aspecto fluídico e efêmero das palavras em confronto com a rigidez e o aprisionamento daqueles que por infeliz destino caem desacauteladamente em suas malhas, EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 97 tecidas nas sombras do sonho e do sangue; de doçura e de fúria; de seda e de lágrimas: “Ai, palavras, palavras, / que estranha potência a vossa! / Todo o sentido da vida / principia à vossa porta; o mel do amor cristaliza / seu perfume em vossa rosa; / sois o sonho e sois a audácia, / calúnia, fúria, derrota...” (p. 493). Todo o poema é um longo lamento no qual o eulírico analisa a fantástica realidade da palavra: enquanto criada para comunicar, desalienar o homem pela razão e pelo conhecimento, torná-lo livre e capaz de realizar-se para a Liberdade, no texto em estudo, a palavra é sinônimo de aprisionamento, tortura e solidão: “A liberdade das almas, / ai! com letras se elabora... / E dos venenos humanos / sois a mais fina retorta: / frágil, frágil como o vidro / e mais que o aço poderosa!” (p. 493). Esse poema se encontra calculadamente na metade da obra em análise e se corresponde contextualizadamente com outros poemas: ao “Romance LI ou das Sentenças”, (p. 490 / 491), ao “LXXXI ou dos Ilustres Assassinos”, (p. 540 / 541) e o “XXVIII ou da Denúncia de Joaquim Silvério” (p. 458 / 459). Sobre essa questão, Holanda (2004, p. 45-46) diz que no Brasil Colônia, o Direito, como ciência, existiu de mistura com o seu Direito Positivo, e este, até 1808, foi tipicamente português(...) A legislação de circunstância, e local, do período anterior à Independência, compunha-se de cartas de lei, cartaspatentes, alvarás e provisões reais; regimentos; estatutos; pragmáticas; privilégios decretos; resoluções de consulta; portarias e avisos. A Inconfidência não foi apenas uma revolta de heróis esclarecidos, mas também de indivíduos conscientes, instrumentalizadores da palavra, não apenas como elemento de comunicação, mas como algo muito maior: a palavra com valor transcendente. É a palavra o instrumento mais forte a favor da obtenção e da permanência da liberdade; é a força da palavra através da História. Quase um terço do texto analisado é escrito sobre o oposto da posse material e da Liberdade. A Liberdade só é possível de for possível renunciar às regalias que o egoísmo aclama com seus ídolos. No Romanceiro, a poetisa realiza uma longa viagem a um passado mítico. É uma reconstrução lírica com traços da identidade brasileira. Existiu, com certeza, o intuito de erguer um monumento literário a uma nacionalidade atemporal. Vivemos numa época em que os sentimentos de nacionalidade e patriotismo encontram-se imensamente fragilizados. Essa tomada de consciência política e patriótica na obra ceciliana faz-nos refletir sobre a consciência de cidadania, sobre o brio e a honradez coletiva e individual. O texto nos leva a pensar sobre a luta daqueles homens, que, pela palavra entregaram à Pátria o seu bem mais precioso, a vida, em troca da liberdade política. Percebemos que a poetisa se debruçou sobre alguns aspectos durante a elaboração dessa obra: confronta a arte de escrever, por sua vez, entusiasta e plena de calor humano, indignada e corajosa, com a escrita burocrática, fria, calculista e interesseira, dos funcionários da corte e dos traidores: “... Como pavões presunçosos, / suas letras se perfilam. / Cada recurvo penacho / é um erro de ortografia. / Pena que assim se retorce / deixa a verdade torcida.” (p. 459). O texto em estudo é uma homenagem a Tiradentes e aos companheiros inconfidentes. A Cláudio Manuel da Costa a autora assim se refere “Era homem de muitas luzes, / pelo povo respeitado; / Secretário do Governo, / que vivia em grande estado: / casa de trinta aposentos, / muito dinheiro emprestado, / e do velho João Fernandes, / dono do Serro, afilhado.” (p. 489). A ele é dedicado os Romances XLIX e L. A Tomás Antonio Gonzaga dedicou uma série de poemas: do “Romance LIV”, LV, LVI, LVII, o terceiro Cenário, (p. 511), LXVI, LXVII, LXVIII, LXIV, LXX e LXXI, LXXII ao LXXIII. Ressalta neles a poetisa o infeliz destino do “louro zagal” e sua amada, a desditosa Marília: “Entre lágrimas se erguia / seu claro rosto acordado. / Volvia os olhos em roda, / e logo, de cada lado, / piedosas vozes discretas / davam-lhe o mesmo recado: / ‘Não chores tanto, Marília, / por esse amor acabado: / que esperavas que fizesse, / o teu pastor desgraçado, / tão distante, tão sozinho, / em tão lamentoso estado?” (p. 525). Ao Pe. Rolim e a Inácio Pamplona dedicou-lhes os Romances XLV (p. 481) e L (p. 489). É necessário que se faça a relação dos bens dos inconfidentes. O ouro, cuja presença fez parte de cada período de que se compõe o Romanceiro vai contrapor-se à prata encontrada num par de esporas pertencentes ao poeta infeliz, exilado para Moçambique: “ — Que fica daquele poeta, / Tomás Antônio Gonzaga? / — Somente este par de esporas / um par de esporas de prata. / Por mais que se apure o peso, / não chega a quarenta oitavas.” (p. 513). Entre os pertences do Alferes, não há ouro nem prata, somente objetos de operário: um rosilho castanho, um jogo de esporas, um de fivelas, navalhas, um relógio, uma bolsinha de ferros, um canivete e um espelho, (Romance LVI), (p. 497 / 498). Poucos e simples objetos possuía o herói inconfidente em contraste com sua imensa riqueza humana. O “Romanceiro” conseguiu transformar a luta dos inconfidentes numa obra inqüestionável na formação da consciência pela liberdade de uma nação, e, conseqüentemente, de um povo. A palavra foi, durante todo o texto, o instrumento essencial com a qual a poetisa elevou sua voz, perpetuando assim a memória desses heróis e dos seus exemplos patrióticos em favor da liberdade de uma nação. O vocábulo palavra é empregado no texto por vinte e duas vezes, evidenciando também uma significativa recorrência estilística e semântica. O valor ou o preço da liberdade EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 98 traduz-se mais fidedignamente no fragmento: “Ó soberbos titulares, / tão desdenhosos e altivos! / Por fictícia austeridade, / vãs razões, falsos motivos, / inutilmente matastes: / — vossos mortos são mais vivos; / e, sobre vós, de longe, abrem / grandes olhos pensativos.” (p. 541). Referências Bibliográficas ASSIS, Machado de. Obra completa. 2ª ed. RJ: Aguilar, 1962. AZEVEDO, S. de. Para uma teoria do verso. Fortaleza: Edições UFC, 1997. COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. SP: Global Editora, Vol.I, 2004. FAORO, R. Os donos do poder. RJ: Globo,1989. GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. São Paulo: Paz e Terra,1989. HOLANDA, S. B. História da Civilização Brasileira. São Paulo: Bertrand Brasil, Vol. II, 2004. MEIRELES, Cecília. Obra Completa. RJ: Nova Aguilar, Vol. Único, 1977. OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia. SP Ática, 1991. 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Inicialmente, mergulha-se sobre o chamado Movimento Tenentista, agitação político-militar marcada por rebeliões de jovens oficiais do Exército Brasileiro insatisfeitos com a situação política e social do país. Em seguida, analisa-se a Revolução de 1930, movimento armado que culminou com a deposição do presidente Washington Luís. E, finalmente, trata-se sobre a Intentona Comunista, ocorrida no ano de 1935, que consistiu em uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas, realizado pela frente das esquerdas, sob a liderança do Partido Comunista Brasileiro. Em cada parte, foram destacados os antecedentes políticos, econômicos e psicossociais dos fatos analisados e os acontecimentos que, naquele período, tiveram repercussão nacional. O conteúdo deste texto resultou de um processo de pesquisa baseado em fontes e autores diversificados. A abordagem apresentada contemplou não apenas os pontos em comum evidenciados na bibliografia consultada, mas sobretudo as idéias divergentes, concluindo pela necessidade de se estudar os fatos históricos a partir de vários ângulos. Palavras-chave: Revoluções, levantes, política Abstract. This article deals with some aspects of the revolutions and riots occurred in Brazil in the twentieth century. Revolutions that promoted changes on the political order of the country, which is the motivation for this choice. It was decided to adopt a short historical view between the years 1922 and 1935 through a structure divided in 3 parts. Initially, it was discussed about the Tenentista movement, which was a political-military agitation marked by rebellions of young officers from the Brazilian Army who were dissatisfied with the social and political situation of the country. After that, it is analyzed the revolution of 1930, an armed movement that culminated in the deposition of president Washington Luis. Finally, it is commented on the communist conspiracy that occurred in the year of 1935 and consisted in an attempt of a political blow against Getulio Vargas government and which was organized by the leadership of the communist party. In each part, it was described the political, economical and psychosocial antecedents of the analyzed facts and the events which had national repercussion at that time. The content of this text resulted from a research based on sources and diversified authors. The present article presented not only the common points evidenced in the consulted bibliography, but especially divergent ideas, concluding about the need al studying the historical facts from different angles. Key words: revolutions, riots, politics 1 Oficial do Exército Brasileiro. Mestre em ciências militares e licenciado em História. Subdiretor de Ensino do Colégio Militar de Fortaleza em 2008, Fortaleza, Brasil. [email protected] EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 100 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 101 1. Introdução Neste artigo serão apresentados alguns aspectos das revoluções e levantes que ocorreram no Brasil no século XX, entre os anos de 1922 e 1935. As revoluções e levantes permitem que ocorram significativas transformações e mudanças nos aspectos políticos, econômicos, sociais e militares de uma sociedade, podendo, inclusive permitir que a raça humana tenha a percepção do passar do tempo, dando ao homem a noção de presente, passado e futuro. Sabe-se que foi por intermédio de conflitos que o homem conquistou cidades e dominou povos, construindo e arrasando impérios. Enfim, percebe-se que a evolução da humanidade deu-se a partir das revoluções e essas marcaram de forma significativa as mudanças nas sociedades, desde a pré-história até os dias atuais (FAUSTO, 1972). O aspecto acima mencionado, aliado ao fato de que o processo histórico é intimamente ligado às ações e atitudes do homem, motivou a escolha do tema. A abordagem permite que se faça uma mostra da situação política, econômica, social e militar do país naquele momento, enriquecendo sobremaneira o trabalho desenvolvido. Sem considerar, ainda, as influências intrínsecas e extrínsecas que permeiam a personalidade do autor. O tema desenvolve-se em um curto recorte temporal compreendido entre os anos de 1922 a 1935. Muito embora se tenha pontuado e citado fatos e ocorrências anteriores ao período com o objetivo de embasar e facilitar o entendimento. No desenvolvimento dos trabalhos de pesquisa, buscaram-se informações consistentes de forma a dar mostras do que subsiste de uma época, permitindo ao leitor várias possibilidades de entendimento, interpretações e reflexões. Para melhor entendimento, o presente artigo foi estruturado de forma didática, em três subtítulos. O primeiro subtítulo mergulha sobre o chamado Movimento Tenentista, nome dado ao levante político-militar e à série de rebeliões de jovens oficiais, em sua maioria, tenentes do Exército Brasileiro, no início da década de 20, do século passado, descontentes com a situação política do Brasil. Faz-se, então, um apanhado sobre os eventos, os líderes, as causas e as conseqüências. No segundo subtítulo faz-se referência ao movimento armado liderado pelos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que culminou com a deposição do presidente paulista Washington Luís e passou para a história como a Revolução de 1930. No terceiro subtítulo o foco é a Intentona Comunista de 1935, nome pelo qual é conhecida a tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas, realizada em novembro de 1935 pela frente das Esquerdas representadas pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), sob a liderança do Partido Comunista Brasileiro. O assunto é apresentado com transparência. Buscou-se estudar, pesquisar fontes e autores contemporâneos diversificados com o intuito de alcançar uma maior exatidão na dissertação. Livros, artigos de jornais e da rede mundial de computadores, manuscritos e iconografia foram as principais fontes. No desenvolvimento do texto, priorizam-se não só os pontos comuns encontrados na pesquisa do tema, mas, sobretudo, as idéias divergentes que em muito enriquecem o trabalho. Assim, julga-se importante o tema escolhido por retratar o Brasil num momento histórico que perpassa os campos político, econômico, psicossocial e militar, tendo como pano de fundo as Revoluções e levantes que ocorreram naquele período, com ênfase para o Movimento Tenentista, Revolução de 1930 e a Intentona Comunista de 1935 (CÂNDIDO, 1984). I - O Movimento Tenentista Tenentismo foram os levantes e as rebeliões de ordem político-militar promovidas por oficiais de baixa patente do Exército Brasileiro, na maioria tenentes, no início da década de 1920. Os jovens oficiais mostravamse descontentes com a situação política e econômica do Brasil. Embora não propugnassem ideologia definida, os movimentos político-militares propunham reformas na estrutura de poder do país, entre as quais se destacavam o fim do voto de cabresto, a instituição do voto secreto e a reforma na educação pública (MORAES, 2006). Dentre as rebeliões dos tenentes projetaram-se: a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922; a Revolta Paulista, em 1924; e a Coluna Prestes, 1925-1927. O aludido Movimento surgiu nos quartéis espalhados em todo território nacional, a partir dos anos 20 do século passado. Segundo Paulo Sergio Pinheiro, em "Estratégias da Ilusão", a 4 de julho de 1922, ocorre a primeira revolta com grande influência dos tenentes. Ficou conhecida como "os 18 do Forte", e se opunha à posse do presidente eleito Arthur Bernardes. Deste movimento participaram o Capitão Hermes da Fonseca Filho, o Tenente Eduardo Gomes, o Tenente Siqueira Campos e o Tenente Cassimiro Montenegro, cearense, pioneiro do Correio Aéreo Nacional (CAN) e fundador do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), entre outros (MORAES, 2006). Debelada a revolta, ressurge o movimento armado em cinco de julho de 1924, em São Paulo, que consegue dominar a capital do estado e é dirigido pelo General Isidoro Dias Lopes. As tropas tenentistas retiram-se da capital, mas, de armas na mão, percorrem grande parte do interior do Brasil. No Rio Grande do Sul, recebem a adesão de novos sublevados, como a do Capitão Luís Carlos Prestes, que depois passaria a ser EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 102 conhecido como o "Cavaleiro da Esperança" (SEGATTO, 1996). Nessa marcha, de mais de 20.000 km pelo interior do País, enfrentaram tropas legais governistas e tropas de polícias estaduais, bandos e chefes políticos. Àquela altura, participavam, entre outros, Djalma Duarte, Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João Alberto e Miguel Costa. Em sua maioria eram tenentes ou militares de patentes mais graduadas (SILVA, 1971). A Coluna Prestes, como passou a ser chamada, em homenagem ao seu idealizador, passou dois anos de enfrentamentos, sempre se deslocando de um lugar para outro, até terminar internando-se na Bolívia. Os tenentes, com exceção de Luís Carlos Prestes, passaram a participar da Aliança Liberal em 1930. Essa Aliança, formada pelos presidentes do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, pregava a justiça trabalhista, o voto secreto e o voto feminino. Teve total apoio dos tenentistas que depois da vitória e posse de Getúlio Vargas, tiveram vários dos seus seguidores designados como interventores nos estados. Esse foi o caso de Juracy Magalhães na Bahia, Landri Sales no Piauí, Magalhães Almeida no Maranhão e Magalhães Barata no Pará, entre outros (SEGATTO, 1996). O Movimento Tenentista continuou presente na vida pública nacional, até que se divide com uma minoria acompanhando Luís Carlos Prestes. Em 1937 ocorre outra divisão, momento este em que uma parte rompe com o Presidente Getúlio Vargas e passa para a oposição, é o caso de Juracy Magalhães, Juarez Távora e Eduardo Gomes, que se distanciam do poder. Em 1945, o tenentismo anti-Getulista consegue depor o ditador Getúlio Vargas e lança a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes, um nome ligado sempre àquele movimento, ao contrário do candidato vitorioso Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro de Vargas que, inclusive, já havia demonstrado interesse pela aproximação do Brasil com as potências do Eixo. Nova disputa volta a ocorrer em 1950, com Eduardo Gomes sendo derrotado por Getúlio Vargas. Em 1955, o tenentismo disputa novamente com o nome do General Juarez Távora. O Movimento Tenentista existiu até morrerem os seus integrantes, ou seja, em torno de 1970. Não conseguiu produzir resultados imediatos na estrutura política do país, já que não obtiveram sucesso em nenhuma de suas tentativas; mas conseguiu manter viva a revolta contra o poder das oligarquias, representada pela Política do "café com leite". No entanto, o tenentismo preparou o caminho para a Revolução de 1930, que alterou definitivamente as estruturas de poder no país (SEGATTO, 1996). II - Revolução de 1930 A Revolução de 1930, ou Revolução de 30, foi um movimento armado liderado por políticos dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul apoiados por militares das Forças Armadas e culminou com a deposição do presidente paulista Washington Luís, naquele ano, pondo fim na Primeira República ou República Velha (1889-1930) (FAUSTO, 1972). Alguns historiadores, dentre eles, Boris Fausto (1995), Antonio Candido (1984) e Helio Silva (1971) a consideram como a mais importante revolução da história do Brasil do século XX. Para eles, foi o levante que acabou com a hegemonia da burguesia do café e contribuiu para a inserção do Brasil no capitalismo internacional. Para que se compreenda bem a crise políticomilitar que derrubou a República Velha, há que se entender o cenário econômico mundial do momento. Em 1929, ocorre uma crise econômica que afeta todos os países industrializados, foi o "crash" da Bolsa de Valores de Nova York. Nos países, ricos ela representou a paralisação das indústrias e o desemprego em massa, para os países pobres e fornecedores de produtos primários, como o Brasil, representou uma queda geral nas exportações, gerando a diminuição dos rendimentos com a venda do café, seu principal produto no comércio exterior. Em meio a essa crise, há uma perda de poder econômico por parte dos plantadores e exportadores, seguindo-se a perda do poder político. A crise econômica mundial fragiliza politicamente os cafeicultores e abre uma brecha para a ação dos grupos políticos que ficaram excluídos do poder durante a política do "café com leite", na qual os estados de São Paulo (café) e Minas Gerais (leite) se alternavam na presidência do País. Assim, estes estados perdem a hegemonia política mantida durante toda a Primeira República. No começo de 1929, ainda na República Velha, o Presidente da República, Washington Luís, indicou o nome do governador de São Paulo, Júlio Prestes, como seu sucessor, no que foi apoiado por governadores de 17 estados. Apenas Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba negaram o apoio a Prestes. Minas Gerais esperava que Antônio Carlos de Andrada, seu governador, fosse o indicado. Iniciou-se, assim, a articulação de uma frente oposicionista ao intento do presidente de eleger Júlio Prestes. Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba uniram-se a políticos de oposição de diversos estados, inclusive do Partido Democrático de São Paulo, para se oporem à candidatura de Júlio Prestes, formando, em agosto de 1929, a Aliança Liberal (AL). No mês de setembro, foram lançados os candidatos da Aliança Liberal às eleições presidenciais: EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 103 Getúlio Vargas, candidato a Presidente, e João Pessoa, governador da Paraíba, como vice-presidente. Apoiaram a Aliança Liberal (AL) intelectuais ilustres como José Américo de Almeida e Lindolfo Collor, membros das camadas médias urbanas, além de políticos e militares oriundos do movimento Tenentista. As eleições foram realizadas em março de 1930 e deram a vitória a Júlio Prestes. A Aliança não aceitou as eleições, alegando que a vitória do candidato da presidência era decorrente de fraude. Além disso, deputados eleitos em estados onde ela foi vitoriosa, não obtiveram o reconhecimento dos seus mandatos. Daí iniciou-se uma conspiração, com base no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais A conspiração sofreu duas fortes baixas: uma quando Luís Carlos Prestes, que seria o comandante militar da revolução, desistiu para apoiar o comunismo; e a outra, foi a morte, em acidente aéreo, do tenente Siqueira Campos. No mês de julho, João Pessoa foi assassinado em Recife, por questões políticas e de ordem pessoal, servindo como estopim para a mobilização armada. As acusações de fraude e a arbitrariedade em não aceitar os deputados mineiros e os da bancada da Paraíba da Aliança Liberal; o descontentamento popular devido à crise econômica causada pela grande depressão de 1929; o assassinato de João Pessoa e o rompimento da política do café com leite foram os principais fatores que criaram o clima favorável à revolução. Quando já se aproximava a posse de Júlio Prestes, em 15 de novembro, a Revolução iniciou-se no Rio Grande do Sul e rapidamente se alastrou por todo o país. Oito governadores do nordeste foram depostos pelos revoltosos e na seqüência Getúlio Vargas lançou o manifesto "O Rio Grande de pé pelo Brasil" (FAUSTO, 1972) e partiu rumo ao Rio de Janeiro, capital federal. Nos dias 12 e 13 de outubro, ocorreu o Combate de Quatiguá, entre tropas do governo e os revolucionários, que pode ter sido o maior dessa Revolução. Os generais Tasso Fragoso e Menna Barreto e o Almirante Isaías de Noronha depuseram o Presidente e formaram uma junta de governo. Júlio Prestes, Washington Luís e outros políticos da República Velha foram exilados. No 3 de novembro de 1930, a junta militar passou o poder a Getúlio Vargas que vestiu farda militar, por sugestão de seus assessores, para incutir no povo a "aura revolucionária" (PEDROSA, 2001). Getúlio tornou-se Chefe do Governo Provisório com amplos poderes. A constituição de 1891 foi revogada passando o Presidente a governar por decretos. Os efeitos da Revolução demoraram a aparecer. A nova Constituição só foi aprovada em 1934, depois de forte pressão social, como a Revolução Constitucionalista de 1932. Mas a estrutura do Estado brasileiro modifica-se profundamente depois de 1930, tornando-se mais ajustada às necessidades econômicas e sociais do país. O regime centralizador, por vezes autoritário, do getulismo ou Era Vargas, estimula a expansão das atividades urbanas e desloca o eixo produtivo da agricultura para a indústria, estabelecendo as bases da moderna economia brasileira (CÂNDIDO, 1984). Com a centralização do poder, Vargas iniciou a luta contra o regionalismo. A administração do país tinha que ser única e não, como ocorria na República Velha, onde era dividida pelos proprietários rurais. Muitas medidas que tomou no plano econômicofinanceiro não resultaram de novas circunstâncias, mas das condicionantes impostas pela crise mundial. O Brasil dependia demais do comércio do café para que o novo presidente o abandonasse. Para controlar a superprodução e a crise no Brasil, Vargas mandou destruir os estoques de café (SKIDMORE, 2000). Mesmo com a crise mundial, houve uma intensa aceleração do desenvolvimento industrial causado pela redução das importações, não ocorrendo o mesmo na agricultura (PINHEIRO, 1991). A participação do Estado, com tarifas protecionistas e investimentos, foi o que mais influiu para crescimento industrial. Diferente do que ocorreu na República Velha, foram elaborados planos para a criação de indústrias de base no Brasil, que culminaram com a inauguração da usina siderúrgica de Volta Redonda em 1946 (FAUSTO, 1972). III - Intentona Comunista de 1935 A tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas, realizado no mês de novembro daquele ano, deu-se o nome de Intentona Comunista de 1935. O episódio foi articulado pela frente das Esquerdas, Aliança Nacional Libertadora (ANL), sob a liderança do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em ligação direta com a direção da Internacional Comunista. O comunismo surgiu no Brasil em 1922, com a fundação do Partido Comunista Brasileiro, e fortaleceuse ao intensificar sua participação nas campanhas eleitorais, penetrar no proletariado urbano e nos meios rurais. Após a Revolução de 30, recebeu a adesão de líderes tenentistas, entre eles o ex-capitão Luís Carlos Prestes. No período do governo constitucional de Getúlio Vargas (1934/37) ocorreu o choque entre duas correntes influenciadas por ideologias de origem européia: a Ação Integralista Brasileira (AIB) de tendências fascistas, idealizada pelo escritor Plínio Salgado, tinha como lema, "Deus Pátria e Família", da qual participavam universitários e militares; e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), igualmente radical, reunia setores da esquerda, como sindicalistas, pessoas da classe média preocupadas com o recrudescimento do fascismo no EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 104 mundo, operários, acadêmicos e comunistas; firmava-se na trilogia "Terra, Pão e Liberdade"( SKIDMORE, 2000). No início de março de 1934 desembarcava no Rio de Janeiro, com documento americano, Harry Berge, que na realidade era o agente alemão comunista Arthur Ernst, espião fichado e processado em seu país por alta traição. Com ele vieram outros agitadores, como Rodolfo Ghioldi e Jules Vales. Pouco depois, chegou da União Soviética, com passaporte falso, Luiz Carlos Prestes juntamente com sua “esposa”, a agente da Internacional Comunista Olga Benário. Passaram a viver clandestinamente num bairro do então Distrito Federal. O Cavaleiro da Esperança, agora traidor da pátria, vinha com a missão que lhe impusera o Comitê Internacional Socialista (Comintern): chefiar o movimento armado que visava implantar o comunismo internacional no Brasil (PEDROSA, 2001). Nas Forças Armadas já havia grande infiltração comunista. Células, envolvendo oficiais e sargentos, funcionavam no Exército e na Marinha. Elementos do Partido Comunista preparavam greves e agitações nos meios operários e camponeses. Manifestos e instruções subversivos circulavam nos quartéis e em organizações sindicais (PEDROSA, 2001). Nos planos comunistas, o movimento teria duas fases: na primeira seria organizado um governo popular, na segunda, viriam os sovietes, o Exército do Povo e a sua total hegemonia. Para a conquista dos seus objetivos, os comunistas atuavam de varias formas, não medindo as conseqüências. Em nome da causa vermelha, pessoas consideradas suspeitas foram expulsas do Partido e até mesmo eliminadas, como ocorreu com a menina Elza Fernandes, assassinada por ordem de Prestes (PEDROSA, 2001). Havia previsão para o início simultâneo do levante armado em quartéis das cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro, mas o movimento foi precipitado no Nordeste. A insurreição comunista teve início em Natal Rio Grande do Norte quando, no dia 23 de novembro, seis militares de baixa graduação dominaram o 21º Batalhão de Caçadores, distribuíram armamento e munições a um grupo de civis e instalaram um Comitê Popular Revolucionário (MORAES, 2006). No dia 25 de novembro, um militar tentou apoderar-se de um Quartel no Recife, assassinando um oficial, na Vila Militar de Socorro três oficiais, notórios comunistas, sublevaram o 29º Batalhão de Caçadores e marcharam sobre a cidade. No entanto, nos dois episódios os comunistas foram rechaçados por tropas legalistas (PEDROSA, 2001). No Rio de Janeiro, as proporções do movimento foram mais amplas e cruéis, foi deflagrado, simultaneamente, no 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha; no 2º Regimento de Infantaria na Vila Militar e na Escola de Aviação. Os amotinados, companheiros de véspera, feriram e mataram seus companheiros. De madrugada, na Escola de Aviação, os Capitães Agliberto Vieira e Sócrates da Silva e os Tenentes Ivan Ramos e Benedito de Carvalho dominaram a Unidade e assassinaram vários oficiais que dormiam. Ressalta-se que o Capitão Agliberto matou o seu amigo, Capitão Benedito Lopes, que se achava desarmado. Os insurretos esbarraram na resistência das forças legalistas e perderam a luta. A Intentona Comunista de 1935 foi apenas um episódio no repertório de ações que indivíduos que se autoafirmavam comunistas cometeram no mundo para submeter os povos ao regime opressor da “ditadura do proletariado” (PEDROSA, 2001). 2. Conclusão As Revoluções ocorridas no Brasil no século XX, entre os anos de 1922 e 1935, pontuaram de forma marcante e significativa as mudanças ocorridas no país desde aquele momento. Na historiografia brasileira contemporânea, vários movimentos, insurreições armadas e levantes se imbricaram no viés político, econômico-social e militar. Como exemplo, cita-se o Movimento Tenentista, a Revolução de 1930 e a Intentona Comunista de 1935. Os jovens oficiais, na maioria tenentes do Exército Brasileiro, insatisfeitos com a condução da política da época, porém sem ideologia alguma, nem um programa doutrinário claro, propuseram profundas reformas na estrutura de poder do país, sobretudo no sistema eleitoral e na organização da educação pública. Para isso desencadearam uma série de movimentos político-militares, porém as ações e estratégias empregadas não produziram de imediato o resultado desejado pela jovem oficialidade que era a tomada do poder político do país. Seu feito maior foi o de preparar as bases para a Revolução de 1930. Com a Revolução de 30, a sociedade brasileira viveu importantes transformações, pois acelerou o seu processo de urbanização; deu-se a industrialização; a burguesia começou a participar cada vez mais da vida política e houve um aumento significativo da classe operária. Getúlio Vargas, colocado no poder, estabeleceu uma política de governo dirigida aos trabalhadores urbanos. Agindo assim, deslocou o eixo produtivo da agricultura para a indústria, estabelecendo as bases da moderna economia brasileira. A Constituição de 1934, ajustou o país às novas realidades e uma série de leis trabalhistas ampliou os direitos e garantias dos trabalhadores. A Intentona Comunista de 1935 ocorreu no Brasil dentro de um conturbado quadro sócio-político, onde correntes ideológicas européias dominavam o EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 105 pensamento dos integrantes de associações brasileiras dente outras a Ação Integralista Brasileira (AIB) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), aliada do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e estas influenciavam diretamente as decisões do governo de Getúlio Vargas. O caos se estabeleceu quando as influências atingiram as Forças Armadas, que reagiram e debelaram as insurreições. Os três grandes levantes, explorados neste trabalho, interligam-se de tal maneira que sempre se sobressai a participação democrática das Forças Armadas, sobretudo a Força Terrestre. Exemplo dessa participação são alguns movimentos em que o Exército Brasileiro atuou com a função de atender a defesa dos interesses da nação, como foram os casos da rebelião tenentista e a Revolução de 30, e em outras ocasiões, por meio do combate a grupos revoltosos, como no caso as frentes das esquerdas em 1935. Assim, este trabalho teve a intenção de expor fatos relacionados com as três revoluções ocorridas no Brasil no século XX, no período de 1922 a 1935, contribuindo para que a História seja estudada e considerada em tantos ângulos quantas forem as partes envolvidas. Referências Bibliográficas CÂNDIDO, A. A Revolução de 1930 e a cultura. São Paulo: CEBRAP, 1984. FAUSTO, B. A Revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1972. FAUSTO, B. 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Trata-se de um estudo de caráter exploratório, apoiado na bibliografia já considerada clássica. O objetivo central é ressaltar a ação da classe elite de gestores (EG) como “uma das possíveis origens do evento totalitário”. Não se trata de estabelecer uma relação de causalidade entre a elite de gestores (causa) e o totalitarismo (efeito), mas sim demarcar essa elite gestorial como objeto empírico de análise de futuros estudos sobre o totalitarismo. Pretendemos não apenas expor características sui generis do totalitarismo, mas sim identificar elementos que antecederam, ocorreram durante e, eventualmente, sobreviveram ao evento totalitário, sem atribuir aqueles o papel de agentes causadores. Iniciamos com uma análise crítica do percurso metodológico desenvolvido na parte III (totalitarismo) do livro Origens do Totalitarismo, escrito pela filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) e originalmente publicado em 1951. Em seguida, sempre guiados pela ótica arendtiana, desenvolvemos algumas breves reflexões sobre a ação da elite de gestores na URSS, desde a revolução de 1917, passando pela ascensão de Stalin ao poder e chegando até o início de Segunda Guerra Mundial. Como conclusão, “se por origens não entendemos causas”, consideramos que associar o movimento totalitário soviético à figura do dragão Tiamat implicaria em considerar a EG como sendo uma das cinco cabeças daquele ente mitológico. Palavras-chave: totalitarismo, stalinismo, gestores. Abstract. Vitally, what interest us here is to develop some reflections regarding the origins of the Soviet totalitarianism. It is an exploratory study, supported by bibliographical documentation, which is already considered classic. The central objective is to highlight the action of the elite of managers (EM) class as “one of the possible origins of the totalitarian event”. It is not our intention to establish a cause-effect relation between the elite of managers (cause) and the totalitarianism (effect), but to demarcate this managerial elite as empirical object of analysis of future studies on the totalitarianism. We not only intend to show sui generis characteristics of the totalitarianism, but also to identify elements that had preceded, had occurred during and, occasionally, had survived to the totalitarian event, without laying to them the role of causing agents. We start with a critical analysis of the methodological steps developed in part III (totalitarianism) of the book Origins of the Totalitarianism, written by the German philosopher Hannah Arendt (1906-1975) and originally published in 1951. After that, always guided by the arendtian point of view, we develop some brief reflections on the action of the elite of managers in the URSS, from the 1917 revolution, passing by the ascension of Stalin to power, up to the beginning of World War II. As conclusion, “if we do not understand origins to mean causes”, we consider that associating the Soviet totalitarian movement to the figure of the Tiamat dragon would imply considering the EM as one of the five heads of that mythological being. Key words: totalitarianism, stalinism, managers. 1 Licenciado em Ciências com Habilitação em Matemática. Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Educação. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, Brasil. Professor de Matemática do Colégio Militar de Fortaleza. CMF. [email protected]. 2 Licenciado em Ciências com Habilitação em Matemática. União das Escolas superiores da FUNESO (UNESF). Olinda, Brasil. Mestrando em TIC para a Formação em EaD. Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Brasil. Professor de Matemática do Colégio Militar de Fortaleza. CMF. [email protected]. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 107 1. Introdução Origens do Totalitarismo (OT), publicado em 1951 – livro que elevou a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) à condição de pensadora de renome internacional – é considerado, desde o seu lançamento, uma obra revolucionária no âmbito da filosofia política. Deveras, OT revela peculiaridades até então desconhecidas de outras teses do mesmo gênero. Em relação a isso, DUARTE (2001, p. 61) afirma: [...] este é um livro marcado por teses polêmicas e inventivas [...] Não é de estranhar, portanto, que várias polêmicas tenham marcado a recepção de sua [de Arendt] primeira obra [...] Seiyla Benhabib, por exemplo, a despeito de considerar o inegável brilhantismo da obra, observou que [...] Arendt não teria sequer traçado satisfatoriamente as origens do totalitarismo stalinista, o que acarretou um evidente desequilíbrio da obra e a expôs a toda sorte de críticas. De fato, conforme a própria Arendt admitiu, ela não pretendia incluir em seu projeto original de OT a análise do caso soviético. Sobre esse fato, MAGALHÃES (2001, p. 51) declara: A obra Origins of Totaliarianism foi escrita de 1945 a 1949. As duas primeiras partes – Antsemitism e Imperialism – retomam trabalhos, documentos, estudos e artigos anteriores a 1947-1948. È só na terceira parte, Totalitarianism, que Arendt integra no mesmo quadro conceitual o stalinismo e o nazismo, ao apoiarse em documentos reunidos entre 1948 e 1949, relativos ao funcionamento do sistema soviético e à existência dos campos de concentração. O índice de 1946 desta obra não comporta nem o termo totalitarismo nem o projeto de alargar a sua análise do fenômeno totalitário ao campo constituído pelo regime soviético. É provável que Arendt tenha incluído o caso soviético em OT, em função de sua crença fortemente alicerçada em farta documentação obtida a partir de 1948, de que o fundamento dos regimes totalitários é o terror, e que este último só pode ser eficaz através da instituição dos campos de concentração, seja ele de extermínio, como no caso nazista, ou de trabalhos forçados, caso soviético. Corroborando com esta hipótese, MAGALHÃES (2001, p. 55) cita Arendt que assevera: Nessa perspectiva, todas as outras diferenças que distinguem instituições dos países democráticos das instituições dos países totalitários são apenas aspectos secundários e acessórios. Não se trata de oposição entre socialismo e capitalismo, nem entre capitalismo de Estado e livre-empresa ou sociedade de classe e sociedades sem classe. Esse conflito opõe um tipo de governo fundado nas liberdades cívicas a um tipo de governo fundado nos campos de concentração. Esse persuasivo argumento justifica a opção de Arendt em acrescentar, ainda que tardiamente, a análise do regime soviético a OT. Ainda assim, para muitos estudiosos – Raymond Aron, J-M Chaumont, Eric Vogelin, para citar apenas três – permanece certo “desconforto metodológico” após a leitura de OT. Sobre isso, DUARTE (2001, p. 69) cita Benhabib que afirma: [...] quaisquer que sejam os méritos deste conceito [totalitarismo] para nos ajudar a compreender este último tipo de sociedades [União Soviética de Stalin e Alemanha de Hitler], há pouca dúvida de que a consideração histórica de Arendt não ilumina o stalinismo da mesma forma. Enquanto poderia ser argumentado que há mais unidade entre as experiências do imperialismo, anti-semitismo e o conseqüente triunfo do nacional-socialismo, estes dois fenômenos, quer dizer, o imperialismo e o antisemitismo moderno, não desempenham o mesmo papel hermenêutico-formativo na emergência do stalinismo. Antecipando-se as eventuais críticas à sua análise da vertente soviética do totalitarismo, Arendt cercou-se das maiores precauções. Até mesmo porque ela jamais concordou com a tentativa de considerar o marxismo como a causa maior ou mesmo única do totalitarismo na URSS. A esse respeito, DUARTE (2001, p. 62) declara: Por um lado ela [Arendt] temia que a ênfase na investigação deste componente tradicional do totalitarismo stalinista acabasse por enfraquecer a “originalidade chocante do totalitarismo, o fato de que suas ideologias e métodos foram totalmente sem precedentes e suas causas desafiaram as explicações adequadas nos termos históricos usuais [...]”. Afinal, se Arendt não concordava com a condenação simplista de Marx enquanto responsável direto pelo totalitarismo stalinista, ela também não podia deixar de perceber que a terrível atualidade de seu pensamento tinha a ver com o fato de que ele pôde ser “utilizado e malutilizado” por aquela nova forma de governo. Outra notável particularidade de OT é o seu título. A palavra “origens” ali colocada não possui o significado usual de “causas”. Em termos metodológicos, isso significaria a negação da noção de causalidade histórica, já que Arendt via no evento totalitário algo capaz de exceder todas as possibilidades de análise tradicional, já que o mesmo “ocorreu sem que tivesse sido necessário”. Segundo DUARTE (2001, p. 63), o que importa ressaltar é que: EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 108 [...] a despeito de seu título verdadeiramente equívoco, que parecia sugerir uma análise genética das causas que teriam necessariamente levado à constituição do fenômeno totalitário, em Origens do Totalitarismo Arendt pretendeu estabelecer os traços que, vistos a posteriori pelo investigador, “oferecem um relato histórico dos elementos que se cristalizaram no totalitarismo.” Isso não significa que Arendt pretendesse apenas expor características sui generis do totalitarismo, mas sim identificar elementos que antecederam, ocorreram durante e, eventualmente, sobreviveram ao evento totalitário, sem atribuir àqueles o papel de agentes causadores. Nessa perspectiva, BIGNOTTO (2001, p. 43) cita Arendt que afirma: Não há, na história, a necessidade que toda historiografia causalista pressupõe, de maneira consciente ou inconsciente. O que existe realmente é o caráter irrevogável dos acontecimentos, eles mesmos, e a efetividade tocante que lhes é própria do domínio da ação política, não advêm de que eles confiram a alguns elementos do passado sua configuração última, definitiva, mas a uma incontornável novidade que apareceu. Em verdade, o desejo de Arendt era compreender quais elementos influíram – não deterministicamente – na ocorrência do totalitarismo. Sob essa ótica, torna-se imperativo o estudo detalhado de todos e quaisquer componentes que possam ter contribuído para o desenrolar do fenômeno totalitário. Doravante, motivados por tal crença, analisaremos aquele que consideramos ser um dos componentes fundamentais da origem do totalitarismo soviético: a ação da classe elite de gestores. Não se trata de estabelecer uma relação de causalidade entre a elite de gestores (causa) e o totalitarismo (efeito), mas sim demarcar essa elite gestorial como objeto empírico de análise futuros estudos sobre o totalitarismo. 2. A elite de gestores na URSS Diferentemente dos demais marxistas, o teórico português João Bernardo não considera o capitalismo como sendo um modo de produção constituído por apenas duas classes, burguesia e proletariado. Em relação a isso, BRUNO (1986, p.115) indaga: Se o proletariado é aí definido como produtor de maisvalia e a classe burguesa como apropriadora dos meios de produção, permanece um vazio entre essas duas realidades. Esse vazio é a gestão do processo produtivo e econômico em geral. Qual é a classe que dessa função se ocupa? Segundo João Bernardo, a resposta a essa pergunta é: a classe elite de gestores (EG). Ainda segundo Bernardo, a burguesia e a EG são ambas classes capitalistas, contrapondo-se ao proletariado. Na prática, a elite de gestores é segundo BRUNO (1986, p. 141): [...] uma classe que, ao lado da burguesia, se opõe ao proletariado no interior de uma relação de produção. Aquilo que muitos denominam de burocracia, sindicatos, intellingentsia etc são exemplos da EG. Referindo-se especificamente aos gestores na URSS, BERNARDO (2000, p. 15) esclarece: A organização corporativa desenvolveu-se tanto em países evoluídos como nos retardatários. E, na prática, foi adotada tanto pelas democracias como pelos fascismos e sistemas autoritários, e ainda pelo regime soviético. [...] Para a generalidade das pessoas, e mesmo para muitos estudiosos destas questões, a vida política soviética ter-se-ia resumido ao Partido Comunista e a vida econômica ao plano central, ou seja, tudo teria se passado no âmbito do Estado [...]. No entanto, as administrações de empresas e sindicatos tiveram um papel muito considerável no funcionamento da economia e da sociedade soviéticas [grifo nosso]. A ascensão da EG na URSS ocorreu antes mesmo da vitória final da revolução de outubro de 1917. Referindo-se a isso e citando a revolta dos marinheiros da base naval de Kronstadt, em 1921, BERNARDO (2000, p. 51) assevera: Os insurrectos de Kronstadt exigiam o regresso ao sistema original de sovietes, como genuínos conselhos deliberativos de base, e instauração de uma democracia de trabalhadores, com liberdade de expressão para todas as forças operárias de esquerda, bem como a liberdade de organização sindical e o direito de controle dos trabalhadores sobre as unidades de produção [...]. Os bolchevistas reprimiram a revolta com uma terrível matança, confirmando a plena instauração de um poder de classe de gestores [...] [grifo nosso]. O fim dos sovietes e o controle das unidades de produção foram os primeiros passos para a EG dominar o proletariado. O fim da guerra civil o lançamento da Nova Política Econômica (NEP), todos ocorridos em 1921, também trouxe uma série de privilégios à economia de mercado. Na década seguinte, os gestores continuaram a ampliar seu raio de ação. Referindo-se ao corporativismo na URSS, BERNARDO (2000, p. 15) assinala: A burocracia sindical soviética começou na década de 1930 a participar da gestão das empresas e a administrar os fundos de seguridade social e o conjunto dos estabelecimentos de repouso e férias, determinando os critérios de sua utilização. Isso deu EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 109 aos dirigentes sindicais um enorme poder de controle sobre a classe trabalhadora, tanto mais que eram eles também a decidir as prioridades de acesso a todos os novos departamentos [...]. Os sindicatos soviéticos participavam diretamente nas relações de assalariamento e, portanto, seus dirigentes assumiam funções patronais [grifo nosso]. Embora o totalitarismo com o apoio das massas na URSS tenha início, de acordo com Arendt, somente após 1929, os germes de tal sistema de governo podem ser detectados bem antes, nas ações desenvolvidas a partir de 1918 por vários líderes bolcheviques. Sobre isso, BRUNO (1986, p. 119) cita Brinton que cita Trotsky que declarou no IX Congresso do Partido Comunista Soviético, em 1920: Não se pode deixar a classe trabalhadora a vagabundear através da Rússia [...] devem ser colocados aqui e ali ordenados, comandados exatamente como soldados [...]. O trabalho obrigatório atingirá seu zênite durante a transição do capitalismo para o socialismo. [...] Os desertores do trabalho devem ser reunidos em batalhões punitivos ou postos em campos de concentração [grifo nosso]. A relação entre o totalitarismo e a EG pode ser notada mais nitidamente na visão taylorista de As tarefas imediatas do poder bolchevique, de 1918, obra na qual LÊNIN (1960, p. 702) sentencia: A máquina industrial em larga escala, que é a fonte de produção material e a base do socialismo, exige uma estrita e absoluta unidade de vontade que dirija o trabalho comum de centenas e dezenas de milhares de pessoas [...]. Porém, como assegura-la? [...]. Subordinando a vontade de milhares à vontade de um só [...]. A subordinação incondicional a uma única vontade é absolutamente necessária para o bom êxito dos processos de trabalho [grifo nosso]. Aquilo que no mundo capitalista recebia o nome de taylorismo foi denominado na Rússia, de stakanovismo, tendo sido introduzido tanto na indústria quanto na agricultura. Ambos os processos dependiam fundamentalmente da ação da EG. Não somente os fatos, mas também a teoria demonstra que a fase de transição do capitalismo para a “ditadura do proletariado” exigiu do governo bolchevique o controle total das esferas social, política e econômica, o que naturalmente, incluía a gestão da produção. Manifestando-se sobre a relação disso com a tese original da ditadura do proletariado, esboçada por Marx e Engels em “O manifesto comunista”, de 1848, BRUNO (1986, p. 117) assevera: Alguns anos mais tarde, Marx reconheceria como inteiramente ultrapassada a tese da Ditadura do Proletariado, apoiando-se nos acontecimentos da Comuna de Paris de 1871, quando o proletariado parisiense destruiu o Estado, criando simultaneamente novas instituições sociais, em que representantes do povo eram eleitos diretamente e revogáveis a qualquer momento, inexistindo qualquer tipo de privilégio para os cargos de representação. Mas não são todos os discípulos de Marx que se ocupam da leitura de sua obra, e a tese da ditadura do proletariado, apesar de refutada pelo mestre, permanece como bandeira de muitos de seus discípulos. Certamente os integrantes do novo governo bolchevique e da EG pertenciam a essa última leva de discípulos marxistas. Outros equívocos de ordem teórica também colaboraram, nós supomos, para tornar a ação da EG um componente original do totalitarismo soviético. Acreditamos que o mais significativo de todos eles foi a incapacidade de perceber a distinção entre as relações sociais de produção e as relações de propriedade. A propriedade dos meios de produção, normalmente atribuída ao Estado [na URSS] jamais esteve sob o controle do proletariado e, portanto, este último não pôde exercer nenhuma forma de controle sobre aquele. Esse controle acabou sendo feito pela EG. Tratava-se de uma “apropriação coletiva por parte de classe gestorial”. O que não ocorreu foi a gestão das empresas pelos próprios trabalhadores. Nas palavras de BERNARDO (1991, p. 211): Enquanto expressão da atividade integradora e coordenadora, o controle é o veículo para a transformação de um dado tipo de propriedade, a propriedade privada do capital, numa de outro tipo, a propriedade coletiva do capital. È este, em conclusão, um dos processos por que (sic) os gestores aumentam o âmbito de sua apropriação coletiva. E foi assim que, para além das distinções aparentes nas formas jurídicas, convergiram as linhas de evolução das classes capitalistas nas esferas norte-americana e soviética. A aproximação entre o governo soviético e as potências nazi-fascistas também constitui um interessante elemento de análise da ação da EG na URSS. Essa aproximação consusbstanciou-se, fundamentalmente, através da assinatura de diversos tratados internacionais, entre os quais destacamos: o tratado de Bretz-Litovsky, de 1918, que estabeleceu a paz com a Alemanha; a assinatura, em 1933, do pacto de não-agressão com a Itália; o pacto germânicosoviético, de 1939; em 1941, a URSS reconheceria a hegemonia japonesa no norte da China. Referindo-se a semelhança entre a URSS e os governos nazi-fascistas, RHULE (1939, p. 264) afirma que o Estado soviético: EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 110 [...] serviu de modelo ao fascismo, portanto deve conter características estruturais e funcionais comuns. Nacionalismo, autoritarismo, centralismo, direção do chefe, política do poder, reino do terror, dinâmicas mecanicistas, incapacidade de socializar. Todos esses traços fundamentais do fascismo existiam e existem no bolchevismo. Foi essa semelhança, primitivamente presente no bolchevismo, que alavancou a aproximação deste último com o nazi-fascismo. Quanto à relação mais específica da EG com a referida aproximação, BRUNO (1986, p. 125) afirma: [...] a evolução da sociedade russa, a ascensão do nazi-fascismo, o corporativismo tecnocrático do New Deal não constituíam fenômenos isolados. Inseriam-se num processo geral de expansão do capitalismo de Estado e de unificação da classe de gestores. Divergiam entre si quanto à terminologia. Mas não havia dúvida, os gestores [...] apareciam nitidamente demarcados [grifo nosso]. 3. A era Stalin Os passos decisivos para a implantação definitiva e o clímax do totalitarismo na URSS foram dados por Josif Vissarionovich Djugachivilli (1879-1953), dito Stalin. A coletivização forçada das fazendas (entre 1929 e 1932), os processos de Moscou (em 1936) e os sucessivos expurgos, todos eles determinados por Stalin, condenaram à morte milhões de seres humanos. Dependendo da fonte e considerando a benevolência ou exagero sempre presentes nessas avaliações, estima-se em pelo menos 20 milhões o número de vítimas do Pai dos Povos. Embora não aceitemos as teses simplistas de loucura e instinto assassino de Stalin, é impossível discordar de HOBSBAWM (1995, p. 371) que afirma: Não há dúvidas de que sob um outro líder do partido bolchevique, os sofrimentos dos povos da URSS teriam sido minimizados e o número de vítimas menor. Ainda assim, cremos que a ação da EG desempenhou um papel bastante significativo no âmbito do terror soviético. O governo de Stalin caracterizou-se pela busca obstinada da sociedade comunista anteriormente expressa por Vladimir Lênin (1870-1924) e Lev Trotsky (1879-1940). Nas palavras do próprio STALIN (1938, s.p): A característica geral da sociedade comunista está presente nos trabalhos de Marx, Engels e Lênin. [...] ela será uma sociedade [...] onde não haverá propriedade privada dos instrumentos e dos meios de produção, os quais serão propriedade social coletiva [...] onde não haverá classes de poder do Estado, mas haverá os trabalhadores da indústria e da agricultura, administrando-se por si próprios, como associações livres de trabalhadores [...] onde o indivíduo, livre de preocupar-se com o pão cotidiano e da necessidade de agradar aos poderosos deste mundo, tornar-se-á realmente livre. È claro que ainda estamos muito longe disso [grifo nosso]. Os escritos oficiais do Homem de Aço procuravam dar ao mundo uma visão diametralmente do que realmente acontecia por detrás das fronteiras soviéticas. A citação acima, na qual ele nega a tendência crescente da “subordinação da economia ao poder coercitivo dos detentores do Estado” é um exemplo claro disso. Uma breve análise dessa subordinação permitirá iluminar a relação entre o stalinismo e os gestores. Referindo-se ao uso do termo totalitarismo, MAGALHÃES (2001, p. 50) cita Hilferding que declara: O problema político do período de pós-guerra consiste na mudança de relação entre o estado e a sociedade, produzida pela subordinação da economia ao poder coercitivo do Estado. O Estado torna-se um Estado totalitário na medida em que esse processo de subordinação ocorre [grifo nosso]. A subordinação da economia ao poder do Estado, ainda segundo Hilferding, também significava a “sujeição da economia aos detentores do poder do Estado”, entre os quais incluímos a EG. Sob o governo do Grande Líder, a economia planificada da URSS tornou-se literalmente uma máquina de guerra, cuja primeira batalha ocorreu em 1929, ano do início do Primeiro Plano Qüinqüenal. Os milhões de prisioneiros e mortos dos kulaks foram as primeiras vítimas dessa operação de guerra elaborada pela EG sob a égide de Stalin. A falta de pessoal qualificado obrigava à centralização, que acabou gerando uma enorme burocratização em todo o sistema soviético. Progressivamente, a EG ampliava sua influência, devido, principalmente, a sua expansão numérica. Referindo-se a burocratização soviética, HOBSBAWM (1995, p. 374) cita Lewin que afirma que “o grande Terror de fins da década de 1930 foi o método desesperado de Stalin tentar”: [...] superar o labirinto burocrático e sua habilidade em esquivar-se dos controles e ordens do governo [...] Toda tentativa de tornar a administração mais flexível e eficiente simplesmente a inchava e tornava mais indispensável, Nos últimos anos da década de 1930, ela cresceu a uma taxa duas vezes e meio maior que a de empregos em geral. Ao aproximar-se a guerra, havia mais de um administrador para cada dois operários. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 111 A revolução que havia sido cientificamente elaborada, que era considerada historicamente inevitável, aquilo que começara como sendo apenas o “alto preço da dor pago pelo progresso”, crescera descontroladamente e transformara-se numa entidade que devorava seus próprios filhos e filhas. Consideramos que associar o movimento totalitário soviético à figura do dragão Tiamat implicaria em considerar a EG como sendo uma das cinco cabeças daquele ente mitológico. 4. Considerações finais Sobre o terror e suas conseqüências para o futuro da URSS, ARENDT (1989, p. 348) esclarece: O Terror não produziu industrialização nem progresso. O que a eliminação dos kulaks, a coletivização e o grande expurgo produziram foi fome, as caóticas condições de produção de alimentos e o despovoamento. Tudo isso nos leva a reafirmar nossa crença de que, “se por origens não entendemos causas”, a ação da classe EG constitui uma das origens do totalitarismo soviético. Esperamos ter ressaltado suficientemente a ação da EG na URSS de modo a demarcá-la como objeto empírico da analise de futuros estudos sobre o totalitarismo. Finalmente, lembrando que somos apenas “homens e mulheres normais”, citamos BIGNOTTO (2001, p. 45) que declara: BIGNOTTO, Newton. O totalitarismo hoje? In: AGUIAR, Odílio Alves [et al]. Origens do totalitarismo: 50 anos depois. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. BRUNO, Lúcia. Gestores: a prática de uma classe no vácuo de uma teoria. In: BRUNO, Lúcia, SACCARDO, Cleusa [et al]. Organização, trabalho e tecnologia. São Paulo: Atlas, 1986. DUARTE, André. Hannah Arendt e o evento totalitário como cristalização histórica. In: AGUIAR, Odílio Alves [et al]. Origens do totalitarismo: 50 anos depois. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. LÊNIN, Vladimir. Obras escolhidas. Moscou: Editorial Moscou, 1960. MAGALHÃES, Teresa Calvet. A natureza do totalitarismo: o que é compreender o totalitarismo? In: AGUIAR, Odílio Alves [et al]. Origens do totalitarismo: 50 anos depois. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. RHULE, Otto. A luta contra o fascismo começa com a luta contra o bolchevismo. In: Living Marxism. [s.l], 1939. STALIN, Josef. Doctrine de l’URSS. Paris: Flamarion, 1938. Permanece, no entanto, a grande lição de que nenhum esforço teórico poderá antecipar os acontecimentos e nem barrar-lhes (sic) os afeitos. Defender a liberdade e a justiça continua sendo uma tarefa que, podendo beneficiar-se dos estudos históricos, está reservada ao campo da prática das virtudes associadas à nossa condição de seres condenados a forjar nossos próprios destinos construídos no terreno sempre indeterminado de nossa liberdade. A possibilidade de nos reencontrarmos com o fenômeno totalitário nos tortuosos labirintos da História nos proíbe de esquecermos que “tudo é possível”. Referências Bibliográficas ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. BERNARDO, João. Economia dos conflitos sociais. São Paulo: Cortez, 1991. ________________. Transnacionalização do capital e fragmentação dos trabalhadores. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 112 II. Projetos em Andamento EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 113 1. O CULTO DA SAUDADE NA CASA DE EUDORO CORRÊA Regina Cláudia Oliveira da Silva, Luciano Pinheiro Klein Filho Professores Historiadores responsáveis pelo projeto, com apoio do Clube de Ciências Humanas da Seção “D” de Ensino. “Dizemos: afinal, somos aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E eu acrescentaria: somos aquilo que lembramos. Além dos afetos que alimentamos, a nossa riqueza são os pensamentos que pensamos, as ações que cumprimos, as lembranças que conservamos e não deixamos apagar e das quais somos o único guardião.” Norberto Bobbio 1. Justificativa Por ocasião das festividades de comemoração dos 90 anos do Colégio Militar de Fortaleza, “Casa de “Eudoro Corrêa”, também dos 45 anos de fundação do Museu Histórico Escolar Gustavo Barroso e, por sua vez, em lembrança do cinquentenário de falecimento de Gustavo Barroso, Patrono do Museu, nos propomos a traçar e executar um projeto de revitalização deste espaço tão importante da instituição em que lecionamos, que já foi referência para toda a comunidade alencarina, mas que nos últimos anos não tem recebido a atenção que lhe é merecida, no intuito de integrá-lo às atividades curriculares do colégio, bem como estimular o espírito investigativo, o incentivo à pesquisa e à preservação do patrimônio histórico, não apenas das forças armadas, mas do país como um todo, de forma a conduzir a uma maior reflexão sobre os valores nacionais, éticos e morais, de extrema importância para a formação dos nossos jovens. É lugar comum asseverar que os museus, notadamente os históricos, são formidáveis instrumentos de preservação da memória de um povo. Entretanto, entendemos que, muito mais que preservação da memória, cabe ao museu o papel de construtor da memória de um povo, de uma sociedade, de uma comunidade, de uma instituição de ensino como o CMF. Apropriando-nos das palavras de Pierre Nora, A história é reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo”. (NORA, 1993, p. 09). Hoje, segundo a Museologia moderna, trabalhar com museus deixou de ser apenas uma tarefa de limpeza de objetos empoeirados, de etiquetação, de registro de coleções e de contagem de visitantes. A vida produtiva em museus ganhou novos significados, principalmente no que se refere ao interesse pela vida social e política das pessoas e por tudo que elas construíram ao longo de suas vidas, de tudo que se transforma continuamente em patrimônio cultural. O museu é o ambiente onde o aluno melhor exercita o memorialismo através da mediação pedagógica das coisas concretas. No caso do Museu Gustavo Barroso, o acervo é essencialmente voltado para o universo militar. Que dizer, então, de uma escola que tem o seu próprio museu, temático, e não faz uso pedagógico dele? [...] museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas, aniversários, tratados, processos verbais, monumentos, santuários, associações [...]. Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais (NORA, 1993, p.13). De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, o museu é uma instituição permanente, aberta ao público, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, que adquire, conserva, pesquisa, expõe e divulga as evidências materiais e os bens representativos do homem e da natureza, com a EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 114 finalidade de promover o conhecimento, a educação e o lazer. (2003-2006, p. 9) Como educadores devemos sempre estar atentos para que uma visita a um museu seja sempre construtora de significados. O artefato exposto sempre “diz” alguma coisa ao visitante, que faz uma leitura subjetiva do objeto e é nisto que está o valor da educação. O guia pode ser o mediador entre o objeto e o visitante ou, no caso de visitas não guiadas, o próprio objeto, devidamente identificado, inserido em um contexto próprio, auto-explicativo, pode ser um meio de mediação semiótica para o visitante. O espaço dos museus não é importante apenas para a construção do saber histórico, mas para o processo educacional em sua totalidade, e a Museologia, então, funciona como uma ciência transversal, interdisciplinar, aberta a todas as outras ciências, que analisa a cultura e o conhecimento sob os mais diversos aspectos científicos. Desta forma, destaca-se veementemente sua perspectiva sócio-educativa. O processo museológico, enfim, será sempre erguido e restaurado por meio da ação dialógica, dinâmica, complexa e inventiva. Como educadores, e particularmente historiadores, destacamos nosso anseio e responsabilidade por instituir contextos educativos para a integração criativa e cooperativa constantes de nossos alunos, no ambiente escolar, para que possam transcender em seus saberes e ações para a comunidade em que vivem. grupo, enquanto valorizará as experiências pessoais, proporcionando um processo educativo que instrumentalizará para a construção do conhecimento histórico ao mesmo tempo em que desconstruirá o isolacionismo do Museu como algo apenas para se olhar, cheio de coisas velhas, empoeiradas e inatingíveis. Desenvolver técnicas pedagógicas que focalizem a comunicação enquanto ação museológica, nos permitirá criar condições para o processo interacional alunoacervo, aluno-família-acervo e aluno-comunidade-acervo, voltando a inserir devidamente o Museu Gustavo Barroso no circuito sócio-cultural de Fortaleza, como exemplo de preservação do patrimônio histórico nacional, elevando ainda mais o nome da “Casa de Eudoro Corrêa” como uma instituição de construção e disseminação de saberes e produção cultural. Revelando a natureza educativa da salvaguarda e da fruição do patrimônio, Horta (2005) nos diz que os museus se alimentam de gente, e as mentes se alimentam dos museus. Não visualizamos a possibilidade de se manterem os museus vivos sem um trabalho de persuasão e divulgação científica, na escola e na sociedade em geral. Não é para isso que há museus, arquivos, edifícios e práticas sociais tombadas? Coisas raras ou coisas belas Aqui sabiamente arrumadas Instruindo o olho a olhar Como jamais ainda vistas Todas as coisas que estão no mundo. Paul Valéry Evidencia-se, desta forma, o arremate do caráter intrinsecamente educativo do conhecimento histórico, sempre que percebemos a educação como uma totalidade de processos de produção, circulação e divisão de conhecimento. O conhecimento existe para ser compartilhado e, dito isto, defendemos que a reflexão didática a respeito de museus é um momento intrínseco, necessário, da reflexão histórica como um todo. Museu Gustavo Barroso Buscaremos a prática de ações pedagógicas que valorizem o acervo, permitindo a otimização da utilização das peças do Museu Gustavo Barroso como fonte de conhecimento, assim como sua compreensão enquanto espólio histórico. Nossas ações visarão ao estímulo da criatividade e a instigamento da curiosidade investigativa dos alunos de forma que estes se descubram em situações-problema que lhes provoquem a necessidade de coleta e sistematização de outras informações a respeito das obras expostas, para além do Museu. Acreditamos que trabalhar a ação documental desta maneira propiciará um maior envolvimento do Como observou Dominique Poulot, o museu de História deixou de ser, hoje, o legislador do tempo, o lugar de partilha entre passado e futuro, podendo tornar-se espaço para um diálogo entre tipos de saber histórico fundados no conhecimento sobre os objetos. Não seria, então, o momento de se pensar na construção de narrativas que não só explicitassem seus fundamentos e as tradições com as quais se articulam mas que, também, explicitassem os procedimentos pelos quais a história pode ser visualizada em um museu? (OLIVEIRA, 2007, p. 42) Seria o caso, enfim, sob a ótica acima citada, de fazer do museu um espaço de instrução do olho para ver, a experiência de propiciar a visão de como os saberes históricos podem ser construídos a partir de uma visita ao museu. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 115 2. Gustavo Barroso e a Museologia no Brasil Mas quando nada subsiste de um passado antigo, depois da morte dos seres, depois da destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis, porém, mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações. Marcel Proust Pouca gente fora da área da Museologia e da História sabe que Gustavo Barroso foi o idealizador do primeiro museu institucional do Brasil, a “Casa do Brasil”, como dizia, o Museu Histórico Nacional, que a princípio fora pensado por ele para ser um museu militar, mas que o presidente Epitácio Pessoa, pelo decreto de número 15.596, transformou em algo muito maior, em 02 de agosto de 1922. Ocupou o prédio construído por conta da Grande Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência, destinado a representar o Pavilhão das Indústrias. Seu complexo arquitetônico havia sido ocupado pelo Arsenal de Guerra da Marinha e, portanto, já possuía um grande acervo ligado ao Estado, mais precisamente à história das Forças Armadas. Além de diretor-fundador do MHN, Gustavo Barroso também foi pioneiro: na estruturação do Curso de Museus, em 1932, para a formação de museólogos especialistas no país; a institucionalização da Museologia no Brasil, com a criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais em 1934, um dos principais antecedentes do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN – fundado em 1936 e na idealização do Projeto do Museu Ergológico, em 1942. Antes, segundo o IPHAN, a mais antiga experiência museológica de que se tem notícia no Brasil remonta ao século XVII e foi desenvolvida durante o período da dominação holandesa, em Pernambuco. Consistiu na implantação de um museu (incluindo jardim botânico, jardim zoológico e observatório astronômico) no grande parque do Palácio de Vrijburg. Mais adiante, já na segunda metade do século XVIII, no Rio de Janeiro, surgiria a famosa Casa de Xavier dos Pássaros – na verdade, um museu de história natural – cuja existência prolongou-se até o início do século XIX. Ainda que essas duas experiências museológicas não tenham se perpetuado, elas são ainda hoje notáveis evidências de que, pela via dos museus, ações de caráter preservacionista foram levadas a efeito durante o período colonial. De qualquer modo, acontecimentos museais capazes de se enraizar na vida social e cultural brasileira só seriam perpetrados após a chegada da família real portuguesa, em 1808, um marco sem precedentes. É nesse quadro que, em 1818, foi criado o Museu Real, hoje Museu Nacional da Quinta da Boa Vista e, em 1816, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. (IPHAN, 2003-2006, p. 1011) Depois vieram outros espaços museológicos, como a Academia Imperial de Belas Artes (1826), o Museu do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), o Museu do Exército (1864), a Sociedade Filomática (1866) – futuro Museu Paraense Emílio Goeldi –, o Museu da Marinha (1868), o Museu Paranaense (1876) e o Museu Paulista (1895). Todos muito importantes, sem dúvida, mas nada que se compare ao hercúleo trabalho desenvolvido por Gustavo Barroso em amor à Museologia e à História, como disse em o “Culto da Saudade”, artigo originalmente escrito em 22 de dezembro de 1912 para o Jornal do Commercio: Mas a pressa dos dias atuais, as necessidades decorrentes da existência moderna não matarão nunca o passado, porque ele é a essência das coisas humanas. É o saber acumulado, é a experiência ganha, é o caminho feito, é o que há de verdadeiramente conquistado. O presente escapa à relatividade de nosso conhecimento. E o futuro resulta dos materiais que nós e todos os que nos antecederam reuniram. O desprezo do passado seria mais do que ingratidão, porque seria inconsciência (BARROSO, 1944, p.12). Autoridade em Armaria e Heráldica, literato, publicista e historiador, grande conhecedor de temas ligados à história em geral e à história militar, sua opção pela análise histórica era eminentemente positivista, do culto ao passado, de essência nacionalista romântica, que postulava um país naturalmente belo e historicamente triunfante, mesmo não proporcionando uma análise mais crítica da História, não se pode negar que é fundamental na defesa do patrimônio histórico. Pátio Gustavo Barroso do MHN Acervo MHN Seu artigo denominado O Culto da Saudade apontava o pouco caso dos políticos com a memória nacional. Com o pseudônimo João do Norte, Gustavo EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 116 Barroso lamentava-se: “O culto da saudade ainda não é para nós”: Ouro Preto, ninho de tradições e glórias, derroca-se, esboroa-se. Ninguém escora as ombreiras de pedra bruta, as paredes desaprumadas. À festa que ali se realizou, relembrando a conjuração mineira, quase ninguém compareceu. Olinda enche-se de capim. Na remodelação da Bahia, nada se poupou. No Rio, todas as tradições se apagaram. O passado não merece consideração. (1997, p. 34) O ano de 1922 foi simbólico para o Brasil. No último ano do governo Epitácio Pessoa, cravado numa crise geral, seriamente agravada pela idéia da derrubada do Morro do Castelo, fato tido por muitos como um crime contra o patrimônio histórico do país, pois houvera sido o núcleo inicial da cidade do Rio de Janeiro, por este motivo, a imprensa e a inlectualidade moderna não davam trégua. Este fora o ano da criação do MHN e da nomeação de Gustavo Barroso para seu comando, justamente quando outros fatos marcavam nossa história: o centenário da Independência e toda a discussão que envolvia sua comemoração (que poderia restaurar ou não o prestígio político alquebrado do governo) a Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista Brasileiro e a primeira manifestação do Movimento Tenentista. As comemorações em torno da criação do MHN passaram a ser importantíssimas do ponto de vista político para o governo, visto que representaria seu projeto de fortalecimento da identidade nacional, por meio do orgulho pela visibilidade do progresso do país, bem como seria uma forma de calar aqueles que o acusavam de não respeitar o patrimônio histórico do país, devido ao episódio com o Morro do Castelo. Finalmente, em 11 de outubro de 1922, em duas salas no espaço formado pelo Pavilhão das Grandes Indústrias, Epitácio Pessoa presidiu a exposição inaugural do Museu Histórico Nacional, constituída por cerca de 1500 objetos devidamente preparados por Gustavo Barroso. A concepção de patrimônio histórico de Gustavo Barroso, espaço onde se materializa a memória, pode ser visto em artigo seu de 1944, quando escreve sobre Ouro Preto, e assim encara o “patrimônio do Brasil, Brasil-Raça, Brasil-Nação, Brasil-Humanidade” (p. 9). Seu discurso é nacionalista, tradicional, de preocupação com os “vestígios do passado” firmemente ancorado na idéia de proteção e salvação do patrimônio, “defendendo dos insultos do tempo e protegendo das tolices dos homens” (p. 13). Esse seu espírito conservador foi interpretado pelos modernistas como “passadista” e foi acusado muitas vezes, pejorativamente, de “guardião da razão”, por sua perspectiva enciclopédica, evolutiva, factual, narrativa, comparativa e classificatória de analisar a História e inseri-la no espaço museológico. No entanto, cabe lembrar que Gustavo Barroso, como muitos outros intelectuais de sua época, formados pelas bases filosóficas, sociológicas e históricas já latentes nas últimas décadas do século XIX, foram intimamente influenciados pelo ideário evolucionista e determinista, fundado em conceitos basilares de civilização e progresso, em que uma elite escolhida, superior, branca, vanguardista, letrada, conduziria a nação a um progresso civilizatório. O MHN, para ele, deveria ser o repositório dessa elite, como representante do progresso nacional, seria espaço do refinamento cultural, e tudo o mais que representasse o que estivesse fora do padrão dessa elite, era apresentado como algo pitoresco ou romantizado, como no caso do perfil do indígena, por exemplo. Isto posto, podemos inferir que Gustavo Barroso percebia o patrimônio cultural do país como uma herança familiar, que deveria ser passada a cada geração, e ele, como parte dessa grande árvore genealógica, sentia-se no compromisso de resguardar seu patrimônio. As ascendências dessa fina flor social estariam em um passado que aludia à chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, dado que, fundamentalmente, o Estado imperial edificara as bases da nação brasileira. Eventos ligados a este período de nossa História sempre o fascinaram e foram assunto de vários dos seus livros, principalmente a Guerra do Paraguai. Especialmente no caso de Gustavo Barroso, por ser um pensador, independentemente de qualquer questão que se faça ao seu ideário filosófico-social, um homem com a capacidade de defesa de seus conceitos e com a monumental produção cultural que deixou para o Brasil, merece muito mais espaço de análise e reconhecimento da sociedade brasileira do que, mormente, se tem hoje. Principalmente no que se refere ao Exército Brasileiro, pois em artigo escrito ainda em 1911, defendeu a criação de um museu histórico militar: Ainda era tempo de uma ação salvadora, de se realizar a fundação de um verdadeiro Museu histórico no qual se pudessem reunir para ensinar o povo a amar o passado, os objetos de toda a sorte que ele representa. Os que se preocupam com essas coisas sabem que no arquivo nacional há a cadeira ou o trono em que o imperador se sentava no senado, um capacete da imperial guarda de honra de D. Pedro I e outras relíquias; que na igreja da Cruz dos Militares se acham feixes de bandeiras tomadas aos paraguaios; que no Museu Naval estão os canhões do forte do Príncipe da Beira; que nas estrebarias do Ministério da Guerra existe o velho carrinho em que Osório fazia suas campanhas. (BARROSO apud DUMANS, 1997, p. 10) E, mais do que isso, dentro de sua visão evolucionista-determinista, a elite brasileira, responsável EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 117 pelo progresso civilizatório, era, fundamentalmente, o Exército, pois Num pais como o nosso, de origem e formação tumultuárias, o Exército é como uma Ordem Permanente, representa uma muralha de sustentamento e uma garantia dos princípios vitais que asseguram a continuidade da vida nacional. É preciso deste modo entender o Exército, a fim de poder amá-lo através de toda a sua acidentada e gloriosa história. Pouco importa que aqui ou ali, neste ou naquele acontecimento, mais perto ou mais longe de nós, tenha possivelmente errado, se acertou na grande maioria das vezes, se pensou sempre em acertar para o bem da Nação. (BARROSO, 1942, p. 415) fundador do Museu Histórico Nacional e seu diretor por 35 anos, Patrono dos Dragões da Independência, um apaixonado pela História do Exército Brasileiro, com sua biografia comentada, a partir de seus três livros autobiográficos, uma análise investigativa de seu importante papel para a Museologia Nacional e uma explanação a respeito de sua vasta obra literária que envolve 128 publicações, entre História, Sociologia, Folclore, crítica, erudição, Filologia, ensaios, contos, crônicas, novelas regionais, memórias, viagens políticas, romances e dicionários. No caso de sua produção literária, destacaremos principalmente Terra de Sol, sua obra de estréia, e que, para muitos, é, de todas, a maior, fazendo uma análise discursiva, bem como pretendemos destacar sua obra regionalista de ficção. Sua escrita sobre Museologia e sobre a História Militar estará inserida na abordagem que faremos em torno de sua atuação no Museu Histórico Nacional. Referências Bibliográficas Gustavo Barroso Gustavo Barroso via a história na tradição e a “tradição é a alma dos Exércitos”. No Exército Brasileiro, o “corpo de espírito, de formas e de doutrinas” é a tradição. A História produzida no MHN, em sua época, e que se perpetuou por algum tempo após sua morte, valorizava essencialmente o Estado centralizado, a elite aristocrática e o Exército, elementos institucionalizados responsáveis pela ordem nacional, abonando legitimidade aos triunfos do passado da Nação através de altivos personagens responsáveis pela formação do espírito de nacionalidade do Brasil, como D. João VI, D. Pedro I, Duque de Caxias e Osório. Como bem fez o professor Denizard Macêdo que, ao fundar o Museu do CMF, batizou-o com o nome de Gustavo Barroso, em homenagem a esse grande cearense das letras, da museologia e da História, imortal, também nós, no amplo projeto de revitalização do Museu, por ocasião de tão importante data que são os 90 anos do CMF, queremos prestar-lhe nosso tributo, em reconhecimento ao seu papel para a literatura e museologia nacionais, em desagravo a tantos anos de esquecimento pela intelectualidade brasileira. Assim, tendo em vista a lembrança do cinqüentenário de passagem de Gustavo Barroso, o processo de revitalização do Museu do CMF terá um momento especial com a publicação de um livro sobre este intelectual, museólogo, escritor e acadêmico, ABREU, R.; CHAGAS, M. (Org.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP & A; Faperj, 2003. BARROSO, G. Culto da saudade. In 29° edição: Anais do Museu Histórico Nacional (vol. 29-1997). Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional/Imprensa Nacional, 1997. ____________. História militar do Brasil. Edição ilustrada com cerca de 50 gravuras e mapas. São Paulo: Editora Nacional; 1935. 341p. 2.a ed. em 1938. (Biblioteca pedagógica brasileira. Ser. 5:a: Brasiliana, v. 49). ____________. “Esquematização da História Militar do Brasil”. In: Anais do Museu Histórico Nacional, vol III, 1942. DUMANS, G. “A idéia da criação do Museu Nacional”. In: Anais do Museu Histórico Nacional, vol XXIX, 1997. ____________. Documentário da Ação do Museu Histórico Nacional na Defesa do Patrimônio Tradicional do Brasil. In: Anais do Museu Histórico Nacional, vol. 5. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1955, p. 5. HORTA, M. Lições das coisas: o enigma e os desafios da educação patrimonial. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Museu: antropofagia da memória e do patrimônio, 31, pp. 214-228. Jan.-dez. de 2005. NORA, P. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, p. 07-28, dezembro de 1993. OLIVEIRA, C. H. S. Entre história e memória: a visualização do passado em espaços museológicos. In: Anais do Museu Paulista. V. 15. n.2. jul.-dez. 2007. Política nacional de museus: relatório de gestão 20032006/Ministério da Cultura, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Departamento de Museus e Centros Culturais. [Brasília]: MinC/IPHAN/DEMU, 2006. 144 p. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 118 2. DICIONÁRIO BIOGRÁFICO DE PROFESSORES (18892009) da Escola Militar do Ceará, do Colégio Militar do Ceará, da Escola Preparatória de Fortaleza e do Colégio Militar de Fortaleza Janote Pires Marques 1º Ten QCO Professor de História do CMF Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. Cora Coralina O ano de 2009 marca os noventa anos de criação do Colégio Militar do Ceará e os cento e vinte anos de criação da Escola Militar do Ceará. Foram duas instituições de grande importância, não apenas no que se refere à formação profissional de milhares de jovens, mas, também, na vida cultural do Ceará e mesmo do Brasil. E o nosso Colégio Militar de Fortaleza (CMF) tem a honra – e a imensa responsabilidade – de ser o herdeiro das “tradições” destas escolas militares (não esqueçamos a Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza, criada em 1942) que o antecederam na Casa de Eudoro Corrêa, outrora denominado “Casarão do Outeiro”. Certamente, todos os compontentes do Colégio Militar de Fortaleza – alunos, professores, funcionários, militares, diretores – têm se empenhado arduamente nessa tarefa de manter, ao longo dos anos, o alto padrão de ensino na Casa de Eudoro Corrêa. Outrossim, não há dúvidas do sucesso desse trabalho em conjunto. Basta verificarmos os excelentes resultados obtidos pelos discentes em vestibulares, avaliações, olimpíadas, concursos públicos locais e nacionais. Com efeito, o Colégio Militar tornou-se uma instituição historicamente marcante e referência no ensino integral e de qualidade, destacando-se não apenas na área cognitiva, mas, também, nas áreas afetiva e psicomotora. Nesse contexto, é comum e prazeroso encontrarmos “ex-alunos” que se tornaram cidadãos e profissionais de sucesso nas mais diversas áreas. Ante o exposto, é importante colocar em relevo a participação daqueles que contribuíram (e contribuem) para que tantos estudantes tenham, ao longo de mais de um século, acesso a esse alto padrão de ensino promovido pelo Exército Brasileiro. Esse projeto de pesquisa, portanto, vem ao encontro desse anseio, no sentido de valorizar e de procurar fazer um grande levantamento sobre uma parcela importante desses tantos homens e mulheres que vêm labutando em prol da educação militar, ou seja, os professores do Colégio Militar de Fortaleza e das instituições que funcionaram anteriormente no local. Assim, temos como objetivo principal publicar um dicionário biográfico sobre todos os professores civis e militares que ensinaram na Escola Militar do Ceará, no Colégio Militar do Ceará, na Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza e no Colégio Militar de Fortaleza, abrangendo o recorte temporal de 1889 a 2009. Como objetivos específicos, temos: divulgar a história da educação militar no Ceará; preservar a memória dos docentes (civis e militares) que ensinaram na Escola Militar do Ceará, no Colégio Militar do Ceará, na Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza e no Colégio Militar de Fortaleza; conhecer a evolução histórica da metodologia de ensino nas diversas disciplinas ministradas por professores e instrutores; evidenciar o excelente nível intelectual dos professores e instrutores da Casa de Eudoro Corrêa, e, ainda, valorizar o papel do Exército Brasileiro enquanto instituição fomentadora dos valores nacionais. Cumpre lembrar que muitos professores se destacaram (e se destacam) nas mais diversas áreas, como literatura, política, administração. A título de exemplo, tivemos figuras já históricas, como Benjamim Barroso, Bezerril Fontenele, Franco Rabelo, Pedro Augusto Borges, Francisco Benévolo, Guilherme Moreira da Rocha, Pedro Albano, Joaquim Catunda, Tomás Acioly, José Aurélio Saraiva Câmara, Denizard Macedo de Alcântara, Domingos Olympio, Mozart Pinto Damasceno, Antônio Santana Júnior, Djacir Menezes, Ary de Sá Cavalcante e muitos outros professores que ajudaram a construir a educação no Ceará. É justo, portanto, contar um pouco a história dos professores através do Dicionário Biográfico de Professores, registrando a passagem de todos esses mestres que, ao longo de tantos anos, têm dado vital contribuição para o processo de ensino-aprendizagem no Ceará. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 119 Metodologia • • • • • • • • • • Levantamento, leitura e fichamento da bibliografia existente sobre a História da Educação no Ceará; Leitura dos Boletins Internos (BI’s) do Colégio Militar do Ceará (CMC) publicados entre 1919 e 1938, e fichamento de dados referentes à estrutura didático-pedagógica do CMC, bem como informações relativas aos professores; Levantamento, pesquisa e fichamento de publicações referentes às escolas militares estudadas; Levantamento, pesquisa e fichamento da documentação existente em arquivos e bibliotecas que permitam reunir informações sobre antigos professores; Leitura e fichamento dos resumos históricos do Colégio Militar do Ceará, da Escola Preparatória de Fortaleza e Colégio Militar de Fortaleza existentes no Arquivo do Colégio Militar de Fortaleza; Coleta de fotografias e imagens referentes a professores que se destacaram nas escolas e colégios militares sediados no “Casarão do Outeiro”, e inserção desse material iconográfico no Dicionário; Entrevistas com ex-alunos do Colégio Militar do Ceará, com ex-alunos (e ex-professores) da Escola Preparatória de Fortaleza e com exalunos (e ex-professores) do Colégio Militar de Fortaleza, utilizando recursos e metodologias da história oral; Estabelecimento de constantes contatos pessoais e via correio (eletrônico ou tradicional) com o maior número possível de biografados (ou mesmo com parentes e amigos dos mesmos) com o objetivo de manter um canal aberto para possíveis correções e sugestões nos respectivos textos; Redação dos verbetes das biografias buscando o constante cruzamento dos dados disponíveis nos diversos tipos de fontes, a fim de se chegar ao perfil mais fiel possível dos biografados; Durante a redação dos textos (verbetes), procurar ressaltar a importância dos trabalhos, projetos e pesquisas exercidos pelos professores biografados, nas diversas áreas, buscando sempre enaltecer a boa imagem dos mestres que atuaram e atuam na Casa de Eudoro Corrêa. Fontes de Pesquisa ANUÁRIOS. Eram publicados anualmente pelo Colégio Militar de Fortaleza, nas décadas de 1960 e 1970. Trazem informações diversas sobre cada ano letivo, incluindo artigos de professores do CMF e de antigos professores da EPF. BOLETINS INTERNOS DO COLÉGIO MILITAR DO CEARÁ. Publicados entre 1919 e 1938, além de trazerem informações sobre as atividades cotidianas do Colégio, publicavam dados sobre a contratação de professores, bem como suas áreas de ensino e períodos de atuação. Essa é uma documentação riquíssima e ainda pouco explorada. DOCUMENTOS DO MINISTÉRIO DA GUERRA (no Ceará). Publicados no século XIX e início do século XX, estão sob a guarda do Arquivo Público Estadual e trazem informações sobre as diversas organizações militares no Ceará, incluindo-se nesse rol a Escola Militar do Ceará (1889-1897). JORNAIS ANTIGOS. Publicados em Fortaleza, no século XIX, trazem informações sobre a Escola Militar do Ceará. Esses jornais estão disponíveis, em forma de microfilmes, na Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel (BPGMP) – Setor de Microfilmes –, e sob a forma impressa no Instituto Histórico do Ceará. Há, também, alguns exemplares na Biblioteca da Academia Cearense de Letras (ACL). PLACAS ALUSIVAS A TURMAS DE FORMATURA. Afixadas nas paredes (corredores) do CMF, trazem o nome dos professores que lecionaram na Turma dos formandos. RESUMO HISTÓRICO. Organizado pela Secretaria Geral do CMF, traz nomes de professores que ensinaram no Colégio Militar de Fortaleza. REVISTAS DA ESCOLA PREPARATÓRIA DE CADETES DE FORTALEZA. Publicadas anualmente, entre 1942 e fins da década de 1950, trazem informações diversas, incluindo-se artigos de professores e de instrutores da EPF. REVISTAS DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA. Publicadas a partir do ano de 1968, trazem informações diversas, incluindo referências e fotografias de professores do CMF. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 120 DOCUMENTAÇÃO DIVERSA DISPONÍVEL EM ARQUIVOS. Considerando a grande importância que a educação militar teve (e tem) na História do Ceará (e do Brasil), que abrange um amplo recorte temporal (final do século XIX, século XX e início do XXI) e que ainda são poucas as pesquisas sobre o tema, estima-se que há um grande acervo documental a ser “descoberto”. Arquivos para Pesquisa • • • • • • • Academia Cearense de Letras Arquivo (Histórico) do CMF Arquivo Histórico do Exército (RJ) Arquivo Público do Estado do Ceará Biblioteca da UFC Biblioteca Pública Estadual Governador Menezes Pimentel (BMPG) Instituto Histórico e Geográfico do Ceará Bibliografia Inicial ALCÂNTARA, José Denizard Macedo de. Sumário histórico do Colégio Militar de Fortaleza. Fortaleza: CMF, 1977. BRAGA, Gustavo Lisboa (Org). Para frente custe o que custar. Fragmentos da história da EPF 1942 contada por seus integrantes. Valença: Editora Valença, 1999. CÂMARA, José Aurélio S. Um aspecto da tradição militar cearense. Os estabelecimentos militares de Ensino de Fortaleza. Fortaleza: Separata da Revista o Instituto do Ceará, 1959. Contato Coordenador do Dicionário: 1º Ten Pires - Colégio Militar de Fortaleza – [email protected] Tel. (85) 3455.4600 – Ramal: 4085 Cel. (85) 9629.0395 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 121 3. ÉTICA AMBIENTAL E EDUCAÇÃO Jean Cid Ferreira de Brito Cap QCO Professor de Geografia e Oficial de Controle Ambiental do CMF Francisca Elsenir Porfírio dos Santos Analuce de Macêdo e Silva Caneca Cristiane Moreira Reis Professoras Biólogas Responsáveis pelo Projeto Regina Cláudia Oliveira da Silva Professora representante da Comissão de Ética da GU/FLA-CE Vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois. Prá melhor juntar as nossas forças, é só repartir melhor o pão. Recriar o paraíso agora, para merecer quem vem depois. O Sal da Terra (Beto Guedes/Ronaldo Bastos) 1. Considerações iniciais Isso nós sabemos: todas as coisas são conectadas como o sangue que une uma família... O que acontecer com a Terra acontecerá com os filhos e as filhas da Terra. O homem não teceu a teia da vida, ele é dela apenas um fio. O que ele fizer para a teia estará fazendo a si mesmo. Ted Perry, inspirado por um Chefe Seattle Segundo os cientistas, a idade da Terra é de aproximadamente 4,56 bilhões de anos e é calculada a partir da relação entre dois isótopos de chumbo formados pela decomposição de isótopos de urânio, o que se chama “datação radioativa”. O homem, razoavelmente inteligente, está aqui há pelo menos 40 mil anos, o que constitui uma efemeridade absurda em comparação com o meio em que vive. Mesmo que nossa existência não passe de um breve momento, já conseguimos fazer um estrago considerável. Aristóteles já dizia que Há um limite para o tamanho das nações, assim como há um limite para outras coisas, plantas, animais, instrumentos; pois nenhuma delas retém seu poder natural quando é muito grande, ou muito pequena; ao contrario, ou perde inteiramente sua natureza, ou se deteriora. As palavras do grande sábio grego mostram-nos que na sua remota época já havia uma visão cósmica do problema do crescimento das civilizações. O que Aristóteles não poderia imaginar era que em pleno século XXI, a despeito de toda a evolução tecnológica perpetrada pelo homem, experimentaríamos gravíssimos problemas decorrentes da explosão demográfica, tais como a mundialização da pobreza e da fome, o descontrole dos meios de produção de alimentos, a degradação cultural, entre outros, o que vem impossibilitando nações inteiras de se sustentar, levando-as aos limites da sobrevivência. Alan Weisman, em O Mundo Sem Nós, assegura que nossas conquistas e invenções em poucos séculos estariam varridas da Terra, caso a humanidade desaparecesse. Entretanto, grande parte de nosso espólio, que perduraria muito mais tempo para desaparecer, evocando a presença humana, seria o lixo. Rejeitos como polímeros, que não tem tempo de vida estimado, PCB´s e dioxinas, ainda estarão aqui dez milhões de anos depois que sumíssemos. O lixo nuclear, como o Urânio 238, permaneceria por mais 4,5 bilhões de anos. Sem a nossa nefasta presença, a Terra deverá melhorar bastante. Muitas mudanças seriam notadas, como o silêncio, a melhoria da qualidade do ar, visto que sem energia todas as fontes fixas ou móveis de lançamento de gases tóxicos cessariam seu funcionamento e, com a diluição do que já foi lançado, em algum tempo o ar das regiões mais poluídas estaria praticamente limpo. Não existiria mais iluminação artificial, nem fornecimento de água. Represas sobejariam e boa parte dos sinais eletromagnéticos cessariam, embora nossas transmissões de rádio e televisão permaneceriam se propagando no Universo como uma lembrança de nossa existência. Não havendo ninguém para cuidar dos poços e das refinarias de petróleo, eles explodiriam, e suas piras inextinguíveis gerariam um inverno químico, eliminando EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 122 gases que contaminariam todo o mundo. Quando o flagelo chegasse ao fim, os metais pesados terminariam no fundo dos oceanos, sepultados por conchas e pedras calcárias. Sem o homem, o soberano predador, a fauna e a flora recrudesceriam, readquirindo um espaço e uma biodiversidade há séculos violentados. O sobejo das ruínas - água, mofo, fungos, bactérias e outros elementos - destruiriam quase tudo, mas a natureza daria um jeito, sem o animal que mais alterou sua estrutura. Alan Weisman, que é alarmista, mas não totalmente pessimista, aventura algumas recomendações para que continuemos usufruindo da vida na Terra, dentre as quais destacamos: intolerância com o descarte de plásticos, o veneno número um do biossistema, pois há seis vezes mais polímeros sintéticos do que plâncton nos oceanos, e a redução drástica do índice demográfico. É importante esclarecer que com essa prática atual marchamos em direção à nossa própria extinção, não ao fim do mundo, mas à nossa autodestruição. O mais funesto da sociedade atual não é a existência da tragédia gerada no meio ambiente. O mais patético é a simplicidade com que todos nós convivemos com essa realidade. Toda Ordem Social é criada por nós. Se fomos capazes de criar o caos, também seremos capazes de sair dele. 2. Ética e Educação Ambiental no CMF O ser humano não nasce nem humano nem ético ou anti-ético, ele nasce aético, com a possibilidade de se humanizar. Cláudio Cohen O objeto da ética ambiental incide em ampliar a consideração moral além dos seres humanos, para abranger a totalidade da natureza. As condições que a ética tem que desempenhar para considerar-se devidamente ambiental é o reconhecimento da existência de seres não humanos, dotados de estatuto moral e que o conjunto destes seres não contenha exclusivamente os seres conscientes, mas ainda os seres não conscientes. De acordo com a UNESCO (1987), a educação ambiental é um processo constante no qual os indivíduos e a comunidade adquirem consciência do seu meio ambiente e absorvem conhecimentos, habilidades, experiências, valores e a determinação que os tornam competentes para agir, individual ou coletivamente, na procura de equacionamento para os problemas ambientais que nos cercam e que nos influenciarão futuramente. A educação ambiental deve ser baseada na ética ambiental. A ética ambiental é o estudo dos juízos de valor da conduta da humanidade em relação ao meio ambiente, é a compreensão que o homem tem do imperativo de defender ou resguardar os recursos naturais fundamentais à perpetuação de todas as espécies viventes no planeta Terra. Essa concepção está vinculada à modificação das condições físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, originada pela interferência de atividades comunitárias e industriais, que pode pôr em risco todas as formas de vida do planeta. O perigo do aniquilamento de todas as formas de vida deve ser uma das inquietações do estudo da ética ambiental. É o exercício real da cidadania que poderá decidir parte dos amplos problemas ambientais do mundo por meio da ética imprimida pela educação ambiental. A percepção das razões da degradação ambiental só acontece com a compreensão dos problemas socioeconômicos e políticoculturais e, a partir dessa ciência, procurar-se alterar as atitudes comportamentais dos indivíduos na sua fase inicial através de uma ética ambiental apropriada. No processo de formação do indivíduo, a Educação Ambiental constitui uma forma abrangente de ensino, através de uma metodologia pedagógica participativa constante que visa incutir no aluno uma ampla consciência sobre a problemática ambiental. Partindo dessa premissa e em concordata com a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, o Exército Brasileiro desenvolve a Educação Ambiental. O Art. 10 da Lei delibera que a Educação Ambiental será posta em prática como um exercício interligado, continuado, integrado e estável em todos os planos de modalidade da educação formal. Entretanto, o seu § 1º decide que não deva ser disseminada como uma matéria específica no currículo formal. Define, também, no seu Art. 13, que a educação não-formal deve perpassar inteiramente o processo através de ações e práticas educacionais direcionadas à sensibilização da sociedade a respeito das demandas ambientais e à sua organização e participação na defesa e conservação da qualidade do meio ambiente. A Educação Ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificação de conceitos, objetivando o desenvolvimento de habilidades e modificando atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos. A Educação Ambiental também está relacionada com a prática de tomadas de decisões e a ética que conduzem para a melhoria da qualidade de vida (Sato, 2002). [grifo nosso] Partindo dessa idéia basilar, objetivamos, no Colégio Militar de Fortaleza, desenvolver ambas as modalidades de educação ambiental: a formal e a nãoformal, de maneira a tornar nossos alunos cônscios das questões ambientais, em defesa não apenas do meioambiente, mas da própria vida humana. Então, nas esferas disciplinar - especialmente nas disciplinas de EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 123 Ciências Físicas e Biológicas do Ensino Fundamental, e de Biologia do Ensino Médio, as quais, organizadas racionalmente, avalizam uma abordagem valorativa a respeito do tema - e interdisciplinar, por meio de projetos que movimentem e atinjam todos os membros do CMF para, em caráter mais prático e efetivo, agir em defesa do meio ambiente. Aliás, mais que isso, frente a esta realidade, ou melhor, destes diferentes níveis de realidade que se apresentam, é mais que oportuna uma maneira de pensar que suplante os contornos dos diferentes campos do conhecimento humano e que inclua diversas perspectivas. Se a Educação Ambiental não for pautada pela complexidade que lhe é inerente e politizada, corremos consideráveis riscos de promoção de equívocos reducionistas1, servindo essencialmente para a materialização de sociedades hierarquizadas política, econômica e ecologicamente, perfazendo estruturas sociais que estão erigidas em pilares que concebem baluartes das desigualdades sociais, da corrupção e da exclusão. Para suplantar essas barreiras, urge que pensemos uma maneira de pensar que transcenda a interdisciplinaridade e leve-nos à transdisciplinaridade, como nos alerta Nicolescu (1999, p. 53): A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. [grifo nosso] A abordagem transdisciplinar na elaboração de projetos de eco-educação é a mais producente para que evitemos quaisquer omissões, devido ao seu padrão de abrangência. Esta consideração foi apreciada na lei n. ° 9795, de 27 de abril de 1999, em diversos artigos, que especificam o caráter de transversalidade da educação ambiental. Destacamos: 1 Segundo o Dicionário Aurélio, Reducionismo significa: 1. Ato ou prática de analisar ou descrever um fenômeno, desenvolver a solução de um problema, etc., supondo ou procurando mostrar que certos elementos ou conceitos complexos não devem ser compreendidos ou explicados em si mesmos, mas referidos a, ou substituídos por outros, situados em um nível de explicação ou descrição considerado mais básico. 2. Modo de pensar, ou perspectiva teórica em que se propõe ou se faz uso sistemático desse tipo de procedimento intelectual. 3. P. ext. Deprec. Simplificação excessiva daquilo que é objeto de estudo ou análise: "Há um reducionismo do problema. Prevalece a concepção punitiva, segregadora, como se jogar adolescentes nos cárceres resolvesse a exacerbação da violência na sociedade”. (Maria Ignês Bierrenbach, em Folha de S. Paulo, 5.3.1998.) Reducionismo psicológico. 1. Descrição ou explicação de fenômenos ou processos humanos coletivos (sociais, culturais ou ecológicos), em termos de fenômenos ou preferências psicológicas dos indivíduos. Art. 2o A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Art. 4o São princípios básicos da educação ambiental: I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade; IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo; VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo; VII - a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural. Art. 10. A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal. § 1o A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino. § 2o Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da educação ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a criação de disciplina específica. § 3o Nos cursos de formação e especialização técnicoprofissional, em todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a serem desenvolvidas. Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas. Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental. Poucas vezes os caminhos cursados pela Educação Ambiental no Brasil consideram efetivamente as relações dos saberes localizados com a natureza e as peculiares da região onde habitam os grupos envolvidos. Uma proposta nesses arquétipos costuma distinguir o saber científico e o aspecto alarmista dos movimentos ambientalistas universalmente, o que termina por não contemplar em seus exercícios os problemas e as realidades ambientais locais, assim como a maneira de intuir a natureza dos atores abarcados nestes programas. A sugestão metodológica que colocamos é de a que a valorização dos saberes locais, das linguagens e do sistema simbólico dos grupos alvos de EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 124 projetos de Educação Ambiental possa ser um percurso mestre destes projetos e potencializador dos resultados almejados. Desta forma, a educação ambiental necessita primar pelo rigor na sua elaboração, para impedir a sua inclusão em totalidades reducionistas, necessita ser austera para cumprir com a obrigação histórica de questionar a ciência moderna, de erigir modelos epistemológicos e societários que extrapolem os limites mecanicistas, reducionistas e excludentes dos padrões científicos e das hierarquias das estruturas sociais dominantes. Com seus projetos, o CMF adotará práticas de conscientização que, ocupando o tempo de convívio dos alunos dentro da escola, pedagogicamente orientados, os levará à vivência de experiências frutíferas para as suas formações, tais como o uso racional dos recursos naturais, a coleta seletiva de lixo e o conhecimento ativo da fauna e flora. E, em escala mais abrangente, proporcionar um efetivo processo de conscientização, que se prolongue para toda a vida, ultrapassando os muros escolares, atingindo a família, a comunidade e a sociedade como um todo. A reflexão da prática de Educação Ambiental deve ser entendida como uma apreciação da ética nas práticas educativas à luz da relação entre os saberes dos educadores com os saberes dos alunos. Dito isto, é condição preponderante refletir a respeito da relação peculiar entre a educação ambiental, em suas generalidades, com os saberes locais sobre meio ambiente de comunidades, grupos alvos de programas e projetos nesta área, bem como analisar a importância de se considerar os saberes destes grupos e de seu sistema simbólico. Na amplitude desta perspectiva, pretendemos ter como alvo não só o corpo discente, mas a totalidade do CMF, num processo contínuo de formação de uma ética ambiental. Para se construir uma ética ambiental, é imperativo que se defina o que vem a ser "certo" e "errado”2 de se fazer com o planeta para que se minimizem os danos já sofridos e evitem danos futuros e, para isso, o único caminho imaginável é o binômio informação/educação. São essas duas armas que podem transformar a atitude humana diante do meio em que se vive. Em dois momentos de sua obra “O método 6: Ética”, Morin nos alerta: A ética é, para os indivíduos autônomos e responsáveis, a expressão do imperativo da religação. Todo ato ético, vale repetir, é, na realidade, um ato de religação, com o outro, com os seus, com a comunidade, com a humanidade e, em última 2 Já em 1929, escreveu Albert Schweitzer: a ética consiste nisso: em que eu sinta a necessidade de pôr em prática, diante de toda vontade de viver, a mesma reverencia pela vida que sinto diante da minha própria. Nisso encontro o necessário principio fundamental da moralidade. Manter e fomentar a vida é bom; destruir e impedir a vida é mau. instância, inserção na religação cósmica. (MORIN, 2005, p.36) A incerteza ética depende não somente da ecologia da ação (uma boa intenção não pode produzir o mal (?), das contradições éticas, das ilusões do espírito humano, mas também do aspecto trinitário pelo qual a auto-ética, a sócio-ética e a antropoética são, ao mesmo tempo, complementares, concorrentes e antagônicas. Deve-se em cada ocasião estabelecer uma prioridade e fazer uma escolha (aposta). (MORIN, 2005, p.57) Tradicionalmente a ética é percebida como um estudo ou uma reflexão a respeito dos costumes ou das ações humanas ou mesmo a própria realização de um tipo de comportamento. No centro da ética aparece o dever, ou obrigação moral e conduta correta na forma humana de resolver suas contradições, como: necessidade/possibilidade; tempo/eternidade; indivíduo/ sociedade; econômico/moral; corporal/psíquico; natural/cultural; inteligência/vontade. Enfim, é a educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente impulsos e orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade individual e coletiva. A conduta de todos nós em relação à natureza, cuja base está na conscientização ambiental e no compromisso preservacionista que tem por objetivo a proteção da vida global é, essencialmente, o que se conhece por ética ambiental. É esse compromisso preservacionista que almejamos incutir no cotidiano que todos que fazem o Colégio Militar de Fortaleza, intensa e permanentemente. Uma filosofia ecocêntrica e um processo de conscientização podem fazer com que o ser humano se inquiete realmente com suas ações, percebendo que ele apenas faz parte na Natureza, não é o seu dono: a Natureza não existe para servir-nos, mas para possamos sobreviver em harmonia com os demais seres. Este pensamento nos levará a uma visão holística do mundo, uma visão integral, plena, inclusiva e, para tanto, é premente o desenvolvimento de uma nova linha de conduta ética entre o homem e a Natureza, interligando-os. Enfim, é a construção de uma Ética Ambiental, que seria o estudo do procedimento comportamental do ser humano em relação à natureza, resultado da conscientização ambiental e o conseqüente compromisso personalíssimo preservacionista, tendo como objetivo último a conservação da existência humana. Aqueles que defendem uma ética ecocêntrica partem da verificação dos estragos que efetivamente geramos nos seres vivos e nos ecossistemas. A dimensão destes danos, a exploração abusiva da natureza, é, em última análise, uma notória indicação, para qualquer indivíduo sensível, de que algo está muito errado. Temos a percepção lógica de que é assim, de EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 125 que estamos aniquilando entidades valiosas por si mesmas, independentemente do valor que possam ter para nós, seres humanos “racionais”. O ecocentrismo guia-se, obviamente, pela ciência e pela ecologia, e inspira-se nas entidades e relações que estas nos ajudaram a reconhecer e admirar. É algo mais de que uma teoria ética, mas institui uma filosofia ambiental bastante abrangente, como nas palavras de Marcos (2001): a. uma metafísica que nos fala do estatuto ontológico b. c. d. das espécies, dos ecossistemas, dos processos e das relações que ocorrem na natureza; uma epistemologia que tem que enfrentar o problema do trânsito do descritivo para o normativo, já que uma ética baseada na ciência, como a ecologia, tem que saber responder à objeção da falácia naturalista; uma estética que contribua para o reconhecimento do valor intrínseco de certas entidades naturais que apreciamos como belas; e uma filosofia política que discuta a legitimidade das ações a favor das entidades naturais e a justiça ambiental. Carecemos de um zelo para a ética que observe os indivíduos, as espécies, os ecossistemas, ou seja, uma dimensão holística, onde indivíduos, espécies e ecossistemas não são um ajuntamento de coisas, porém uma entidade em si mesma, numa totalidade inserida. A ética ambiental deve partir de uma perspectiva ecocêntrica, surgindo uma nova analogia de consciência entre o homem e a natureza. Assim sendo, o homem essencialmente preocupa-se com as suas ações e, conseqüentemente, passa a praticar ações coerentes com a natureza, levando ao desenvolvimento de conscientização e compromisso preservacionista e conservacionista da vida global. Um eficaz processo educacional é premente para o desenvolvimento sustentável. Os valores apropriados à concretização desse princípio devem ser realçados para abalizar a tomada de decisões que beneficiem o ambiente e a sociedade que dele depende. Destacamos que desse processo educacional provenha a sólida fundação de valores e atitudes que aparelhem o cidadão para um futuro ambientalmente sustentável. Contudo, numa sociedade que privilegia a concorrência, o enriquecimento rápido e o consumo desregrado, há lugar para os valores que favorecem a implementação de tal perspectiva? Este é um dos maiores desafios para nós, educadores: disseminar comportamentos éticos em uma sociedade que valoriza o frívolo e o transitório. Indubitavelmente o percurso do diálogo multidisciplinar entre profissionais em busca da solução dos intricados problemas ambientais e um contrato ético-social erguido pela mediação entre cientistas e agentes sociais irmanados no processo são indispensáveis para atingirmos tais anseios. Em síntese, trata-se de uma tentativa para sair dos traçados intelectuais típicos da modernidade e de uma fidedigna refundação filosófica da cultura da humanidade. Devemos reconhecer o óbvio ululante: o Planeta Terra não é de nossa propriedade e nem o recebemos de nossos antepassados. Verdadeiramente o estamos pedindo emprestado de nossos descendentes. No entanto, estamos legando atrás de nós um mundo que vale muito menos do que aquele que solicitamos emprestado. Se já sabemos que o tempo está se esgotando, urge que atuemos para mudar inteiramente nossas atitudes antes que seja demasiado tarde. É evidente que necessitamos rever nossa relação, valores e atitudes para com o meio ambiente, de forma a viver em harmonia com o restante da vida que partilha esse planeta conosco. Bibliografia inicial deste projeto BRASIL. Congresso Nacional. Lei 9795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre educação ambiental, instituía política de educação ambiental e dá outras providências. Brasília, 1999. CLEMENTE, A. P. P. (org). Bioética e Educação. Curitiba: Bio Editora, 2007. MARCOS, A. Ética ambiental. Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira. Valladolid: Universidad de Valladolid , 2001. MORIN, E. O método 6: Ética. Porto Alegre: Sulina, 2005. NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999. REVISTA VERDE-OLIVA. Ano XXXIV – Nº 194 – OUT/NOV/DEZ 2007. SATO, M. Educação Ambiental. São Carlos: RIMA, 2002. WEISMAN, A. O Mundo sem Nós. São Paulo: Planeta, 2007. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 126 4. I SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES Francisca das Chagas Soares Reis Professora e Supervisora do CMF, idealizadora e coordenadora do Simpósio O nascimento do pensamento é igual ao nascimento de uma criança: tudo começa com um ato de amor. Uma semente há de ser depositada no ventre vazio. E a semente do pensamento é o sonho. Por isso os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos. Rubem Alves Nossa Instituição de Ensino promoverá evento científico denominado I SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA, nos dias 2, 3 e 4 de dezembro de 2009, com o tema PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES. Segundo Meirelles: Evento é um instrumento institucional e promocional, utilizado na comunicação dirigida, com a finalidade de criar conceito e estabelecer a imagem de organizações, produtos, serviços, idéias e pessoas, por meio de um acontecimento previamente planejado, a ocorrer em um único espaço de tempo com a aproximação entre os participantes, quer seja física, quer seja por meio de recursos de tecnologia”. (grifo nosso) A partir desse conceito, surge a pergunta: sendo o CMF referência em educação no cenário nacional e reconhecidamente padrão de excelência (Prêmio Gestão) em educação no Sistema Colégio Militar do Brasil, porque então não promover espaços para discussão de temáticas de interesse na área de educação, proporcionando ambiente para troca de experiências sobre práticas pedagógicas? Tendo como exemplo experiências bem sucedidas de outros colégios do Sistema Colégio Militar do Brasil e a certeza de contarmos com pessoal qualificado para promoção e organização de um evento que reflita o padrão de excelência de nossa escola, acreditamos ser essa a melhor oportunidade para reafirmarmos a imagem de referência em educação no Brasil: 2009, ano que o CMF comemora 90 anos de excelência educacional. A duração de um simpósio é, em média, de um a três dias. Objetivos • • • Proporcionar espaço para interação com especialistas na área. Divulgar trabalhos e pesquisas envolvendo prática pedagógica e novas metodologias. Contribuir com a formação continuada de educadores. Receberemos inscrições para posteres e apresentações orais, bem como haverá uma publicação do evento, a título de anais. Os palestrantes estão sendo selecionados a partir da indicação de professores do CMF, em todas as áreas de ensino, e deverão ser nomes de reconhecimento nacional. Em fevereiro o site do Simpósio estará na Internet com maiores informações. Professor, contamos com a sua preciosa participação. Bibliografia Inicial MEIRELLES, G. F. Tudo sobre eventos. São Paulo: STS, 1999. Identificação do Evento Simpósio é a apresentação de um tema geral de grande interesse, que é dividido em subtemas, por especialistas de renome, sendo seu objetivo final o intercâmbio de informações, com a tomada de decisões. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 127 5. PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DA BIBLIOTECA DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA EM COMEMORAÇÃO AOS SEUS 90 ANOS DE EXCELÊNCIA EDUCACIONAL Clube de Inglês Sob Orientação da Professora Renata Rovaris Diorio Justificativa 1. Em meio às festividades do aniversário do Colégio Militar de Fortaleza, aos seus 90 anos prestados ao serviço da comunidade, o Clube de Inglês, por meio de seus membros, colabora com esse projeto de renovação do acervo bibliotecário. A biblioteca carece de livros novos que atendam às necessidades do estudo de línguas, literatura brasileira e literatura estrangeira. Os livros que se encontram ali dispostos são antigos, além do que não há variedade de gêneros literários e outras opções de leitura. Quando há um livro interessante, só existe um ou dois exemplares, o que fica inviável numa instituição de ensino, com aproximadamente 1000 alunos. Por essa ocasião especial, em comemoração ao seu aniversário, queremos presentear o Colégio Militar de Fortaleza com a entrega de livros novos, doados e comprados, que serão coletados ao longo do primeiro semestre de 2009 e entregues à Biblioteca, na semana de festividades, em Junho/2009. 2. 3. 4. Divulgação do Projeto: Fevereiro e Março de 2009. Coleta do material: todo o primeiro semestre de 2009. Arrumação dos livros nas prateleiras: Maio. Entrega oficial do acervo novo: Junho/2009. Parcerias O Projeto contará com o apoio do CPA e demais instituições que queiram contribuir com esse desafio. Nesse sentido, o Clube de Inglês, representado pelos seus membros, poderá contribuir fazendo algo a mais para embelezar e atualizar o nosso Colégio Militar, a fim de que esse continue sendo um grande expoente de ensino nessa capital e no Sistema Colégio Militar do Brasil. Objetivos • Renovar o acervo bibliotecário, a fim de despertar e construir o gosto pela leitura, tanto em língua materna, quanto em língua estrangeira. • Desenvolver o senso de participação, solidariedade, camaradagem e união entre os alunos voluntários do Clube de Inglês que estarão envolvidos na coleta dos livros, bem como no processo de registro dos mesmos, juntamente à Biblioteca do CMF, até a disposição desse mesmo material arrecadado, nas estantes desse recinto. • Construir o zelo pelo livro recebido como um tesouro adquirido pela escola. • Propiciar a leitura dos livros doados, por meio do manuseio desses, durante todo o projeto. Cronograma do Projeto EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 128 6. PROJETO DE HISTÓRIA E MEMÓRIA: ORALIDADE E REMINISCÊNCIAS DA CASA DE EUDORO CORRÊA Regina Cláudia Oliveira da Silva Luciano Pinheiro Klein Filho Janote Pires Marques Professores Historiadores responsáveis pelo projeto, com apoio do Clube de Ciências Humanas da Seção “D” de Ensino. Pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois. Walter Benjamim O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A História Oral (Método Biográfico) é o registro da história de vida de indivíduos que, ao enfocar suas reminiscências particulares, edificam também uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das diferentes fases da trajetória dos grupos sociais aos quais pertencem. Muitas dessas memórias são denominadas subterrâneas, porque ficam à margem da história dita oficial. É fundamental esclarecer que a história oral, de certa maneira, subverte o conceito mais tradicional de História. Partindo do presente, do documento vivo, do momento, para o passado, além de comprometer o sincronismo em favor da diacronismo, provoca também, positivamente, uma crise no conceito habitual de documento. A concepção do documento de história oral difere daqueles originados por terceiros, escritos, conservados em arquivos, museus ou coleções. É documento em história oral o texto ou vídeo produzido diretamente, em contato pessoal entre partes que se integram numa totalidade dialógica. Não nos devemos jamais esquecer que tudo começa pelo testemunho, e não pelos arquivos, e que, seja o que for que possa faltar à sua fiabilidade, não dispomos, em última análise, de nada melhor do que o próprio testemunho para asseverar que alguma coisa se passou, à qual cada um declara ter assistido pessoalmente, face ao que, para além do recurso a outro tipo de documentos, nos resta sempre a confrontação entre diferentes testemunhos (RICOEUR, 2007, p. 182). Embora memória e identidade sejam inquietações próprias de muitas áreas das ciências humanas, a história oral tem como finalidade precípua relacionar estas duas características de forma a indicar que uma transporte à outra. Em conjunto, memória e identidade se prendem possibilitando a concretização de estudos que partam do tempo presente, de personagens vivos que, mais do que testemunhar um acontecimento, ou relatar trajetórias, consintam ver o processo de seleção dos fatos, de constituição de discursos, e assim se abrem a análises que suplantam a simples constatação dos acontecimentos. História oral não existe, então, para preencher a deficiência de informações ou a carência de documentos. Contrariamente, ela se faz a fim de viabilizar o exame das experiências que se instalam em fantasias, no imaginário, nas ilusões e interditos comuns aos discursos objetivos. Neste sentido, vale conjeturar que o alicerce da história oral não é a verdade histórica tradicionalmente estabelecida. Ora, se contrapõe experiência à verdade, a história oral estima os elementos subjetivos do comportamento narrativo. Adverte Jacques le Goff, destacando a importância do testemunho oral, que tal como o passado não é a história mas o seu objecto, da mesma forma a memória não é a história, mas sim um dos seus objectos, sendo também um nível elementar de elaboração histórica [...] se se pretende dizer que o recurso à história oral, às autobiografias, à história subjectiva, amplia a base do trabalho científico, EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 129 modifica a imagem do passado, dá a palavra aos esquecidos da história, tal é perfeitamente razoável (1988,p 221). Registrando as experiências vividas pelos antigos alunos da Casa de Eudoro Corrêa, em vídeo, pretendemos desenvolver um documentário que seja um instrumento importante para compreensão do nosso passado recente, bem como inserir nossos alunos do 6º ano, recém-chegados a esta casa, em um caráter novo e envolvente na pesquisa histórica, porque a história oral pressupõe uma parceria entre informante e pesquisador, construída ao longo do processo de pesquisa e através de relações baseadas na confiança mútua, tendo em vista objetivos comuns. Nossos alunos terão a possibilidade de construir uma imagem do passado muito mais abrangente e dinâmica. Acreditamos que esse trabalho será uma contribuição que fornecerá elementos para a elaboração de uma história viva, em uma ocasião efetivamente favorável, vistas as comemorações dos 90 anos da Casa de Eudoro Corrêa. Assim como, ao pesquisar as imagens nas quais os atores históricos (entrevistados) representam seu mundo, nossos alunos poderão identificar as estruturas da imaginação coletiva e o poder do grupo social que, em momentos distintos, fez parte desta instituição de ensino. Tudo isso porque a memória é também uma construção do passado, porém regulada por sentimentos e experiências. Flexível, os acontecimentos são lembrados à luz da experiência subsequente e das necessidades do presente. Com aplicações históricas culturais, pedagógicas e teórico-metodológicas, o presente projeto, baseado em depoimentos orais, tem como objetivos: levantar dados sobre a maneira de viver e pensar o passado de indivíduos em diversos momentos da história do CMF; preservar documentos, material iconográfico e visual relativos à vivência dos entrevistados no CMF; proporcionar aos alunos a oportunidade de exercerem a pesquisa histórica por meio da modalidade oral; valorizar a prática da educação histórica pelos alunos do CMF; elaborar um vídeo-documentário que será exibido por ocasião da Feira Cultural 2009, realizado pelos alunos do 6º ano em nome do Clube de Ciências Humanas. Bibliografia Inicial JANOTTI, M.L.M. & ROSA, Z.P. História oral: uma utopia? Revista Brasileira de História. São Paulo, v 13, n 25/26, p. 7-16, set/92-ago/93. LE GOFF, Jacques. “Memória”. In: História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994. NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n 10, p.728 , dezembro/93. RICOEUR, P. A Memória, a História, o Esquecimento. Trad. Alan François. Campinas: UNICAMP, 2007. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 130 IV. Orientação para Submissão de Artigos para a Revista EDUCARE – Nº. 2 (2010) ISSN: ISSN: 19841984-3283 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 131 ATENÇÃO: SOMENTE SERÃO ACEITOS ARTIGOS QUE SEGUIREM RIGOROSAMENTE AS SEGUINTES NORMAS DE PUBLICAÇÃO Autoria: acrescentar, em nota de rodapé, a partir do nome completo do autor, titulação acadêmica por extenso, instituição a que está filiado profissionalmente e e-mail para contato. Resumo e Palavras-chave: indicar objetivos, abordagem e metodologia, com entrelinhamento simples, máximo de 500 caracteres (contando espaços), precedido da indicação “Resumo:” em negrito, seguido de “Palavras-chave:” (em outra linha) em negrito, com no mínimo três e no máximo cinco palavraschave. O mesmo vale para Abstract e Keywords, que devem ser totalmente fiéis ao resumo e às palavras-chave. Referências Bibliográficas: devem, obrigatoriamente, seguir as normas da ABNT, com tamanho de fonte 12, entrelinhamento simples, sem recuo, com os nomes das obras em itálico. Exemplos: SOBRENOME, Nome. Título: subtítulo. Edição (a partir da 2ª). Cidade da editora: Nome da editora, ano. SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. IN: Título do livro em itálico. Cidade da editora: Nome da editora, ano, p. SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itálico. Cidade da editora: Nome da editora, vol, fascículo, ano, p. SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Jornal ou Revista onde foi publicado, data (dia, mês, ano). Disponível em: <http://www.enderecoeletronico.com.br>. Acesso em: data (dia, mês, ano). Formatação Folha: A4 (21 x 29,7 cm). Margens: esquerda e superior de 3 cm; direita e inferior de 2 cm. Entrelinhamento: - 1,5 para o texto. - Simples para citações recuadas, notas de rodapé, referências e resumo. Corpo: - 12 para o texto. - 11 para citações recuadas, corpo do resumo, corpo das referências e notas de rodapé. Fonte: Times New Roman. Número de página: numere a partir da primeira página, no canto superior direito. Total de páginas: mínimo de 10 e máximo de 20, incluindo anexos, figuras e tabelas. Figuras e tabelas devem ser numeradas sequencialmente à medida que aparecerem no texto. Citações no texto Nome do autor fora dos parênteses: caixa baixa. Nome do autor dentro dos parênteses: caixa alta. EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 132 Exemplos: Segundo Fulano (2007, p. 51), “xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx” “xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx” (FULANO, 2007, p. 51). ou (Citação de até 3 linhas de texto segue o texto e de ser colocada entre aspas duplas. Citação com mais de 3 linhas deve ser feita com tamanho de fonte 11, sem aspas, com recuo de 4,0 cm da margem esquerda). Envio do artigo Enviar uma cópia do artigo em formato “doc” para o e-mail: [email protected] EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 133 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009 P á g i n a | 134