EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza

Transcrição

EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
CMF
Colégio Militar de Fortaleza
EDUCARE
Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza
Publicação Anual
Ano 1 – Nº. 1 – Jun. 2009
_____________________________________________________________________________
Colégio Militar de Fortaleza
Av. Santos Dumont, 485 – Aldeota
Fortaleza – CE – CEP: 60150-160
www.cmf.ensino.eb.br
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
EDUCARE
Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza
Ano 1 Nº. 1 – Jun. 2009
ISSN: 1984-3283
Colégio Militar de Fortaleza – CMF
Casa de Eudoro Corrêa
Diretor de Ensino: Coronel José Antonio Mendonça da Cruz
Chefe da Divisão de Ensino: Tenente-Coronel Wilson Rocha Ferreira
CONSELHO CONSULTIVO
Dra. Ana Maria Iório Dias – UFC
Ms. Lissa Mara Saraiva Fontenele – CMF
Ms. Anete Barbosa Fritz Neves – CMF
Dr. Luís Botelho Albuquerque – UFC
Dra. Fernanda Nunes Guimarães Vieira – CMF
Ms. Margaret Corchs – CMF
Ms. Janote Pires Marques – CMF
Ms. Regina Cláudia Oliveira da Silva – CMF
Ms. Renata Rovaris Diorio – CMF
CONSELHO EDITORIAL
Anete Barbosa Fritz Neves
Janote Pires Marques – 1º Ten
Lissa Mara Saraiva Fontenele – 2º Ten
Margaret Corchs – 2º Ten
Regina Cláudia Oliveira da Silva
Renata Rovaris Diorio
CONSELHO TÉCNICO
Capa:
Concepção: Renata Rovaris Diorio
Arte: Larri Pereira
Fotos: Janote Pires Marques – 1º Ten
Formatação e Diagramação:
Regina Cláudia Oliveira da Silva
Revisão:
Anete Barbosa Fritz Neves
Margaret Corchs – 2º Ten
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Colégio Militar de Fortaleza
Divisão de Ensino (Seção de Expediente)
Av. Santos Dumont, 485 – Aldeota
Fortaleza – CE – CEP: 60150-160
Correio eletrônico: [email protected]
Educare: Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza, Fortaleza-CE, v. 1, n.1, 131 p. Jun. 2009.
Publicação Anual
ISSN: 1984-3283
1. Ciências Exatas. 2. Educação. 3. Filosofia. 4. História. 5. Literatura. I. Colégio Militar de Fortaleza. II. Título.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia ou escrita.
Todas as informações dos artigos com autoria declarada são de responsabilidade
dos respectivos autores, não representando a opinião da Instituição.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
SUMÁRIO
Editorial................................................................................................................................ p. 5
Diretor de Ensino: Coronel José Antonio Mendonça da Cruz
Apresentação...................................................................................................................... p. 6
Profa. Dra. Ana Maria Iorio Dias
I. Artigos
p. 8
1. A CASA DO AMOR IMORREDOURO: História e Memória da Educação Militar no Ceará..... p. 9
Janote Pires Marques
2. MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL: Análise de Caso com Alunos do Ensino
Fundamental do Colégio Militar de Fortaleza…………………………….....……................ p. 16
Regina Cláudia Oliveira da Silva
3. O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LITERATURA SOB A PERSPECTIVA DIALÓGICA.......... p. 27
Anete Barbosa Fritz Neves
4. UMA PROPOSTA DE MEDIAÇÃO VIRTUAL, EM APOIO AO TREINAMENTO DOS ALUNOS
PARTICIPANTES DA OBMEP, NO CONTEXTO DO JOGO MATH CITY............................................. p. 34
Vilmar Andrade do Nascimento, Francisca das Chagas Soares Reis
5. PERSPECTIVAS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO..........................
Maria Regina Ponte da Silva
p. 41
6. AVALIAÇÃO POSTURAL NA ESCOLA: UMA AÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA........... p. 50
Adriana Vasconcellos, Clineu França, Marcelo Noronha, Marcos Ramos
7. A SALA DE AULA DE LÍNGUA INGLESA: um Espaço de Descoberta e Novas
Aprendizagens.................................................................................................................... p. 56
Renata Rovaris Diório
8. RAZÕES PARA O USO DA LITERATURA NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA.....................................
Margaret Corchs
p. 62
9. OBJETOS DE APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA......................................................
Bergson Rodrigo Siqueira de Melo, Alisandra Cavalcante Fernandes,
Geraldo de Oliveira Macedo Júnior, Verônica Maria Lavor Silva de Melo
p. 67
10. PARTIÇÃO DE Z E SUAS APLICAÇÕES....................................................................................... p. 73
Delano Klinger Alves de Souza
11. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: Alguns
Desencontros..................................................................................................................... p. 77
José Neyardo Alves de Araújo
12. O PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO NA SALA DE AULA DE LE............................................................
Lissa Mara Saraiva Fontenele
p. 84
13. A SOMBRA, O SANGUE E O SONHO NO ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA..................................
p. 90
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Ana Maria de Oliveira Melo
14. ASPECTOS DAS REVOLUÇÕES E LEVANTES NO BRASIL: 1922-1935...................................... p. 97
Wilson Rocha Ferreira
15. REFLEXÕES SOBRE AS ORIGENS DO TOTALITARISMO SOVIÉTICO................................................ p. 103
Geraldo de Oliveira Macêdo Júnior, Bergson Rodrigo Siqueira de Melo
II. Projetos em Andamento
p. 109
1. O CULTO DA SAUDADE NA CASA DE EUDORO CORRÊA.............................................................. p. 110
Regina Cláudia Oliveira da Silva, Luciano Pinheiro Klein Filho
(Clube de Ciências Humanas)
2. DICIONÁRIO BIOGRÁFICO DE PROFESSORES............................................................................... p. 115
Janote Pires Marques
3. ÉTICA AMBIENTAL E EDUCAÇÃO............................................................................................... p. 118
Jean Cid Ferreira de Brito, Francisca Elsenir Porfírio dos Santos, Analuce de
Macêdo e Silva Caneca, Cristiane Moreira Reis, Regina Cláudia Oliveira da Silva
4. I SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA
Práticas Pedagógicas: Desafios e Possibilidades........................................................... p. 123
Francisca das Chagas Soares Reis
5. PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DA BIBLIOTECA DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA EM
COMEMORAÇÃO AOS SEUS 90 ANOS DE EXCELÊNCIA EDUCACIONAL.........................................
Clube de Inglês
Renata Rovaris Diorio
p. 124
6. PROJETO DE HISTÓRIA E MEMÓRIA: Oralidade e Reminiscências da Casa de Eudoro
Corrêa................................................................................................................................... p. 125
Regina Cláudia Oliveira da Silva
Luciano Pinheiro Klein Filho
Janote Pires Marques
Clube de Ciências Humanas
III. Chamada para a Revista EDUCARE – Nº. 2 (2010).......................................................... p. 127
Conselho Editorial
IV. Orientação para Submissão de Artigos para a Revista EDUCARE – Nº. 2 (2010)......... p. 129
Conselho Editorial
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EDITORIAL
Coronel José Antonio Mendonça da Cruz
Diretor de Ensino do CMF
A comemoração dos 90 anos do início das atividades escolares no Colégio
Militar do Ceará requer um rol de eventos direcionados para a educação de
excelência que envolva o corpo docente.
Nesse sentido, nossos professores propuseram editar o primeiro número da
EDUCARE,
EDUCARE a revista científica do Colégio Militar de Fortaleza.
Cumprimento os integrantes do Conselho Editorial da revista, que além de
planejar, organizar e dar vida ao empreendimento, apresentou artigos nesta
publicação. Destaco ainda que todas as contribuições são originadas de nosso corpo
docente, ratificando a qualidade dos que aqui labutam no processo de ensinoaprendizagem.
Essa equipe de pensadores está abrindo uma porta para todos aqueles
envolvidos com a educação, estimulando os demais a apresentar suas experiências e
opiniões, originando um novo ciclo cultural neste estabelecimento de ensino.
As contribuições reunidas nesta primeira edição contemplam abordagens sobre
a História do Colégio Militar, o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), a
literatura nacional, a mediação, a filosofia, a avaliação postural, a língua inglesa, os
objetos de aprendizagem, o livro didático, a História do Brasil e a História Geral. Ainda
são apresentados os projetos em andamento na Divisão de Ensino: sobre o Projeto de
Revitalização do Museu Gustavo Barroso, o Dicionário Biográfico de Professores, a
Ética Ambiental e o I Simpósio de Educação.
A proposta pedagógica do Colégio Militar de Fortaleza acaba de ganhar um
vigoroso instrumento de divulgação de conhecimento, reafirmando sua tradição de
vencer obstáculos em prol do objetivo de construir uma educação básica de alto nível.
Vamos desfrutar desta publicação e aguardar ansiosos pela próxima edição.
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APRESENTAÇÃO
Ana Maria Iorio Dias
Professora da Faculdade de Educação do Ceará
Doutora em Educação Brasileira
Eis que os “moradores” da Casa de Eudoro Corrêa nos oferecem o primeiro
número da Revista Científica EDUCARE, do Colégio Militar de Fortaleza. Nele, o leitor
encontrará artigos e relatos de experiência, lidos e selecionados pelo Conselho
Editorial, com o apoio do Conselho Consultivo, que abordam temas que, certamente,
contribuirão para desencadear reflexões significativas para a contemporaneidade da
Educação, militar, cearense, brasileira, mundial.
Assim, o leitor encontrará no presente número, artigos que discutem teorias
filosóficas, como o de Geraldo de Oliveira Macêdo Júnior e Bergson Rodrigo Siqueira
de Melo, ou que refletem sobre as contribuições do ensino de Filosofia para a
Educação Básica, como o de Maria Regina Ponte da Silva, ou, ainda, sobre as
revoluções e os levantes no Brasil no período de 1922 a 1935, escrito por Wilson
Rocha Ferreira.
Há estudos que denotam a preocupação com diferentes conteúdos abordados
na Educação Básica, mediante análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais ou de
livros didáticos, como os trabalhos de Lissa Mara Saraiva Fontenele e de José
Neyardo Alves de Araújo.
Outros trabalhos centram sua atenção nas suas relações com o ensino e com a
aprendizagem, como os textos de Renata Rovaris Diorio, de Margaret Corchs, de
Anete Barbosa Fritz Neves, de Vilmar Andrade do Nascimento, de Regina Cláudia
Oliveira da Silva, de Ana Maria de Oliveira Melo. Bergson Rodrigo Siqueira de Melo,
Geraldo de Oliveira Macedo Júnior, Verônica Maria Lavor Silva de Melo e Alisandra
Cavalcante Fernandes nos apresentam e discutem os Objetos de Aprendizagem na
área de Matemática; e Adriana Vasconcellos, Clineu França, Marcelo Noronha,
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Marcos Ramos promovem uma reflexão em torno da ação do profissional de
Educação Física em relação à avaliação postural na escola.
Destaque-se, também, o texto em que Janote Pires Marques faz uma análise
do percurso da Educação Militar no Estado do Ceará por intermédio de fontes
institucionais e outras, produzidas por alunos e ex-alunos, enfocando a constituição de
suas identidades e tradições.
A segunda parte da Revista EDUCARE nos apresenta uma série de relatos de
projetos em andamento na Instituição, e, nesse momento o leitor conhecerá o trabalho
de Regina Cláudia Oliveira da Silva e de Luciano Pinheiro Klein Filho, no qual, tendo
em vista os ensinamentos de Gustavo Barroso, procuram revitalizar o Museu do
Colégio Militar de Fortaleza (CMF); o texto de Janote Pires Marques, que, com seu
Dicionário Biográfico de Professores, procura contar a história do CMF; as práticas de
conscientização sobre Ética Ambiental, desencadeadas por Jean Cid Ferreira de Brito,
Francisca Elsenir Porfírio dos Santos, Analuce de Macêdo e Silva Caneca, Cristiane
Moreira Rios e Regina Cláudia Oliveira da Silva e as informações sobre o I Seminário
de Educação do CMF, a ser realizado ainda nesse ano letivo, apresentadas por
Francisca das Chagas Soares Reis.
Enfim, este é o primeiro número, de uma série de muitos outros que a ele se
sucederão. De parabéns estão os idealizadores da Revista, de parabéns estão os
autores deste número e os que fazem o Colégio Militar de Fortaleza. Concluímos
fazendo um convite especial para a leitura. Esperamos ter despertado a curiosidade
intelectual e acadêmica para a leitura e reflexão desse material ora apresentado, com
o carinho e o rigor dos organizadores. Que essa iniciativa possa, também, servir de
inspiração para outras ações semelhantes de divulgação de estudos, pesquisas,
sistematizações de práticas e descobertas.
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I. Artigos
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1. A CASA DO AMOR IMORREDOURO
HISTÓRIA E MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO MILITAR NO CEARÁ
Janote Pires Marques1
Resumo. Este artigo analisa a Educação Militar no Ceará praticada nas instituições de ensino que foram
sediadas no prédio atualmente ocupado pelo Colégio Militar de Fortaleza. Através da análise de fontes diversas,
produzidas por alunos e ex-alunos, bem como dos registros institucionais, esse trabalho conta um pouco da
história do Colégio Militar de Fortaleza, da Escola Preparatória de Fortaleza, do Colégio Militar do Ceará e da
Escola Militar do Ceará, numa abordagem que explora interligações entre a memória dos discentes e a história
contada e escrita sobre esses estabelecimentos de ensino, considerados “tradicionais”. Nesse processo, essas
escolas se constituem em território onde predomina uma cultura escolar baseada numa série de símbolos, ritos
e comemorações que fomentam vínculos sociais entre os discentes e destes com a instituição na qual
estudaram, sendo esta freqüentemente associada ao sentimento de família e de casa. Percebe-se que a
identidade dos alunos é uma construção coletiva e que, entre lembranças e esquecimentos, a memória sobre a
educação militar preserva-se ligada a uma idéia de tradição.
Palavras-chave: Educação Militar (Ceará). História. Memória. Cultura Escolar.
Abstract. This article examines the Military Education in Ceará practiced in educational institutions that were
located in the building currently occupied by the Military School of Fortaleza. Through analysis of various
sources, produced by students and former students as well as institutional records, this work tells a little about of
the history of the Military School of Fortaleza, the Preparatory School of Fortaleza, Ceara's Military School and
the Military School of Ceara, using an approach that explores the interconnections between the studen´s memory
and the oral and written history of these schools, considered "traditional". In this process, these schools are a
territory where school culture based on a series of symbols, rituals and celebrations often associated with the
feeling of family and home. The identity of the students is a collective construction and that, between memories
and oblivion, the memory on the military education is preserved tied to a tradition idea.
Keywords: Military Education (Ceara). History. Memory. Culture School.
1
Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará. Licenciado em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Professor de História do Colégio Militar de Fortaleza. [email protected]
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1. Introdução
Quem já percorreu os corredores do Colégio
Militar de Fortaleza (CMF), ainda que numa
deambulação despretensiosa, provavelmente deve ter
observado a grande quantidade de placas
comemorativas afixadas em suas paredes.
São dezenas de placas que trazem, por
exemplo, nomes de formandos, referências a antigos
professores e diretores, nomes dos responsáveis por
obras e por reformas nas instalações físicas do
Colégio.
Mas, há um tipo de placa que chama especial
atenção pela carga de valores expressa em palavras
cunhadas no bronze: são as placas alusivas aos
encontros de ex-alunos e que parecem querer
“eternizar” sentimentos desses discentes que
freqüentemente retornam (em grupo) à escola para
rememorarem experiências vividas há tempos.
Embora as placas tragam os mais diversos
tipos de textos, até porque são criadas por ex-alunos
de categorias sociais variadas, elas em geral têm uma
espécie de discurso comum no qual predominam
idéias, como o tipo de conhecimento recebido
(educação militar), a importância de lembrar e de
continuamente reconhecer tal experiência (memória),
e os efeitos destas vivências estudantis (numa escola
de “tradição”) na vida dos discentes.
Tomando como exemplo as placas
comemorativas providenciadas por ex-alunos da
Escola Preparatória de Fortaleza1, nota-se a
reincidência de palavras como “aprendizado”,
“educação”, “civismo”, “gratidão”, “comemoração” e,
mais do que qualquer outra, aparece a palavra “casa”
para se referir à escola.
Um aspecto interessante é que a associação
entre “casa” e “escola” surge articulada com
expressões que ressaltam certo sentimentalismo dos
ex-alunos ligado à educação militar que, em última
instância, tem seu “baluarte” físico e simbólico no
prédio que, desde 1962, abriga o Colégio Militar de
Fortaleza.
Assim, facilmente se encontram nas placas,
expressões como “histórico casarão”, “querida escola”,
“velha escola”, “inolvidável escola”, “nossa escola”,
“templo do civismo”, e outras similares que expressam
um sentimento de apego à escola e uma reverência às
suas “tradições”.
1
A Escola Preparatória de Fortaleza funcionou entre 1942 e 1961 e
formava cadetes (num curso, cujo nível corresponderia ao atual
Ensino Médio) que seguiam para o curso de oficiais na Academia
Militar das Agulhas Negras (AMAN), no Rio de Janeiro. Sobre as
escolas e colégios militares no Ceará, ver: MARQUES, Janote Pires;
KLEIN FILHO, Luciano. O casarão do Outeiro: memórias e ilustrações.
Fortaleza: ABC Editora, 2007.
No ano de 2005, por exemplo, cinqüenta e
seis ex-alunos se encontraram no Colégio Militar de
Fortaleza para comemorar cinco décadas de formatura
na sua antiga “casa”: a Escola Preparatória de
Fortaleza (EPF). A placa alusiva ao encontro ressalta
bem esse sentimento dos ex-alunos que estamos
audaciosamente tentando capturar. Nessa placa,
afirma-se que a reunião desses antigos discentes é
para comemorar o “amor imorredouro pela nossa
querida escola” (PLACAS ALUSIVAS, 2005, grifo
meu).
Eis aqui o mote para esse artigo. Como e por
que a educação nesses colégios e escolas militares
criou (e cria) intensos vínculos sociais entre os
discentes e destes com a instituição na qual
estudaram?
Por conseguinte, esse artigo analisa os
elementos simbólicos presentes na educação militar,
suas interligações com a memória e com o que
usualmente se tem denominado “tradição” e, ainda, as
implicações dessa “cultura escolar” na dinâmica da
sala de aula.
2. História da educação militar no Ceará
É comum ouvir ou ler em publicações sobre o
CMF que o Colégio é “herdeiro das caras tradições de
seus ilustres antecessores” (REVISTA, 2006, p.10), ou
seja, herdeiro das “tradições” das escolas militares
anteriormente sediadas no mesmo edifício, a saber:
Escola Militar do Ceará, Colégio Militar do Ceará e
Escola Preparatória (de Cadetes) de Fortaleza.
A Escola Militar do Ceará, fundada em 1889,
funcionou no prédio onde está o CMF, entre 1892 e
1897, e formava oficiais de carreira do Exército.
Existindo num tempo de grandes transformações
políticas e sociais no Ceará (e no Brasil), não era de
se estranhar que alunos (os “cadetes”), professores e
diversos militares dessa Escola participassem
intensamente daquele importante momento. Assim, os
cadetes, que eram oriundos de várias regiões do
Brasil, criaram jornais, revistas literárias e tiveram uma
atuação decisiva na derrubada do anti-florianista e
presidente (do Estado) Clarindo de Queiroz (CÂMARA,
1959).
Já o Colégio Militar do Ceará (CMC), criado
em 1919, funcionou até 1938. Tinha uma estrutura
educacional mais parecida com a do CMF;
provavelmente por isso é que o início das atividades
escolares no CMC – em 1º de junho (de 1919) –
tornou-se tradicionalmente a data para o CMF
comemorar seu aniversário.
Entretanto, era um tempo de horários bem
diferentes dos atuais: o café da manhã ocorria às 05h
45min; em seguida, havia a “Instrucção Physica”; o
almoço ocorria às 09h. Todos os deslocamentos eram
em forma (como acontece ainda hoje). As aulas
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começavam às 10h, prolongando-se até às 15h 20min.
Por volta do meio-dia, havia o “lunch”. Servia-se o
jantar às 15h 30min. Ao anoitecer, uma ceia e, em
seguida, a revista do recolher, preparando-se os
alunos para dormir (MARQUES; KLEIN FILHO, 2007).
O regime disciplinar era austero e incluía
rigoroso cumprimento de horários, respeito à
hierarquia, zelo pela boa apresentação e dedicação
aos estudos. A maioria dos alunos eram internos e
usar o telefone era permitido somente através de
recados que eram transmitidos e recebidos
textualmente por um dos inspetores (atuais monitores
de alunos); “iguarias e gulodices” tinham sua entrada
oficialmente vetadas no Colégio; o futebol era
expressamente proibido, por causa das contusões que
os discentes sofriam durante a prática dessa atividade
(BOLETINS INTERNOS DO COLÉGIO MILITAR DO
CEARÁ, 1919).
Nesse contexto, não foram poucas as ações
dos discentes consideradas atos de indisciplina e
registradas quase que diariamente nos boletins
internos. Ao que parece, um bom caminho foi o
proposto pelo célebre general Eudoro Corrêa (diretor
que permaneceu treze anos no comando do Colégio),
ao motivar o “bom comportamento” dos alunos com
elogios escritos, saídas extraordinárias, ingressos para
apresentações artísticas (teatro, por exemplo) na
cidade (BOLETINS INTERNOS DO COLÉGIO
MILITAR DO CEARÁ, 1923).
O curso no Colégio Militar do Ceará durou em
média seis ou sete anos. Nos quatro primeiros anos,
predominaram as disciplinas de: Matemática,
Português, Francês, Geografia e História (Geral e do
Brasil) e História Natural. Nos últimos anos, dentre
outras matérias, estudava-se Inglês ou Alemão (os
alunos podiam optar pelo estudo das duas línguas),
Desenho, Geometria, Agrimensura e Legislação de
Terras. Ao concluir o curso, os alunos recebiam o
diploma de agrimensor (ALBUM DE FOTOGRAFIAS,
1924).
Entretanto, muitos tentavam a matrícula na
Escola Militar (do Realengo) ou na Escola Naval a fim
de seguirem a carreira militar.
Turma Coronel Dracon Barreto (1938)
Acervo CMF
Em 1938, o Colégio Militar do Ceará foi
extinto. Apenas em 1942, outra escola militar
encontraria abrigo no prédio. Foi a Escola Preparatória
(de Cadetes) de Fortaleza, criada no contexto da
Segunda Guerra Mundial.
Com a iminência de o Brasil entrar nesse
conflito mundial, fundaram-se no país três escolas
preparatórias de cadetes: em Porto Alegre, em São
Paulo e em Fortaleza. Após o curso, que durava três
anos, a maioria desses alunos seguia para a Escola
Militar de Realengo (depois transferida para a cidade
de Resende, transformando-se na Academia Militar
das Agulhas Negras).
Para muitos jovens cearenses, principalmente
os de origem humilde, a Escola Preparatória
representou mais uma opção profissional (a carreira
das armas) a escolher, pois eram restritas as
possibilidades de acesso ao ensino superior na cidade
de Fortaleza, que ainda tinham o empecilho de um
custeio mais vultoso. O Exército era uma das poucas
saídas para o estudante pobre (MARQUES; KLEIN
FILHO, 2007).
Nos primeiros anos de funcionamento da
EPF, as dificuldades materiais foram enormes. Os
próprios uniformes, tão caros ao cotidiano militar,
tiveram que ser improvisados e adaptados, como foi o
caso do uso de tamancos em vez de botas.
Conta-nos um ex-aluno (BRAGA, 1999) que o
prédio da escola estivera fechado por vários anos e,
ao reabri-lo, descobriu-se que havia muitos ninhos de
escorpiões. Determinou-se, então, que todos os
discentes andassem de tamancos (eram os calçados
disponíveis) para evitar picadas venenosas. Logo no
primeiro dia, um cadete não cumpriu a determinação e
foi andar descalço pelo pátio da EPF, sendo picado
por um escorpião. Em pouco tempo, toda a Escola
sabia que o aluno tinha sido vitimado pelo bicho e
havia baixado à enfermaria. O cadete desse episódio
nunca mais foi chamado pelo nome-de-guerra entre os
colegas. Passou a ser o “Escorpião”.
Tal exemplo é trazido aqui para ilustrar que
não se pode entender as vivências (e a memória
decorrente das mesmas) descoladas das experiências
sociais e das situações experimentadas no cotidiano
dos alunos. O caso supracitado ilustra uma das muitas
formas de os alunos romperem com a “lógica
ordenadora”, no dizer de Michel de Certeau (1994), e
de criarem suas próprias formas de apropriações de
espaços e códigos.
Era, pois, diante dessa imprevisibilidade
imanente ao cotidiano dos alunos que se criavam
campos férteis às sociabilidades e que surgiam as
“histórias” a serem futuramente rememoradas nos
encontros de ex-alunos.
Ademais, diante das dificuldades e
adversidades peculiares à década de 1940, surgiu, no
período, grande parte da ritualística ainda hoje
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praticada no CMF, como é o caso do brado oficial
“Para frente, custe o que custar”, criado em 1942, para
expressar que os problemas não deveriam ser
encarados como obstáculos, mas sim, como desafios
a serem vivenciados e transpostos.
Ao longo dos anos, a expressão ganhou
status de “tradição” e, atualmente, no CMF, os alunos,
ao ouvirem a frase “Para frente”, respondem: “custe o
que custar!”.
É, pois, nessa interação entre a história
institucional e a memória de ex-alunos que se
desenvolvem
sentimentos
como
“honra”,
“responsabilidade” e “orgulho” (de pertencimento a um
grupo ou/e a estabelecimento de ensino), e que se
arvora essa “tradição herdada” pelo CMF.
Mas, o que é a “tradição”? Certamente, essa
é uma palavra que tem ocupado amplo espaço de
discussão na historiografia. Sem querer definir um
conceito de tradição, é válido discutir, ainda que
brevemente, os sentidos que essa palavra pode
assumir.
No caso da história da educação militar,
predominaria aquela “tradição inventada” sobre a qual
alerta Eric Hobsbawn (1984), ou seja, como
instrumento destinado apenas a inculcar valores e
normas de comportamento por meio da repetição,
implicando numa continuidade do passado?
Ou seria possível perceber essa tradição, não
como algo estático, parado, ultrapassado, um passado
cristalizado que deve ser exatamente preservado nas
ações do presente; mas, sim, algo em movimento, que
mantém certas “permanências” e “raízes”, mas que se
transforma e permite a uma série de reelaborações,
até por causa dos novos contextos históricos que se
constituem com o avançar dos anos?
Talvez, haja uma tendência para este último
sentido. Veja-se o caso do ingresso do segmento
feminino no CMF, em 1989. Durante um século (desde
1889), os estabelecimentos de ensino militar
permitiram apenas a matrícula de rapazes.
A partir de então, a instituição (no caso, o
CMF) teve que se adaptar às novas personagens, que
provocaram não apenas mudanças na estrutura física
das instalações (banheiros, vestiários, etc...), mas,
também, no que se refere à mentalidade educacional.
Certamente,
mulheres
freqüentando
(e
compartilhando) espaços tradicionalmente masculinos
foi bem mais que a simples quebra de um paradigma
cultural.
No corpo discente, território até então
exclusivo dos homens, as alunas estabeleceram (e
estabelecem) um importante processo de construção
histórica, traçando novos horizontes profissionais e
ampliando os limites do espaço social feminino
(MARQUES; KLEIN FILHO, 2007).
Desfile de 7 de Setembro (1988)
Acervo CMF
Entretanto, essa dinâmica da tradição
dificilmente ocorre descolada de um arcabouço
simbólico e institucional através do qual são
(estrategicamente) cultuados valores identificados com
a educação militar.
É neste processo que o edifício que ora sedia
o Colégio Militar de Fortaleza, independentemente do
gênero de seus discentes, por vezes é reverenciado
como “templo do civismo” e se aproxima, numa microescala, daquilo que Fernando Catroga (2005), ao
estudar as comemorações cívicas em Portugal,
denomina de “sacralização física do espaço”.
3. Símbolos, ritos e comemorações
Aqueles que labutam diariamente no CMF,
particularmente os professores e monitores, sabem
que o ano letivo é permeado por uma série de
procedimentos – cotidianos ou eventuais – que, por
múltiplas formas, interferem na dinâmica da sala de
aula.
É um mundo de símbolos, ritos e
comemorações, amparados na questão da tradição, e
que orbita em torno dos personagens principais do
Colégio, ou seja, dos alunos.
São práticas (culturais) que misturam história
e memória da educação militar numa ação que
fomenta uma identidade de “aluno do Colégio Militar”.
No que se refere à simbologia, podem-se destacar
hinos, bandeiras, uniformes, dentre outros elementos.
Por uma questão de espaço, não cabe nesse artigo a
devida (e aprofundada) reflexão semiótica sobre todas
essas categorias simbólicas.
Entretanto, não poderíamos deixar de refletir
sobre alguns pontos, como o hino do CMF, escrito
pelo professor José Fernandes.
Colégio Militar de Fortaleza
És templo de saber de alto padrão
O teu porvir refletirá a grandeza
Do que está cheia a tua tradição
(...)
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Difícil saber até que ponto vai a consciência
dos alunos ao pronunciarem a canção. Não obstante,
está explícita a proposta de ligação entre passado,
presente e futuro ancorada nos costumes (tradição).
Uma mistura de tempos amalgamada num prédio que
toca mesmo o sentido de sagrado (templo) e
permeada por uma memória anualmente revisitada
pelos ex-alunos no 1º de Junho (aniversário do
Colégio).
Além do hino, existem as bandeiras, os
uniformes, as divisas, as cores, enfim, um grande
número de elementos simbólicos que comunicam uma
mensagem sobre a história da educação militar.
Veja-se o caso da tradicional cor “garança”,
que representa o sangue dos brasileiros mortos na
Guerra do Paraguai. Vale lembrar, que a idéia da
criação de colégios militares no Brasil teve como
principal argumento amparar os órfãos de soldados
brasileiros que tombaram nesse conflito. E, pelo
menos nas últimas décadas, o principal objetivo do
Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) é assistir às
famílias dos militares, particularmente dos praças.
Mas, o Colégio Militar também é um modelo
de ensino que busca incentivar a carreira militar. Por
conseguinte, a vida escolar dos alunos tem sido
historicamente transcendida por uma série de rituais
cotidianos, que vão da apresentação da Turma por um
aluno (ou aluna) ao professor quando este chega à
sala para a aula, até cerimônias mais amplas, como a
tradicional entrada de novos alunos, que ocorre, desde
1942, a cada início de ano letivo.
Cerimônia de entrada de novos alunos (1942)
Acervo CMF
Importa destacar que esses rituais
(cerimônias),
materializados
em
gestos
e
procedimentos, contribuem para a construção de uma
identidade entre discentes do Colégio Militar.
Certamente, a constituição dessa identidade
passa por um entendimento próprio de cada discente e
pode ocorrer de forma dinâmica, ou seja, pode ser
transformada na interação de indivíduos ou de grupos
sociais (BARTH, 1998).
Mas, a construção identitária na dimensão da
educação militar também se liga a uma série de
procedimentos rituais, como a já citada cerimônia de
entrada de novos alunos pelo Portão Principal; a
formatura para a entrega da boina, na qual afloram as
emoções (de alunos e padrinhos – geralmente os pais
ou responsáveis); a prática da ordem unida, na qual os
alunos marcham (e cantam) juntos e se revezam no
comando; as paradas semanais, com toda a sua carga
simbólica veiculada através de hinos, bandeiras e
homenagens.
Alinhados a essa prática estão os eventos
comemorativos organizados ao longo do ano letivo,
como o culto cívico aos mortos na guerra (patronos da
Armas e Quadros das Forças Armadas) e a
determinados personagens civis da História do Brasil,
a comemoração de datas consideradas importantes e,
também, as reuniões de ex-alunos, principalmente na
data de aniversário do Colégio.
Todas essas práticas culturais (e coletivas),
além de conformarem uma “tradição”, constituem-se
num fenômeno social importante que interpenetra a
vida acadêmica (particularmente, na sala-de-aula) de
discentes e docentes, dando-lhes um caráter peculiar,
embora muitas vezes não se perceba isso.
A propósito, não é justamente no contexto
das comemorações dos 90 anos do CMF, no ano de
2009, que surge o primeiro número da Revista
Científica do Colégio Militar de Fortaleza?
4. Cultura escolar e educação militar
O que é cultura? Muitos artigos e livros têm
sido escritos sobre essa categoria. Atualmente, a linha
pensada por Edward P. Thompson (1998) é uma das
noções mais aceitas, ou seja, cultura não seria algo
estático ou dentro de uma idéia “folclórica”, sem
possibilidades de mudanças ou de admissão de novos
elementos.
Porém, o caráter disciplinador da educação
militar de certa forma tende a limitar essa dinâmica
criativa inerente à cultura. Obviamente que isso tudo
se apresenta de forma diferente a depender das
temporalidades.
Na época da Escola Preparatória de
Fortaleza, por exemplo, o regime era bem mais rígido
do que nos dias atuais. Eram tempos de guerra e
esperava-se que o Brasil sofresse um bombardeio
nazista contra alguma capital do Nordeste.
Assim, a EPF recebeu a missão de instalar
um ponto de observação munido de metralhadora na
torre da Igreja do Cristo Rei. À época, esse local dava
excelente visibilidade para o litoral fortalezense.
Segundo Gustavo Lisboa Braga (1999, p. 63):
(...) o mais difícil e perigoso era a subida para o
cimo da torre, a escada de acesso não tinha nada à
sua esquerda; à proporção que subíamos, íamos
nos encostando na parede do lado direito e quando
chegávamos lá em cima dava para se ter medo e
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mais ainda para aqueles que levavam a
metralhadora Madsen (...). Como precaução, à
noite, a cidade ficava totalmente sem iluminação,
que era a primeira providência contra um possível
ataque aéreo. Em contrapartida tal blecaute nos
propiciava, no cimo da torre do Cristo Rei, desfrutar
a beleza do céu de Fortaleza.
Nunca houve o esperado ataque alemão ou
talvez fracassou devido ao apagar das luzes da
cidade. De qualquer forma, após a Segunda Guerra
Mundial, as instruções militares continuaram, até
porque faziam parte da proposta pedagógica da
Escola, já que boa parte dos cadetes seguiria para a
Academia Militar das Agulhas Negras.
Ainda tratando da EPF, à questão da
disciplina aliava-se um sentimento: a honra da palavra
dada. Em outros termos, os alunos, além do
compromisso de não dizerem mentiras, tinham que
assumir a responsabilidade de cumprirem o dito (e o
escrito).
Essa “provação” se dava em momentos
decisivos da vida escolar, como nas avaliações que se
realizavam aos sábados, nas quais se cumpria o
seguinte ritual:
Antes de entrarmos na sala para as “sabatinas”,
entregávamos ao oficial que ali estivesse um
documento que havíamos assinado, contendo os
dizeres: “Sob minha palavra de honra declaro que
não dei cola nem colei nesta prova”. Sabíamos
todos que o não cumprimento da palavra acarretaria
o automático desligamento da Escola (BRAGA,
1999, p. 139).
Assim, permeando a educação/cultura militar
estava (e está) uma tradição amparadora de valores,
como patriotismo, coragem, lealdade, honestidade e
honra. E tal concepção se perpetua através da
simbologia, dos rituais e das comemorações que
fomentam essa interligação entre cultura escolar e
educação militar.
Vale considerar, porém, que a cultura só pode
existir a partir da prática de pessoas, em um
determinado contexto, sendo importante pensar
significados culturais e como eles são (re)construídos
dentro das relações sociais em que acontecem as
vivências dos sujeitos (THOMPSON, 1998).
Nesse sentido, seria interessante refletir
sobre como essa cultura escolar é (re)produzida a
partir das ações dos discentes, bem como as
implicações disso em suas vidas. O que os alunos
pensam sobre isso? Talvez um trabalho específico
possa, futuramente, explorar essa questão.
Não custa citar, entretanto, que segundo
conversas que constantemente temos com ex-alunos,
a educação militar e todo o seu arcabouço éticocultural (disciplina, organização, camaradagem,
honestidade, etc...) tem influenciado positivamente
suas vidas pessoais e profissionais e, também, suas
atuações como cidadãos.
Por outro lado, mais do que alçar o individual,
a educação militar busca promover o coletivo, sendo
essa coletividade vista como uma família e o Colégio
como Casa.
Além disso, a própria denominação C.A.
(Corpo de Alunos) para se referir aos discentes como
um todo, coloca em relevo o grupo (como um corpo
único) e não o indivíduo.
Nesse processo, também, o Colégio Militar de
Fortaleza publica anualmente uma revista que traz
nomes e fotografias dos formandos, a retrospectiva do
ano letivo e as participações de todos os componentes
do Colégio. O nome dessa revista – “Família Garança”
– aponta essa idéia do coletivo ligado por laços
sentimentais.
Outrossim, o Colégio tem – oficialmente – a
denominação histórica de “Casa de Eudoro Corrêa”,
em homenagem a um antigo diretor (cujo busto fica
exposto na entrada principal do Colégio Militar de
Fortaleza), o que mais uma vez realça a interligação
entre história, memória e a comunidade escolar vista
como “família”.
Diante disso tudo, a educação militar
praticada no Colégio Militar de Fortaleza cria uma
infinidade de campos de sociabilidades e elos entre os
discentes e desses com o Colégio, que permanecem
ao longo de suas vidas. Vejam-se, por exemplo, as
dezenas de comunidades na web formadas por alunos
e ex-alunos da instituição.
Por conseguinte, todos os anos, no 1º de
Junho (aniversário do Colégio), centenas de mulheres
e homens (de várias gerações) reafirmam a identidade
(coletiva) de aluno e ex-alunos, participam do desfile
em comemoração ao aniversário da instituição,
cantam o hino, bradam “Para frente, custe o que
custar” e confraternizam-se em reuniões no interior da
“querida escola”.
Desfile de ex-alunos (2007)
Acervo CMF
Ao que parece, portanto, os sentimentos
ligados à educação militar e evocados pelos ex-alunos
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não são específicos de quem os recorda e pertencem
a um universo de significados nos quais foram criados.
Constituem-se, pois, numa espécie de memória
coletiva e, nesse contexto, as lembranças reaparecem
porque são constantemente recordadas por muitas
outras pessoas (HALBWCHS, 1990).
Importa destacar, finalmente, que esta
memória constantemente mexe com todos os
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e se
liga à educação praticada dentro e fora dos muros do
Colégio Militar, ainda que muitos não atentem para
esse intenso fenômeno social.
5. Considerações finais
Jorge Luis Borges (1996), no conto chamado
“Funes, o Memorioso”, narra a intrigante história de
Ireneo Funes, um rapaz de 19 anos que, após um
acidente, passou a lembrar-se, nos mínimos detalhes,
de todas as suas memórias “mais antigas e mais
triviais”.
O que poderia ser uma grande qualidade (e
vantagem) tornou-se um drama, pois, ao não
conseguir esquecer o passado, Ireneo tornou-se
incapaz de pensar (“Pensar é esquecer diferenças, é
generalizar, abstrair”) e, por conseguinte, de viver o
presente.
Eis, portanto, a grande contradição da
memória: para que ela exista é necessário haver o
esquecimento, no sentido de que é preciso (e
inevitável) viver o presente e o devir inerente a cada
novo dia. É, pois, a partir dessa dialética entre o
lembrar e o esquecer que a memória se perpetua.
Pelo que foi colocado ao longo deste artigo,
percebe-se que a educação militar é privilegiada no
que se refere à existência de instrumentos (símbolos,
ritos e comemorações) que fomentam uma carga de
sentimentos nos discentes e que lhes provocam mais
intensamente essas lembranças do tempo vivido no
ambiente escolar.
Dessa forma, os encontros de ex-alunos e a
fixação de placas comemorativas nas paredes do
Colégio não são uma “fórmula” para se eternizar o
passado. Ao que parece, o valor maior estaria no
diálogo que – através dessas práticas culturais – é
estabelecido com esse passado para se entender a
pessoa que se é no presente.
Enfim, esse “amor imorredouro” pela
Escola/Colégio certamente existe, não na tentativa de
se constituir uma memória cristalizada, eterna e
ininterrupta, mas, sim como um sentimento que motiva
antigos discentes a se encontrarem e a organizarem
reuniões que se tornam espaços importantes de
solidariedade e nos quais se contam antigas e novas
histórias e experiências de vida.
O que se tentou neste artigo, portanto, foi
dialogar com a história e a memória da educação
militar no Ceará; não para impedir seu esquecimento,
mas para investigarmos um passado que não volta
mais, a não ser nas maravilhosas reconstruções que
se fazem dele no presente.
Fontes e bibliografia
ALBUM DE FOTOGRAFIAS. Colégio Militar do Ceará.
Fortaleza, 1924.
BARTH, F. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In:
POUTIGNAT, P. e STREIFF-FENART, J. Teorias da
Etnicidade. São Paulo: UNESP, 1998.
BOLETINS INTERNOS DO COLÉGIO MILITAR DO
CEARÁ (1919 e1923).
BORGES, J. L. Ficções. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.
BRAGA, G. L. (Org). Para frente custe o que custar.
Fragmentos da história da EPF 1942 contada por seus
integrantes. Valença: Editora Valença, 1999.
CÂMARA, J. A. S. Um aspecto da tradição militar
cearense. Os estabelecimentos militares de Ensino de
Fortaleza. Fortaleza: Separata da Revista o Instituto
do Ceará, 1959.
CAMURÇA, J. B. O aluno itinerante. Livro de
memórias de um estudante. Fortaleza: ABC Editora,
2001.
CATROGA, F. Nação, mito e rito: religião civil e
comemoracionismo (EUA, França e Portugal).
Fortaleza: Edições NUDOC/Museu do Ceará, 2005.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1. artes do
fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo:
Vértice, 1990.
HOBSBAWM, E. J. A invenção das tradições. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1984.
MARQUES, J. P.; KLEIN FILHO, L. O casarão do
Outeiro: memórias e ilustrações. Fortaleza: ABC
Editora, 2007.
PLACAS ALUSIVAS. Colégio Militar de Fortaleza.
Fortaleza (Datas diversas).
REVISTA DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA.
Fortaleza, 2006.
THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos
sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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2. MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL:
ANÁLISE DE CASO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA
Regina Cláudia Oliveira da Silva1
Resumo. O propósito deste trabalho é o de trazer aos leitores uma análise do desenvolvimento da
Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) de trinta alunos do Ensino Fundamental que fizeram parte da
primeira turma do Colégio Militar de Fortaleza (CMF) que concluiu o Programa de Enriquecimento Instrumental
(PEI), em seus 14 instrumentos que são uma série de tarefas em caneta e papel, que aumentam em
dificuldade, são independentes de conteúdo em qualquer área disciplinar e se destinam a ser mais facilmente
transferíveis para todas as situações educativas e na vida quotidiana. Toda a apreciação foi feita dentro dos
objetivos da teoria do educador Reuven Feuerstein, considerando sua tese de Experiência de Aprendizagem
Mediada (EAM), seus conceitos de operações mentais, de funções cognitivas deficientes, bem como de seu
conceito de mapa cognitivo. A metodologia utilizada foi uma pesquisa junto aos mediadores, quando se aplicou
uma tabela de avaliação de seus mediados que contempla os critérios que estão expostos no modelo de análise
da modificabilidade, através dos objetivos gerais e específicos do PEI. Os mediadores responderam uma
pesquisa por mediado, atribuindo-lhe uma nota que correspondia a um conceito para cada objetivo específico, o
que permitiu a tabulação de dados e as conclusões construídas a partir das informações coletadas. Objetivamos
essencialmente fazer uma avaliação da mudança estrutural dos alunos e, a partir das informações obtidas,
afirmamos que os resultados foram muito significativos, demonstrando que houve uma efetiva mudança
estrutural dos mesmos.
Palavras-chave: Mediação. Modificabilidade. Feuerstein.
Abstract: The purpose of this paper is to bring to the readers an analysis of the development of Structural
Cognitive Modifiability (SCM) of thirty students from a public military junior High School and also from this same
High School that prepares the students for a military specific course which it makes them to belong to the army.
This public military school also prepares the students for any university course that they may choose for their
professional career. This research was taken with these target 30 students from all different ages and all grades.
This was the first group to finish the FIE program in 2007. On this way, the teorical embasement that was used
for analyzing the collected material from this investigation was the goals of Reuven Feuerstein's theory,
considering his thesis on Mediated Learning Experience (MLE), its concepts of mental operations, deficient
cognitive functions, as well as its concept of the cognitive map. The methodology used was the data from the
survey with the “mediators” that applied a table of assessment to their “mediated learners”, which include the
criteria that are exposed in the model of the analysis of modificability, through general and specific goals of FIE
program. The mediators answered a survey for each learner, giving him/her a mark that was a concept for each
specific goal, which allowed the data tabulation and the possible conclusions from the collected information. So,
the aim was essentially to make an evaluation of the structural change on these students. Therefore, we can
attest that the results were very meaningful. In fact, they show an effective structural change that has taken
place on them.
Keywords: Mediation. Modificability. Feuerstein.
1
Graduada em História, especialista em Administração Escolar, Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará, Mediadora
do PEI I e II e Professora de História do Colégio Militar de Fortaleza. [email protected].
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1. Por que escolhemos o PEI?
Um momento, deixe-me pensar...
A experiência de aprendizagem mediada com
alunos da primeira turma do Programa de
Enriquecimento Instrumental (PEI) do Colégio Militar
de Fortaleza no segundo semestre de 2006 e no ano
de 2007 é o objeto deste artigo. Analisam-se os
primeiros resultados concretos com os mediados, a
partir da experiência de 14 mediadores que, formados
por centros de treinamento do ICELP (International
Center for the Enhancement of Learning Potential)
como aplicadores do PEI, iniciaram um trabalho de
mediação com alunos considerados atingidos por
alguma privação cultural, que seria a falta de estímulo
mediado e ferramentas cognitivas para poder usufruir
plenamente da capacidade de plasticidade mental do
ser humano.
Após exaustiva discussão em torno das
diversas dificuldades cognitivas detectadas em
determinados alunos, na busca incessante para que
fossem oferecidas condições que pudessem minimizar
essas dificuldades, optou-se pelo PEI como meio de
ação. Justificou-se a escolha porque o PEI é um
recurso psicopedagógico que permite ao professor
acompanhar e compreender o processo cognitivo do
aluno, através de uma série de exercícios estruturados
que perseguem funções cognitivas específicas,
seqüenciais, cada vez mais complexas e abstratas à
medida que avançam os instrumentos, que forçam a
reflexão e proporcionam uma tomada de consciência
metacognitiva.
Por meio do PEI almejou-se desenvolver a
meta-aprendizagem, a consciência de “como se
aprende”. Nas palavras de Reuven Feuerstein1, criador
do programa, psicólogo e educador romeno, radicado
em Israel, fundador e diretor do ICELP, órgão sediado
em Jerusalém, Israel, seu trabalho
amplia o potencial de aprendizagem de um
indivíduo, qualquer que seja a sua idade. Buscamos
transformar a inteligência na sua estrutura mais
significativa.
Com
nosso
Programa
de
Enriquecimento Instrumental, ensinamos aos alunos
a organizar e a usar a informação. Mais importante
do que saber é aprender como usar este saber.
(FEUERSTEIN, 1994, p. 6)
A aplicação do programa se deu como uma
atividade complementar ao processo de ensino formal,
em contraturno, em dois encontros semanais, cada um
1
Nascido em Botosan, pequeno povoado da Romênia, em 1921,
estudou Psicologia e Pedagogia em Bucareste. Estudou também em
Genebra, Suíça (oportunidade em que trabalhou com André Rey e
Piaget) e na Universidade de Sorbonne, Paris. Atualmente, dirige o
Centro Internacional para o Desenvolvimento do Potencial de
Aprendizagem (ICELP/Israel).
com três horas de duração, cada, quando foram
aplicados os sete instrumentos do PEI-1 (Organização
de Pontos, Comparações, Classificações, Orientação
Espacial I, Orientação Espacial II, Percepção Analítica
e Ilustrações) no segundo semestre de 2006; em
seguida, durante todo o ano de 2007 foram aplicados
os outros sete instrumentos do PEI-2 (Progressões
Numéricas, Instruções, Relações Familiares, Relações
Temporais, Relações Transitivas, Silogismos e
Desenho de Padrões).
Este artigo é tão-somente uma análise dos
resultados da turma que iniciou o projeto, segundo o
modelo de análise da modificabilidade através dos
subobjetivos do PEI2, a partir da aplicação dos sete
instrumentos do PEI-1 e da aplicação dos sete
instrumentos do PEI-2. Os instrumentos Progressões
Numéricas e Instruções do PEI-2 foram inteiramente
aplicados e os demais instrumentos foram aplicados
em sua versão reduzida, proposta pelo ICELP, com
algumas adaptações por parte dos mediadores que
planejaram cada instrumento.
2. Fundamentação Teórica
A humanidade só existe porque houve um
processo de mediação ao longo de sua história
(R. F.)
De natureza estrutural e interacional, a
aprendizagem – possível apenas através de um
mediador, como processo histórico, sócio-cultural e
coletivo – na teoria de Feuerstein3 está filosoficamente
vinculada ao conceito básico de totalidade, quando
afirma que uma mudança em um determinado padrão
mental afeta toda a estrutura do indivíduo, visto que
sua capacidade geral está articulada na estrutura
como um todo.
Para Feuerstein, segundo Gomes (2002, p.
67), a natureza da modificabilidade cognitiva é a
permanência (a duração estável das mudanças
alcançadas), a penetrância (potencialmente a
mudança deve repercutir em toda a estrutura) e a
concentração (contrário da rigidez mental,
considerando que o fluxo do sistema cognitivo está
sempre aberto a mudanças e é adaptável a novas
exigências). A modificabilidade cognitiva só pode ser
2
Criado pelo ICELP e disponível em GOMES, 2002, p. 242-43).
Garcia (2004, p. 143) lembra que, por falta de um aporte teórico
definitivo sobre a teoria feuersteiana, há que se buscar as bases de
Piaget, uma vez que Reuven Feuerstein foi discípulo e companheiro de
estudo do mesmo: “Feuerstein não cita em seus trabalhos filósofos
que possam constituir-se em fundamentação para a sua obra. Assim,
buscamos os filósofos que influenciaram Piaget, uma vez que
Feuerstein afirma ter se inspirado nele, a saber: Kant, Husserl,
Bergson e o estruturalismo. Buscamos também a tradição judaica,
inferindo forte influência da religião, suspeita confirmada, por e-mail,
pelo próprio Feuerstein”.
3
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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considerada estrutural quando contempla condições
fundamentais que efetivem a relação íntima entre a
totalidade e as partes, enquanto um permanente e
auto-regulador processo de mudança e transformação.
Fonseca (2002, p. 17) afirma que “a
mediatização4 é a chave do desenvolvimento social e
cognitivo da espécie humana” e este é também um
princípio fundamental da pedagogia de Feuerstein. A
EAM é a transmissão do “algo mais”, não apenas
conteúdo. O processo de aprendizagem mediado
estabelece um vínculo de aprendizagem entre emissor
e receptor: é a transformação no modo de perceber a
realidade, a observação mais precisa e detalhada, a
atenção dirigida, a intenção de análise, o envolvimento
motivacional, a construção de um significado. O foco
principal da EAM é o diálogo intencional e interacional
entre emissor e receptor, em busca de significados
para os conteúdos, reorganizando-os, e da
transcendência de ações, promovendo, enfim, a
possibilidade de modificabilidade constante do
indivíduo.
A mediação é o momento em que um ser
humano se interpõe entre outro organismo e o mundo,
estimulando e acessando sua capacidade de
aprender, de reagir e interpretar o ambiente. É a
preparação do indivíduo para a aprendizagem. Como
salienta Feuerstein
é a figura do mediador que intervirá, que induzirá à
análise, à dedução e à percepção. Ele transmitirá as
motivações e estratégias. Ajudará a interpretar a
vida (FEUERSTEIN, 1994, p. 6).
O mediador, então, é aquele que intervém,
que induz à análise, à dedução e à percepção, que
deve promover no mediado uma necessidade de
observar, nomear e responder à realidade de forma
relacional e não-episódica, para que este transcenda
ao momento da mediação e reconheça a sua
modificabilidade.
Indubitavelmente Feuerstein sofreu influência
das considerações de Piaget. Sobre isto, afirma Varela
que
[...] percebe-se que Feuerstein e Vygotsky
desenvolveram suas teorias sob forte influência de
Piaget. Contudo, começaram a perceber que certos
aspectos da diretriz piagetiana poderiam ser
esquecidos. Para Vygotsky, a insatisfação estava no
individualismo epistemológico da teoria de Piaget e
na negligência da mediação social. Para Feuerstein,
havia a questão dos mecanismos concretos da
aprendizagem em relação à mediação de outro ser
humano (VARELA, 2007, p. 126).
4
O autor prefere usar mediatização que mediação.
De um exame do esquema proposto por
Piaget para explicar o ato de aprender, o ato
decorrente da influência mútua direta do organismoaprendiz (O) com os estímulos (S) que produzem uma
resposta (R), no esquema S-O-R, Feuerstein,
considerando tal modelo insatisfatório, elaborou seu
próprio esquema, acrescentando ao modelo de Piaget
a função do mediador humano, identificado como H,
perfazendo o esquema:
Feuerstein afasta-se de Piaget ao enfatizar a
ontogenia sociocultural como principal responsável
pelo desenvolvimento cognitivo das pessoas. Para
Feuerstein, o desenvolvimento se dá de maneira
mais efetiva quando acontecem interações entre a
pessoa e os objetos que a cercam e entre a sua
resposta e ela mesmo, mediadas intencionalmente
por outro ser humano (CRUZ, 2007, p 18).
Já Vygotsky (2007) explica seu conceito de
desenvolvimento cognitivo a partir de fatores
biológicos em que os processos psicológicos se dão
em função da maturação orgânica, o que classifica de
“processos psicológicos naturais”. Neste momento há
uma afinidade com o desenvolvimento cognitivo
analisado por Piaget. Explica Vygotsky que o
desenvolvimento cognitivo acontece devido a um
moroso processo de mediação sociocultural, no qual o
mediado vagarosamente opera, em sua mente, os
processos psicológicos superiores numa inter-relação
sociopsicológica.
Através
das
relações
sociopsicológicas se arquitetam as estruturas
intrapsíquicas, fazendo, assim, o processo psicológico
da internalização desenvolver, na criança, as
estruturas lingüísticas e cognitivas. Em linhas gerais,
vale lembrar, a base teórico-filosófica de Vygotsky está
vinculada ao Materialismo Dialético5 e Histórico6,
sendo sócio-histórica e interacionista.
Há muitas relações entre o arcabouço teórico
de Vygotsky e a teoria de Experiência de
Aprendizagem Mediada (EAM) de Feuerstein. Pontos
semelhantes são facilmente identificados, como a
importância de um diagnóstico das funções cognitivas
deficientes e sua correção pela mediação na Zona de
5
No seu sentido mais específico, de análise, argumentação, síntese,
superação.
6
No sentido da emancipação do ser através de sua modificabilidade
estrutural, visto que o homem é socialmente integrado, onde a
história vivida é seu campo de mediação, interferências e
recorrências críticas.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Desenvolvimento Proximal (ZDP), a metacognição e a
autonomia do mediado diante de sua aprendizagem.
Sobre mediação, identificamos várias referências em
Vygotsky:
Por mais de uma década, mesmo os pesquisadores
mais sagazes nunca questionaram esse fato; nunca
consideraram a noção de que o que a criança
consegue fazer com a ajuda dos outros poderia ser,
de alguma maneira, muito mais indicativo de seu
desenvolvimento mental do que o que consegue
fazer sozinha. [...] o que chamamos a zona de
desenvolvimento proximal. Ela é a distância entre o
nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de
problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através de problemas sob a orientação
de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes (VYGOTSKY, 2007, p. 96-97).
Para Cruz (2007), ao afastar-se de Piaget,
Feuerstein aproxima-se de Vygotsky, porque este
propõe algo semelhante à dupla ontogenia do ser
humano: a interação entre vários planos históricos:
filogênese (história da espécie), sociogênese
(história do grupo cultural), ontogênese (história do
indivíduo pertencente à espécie), e microgênese
(história de evento significativo incluída na
ontogênese). Assim, a ontogênese seria o resultado
da interação entre a filogênse e a sociogênese. (...)
A grande diferença entre o ponto de vista de Piaget
e a posição adotada por Feuerstein e Vygotsky, de
acordo com Kozulin (1998) encontra-se na definição
de quem é e ou o que é responsável pelo
desenvolvimento das pessoas: o primeiro focaliza a
reestruturação interna do pensamento da criança
(de dentro pra fora) enquanto que os outros dois
enfatizam a influência do modelo sociocultural (de
fora pra dentro) (CRUZ, 2007, p 19).
Assim, para Vygotsky o homem não é somente
um produto do meio em que vive, mas também é um
sujeito ativo num movimento que cria esse meio,
permanentemente transformando a natureza e a si
mesmo, enquanto Feuerstein aceita as diferenças
particulares no desenvolvimento cognitivo, o que em si
coloca em debate o papel e a importância das
interações do indivíduo com o meio, responsáveis pelo
desenvolvimento diferencial do funcionamento
cognitivo e dos processos mentais superiores.
É uma diferença teórica importante entre
Vygostsky e Feuerstein o fato de que este assegura
que as estruturas cognitivas que se produzem no
indivíduo não seriam possíveis a não ser através da
Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM). A
cognição é elemento fundamental para Feuerstein, é o
que se persegue através do processo de mediação,
enquanto Vygotsky prefere identificar o cognitivo como
funções mentais superiores.
Qual é então a Experiência da Aprendizagem
Mediada (EAM)? No seu nível mais simples, é o
caminho pelo que todas as experiências de
gerações, de milênios da vida humana, são
transmitidas através do mediador ao organismo
humano, criando uma infinita riqueza de
necessidades, de articulações, ou as modalidades
de interação que não estariam disponíveis sem a
EAM. O primeiro a enfatizar o papel do Homem
mediador no processo de aprendizagem foi
Vygotsky, embora houvesse outros, como Durkheim.
Vygotsky é o que descreveu uma forte relação entre
o tipo de interação social no desenvolvimento da
inteligência humana, conceitual e pensamento
abstrato. Curiosamente, o nosso desenvolvimento
do conceito de EAM ocorreu no início dos anos
1950, antes de nós estarmos cientes do trabalho de
Vygotsky, que mais tarde passou a ser uma fonte de
estímulo para as nossas formulações teóricas
(FEUERSTEIN, 1997, p. 16).
A Experiência de Aprendizagem Mediada é,
afinal, uma interação na qual o mediador se coloca
entre o organismo do indivíduo mediado e os
estímulos (os sinais, imagens, objetos, obstáculos,
problemas) de maneira a selecioná-los, mudá-los,
ampliá-los ou interpretá-los, por meio de estratégias
interativas que estabeleçam significados, além do
imperativo situacional. Mais que a afetividade e a
disciplina, a qualidade do processo mediacional será
mais
importante
para
a
modificabilidade
comportamental.
A experiência de aprendizagem mediada pode ser
definida como uma qualidade de interação entre a
criança e o ambiente que depende da atividade de
um adulto intencionado que se interpõe entre a
criança e o mundo. [...] As experiências de
aprendizagem mediada representam uma condição
muito importante para o desenvolvimento de um
aspecto único da condição humana que é o da
modificabilidade, ou a capacidade de beneficiar-se
da exposição aos estímulos de uma maneira mais
generalizada do que geralmente acontece
(FEUERSTEIN, 1991, p.26).
A EAM demanda a presença de três
parâmetros essenciais, dentre outros complementares,
mas não menos importantes, denominados por
Feuerstein
como
critérios
de
mediação:
Intencionalidade do mediador e Reciprocidade do
mediado, por meio da formação de vínculos entre
ambos; Significado, quando o mediador incita a
construção de significados, por meio de valores,
atitudes culturais, laços sociais e outros elementos que
desenvolvam no mediado um processo de construção
de um sentido de vida, de uma visão de mundo; e
Transcendência, quando o momento da mediação se
extrapola e o conhecimento adquirido, através da ação
mental, projeta generalizações, estendendo-se no
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
P á g i n a | 19
tempo e no espaço. Graficamente, apresenta-se a
operacionalização dos principais critérios de mediação
de Reuven Feuerstein.
Ilustração 1: Mediação de
Intencionalidade e Reciprocidade
Ilustração 2: Mediação de Significado
um conjunto de ferramentas didático-analíticas,
inserido em cada uma das partes da estrutura de
mediação (o aluno, o estímulo e o mediador), com o
propósito de acrescer vigorosamente o processo de
aprendizagem.
Engloba 337 páginas, divididas em 14
instrumentos de trabalho, distribuídos em níveis I e II.
Os objetivos dos 14 instrumentos são plenamente
desenvolvidos por Feuerstein.
As atividades escolares que o PEI pressupõe
impulsionam o desenvolvimento no estudante das
funções psicológicas superiores dependentes das
ferramentas psicológicas. A organização sistemática
dos materiais do PEI corresponde a organização
sistemática das funções psicológicas superiores. Os
princípios
da
aprendizagem
mediada
proporcionados pelo ensino do PEI correspondem
ao complemento necessário ao aspecto
instrumental-simbólico deste programa. A instrução
baseada nas EAM torna-se o veículo que
desenvolve as habilidades simbólicas e dá forma às
atividades que garantem a aquisição e interiorizam
tais habilidades. A propósito disto as atividades que
pressupõem o PEI só podem comparar com o
paradigma da atividade e aprendizagem
desenvolvida pela escola de Vygotsky (KOZULIN
apud GARCIA, 2004, p. 108).
Regulação e controle do comportamento,
sentimentos de competência, diferenciações
psicológicas e individualização, comportamento
partilhado, persecução de objetivos, planejamento
de objetivos e o comportamento para que se possa
atingir
objetivos,
competência
/novidade/complexidade, automudança, escolha
otimista de alternativas e sentimentos de pertencer a
algo. Todos esses parâmetros oferecem
oportunidade ao mediador de fazer escolhas
planejadas e sistemáticas para explorar o potencial
de mediação em situações para encorajar o
funcionamento
cognitivo
e
estimular
a
modificabilidade (FEUERSTEIN, 2000, palestra).
Para Feuerstein, o objetivo basilar do PEI é
aumentar a modificabilidade cognitiva estrutural do
indivíduo que sofra da “síndrome da privação cultural”,
esta entendida como a ausência de um tipo específico
de transmissão cultural, da própria cultura do indivíduo
pela falta ou insuficiência de interações sociais
significativas em seu ambiente cultural, decorrente da
falta de mediação. Absolutamente sem qualquer
pretensão hierarquizante, é imprescindível ressaltar
que privação cultural não é o mesmo que diferença
cultural: a diferença ocorre quando o indivíduo é
exposto a uma cultura distinta da sua e a privação
quando se dá a ausência da experiência da
aprendizagem mediada dentro da sua própria cultura.
Dessa forma, a privação cultural é marcada
exatamente por um vazio existente entre o mediador e
o mediado, paralisando a modificabilidade cognitiva, o
que nega que os fatores distais (biogenéticos) sejam
irreversíveis e determinantes na carência de
aprendizagem. Cabe ressaltar que não é a cultura que
é privada ou deficiente, mas o indivíduo que,
inadequadamente mediado, priva-se de sua própria
cultura. Nas palavras de Feuerstein:
O PEI é um programa pedagógico que
promove processos cognitivos atitudinais com respeito
ao conhecimento e à resolução de situaçõesproblemas. Teoricamente é um método de intercessão
pluridimensional que engloba um vasto repertório de
instrumentos práticos, com tarefas em papel e lápis. É
[...] Nossa utilização do termo “privação cultural” não
responsabiliza a cultura do grupo ao qual o indivíduo
pertence. Não é a cultura que é fator de negação. O
que é prejudicial é o fato de indivíduos - ou grupos –
serem privados de sua própria cultura. Neste
contexto, “cultura” não é um inventário estático de
condutas, mas o processo pelo qual os
Ilustração 3: Mediação de Transcendência
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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conhecimentos, os valores e as crenças são
transmitidos de uma geração a outra. Neste sentido,
a privação cultural é o resultado do fato de um grupo
não transmitir ou mediar sua cultura às novas
gerações (FEUERSTEIN, 1980, p. 13 apud DA
ROS, 2007, p. 44).
Para Sasson (2000) e Gomes (2002), os
objetivos específicos do PEI devem ser perseguidos
do ponto de vista do mediado, para aprimorar sua
modificabilidade estrutural, sua adaptabilidade e
melhorar seu funcionamento cognitivo deficiente, com
o objetivo de formar uma auto-imagem positiva de
gerador de informações ativo e capaz. São eles:
correção das funções cognitivas deficientes, aquisição
de vocabulário, códigos, conceitos, operações e
relações relevantes para as tarefas do PEI, bem como
para a resolução geral de problemas, estabelecimento
de uma motivação intrínseca através da formação de
hábitos, criação do insight e do pensamento reflexivo,
criação de motivação intrínseca em relação à tarefa e
mudança do papel de receptor passivo e reprodutor de
dados ao de gerador ativo de novas informações.
Feuerstein, defende Da Ros (1999), percebe
o processo cognitivo como um produto histórico que
exige interações específicas com relação às diferentes
maneiras de apropriação do conhecimento, visto que a
mediação varia em forma e conteúdo de acordo com
os parâmetros das relações estabelecidas entre os
homens em um determinado contexto cultural. Desta
forma, só é possível compreender a atividade cognitiva
no âmago da conjuntura de relações onde é produzida
e do qual ela é expressão.
Processo estruturado como um todo,
complexo de relações, cada função cognitiva em si já
é um processo abstruso, não redutível, que se liga a
outras funções também complexas e não redutíveis. É
um elemento estrutural, produto da relação dialética
entre o biológico e o cultural. Gomes (2002) defende
como propriedades das funções cognitivas a
capacidade (eu posso), nível interno que recebe a
influência de fatores genéticos, endógenos e externos
e que se desenvolve a depender do processo de
mediação (quanto menor a capacidade, mais intensa
deve ser a mediação); a necessidade (eu quero, eu
preciso), a propensão energética que tem o indivíduo
para mobilizar determinada função, dependendo de
sua necessidade social e a orientação (eu sei como),
processo regulado por estratégias funcionais que
coloca a capacidade em movimento através de um
direcionamento também funcional, ou seja, é o modus
operandi, a programação de execução. A relação da
função em cadeia de funções, o movimento de cada
função em relação à outra é a promoção do ato mental
em si, fruto desse movimento que é a operação
mental7 resultante da combinação de uma série de
funções cognitivas. A não operacionalização do
pensamento pela criança corresponderia ao que
Feuerstein designa por funções cognitivas deficientes.
Funções cognitivas deficientes resultam de uma
carência ou insuficiência de experiências de
aprendizagem mediada e são responsáveis pela
manifestação prejudicada, ou “deficiente” do sujeito,
são os pré-requisitos do pensamento que fracassaram
em manifestar-se ou que estão deficientes devido a
falta ou insuficiência da mediação. As funções
cognitivas deficientes podem estar presentes em uma
das fases do ato mental, ou seja, na fase de entrada
ou apropriação (input), elaboração ou saída (output)8.
Para realizar o levantamento das funções
cognitivas que não estão atuando adequadamente
(funções cognitivas deficientes), pode ser utilizado o
Mapa Cognitivo9, com a ajuda do qual é possível
identificar as limitações no campo atitudinal e
motivacional do sujeito, já que refletem muito mais
uma falta de hábitos de trabalho e aprendizagem do
que incapacidades ou déficits estruturais e de
elaboração.
7
Feuerstein as categoriza como: identificação, comparação, análise
e síntese, classificação, codificação e decodificação, relações virtuais
diferenciação, representação mental, transformação mental,
raciocínio divergente, raciocínio hipotético-inferencial, raciocínio
transitivo, raciocínio analógico, raciocínio lógico-formal e raciocínio
silogístico.
8
Input: percepção superficial e confusa; comportamento impulsivo e
assistemático; vocabulário limitado; deficiência na orientação
espaço-temporal; percepção deficiente da constância e permanência
dos objetos; falta de sistema referencial; prejuízo na capacidade de
precisão e exatidão para recorrer a dados; dificuldade de tratar com
duas ou mais fontes de informação. Elaboração: dificuldade para
perceber e definir o problema; na distinção de dados relevantes; má
conduta comparativa espontânea; estreitamento do campo mental;
percepção episódica da realidade; falta de raciocínio lógico;
dificuldade em interiorizar seu comportamento; deficiência de
pensamento hipotético-inferencial; sem estratégias para verificar
hipóteses; dificuldade em planejar sua conduta; e em elaborar
categorias cognitivas; ausência de conduta somativa e dificuldade
para estabelecer relações virtuais. Output: percepção e/ou
comunicação egocêntrica; deficiência de relações virtuais; bloqueio
na comunicação das respostas; respostas por ensaio e erro; carência
de instrumentos verbais adequados; imprecisão e inexatidão ao
comunicar respostas; transporte visual inadequado e conduta
impulsiva.
9
Modelo de análise do ato mental, tem a função de propiciar ao
mediador um melhor planejamento de suas aulas. Os parâmetros são:
conteúdo, modalidade de linguagem, operações cognitivas, funções
cognitivas, nível de complexidade, nível de abstração e nível de
eficiência.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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3.
Análise do processo e resultados
modificabilidade
A prática que ajuíza o discurso... (P.F)
da
Iniciou-se a aplicação do PEI no CMF a partir
do mês de agosto de 2006 e concluiu-se em dezembro
de 2007. Todos os sete instrumentos do PEI-1 foram
aplicados ainda em 2006.
A partir dos resultados das notas dos alunos
no primeiro semestre e da avaliação diagnóstica do
início do ano de 2006, os coordenadores de série
indicaram alunos do ensino fundamental que julgaram
sofrer de alguma privação cultural. Então, com o aval
dos coordenadores de séries junto aos professores, da
orientação educacional e da equipe do PEI, houve a
convocação dos pais e responsáveis por esses alunos
para uma reunião e apresentou-se, em linhas gerais, o
programa, com o intuito de sensibilizá-los.
Houve grande aceitação por parte dos pais e
responsáveis e então o programa foi iniciado com 109
alunos do Ensino Fundamental, distribuídos por série
entre oito duplas de aplicadores (posteriormente as
duplas reduziram-se a sete). Durante o período de
aplicação, por motivos diversos, cerca de 40% dos
alunos desistiram ainda no processo de aplicação do
PEI-1 e outros 20% na transição para o PEI-2.
No início do ano de 2007 houve nova reunião
com pais e responsáveis, onde foram aplicados
exercícios baseados no PEI, precisamente ligados ao
instrumento Organização de Pontos, visando promover
a sensibilização para que o PEI-2 fosse iniciado e
concluído pelos seus filhos e para que uma nova
turma de PEI-1 fosse formada. Houve também alguns
depoimentos de pais de alunos e de mediados que já
haviam concluído o PEI-1, de modo a incentivar tanto
a continuidade do processo para os ditos “veteranos”,
como para mostrar a sua experiência aos postulantes
a uma vaga no PEI.
Finalmente, da primeira turma, contabilizando os que
desistiram durante o ano de 2007, apenas 34 alunos
concluíram o PEI-2. Destes, apenas os resultados de
30 alunos puderam ser avaliados, pois foi impossível,
por motivo de força maior, analisar os dados de uma
das mediadoras, responsável por quatro mediados.
Os resultados que aqui se apresentam são
frutos de uma pesquisa feita junto aos mediadores a
respeito das conclusões de suas observações sobre
os mediados ao longo da etapa do procedimento de
aplicação do PEI-1 e da etapa de aplicação do PEI-2.
Os critérios que utilizamos estão no modelo de
análise da modificabilidade através dos
subobjetivos do PEI, como já citamos. Nosso objetivo
maior consistiu em identificar, através da observação
desses mediadores, a Modificabilidade Cognitiva
Estrutural (MCE) dos mediados após a vivência de
mediação do programa em sua totalidade. Cada
mediador respondeu uma ficha para cada mediado
sob sua responsabilidade, onde estavam relacionados
os itens de modificabilidade através dos subobjetivos
do PEI, assinalando em cada item os numerais 1, 2, 3
ou 4, a partir dos seguintes parâmetros: 1 para
eficiente - E (de 81% a 100% de aproveitamento), 2
para média eficiência - ME (de 51% a 80% de
aproveitamento), 3 para baixa eficiência – BE (de 21%
a 50% de aproveitamento) e 4 para ineficiente (de 0 a
20% de aproveitamento). Após a análise de cada
ficha, obtivemos o resultado apresentado na tabela 1 –
Análise da Modificabilidade – em anexo.
A partir dos dados apresentados, podemos
afirmar que houve importante modificabilidade nos
mediados, considerando principalmente aqueles
identificados como eficientes e de média eficiência. É
evidente que não houve homogeneidade nos
resultados, uma vez que mediados que obtiveram
conceito eficiente na maioria dos subobjetivos,
também obtiveram conceitos de baixa eficiência e até
ineficientes em outros. O mesmo ocorreu ao contrário.
Mas o que importante destacar é o volume de bons
resultados no conjunto dos subobjetivos.
Na análise do objetivo I – Testemunho da
correção de funções cognitivas deficientes –, vê-se
que predominaram os conceitos 1 e 2 em quase todos
os subobjetivos, com exceção do primeiro subobjetivo
em que houve um empate no somatório dos conceitos
1 e 2 com o conceito 3, mas que também não
apresentou nenhum conceito 4 (ineficiente). Pode-se
observar que 69% dos mediados mudaram sua
postura positivamente, atingindo a eficiência ou a
média eficiência, apresentando uma significativa
modificabilidade, tais como a espontaneidade na
definição de problemas e na correção de erros,
atenuando gradativamente o uso da borracha, o que já
indica a redução da impulsividade e também favorece
a minimização de condutas agressivas ou passivas.
Observa-se a busca pela precisão das respostas e a
relevância dos dados analisados, a sistematização
natural de idéias e conceitos, o que favoreceu um
aumento da auto-estima que refletiu no avanço da
disposição para “defender” as respostas, com base no
raciocínio lógico. Vale ressaltar que todo esse
processo está marcado pelo que se mais busca no
decorrer da mediação, ou seja, a autonomia, o uso
espontâneo de conceitos, item este que não teve
nenhum ineficiente. Percentualmente, nos nove
subobjetivos do objetivo I, temos:
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Ilustração 4: I - Testemunho da correção
de funções cognitivas deficientes
Ilustração 6: III – Desenvolvimento
da motivação intrínseca
O objetivo II – Vocabulários-conceitos para
resolver problemas – resultou num conjunto bastante
positivo de respostas à mediação, com 75% dos
mediados atingindo os conceitos 1 e 2, por meio da
exposição espontânea de conceitos e principalmente
no desenvolvimento de estratégias na solução das
tarefas e princípios aprendidos, além da criação
espontânea de outras formas de informações
conceituais, o que demonstra um considerável
desempenho quando o mediado é exposto a
complexas situações-problemas, bem como afere sua
boa capacidade de aplicar no cotidiano os princípios
construídos a partir da mediação.
O objetivo IV - Aumento da motivação
intrínseca própria da tarefa – complementa o anterior
na medida em que se volta inteiramente à tarefa que a
página propõe, provocando um aumento da
curiosidade, da concentração e do tempo dedicado,
buscando sair das situações mais simples para as
mais complexas, diminuindo a ansiedade e o medo do
fracasso.
Inicialmente a ansiedade e o medo do
fracasso eram problemas que rondavam a maioria dos
encontros do PEI. Em nossas reuniões semanais,
alguns mediadores relataram casos de alunos que não
se envolviam, sob pena do medo de errar e de parecer
tolo diante dos colegas. Com o tempo essa postura
mudou, à medida que os instrumentos avançavam,
havia mais troca de experiências, mais transcendência
e a complexidade das tarefas ficava mais evidente.
Quando se estabilizou no PEI-1 o número de alunos,
houve reflexos na redução do número de ausências e
na maior necessidade de compartilhar com os colegas
e com os mediadores.
Nesse objetivo 64% dos mediados ficaram
com os conceitos 1 e 2.
Ilustração 5 - II – Vocabulários-conceitos
para resolver problemas
O objetivo III – Desenvolvimento da
motivação intrínseca – formado por um dos mais
difíceis conjuntos de subobjetivos, pois é onde se
procura fazer o árduo esforço de controle da
impulsividade. Um dos mais intricados subobjetivos a
ser atingido, esse controle só é possível através da
criação da necessidade, para o mediado, por meio da
mediação, da leitura espontânea de instruções antes
de começar a resolução da página de exercícios, da
diminuição do tempo de inquietude ao começar a lição
ou empreender o trabalho, provocando um aumento
do nível de responsabilidade e de independência na
realização das tarefas, sempre na busca pela precisão
das respostas. Apesar das dificuldades inerentes aos
subobjetivos, o resultado também foi bastante
satisfatório, visto que 73% dos mediados atingiram
conceitos 1 e 2.
Ilustração 7: IV - Aumento da motivação
intrínseca própria da tarefa
Um maior aprimoramento no processo
reflexivo do mediado é observado no objetivo V Testemunho do aumento de raciocínio reflexivo e
desenvolvimento do insight -, quando surge maior
número de respostas divergentes, uma maior reflexão
antes de dar respostas, um aumento da sensibilidade
em relação às relações interpessoais por meio da
disposição para escutar os colegas e considerar outros
pontos de vista. Aqui brotam os grandes indícios de
insight, com mais exemplos espontâneos de
transcendência e uma elevação da necessidade de
averiguar um maior número de alternativas antes de
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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tomar uma decisão. Neste objetivo 73% dos mediados
atingiram conceitos 1 e 2, o que é altamente positivo,
dadas as dificuldades de plena realização deste
conjunto de subobjetivos, por encerrar diversos
elementos.
O reconhecimento do sucesso do PEI no
CMF, por parte dos mediados, dos pais e
responsáveis e dos mediadores, pode ser comprovada
nos seguintes depoimentos, disponíveis no jornal Galo
Campina do CMF de agosto de 2007:
O PEI utiliza instrumentos que ajudam a ampliar
nossa capacidade mental, alem de ajudarem nas
notas, que melhoram muito, e também na relação
com a vida, que é o que considero mais importante
nesse Programa. (Anderson Caetano, mediado)
Ilustração 8: V - Testemunho do aumento
de raciocínio reflexivo e desenvolvimento do insight
O aumento da autonomia cognitiva – objetivo
VI – é um dos objetivos que mais se persegue no PEI,
pois uma vez atingido é sinal do amadurecimento do
mediado e de uma maior autonomia cognitiva.
Observa-se que o mediado atinge essa autonomia por
meio da redução do número de pedidos de
explicações e ajuda antes de iniciar a tarefa, pela
maior disposição para compartilhar das discussões,
pela elevação da segurança e da confiança em si
mesmo, o que deriva em uma maior auto-estima,
minimizando a necessidade de autoridade externa
para tomar decisões e eleva a disposição para fazer
perguntas bem elaboradas, ter insights e transcender
com mais naturalidade. 67% dos mediados atingiram
os conceitos 1 e 2, mas vale ressaltar que neste
objetivo atingiu-se o maior percentual para conceito
ineficiente, ou seja, 8% dos mediados ficaram com
conceito 4.
Ilustração 9: VI - Aumento da autonomia cognitiva
Na
reflexão
analítica
dos
dados
apresentados, pode-se considerar que os
moderadores pesquisados observaram em seus
mediados uma efetiva modificabilidade, atingindo
positivamente todos os objetivos gerais do PEI, com
nível conceitual sempre acima de 60% e, mesmo nos
maiores índices de baixa eficiência e ineficiência, não
se passou de 31% no objetivo IV –
Aumento da motivação intrínseca própria da
tarefa para baixa eficiência e o maior índice para
ineficiente foi de 8% no objetivo VI – aumento da
autonomia cognitiva.
Como mãe, tenho acompanhado o desenvolvimento
da Maria Alice. Sinto que sua auto-estima melhorou
bastante, suas notas, seu interesse pelas atividades,
sua capacidade de raciocínio e seu modo de agir
diante de alguns desafios. (Maria do Carmo
Noronha Brasil, mãe de aluna)
O PEI, além de despertar nos alunos o senso de
planejamento, organização, correlação, análise e
síntese de idéias e informações, tem promovido o
resgate da auto-estima e tornado-os sujeitos mais
críticos e conscientes de seu papel na sociedade.
(Ten. Scaramello, mediadora)
No início do ano de 2008, vinte novos
mediadores iniciaram sua formação, a segunda turma
de mediados (2007-2008) já conclui seu processo no
PEI no final do ano, enquanto novas turmas se formam
e os mediadores experimentam uma formação
continuada.
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Anexo 1 – Tabela 1: Análise da Modificabilidade Cognitiva Estrutural
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
P á g i n a | 26
3. O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE
LITERATURA SOB A PERSPECTIVA DIALÓGICA
Anete Barbosa Fritz Neves1
RESUMO: Este artigo é um relato de experiência que descreve algumas aulas de Literatura, ministradas por
mim, no Colégio Militar de Fortaleza, aos alunos do Curso Preparatório para ESPCEX, no ano de
2008. Concebendo que a Literatura possibilita um diálogo permanente entre o passado e o presente, o
processo de ensino-aprendizagem da disciplina teve como objetivo principal estimular o aluno a perceber por
meio da leitura ativa que o texto literário não é um objeto fixo no tempo e no espaço, mas um produto,
resultante de uma atividade – a linguagem. Dessa maneira, o estudo literário desenvolvido com os alunos partiu
da concepção de que há relação dialógica entre os textos e que a Literatura (recepção e produção) é pautada
na leitura, ou seja, na presentificação valorativa do passado. Na busca em perceber as diversas vozes que
perpassam os textos, o método de estudo escolhido foi a leitura comparativa entre os textos literários e as mais
diversas formas de expressão. Dentre elas, destacam-se as artes plásticas; a música; a projeção de filmes, de
clipes e charges; a fotografia, os textos publicitários e jornalísticos. A receptividade dos alunos em relação às
atividades, demonstrada tanto no decorrer das aulas, como em uma ficha avaliativa, foi o elemento principal
para a validação desse processo de ensino-aprendizagem.
Palavras- chaves: Literatura, Diálogo, Leitor ativo.
ABSTRACT: This article is an experience report that describes some Literature classes, in Fortaleza’s Military
School, to the students of the Preparatory Course for ESPCEX, in the year 2008. Realizing that Literature
enables a permanent dialogue between the past and present, the teaching-learning process of this discipline
aimed at stimulating the student to realize through active reading that a literary text isn’t a fixed object in time
and space, but a product resulting from an activity: the language. In this way, the literary study developed with
these students had the concept that there is a dialogical relation between the texts and that Literature (reception
and production) is based on reading, in other words, the “presentification” valued of the past. Seeking to
understand the many voices that permeate the texts, the method of study chosen was the comparative reading
between the literary texts and other forms of expression. Among then, visual arts; music; projection of movies
and clips; picture; advertising and journalistic texts, stand out. The student’s acceptance, in relation to the
activities, not only during the classes but also an assessing card, was the main element for the evaluation of the
teaching and learning process.
Key-words: Literature, Dialogue, Active reader.
1
Mestre em Teoria Literária. Universidade Brasília (UNB), Fortaleza, Brasil. aneteneves@hotmail. Especialista em Metodologia do Ensino Superior
pela UNEB- Brasília. Professora de Português e Literatura no Colégio Militar de Fortaleza.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
A Literatura, sendo a expressão, ao mesmo
tempo, do passado e do presente, não deve reduzir o
seu estudo apenas a uma análise historiográfica, já
que cada texto literário traz as marcas de um passado
que ainda permanece. Concepção essa, que, segundo
Leyla Perrone Moisés é uma característica de
modernidade assumida pela historiografia no século
XX.
Nessa perspectiva, os textos literários são
compreendidos como mecanismo de linguagem que
permitem ouvir a voz do outro, ser histórico e
ideológico que mantém uma atividade dialógica com
as mais diversas formas de expressão.
O estudo da literatura, partindo do
pensamento de que há um diálogo permanente entre o
passado e o presente, possibilita ao aluno, enquanto
leitor, analisar, não só como cada escritor materializa o
seu momento histórico, mas como as marcas desse
passado se presentificam. Leila Perrone–Moisés
(1998, p.26) observa que:
As obras são objetos programados para se
presentificarem indefinidamente na leitura. A história
literária está portanto fadada, mais do qualquer
outra outra, assumir-se como releitura do passado e
requalificação do passado à luz dos valores do
presente.
Assim, o texto literário não é visto como um
objeto fixo no tempo e no espaço, porquanto propicia a
interação com outros textos, em uma relação
dialógica, que não se restringe apenas a linguagem
verbal ou falada, mas a toda e qualquer forma de
expressão criada pelo homem.
O aluno deve, portanto, estar atento às
múltiplas vozes que perpassam cada texto, para poder
escolher e apontar valores. A apreensão textual, dessa
maneira, não se limita apenas à análise dos aspectos
formais, conseqüentemente, a leitura textual é
ancorada principalmente na intenção de dar sentido e
de estabelecer o diálogo com todas as formas de
expressão.
O ensino de Literatura, parte, pois, da
concepção de Bakhtin (2000, p. 297), de que o estudo
de um texto literário é pautado na atitude responsiva
ativa do leitor, em que seu posicionamento diante do
discurso, quer concordando ou discordando (total ou
parcialmente), do que seja exposto.
A recepção e a possível compreensão textual
passa pela apreensão do texto como uma estrutura
dialógica, da qual o aluno, enquanto leitor, é um dos
locutores. A obra, assim, é concebida como uma
réplica do diálogo, que visa à resposta do outro (dos
outros), a uma compreensão responsiva ativa.
Para isso, ainda conforme Bakhtin (2000, p.
298), a obra assume diversas formas e busca exercer
uma influência didática no leitor, convencê-lo, suscitar
sua apreciação crítica, influir sobre êmulos e
continuadores.
Assim sendo, o aluno, enquanto leitor,
assume um posição ativa diante da obra. A produção
de significados acontece por meio do diálogo entre o
autor/leitor, entre aluno/aluno e entre aluno/professor,
de modo crítico e ao mesmo tempo transformador.
Essa concepção do leitor ativo permite
colocar o aluno no centro do processo ensinoaprendizagem, o que vai ao encontro da proposta
pedagógica do Sistema Colégio Militar, o qual tem a
participação ativa do aluno na construção do
conhecimento como uma das suas diretrizes.
No intuito de atender, não só a essa diretriz,
mas também as que preconizam a observância dos
princípios
de
interdisciplinaridade
e
da
contextualização, nos quais os conteúdos estão
relacionados aos diversos contextos da vida do aluno,
é que procurei desenvolver o processo de ensinoaprendizagem de Literatura, observando a concepção
dialógica de Bakhtin (2000, p. 298), assim
caracterizada:
A obra é um elo na cadeia da comunicação verbal;
do mesmo modo que a réplica do diálogo, ela se
relaciona com as outras obras-enunciados: com
aquelas que respondem e com aquelas que lhe
respondem, e, ao mesmo tempo, nisso semelhante
à réplica do diálogo, a obra está separada das
outras pela alternância dos sujeitos falantes.
Para isso, o estudo das épocas literárias, nas
turmas preparatórias para ESPCEX, na Seção de
Cursos do Colégio Militar de Fortaleza, em 2008,
partiu do estudo comparativo entre os textos literários
e as mais diversas formas de expressão. Textos
jornalísticos,
midiáticos,
religiosos,
músicas,
propagandas, filmes e clipes foram algumas das
expressões selecionadas para o desenvolvimento
dessa proposta.
2. Desenvolvimento
Segundo Leila Perrone-Moisés (1998, p.59), a
leitura, na história literária, é constitutiva do fato, já que
os fatos literários (obras) só encontram sua realização
plena na leitura; eles são programados para (re)
acontecer na leitura, criando sentidos que renascem e
variam a cada época.
Por considerar relevantes escolas e
movimentos que reúnem um número de fenômenos
estéticos semelhantes (temáticos e estilísticos), o
processo de ensino-aprendizagem de Literatura, então
desenvolvido, pautou-se no estudo da história desses
movimentos, buscando privilegiar a leitura crítica e
transformadora dos textos literários, ou seja, a leitura
ativa.
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Descrever todo o processo, nesse breve
relato, é uma tarefa quase impossível, motivo que me
levou a ilustrar apenas alguns momentos. Assim,
apresento um relato bem sucinto desse trabalho de
leitura ativa nos seguintes movimentos literários:
Barroco, Arcadismo e Romantismo (poesia).
2.1 Barroco
De acordo com Dante Tringali (1994, p. 72), a
visão de mundo do homem do barroco é marcada pela
religiosidade que não se caracteriza por um
sentimento vago, pois é vinculada a uma religião
positiva: o catolicismo.
Sendo a religiosidade, por conseguinte, uma
característica marcante do movimento, a primeira
leitura proposta aos alunos foi um texto não-verbal:
uma alegoria das vaidades da vida humana, quadro de
Harmen Steenwyck. Observa-se que os objetos, nessa
pintura, foram cuidadosamente escolhidos para falar
da vaidade. O título pode ser remetido a uma citação
do livro Eclesiastes 1, 2 “vaidade de vaidades, tudo é
vaidade.”
A leitura atenta de cada elemento que
compõe o quadro, inclusive o título, foi estimulada para
que o aluno tivesse a percepção da dimensão religiosa
e histórica do movimento Barroco.
Na leitura da teoria de Dante Tringali (1994, p.
72), os alunos apreenderam que a religiosidade do
homem barroco era justificada por uma busca de
contato com o infinito. Esse infinito era identificado
com um Deus glorioso; criador e redentor; justo e
compassivo, que era representado na Terra pelo poder
eclesiástico e civil. A morte, portanto, era vista como a
transição entre o tempo (este mundo) e a eternidade
(o outro mundo), o que gerava a grande tensão do
homem barroco.
Desse modo, a leitura comparativa entre os
textos sacros e líricos de Gregório de Matos e a
pintura: uma alegoria das vaidades da vida humana
(óleo sobre tela, 1640), de Harmen Steenwyck, foi
motivada pela busca em visualizar a maneira como o
homem barroco vivenciava a religiosidade, a morte, o
amor, a vida, o prazer, entre outros temas.
Segundo Octávio Paz (1956, p. 130), as
imagens produzidas pela linguagem poética, apesar
de ter sentido em diversos níveis, apresentam, em
primeiro lugar autenticidade, porque exprimem a visão
e experiência de mundo do poeta.
Inferir que a poesia de Gregório de Matos
apresenta realidades que estão imbricadas na própria
existência do poeta é, dessa forma, pertinente, visto
que o poeta é ser vidente, objeto visível e ser de
linguagem.
Nessa perspectiva, não só os poemas líricos,
mas também os satíricos, Triste Bahia, A cidade da
Bahia e A despedida de um mau governo, foram
ofertados ao olhar do aluno como as imagens da visão
e experiência de mundo de Gregório de Matos.
A recepção textual, conforme Jauss (2001,
p.50), acontece em via dupla, já que o interno literário,
implicado pela obra e pela mundivivência do leitor são
elementos condicionantes para a concretização de
sentido.
Diante disso, a exposição verbal do que o
aluno/leitor apreendeu em cada texto foi o fator
importante para se estabelecer os sentidos e, com
eles, os elos entre os textos do passado e os do
presente.
Assim sendo, a leitura e análise de textos
literários não se limitou apenas à observação dos
aspectos historiográficos, mas procurou despertar no
aluno o desejo de explorar as possíveis relações
dialógicas que os textos literários estabelecem com
outras formas de manifestações e com a própria
vivência.
No intuito de mostrar aos alunos como um
texto do século XVII podia dialogar com outras formas
de expressão, foi apresentado aos alunos um
videoclipe do poema Triste Bahia, baixado no
Youtube.
A releitura, realizada por Moisés Amado e
Simone Marino, mostrou que alguns dos problemas do
sec XVII, expressos nos poemas de Gregório de
Matos, ainda fazem parte da sociedade baiana do
século XXI. Nas imagens fílmicas da Bahia de hoje, é
possível visualizar os signos da pobreza, da
decadência e de muitos outros problemas sociais e
políticos.
A observação dessas possibilidades de
diálogo entre os textos literários e outras expressões
artísticas ainda foi reforçada com audição da releitura
musical que Caetano Veloso fez do mesmo poema
Triste Bahia.
Nota-se que Caetano Veloso, na música,
promove o diálogo entre o passado e o presente por
meio de alguns elementos formadores da cultura
brasileira, já que é possível ouvir não só a voz de
Gregório de Matos, mas também a da capoeira e a do
candomblé.
A criticidade presente na poesia satírica de
Gregório de Matos foi julgada pelos alunos como uma
demonstração de que, de algum modo, o poeta estava
antenado aos acontecimentos sociais e políticos de
sua época.
Cada aluno, então, pôde expressar os
sentidos que apreendia nos textos, além de observar
como os textos interagiam entre si e também com o
momento presente. As críticas ferinas de Gregório de
Matos foram comparadas às charges e programas
humorísticos hoje existentes na televisão brasileira. Na
projeção da sátira Análise gramatical da entrevista dos
Nardoni, feita pela dupla “Papo Furado” no Youtube, o
aluno pode ter uma noção da virulência satírica de
Gregório de Matos.
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Se em Gregório de Matos, os alunos puderam
ver uma sátira irreverente aos tipos e situações sociais
da cidade da Bahia; nos textos sermonísticos de Padre
Antônio, o aluno teve acesso a temas como a
desigualdade social, a ganância humana, a miséria e a
corrupção.
Segundo Alfredo Bosi (1967, p. 49), no fulcro
da personalidade do Padre Antônio Vieira estava o
desejo de ação, por esse motivo, em seus sermões,
apareciam muitas indagações a respeito do
comportamento humano.
A leitura do Sermão Santo Antônio aos peixes
deu margem à discussão sobre as questões políticas e
sociais vivenciadas pelo Brasil na época do Barroco
em paralelo com dias atuais. O desrespeito ao ser
humano, a ganância, a corrupção e a violência
configuraram-se como situações ainda presentes na
nossa sociedade.
A intenção de mostrar aos alunos que muitos
autores de nossa época também utilizam a arte
literária para exprimir as suas inquietudes em relação
aos acontecimentos políticos e sociais foi o que
determinou a escolha do texto Silogismo, de Luís
Fernando Veríssimo, para a realização de um estudo
comparativo com o texto Sermão de Santo Antônio
aos peixes.
O fato de Padre Vieira manifestar, por trás da
temática da escravidão indígena, praticada pelos
colonos europeus, muitos outros questionamentos em
torno dos acontecimentos no Brasil caracterizou-se
como o principal elo de interação entre o Sermão de
Santo Antônio aos peixes e o texto Silogismo.
Na abordagem da questão do aumento do
salário mínimo no Brasil, Luís Fernando Veríssimo dá
uma dimensão mais ampla ao texto, já que não fala só
dos problemas econômicos que envolvem esse
aumento, mas principalmente das questões morais
que norteiam a política brasileira.
A percepção do caráter dialógico entre esses
textos desencadeou toda a discussão em tornos dos
múltiplos sentidos que o texto literário pode
apresentar. E foi essa capacidade dialógica que
norteou o estudo do Arcadismo e do Romantismo.
discussão em torno das diferenças de concepção que
o homem tem do mundo e de como essas diferenças
podem aparecer expressas nos textos.
A concepção racional e cientificista que os
alunos depreenderam do texto de Stephen Kanitz, da
pintura de Joseph Wright e de alguns textos árcades,
em detrimento da concepção emocional e religiosa
presente na pintura: uma alegoria das vaidades da
vida humana e a maioria dos textos barrocos, a partir
da leitura atenta, levou-os a perceber os diferentes
olhares em torno do mundo e a debater sobre a
validade de cada um.
A abordagem do “Carpe Diem”, presente no
texto A vida após a morte intensificou o debate sobre a
maneira como cada indivíduo concebe a vida e a
morte, a religião e a ciência, a tradição e a
modernidade.
A visualização do diálogo entre os textos do
Arcadismo com algumas músicas e textos da
atualidade caracterizou-se principalmente pela
presença do tema “Carpe Diem”, que aliado ao ideal
de simplicidade e à valorização da Natureza, também
promoveu a interação entre o passado e o presente.
A leitura de alguns textos literários de autores
árcades Brasileiros – Antônio Tomás Gonzaga,
Cláudio Manuel da Costa e Silva Alvarenga – em
paralelo com o texto Um sonho de simplicidade, de
Rubem Braga, as músicas Casa no Campo, de Zé
Rodrix e Tavito; Além do Horizonte, de Roberto Carlos,
Casinha de Sapê de Kid Abelha e o videoclipe do
poema Filtro Solar, de Pedro Bial, baixado no Youtube,
possibilitou ao aluno visualizar que muitas das
concepções do homem da época do Barroco e do
Arcadismo ainda fazem parte do nosso cotidiano. Essa
visualização do passado conectado ao presente
provocou inúmeras análises e discussões.
Através desse debate, o aluno pôde perceber
qual era o seu papel na interação com o texto, já que
este carrega em si ideologias, que somente a partir da
visão de mundo de quem o lê é possível concordar ou
contestar os valores ali presentes.
O estudo do Romantismo na poesia seguiu,
portanto, essa mesma linha de abordagem.
2.2 Arcadismo
A seleção do texto A vida após a Morte, de
Stephen Kanitz, publicado na Revista Veja, de
21/04/2008 para a introdução do estudo ao Arcadismo
não foi mero acaso, mas motivada pela gama de
possibilidades interacionais que esse artigo, a meu
ver, apresenta não só com os textos do Barroco, mas
com os do Arcadismo e com a própria vida.
A leitura do texto A vida após a morte em
paralelo com a leitura das pinturas: uma alegoria das
vaidades da vida humana, de Harmen Steenwyck ; e a
Experiência com uma bomba de ar, de Joseph Wright,
configuraram-se como os elementos propulsores da
2.3. Romantismo
A contextualização histórica e a identificação
das características mais significativas do movimento
foram realizadas por meio da leitura das seguintes
expressões: a pintura A liberdade guiando o povo, de
Eugène Delacroix, o poema As sem-razões do Amor,
de Carlos Drummond de Andrade e a música O último
romântico, de Caetano Veloso.
O estudo do romantismo brasileiro na poesia
orientou-se pela divisão em gerações.
O nacionalismo presente, principalmente, na
primeira geração, permitiu o diálogo com inúmeros
textos de nossa época, dentre os quais destacaram-
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se, a titulo de exemplificação, a música Aquarela
Brasileira, o Hino Nacional, a música Brasileirinho, na
versão tradicional e na mixada; o videoclipe da música
Estrangeirismo, de Zé Ramalho. A esse tema está
ligada a mais conhecida poesia romântica de
Gonçalves Dias, A canção do exílio.
Na
visualização
do
nacionalismo,
perceberam-se outros temas também expressos pela
primeira corrente, tais como: o idioma nacional, o
indianismo e a valorização da natureza.
A segunda geração romântica, preferida pela
maioria dos alunos, em virtude da temática emotiva do
amor e da morte, também foi permeada de inúmeras
possibilidades dialógicas. Os poemas Pálida à luz, Se
eu Morresse amanhã, Lembrança de Morrer, Idéias
Intimas de Álvares de Azevedo, Meus oito anos e
Segredos de Casimiro de Abreu, entre outros poemas
do romantismo, foram lidos e analisados em
consonância com a audição de músicas como Flor da
Pele, de Zeca Baleiro e Muito Romântico, de Caetano
Veloso. A interação com poemas do Modernismo
Brasileiro, como Amar, Quero e Liberdade, de Carlos
Drummond de Andrade, Soneto da Fidelidade e
Soneto do Amor Total de Vinícius de Moraes, fez o
aluno ver as inúmeras possibilidades dialógicas entre
os textos.
Convém ressaltar, que alguns alunos, em
determinadas turmas, por desejo próprio, declamaram
alguns poemas românticos que já conheciam, como é
o caso de um aluno da turma 204 que declamou
poemas de Álvaro de Azevedo e Augusto dos
Anjos. Outros elaboravam poemas, na tentativa de
dialogar, de alguma maneira com os textos literários.
Quanto à poesia libertária de Castro Alves, o
tema da liberdade determinou o centro das
discussões. O texto Liberdade, de Cecília Meireles
caracterizou-se como o elemento motivador do estudo
da poesia condoreira.
A autora, na tentativa de definir o sentimento
e a palavra Liberdade, estabeleceu um diálogo com o
presente, com o passado e com o futuro. Dentre as
muitas vozes que perfazem esse texto, destaca-se a
voz de Castro Alves. Voz que despertou à atenção dos
alunos pelo fato de apresentar, como propõe Alfredo
Bosi (1997, p.133), uma palavra aberta à realidade
maciça de uma nação que sobrevive à custa de
sangue escravizado, sentido último do Navio Negreiro.
A leitura e audição do poema Navio Negreiro,
ora declamado por Paulo Autran, ora por Caetano
Veloso e Maria Betânia, aguçou não só o sentido
visual, mas principalmente auditiva dos alunos.
A percepção da indignação do eu-lírico diante
da situação do escravo, concretizada por meio de
imagens hiperbólicas, gerou um silêncio que só foi
quebrado ao fim da declamação.
O sentido revolucionário que permeia esse
poema e outros poemas de Castro Alves pôde, então,
ser relacionado a músicas que, de alguma forma,
privilegiam a criticidade. Dentre elas, listam-se A
dança do desempregado, Bala Perdida e Sorria, de
Gabriel, o Pensador; Todo camburão tem um pouco de
Navio Negreiro, de Marcelo Yuka, bem como o
videoclipe da música O salto, do Rappa, baixado no
youtube.
Vale enfatizar, que algumas músicas foram
sugeridas pelos alunos, o que demonstra que
compreenderam o caráter contestatório como uma
marca não só da poesia social e abolicionista de
Castro Alves, mas também de muitas outras
expressões artísticas.
A leitura ativa dos poemas de Castro Alves,
principalmente os condoreiros, proporcionou inúmeras
discussões, que foram do contexto histórico vivenciado
pelo poeta até o momento atual. Assim, a exposição
verbal de cada aluno/leitor teve grande importância
para se estabelecer os possíveis sentidos do poema.
Tzvetan Todorov (2000, p. 20), no prefácio do
livro Estética da criação verbal, expõe que o sentido é
liberdade e a interpretação é o seu exercício.
Nessa perspectiva, todo o processo de
ensino-aprendizagem de Literatura, aqui relatado, foi
calcado no encontro dos sujeitos por meio do diálogo.
Nesse encontro, o aluno pôde exercitar o sentimento
de liberdade, principalmente a liberdade de expressar
os sentidos percebidos na leitura dos textos verbais,
não-verbais ou mesmo da própria vida e, ao mesmo
tempo, exercitar a interpretação, por meio de um olhar
mais aguçado ao texto.
Dessa maneira, tanto no estudo do
Romantismo (poesia) quanto no estudo do Barroco e
do Arcadismo, procurou-se instigar o aluno a
expressar o que sentiu e apreendeu do texto, a propor
novas possibilidades de interação textual, a julgar e
questionar o que foi expresso pelo autor e a
estabelecer relações entre os sentidos presentes no
texto e a vivência de cada aluno.
3. Considerações Finais
Desse processo de ensino–aprendizagem de
Literatura até então empreendido nas turmas da
ESPCEX em 2008, algumas conclusões parecem
pertinentes, se levarmos em consideração a voz do
aluno.
Por esse motivo, a validade do trabalho
desenvolvido foi, em primeira instância, avaliada pelos
alunos por meio de uma ficha de avaliação.
Dos alunos que preencheram essa ficha (56), todos
consideraram a leitura ativa, pautada na concepção
dialógica entre os textos, uma maneira mais dinâmica,
provocativa, diversificada e atrativa de estudar a
Literatura.
Alguns ainda expuseram que passaram a
olhar o texto de modo mais cauteloso para formar uma
opinião sobre o assunto, melhorando assim
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capacidade de análise textual (54 alunos). Outros
alunos disseram que por meio da leitura ativa e das
discussões sobre o passado e o presente puderam
fazer algumas reflexões acerca das relações humanas
e da própria vida (15 alunos).
No sentido de ressaltar essa voz do aluno,
destaco, aqui, algumas exposições:
É mais interessante, pois ocorrem comparações
entre as sociedades passadas e a atual. Dá pra
entender como era a visão de mundo deles, saber
as angústias vividas e etc. (W.Y.V.C. –turma 301)
Mais interessante, porque percebemos que uma
escola literária não surge apenas pela emoção, mas
sim pelo contexto histórico vivenciado pelos seus
participantes. (A. R – turma 301)
É mais interessante, porque com um fato passado
da Literatura pode–se aplicar exemplos em nossa
realidade, criando uma relação entre a historiografia
da literatura e o mundo no qual vivemos. (B. B. –
turma 204)
Vem sendo bem interessante. As aulas ficam mais
dinâmicas e agradáveis. Os alunos ficam mais
atentos, principalmente com o uso da mídia. (F.L.P –
turma 205)
Essa forma de abordagem torna a aula mais
dinâmica e possui a capacidade de facilitar a
aprendizagem. Além disso, torna a aprendizagem
mais ampla, abordando temas passados,
interligando–os com a atualidade. (R.S.O – Turma
204)
Olhar o mundo ao redor com uma percepção mais
crítica e descritiva foi uma das habilidades que
adquiri. (V.M – turma 301)
O exame dessas avaliações leva-me a crer
que essa abordagem dos textos literários é bastante
válida, pois não só atende às necessidades do aluno,
mas também à proposta pedagógica da instituição.
Entretanto, a exigência de constante
atualização do professor pode se configurar como uma
dificuldade para a sua execução, já que a abordagem
dialógica da literatura com as mais diversas formas de
manifestações exige do professor uma pesquisa
constante, para que possa estar antenado aos mais
diversos acontecimentos e poder realizar uma seleção
variada de textos verbais ou não - verbais.
O conhecimento dos mais diversos
mecanismos da multimídia (Internet, Microsoft Office
Powerpoint, Windows Movie Maker, etc.), a leitura de
revistas atualizadas e de inúmeros suportes teóricos
são algumas das muitas exigências para o
desenvolvimento dessa proposta de estudo.
Se a instituição escolar não estiver preparada
para disponibilizar os instrumentos (computador,
projetor, aparelho de som,...) os espaços próprios
(auditório e/ou sala de projeção) e principalmente um
horário de trabalho pedagógico bem amplo para que
professor possa realizar o estudo e a pesquisa
demandada para seleção e preparo do material e das
estratégias da aula, o trabalho pode ser muito
prejudicado ou até mesmo não acontecer.
Outro fator que pode atrapalhar a
continuidade da proposta é a dificuldade que o aluno
tem em ler obras mais extensas como é o caso dos
romances. Isso ficou bastante claro no estudo da
prosa
romântica,
realista,
modernista
e
contemporânea.
É relevante esclarecer que, no caso da leitura
de textos mais sintéticos como poemas, crônicas,
charges, músicas, entre outros, há mais facilidade em
desenvolver as atividades. Isso se deve ao fato de a
leitura ser feita, quase sempre, na sala de aula.
Logo, a implantação de um projeto de
incentivo à leitura caracterizou-se como uma
necessidade primordial para que o processo de ensino
de literatura não fique limitado ao estudo de
fragmentos e/ ou resumos de obras.
Mesmo com as inúmeras dificuldades que
podem surgir ao longo desse processo de ensinoaprendizagem de Literatura, o fato de o aluno deixar
de ser mero espectador para ser um agente
transformador já é um elemento motivador para a sua
realização.
Dar liberdade de expressão ao aluno, talvez,
seja uma maneira de deixar falar a voz participativa ao
contrário da voz da indisciplina.
Como conclusão, deixo registrada a voz do
aluno D.S.K - turma 301) a respeito desse trabalho.
A abordagem é ótima, pois é dinâmica e não deixa
que aula fique chata e/ ou entediante. Mantém o
aluno focado e, ao mesmo tempo, permite a
interação com os colegas.
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EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
P á g i n a | 33
4. UMA PROPOSTA DE MEDIAÇÃO VIRTUAL, EM APOIO
AO TREINAMENTO DOS ALUNOS PARTICIPANTES DA
OBMEP, NO CONTEXTO DO JOGO MATH CITY
Vilmar Andrade do Nascimento1
Francisca das Chagas Soares Reis2
Resumo. Este artigo relata a utilização de mediadores virtuais em apoio a preparação dos alunos participantes
da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). As situações de aprendizagem foram
desenvolvidas com base nas apostilas disponibilizadas pela OBMEP e aplicadas em um grupo de alunos
olímpicos do Colégio Militar de Fortaleza. Os personagens do Objeto de Aprendizagem (OA) Math City foram
modelados segundo os pressupostos da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) Feuersteniana e
simulam a postura de um mediador humano auxiliando os jogadores (alunos) no decorrer das fases do jogo
com diálogos construídos com base nos critérios desenvolvidos por Feuerstein como, por exemplo: Significado,
sentimento de competência, auto-regulação ou controle do comportamento, planejamento de objetivos e desafio.
Os resultados obtidos mostram que a utilização de mediadores virtuais pode facilitar a construção de conceitos
matemáticos, independentemente da presença de um mediador humano, e possibilitar o ensino e a
aprendizagem de matemática de modo desafiador e interativo.
Palavras-chave: Educação matemática. Experiência de aprendizagem mediada. Objetos de aprendizagem.
Abstract. This paper describes the use of virtual mediators giving support to the students’ preparation in order to
participate in the Brazilian Public Schools Mathematical Olympiad (OBMEP). The learning conditions have been
developed based on OBMEP’s handouts and applied on the training of Fortaleza’s Military School students for
this aforementioned mathematical Olympiad. Some of the Learning Object (LO) Math City’s characters were
modelled according to Dr. Reuven Feuerstein mediated learning experience (MLE) theory and simulate the
posture of a mediator helping the human players (students) during the phases of the game with dialogues
constructed based on some criteria developed by Feuerstein: Meaning, feeling of competence, regulation of
behavior, planning goals and challenge. The results show that the use of virtual mediators which came about to
facilitate the construction of mathematical concepts regardless of the presence of a human mediator and enable
the teaching and learning of math in a challenging and interactive way.
Keywords: Mathematics education. Mediated learning experience. Learning objects.
1
2
Mestre em Engenharia de Teleinformática. Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Brasil. Especialista em Informática Educativa.
Universidade Federal de Lavras (UFLA), Lavras, Brasil. [email protected]
Especialista em Psicodrama Aplicado (UECE), Professora e Supervisora do CMF e Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará.
[email protected].
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
Em 2007, a Olimpíada Brasileira de
Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) contou
com a participação de mais de 17 milhões de alunos
em mais de 98% dos municípios brasileiros. A OBMEP
chega à sua quarta edição com os objetivos de
descobrir novos talentos em matemática e possibilitar
aos alunos olímpicos uma reflexão da matemática
como uma linguagem de descrição de fenômenos
naturais, científicos e tecnológicos.
Entretanto, embora não somente pela a
abrangência territorial do projeto OBMEP ou mesmo
pelo fato de encontrar-se em uma fase embrionária,
uma das dificuldades encontradas nos municípios
interioranos e distantes dos grandes centros é a da
preparação adequada dos alunos olímpicos; uma vez
que o encontro com o tutor (professor responsável
pelo treinamento) ocorre quinzenalmente ou mesmo,
em alguns casos, mensalmente. De modo que os
alunos ficam sem apoio ou orientação por várias
semanas, havendo, portanto, uma fragmentação ou
descontinuidade no processo de ensino-aprendizagem
dos conceitos matemáticos necessários à formação
dos mesmos.
Nesse
sentido,
cabe
o
seguinte
questionamento: como minimizar tal descontinuidade
no apoio aos alunos olímpicos, de modo eficaz,
desafiador e interativo quando da ausência dos
respectivos tutores?
A proposta deste artigo é responder a este
questionamento ao se delinear um experimento,
envolvendo o OA Math City com um grupo de alunos
olímpicos do nível 1 (6º e 7º anos) do colégio militar de
Fortaleza (CMF).
Segundo Nascimento (2007) e Nascimento e
Reis (2007), o OA (do tipo jogo) Math City foi
originalmente elaborado para facilitar a aquisição de
conceitos matemáticos por parte dos alunos com
dificuldades e baixos rendimentos em matemática. No
entanto, haja vista as características de reusabilidade,
adaptabilidade e modificabilidade, concernentes a um
OA (WILEY, 2000), foi mantido o enredo original, no
que se refere aos objetivos a serem alcançados pelo
herói do jogo, porém, foram modificados os mapas, as
cidades e as situações de aprendizagem visando
adequar-se ao público de alunos olímpicos. As novas
situações de aprendizagem foram elaboradas com
base nas apostilas disponibilizadas aos tutores pela
OBMEP envolvendo métodos de contagem e
aritmética (JURKIEWICZ, 2005; CARVALHO, 2006)
com o intuito de se construir, ou aprofundar, conceitos
matemáticos como, por exemplo, as operações
fundamentais, os critérios de divisibilidade e princípio
fundamental de contagem, de modo desafiador,
interativo e, principalmente, na ausência do tutor,
envolvendo o que denominamos de mediação virtual
(MV). As novas situações de aprendizagem foram
incorporadas ao jogo na forma de situações-problema,
que, segundo Nascimento (2004), são problemas
matemáticos que não se resolvem com uma simples
aplicação de uma fórmula, mas sim ante uma tomada
de decisão, uma elaboração de estratégias, de
esquemas e um pensamento reflexivo.
A metodologia de aplicação desenvolvida
constou de quatro momentos:
1. fundamentação relativa ao como jogar e
interagir com os personagens;
2. o registro das estratégias usadas para as
soluções das situações-problema e a
marcação do tempo decorrido em cada uma
das quatro (4) fases do jogo;
3. uma avaliação do jogo, por parte dos alunos,
ao preencher um questionário;
4. avaliação do jogo, por parte dos professores,
ao realizar-se uma mini-olimpíada, nos
moldes da OBMEP, envolvendo os conteúdos
apresentados no jogo.
Este artigo está dividido nas seções que se
seguem: na seção 2 é apresentado o referencial
teórico do trabalho; na seção 3, o OA Math City e as
idéias concernentes à experiência de aprendizagem
mediada (EAM) são apresentados; na seção 4 é
abordada a dinâmica do experimento com os alunos
envolvidos; na seção 5 são apresentados os
resultados obtidos; e por fim, na seção 6, a conclusão
do trabalho.
2. Referencial Teórico
Segundo Meier e Garcia (2007, p.72) o termo
mediação tem sido empregado ao longo do tempo na
filosofia, antropologia, astronomia e serve como
palavra-chave em um considerável número de estudos
educacionais correntes.
Japiassu e Marcondes (2001, p.96)
apresentam o termo mediação, em seu sentido
genérico, como a ação de relacionar duas ou mais
coisas, de servir de intermediário ou ligação, de
permitir a passagem de uma coisa à outra. Segundo
Feuerstein e Bolívar (1983, p.43), mediar significa
possibilitar a construção do conhecimento pelo
mediado.
Significa, segundo Meier e Garcia (2007,
p.68), estar intencionalmente entre o objeto de
conhecimento e o aprendente de forma a modificar,
alterar, organizar, enfatizar, transformar os estímulos
provenientes desse objeto a fim de que o mediado
construa sua própria aprendizagem, e que aprenda por
si só, sendo, portanto, necessária, segundo Fonseca
(1998, p.53), a presença de um mediador efetivo,
dirigente, conhecedor e competente para mediar esta
interação, ou seja, o desenvolvimento cognitivo de
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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uma criança é inseparável do desenvolvimento
cognitivo dos seus mediadores, sejam eles pais ou
professores (GOMES, 2002, p.21-23), ou como aqui
propomos: mediadores virtuais (Figura 1) do OA Math
City. A princípio, essa idéia pode parecer contraditória
às de Feuerstein que defende exclusivamente a figura
do mediador humano (FEURSTEIN, 1994, p.45).
Porém, concordamos com Molon (2000) ao esclarecer
que a mediação não é um conceito, mas um processo.
Ela não está entre dois termos que estabelecem uma
relação, mas ela é a própria relação. "A mediação não
é a presença física do outro (...) mas ela ocorre
através dos signos, da palavra, da semiótica, dos
instrumentos de mediação.”
Figura 1: Mediação virtual
De modo sucinto, propõe-se neste artigo a
idéia de mediação virtual na qual simula--se a díade:
aluno X tutor na forma de: jogador X MV, ou seja, o
aluno é transportado de um ambiente de sala de aula
para o ambiente digital do jogo. Ambiente no qual os
mediadores virtuais são personagens que interagem,
no decorrer do jogo, com o aluno (herói do jogo) em
situações de aprendizagem que foram criadas e
estabelecidas segundo os pressupostos feursteinianos
de experiência de aprendizagem mediada (EAM) e os
critérios que a caracterizam.
3. Objeto de Aprendizagem Math City
Atualmente, há diversos conceitos para
objetos de aprendizagem e cada um dos mesmos
representa interesses específicos de seus
proponentes (Monteiro et al. 2006), de um modo geral,
um objeto de aprendizagem é qualquer entidade,
digital ou não digital, que pode ser usada para
aprendizagem, educação e treinamento (WIELY,
2000), devendo facilitar a exploração e a explanação
dos conteúdos variados e tornar possível o uso de
ferramentas relacionadas com diferentes mídias,
como, por exemplo, música, desenhos e gráficos
(TEIXEIRA, 2007) ou mesmo os jogos, como é aqui o
caso! Neste artigo, tem-se que o OA Math City deve
possibilitar uma aprendizagem baseada em situaçõesproblema segundo a proposta de mediação virtual em
que a ausência do tutor não impede a construção de
conceitos matemáticos de modo interativo e
desafiador.
Nesse sentido, haja vista a ampla variedade
de forma que tais objetos podem assumir,
compreendendo desde vídeos, gráficos, animações,
apresentações e jogos, adota-se aqui a utilização de
um objeto de aprendizagem (do tipo jogo) denominado
Math City (disponível para download em:
www.mathcity.zip.net) que visa promover a construção
de conceitos matemáticos conforme a criação de um
enredo e diálogos modelados segundo a teoria de
EAM.
3.1 EAM no contexto do jogo Math City
A formulação dos conceitos, envolvendo
EAM, possui todo um aporte teórico, definindo,
explicando e sistematizando a forma de interação
entre o objeto de conhecimento e o aprendente, o que
visa, segundo Feurstein (1994, p. 45-48), prover o
aluno com modalidades de aprendizagem que possam
ser utilizadas de maneira mais ampla ou continuada e
menos episódica ou fragmentadas.
Para melhor compreensão do modelo de interação
proposto pela EAM, Feurstein utiliza a fórmula SHOR
(Figura 2), considerando que (S) corresponde aos
estímulos externos; (H) representa o mediador
humano que se interpõe entre os estímulos externos e
o organismo, selecionando-os e organizando-os; (O)
constitui-se no organismo humano; e (R) é a resposta
que o organismo emite após a interação e elaboração
na informação.
Figura 2: Mediador humano
Um ser humano – agente mediador – ao
interpor-se, com intencionalidade, entre o organismo e
as fontes de estímulos oferecidos pelo entorno social,
busca fazer com que estes estímulos sejam
percebidos de forma diferenciada do que se estivesse
diretamente exposto a eles.
Neste trabalho, propõe-se atribuir, de modo
inovador, este papel aos personagens do jogo Math
City, em que o mediador virtual (P) simula o papel de
(H) (Figura 3), com base nos diálogos, enredo e
situações-problema, de modo que propomos, nesse
processo interativo, uma mediação realizada
virtualmente em que os personagens do jogo se
interpõem entre o jogador e o objeto do conhecimento,
filtrando, organizando, selecionando e dando
significado aos diversos estímulos. Portanto, o papel
do MV é provocar os avanços cognitivos que não
ocorreriam espontaneamente na ausência do tutor.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Figura 3: Mediador virtual
Por fim, a EAM representa a qualidade da
interação. A qualidade, por sua vez, depende da
configuração total envolvida na interação, ou seja, o
“como” (diálogos) da interação da EAM depende do
“quem” (personagens) está mediando, para “quem” e o
“que” se medeia de um conteúdo particular da
intervenção mediacional.
4. Dinâmica do Experimento
A turma em que foi realizado o experimento
constou de 40 alunos olímpicos do nível 1 (6º e 7º
anos) do Colégio Militar de Fortaleza e foi aplicado em
uma das aulas de olimpíada do segundo bimestre de
2008, para tanto a turma foi dividida em dois grupos (I
e II) com 20 alunos por grupo. O grupo I foi
acompanhado pelo professor I no laboratório de
informática, de modo que os alunos receberam as
instruções gerais de como jogar, do como registrar
suas estratégias e como marcar o tempo decorrido em
cada fase (Figura 4), definindo-se, ainda, o que
deveriam entender por interação e mediação.
Em seguida, enquanto os alunos jogavam, o
professor I em momento algum interferiu no processo
a não ser evitando a interação entre os alunos,
mantendo-os um, e somente um, por máquina para
que se pudesse verificar a eficácia dos mediadores
virtuais. Cada uma das quatro fases envolveu um
tópico trabalhado, paralelamente, pelo professor II com
o grupo II em sala de aula: fase 1 (operações
fundamentais), fase 2 (raciocínio combinatório), fase 3
(geometria plana) e fase 4 (critérios de divisibilidade).
O tempo total de desenvolvimento das atividades foi
de aproximadamente 140 minutos e no que se refere
às formas de interação, pode-se viabilizar quatro
abordagens diferentes de interação apresentadas na
Tabela 1.
Interação
Síncrono
Alunos X MV
(Grupo I)
OA (jogo Math
City)
Blog
(Professor I)
Lista de discussão
Alunos X Tutor
(Grupo II)
Encontro
Presencial
(Professor II)
Figura 4: Duração das fases em minutos
4.1 Personagens
Os personagens foram modelados conforme
os pressupostos da EAM simulando a postura de um
mediador humano e auxiliando, sempre que
necessário, o aluno segundo alguns dos critérios
desenvolvidos por Feurstein como:
1. Significado: Neste tipo de interação, o MV
motiva o aluno, explicando os motivos e a
importância daquela atividade.
2. Competência: Ocorre quando o MV ajuda o
mediado a desenvolver a autoconfiança
necessária para se engajar numa atividade com
sucesso.
Assíncrono
Tabela 1: Abordagens interativas
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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3. Auto-regulação
e
Controle
do
Comportamento: Nesta mediação, o MV
incentiva o aluno a pensar sobre o seu
comportamento, modificando-o. É como um
"semáforo" que ajuda a criança a controlar sua
impulsividade e a escolher respostas
adequadas a um estímulo.
4.2 Diálogos: Desafios e EAM virtual
Os desafios encontrados no decorrer do
experimento não foram criar um OA, mas adaptá-lo às
necessidades dos alunos olímpicos, tanto na inserção
das situações-problema desafiadoras, quanto ao
esculpir os diálogos de modo que se mantivessem
fidedignos aos que ocorrem em sala de aula na
presença de um professor mediador.
Haja vista que são nos diálogos que os
critérios feurstenianos se desenrolam e as interações
ocorrem, surgindo, a partir das situações-problema, a
necessidade da reflexão, do aperfeiçoamento de
esquemas, da tomada de decisões, da busca de
estratégias, da interpretação dos dados e da
exploração do aprendizado autônomo. De modo que,
na interação: aluno X MV busca-se reproduzir a
dinâmica da sala de aula, em um contexto de sons,
elementos gráficos e textuais.
Como se vê, por exemplo, em uma mesma
situação-problema apresentada sob as formas
dialogais (Figura 5), textuais (Figura 6) e (imagéticas):
4. Planejamento de Objetivos: Ocorre quando o
MV encoraja e orienta o aluno para que
estabeleça objetivos e discute, de forma
explícita, os meios para alcançá-los.
Figura 5: Interação via diálogos
5. Desafio: Nesta interação, o MV evoca no aluno
a motivação para tentar algo novo. Envolve a
superação do medo do desconhecido e a
resistência a algo difícil e incomum.
Figura 6: Interação via texto
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Com as respectivas alternativas para o
desafio citado acima (Figura 7):
5. Resultados
As respostas dadas pelo grupo I são
apresentadas, ordenadamente, na Figura 8 a seguir:
Figura 7: Alternativas para o primeiro desafio
4.3 Avaliação do OA
Após finalizarem o jogo, o grupo I respondeu
ao seguinte questionário avaliativo (Tabela 3) e ambos
os grupos (I e II) foram submetidos a uma miniolimpíada nos moldes das realizadas pela OBMEP,
envolvendo os conteúdos trabalhados tanto em sala
quanto no jogo, com os respectivos comentários
apresentados na seção a seguir.
Questionário Avaliativo
Alternativas
Perguntas
Você gostou do Jogo Math
City?
Por que? (caso sim da
pergunta 1). Porque o jogo é:
Por que? (caso não da
pergunta 1). Porque o jogo é:
Que conteúdos você viu serem
abordados durante o jogo?
Você finalizou o jogo?
Quanto aos personagens
Vigot, Nicodemus e Lerue você
pode dizer que:
As dicas apresentadas foram:
No decorrer do jogo você se
sentiu motivado a resolver
aos desafios?
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
) Sim
) Não
) Divertido
) Desafiador
) Outro:__________
) Chato
) Muito fácil
) Outro: __________
) Potenciação
) Princípio fundamental de
contagem
) Divisibilidade
) Todos acima
) Sim
) Não
) Ajudaram
) Não influenciaram
) Atrapalharam
) Suficientes
) Muitas
) Poucas
) Sim
) Não
Tabela 3: Questionário avaliativo.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Os Mediadores Virtuais
Ajudaram (16)
Não influenciaram (03)
Atrapalharam (01)
Portanto, de acordo com os resultados
obtidos é possível propiciar um ambiente interativo que
promova a aprendizagem de conteúdos matemáticos e
a tomada de decisões segundo um planejamento
consciente, autônomo e reflexivo à luz dos critérios da
EAM no âmbito virtual, de modo assíncrono ou off-line,
como suporte de aprendizagem para alunos olímpicos
que enfrentam a dificuldade com os encontros
presenciais.
Referências Bibliográficas
Figura 8: Respostas do questionário
Como pode se perceber, as respostas
apontam para um jogo divertido, desafiador e
motivador, abrangendo todos os conteúdos
especificados no questionário avaliativo e indicam, que
80% dos alunos, os mediadores virtuais, foram
importantes no decorrer do jogo. Um mediador virtual
efetivo interpondo-se entre o jogador e o objeto do
conhecimento, filtrando, organizando, selecionando e
dando significado aos diversos estímulos.
As médias obtidas na mini-olimpíada pelos
grupos I e II foram, respectivamente, 8,4 e 9,6, o que
indica uma real eficiência da mediação virtual e
apontam para uma nova alterntiva de aprendizagem
mediada.
6. Conclusão
Os desafios encontrados, no decorrer do
experimento, não foram criar um OA, mas adaptá-lo às
necessidades dos alunos olímpicos, tanto na inserção
das situações-problema desafiadoras, quanto ao
esculpir os diálogos de modo que se mantivessem
fidedignos ao que se presencia em sala de aula.
Não se propõe aqui substituir o mediador
humano pelo virtual; mas possibilitar uma nova
alternativa de aprendizagem mediada, em situações
em que seja difícil, ou mesmo impossível, a presença
do mediador humano, garantindo-se, no ambiente
virtual, condições que se aproximem das mediadas
pelo professor na aula presencial.
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P á g i n a | 40
5. PERSPECTIVAS SOBRE A OBRIGATORIEDADE
DA FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO
Maria Regina Ponte da Silva1
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir as razões que conduziram a obrigatoriedade do ensino de
filosofia na educação brasileira, conforme a lei de número 11.684, de 2 de junho de 2008 e do parecer do
Conselho Nacional de Educação (CNE) de 7 de julho de 2006. Os Colégios Militares já estão cumprindo a
medida. De acordo com as condições econômicas e sociais, a filosofia foi incluída ou excluída do currículo
escolar. Consideramos como dados relevantes para a pesquisa: a história do ensino de filosofia no Brasil, a
quantidade de professores habilitados que ministram a disciplina, a quantidade de professores não habilitados
que a ensinam, o número de escolas de ensino médio no Brasil, os Estados que já incluíram a disciplina no
vestibular e as alterações provocadas por esta nova conjectura. Se existem atualmente aproximadamente 20 mil
escolas de ensino médio como poderemos nos adaptar a nova medida se a demanda de professores habilitados
poderá não ser suficiente? Quais serão as conseqüências da adoção da nova lei? Quais seriam os assuntos
mais adequados para os alunos de ensino médio? Lógica, metafísica, política, ética, teoria do conhecimento.
Como saber? Na verdade, ainda não podemos estabelecer uma conclusão definitiva, visto que só poderemos
verificar os resultados depois que a medida for implantada. Por conseqüência, faz-se necessário apontar as
causas, vantagens e desvantagens das mudanças dessa nova lei, bem como verificar as razões para a
necessidade do ensino de filosofia para a juventude brasileira.
Palavras-chave: Filosofia. Ensino. Educação.
Abstract: This article aims to discuss the reasons that led to the compulsory teaching of philosophy in Brazilian
education, as the law number 11,684, from June 2, 2008 and the opinion of the National Education Council
(CNE) from July 7, 2006 . The Military Colleges are already complying with the resoluteire. According to the
economical and social conditions the philosophy was included or excluded from the school curriculum. We
consider as relevant data for this research: the history of philosophy of education in Brazil, the number of trained
teachers who teaches the subject, the number of qualified teachers who not teach that, the number of schools of
secondary education in Brazil, states that have included discipline in the high exames and the changes brought
about by this new conjecture. If there are currently about 20 thousand schools of secondary education as we
can adapt the new measure if the demand for qualified teachers may not be enough? What are the
consequences of the adoption of the new law? What would be the most appropriate subjects for students in high
school? Logic, metaphysics, politics, ethics, theory of knowledge. How do I know? Indeed, we can not establish
a definitive conclusion, since we can only verify the results after the measure is implemented. Consequently, it is
necessary to identify the causes, advantages and disadvantages, and to verify the reasons for the necessity of
the teaching of Philosophy for Brazilian youth.
Keywords: Philosophy. Teaching. Education.
1
1º Tenente Oficial Técnico Temporário (OTT), mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), professora de Filosofia do Colégio
Militar de Fortaleza (CMF), Fortaleza, Brasil. [email protected].
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
Uma das funções básicas da filosofia seria
criar e melhorar o discernimento, aprimorando o hábito
de leitura e questionamento sobre a realidade.
Na verdade, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) e os Conselhos Estaduais de
Educação (CEE) já recomendavam o ensino
facultativo de filosofia como pressuposto para
desenvolver o senso crítico, ou para o aluno adquirir
noções de filosofia e sociologia ao final do ensino
médio, desde 1996. A homologação pelo Ministério da
Educação do Parecer 38/2006 do Conselho Nacional
de Educação (CNE), exarado pela Câmara de
Educação Básica (CEB), que alterou de facultativo
para obrigatório, foi apenas o primeiro passo para o
reconhecimento da importância da filosofia.
Dois anos depois, a lei que regulou a
obrigatoriedade de filosofia e sociologia no Ensino
Médio do CNE foi, finalmente, sancionada no dia 2 de
junho de 2008. Assinada pelo presidente em exercício,
José Alencar, vice-presidente, após ser discutida pelo
Senado, em que foi aceita por unanimidade. A
implementação dessa medida é fundamental para o
perfil do jovem no ensino médio, cuja idade oscila
entre os 15 aos 17 anos. A esta faixa etária, no Brasil,
já é facultado o direito de votar e nos Estados Unidos
já é facultada a carteira de habilitação/motorista. Por
conta disso, seria pertinente que nosso jovem pudesse
aprender sobre o real exercício da cidadania, os
problemas éticos que envolvem a bioética, reconhecer
suas crises existenciais como uma das fases de sua
vida ou mesmo as noções de lógica fundamental para
a organização do pensamento e do raciocínio.
Se a educação brasileira deve fornecer
condições para que o jovem ao final do ensino médio
possa ter desenvolvido seu senso crítico e
compreendido sobre cidadania e ética, como podemos
viabilizar essa preparação sem a obrigatoriedade do
ensino da filosofia? Em 2001, a obrigatoriedade do
ensino em filosofia foi discutida e vetada pelo expresidente Fernando Henrique Cardoso. A principal
justificativa para o veto foi a inexistência de
professores habilitados para lotar o quadro de aulas.
Discutiremos, assim, em que sentido o referido
argumento pode ser considerado pertinente ou não,
fazendo um estudo sobre a história do Ensino de
Filosofia no Brasil. Além disso, colocaremos os
principais
argumentos
que
defendem
a
obrigatoriedade da filosofia no ensino médio, suas
causas e conseqüências para o futuro.
2. A História do Ensino de Filosofia no Brasil
A filosofia começou a fazer parte do currículo
do ensino médio a partir do século XVI, desde a
fundação das primeiras escolas. Entre idas e vindas
ao longo da história, a filosofia assumiu os currículos,
de acordo com as condições vigentes, às vezes com
caráter doutrinário religioso, outras vezes em caráter
técnico, ou em condição humanística, até mesmo
chegando a ser excluída do currículo para comportar
outras disciplinas obrigatórias.
Em 1533 foi fundada a primeira escola de
ensino médio, cuja administração era da Companhia
de Jesus, na cidade de Salvador. O ensino jesuítico
considerava a filosofia imprescindível para a
propagação das doutrinas cristãs. Seu objetivo era
priorizar as questões teológicas e perpetuar o número
de fiéis da igreja católica, na medida em que a
Reforma Protestante na Europa abalou os alicerces da
Igreja Católica no final da Idade Média. Era uma
tentativa de conciliar os dogmas da fé cristã e as
verdades reveladas nas Sagradas Escrituras com
doutrinas filosóficas clássicas. Durante praticamente 3
séculos, até meados do século XIX, predominou,
então, a escola chamada - Ratio Studiorum-, de
seguindo as idéias do filósofo Tomás de Aquino, uma
filosofia letrada, humanista e, sobretudo, católica. “O
objetivo dessa educação filosófica era o de formar
homens letrados e eruditos e, acima de tudo,
católicos.” (CARTOLANO, 1985, p. 21).
Entretanto mesmo com a expulsão dos
jesuítas, em 3 de setembro de 1759, Marquês de
Pombal instituiu “aulas régias”, convidando os leigos
para ministrá-las. Este fato não foi o suficiente para
estabelecer um novo modelo educacional, visto que
esses professores foram formados em colégios
jesuítas e perpetuaram o processo de ensino católico
preponderante.
Quanto à economia, o Brasil foi o maior
fornecedor de cana de açúcar nos séculos XVI e XVII
e a educação jesuíta dirigia-se aos proprietários rurais,
perdurando também no Império e na República. Após
esgotar a cana de açúcar, inicia-se o extrativismo
mineral, com duração até meados do século XVIII. As
precárias condições da colônia, o baixo nível
intelectual dos colonos e o fanatismo do ensino levam
a colônia brasileira e Portugal à decadência
econômica. Para reagir ao contexto, as idéias
iluministas, filosóficas da França chegam a Coimbra e
despertam os ideais de independência política e de
uma religião laica.
Em 1750 a 1780, os filósofos iluministas
Diderot e d'Alembert publicam uma Enciclopédia, a fim
de sistematizar a filosofia da idade moderna,
desconsiderando a metafísica e valorizando o método
cartesiano e a experiência sensorial, ou seja, o
empirismo. A Enciclopédia ou Dicionário Racional
das Ciências, Artes e Ofícios, foi o instrumento de
difusão das idéias iluministas. Conforme, cita
(CARTOLANO, 1985, p. 23) de acordo com o livro de
História da Filosofia de Julian Mariás: A filosofia da
Enciclopédia é:
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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a vulgarização da porção menos metafísica do
cartesianismo e do pensamento britânico ao mesmo
tempo. Por um lado, o pensamento é racionalista e,
por conseguinte é revolucionário: pretende resolver
de uma vez, para sempre as questões
matematicamente, sem tomar em consideração as
circunstâncias históricas. (MARIÁS, apud. s/d: 262).
A vinda da família real portuguesa
afugentados da invasão napoleônica, em 1808,
colaborou para o melhoramento de nossa infraestrutura. Para garantir a estada de D. João VI, foram
criadas a Imprensa Régia, uma escola de comércio, o
Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional, etc. Além
disso, a criação de colégios de qualidade tinha como
objetivo capacitar a nova classe econômica para
compor os quadros políticos-administrativos da
colônia. As idéias assimiladas no Brasil vinham da
Universidade de Coimbra e dos princípios iluministas.
Assim, foram criadas as primeiras Faculdades.
Quanto ao ensino médio, um colégio que
representou um marco no modelo educacional foi o
Colégio Pedro II, fundado em 1837, e a única escola
secundária mantida pelo poder central. Nele, a filosofia
possuía uma função introdutória do saber.
Durante o primeiro império, com o país recém
independente, a prioridade passou a ser o ensino
superior. Desta forma, foram criadas as primeiras
universidades, Faculdades de Direito (Olinda e São
Paulo) e as Faculdades de Medicina (Rio de Janeiro e
Bahia). Com a criação dos cursos jurídicos no Brasil,
em 1820, a filosofia tornou-se um pré-requisito no
ensino médio para o ingresso acadêmico. Assim como
hoje, naquele período, o ensino superior recebia
assistência do poder central e o ensino primário e
secundário das províncias.
No final do século XIX, a partir de 1870,
muitas teorias novas efervesceram os intelectuais
brasileiros: positivismo, evolucionismo, darwinismo,
naturalismo, tendo como conseqüência a implantação
de um novo modelo de educação, pautado na
valorização da ciência e da técnica.
Destaca-se principalmente as idéias
positivistas, que não foram levantadas pelos
fazendeiros de café e latifundiários, mas por uma nova
classe emergente, comerciantes e burocratas. Eram
principalmente, militares, médicos, engenheiros,
revoltados contra a política de padres e fazendeiros,
coniventes com a exploração do homem pelo homem,
justificando a escravidão. Assim, essa classe
emergente lutava pela abolição da escravidão.
Benjamim Constant foi um expoente do positivismo,
professor de matemática nas escolas militares e
politécnicas, manifestou seu interesse pela república e
repúdio à monarquia.
Com a Proclamação da República, em 1889,
o interesse da classe média pela participação política
foi atendido provisoriamente, a escravidão foi abolida e
os altos impostos aliviados. A descentralização do
poder permitiu uma organização escolar dividida entre
União e províncias. Benjamim Constant foi nomeado
para o Ministério da Instrução. Conseqüentemente, os
princípios norteadores da educação foram a laicidade
do ensino e a gratuidade da escola primária. Pelo
caráter positivista a filosofia não foi incluída no
currículo. O que aconteceu “foi um mero acréscimo de
disciplinas científicas e tradicionais, tornando o ensino
ainda mais enciclopédico”. (CARTOLANO, 1985, p.
35)
Em agosto de 1890, a filosofia foi incluída na
lista para os exames gerais preparatórios. Mas, em
novembro do mesmo ano a filosofia foi retirada dos
currículos escolares.
A partir do século XX, a filosofia se vê presa a
uma série de movimentos político-pedagógicos que,
alternadamente a incluem e a excluem dos currículos:
volta em 1901 como a disciplina “Lógica” no último ano
do secundário, para ser de novo retirada em 1911;
regressa como matéria optativa em 1915 e como
obrigatória em 1925, com um caráter marcadamente
enciclopedista, repercussão das idéias iluministas da
Europa.
O enciclopedismo significou, portanto, naquela
época, ato de subversão, de infiltração de idéias
contrárias à ordem estabelecida em Portugal e nas
colônias. E pelo crime de enciclopedismo prendeuse, em 1794, muita gente no Brasil, principalmente
em Minas Gerais, por ocasião dos levantes contra a
cobrança dos quintos durante o ciclo de mineração.
(CARTOLANO, 1985, p. 24)
O ensino positivista perdurou por todo esse
contexto histórico. Com a Revolução de 30, as
oligarquias perderam o seu poder e a população
passou a exigir a democratização do ensino,
reivindicando o acesso ao ensino acadêmico.
Contudo, as classes altas se empenharam em manter
o controle e a seletividade. “As reformas educacionais
que se seguiram vieram confirmar essa herança
cultural” (CARTOLANO, 1985, p. 56)
A Reforma de Francisco Campos (Decreto nº.
21.241, de 4 de abril de 1932), além de estabelecer
novas disciplinas no currículo escolar, determinou a
freqüência obrigatória dos alunos. Além disso, dividiu o
ensino secundário em duas categorias: o fundamental
(obrigatório para o ingresso no vestibular, de cinco
anos) e o complementar (preparava para medicina,
direito e engenharia, de dois anos). Dentre as
disciplinas que fizeram parte do currículo
complementar, podemos citar: psicologia, lógica,
sociologia e história da filosofia. O contexto histórico
da época estava dividido entre católicos e liberais. De
um lado, a defesa pela laicização do conhecimento, de
outro a conservação das teorias tradicionais.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Com a crise econômica mundial que teve
como estopim a quebra da bolsa de valores em Nova
York em 1929, a condição político-econômica mudou.
A educação passou a ser valorizada pela sua
cientificidade. O estudo da lógica foi priorizado em
detrimento das idéias metafísicas. Assim, as idéias
pedagógicas da época eram: naturalismo,
sociologismo,
evolucionismo,
naturalismo,
pragmatismo, nominalismo, o racionalismo e o
positivismo no final da Reforma de Campos.
A próxima reforma, a Reforma de Capanema
(Decreto-lei nº. 4.244, de 9 de abril de 1942) não
mudou muito este cenário, o ensino enciclopédico e
elitista configurou o ensino de filosofia, obrigatória na
2ª e 3ª séries.
De 1945 a 1954, a redução da carga horária
de filosofia foi de quatro horas semanais para uma
hora semanal no científico.
Na década de 60, a lei nº. 4.024/61, que
tornou facultativo o ensino de filosofia, foi resultado de
mais uma reforma educacional, com debates que
iniciaram em 1948. Quanto à Administração do Ensino,
esse projeto visava à obrigatoriedade e gratuidade do
ensino primário e a criação de um Conselho Nacional
de Educação que subsidiasse os Conselhos Estaduais
de Educação.
Para dar continuidade às reformas no ensino,
em 1971, a lei de Diretrizes e Bases nº. 5.692
reestruturou o ensino em 1º e 2º graus (antigo
primário, ginásio e colégio), bem como implantou a
profissionalização no 2º grau, em âmbito nacional.
Mas, a medida que abalou a perpetuação do ensino de
filosofia foi a inclusão de outras disciplinas em caráter
obrigatório. Isso significou que as disciplinas que não
abordavam diretamente o caráter profissionalizante,
técnico ou científico e já não eram obrigatórias, foram
excluídas do currículo escolar para remanejar as
outras disciplinas. Foi assim que o ensino
profissionalizante, técnico e positivista destacou-se
como política de ensino vigente. Conforme o artigo 7º
da lei 5.692/71:
Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e
Cívica, Educação Física, Educação Artística e
Programa de Saúde nos currículos plenos dos
estabelecimentos de 1º e 2º graus [...] (BRASIL,
2008a).
Segundo (Cartolano, 1985: 66) a
consideração da proposta da filosofia como disciplina
complementar derivou das antigas oligarquias do café
e de um grupo de católicos conservadores, porque
eram contrários “à democratização da vida social.”
Além disso, nesta época governava o PSP (Partido
Social Progressista), ligados a interesse dos
latifundiários, a manutenção do status quo. Desta
forma, a filosofia se apresentava como uma ameaça
que conduziria idéias contestadoras.
Quase 25 anos depois, em 1996 foi
promulgada a nova LDB que reconhece a importância
do ensino de filosofia. No entanto, a lei não
estabeleceu nenhuma obrigatoriedade quanto à forma
de ministrar o conteúdo, deixando implícita a condição
de mencionar a filosofia no contexto interdisciplinar ou
transversal, ou simplesmente como abordagem
facultativa. Isto estava exposto na lei nº. 9.394 de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada
pelo presidente da República, em exercício, Itamar
Franco. A lei rezava o seguinte:
Art. 36. O currículo do ensino médio observará o
disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes
diretrizes:
§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de
avaliação serão organizados de tal forma que ao
final do ensino médio o educando demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos
que presidem a produção moderna;
II - conhecimento das formas contemporâneas de
linguagem;
III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de
Sociologia necessários ao exercício da cidadania.
(BRASIL, 2008b).
A partir de então, a discussão sobre o ensino
de filosofia se deu sobre dois aspectos: a condição
disciplinar ou transversal do conteúdo.
A questão continuou em pauta. Em 1999, por
cerca de três anos, tramitou na Câmara e no Senado
Federal um Projeto de Lei Complementar que
substituiu o citado artigo 36 da LDB, instituindo a
obrigatoriedade das disciplinas Filosofia e Sociologia
nos currículos do ensino médio. Após aprovação nas
duas instâncias do Poder Legislativo Federal, o projeto
foi vetado em outubro de 2001, pelo então Presidente
Fernando Henrique Cardoso. As razões foram as
seguintes: demanda insuficiente de professores,
desfalque no orçamento público, má formação de
professores e redução do discurso filosófico a um
discurso pedagógico.
Veremos, na unidade 4, a proporção de
profissionais formados em filosofia e a demanda de
vagas, justificando uma possível solução para o
problema em questão. Todavia o que podemos
adiantar, por enquanto, é que: a inclusão das novas
disciplinas não implica necessariamente em aumento
orçamentário. Uma possível solução seria o
remanejamento da carga horária a fim de incluir
filosofia no ensino médio.
Dois anos após o veto da obrigatoriedade da
disciplina, a re-inclusão voltou a pauta. O deputado Dr.
Ribamar Alves do PSB/MA colocou novamente o
projeto de lei em discussão, nº 1641/2003. Segundo
ele, a filosofia merecia um reconhecimento que a
transversalidade do ensino não reconheceria. Era
imprescindível a sua legitimação enquanto disciplina
com sua função específica de despertar para o senso
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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crítico. Em 24 de junho de 2003, foi realizada uma
audiência pública sobre a volta da filosofia e da
sociologia no currículo do ensino médio, realizada pela
Comissão de Educação, Cultura e Desporto da
Câmara dos Deputados. Confiram-se alguns dos
argumentos apresentados na justificativa do projeto de
lei:
Vivemos num cenário que proporciona choques e
tensionamentos que incidem rapidamente sobre
fatos sociais, políticos, históricos, econômicos e que
clamam por uma compreensão que somente a
Filosofia pode proporcionar à cultura. A filosofia nos
currículos da Ensino Médio não pode atuar num
espaço restrito, dissolvendo-a em modalidades
temáticas de outras disciplinas. Ora, a Filosofia tem
no atual contexto político do fortalecimento das
instituições democráticas do país um dos papéis
mais relevantes neste projeto, qual seja, o de
contribuir para uma formação e fundamentação da
opinião pública brasileira, não deixando somente a
cargo da imprensa, que muitas vezes se vê à deriva
com o cerco do fenômeno midiático, que, ao modo
do Rei Midas, transforma em ouro, ou melhor,
mercado, tudo o que toca. Ela oporá, por aporias.
Assim, contribuirá para uma opinião pública
responsável e crítica, convidando para o debate
reflexivo, introduzindo valores que se assentam
sobre aquela tradição grega que falávamos inicio q
que em suma, é de vocação política. Para nós, é o
que pode construir instituições democráticas e
consolidar a democracia verdadeiramente num país
como o Brasil. (Brasília, justificativa do PL n° 1641,
2003, p. 4)
Apesar de tanto engajamento, o projeto de lei
não foi imediatamente aceito. Ainda foi necessário
mais três anos para que a obrigatoriedade da
disciplina fosse legitimada pelo Conselho Nacional de
Educação em 2006 e mais 2 anos para ser sancionada
pelo poder executivo.
Enquanto
isso
o
que
aconteceu,
paulatinamente, foi a inclusão da disciplina nos
estados, resultado da mobilização de diversos setores
da sociedade, motivada, fundamentalmente, pela
percepção da importância de um trabalho sistemático
com a filosofia na formação dos jovens, a partir dos
mais diversos argumentos e pontos de vista.
Em conseqüência disso, no dia 6 de julho de
2006, o Conselho Nacional de Educação (CNE)
alterou a lei que diz que as escolas deverão tratar de
forma interdisciplinar o conhecimento de filosofia e
sociologia. Em agosto de 2006, o Parecer
CNE/Coordenação de Educação Básica (CEB) nº.
38/2006, foi homologado pelo Ministério da Educação,
por intermédio da Resolução CNE/CEB nº. 04/06. No
dia 2 de junho de 2008, o presidente da República em
exercício, José Alencar, finalmente sancionou a lei que
torna obrigatório o ensino das disciplinas de Sociologia
e Filosofia nas escolas de Ensino Médio, públicas e
privadas de todo o Brasil. A Lei é de número 11.684 e
altera o artigo 36 da lei 9.394, de 20 de dezembro de
1996.
3. Fatos e conseqüências que colaboraram para
tornar a filosofia obrigatória
Com o objetivo de mapear as condições do
ensino de filosofia no Brasil, a UNESCO (Organização
das Nações Unidas para a educação, a ciência a e
cultura) solicitou aos renomados pesquisadores um
levantamento de dados sobre o assunto. O trabalho foi
concluído em 2004, sob a coordenação geral de
Walter Kohan. Podemos perceber através deste
trabalho, que o ensino de filosofia em diversos estados
já era uma realidade antes da oficialização da
obrigatoriedade. O ensino de filosofia já acontecia
como forma de cumprir o solicitado pela LDB desde
1996. Pode-se discriminar do seguinte modo a
duração dos cursos de filosofia no ensino médio:
•
•
•
Unidades da Federação que adotam a disciplina,
em toda a rede pública, com ao menos duas horas
semanais durante mais de um ano/série: 2
(Distrito Federal e Mato Grosso do Sul).
Estados que adotam a disciplina, em toda a rede
pública, com ao menos duas horas semanais
durante um ano/série: 13 (Acre, Alagoas,
Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Pará, Piauí,
Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina, Sergipe
e Tocantins).
Estados que adotam a disciplina de modo
opcional na rede pública, com ao menos duas
horas semanais: 7 (Espírito Santo, Paraíba,
Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio
Grande do Sul e Minas Gerais). Nesses estados, a
carga horária varia muito. Em Pernambuco, por
exemplo, algumas escolas que oferecem a
disciplina o fazem, geralmente, no primeiro ano,
com duas horas semanais, ao passo que outras
oferecem a disciplina também no 2º ano. (KOHAN,
2004: 263)
Assim, já que o estudo da filosofia no ensino
médio era uma realidade em muitos estados, fez
necessário legitimá-la em caráter obrigatório, não mais
de forma transversal ou interdisciplinar, mas nas
condições de quaisquer disciplinas tidas como
relevantes. Mesmo porque, que espaço terá a filosofia
na escola, se a quase totalidade das escolas continua
organizada através das disciplinas e se os próprios
concursos públicos são realizados por disciplina?
Quem irá trabalhar os “conhecimentos de filosofia e de
sociologia necessários ao exercício da cidadania”
propostos na LDB, se toda a estruturação da maioria
das escolas continua sendo através da grade
curricular por disciplina?
Por conseguinte, o reconhecimento do ensino
de filosofia como atividade obrigatória pôde legitimar
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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os Parâmetros Curriculares
conforme citação:
Nacionais
(PCNs),
o momento, hoje, porém é o de estruturar um
curriculo em que o estudo das ciências e das
humanidades sejam complementares e não
excludentes. Busca-se, com isso, uma síntese entre
humanismo, ciência e tecnologia, que implique a
superação do paradigma positivista, referindo-se à
ciência, à cultura e à história. (PCN, 1999, p. 284)
Outra mudança nesse sentido é a inclusão
de filosofia no vestibular que tem trazido resultados
positivos. Dentre as universidades que já estão com o
programa, podemos citar: Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), a Universidade Estadual de
Londrina (UEL) e mais recetemente; a Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Estadual
de Maringá (UEM).
Segundo Gallo e Kohan (2000, p. 92), a
inclusão de filosofia no vestibular tem contribuido para
melhorar a qualidade das provas discursivas:
a inclusão da filosofia nas provas de vestibular tem
contribuido também, segundo a Comissão
Permanente do Vestibular da Universidade Federal
de Uderlândia, para a melhoria da qualidade das
provas discursivas das outras disciplinas.
Outro aspecto notável, que, segundo Gallo e
Kohan (2000), tornou-se resultado da inclusão de
conteúdos de filosofia no vestibular, foi o aumento da
procura de profissionais formados em filosofia para
trabalharem
no
Ensino
Médio,
o
que,
conseqüentemente, resultou no aumento de alunos
que procuravam o Curso de Filosofia. Nos estados de
Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do
Sul e no Distrito Federal, e mais recentemente Minas
Gerais, a Filosofia no Ensino Médio, por legislação
estadual, já é obrigatória.
A verdade é que até antes de sancionar a lei
que regula a obrigatoriedade, o caráter da legislação
anterior era a transversalidade do ensino de filosofia.
Embora os documentos não excluam o ensino
disciplinar nas escolas, a presença transversal nos
currículos garantiria, em tese, o cumprimento da LDB.
Em uma escola ainda fortemente disciplinar,
relegar a filosofia à transversalidade tenderia não
apenas a diluir a especificidade da filosofia em meio
aos estudos que realmente contam no currículo, como
aprofundar a situação de precariedade que se imputa
aos professores de filosofia no país, na medida em
que poderia servir para reforçar a dispensa de
contratação, por parte dos estados, de profissionais
especializados para a função.
Tendo em vista estas considerações os
motivos para institucionalizar a disciplina pesaram
mais do que os argumentos para mantê-la na
marginalidade.
4. Os Colégios Militares e a Nova Lei
Logo que a nova lei foi aprovada pelo
CNE(Conselho Nacional de Educação), em julho de
2006, o diretor do Departamento de Ensino
Preparatório e Assistencial (DEPA), órgão do exército
responsável pela manutenção do ensino básico no
Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), convocou os
professores do (SCMB) habilitados nas referidas
disciplinas em todo país para estabelecerem os
conteúdos prioritários, chamado de CORE, coração,
núcleo da disciplina. Desta forma, o objetivo do
encontro era reformular o currículo escolar, o antigo
Plano de Disciplina e Plano de Estudo
(PLADIS/PLAEST). A disciplina de filosofia já era
prevista no então 8º ano e no 1º ano, mas o 2º ano do
ensino médio ainda não constava. Como
conseqüência, fez-se necessário um remanejamento
das disciplinas existentes no 2º ano, e a disciplina de
geometria descritiva que possuía 2 horas/aula por
semana, foi substituída por filosofia e sociologia,
sendo 1 hora/aula cada disciplina.
O encontro para a discussão da mudança do
currículo do ensino médio com os professores
habilitados aconteceu no Colégio Militar do Rio de
Janeiro (CMRJ). Todas as atividades foram custeadas
pelo DEPA, traslado, hospedagem nos hotéis de
trânsito e alimentação. A atividade durou uma semana.
Ao professor, foi conferida a autonomia para inserir no
currículo conteúdos que se adequassem à realidade
de sua cidade. Assim, o resultado dos programas das
disciplinas, atualmente, se apresenta de forma
diversificada, de acordo com os interesses de cada
cidade. A condição estabelecida pelo DEPA foi quanto
à metodologia e abordagem de ensino dos conteúdos,
prescrevendo de forma didática. Seguindo as
instruções do filósofo Silvio Gallo1. Assim, devemos
seguir o processo metodológico da abordagem do
conteúdo, da seguinte forma: sensibilização,
problematização, investigação e conceitualização das
unidades didáticas propostas.
Para isso, durante a reunião que aconteceu
em julho de 2007, os professores participaram de
encontros com palestrantes, professores universitários
convidados para orientar sobre a escolha do material
didático e sobre filosofia e sociologia no vestibular. Foi
conferida aos professores a autonomia de escolher
três livros didáticos e, dentro deste conjunto, cada
cidade poderia escolher a obra de acordo com os
temas regionais mais salientados e vivenciados. Os
1
Professor da Faculdade de Educação da Unicamp e autor de
diversos livros sobre e o ensino de filosofia.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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três livros didáticos escolhidos foram: Fundamentos
da Filosofia, Para Filosofar e Temas de Filosofia,
da mesma autora do livro Filosofando, utilizado até
então pelo SCMB. Como exemplo, temos o Colégio
Militar de Fortaleza (CMF), o Colégio Militar de Recife
(CMR), o Colégio Militar de Salvador (CMS), que
escolheram os Fundamentos da Filosofia, do autor
Gilberto Cotrim. Já o Colégio Militar de Juiz de Fora
(CMJF) escolheu a obra “Para Filosofar”.
Como resultado da reunião, os professores
decidiram manter a filosofia no ensino médio nas
séries (1º e 2º anos) uma hora/aula por semana e
sociologia no 9º ano, e no 2º ano uma hora/aula por
semana, cada série.
Dessa forma, foi consolidada durante o
evento as unidades didáticas dos PLADIS/PLAEST e o
SCMB já está cumprindo com a lei que regula a
obrigatoriedade destas disciplinas no ensino médio.
5. Demanda de Vagas e Professores Habilitados e
prazo para a implantação da lei.
Conforme parecer da educação básica da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Ensino Superior (CAPES), atualmente, o efetivo de
professores de filosofia e sociologia é formado
principalmente por não licenciados nas áreas. Nas
salas de aula de Sociologia, 88% dos docentes não se
formaram na área. Na Filosofia, a porcentagem é de
77%.2 O gráfico abaixo ilustra melhor essa realidade:
sociologia para atenderem o ensino médio, tendo em
vista a carga horária semanal reduzida à uma hora
aula. Cada professor, tendo, em média, dez turmas
distribuídas no ensino médio. Contudo, a pesquisa
realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Ensino Superior (CAPES), responsável
pela formação docente, estipulou que, com a carga
horária de três horas semanais, seriam necessários
107.680 docentes em cada uma dessas disciplinas,
para atender à nova demanda.
A presente estimativa nos leva a concluir em
torno de quatro a cinco professores por escola. Na
verdade, esse quadro apresenta uma visão otimista
das condições de trabalho do docente, levando em
consideração um professor com apenas quatro turmas
e doze horas semanais. Porém, basta verificar que um
professor no Brasil precisa trabalhar em pelo menos
duas escolas e ter pelo menos vinte horas semanais
para completar seu orçamento.
Há 12 cursos de graduação em Sociologia e
Estudos Culturais no País e 83 de Filosofia.
Quanto à forma de implementação da
disciplina e o prazo para a vigência, o processo
continua em discussão. No dia 08 de outubro de 2008
foi aprovado o parecer de nº 22/2008, mas que ainda
aguarda a homologação. Em resumo, o parecer
sugere uma implementação gradual a partir de 31 de
dezembro de 2008, sem colocar a imposição imediata
nas três séries, seguindo os seguintes critérios:
iniciar em 2009, a inclusão das disciplinas em pelo
menos um ano do Ensino Médio, preferentemente
do primeiro ano do curso; prosseguir essa inclusão
ano a ano, até 2011, para os cursos de Ensino
Médio de 3 anos de duração, e até 2011, para os
cursos de Ensino Médio de 3 anos de duração, e até
2012, para os cursos com 4 anos de duração.
(CEB, DF, parecer nº 22/2008)
90%
80%
70%
60%
50%
Filos ofia
40%
Sociologia
30%
20%
10%
0%
lice nciados
Não
lice nciados
Se o parecer for homologado, o prazo para a
implementação parece ser coerente com a realidade
de nosso efetivo. Assim, espera-se que em 2012 as
escolas já tenham se mobilizado para as mudanças na
grade curricular e por conseqüência a demanda de
professores habilitados também aumentará.
6. Conclusão
Existem 25.000 escolas de ensino médio, no
Brasil, e 31.118 profissionais ministrando aulas de
Filosofia e 20.339 de Sociologia no ensino médio e
superior. Isso porque há estimativas de que 17
Estados já tenham aulas dessas disciplinas em pelo
menos um ano do ensino médio. Seria possível manter
o sistema de ensino com um professor habilitado por
escola. É o caso dos Colégios Militares do Brasil, que
mantêm um professor habilitado de filosofia e outro de
2
http://www.sofilosofia.com.br/vi_jornal.php?id=21
O fato é que a filosofia assumiu a condição
que foi pertinente para cada época. No entanto,
podemos observar que mesmo antes da medida ser
aprovada, já existia um aumento na produção de
material didático de filosofia (revistas, livros, cafés
filosóficos e até mesmo filmes) que tentam discutir
alguns problemas mundiais à luz da filosofia.
Fenômenos como aquecimento global, crises
econômicas, atentados terroristas a potências
mundiais, problemas de segurança pública nacional,
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
P á g i n a | 47
corrupção política, segregação socioespacial,
delinqüência infanto-juvenil reclamam por uma atitude
mais filosófica, questionadora, onde a esperança não
se encontra mais na geração adulta, mas na geração
jovem que representa, pelo menos teoricamente, o
futuro da nação. Claro que a filosofia não é nenhuma
tábua de salvação e não podemos afirmar que os
problemas mundiais são causados pela ausência da
discussão filosófica. Mas, a partir do momento em que
os problemas surgem, revela-se a necessidade de
descobrir suas causas, suas origens e possíveis
soluções. Essa indagação sobre o “porquê” de tudo, a
procura de uma resposta fundamentada na razão,
consiste no fundamento da filosofia e consistiu no
principal motivo de seu surgimento.
A educação moral na escola, especialmente a
de âmbito filosófico, tem como objetivo apresentar aos
alunos os diferentes graus e valores conduzidos pela
sociedade, no contexto do debate ético, viabilizado
pelo critério argumentativo-reflexivo. Isto porque os
discursos pós-modernos incidem diretamente no
relativismo moral e, conseqüentemente, no ceticismo
factual. É por isso que a educação moral deve nortear
o educando e conscientizá-lo de que valores como
respeito à dignidade, ao meio ambiente e à vida, são
critérios de convivência e sobrevivência imutáveis. Se
não dispomos de verdades fixas, também não
podemos afirmar que determinados princípios são
negociáveis pela impessoalidade presente nas
relações. E isso depende da formação ética que o
próprio educando poderá encontrar através dos meios
que o educador deverá fornecer.
Forçosamente, muitos alunos irão reconhecer
a dificuldade em filosofia porque escrevem, lêem e
interpretam mal, devido ao despreparo em áreas afins,
como: português, história e geografia. Com a medida,
o ensino superior de filosofia e sociologia será menos
estigmatizado. Nosso jovem terá a oportunidade de
ampliar seu conhecimento cultural, fazendo-o respeitar
as diferenças e valorizar a subjetividade do ser.
Estima-se que o mercado de manuais, dicionários e
traduções será aquecido. A demanda por cursos de
filosofia e a inclusão da disciplina no vestibular
também será uma questão de tempo.
Entretanto, existem aqueles que culpam as
disciplinas de filosofia e sociologia de serem
enfadonhas ou inúteis, quando na verdade, isso não
passa de um discurso falacioso. A partir do momento
em que, elas forem incluídas em todas as escolas,
fizerem parte do processo seletivo no vestibular, forem
ministradas por profissionais habilitados, onde a
escola possa fornecer condições de ensino, de acordo
com as necessidades didáticas, poderemos, então,
discutir o assunto com maestria. Mas, isso infelizmente
ainda não acontece em nosso país.
Agora só nos resta observar as mudanças
para que possamos inferir nossas conclusões. Por
enquanto, ficaremos como espectadores de uma
mudança, na esperança que a lei seja cumprida.
Referências Bibliográficas
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suas representações sociais. 2005. Tese de doutorado
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Acesso em: 14 set. 2008a.
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Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional.
Disponível
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legais. In: ______. Parâmetros curriculares nacionais
para o ensino médio. Brasília, DF, 1999. Parte I.
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públicas de ensino médio. Brasília, DF, 2003.
Mimeografado.
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2 _08.pdf.
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COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, CULTURA E
DESPORTO. Câmara dos Deputados. Audiência
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currículos de ensino médio. Brasília, DF, 2003.
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Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Média e Tecnológica. Parte IV. Brasília, 1999. 364p.
Edição
atual
Disponível
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parecer nº 22/2008.
Brasília,
2008.
Disponível
em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2008pceb02
2 _08.pdf.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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6. AVALIAÇÃO POSTURAL NA ESCOLA:
Uma Ação do Profissional de Educação Física
Adriana Vasconcellos1 ², Clineu França¹ ²,
Marcelo Noronha¹, Marcos Ramos¹
Resumo: A postura do aluno pode ser definida como a posição que o corpo adota no espaço, bem como a
relação direta de suas partes com o centro de gravidade. Boa postura depende de harmonia e equilíbrio do
sistema neuromusculoesquelético. Cada Indivíduo apresenta características próprias de posturas que podem ser
influenciadas por vários fatores: anomalias congênitas ou adquiridas, má postura, obesidade, alimentação
inadequada, atividades física sem orientação ou inadequada, distúrbios respiratórios, desequilíbrios musculares,
frouxidão ligamentar e doenças psicossomáticas. Assim, a avaliação postural do aluno é importante para que os
desequilíbrios possam ser mensurados e as soluções encontradas, para propiciar uma reestruturação completa
de suas cadeias musculares e seu posicionamento no movimento. Nesse contexto, a Seção de Educação Física
do Colégio Militar de Fortaleza implantou um programa de avaliação postural em escolares do ensino
fundamental, público alvo dessa pesquisa, com o objetivo de identificar desvios posturais. Neste estudo
descritivo e transversal foram avaliados 530 alunos na faixa etária de 10 a 16 anos, sendo 222 do sexo
masculino (41,88 %) e 308 do sexo feminino (58,11%). Para a identificação dos desvios posturais mais
evidentes, foi utilizado um simetógrafo com os alunos em posição anterior, posterior e de perfil. Os desvios mais
significativos foram de ombros (27,35%) e quadril (27,16 %). Conclui-se que a implantação de programas de
avaliação postural nas escolas, é de fundamental importância, visto que professores de educação física poderão
não só orientar pais e alunos, bem como intervir através de atividades físicas corretivas para os desequilíbrios
posturais.
Palavras-chave: Postura, Avaliação Postural, Desvios Posturais
Abstract: The posture of the student can be defined as the position that the body stays at in space and the
relationship of its parts with the center of gravity. In order for the body to be in good posture, our
neuromusculoesquelétic system must be in harmony and balance. Each individual has his/her own characteristic
of postures that can be influenced by several factors: congenital or acquired anomalies, inadequate posture and
nutrition, obesity, physical activity without proper guidance, respiratory disorders, muscle imbalances, ligament
laxity and psychosomatic illnesses. Therefore, the assessment of posture in the student is important so
imbalances can be measured and solutions found for better posture. This will enable the complete reconstruction
of the muscle chains and their position in movement. In this context, the Physical Education Section of the
Military School of Fortaleza implemented a program of postural assessment which aimed to identify postural
deviations or flaws in the posture of high school students. This descriptive and cross-cutting study analyzed 530
students aged from 10 to 16 years, with 222 males (41.88%) and 308 females (58.11%). To identify the more
evident postural deviations in students it was used a simetry, looking from the front, the back and the side. The
most significant deviations were shoulder (27.35%) and hip (27.16%). It is necessary to create and put in
practice programs to identify postural deviations in high school, programs where you have the physical education
teacher helping the students and their parents by giving advice and even recommending special activities to help
correct the postural problem.
Keywoards: Posture, Postural Assessment, postural deviations
1
Colégio Militar de Fortaleza. ² Faculdade Integrada do Ceará
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
Define-se postura como a posição que o
nosso corpo adota no espaço, bem como a relação
direta de suas partes com o centro de gravidade,
(VERDERI, 2008). Para que possamos estar em boa
postura, é necessário uma harmonia e equilíbrio do
sistema neuromusculoesquelético. Cada indivíduo
apresenta características individuais de posturas que
podem vir a ser influenciadas por vários fatores:
Anomalias congênitas ou adquiridas, má postura,
obesidade, alimentação inadequada, atividades física
sem orientação ou inadequada, distúrbios
respiratórios, desequilíbrios musculares, frouxidão
ligamentar e doenças psicossomáticas, (Vilarinho,
2002). A avaliação postural permite mensurar os
desequilíbrios e se adequar uma melhor postura aos
individuos, possibilitando a reestruturação completa
das cadeias musculares e seu posicionamento no
movimento.
Nos dias atuais, doenças da coluna têm sido
consideradas um sério problema de saúde pública,
pois se apresentam com alta incidência na população,
incapacitando-a temporária ou definitivamente para
atividades profissionais. Segundo Luca (1999), no
Brasil, os dados fornecidos neste ano pelo INSS
mostraram que a principal causa de aposentados por
invalidez é tais afecções.
Um estudo realizado na Academia Americana
de Ortopedia, nos EUA, revelou que, numa população
de 20 milhões de incapacitados, 8,4 milhões de casos
eram por doenças da coluna. Ao relacionar o ambiente
escolar com postura, percebe-se que os problemas
são diversos, tais como: causas ergonômicas, como
as encontradas no transporte do material escolar;
arquitetura desfavorável do imóvel; disposição e
proporções inadequadas do mobiliário, as quais,
provavelmente, serão responsáveis pela manutenção,
aquisição ou agravamento de hábitos posturais
inapropriados (BRACCIALI E VILLARTA, 2000).
Considerando que as crianças permanecem
por um longo período de tempo nas instituições
escolares e que essas podem não apresentar
condições ergonômicas adequadas, torna-se
conveniente realizar estudos sobre alterações
posturais, sobretudo as da coluna vertebral, por
entender que as mesmas possam gerar agravos
futuros e também pelo elevado número de adultos
incapacitados para uma vida social ativa por
problemas nesse segmento.
Nesse contexto, constata-se que o ambiente
escolar é onde se encontram crianças e adolescentes,
que desenvolvem hábitos posturais incorretos e que
praticam atividades físicas não compatíveis com o seu
desenvolvimento (BRACCIALI, 2000).
É com base nesses fatos que a escola se
apresenta como local ideal para atuação do
profissional de Educação Física não só para jogos,
esportes, dança e recreação, mas também, para atuar
na educação postural dos alunos, prevenindo e
orientando os desequilíbrios posturais. Afinal, é na
escola que se encontra o maior número de crianças
reunidas, e onde se pode aplicar os recursos
disponíveis em sua formação (Ribeiro, 2003), informar
pais e alunos da importância de melhores
posicionamentos da postura, prevenir desequilíbrios,
diagnosticar precocemente e orientar com eficiência, a
fim de combater o aparecimento e desenvolvimento de
alterações posturais.
O Colégio Militar de Fortaleza, escola de
ensino fundamental e média, lidando com crianças e
adolescentes, através da sessão de Educação Física,
desenvolve um trabalho de vigilância desses agravos,
realizando avaliação e diagnóstico de problemas
posturais e encaminhamento para atividades de maior
benefício sem oferecer riscos à saúde, já que conta
com a orientação de profissionais habilitados. Assim, o
presente trabalho tem como objetivo avaliar desvios
posturais em alunos do ensino fundamental.
2. Metodologia
2.1. Tipo de estudo
Estudo descritivo, transversal e quantitativo.
2.2. Amostra
Foram avaliadas no período de março de
2008, 530 alunos do ensino fundamental, distribuídos
em 84 alunos do sexto ano, 116 do sétimo ano, 160 do
oitavo ano e 170 do nono ano, sendo ainda, 222 do
sexo masculino e 308 do sexo feminino
3. Material e Método
Foi utilizado um simetógrafo (Tela demarcada
com linhas horizontais e verticais para observar pontos
antropométricos) empírico da marca Sanny, os alunos
colocados em pé, a frente dele, inicialmente na
posição anterior, e identificado a posição de alguns
pontos anatômicos, como por exemplo: acrômios,
cristas ilíacas, trocânteres, côndilos, maléolos etc.
Após isso, a altura dos pontos do lado
esquerdo foi comparada com os do lado direito em
relação às linhas horizontais e verticais do aparelho e
pôde-se observar as diferenças existentes com
relação à simetria desses pontos. Na posição anterior,
foram observadas assimetrias nos ombros, quadril,
joelhos, tornozelos e pés, sendo que, para o presente
artigo, foram analisados os dados referentes aos
ombros e quadril. Os dados foram processados,
utilizando o programa estatístico excel, integrante do
pacote Office, 2007.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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4. Resultados
No Quadro 1, observa-se a quantidade total
de alunos, apresentando todas as séries e as
quantidades por sexo.
Série
6º Ano
7º Ano
8º Ano
9°Ano
Total
Alunos
84
116
160
170
530
Feminino
39
44
69
70
222
Masculino
45
72
91
100
308
Quadro – 1 Quantidade total de alunos por sexo
No Quadro 2, em anexo, apresenta-se uma
mostragem geral de todos os desvios detectados e
analisados.
O Gráfico 1, em anexo, apresenta os desvios
de ombros e quadril dos lados direito e esquerdo das
turmas do sexto ano
O gráfico 2 apresenta os desvios de ombros e
quadril dos lados direito e esquerdo das turmas do
sétimo ano
O gráfico 3 apresenta os desvios de ombros e
quadril dos lados direito e esquerdo das turmas do
oitavo ano
O gráfico 4 apresenta os desvios de ombros e
quadril dos lados direito e esquerdo das turmas do
nono ano
5. Discussão
Foram avaliados 530 alunos, o desvio
postural mais significativo foi de ombro, representando
27,35% dos alunos analisados, enquanto o desvio de
quadril apresentou um percentual de 27,16%.
Nas análises específicas por séries, nos
alunos do sexto ano, constatou-se a prevalência dos
desvios de ombros 29,76% em relação às do quadril
27,38%. Supõe-se que essa preponderância dos
desvios de ombro em relação às do quadril esteja
relacionado ao peso excessivo das mochilas,
constatado em um estudo similar a esse, dos mesmos
autores. No sétimo ano, ocorre o contrário, o desvio
mais significativo foi o de quadril, 36,20% e o de
ombros apresentou um percentual de 31,03%. Ambos
são considerados elevados, o que leva a crer que tais
ocorrências devam-se ao fato de que os desvios
tenham acompanhado o crescimento compatível com
a faixa etária. No oitavo ano, os percentuais têm
queda significativa, apresentando 23,12% de desvios
de ombros e 17,50% de desvios de quadril. A teoria,
que poderia justificar tal ocorrência, seria o final de um
dos picos de crescimento e o inicio das consolidações
ósseas. No nono ano, os percentuais voltam a subir de
forma preocupante, os desvios de ombros
apresentaram um valor de 27,64% e 30,00% para o
quadril. Uma das teorias, que poderiam justificar esse
evento, seria a consolidação dos centros de
calcificação óssea perante as más posturas
evidenciadas no dia-a-dia.
6. Conclusão
Conclui-se, portanto, que se faz necessário a
correta identificação de desvios posturais, como
também a implantação de programa de avaliação
postural nas escolas, onde os professores de
Educação Física possam orientar os pais, alunos e
intervir através de atividades físicas corretivas para os
desequilíbrios posturais.
Referências Bibliográficas
BRACCIALI, L.M.P. e VILARTA, R. Aspectos a serem
considerados na elaboração de programas de
prevenção e orientação de problemas posturais.
Revista Paulista de Educação Física, 14 (2): 159-71,
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EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Anexos
Quadro 2 – Quadro geral dos alunos avaliados
Gráfico 1 – Desvios de ombro e quadril do sexto ano
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Gráfico 2 – Desvios de ombros e quadril do sétimo ano
Gráfico 3 – Desvios de ombros e quadris do oitavo ano
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Gráfico 4 – Desvios de ombros e quadril do nono ano
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7. A SALA DE AULA DE LíNGUA INGLESA:
Um Espaço de Descobertas e Novas Aprendizagens
Renata Rovaris Diório1
Resumo: Este artigo trata-se do principal objetivo do ensino do Inglês, em escolas da rede oficial de ensino,
que deve ser: possibilitar ao aluno tornar-se cidadão do mundo, comunicando-se com o meio globalizado em
que vive, participando do mesmo e transformando-o, por meio de sua ação, em uma sociedade mais justa. Por
“cidadão do mundo” entendo o homem que pode participar e interagir com o cenário internacional por meio da
aquisição da língua inglesa. Nesse sentido, o aprender inglês propicia condições ao aluno de interagir com
outros povos, o que lhe permite com mais facilidade apropriar-se do saber historicamente elaborado pela
humanidade. Além disso, o aprendizado contextualizado da língua inglesa deve representar uma nova
experiência de vida ao aluno, permitindo-lhe também o conhecimento da realidade onde vive. Esse artigo tratase de uma revisão bibliográfica, abordando a prática docente, enfocando o planejamento do professor, a sala de
língua inglesa como um cenário de descobertas para o aluno e como esse idioma é trabalhado em sala de aula.
Refiro-me também aos processos de aquisição da leitura e da escrita na língua-alvo, explicitando a necessidade
de esses serem compreendidos pelos professores para que possam orientar os seus alunos no desenvolvimento
dos mesmos. Espero, portanto, que esse artigo possa contribuir na construção de alguns “pontos de chegada”
sobre os processos de ensino e de aprendizagem de inglês, assim como, na reflexão sobre a aquisição da
linguagem, na sala de aula de língua inglesa.
Palavras-chaves: Aquisição da Linguagem. Processos de Ensino e de Aprendizagem da Língua Inglesa. Prática
Docente.
Abstract: This article talks about the main aim of teaching English at the public schools, which it must be: to
make opportunities to the student to become a world citizen. So, the student may communicate with the global
world where he/she lives, participating in it and changing it, if it’s possible, by his/her action for a better and a
fair society. For the expression “world citizen”, I think it’s the man that may participate and interact with the
international surroundings by the acquisition of the English language. On this way, learning English it’s a
possibility for the student to get ready, using it as a tool for interaction with other people from different cultures
and backgrounds, in order to help himself/herself to understand the historical social knowledge that has been
built by the mankind more easily. Besides, the contextual knowledge of the English language may stand for a
new experience of the student’s life, giving him/her the knowledge and the comprehension of the reality where
he/she lives in. So, this article is a historical review that talks about the teaching practice, it focus the teacher’s
action and the English classroom as a “passport” to the student for new discoveries in his own life. So, it talks
about how this target language has been taught at the classroom, nowadays. I also explain the reading and
writing acquisition processes in this target language, focusing the necessity of the language teachers understand
them in order to teach their students some strategies to develop these different processes. I hope that this article
may contribute with some conclusions about the teaching and learning English processes and it may make some
reflections about the general acquisition language at the English classroom.
Key Words: Language Acquisition. Teaching and Learning English Processes. English Teaching Practice.
1
Mestre em Educação pela UFC. Especialista em Métodos e Técnicas de Ensino pela UNIDERP. Graduada em Letras pela UFMS. Graduada em
Direito pela FUCMT. Professora do Colégio Militar de Fortaleza. Pesquisadora na área de Formação Docente. E-mail: [email protected]
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. A Importância do Planejamento no Ensino
do Inglês
Para atingir o principal objetivo do ensino do
inglês nas escolas, que é possibilitar ao aluno tornarse cidadão do mundo, comunicando-se com o meio
globalizado em que vive, participando do mesmo e
transformando-o, por meio de sua ação, em uma
sociedade mais justa, é necessário planejar, executar
e avaliar, continuamente, a prática docente. Esses
procedimentos equivalem às ações docentes, em sala
de aula, e, por isso, tornam-se fundamentais. O ato de
planejar, segundo Luckesi (2005, p.146) “[...] é um ato
decisório, político, científico e técnico.” Político porque
estabelece uma finalidade a ser intencionalmente
construída. Nessa perspectiva, acredito que toda e
qualquer ação humana depende de uma decisão
filosófica-política. Nesse caso, o professor de inglês há
de almejar o desenvolvimento integral do seu aluno.
Contudo, o planejamento incide na competência
aplicada do professor, porque está intimamente ligado
às teorias científicas que explicam e compreendem a
realidade, e ao técnico, porque necessita de
metodologias e técnicas de ensino que mediam a
decisão (opção) política e a compreensão científica no
ato educativo. Portanto, planejar não é um ato
mecânico de preencher formulários, mas um ato de
decisão política. E esse implica em um novo modo de
agir do professor.
Isso posto, a escola deve ter um projeto
pedagógico e o planejamento do professor deve estar
em consonância com o mesmo. Esse projeto
pedagógico define os objetivos da educação, enquanto
o planejamento define os conteúdos socioculturais
destinados a serem trabalhados com os alunos.
Assim, a execução de um planejamento não é
linear, mas sim perpassada por processos de
execução, de avaliação, de reorientação da ação
docente naquele determinado momento.
Nesse sentido, entendo a avaliação em sua
dimensão diagnóstica, não a concebendo como mera
verificação da aprendizagem que tem por objetivo a
classificação do educando, num certo estágio de
desenvolvimento. A avaliação, conforme Luckesi
(2005, p.166), “[...] é um meio de poder que decide
sobre a vida do educando e não um meio de auxiliá-lo
ao conhecimento.” No entanto, acredito que a
avaliação deve ser um subsídio para o
redirecionamento que venha a ser necessário na
trajetória da ação docente.
Mas, planejar implica em conhecer, em ter
conhecimento para agir. E, durante a execução do
planejamento, há necessidade de um ensino e de uma
aprendizagem sistemáticos, e, de acordo com Luckesi
(2005, p.151) “[...] com base na assimilação receptiva
de conhecimentos e metodologias, bem como, sua
exercitação e aplicação, chegando à inventividade de
novos conhecimentos.” A assimilação receptiva de
informações e metodologias, assim como a
exercitação do apreendido, a aplicação do mesmo
conhecimento para a resolução de problemas e a
inventividade de soluções para problemas novos,
equivalem às etapas do processo de ensino,
juntamente com os alunos. Por isso, deve haver um
encadeamento lógico entre objetivos, conteúdos
socioculturais e instrumentos metodológicos do ensino
pelo professor, no ato de planejar sua ação em sala de
aula. Sem isso, o planejamento não servirá para
direcionar ou redirecionar a sua ação docente.
Nessa linha de raciocínio, é necessário optar
e decidir sobre quais conteúdos científicos os alunos
têm necessidade de adquirir. É importante optar por
diferentes gêneros textuais, para que o aluno tenha
contato com diversas unidades lingüísticas. Além
disso, os textos, principalmente, os originais, oferecem
aos alunos a possibilidade de conhecer aspectos
relativos às praticas culturais dos povos que têm o
inglês como língua materna. Esses textos revelam a
realidade sóciohistórico-cultural daqueles que os
escreveram, dos grupos a que pertencem e dos
grupos que os lêem.
Assim, as atividades que podem ser
planejadas constituem em: situações comunicativas,
como representações de livros lidos, encenação de
textos teatrais, produção de textos informativos,
roteiros de entrevistas, leituras de revistas, jornais e
sites da Internet, entre outras. É importante garantir
que essas atividades sejam do interesse da faixa
etária do grupo de alunos a que se destinam e que
estejam de acordo com o grau de dificuldade dos
alunos em trabalhar a língua. Isto não significa exigir
pouco do aluno, mas propiciar “doses” certas de
desafios, para que os alunos não se sintam
desmotivados, quanto à aquisição do novo saber.
Somente estimulando a participação dos alunos e
mediando o conhecimento que trazem, por meio de
inúmeros recursos e atividades diversificadas, é que o
professor pode ajudar a construir novas competências
lingüísticas e novos conhecimentos.
Nesse sentido, como já mencionei
anteriormente, os objetivos sempre determinam quais
são os conteúdos socioculturais a serem trabalhados
em Inglês. O professor, após escolher esses
conteúdos, possui uma grande variedade de opções
de textos, como os literários, jornalísticos, científicos,
etc. Além disso, pode utilizar-se de técnicas como o
skimming (estratégia de leitura, de forma rápida,
buscando informações gerais sobre o texto), que
consiste em ler, rapidamente, procurando as idéias
principais, ou por informação específica no texto; o
scanning (estratégia de desenvolvimento de leitura,
visando à compreensão do texto mais detalhado), que
é a leitura mais vagarosa, buscando a compreensão
mais detalhada, como por exemplo, a identificação de
uma seqüência de eventos na história e suas
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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conseqüências. Assim, a definição dos objetivos
alicerçada no interesse sociopolítico de que o aluno
aprenda o Inglês é de extrema importância ao trabalho
do professor, porque encaminha e norteia a sua ação
pedagógica. E segundo Luckesi (2005, p.46):
Um educador que se preocupe com que a sua
prática educacional esteja voltada para a
transformação, não poderá agir inconsciente e
irrefletidamente. Cada passo de sua ação deverá
ser marcado por uma decisão clara e explícita do
que está fazendo e para onde possivelmente está
encaminhando os resultados de sua ação.
Há necessidade, portanto, de reflexão
constante sobre a ação docente, para que o professor
reoriente-a, visando ao sucesso da aprendizagem do
aluno. Cada decisão do professor implicará em
conseqüências nos processos de ensino e de
aprendizagem, por isso deve ser fundamentada em
sua competência aplicada e não tão somente no senso
comum (competência implícita).
Nessa linha de raciocínio, quando os
professores de inglês entram em suas salas de aula,
planejam unidades de ensino, criam materiais e
avaliam seus alunos. Suas ações pedagógicas
orientam-se pela abordagem de ensinar. Essa
abordagem é fruto de crenças, princípios, concepções
do professor acerca da cultura de aprender dos alunos
(representação social dos mesmos), da tradição da
escola, dos filtros afetivos dos alunos e dos próprios
professores, da ideologia do livro didático adotado,
enfim, da “tensão” dessas forças.
Por isso, o professor de inglês deve ter
consciência do “peso” ou significado de suas
representações e, principalmente, reconhecer que sua
prática pedagógica não é neutra, porque a mesma
está fundamentada em seu arcabouço teórico-prático
(competências: implícita, aplicada e profissional).
Devido a isso, o professor deve refletir sobre sua
própria prática, revendo-a, modificando-a, renovandoa, inovando-a, de acordo com as expectativas e
necessidades dos seus alunos. Desse modo, pode
tornar os processos de ensino e de aprendizagem do
Inglês mais sígnico aos discentes.
Isso posto, passo a analisar algumas
concepções da aquisição da linguagem, por achar que
esse conhecimento é pressuposto para a
compreensão da prática docente.
2. A Aquisição da Linguagem na Sala de Aula de
Inglês
Para que, posteriormente, trace algumas
considerações sobre a prática do professor de Inglês,
torna-se necessário falar sobre as concepções da
aquisição da linguagem.
Analisar a aquisição da linguagem é revelar a
importância de falar, ouvir, ler e escrever, assim como,
adquirir outras competências sociolingüísticas. Mas
para isso, é necessário que o aluno desenvolva
habilidades lingüísticas e psicológicas, que se
estendem desde a decodificação de palavras até a
compreensão de textos escritos.
Desse modo, a leitura passa a ser um
processo de aquisição de estratégias cognitivas e
metacognitivas, cabendo ao professor ensiná-las por
meio de pistas, de “dicas”, na medida da realização
dessas leituras.
Nesse sentido, a linguagem é concebida
como uma forma de interação social que vai além do
domínio semântico, bem como da estrutura textual. Ela
significa conhecer o sentido e o significado social para
compreender como as pessoas interpretam e
representam a si mesmas e a realidade na qual estão
inseridas.
Os atos de ler e de escrever podem encerrar
o prazer que o indivíduo encontra em estar consigo, de
sonhar, de fantasiar, de esquecer, de penetrar em
outros mundos, enfim, de “falar sozinho”. E se o aluno
não tem esta atitude, diante da leitura e da escrita, ele
provavelmente tem dificuldades na aquisição da língua
materna, e, por conseguinte, na língua estrangeira.
Ler significa desvendar sentidos que estão
nas entrelinhas dos textos, ultrapassar barreiras do
aparente, compreender a intencionalidade do autor do
texto, mediante o contexto em que esse se insere. Ler
é, principalmente, dialogar com o texto, colocando-se
no lugar do escritor do texto, objetivando a
compreensão da mensagem.
A leitura corresponde a um processo que “[...]
envolve aspectos cognitivos, metacognitivos,
estratégias de controle e regulamento do próprio
conhecimento; reflexão sobre o próprio saber, o que
torna esse saber mais acessível às mudanças”
(KLEIMAN, 1989, p.9) e psicolingüísticos (aspectos
lingüísticos, que envolvem também, elementos
psicológicos dos aprendizes), pois constitui um ato
social. Logo, tanto estratégias de leitura, quanto
habilidades lingüísticas são necessárias para o ato de
ler.
As estratégias metacognitivas são aquelas
que envolvem o porquê de ler e para qual finalidade se
lê. A não compreensão do enunciado é o primeiro
passo, para que o leitor consciente possa averiguar os
motivos pelos quais não entendeu o texto, bem como
os caminhos a serem tomados para o entendimento
textual. Através de estratégias como releitura do texto,
resumo do texto com os principais temas nele
abordados, análise semântica de palavras chaves,
entre outras, o leitor pode compreender melhor o
escrito e a intencionalidade do autor do texto.
As estratégias cognitivas da leitura são
inconscientes ao leitor, ou seja, estão em nível do
subconsciente, propiciando ao mesmo fazer uma
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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análise semântica-sintática do texto. Para Kleiman
(1989, p.13), as estratégias cognitivas estão inseridas
no conhecimento prévio do aluno. Este se divide em:
“[...] conhecimento lingüístico, conhecimento textual e
o conhecimento de mundo e são ativados durante o
processo de leitura.” Por isso a leitura é considerada
um processo interativo, pois envolve todos estes
“saberes”. Isso significa que o professor deve respeitar
o conhecimento prévio do aluno, mediando seu
conhecimento sociolingüístico e textual, visando à
aprendizagem de novos conhecimentos.
Para um entendimento da leitura, é preciso
que se faça a análise da linguagem falada e escrita,
pois segundo Smith (1989, p.42, há dois aspectos que
devem ser considerados neste processo de aquisição
da leitura: “[...] a estrutura aparente da linguagem e
sua estrutura profunda [...] A estrutura aparente é a
informação visual da linguagem escrita [...], enquanto
que em contraste à estrutura aparente, o significado
da linguagem, seja falada ou escrita, pode ser
chamado de estrutura profunda.”
Para o autor, esses dois aspectos estão
separados por um abismo, não havendo relação direta
entre ambos. Enquanto que a estrutura aparente
consiste no conhecimento da gramática formal,
normativa, regras de semântica e sintaxe, a estrutura
profunda consiste na busca do significado. E isso está
além dos sons, da mera tradução das palavras. A
estrutura profunda é holística, é global, não separa os
eventos ou suas descrições em elementos
fragmentados.
Não faz sentido o leitor decodificar a
linguagem escrita em fala porque são elementos
distintos. A linguagem escrita não se torna mais
compreensível pela fala, mas sim pelas leituras de
mundo que o leitor possa ter. Além disso, é preciso
considerar, ainda, as circunstâncias na qual a
valorização é feita, devido às relações de poder que
elas podem representar, entre outros aspectos.
O aluno deve saber “falar” diferente de
pessoas e contextos diferentes. Usar a formalidade da
língua-alvo somente quando for necessário, assim
como, ser informal no uso diário do inglês. Porém, faz
sentido a linguagem escrita, se envolver de
significações, através das palavras, visando ao
verdadeiro entendimento da mensagem. Isso porque a
palavra isolada não quer dizer nada, só tem sentido
dentro de uma sentença, em um contexto, para um
leitor específico. Portanto, as palavras podem ser
ambíguas (polissêmicas) e o significado dessas,
depende do contexto e das opções de mundo do leitor.
Para Smith (1989, p.48), a compreensão da
linguagem pode ocorrer também pela previsão, e esta
significa:
[...] simplesmente que a incerteza do ouvinte ou do
leitor está limitada a umas poucas alternativas
prováveis e desde que a informação possa ser
encontrada na estrutura aparente do que foi ouvido
ou lido para a eliminação da incerteza remanescente
– para indicar qual alternativa prevista é apropriada,
então a compreensão se realiza.
A previsão permite, segundo o autor, extrair
significado de todos os eventos de nossas vidas. O
mesmo ocorre com a aquisição da leitura em inglês,
ela deve possuir certo grau de previsibilidade do aluno,
para que esse compreenda mais facilmente a mesma.
A razão de o leitor poder prever é poder
facilitar aos alunos a aprendizagem da leitura a a partir
de um material que encontrem sentido. Dessa forma,
se o material for desconhecido ou fragmentado, torna
a previsão impossível e a leitura compreensiva mais
difícil de se realizar.
Ainda sobre o ato de ler, enfatizo que esse é
um processamento cognitivo e por isso deve ser
ensinado, em sua relação com o autor do texto, “[...]
entre linguagem escrita e compreensão, memória,
inferência e pensamento”. (KLEIMAN, 1998, p.31).
Esse processo começa pelo ato de perceber o objeto
(o texto), como um todo, inserido em um contexto, sem
isso, o aluno/leitor acaba adquirindo a leitura, de uma
forma mecânica, descontextualizada da realidade.
Kleiman (1998, p.32) faz um resumo desse
processo cognitivo e psicológico, que consiste em:
a. o processamento do objeto (do texto) começa
b.
c.
d.
pelos olhos, que permitem a percepção do mesmo
(conhecimento instantâneo das palavras);
esse material passa a uma memória que o
organiza
em
unidades
significativas
(reconhecimento das palavras do léxico);
o mesmo material passa por outra memória que
ativa conhecimentos anteriores (reconhecimento
sintático das palavras) e,
passa por uma memória mais profunda, uma
análise mais acurada do texto, juntamente, com a
sua análise semântica, chegando a seu
significado (reconhecimento sintático-semântico).
O processo de leitura depende de muitos
fatores: tanto cognitivos, quanto psicológicos,
perpassando por uma memória aparente e outra
profunda, para traduzir os significados dos enunciados
das mensagens.
Portanto, a previsão lingüística, necessária à
aquisição da leitura, consiste em olhar ao redor para o
tipo de linguagem falada, usando também o
conhecimento anterior do leitor. Mas, para isso, é
necessário seguir uma linha de pensamento, com
argumentos coesos, alicerçados pelo processo de
leitura acima citado.
Vale ressaltar, também, que o conhecimento
lingüístico envolve conhecimentos morfossintáticos e
fonéticos, assim como, o próprio uso da língua inglesa.
O conhecimento textual implica em distinguir a
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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estrutura narrativa dos textos, por exemplo: marcação
temporal, cronológica, pela causalidade (causa e
tempo), identificação dos temas do texto (ênfase nas
idéias e não nas ações), fazer analogias, teses,
hipóteses, conclusão sobre o texto. Quanto mais
conhecimento textual (narrativo, descritivo ou
argumentativo), mais fácil será sua compreensão,
porque o conhecimento das estruturas textuais (da
estrutura expositiva) e de tipos de discurso determina
as expectativas dos alunos em relação ao texto. Para
o aprendizado do inglês, isso significa ter mais
facilidade na apreensão das idéias e do próprio
contexto do texto, tornando essencial à compreensão
da leitura e, por conseguinte, da escrita em inglês.
Nesse sentido, o conhecimento partilhado da
cultura envolve fazer inferências sobre as diversas
variações lingüísticas, baseadas em culturas
diferentes, visando à compreensão do texto. Isso
contribui, em demasia, para o desenvolvimento da
leitura em inglês, pois o conhecimento de mundo é
fundamental para todas as áreas do conhecimento.
É essencial também que o professor perceba
que há variações lingüísticas da língua-alvo. Isso
corresponde em entender que a linguagem também
pode modificar, tanto na língua materna, quanto na
língua-alvo, podendo ter diferentes estilos,
incorporando gírias, ou até mesmo, dialetos de um
grupo social específico.
Para Kleiman (1998, p.40), “[...] a
aprendizagem é construída na interação de sujeitos
que têm objetivos comuns.” Aprender a ler, não é
decifrar ou decodificar, mas compreender o significado
e o sentido das mensagens dos diferentes
interlocutores no enunciado do texto, possibilitando a
interação. Esse processo cognitivo de aquisição da
linguagem é essencial ao ensino da língua inglesa e o
professor precisa estar consciente de seu papel como
mediador, facilitando a aprendizagem dessa línguaalvo.
Portanto, um dos procedimentos a ser
desenvolvido pelo professor de língua materna, ou de
língua inglesa, no decorrer do processo da leitura, é o
ensino do vocabulário. Todavia, esse não pode ser
mais entendido como aquele que busca o significado
das palavras no dicionário apenas, mas aquele que
vai, além disto. Isso não significa menosprezar o uso
do dicionário, porém, mostrar ao aluno a característica
polissêmica das palavras, em virtude de contextos
diferentes.
Por isso, os idiomas não podem ser
traduzidos de forma mecânica, isto é, palavra por
palavra, de uma língua para outra, pois, dependendo
do contexto, existem vários significados para uma
mesma palavra (a polissemia), sem falar nos vários
significados que a palavra vai adquirindo, de acordo
com o seu caráter volitivo-emocional e de acordo com
a entonação em que a mesma é produzida.
O aluno tem de aprender que o contexto vale
muito mais no entendimento do enunciado, do que a
tradução literal das palavras. Não que o uso do
dicionário não seja importante para a ampliação do
vocabulário, mas não é somente desse modo que o
aluno apreende novas palavras.
Nessa linha de raciocínio, segundo Kleiman,
um dos aspectos mais importantes no processo de
desenvolvimento da leitura, é a escolha de atividades,
baseadas na convergência da própria leitura, até que o
aluno possa desenvolver as estratégias necessárias
para uma leitura pessoal, individual e singular. A
autora ainda acrescenta que “[...] para que haja uma
possibilidade de interação com o autor, é crucial, que a
divergência na interpretação, esteja fundamentada na
convergência, que se fundamenta, por sua vez, não
em uma leitura autorizada, mas na análise crítica dos
elementos da língua que o autor utiliza” (KLEIMAN,
1998, p.61).
A divergência na interpretação consiste na
possibilidade do enunciado ter vários sentidos, mas
convergir para o mais conhecido. O leitor também
pode ter um entendimento diferente da idéia do autor
do texto, devido às suas experiências, às suas
vivências. O que possibilita caráter dialógico da
linguagem, em que autor e leitor interagem, buscando
o entendimento recíproco do texto.
Nessa perspectiva, para o desenvolvimento
das habilidades de leitura, o professor deve recorrer a
diversos tipos de materiais de leitura: literatura, livros
didáticos, obras técnicas, dicionários, listas,
enciclopédias, quadros de horário, catálogos, jornais,
revistas, anúncios, cartas formais e informais,
cardápios, músicas, sinais de trânsito, receitas, entre
outros materiais. Assim, a leitura pode ocorrer nas
mais diversas situações: “[...] de um recital público de
poesia ao exame privado de listas de preços e
horários de ônibus” (SMITH, apud SOARES, 2000,
p.69). Isso possibilita tornar compreensivo e ter
significado a aquisição do inglês aos alunos. Portanto,
o material utilizado para aquisição da linguagem oral e
da linguagem escrita na língua-alvo pode ser desde a
elaboração de uma lista de compras até uma redação
mais elaborada.
Sob essas considerações, há um grande
número de habilidades cognitivas e metacognitivas
que constituem a leitura e a escrita. Enquanto as
habilidades de leitura estendem-se da habilidade de
decodificar palavras escritas à capacidade de integrar
informações de diferentes textos, as habilidades de
escrita estendem-se da habilidade de registrar
unidades de som até a capacidade de transmitir
significado de forma adequada a um leitor. Segundo
Soares (2000, p.70), a escrita:
[...] engloba desde a habilidade de transcrever a
fala, até habilidades cognitivas e metacognitivas;
inclui a habilidade motora (caligrafia), a ortografia, o
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uso adequado de pontuação, a habilidade de
selecionar informações sobre um determinado
assunto e de caracterizar o público desejado como
leitor, a habilidade de estabelecer metas para a
escrita e decidir qual é a melhor forma de
desenvolvê-la, a habilidade de organizar idéias em
um texto escrito, estabelecer relações entre elas,
expressá-las adequadamente.
Isso significa dizer que o desenvolvimento da
escrita não é algo tão simples porque corresponde ao
conhecimento e ao domínio de várias habilidades
cognitivas,
lingüísticas,
sociolingüísticas
e
metalingüísticas. Além de expressar bem as suas
idéias, os alunos devem escrevê-las corretamente,
usando o código lingüístico para tal feito e, ainda,
devem saber os porquês e os objetivos que querem
alcançar com tal escrita específica.
Todavia, com relação ao processo de
aquisição da leitura, Kleiman (1998, p. 52), afirma: “[...]
se os professores de outras disciplinas se envolverem
neste processo de aquisição da leitura, as
oportunidades de construir objetivos significativos para
a leitura se multiplicariam.” Mas, para isso, os
processos de aquisição da leitura e da escrita devem
ser vistos, não somente, como atividades, meramente,
escolares, e exclusivamente, nas aulas de língua
portuguesa e/ou língua inglesa, mas como
instrumentos de preparo para o exercício pleno da
cidadania de qualquer indivíduo. Isso porque o
conhecimento científico deve ser prioridade na
educação dos indivíduos, para que estes possam
participar da sociedade, transformando-se por meio de
sua ação. Digo, dessa forma, porque acredito que
conhecer, compreender, conscientizar-se é o primeiro
passo para a emancipação do indivíduo. E para que
ele possa transformar a sociedade, é necessário que
tenha domínio do conhecimento científico construído
pela humanidade ao longo dos tempos. Esse é um dos
objetivos principais da educação humana.
3. Conclusão
O professor de Inglês, portanto, em seus
primeiros contatos com os alunos, deve conversar
sobre a importância da leitura na vida do indivíduo.
Essa conscientização é significativa, pois, se o aluno
apresenta dificuldades na leitura em língua materna,
não compreende o significado dos enunciados, não
gosta de ler, ou ainda, não têm o hábito da leitura, é
porque não vê a necessidade da mesma, ou porque o
professor não utiliza estratégias de ensino, que o
motive enfrentar os desafios da leitura.
Para isso, o professor de língua inglesa
precisa ser “[...] um profissional que atue de modo
criativo e não reprodutivo” (DEMO apud CELANI,
1996, p.12). A criatividade é necessária na profissão
do professor, assim como, em qualquer outra profissão
nos dias atuais. Sem ela, o professor somente
transmite conteúdos. E a mera transmissão de pontos
gramaticais não possibilita ao aluno aprender o inglês,
porque adquirir uma língua-alvo vai muito mais além
da codificação ou decodificação, demanda raciocínio
lógico, compreensão, estabelecimento de relações,
novas compreensões.
Nesse sentido, Luckesi (2005, p.42) afirma
que, para o professor trabalhar em sala de aula, é
necessário: “[...] romper com esse estado de coisas,
rompendo com o modelo de sociedade e com a
pedagogia que o traduz.” Isso significa que, para
modificar a ótica conteudista do professor, faz-se
necessário mudar paradigmas, que só reproduzem os
conceitos da sociedade neocapitalista. Isso porque a
pedagogia só traduz o tipo de sociedade que estamos
inseridos.
Nesse sentido, penso que a tensão das lutas
de classe entre a burguesia e o proletariado, deve
promover uma sociedade mais igualitária e justa,
rompendo com a pedagogia da opressão, da
reprodução do saber e dessa forma, promover
também a pedagogia da libertação, da autonomia dos
indivíduos.
4. Referências Bibliográficas
CELANI, M.A.A. O perfil do educador do ensino de
línguas: o que muda? Comunicação apresentada em
mesa-redonda. In: ENCONTRO NACIONAL DE
POLÍTICAS
DE
ENSINO
DE
LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS, 1, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 1996.
LUCKESI, C.C. Avaliação da aprendizagem escolar.
São Paulo: Cortez, 2005.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise
psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1989.
KLEIMAN, A. O texto e o leitor: aspectos cognitivos da
leitura. Campinas: Pontes, 1989.
____________. Oficina da leitura: teoria e prática. 6.
ed. Campinas: Pontes, 1998.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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8. RAZÕES PARA O USO DA LITERATURA
NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA
Margaret Corchs1
Resumo: Este artigo trata do uso do texto literário no ensino de língua inglesa como ferramenta no
desenvolvimento do aprendizado dos alunos. O objetivo é apresentar as vantagens do uso de tais textos nas
aulas de inglês, visto que, a literatura representa uma nova forma de aprendizado que engloba um universo de
informações desconhecidas por muitos alunos, como a linguagem poética, sonoridade, diversos estilos de
escrita, questões culturais, entre outros. É válido ressaltar que as atividades envolvendo o texto literário podem
ser aplicadas usando as quatro habilidades da língua: falar, ouvir, ler e escrever, o que facilita o aprimoramento
do idioma segundo a revisão bibliográfica feita para este artigo. O uso dos textos literários no ensino de língua
inglesa pode despertar o interesse dos alunos por ressaltar a subjetividade e proporcionar uma visão mais
ampla e rica de informações. Dessa forma, o aluno estará apto a usar a sua criatividade em atividades
interessantes, diferenciadas e que proporcionam desenvolvimento no aprendizado do idioma.
Palavras-chaves: Ensino; Língua inglesa; Texto literário.
Abstract: This article deals with the use of literary texts in English teaching as a tool in students’ learning
development. The objective is to present the advantages of the use of such texts in the English classes since
literature represents a new form of learning which consists in a universe of information unknown by many
students like the poetic language, the sonority, different styles of writing, cultural issues and others. It is
important to emphasize that the activities that involve the literary texts can be applied using the four abilities of
the language: speaking, listening, reading and writing which improve the language development according to the
bibliographical revision made for this article. The use of the literary texts in the education of English language
can awake the interest of the pupils for standing out the subjectivity and providing an ampler and rich vision of
information. This way, the student will be able to use his/her creativity in interesting and different activities that
can also provide development in students’ learning.
Key-words: Teaching; English language; Literary texts.
1
Mestre em Lingüística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará e Especialista no ensino de língua inglesa. Oficial temporária do Exército
Brasileiro. Professora do Colégio Militar de Fortaleza, Brasil. [email protected]
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
Para o presente artigo, é válido ressaltar que
o termo literatura é usado para referir-se aos diversos
gêneros literários como contos, poemas, romances ou
peças de teatro. A literatura aqui é vista como um
recurso nas aulas de língua inglesa visando ao
aprendizado do idioma e a quebra de atividades
comuns em sala.
Segundo Duff e Maley (2003), a literatura é
vista na língua inglesa como algo remoto e distante da
linguagem comum. Entretanto, não devemos
considerá-la como algo que não faz parte da língua,
pois pode ser uma ferramenta muito útil no ensino de
língua inglesa, já que dispõe de vários recursos como
a sonoridade, o uso de figuras de linguagem, o estilo
de escrita, vocabulário variado, que também podem
ser explorados nas aulas dos cursos livres de inglês
para aprimorar o aprendizado dos alunos em relação
ao idioma, evitar atividades repetitivas e, ao mesmo
tempo, enriquecer o conhecimento de mundo dos
alunos.
Brumfit e Carter (2000) afirmam que a
literatura proporciona a mais acessível e rica forma de
integração entre o passado e o presente. Isso se dá a
partir de cada leitor através do contato com a
linguagem literária que por sua vez abrange
informações sobre vários aspectos como: filosofia,
política, arte, religião de outros países, além de
promover o contato com outras formas de pensamento
e tradição cultural. O aprendizado da língua não
estaria vinculado apenas à aquisição desta, mas
também ao aprendizado de outras culturas.
É válido salientar que não só os textos
literários trazem informações sobre a cultura de outros
países; contudo, tais textos proporcionam ao aluno um
contexto e uma linguagem que despertam o interesse
em descobrir mais sobre determinada cultura ou povo
e permitem confrontá-la com aspectos de sua própria
cultura. Através dos textos literários, o aluno é
colocado em um contexto diferente do que está
habituado em se tratando do aprendizado de uma
língua estrangeira. Esse universo com que o aluno se
depara torna-se algo novo, o que o motiva a perceber
novas informações. Para Ur (1996), o uso da literatura
nas aulas de língua inglesa pode ser muito útil, já que
esta desenvolve o vocabulário, sugere tópicos para
discussões e redações, apresenta diferentes estilos de
escrita, entre outros.
2. A Literatura em Sala de Aula de Língua Inglesa
O uso da literatura no ensino de língua
inglesa vem sendo discutido com mais freqüência e
implantado aos poucos, já que traz benefícios não só
lingüísticos, como também culturais. Mckay (1995)
apresenta o desenvolvimento da criatividade dos
alunos como um desses benefícios e salienta que
existe uma transferência de imaginação do universo
literário para os aprendizes. Essa transferência
enriquece o conhecimento de mundo do aluno que,
através da exposição a uma nova forma de
aprendizado, é estimulado a usar sua criatividade com
mais freqüência, bem como participar com mais
empenho das atividades propostas.
Muitas vezes, a criatividade dos alunos não é
estimulada o suficiente em sala de aula, pois em
alguns casos o estilo de atividades desenvolvidas pelo
material ou pelo professor, já é conhecido pelos alunos
e isso retrai muitas vezes a participação e uso do lado
criativo. Duff e Maley explicam bem esta questão:
As atividades devem apresentar amplas
oportunidades para os alunos de contribuir e dividir
suas próprias experiências, percepções e opiniões.
Pela sua própria natureza o texto literário dá acesso
a várias experiências pessoais que cada aluno
possui. (DUFF e MALEY, 2003, p.6) [1]
Lazar (2004) cita várias razões para o uso de
textos literários no ensino de língua inglesa:
a. ajuda o aluno a entender outras culturas;
b. encoraja os aprendizes a expor suas opiniões
e sentimentos;
c. estimula a aquisição da língua
d. desenvolve a capacidade de interpretação
dos alunos;
e. constitui material autêntico;
f. podem ser encontrados em vários níveis;
g. tem valor educacional;
h. é apreciado pelos alunos;
i. é motivador.
Sobre o aspecto cultural da literatura, a autora
supracitada exemplifica que os textos literários são
formas contextualizadas do aluno ter conhecimento de
como um indivíduo, membro de uma determinada
sociedade, agiria ou se comportaria em uma situação
específica. A descrição de uma fazenda localizada na
Austrália, por exemplo, familiarizaria os alunos com o
cenário típico da região, bem como o tipo de estrutura
social que pode ser encontrada. Os alunos poderiam
ter uma visão de como seriam os relacionamentos,
emoções e atitudes dos habitantes do local. É válido
ressaltar que os traços culturais de outros povos são
suscetíveis
de
avaliações,
discussões
e
questionamentos por parte dos alunos que, como
indivíduos, podem dar suas opiniões e expressar seus
sentimentos acerca de tais traços.
Outro ponto comentado pela autora e que, de
certa forma, relaciona-se com o item anterior, é que o
uso dos textos literários promove situações onde os
alunos, ao participarem, expressando seus
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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sentimentos e opiniões, aceleram o processo de
aquisição da língua. Por exemplo: crianças com nível
básico de inglês, quando estimuladas a lerem um
pequeno poema em voz alta, acrescentando gestos ou
mímica, podem fixar melhor o vocabulário, alguns
padrões gramaticais e a entonação.
Sobre o desenvolvimento das habilidades de
interpretação, Lazar comenta que ao trabalhar textos
literários com os alunos, esses desenvolvem sua
capacidade, já que tais textos são muitas vezes ricos
em ambigüidades ou figuras de linguagem que ajudam
no desenvolvimento da habilidade leitora, por
estimularem os alunos a deduzirem as informações
implícitas no texto. Brumfit e Carter também falam
sobre a riqueza do texto literário:
[...] Primeiro, o texto literário é um texto autêntico
com linguagem real dentro de um contexto. Ele
oferece um conteúdo cuja exploração e discussão
do conteúdo (o qual, se apropriadamente escolhido,
pode ser importante na motivação para estudo) leva
a uma percepção natural da linguagem usada.
(BRUMFIT e CARTER, 2000, p. 15) [2]
Além disso, os textos literários proporcionam
exemplos de recurso de linguagem usados em sua
totalidade, ou seja, de diversas formas. O leitor, por
sua vez, exerce um papel de interação ao trabalhar
com tais textos e compreender melhor a língua.
Uma outra questão a ser destacada aqui é a
autenticidade do material. De acordo com Brumfit e
Carter (2000), o texto literário é o único tipo de texto
onde diversas formas de linguagem podem ser usadas
e mescladas ao mesmo tempo. Cook (2000)
acrescenta que uma das características do texto
literário é o uso de neologismos, arcaísmos, figuras de
linguagem que tornam os textos literários ainda mais
interessantes, pois os alunos podem interagir com
uma nova forma de linguagem a qual não estão
habituados. Entretanto, é importante lembrar que os
textos a serem trabalhados com os alunos não devem
ser tão marcados por estas características para não
dificultar a leitura, pois como já dito anteriormente, um
dos objetivos de usar o texto literário na sala de aula
de língua inglesa é estimular a participação do aluno e,
para que isso aconteça, devemos ser criteriosos com a
escolha do material a ser trabalhado.
Além dos aspectos citados, Duff e Maley
(2003) ainda observam que os textos literários se
apresentam de diversas formas, ou seja, os alunos
têm contato com amostras de vários gêneros de
escrita como peças, contos, poemas e romances. Isso
traz benefícios para os aprendizes que se deparam
com outras formas de apresentação da linguagem
escrita, além de quebrar a rotina de atividades em sala
de aula.
Lazar (2004) exemplifica e descreve alguns
aspectos positivos de se trabalhar com peças ou
extrato de peças em sala de aula. Este tipo de gênero
literário é rico em diálogos, logo, usá-los com os
alunos é uma forma motivadora de focar a linguagem
oral. É claro que os diálogos dos personagens nas
peças diferem da linguagem do dia-a-dia, mas são
ricos em pausas, interrupções, hesitações, que podem
enfatizar aspectos importantes da língua em si. É
válido mostrar aos alunos que o idioma não é estático,
ou seja, há traços como entonação, pronúncia,
hesitação, que devem ser levados em consideração na
fala.
O uso de peças também promove a interação
entre os alunos, fazendo com se sintam fortemente
engajados, o que reflete positivamente na sua
participação. Além disso, os conflitos de ordem
humana, moral e política que normalmente fazem
parte do enredo das peças, tornam-se recursos
valiosos que unem os estudantes intelectualmente e
emocionalmente, gerando temas para discussão.
A autoconfiança dos alunos também pode ser
melhorada através das peças. Até mesmo os alunos
mais tímidos que sentem dificuldade em improvisar,
podem participar através do texto escrito, praticando a
pronúncia e a entonação dos diálogos.
Gareis (2000), que também defende o uso da
literatura em sala de aula de língua inglesa, enfatiza
que os próprios alunos solicitam a leitura de textos
literários. Ela ainda sugere o uso de adaptações
fílmicas como complemento e suporte para atividades
em sala, já que muitos romances foram adaptados
para o cinema. Acrescenta, ainda, que os alunos
podem desenvolver vídeos com base na leitura.
Todos esses exemplos de como trabalhar o
texto literário são dados para evitar casos que nos
deparamos com freqüência. Muitos alunos não
demonstram interesse em ler determinado texto
contido nos materiais didáticos e, conseqüentemente,
resistem em realizar as atividades sugeridas. Isso
acontece porque, muitas vezes, as atividades
propostas pelo material são praticamente as mesmas
ao longo do curso, mudando em muitos casos, apenas
o grau de dificuldade dos textos, mas mantendo o
estilo de atividades que envolvem perguntas e
respostas prontas, relacionadas à leitura. Essa falta de
interesse dificulta não só o andamento da aula, mas
também compromete o aprendizado do aluno, já que o
pensamento crítico e criativo não é estimulado. Para
Duff e Maley, as aulas de língua inglesa devem ser
voltadas para a participação de todos. Vejamos o
comentário abaixo:
O aluno é um agente ativo em sala de aula e não
um receptor passivo. É essencial para nós que as
atividades provoquem interação entre leitores e
texto [...], e entre os leitores mesmos, incluindo o
professor. (DUFF e MALEY, 2003, p.5) [3]
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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É válido salientar que o texto literário promove
esse tipo de interação, já que está aberto a vários
tipos de interpretação, dando suporte ainda para
outras atividades como explicam Holmes e Moulton
(2001) ao discorrerem sobre as vantagens do uso da
poesia em sala de aula de língua inglesa, pois
incentivam o uso desse gênero literário não só para
desenvolver a habilidade leitora, como também a
habilidade escrita. Segundo as autoras, a poesia é um
veículo importante não só para a prática de estruturas
gramaticais, mas também pode ser muito útil na
prática das habilidades da língua, bem como no
desenvolvimento de vocabulário, pronúncia, escrita,
apreciação literária, entre outros.
As autoras enumeram ainda as vantagens de
incentivar os alunos a escreverem poemas. Além do
aspecto cultural, elas destacam:
a. uso de vocabulário familiar aos alunos;
b. descoberta de novas palavras através do uso
do dicionário;
c. prática de estruturas como frases, ordem de
palavras e tempos verbais;
da autoconfiança em
compartilhar idéias na escrita;
e. uso da criatividade e imaginação; prática de
pronúncia e escrita de palavras etc.
d. desenvolvimento
É importante observar que tal prática pode ser
utilizada em todos os níveis e em todas as idades,
porém, de acordo com a realidade cultural de cada
país, ou seja, os alunos devem ser estimulados a
escrever sobre assuntos que lhes sejam familiares e
que também sejam motivadores. Isso evita que as
atividades voltadas para habilidade escrita tornem-se
repetitivas. Alguns temas, por exemplo, já estão
saturados, pois frequentemente são solicitados ao
longo do curso como: final de semana, férias,
carnaval, infância. Tais assuntos devem ser evitados,
pois não trazem nenhum desafio para os aprendizes.
A partir desses exemplos, destaco aqui que o
objetivo de trabalhar com a literatura é exatamente
fugir dos padrões que os alunos estão acostumados.
Padrões de perguntas e respostas prontas, circular
verbos, adjetivos, pronomes etc. A razão de se
trabalhar com os gêneros literários é justamente fazer
o aluno ir além do que está acostumado, enxergar
outras formas de aprendizado, poder usar sua
imaginação e criatividade com mais freqüência, útil às
quatro habilidades da língua. E é isso que queremos
dizer em usar a literatura como ferramenta no ensino
de língua inglesa.
3. A Escolha dos Materiais e a Questão da
Dificuldade
O uso da literatura no ensino de língua
inglesa promove algumas discussões sobre a seleção
correta dos materiais e a dificuldade dos alunos
mediante à utilização de textos literários em sala de
aula, já que muitos deles são considerados difíceis.
Com relação à dificuldade dos textos, levanto
a seguinte questão: o que classifica um texto como
difícil? Se refletirmos bem, podemos afirmar que
qualquer outro tipo de texto que não seja literário pode
ser considerado difícil, pois a dificuldade pode estar
somente no léxico ou na articulação gramatical etc.
Em outras palavras, o texto literário não é o único tipo
de texto que apresenta dificuldades, logo essa questão
é muito relativa, já que a literatura se apresenta em
vários níveis e de diversas formas como: contos de
fadas, poemas, peças e estórias curtas. Além disso,
qualquer outra atividade desenvolvida em sala de aula
pode gerar dificuldades, se tais atividades não forem
bem explicadas ou se não estiverem de acordo com o
nível lingüístico e até mesmo cultural da turma.
Sobre este tema, Aebersold e Field (1997)
enfatizam que os textos literários podem ser
encontrados em todos os níveis. Logo, não se pode
fazer comparações ou classificações quanto ao que é
mais difícil ou complexo, já que a linguagem
empregada pode ignorar o tipo de texto. Os autores
exemplificam: uma história curta não é
necessariamente mais difícil do que um artigo de
jornal.
Para que as atividades com o texto literário
alcancem os objetivos aqui apresentados, é
necessário que se estabeleçam critérios para uma
seleção correta e coerente dos textos a serem
trabalhados com os alunos, pois uma escolha aleatória
dos materiais pode conseqüentemente, gerar
dificuldade na atividade proposta. Brown (1995)
também afirma que o professor deve escolher
materiais adequados ao nível dos alunos e com os
objetivos previamente traçados para a leitura. Vejamos
o que diz Lazar a esse respeito:
Ao escolher um texto literário para usar com seus
alunos, você deve considerar três áreas principais.
São elas: o tipo de curso que você está ensinando,
o tipo de alunos que estão fazendo o curso e alguns
fatores relacionados com o texto em si. (LAZAR,
2004, p. 48) [4]
Para Aebersold & Field (1997) dois critérios
devem ser levados em consideração durante a
escolha do material, são eles: o conteúdo cultural dos
textos e a relevância destes para a realidade de vida
dos alunos, pois muitas vezes o aspecto cultural de
um determinado texto é tão implícito que torna a leitura
uma obrigação ao invés de um prazer. Sobre o
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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segundo aspecto que levanta a questão da relevância
do texto com a realidade dos alunos, observemos com
atenção o seguinte trecho:
Os alunos mais jovens geralmente respondem
melhor a história sobre assuntos que são centro de
suas vidas como relacionamentos, trabalho,
adaptação cultural, música. Os alunos mais velhos
freqüentemente apresentam interesses mais
abrangentes. O professor que souber as
preferências dos seus alunos será capaz de fazer
escolhas mais sábias. (AEBERSOLD e FIELD,
1997, p. 163.) [5]
Gareis (2000) também alerta os professores
quanto à seleção correta de materiais. Enfatiza que
devem evitar textos que estejam fora da realidade dos
alunos em termos de linguagem e conteúdo. Muitas
vezes a linguagem que se apresenta nos textos
literários não é o tipo de linguagem que o aluno
necessita no curso de inglês. Logo, o professor deve
estar atento a todos os aspectos, quando decidir
trabalhar com a literatura em sua aula, já que esta
envolve razões lingüísticas, metodológicas e
pedagógicas.
4. Conclusão
Este artigo sugere o uso da literatura no
ensino de língua inglesa, visto que, essa é conhecida
pela riqueza de sua linguagem e a diversidade de seus
textos. Além disso, a literatura se apresenta como uma
nova forma de aprendizado que foge à rotina de
atividades de sala de aula. Observamos também que
os textos literários podem ser encontrados em vários
níveis, incluindo os níveis mais básicos e podem ser
explorados de várias formas diferentes, quebrando,
assim, o estilo de atividades de sala de aula, bem
como a idéia de que usar a literatura nas aulas de
inglês representa dificuldade para os alunos.
Seria interessante que as editoras incluíssem
com mais freqüência textos literários em seus
materiais didáticos e explorassem atividades criativas
e interessantes envolvendo as quatro habilidades.
Espero que os cursos livres de língua inglesa abram
espaço para o uso dessa nova ferramenta e que esse
artigo contribua para que os professores possam usar
a literatura em suas aulas, visando à participação e ao
desenvolvimento dos alunos.
Notas
[2] “…First, literary text is authentic text, real language
in context, to which we can respond directly. It offers a
context in which exploration and discussion of content
(which if appropriately selected can be an important
motivation for study) leads on naturally to examination
of language”.
[3] “The student is an active agent not a passive
recipient. It is vital for us that the activities provoke a
genuine interaction between the reader and the text
[…], and between the readers themselves including the
teacher!
[4] “In choosing a literary text for use with your
students, you should think about three main areas.
These are: the type of course you are teaching, the
type of students who are doing the course and certain
factors connected with the text itself.”
[5] “Younger students usually respond well to stories
about issues that are central to their own lives –
relationships, work, cultural adjustment music. Older
students often have a broader range of interests. The
teacher who knows her students’ preferences will be
able to make wiser choices.
Referências Bibliográficas
AEBERSOLD, J. A. & FIELD, M. L. From reader to
reading teacher. Cambridge: University Press, 1997.
BROWN, H.D. Teaching by principles: an interactive
approach to language pedagogy. New York: Prentice
Hall Regents, 1994.
BRUMFIT, C. J & CARTER. Literature and language
teaching. Oxford University Press 2000
COOK, Guy. Texts, extracts and stylistic textur. In:
BRUMFIT, CJ & CARTER. Literature and language
teaching. Oxford university, 2000. p 150-166.
DUFF, A & MALEY, A. Literature. Resource books for
teachers. Oxford University Press, 2003.
HOLMES, V. L & MOUTON, M. R. Writing simple
poems: pattern poetry for language acquisition.
Cambridge: Cambridge University press, 2001.
LAZAR, G. A window on literature. Cambridge:
Cambridge University press, 1999.
________. Literature and Language teaching. A guide
for teachers and trainers. Cambridge: Cambridge
University press, 2004.
MCKAY, S. Literature in the ESL classroom. In:
BRUMFIT, CJ & CARTER. Literature and language
teaching. Oxford university, 2000, p. 191-198.
UR, P. A course in language teaching. Practice and
theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
[1] “The activities should offer ample opportunities for
the students to contribute and share their own
experiences, perceptions and opinions. By their very
nature literary texts give access to the worlds of
personal experience which every student carries
within.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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9. OBJETOS DE APRENDIZAGEM
NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA*
Bergson Rodrigo Siqueira de Melo1
Alisandra Cavalcante Fernandes2
Geraldo de Oliveira Macedo Júnior3
Verônica Maria Lavor Silva de Melo4
Resumo. Ao analisarmos o uso das novas tecnologias no contexto educacional, notamos algumas mudanças na
ação de ensinar e aprender. Com a necessidade de entender esse processo, investigamos os Objetos de
Aprendizagem (O.A), mecanismos computacionais, que conseguem contribuir para uma aprendizagem mais
rápida e significativa. Buscamos ressaltar a importância dos objetos de aprendizagem (O.A), como também
refletir sobre as pesquisas e definições a cerca da utilização desses recursos digitais. O presente artigo também
tem como objetivo mostrar pontos comuns e divergentes sobre os conceitos de objetos de aprendizagem (O.A),
na visão de alguns pesquisadores e da pedagogia sócio-interacionista. Esse artigo faz também uma
retrospectiva histórica dos primeiros pesquisadores a utilizarem objetos de aprendizagem (O.A) em suas
práticas educacionais, uma vez que nosso objetivo é refletir sobre o uso de objetos de aprendizagem (O.A) na
educação Matemática, fazendo uma reflexão sobre as possíveis vantagens em utilizar esses recursos digitais
em sala de aula, bem como sobre os impactos desses objetos alvos para educadores e aprendizes.
Palavras-chave: Objetos de Aprendizagem, Educação Matemática, definições.
Abstract. When analyzing the use of the new technologies in the educational context, we notice some changes
in the action of teaching and learning. With the necessity to understand this process, we investigate the Objects
of Learning (O.L.), computational mechanisms, which can contribute for such faster and significant learning. We
aim at highlighting the importance of objects of learning, as well as reflecting on the researches and definitions
about the use of these resources. The approach is the outline of the first changes historic, and policies of the
educative computer science are necessary since our objective is to reflect on the conceptual theory of
Mathematics.
Keywords: Objects of Learning, Mathematical Education, definitions
1
Mestrando em TIC para a formação em EAD. Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza. [email protected].
Mestranda em TIC para a formação em EAD. Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza. [email protected].
3
Especialista em Educação. Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, [email protected]
4
Especialista em Matemática e Física. Universidade Regional do Cariri (URCA), Crato. [email protected].
* Sob orientação de Mauro Cavalcante Pequeno, Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professor Adjunto
da UFC. [email protected]. E também de José Aires de Castro Filho, Doutor em Mathematics Education pela University of Texas at Austin
(USA) e professor Adjunto da UFC. [email protected].
2
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
Com objetivo de favorecer a prática docente,
a escola inicia um longo processo de apropriação das
novas tecnologias. Os recursos interativos vistos
através do computador estreitam a dualidade entre o
ensino e a aprendizagem. Pellanda (2000) fala que a
dualidade no processo de ensino e aprendizagem
deve ser vista como uma produção compartilhada
entre o educador e aprendiz. Ambos, juntamente com
o conteúdo, são os maiores responsáveis pelo
processo.
Acreditando nisso, apresentamos uma revisão
bibliográfica sobre os conceitos e as definições de
objetos de aprendizagem (O.A), que ressaltam a
importância desses mecanismos, como suporte, para
a mediação pedagógica.
2. A Problemática
Na sociedade atual, a tecnologia faz parte do
cotidiano de todos. Mesmo tendo uma situação sócioeconômica menos favorecida, por exemplo, o aprendiz
percebe o mundo de maneira digital. Isso ocorre
quando entra no ônibus ou liga a TV ou acessa os
terminais eletrônicos dos bancos diariamente. Sobre
isso, Carretero (1997) fala que o conhecimento é um
produto da interação social e da cultura.
Os órgãos governamentais e as políticas
públicas anos atrás iniciaram através de um lento
processo de transformação, a implementação de
projetos educacionais voltados para o uso do
computador nas escolas. Com objetivo inicial de
formar os aprendizes para o futuro, porém, ainda não
havia professores conhecedores dos recursos
oferecidos pela tecnologia. Com o passar dos anos,
essa realidade mudou, apesar de todas as dificuldades
no percurso. Para Lévy (1998) a utilização multiforme
dos computadores para o ensino está se propagando
na escola, na casa, na formação profissional e
contínua. Essa utilização carrega em si uma
redefinição docente e de novos modos de acesso aos
conhecimentos.
Na atualidade percebemos com nossa prática
docente que as crianças e adolescentes já iniciam na
escola com uma grande predisposição a interagirem
muito bem com as máquinas mergulhado assim no
mundo
digital
que
está
ao
seu
alcance.
Uma das primeiras diretrizes tomadas pelo
MEC, na esfera político – educacional, propõe
melhorias na informática educativa. Assim em 1982,
foi estabelecido que: o desenvolvimento e a utilização
da tecnologia da Informática na Educação,
respeitando os valores culturais e sócio-políticos sobre
os quais se assentam os objetivos do sistema
educacional e estabelecendo que os programas
computacionais destinados ao ensino, fossem
desenvolvidos por equipes brasileiras.
Até então, os programas vinham de outros
países. Esse foi o início do grande e novo desafio:
construir programas educacionais compatíveis com a
diversidade cultural brasileira.
Após o início dessa evolução na informática
educativa, surge o trabalho desenvolvido com os
objetos de aprendizagem (O.A), tendo como principal
objetivo dinamizar a relação aprendiz x PROFESSOR
X APRENDIZAGEM através do uso do computador.
Ainda sobre essa relação, Pellandra (2000)
diz que ao falar em processo de ensino e
aprendizagem,
estamos
nos
referindo
ao
desenvolvimento dos sujeitos. A nossa preocupação
reside em promover situações nas quais o aprendiz
aprenda
a
aprender,
potencializando
sua
aprendizagem de uma forma mais significativa,
modificando assim a realidade do aprendiz
positivamente, já que as ferramentas digitais poderão
modificar a aprendizagem dele para melhor.
Segundo Piaget (1998), o papel do educador
está ligado ao modo como este concebe a aula.
Contraditoriamente ao ensino tradicional, em que o
educador impõe seus conhecimentos de maneira
autoritária. Piaget é ainda tradicional, porque ele é
apenas interacionista e não sócio-interacionista. Para
ele, a criança precisa amadurecer apenas
fisiologicamente e aí haverá a prontidão necessária
para ele aprender. Nesse sentido, para a criança
aprender, conforme Piaget basta apenas um excelente
laboratório, visto que ela aprenderá sozinha pela
interação com o meio. Essa concepção é diferente
para os sócio-interacionistas como Vygotsky. Os O.A
como ferramentas de suporte ao professor são
fundamentais para o surgimento de uma nova maneira
de ensinar e aprender
O trabalho com objetos de aprendizagem
(O.A) propõe uma nova maneira de solucionar
problemas, uma nova forma de fazer com que o
aprendiz realize reflexões, e mostra situações em
contextos reais. Sobre isso, Piaget (1998) ressalta que
é a partir do objeto que a criança chegará a construir
sua solução. Com as condições básicas laboratoriais,
o aprendiz consegue solucionar problemas. No
entanto, não é apenas o uso das tecnologias que irá
mudar o contexto educacional do país, contudo a
busca por novas formas de ensinar poderá renovar a
dinâmica da educação. De acordo com Brunner (2001)
não se deve cometer o erro de imaginar que a
mudança educacional será guiada pelas novas
tecnologias da informação e comunicação, por mais
poderosas que sejam. A educação é muito mais que
seus suportes tecnológicos;: encarna um princípio
formativo, é uma tarefa social e cultural que, sejam
quais forem as transformações que experimente,
continuará dependendo, antes de tudo, de seus
componentes humanos, de seus ideais e valores. Por
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
P á g i n a | 68
acreditar nisso, reconhecemos nos Objetos de
Aprendizagem (O.A) tais componentes humanos e
valores, que bem definidos para facilitará e melhorará
a qualidade do ensino, proporcionando aos aprendizes
e educadores uma melhoria considerável nos
processos de ensino e aprendizagem.
Mas afinal, como reconhecer um objeto de
aprendizagem? Como defini-lo? Quais são as suas
principais características? Qual formato possui?
3. Conceitos de Objetos de Aprendizagem
Segundo Muzio (2001), as definições sobre
objetos de aprendizagem ainda são consideradas
vagas, pois existem muitas diferentes definições para
Objetos de Aprendizagem (O.A) e muitos outros
termos são utilizados. Isso sempre resulta em
confusão e dificuldade de comunicação, o que não
surpreende, em virtude desse campo de estudo ser
novo. Contudo apesar de vagos, existem várias
maneiras de conceituá-los.
Durante muitos anos foram desenvolvidas
pesquisas e estudos sobre esse tema, o presente
artigo também tem como objetivo, mostrar pontos
comuns e divergentes sobre os conceitos de objetos
de aprendizagem.
Muzio et al (apud Cisco 2001, p.2) fala que
objeto de aprendizagem (O.A) é “[...]um granular,
reutilizável pedaço de informação independente de
mídia”. Em suas pesquisas, Muzio diz que os O.A são
objetos educacionais, objeto independente e
componente de treinamento, pepita ou pedaço de
determinados conteúdos. Caracteriza-o como objeto
de comunicação, o qual é designado ou utilizado para
propósitos instrucionais. Estes objetos vão desde
mapas e gráficos até demonstrações em vídeo e
simulações interativas. Os objetos de aprendizagem
(O.A), segundo as pesquisas de Muzio, são elementos
de um novo paradigma da ciência da computação,
pois são construídos baseados em uma instrução
computacional.
Ele menciona ainda que esses podem ser
utilizados simultaneamente por várias pessoas ligadas
à internet e sua reutilização pode ser realizada
em/para contextos educacionais diversos.
Outra definição bastante conhecida é a de
Beck (2002, p.1) em que os concebe como “[...]
qualquer recurso digital que possa ser reutilizado para
o suporte ao ensino”. A principal idéia dos Objetos de
Aprendizagem (O.A) é quebrar o conteúdo
educacional em pequenos pedaços que possam ser
reutilizados
em
diferentes
ambientes
de
aprendizagem, em um espírito de programação
orientada a objetos.
Como pesquisador da área de educação e
tecnologia, penso que os objetos de aprendizagem
(O.A) podem contribuir de uma forma muito ampla
para melhorar o ensino e aprendizagem, mas tudo isso
só depende da postura do educador, frente ao desejo
de inovar suas aulas.
Além disso, Wiley (2002, p.52) acredita que
“[...] uma mudança importante também pode estar
surgindo na maneira com que os materiais
educacionais
são
projetados,
analisados,
desenvolvidos e apresentados para aqueles que
desejam aprender e para ele, os objetos de
aprendizagem (O.A) são entidades digitais utilizadas
para divulgar informação através da internet, as quais
são independentes umas das outras.
Beck (2002, p.2), em definição similar a Wiley
ressalta que objeto de aprendizagem “[...] é qualquer
entidade, digital ou não digital, que possa ser usada,
reutilizada ou referenciada durante o uso de
tecnologias que suportem ensino”.
Para Handa e Silva (2003), os objetos de
aprendizagem (O.A) podem ser reutilizados para
darem suporte a vários cursos diferentes, eles têm a
flexibilidade de ser transportado de uma plataforma
para outra, sem serem alterados, e são construídos de
maneira que tenham início, meio e fim, daí a sua
flexibilidade, e podem ser utilizados sem manutenção
contínua.
Os objetos de aprendizagem (O.A) devem
estar inseridos em um contexto pedagógico que serve
de mediação para consolidar um conhecimento ao ser
manipulado por aprendizes e educadores. A partir do
momento em que um objeto é utilizado várias vezes,
em circunstâncias diversas, também vai sendo
aprimorado e melhorado, consolidando-se e
melhorando a qualidade do ensino.
Metadata é uma descrição completa do objeto
de aprendizagem (O.A), seu conteúdo e utilização.
Este importante item permite a catalogação e a
codificação do objeto, tornando-o compreensível para
as diversas plataformas. Visando facilitar o
entendimento de metadata, pode-se pensar num
processo semelhante a fichas de consulta de uma
biblioteca.
Handa e Silva (2003, p.09) falam que “[...] um
objeto de aprendizagem (O.A) é um arquivo digital
(imagem, filme etc.) que pretende ser utilizado para
fins pedagógicos e que possui, internamente ou
através de associações, sugestões sobre o contexto
apropriado para sua utilização”.
Filho et al (2004, p.5) considera que objetos
de “[...] aprendizagem podem ser descritos como
qualquer recurso utilizado para apoio ao processo de
aprendizagem. Dando continuidade a esse
pensamento Sá e Machado (2004) falam ainda que os
O.A são recursos digitais, que podem ser usados,
reutilizados e combinados com outros objetos para
formar um ambiente de aprendizado rico e flexível”.
Para Longmire (2001) objetos de
aprendizagem (O.A) devem possuir características
peculiares, nas quais, ressaltem a importância da
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“flexibilidade”, ou seja, eles já devem nascer flexíveis,
podendo ser reutilizados. Devem também ser de fácil
atualização, customização, usados para vários
segmentos e interoperabilidade que deve sempre ser
pensado para o ensino a nível mundial.
Pensamos que os O.A além de serem
ferramentas digitais (complexas ou fáceis) podem
facilitar o ensino e aprendizagem tanto para
educadores e aprendizes porque podem também ser
considerados jogos educacionais. Tudo isso depende
da ótica docente e do manejo em sala de aula. Isso
porque a teoria dos “O. A” implica em uma prática
reflexiva e fundamentada no cotidiano escolar.
O objeto de aprendizagem (O.A) na prática é
atividade de multimídia, interativa, a qual se apresenta
na forma de animações ou simulações, direcionando o
conteúdo educacional disciplinar em pequenos trechos
que podem ser reutilizados em vários ambientes de
aprendizagem.
4. Objeto de Aprendizagem e Matemática
4.1. Repositórios
Os repositórios funcionam como depósitos
para os objetos de aprendizagem na internet. Para Sá
e Machado (2004, p.06), os repositórios não só
potencializam os objetos de aprendizagem e sua
localização como também [...] asseguram que o
usuário pode encontrar conteúdos com padrões em
termos de nível, qualidade e formato”.
Alguns pesquisadores defendem que é
fundamental que haja organização de uma série de
atividades didáticas para ajudar os aprendizes a
compreender áreas específicas do conhecimento
(ciências, história, matemática). Assim como a
apresentação de um repositório, a organização entre
os conteúdos é também fundamental.
No site do Laboratório Virtual da Escola do
Futuro da USP [http://www.labvirt.futuro.usp.br] e de
cooperação internacional entre países da América
Latina (Brasil, Peru e Venezuela), a Rede Internacional
Virtual
de
Educação
(RIVED)
[http://rived.proinfo.mec.gov.br], são repositórios de
objeto de aprendizagem (O.A). O RIVED teve como
objetivo “[...] melhorar o ensino de Ciências e
Matemática no ensino presencial das escolas públicas
com o uso de Objetos de Aprendizagem” (ABAR,
2004).
4.2. Exemplos de objetos de aprendizagem
Nessas pequenas ferramentas digitais ou
softwares educacionais ou ainda jogos educativos,
podemos encontrar conteúdo multimídia, conteúdos
instrucionais, objetivos de ensino de determinados
assuntos que compõem a sua programação
pedagógica, dando o suporte tecnológico para
qualquer conteúdo educacional.
Entretanto, entende-se que um objeto de
aprendizagem é o conjunto de todos esses recursos,
que estejam envolvidos em um processo educacional,
visando à aprendizagem e à formalização de
conceitos.
Figura 1: Tela inicial do O.A - Gangorra Interativa
Temos o Gangorra Interativa que é um
exemplo de objeto de aprendizagem (O.A), ele tem
uma característica bem intuitiva que faz a simulação
de uma gangorra de pesos, como aquelas em que as
crianças costumam usar em parque de
diversão (Figura 1).O objetivo deste objeto de
aprendizagem é fazer com que os alunos equilibrem
pesos em cada um dos lados da gangorra [CastroFilho et al., 2007].
Aqui nós falaremos especificamente do objeto
de aprendizagem (O.A), Gangorra Interativa por ser
uma ferramenta digital que já utilizamos em nossas
práticas educacionais.
Esse O.A tem cinco níveis diferentes de
dificuldade e permite trabalhar os conceitos de
grandezas proporcionais, abordando o equilíbrio e a
relação peso x distância. Como em seu mecanismo
não há linearidade entre os níveis, o aprendiz pode
decidir usar qualquer um dos níveis de sua
preferência. Em todos os níveis, os pesos utilizados
têm os seguintes valores: 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70,
80, 90 e 100. Com isso espera-se que o aluno possa
estabelecer as relações entre os dois lados da
gangorra e perceba nas simulações o sentido de
grandezas diretas e inversamente proporcionais.
Dessa forma, segundo Ausubel, (1978) o objeto de
aprendizagem busca interagir e proporcionar ao aluno
uma aprendizagem significativa.
No processo da dualidade ensinoaprendizagem significativo, o aprendiz precisa ter uma
experiência com o material pedagógico que vai
estudar. Segundo Tavares (2003), com base nesse
requisito, busca-se, no uso da interatividade, a solução
para o desenvolvimento cognitivo mais eficiente do
aprendiz. Nesse sentido, os objetos de aprendizagem
devem ser considerados como unidades de pequena
dimensão, desenhadas e desenvolvidas de forma a
fomentar a sua reutilização, eventualmente em mais
do que um curso ou em contextos diferenciados, e
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
P á g i n a | 70
passíveis de combinação e/ou articulação com outros
objetos de aprendizagem de modo a formar unidades
mais complexas e extensas, conforme Pimenta e
Batista (2004). Ressalta-se ainda que o objeto de
aprendizagem Gangorra Interativa é de simples
usabilidade e de fácil compreensão por parte dos
aprendizes, sendo bastante intuitivo (Figura 2).
Esse objeto de aprendizagem também dispõe
de um número de movimentos realizados com o
objetivo de observar a quantidade de manipulações
que o usuário realizou para descobrir a seqüência dos
pesos não conhecidos pelos usuários:
Figura 2-Tela do objeto de aprendizagem
Gangorra interativa
5. Conclusões
A partir dos estudos e apontamentos teóricos
sobre objetos de aprendizagem, pode-se inferir que:
• É fundamental o interesse dos professores
em trabalhar com os objetos de
aprendizagem, como também criar condições
propícias e motivadores ao ensino e
aprendizagem
dos
mecanismos
computacionais.
• O uso dos Objetos de Aprendizagem (O.A)
auxilia no processo ensino-aprendizagem,
tendo como conseqüência a qualidade no
ensino.
• O objeto de aprendizagem representa uma
nova maneira de ensinar. Essa nova
tecnologia dentro da sala de aula possibilita o
suporte ao processo de construção do
conhecimento do aprendiz.
• Os
Objetos de aprendizagem são
reconhecidos por estudiosos como softwares
com características “bem específicas”, ou
seja, devem possuir algumas características
direcionadas, tais como:
Devem ser digitais, ou seja, devem ser
utilizados através do acesso ao
computador.
Devem ter tamanho limitado, ser
pequenos, em alguns casos pode ser até
reconhecido como parte ou uma atividade
especifica de um software maior.
Devem ter tempo limitado, deve ser
planejados para ser utilizados em uma
determinada aula.
Devem ter como objetivo um conteúdo
determinado, com foco voltado na
aprendizagem de um determinado
conceito.
Completando essa idéia, os objetos de
aprendizagem devem ser, segundo Pimenta e Batista
(2004), unidades de pequena dimensão, desenhadas
e desenvolvidas de forma a fomentar a sua
reutilização, eventualmente em mais do que um curso
ou em contextos diferenciados, e passíveis de
combinação e/ou articulação com outros objetos de
aprendizagem de modo a formar unidades mais
complexas e extensas.
Concluímos, assim, que a utilização dos
objetos de aprendizagem provoca diminuição de custo
e aumento na qualidade nos processos de ensinos e
de aprendizagem.
Os objetos de aprendizagem (O.A) são
recursos tecnológicos que foram criados com o intuito
de interagir com as práticas educacionais. E os
repositórios disponíveis na internet, como o Projeto
RIVED, vêm melhorando significativamente o modo
como os objetos de aprendizagem são armazenados,
pois leva em consideração o grande número de
pesquisadores e instituições que promovem
pesquisas.
Esse artigo traz apenas apontamentos
iniciais, maiores estudos devem ser realizados para
constatar a real eficácia da utilização de Objetos de
Aprendizagem (O.A) na área da educação.
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P á g i n a | 72
10. PARTIÇÃO DE
ZE
SUAS APLICAÇÕES
Delano Klinger Alves de Souza1
Resumo: Nesse artigo desenvolvo alguns resultados de Teoria dos Números Inteiros; de modo a criar uma
técnica alternativa, que facilita enormemente na resolução de problemas de divisibilidade, sem recorrer ao
exaustivo algoritmo euclidiano da divisão e nem da teoria de congruências módulo de n. Esses resultados são
decorrentes da definição de partição do conjunto dos números inteiros no formato
r + k Z , que será o viés
deste trabalho cientifico. A aplicação desta técnica foi feita no treinamento dos alunos bolsistas CNPQ-Jr da 3ª
OBMEP (Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas) nos meses de outubro e novembro de 2007 na
cidade de Sobral, Ceará. A metodologia de ensino utilizada na pesquisa de campo do uso desta técnica é
devido a George Polya: How to solve it: A New Aspect of Mathematical Method.
Palavras-chaves: Inteiro. Algoritmo da divisão. Partição. Forma.
Abstract: In this article I develop some results of the Integers Number Theory, so in order to create an alternative
technique, which facilitates greatly the resolution of issues of divisibility, without resorting to comprehensive
algorithm euclidiano of division and not the theory of congruence module n. These results came from are arising
from the definition of partition of all integers numbers in the format, which will be the bias of this scientific work.
The application of this technique was made in the training through the use of this technique is due of students
CNPQ stock-Jr of the 3rd OBMEP (Mathematics Olympiad Public Schools) in October and November in 2007
in the city of Sobral, Ceará. The teaching methodology used in the research field of use of this technique is due
to George Poly: How to solve it: A New Aspect of Mathematical Method.
Key Words: Integer. Algorithm of division. Partition. Form.
1
Mestre em Matemática pela Universidade Federal da Paraíba. Licenciado em Matemática pela Universidade Estadual do Ceará. Professor do
Colégio Militar de Fortaleza e da Universidade Estadual Vale do Acaraú.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
Ao ensinar por diversas vezes a disciplina
Estruturas Algébricas II (Teoria dos Anéis), na
Universidade Estadual Vale do Acaraú, observei que, no
tópico ideal e anéis quocientes, podemos criar uma
técnica para o ensino de teoria dos números inteiros que
envolvam o algoritmo da divisão, em nível de ensino
fundamental e médio, para as turmas de olimpíadas de
matemática. Técnica esta, que não precisa recorrer ao
exaustivo algoritmo euclidiano da divisão, usado para o
ensino fundamental e médio e nem da sofisticada
ferramenta da congruência módulo n, criada por Gauss e
bastante usado o ensino superior. Na verdade o método
aqui apresentado, nada mais é do que a congruência
módulo n escrita numa linguagem elementar, tornando
assim, o ensino destes tópicos mais prazerosos e
interessantes.
2. Desenvolvimento
Particionando o conjunto dos números inteiros
em subconjuntos denominados de Partes de Z , cujos
elementos possuem um formato bem definido. A partir
dessas formas, poderemos resolver diversos problemas
de aritmética dos inteiros, sem recorrer diretamente ao
algoritmo Euclidiano da divisão ou a congruência módulo
de n.
Como ponto de partida, defino o que é uma
partição de um conjunto A qualquer. Para isso, sejam A
um conjunto qualquer não vazio e ℘( A) o conjunto das
partes de A. Dizemos que um conjunto não vazio
P ⊂℘( A) é uma partição de A quando forem
atendidos os dois quesitos:
vazios de Z , disjuntos dois a dois e cuja união é o
próprio Z . Denotando os múltiplos de um inteiro nãonulo k por kZ , o conjunto Y = {2¢ , 3¢ } não forma
■
uma partição de Z , pois 2¢ ∩3¢ = 6¢ ≠ ∅ .
Sejam agora r , k ∈ ¢ , com 0 ≤ r <k. O
subconjunto de Z formado por todos os inteiros que
deixam o mesmo resto r na divisão euclidiana por k será
denotado aqui por r + k Z . O caso 0 + k Z , ou
simplesmente kZ representa todos os múltiplos do
inteiro não-nulo k.
Exemplo 2. 7 Z=
={0, ± 7, ± 14, ± 21, K } e
1 + 7Z=={K , − 13, − 6,1,8,15, K }.
■
Exemplo 3. Os inteiros do conjunto 1 + 7Z=assumem a
forma 7k+1 ou podem ser escritos na forma 7k+1,
enquanto o subconjunto dos inteiros, 1 + 3Z=é constituído
pelos inteiros da forma 3k+1.
■
Teorema. Seja k um inteiro não-nulo. Então todo inteiro
pode assumir uma, e somente uma das seguintes
formas: nk ou nk+1 ou nk+2 ou ... ou nk+(k-1), para um
certo inteiro n.
Demonstração. A justificativa do Teorema acima é que o
conjunto:
P = {k ¢ ,1 + k ¢ , 2 + k ¢ , … , ( k -1) + k ¢ },
onde k é um inteiro positivo, forma uma partição de Z..
■
Exemplo 4. Todo inteiro assume uma das formas: 5k ou
5k+1 ou 5k+2 ou 5k+3 ou 5k+4
■
1. Todo inteiro escrito na forma
nk + ( k + s), onde 0 ≤ s < k e n é um inteiro
conveniente, pode ser também escrito na forma nk + s.
Proposição
i)
∀X , Y ∈ P , X ≠ Y ⇒ X I Y = ∅;
ii)
U
X ∈P
X == A .
Observação 1. Note que a definição dada acima é
equivalente a dizer que cada elemento de A pertence a
um e somente um elemento (ou bloco) da partição P de
A. Uma das partições mais simples que podemos obter
de A em dois subconjuntos é o conjunto:
P== { X , A - X }
Demonstração. Seja
nk + ( k + s). Assim,
a
um
inteiro
da
a = qk + ( k + s ) = ( q + 1) k + s
Chame q + 1 de n e portanto o inteiro em questão
pode ser escrito na forma nk + s.
■
Exemplo 5. Todo inteiro da forma 5k + 7 é também da
forma 5k + 2 . De fato, se a é um inteiro da forma
5k + 7 , então a = 5q + 7 ; de modo que
Observação 2. Daqui por diante, tomarei A = ¢ .
Exemplo 1.
forma
a
P== {{1, 2,3, 4, K },{K , -4, -3, -2, -1, 0}} é uma
partição de Z , pois P=é formado de subconjuntos não
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
=
5q + 7
= 5q + 5 + 2
= 5( q + 1) + 2
P á g i n a | 74
Portanto o inteiro a assume a forma 5k + 2
■
Proposição 2. Sejam a e b dois inteiros
respectivamente escritos nas formas: nk + r e
nk + s. Então:
Observação 4. Também posso dizer que este inteiro
assume a forma mk + a n , para um certo inteiro m.
Observação 5. De modo análogo temos que (k − b ) n é
da forma mk + (-b) n .
Exemplo 6. 10 200 − 1 é divisível por 11. De fato,
i) a + b assume a forma nk + ( r + s );
ii) a − b assume a forma nk + ( r − s );
iii) ab assume a forma nk + rs;
10 = 11 − 1
10200 = (11 − 1) 200
Demonstração. Demonstrando apenas iii). De fato,
sejam os inteiros a da forma nk + r e b da forma
nk + s. Assim a = nq + r e b = nq + s, para q = k .
Desse modo, teremos sucessivamente,
que é da forma 11k + 1 ; logo 10 200 − 1 é da forma
11k , e portanto 10 200 − 1 é divisível por 11.
■
Exemplo 7. Acharei agora, o resto da divisão de 2 45 por
7. Temos:
a ⋅b =
( nq + r )( nq + s
= n ² q ² + nqr + nqs + rs
= nq (r + s + nq ) + rs
2³ é da forma 7k + 1
(23 )15 é da forma 7k + 1
Logo 2 45 é da forma 7 k + 1 e portanto deixa resto. ■
Chamando q ( r + s + nq ) de k, chega-se a conclusão
que a ⋅ b assume a forma nk + rs.
■
Proposição 3. Se um inteiro é da forma mnk + r ,
então ele também é da forma nk + r ou mk + r , onde
m,n são inteiros positivos.
Demonstração. Seja um inteiro a na forma mnk + r.
Desse modo a = mnq + r , para q = k . Assuma agora
mq = k , para concluir que a é da forma nk + r.
Observação 3. A recíproca desta proposição não é
verdadeira.
Proposição 4. Sejam k , n e b três números inteiros,
com k ≠ 0 e n > 0 . Então o inteiro (k + b ) n assume a
forma
■
mk + b n ,
para
algum
m∈¢.
Demonstração. Considerando a expressão (k + b ) n
que representa o binômio de Newton, temos:
p =0
n −1
=
∑ (np )b p k n− p + (nn )bn k 0
p =0
=
para um certo inteiro m.
Exemplo 10. Se n é um quadrado perfeito e também
n também é múltiplo de 3. Com
efeito, suponha por absurdo que n seja um inteiro
∑ (np )b p k n− p
=
Exemplo 9. Considere o terno ( a, b, c) para representar
as medidas dos lados dos triângulos retângulos, onde a
é a hipotenusa e b e c os catetos. Os ternos ( a, b, c)
de medidas inteiras recebem o nome de ternos
pitagóricos. Não existe nenhum terno pitagórico nos
quais as medidas dos catetos sejam ambos ímpares. De
fato, digamos que isso seja possível, ou seja, b 2 e c 2
assumem a mesma forma 4k + 1 . Acontece que
b 2 + c 2 = a 2 e desse modo a 2 seria da forma 4k + 2
, que não é forma de quadrado perfeito par. ■
múltiplo de 3, então
n
( k + b) n
Exemplo 8. O quadrado de qualquer inteiro assume uma
das formas 4k ou 4k + 1. De fato, qualquer inteiro
assume uma das formas: 4k ou 4k + 1 ou 4k + 2 ou
4k + 3. Desse modo seu quadrado pode ser escrito
respectivamente por 4k ou 4k + 1² = 4k + 1 ou
4k + 2² = 4k + 4 que é da forma 4k ou finalmente
4k + 3² = 4k + 9 = 4k + 8 + 1 , que é da forma
4k + 1.
■
mk + b n
■
não múltiplo de 3, ou seja,
n assume uma das
formas: 3k + 1 ou 3k + 2 , de modo que n assume a
forma 3k + 1 , contradizendo a hipótese de n ser um
múltiplo
de
3.
■
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Exemplo 11. A seqüência
(11,111,1111, K )
não possui nenhum quadrado perfeito. De fato, considere
as m afirmações:
De posse deste estudo, formalizei uma técnica
de resolução de problemas de divisibilidade, sem uso do
algoritmo euclidiano da divisão.
O público alvo do trabalho de campo foi o
treinamento dos alunos bolsitas CNPQ-Jr da 3ª OBMEP
(Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas) nos
meses de outubro e novembro de 2007. Nesse trabalho
de campo, resolvi os exemplos deste artigo, utilizando
inicialmente o algoritmo da divisão e depois apliquei esta
técnica nos mesmos problemas. O método empregado
na pesquisa de campo foi a de George Polya: How to
solve it: A New Aspect of Mathematical Method.
que somando membro à membro, obtemos 111…11 que
assume a forma 4k + 3 , e este, não é forma de
quadrado
perfeito
impar.
■
2.2. Resultados e discussão
Exemplo 12. Determinarei agora o resto da divisão de
310 + 663 por 5. De fato, teremos sucessivamente,
32
34
38
310
é da forma 5k + 4
é da forma 5k + 1
é da forma 5k + 1
é da forma 5k + 4
3. Conclusão
6 é da forma 5k + 1
663 é da forma 5k + 1
Portanto 310 + 663 é da forma 5k .
O resultado é bastante satisfatório, pois o
educando economiza bastante tempo na resolução de
problemas de teoria dos números inteiros que envolvam
o algoritmo euclidiano da divisão, sem uso do algoritmo
da divisão, que muitas vezes se torna muito exaustivo.
Com essa técnica, pode-se até resolver certos problemas
de cabeça, cuja resolução é bastante engenhosa com o
uso do algoritmo da divisão.
■
Exemplo 13. Em que dia da semana cairá daqui a 87777
dias? E há 6 7777 dias, que dia da semana foi? Digamos
que hoje seja sexta-feira. Como uma semana possui 7
dias, então devemos procurar formatos 7 k + r. Assim,
Após a abordagem algébrica e aplicação de
campo deste trabalho, fica bastante claro para o
pesquisador uma nova técnica de resolução de
problemas da teoria dos números inteiros, sem recorrer
ao exaustivo algoritmo da divisão e nem a sofisticada
teoria da congruência módulo n. A idéia, aqui, é facilitar o
aprendizado com um embasamento teórico simples, sem
tirar, é claro, o rigor matemático. Além disso, fica aberto
aqui, questionamentos e reflexões sobre as
aplicabilidades desta nova ferramenta. Fica claro que
trabalhos futuros, utilizando esta ferramenta são bastante
convidativos.
8 = 7 +1
87777 = (7 + 1)7777
que é da forma 7 k + 1; logo daqui a 87777 dias cairá
num sábado. Finalmente,
6 = 7 −1
67777 = (7 − 1)7777
que é da forma 7 k − 1; logo passados 6 7777 dias, com
certeza caiu numa quinta-feira.
■
2.1 Material e métodos
Para desenvolver o presente trabalho, a
metodologia adotada teve como base pesquisas
bibliográficas nacionais e internacionais na temática
teoria dos números.
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11. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA: ALGUNS DESENCONTROS
José Neyardo Alves de Araújo1
Resumo. Neste artigo é feito um breve levantamento das habilidades e competências propostas nos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira a serem desenvolvidas pelos alunos nos níveis
fundamental e médio. O objetivo é verificar se essas propostas são coerentes entre ambos os níveis de
ensino ou se apresentam divergências. Para tanto, foram analisadas as duas primeiras versões do
documento, que são os PCN-LE para o Ensino Fundamental (1998) e os PCN-LE para o Ensino Médio
(1999), bem como a última versão, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), a fim de
se observar diacronicamente o que se pensou e repensou em termos de políticas públicas para o ensino
de língua estrangeira nas escolas regulares nesse período de dez anos. Após comparação dos três
volumes referidos, chegou-se à conclusão de que as habilidades e competências a serem trabalhadas no
aluno de língua estrangeira apresentam divergências e incoerências entre os diferentes níveis ou até
dentro de um mesmo nível, o que implica a necessidade de releituras dos Parâmetros Curriculares
Nacionais e profundas reflexões sobre sua eficácia e adequação à sala de aula.
Palavras-chave: PCN. Língua Estrangeira. Competências e habilidades.
Abstract. In this article it is made a brief survey of the skills and competences proposed in the National
Curricular Parameters of Foreign Language (PCN-LE) to be developed by the pupils in the elementary and
high school. The objective is to verify if these proposals are coherent between both the education levels or
if they present divergences. Therein, the two first versions of the document were analyzed, which are the
PCN-LE for Elementary School (1998) and the PCN-LE for High School (1999), as well as the last
version, the Curricular Guidance for High School (2006), in order to observe diachronically what has been
thought and rethought in terms of public politics for the teaching of foreign language in regular schools over
this period of ten years. After comparison of the three related volumes, it was concluded that the skills and
competences to be developed by a student of foreign language present divergences and incoherences
between the different levels or even in the same level, which implies the necessity of re-readings of the
National Curricular Parameters and deep reflections on its effectiveness and adequacy to the classroom.
Keywords: PCN. Foreign Language. Skills and competences.
1
Mestre em Lingüística Aplicada. Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Brasil. [email protected].
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1. Introdução
Primeiramente, é importante apresentar os PCN
em linhas gerais. Para tanto, recorro ao documento
intitulado “Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos
parâmetros curriculares nacionais” (BRASIL, 1998). Esse
documento tem o fim de apresentar as linhas que
norteiam os Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental, uma proposta de reorientação
curricular oferecida pela Secretaria de Educação
Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto a
secretarias de educação, escolas, instituições
formadoras de professores, instituições de pesquisa,
editoras e a todas as pessoas interessadas em
educação, dos diferentes estados e municípios
brasileiros.
Uma análise da conjuntura mundial e brasileira
revela a necessidade de construção de uma educação
básica voltada para a cidadania. Isso não se resolve
apenas garantindo a oferta de vagas, mas sim
oferecendo-se um ensino de qualidade, ministrado por
professores capazes de incorporar ao seu trabalho os
avanços das pesquisas nas diferentes áreas de
conhecimento e de estar atentos às dinâmicas sociais e
suas implicações no âmbito escolar.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais nascem
da necessidade de se construir uma referência curricular
nacional para o Ensino Fundamental que possa ser
discutida e traduzida em propostas regionais nos
diferentes Estados e Municípios brasileiros, em projetos
educativos nas escolas e nas salas de aula. E que
possam garantir a todo aluno de qualquer região do país,
do interior ou do litoral, de uma grande cidade ou da
zona rural, que freqüentem cursos nos períodos diurno
ou noturno, que sejam ou não portadores de
necessidades especiais, o direito de ter acesso aos
conhecimentos indispensáveis para a construção de sua
cidadania.
Nesse sentido, é necessário redefinir claramente
o papel da escola na sociedade brasileira e que objetivos
devem ser perseguidos nos oito anos de Ensino
Fundamental. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
têm, desse modo, a intenção de provocar debates a
respeito da função da escola e reflexões sobre o que,
quando, como e para que ensinar e aprender, que
envolvam não apenas as escolas, mas também pais,
governo e sociedade.
São essas definições que servem de norte para
o trabalho das diferentes áreas curriculares, que
estruturam o trabalho escolar: Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte,
Educação Física e Língua Estrangeira. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais apontam também a importância
de discutir, na escola e na sala de aula, questões da
sociedade brasileira, como as ligadas à Ética, ao Meio
Ambiente, à Orientação Sexual, à Pluralidade Cultural, à
Saúde, ao Trabalho e Consumo ou a outros temas que
se mostrem relevantes.
Para cada uma das áreas e para cada um dos
temas referidos há um documento específico que parte
de uma análise do ensino da área ou do tema, de sua
importância na formação do aluno do Ensino
Fundamental e, em função disso, apresenta uma
proposta detalhada em objetivos, conteúdos, avaliação e
orientações didáticas. A explicitação desses itens é feita
por ciclos, sendo que cada ciclo corresponde a dois anos
de escolaridade no Ensino Fundamental.
O desenvolvimento dos Parâmetros Curriculares
Nacionais vai ocorrer à medida que cada escola os torne
seus. Por isso, será preciso operacionalizar os princípios
dos Parâmetros Curriculares Nacionais no projeto
educativo de cada escola, peça fundamental de seu bom
funcionamento.
Em linhas gerais, os Parâmetros Curriculares
Nacionais se caracterizam por:
• apontar a necessidade de unir esforços entre as
diferentes instâncias governamentais e da
sociedade, para apoiar a escola na complexa
tarefa educativa;
• mostrar a importância da participação da
comunidade na escola, de forma que o
conhecimento
aprendido
gere
maior
compreensão, integração e inserção no mundo;
a prática escolar comprometida com a
interdependência escola-sociedade tem como
objetivo situar as pessoas como participantes da
sociedade — cidadãos — desde o primeiro dia
de sua escolaridade;
• contrapor-se à idéia de que é preciso estudar
determinados assuntos porque um dia eles
serão úteis. O sentido e o significado da
aprendizagem precisam estar evidenciados
durante toda a escolaridade, de forma a
estimular nos alunos o compromisso e a
responsabilidade com a própria aprendizagem;
• explicitar a necessidade de que as crianças e os
jovens deste país desenvolvam suas diferentes
capacidades, enfatizando que a apropriação dos
conhecimentos socialmente elaborados é base
para a construção da cidadania e da sua
identidade, e que todos são capazes de
aprender e mostrar que a escola deve
proporcionar ambientes de construção dos seus
conhecimentos e de desenvolvimento de suas
inteligências, com suas múltiplas competências;
• apontar a fundamental importância de que cada
escola tenha clareza quanto ao seu projeto
educativo, para que, de fato, possa se constituir
em uma unidade com maior grau de autonomia
e que todos que dela façam parte possam estar
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•
•
•
•
comprometidos em atingir as metas a que se
propuseram;
ampliar a visão de conteúdo para além dos
conceitos, inserindo procedimentos, atitudes e
valores como conhecimentos tão relevantes
quanto
os
conceitos
tradicionalmente
abordados;
evidenciar a necessidade de tratar de temas
sociais urgentes — chamados Temas
Transversais — no âmbito das diferentes áreas
curriculares e no convívio escolar;
apontar a necessidade do desenvolvimento de
trabalhos que contemplem o uso das
tecnologias da comunicação e da informação,
para que todos, alunos e professores, possam
delas se apropriar e participar, bem como
criticá-las e/ou delas usufruir;
valorizar os trabalhos dos docentes como
produtores, articuladores, planejadores das
práticas educativas e como mediadores do
conhecimento socialmente produzido; destacar
a importância da capacidade dos docentes de
atuar, levando em conta a diversidade existente
entre os alunos e com seus conhecimentos
prévios, como fonte de aprendizagem de
convívio social e como meio para a
aprendizagem de conteúdos específicos.
pode colaborar no desempenho do aluno como leitor
em sua língua materna. (BRASIL, 1998, p. 20)
Assim sendo, é notória a argumentação em
favor da ênfase a ser dada à leitura no ensino de LE nas
escolas. Embora mais adiante se afirme que,
dependendo de certas condições, outras habilidades
podem ser incluídas nos objetivos do ensino, todo o
discurso subjacente a essa versão dos PCN vai ao
encontro da leitura como habilidade primordial. Essa
posição um tanto indefinida redunda numa certa
contradição quando se observam as habilidades e
competências que, segundo os PCN, os alunos devem
ser capazes de demonstrar ao final do Ensino
Fundamental, a seguir transcritas:
•
•
2. PCN do Ensino Fundamental
Logo no início da primeira parte do volume dos
PCN-LE para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998),
encontra-se a justificativa social para a inclusão de
Língua Estrangeira nesse nível. De acordo com o
documento, para que uma área seja incluída no currículo
escolar é preciso levar em consideração, dentre outros
fatores, a função social que desempenha. Com relação à
LE, é dito que
•
•
•
[...] considerar o desenvolvimento de habilidades orais
como central no ensino de Língua Estrangeira no Brasil
não leva em conta o critério de relevância social para a
sua aprendizagem. Com exceção da situação
específica de algumas regiões turísticas ou de algumas
comunidades plurilíngües, o uso de uma língua
estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à
leitura de literatura técnica ou de lazer. Note-se
também que os únicos exames formais em Língua
Estrangeira (vestibular e admissão a cursos de pósgraduação) requerem o domínio da habilidade de
leitura. Portanto, a leitura atende, por um lado, às
necessidades da educação formal, e, por outro, é a
habilidade que o aluno pode usar em seu contexto
social imediato. Além disso, a aprendizagem de leitura
em Língua Estrangeira pode ajudar o desenvolvimento
integral do letramento do aluno. A leitura tem função
primordial na escola e aprender a ler em outra língua
•
•
Ao longo dos quatro anos do ensino fundamental,
espera-se com o ensino de Língua Estrangeira que o
aluno seja capaz de:
identificar no universo que o cerca as línguas
estrangeiras que cooperam nos sistemas de
comunicação, percebendo-se como parte integrante
de um mundo plurilíngüe e compreendendo o papel
hegemônico que algumas línguas desempenham em
determinado momento histórico;
vivenciar uma experiência de comunicação humana,
pelo uso de uma língua estrangeira, no que se refere
a novas maneiras de se expressar e de ver o mundo,
refletindo sobre os costumes ou maneiras de agir e
interagir e as visões de seu próprio mundo,
possibilitando maior entendimento de um mundo
plural e de seu próprio papel como cidadão de seu
país e do mundo;
reconhecer que o aprendizado de uma ou mais
línguas lhe possibilita o acesso a bens culturais da
humanidade construídos em outras partes do mundo;
construir conhecimento sistêmico, sobre a
organização textual e sobre como e quando utilizar a
linguagem nas situações de comunicação, tendo
como base os conhecimentos da língua materna;
construir consciência lingüística e consciência crítica
dos usos que se fazem da língua estrangeira que
está aprendendo;
ler e valorizar a leitura como fonte de informação e
prazer, utilizando-a como meio de acesso ao mundo
do trabalho e dos estudos avançados;
utilizar outras habilidades comunicativas de modo a
poder atuar em situações diversas.
(BRASIL, 1998, p. 66-67)
A incoerência entre a função social que justifica
a inclusão da LE no currículo escolar, privilegiando a
leitura e as habilidades e competências acima
transcritas, reside no fato de que algumas destas não
são atingíveis apenas com o domínio da leitura. Além
disso, na segunda parte do volume, na seção que trata
das orientações didáticas, são discutidas as quatro
habilidades comunicativas, que envolvem compreensão
e produção.
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3. PCN do Ensino Médio
É bom começar a discussão sobre os PCN do
Ensino Médio (BRASIL, 1999) lembrando que esses
parâmetros já sofreram releituras e ajustes pelos
assessores do Ministério da Educação, o que resultou na
publicação dos PCN + (BRASIL, 2000) e nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), sendo
essas últimas discutidas mais adiante.
No processo de elaboração dos PCN do Ensino
Médio, a primeira reunião entre os dirigentes, os técnicos
da Secretaria de Educação Média e Tecnológica e
docentes convidados de diversos estabelecimentos de
ensino superior do país destacou a necessidade de se
elaborar uma proposta curricular que se mostrasse
exeqüível por todos os Estados do Brasil, levando-se em
consideração as desigualdades regionais, respeitando o
princípio da flexibilidade, norteador da Lei de Diretrizes e
Bases. Os professores convidados eram de comprovada
experiência nos ramos do ensino e da pesquisa e
atuaram como consultores especialistas. Após vários
debates, tanto em nível acadêmico quanto no âmbito de
cada Estado, com a participação dos técnicos
coordenadores do projeto e representantes das
Secretarias Estaduais de Educação, e após
reformulações dos textos, realizaram-se duas reuniões
em São Paulo e no Rio de Janeiro com professores da
rede pública de ensino, selecionados de forma aleatória,
para verificar a compreensão e receptividade dos
documentos produzidos. O resultado mostrou “índices de
aceitação muito satisfatórios, o que se considerou como
um indicador da adequação [grifo nosso] da proposta ao
cotidiano das escolas públicas” (BRASIL, 1999, p. 19).
Os PCNEM, a respeito do ensino-aprendizagem
de LE, dizem que o desenvolvimento de todas as
habilidades lingüísticas é importante e chamam a
atenção para a função intrínseca às línguas estrangeiras
modernas que é a de serem veículos fundamentais de
comunicação entre os homens. Afirmam que os objetivos
práticos – entender, falar, ler e escrever – a que a
legislação e especialistas se referem são relevantes, e
que não faz sentido o ensino de línguas que tem como
objetivo somente o conhecimento metalingüístico e o
domínio consciente de regras gramaticais que permitem,
quando muito, atingir resultados medianos em provas
escritas.
De acordo com o documento, as competências
e habilidades a serem desenvolvidas em Língua
Estrangeira Moderna são as seguintes:
Representação e comunicação
• Escolher o registro adequado à situação na qual se
processa a comunicação e o vocábulo que melhor
reflita a idéia que pretende comunicar.
• Utilizar os mecanismos de coerências e coesão na
produção oral e/ou escrita.
•
•
Utilizar as estratégias verbais e não-verbais para
compensar as falhas, favorecer a efetiva
comunicação e alcançar o efeito pretendido em
situações de produção e leitura.
Conhecer e usar as línguas estrangeiras modernas
como instrumento de acesso a informações a outras
culturas e grupos sociais.
Investigação e compreensão
• Compreender de que forma determinada expressão
pode ser interpretada em razão de aspectos sociais
e/ou culturais.
• Analisar os recursos expressivos da linguagem
verbal, relacionando textos/contextos mediante a
natureza, função, organização, estrutura, de acordo
com as condições de produção/recepção (intenção,
época, local, interlocutores participantes da criação e
propagação de idéias e escolhas, tecnologias
disponíveis).
Contextualização sócio-cultural
• Saber distinguir as variantes lingüísticas.
• Compreender em que medida os enunciados
refletem a forma de ser, pensar, agir e sentir de
quem os produz. (BRASIL, 1999, p.153)
De um modo geral, os objetivos dos PCN para
ambos os níveis, fundamental e médio, são semelhantes;
o que diverge é o caminho para atingir tais objetivos, pois
observamos nas habilidades e competências defendidas
nos PCNEM uma mudança de foco da leitura (priorizada
no Ensino Fundamental) para a contemplação das quatro
habilidades lingüísticas, habilidades essas que podem
ser vistas como capacidades comunicativas, conforme
Widdowson (1978), dependendo de como são
exploradas.
4. Orientações Curriculares para o Ensino Médio
Em 2006, a Secretaria de Educação Básica,
através do Departamento de Política do Ensino Médio,
envia aos professores as Orientações Curriculares para o
Ensino Médio, com o intuito de suscitar reflexões sobre a
sua prática docente.
A elaboração dessas orientações iniciou em
2004, a partir da necessidade exposta em debates e
encontros com os dirigentes das Secretarias Estaduais
de Educação e pesquisadores que, nas universidades,
vêm levantando questionamentos referentes ao ensino
das diversas disciplinas. O que se desejava era uma
nova discussão sobre os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio, no sentido tanto de
aprofundar o entendimento de pontos ainda obscuros
quanto de “apontar e desenvolver indicativos que
pudessem oferecer alternativas didático-pedagógicas
para a organização do trabalho pedagógico” (BRASIL,
2006, p. 8), para atender às demandas e expectativas
dos docentes e das escolas na construção do currículo
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para o Ensino Médio que respondesse às reais
necessidades no processo de ensino e aprendizagem.
Tendo em vista essa finalidade, o documento diz:
Ao se tratar da organização curricular tem-se a
consciência de que a essência da organização escolar
é, pois, contemplada. Por outro lado, um conjunto de
questões emerge, uma vez que o currículo traz na sua
construção o tratamento das dimensões histórico-social
e epistemológica. A primeira afirma o valor histórico e
social do conhecimento; a segunda impõe a
necessidade de reconstruir os procedimentos
envolvidos na produção dos conhecimentos. Além
disso, a política curricular deve ser entendida como
expressão de uma política cultural, na medida em que
seleciona conteúdos e práticas de uma dada cultura
para serem trabalhados no interior da instituição
escolar. Trata-se de uma ação de fôlego: envolve
crenças, valores e, às vezes, o rompimento com
práticas arraigadas. (BRASIL, 2006, p. 7-8)
Como ponto de partida do processo de
elaboração dessas orientações curriculares, foi
constituído um grupo de trabalho multidisciplinar com
professores que desenvolvem pesquisas em linhas
voltadas para o ensino, com o objetivo de produzir um
documento preliminar que suscitasse a discussão sobre
conteúdos do Ensino Médio e ações didáticopedagógicas, explorando as especificidades de cada
disciplina. Com a publicação dessa produção preliminar
em seminários regionais e nacionais, foi feita uma
análise do documento por representantes das equipes
técnicas das Secretarias Estaduais de Educação, por
professores de cada Estado participante e, em alguns
casos, por representantes de alunos, o que demonstra
um trabalho resultante de contribuições de diversos
segmentos do trabalho educacional; não ficando claro,
entretanto, que contribuições são essas.
Vale ressaltar ainda que os debates revelaram
preocupações com os aspectos materiais da atividade
docente (jornada de trabalho, programas de
desenvolvimento profissional e condições de organização
do trabalho pedagógico), pois tais elementos contribuem
significativamente para que o processo de ensinoaprendizagem tenha êxito.
Com relação às orientações curriculares
especificamente para Línguas Estrangeiras, os seus
objetivos são:
retomar a reflexão sobre a função educacional do
ensino de Línguas Estrangeiras no ensino médio e
ressaltar a importância dessas; reafirmar a relevância
da noção de cidadania e discutir a prática dessa noção
no ensino de Línguas Estrangeiras; discutir o problema
da exclusão no ensino em face de valores
“globalizantes” e o sentimento de inclusão
freqüentemente aliado ao conhecimento de Línguas
Estrangeiras; introduzir as teorias sobre a linguagem e
as novas tecnologias (letramentos, multiletramentos,
multimodalidade, hipertexto) e dar sugestões sobre a
prática do ensino de Línguas Estrangeiras por meio
dessas. (BRASIL, 2006, p. 87)
No que tange às habilidades a serem
trabalhadas no ensino de Línguas Estrangeiras no nível
médio, o documento destaca a leitura, a prática escrita e
a comunicação oral contextualizadas.
Ao discorrer sobre o papel educacional do
ensino de Línguas Estrangeiras na escola, as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio, com base
nos resultados de pesquisas realizadas na área de
ensino de idiomas nas escolas regulares, afirmam:
[...] depreende-se que as falas dos alunos e dos
pesquisadores defendem que o aprendizado de uma
língua estrangeira se concretiza em cursos de idiomas,
levando-nos a inferir que não há essa expectativa
quanto à escola regular. Ressalvando as possibilidades
interpretativas das mencionadas falas, entendemos
que os quadros descritos por meio delas expressam o
desejo de que as escolas disponham de condições
mais favoráveis para o ensino de idiomas ou informam
que os alunos não encontram motivação para essa
aprendizagem na escola regular e que talvez esses
fatores justifiquem que os objetivos não sejam
alcançados no ensino formal. Essas indicações levamnos a reforçar a discussão sobre os objetivos – ou o
conflito de objetivos – do ensino de Línguas
Estrangeiras no nível médio. (BRASIL, 2006, p. 89)
O documento também destaca um pensamento
de Dutra e Mello (2004, p. 37), segundo o qual
[...] o sistema educacional brasileiro coloca no mercado
de trabalho professores despreparados e muitos
recorrem aos cursos de especialização em busca de
uma regraduação, o que naturalmente não encontram.
Esse contexto reforça, dia-a-dia, o preconceito de que
só se aprende língua estrangeira em cursos livres.
(BRASIL, 2006, p. 89)
O documento critica o fato de a escola regular
tender a enfatizar o ensino apenas lingüístico ou
instrumental de Língua Estrangeira, deixando de lado
outros objetivos , como os culturais e os educacionais.
Essa concepção de ensino reflete uma educação voltada
mais para o conteúdo a ser ensinado do que para o
educando e sua formação. É notória, portanto, a
preocupação das Orientações Curriculares com a
formação dos indivíduos como cidadãos. O ensino de
Línguas Estrangeiras deve, então, centrar-se nesse
compromisso de formar educandos e não apenas em
questões meramente lingüísticas; colaborando, assim,
com o desenvolvimento da cidadania. Como desenvolver
o senso de cidadania em aulas de Línguas Estrangeiras
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é, pois, a questão didático-pedagógica focalizada nessas
diretrizes curriculares. Ressalte-se que há tempos é dito
(VAN EK; TRIM, 1984) que, além de instrumentalizar
linguisticamente o aluno, a aprendizagem de língua
estrangeira contribui para:
•
•
•
•
estender o horizonte de comunicação do aprendiz
para além de sua comunidade lingüística restrita
própria, ou seja, fazer com que ele entenda que há
uma heterogeneidade no uso de qualquer linguagem,
heterogeneidade esta contextual, social, cultural e
histórica. Com isso, é importante fazer com que o
aluno entenda que, em determinados contextos
(formais, informais, oficiais, religiosos, orais, escritos,
etc.), em determinados momentos históricos (no
passado longínquo, poucos anos atrás, no presente),
em outras comunidades (em seu próprio bairro, em
sua própria cidade, em seu país, como em outros
países), pessoas pertencentes a grupos diferentes
em contextos diferentes comunicam-se de formas
variadas e diferentes;
fazer com que o aprendiz entenda, com isso, que há
diversas maneiras de organizar, categorizar e
expressar a experiência humana e de realizar
interações sociais por meio da linguagem. (Vale
lembrar aqui que essas diferenças de linguagem não
são individuais nem aleatórias, e sim sociais e
contextualmente determinadas; que não são fixas e
estáveis, e podem mudar com o passar do tempo.);
aguçar, assim, o nível de sensibilidade lingüística do
aprendiz quanto às características das Línguas
Estrangeiras em relação à sua língua materna e em
relação aos usos variados de uma língua na
comunicação cotidiana;
desenvolver, com isso, a confiança do aprendiz, por
meio de experiências bem-sucedidas no uso de uma
língua estrangeira, enfrentar os desafios cotidianos e
sociais de viver, adaptando-se, conforme necessário,
a usos diversos da linguagem em ambientes
diversos (sejam esses em sua própria comunidade,
cidade, estado, país ou fora desses). (BRASIL, 2006,
p. 92)
Portanto, conforme as orientações curriculares,
ensinar uma língua estrangeira vai além, inclusive, de
simplesmente capacitar o aluno a usar essa língua para
fins comunicativos; ensinar língua estrangeira implica
também, como já dito, na formação humana no e
desenvolvimento da cidadania. Nesse sentido, os temas
transversais sugeridos nos PCN podem contribuir
bastante, além das atividades de leitura (mas não
somente essas) e de concepções como letramento,
multiletramento e multimodalidade aplicadas ao ensino.
5. Alguns estudos sobre os PCN
Com vista a reflexões sobre as implicações dos
PCN no discurso/prática dos professores, temos como
referência estudos como os de Rojo (2000), Vieira
(2003), Teixeira (2004) e Macau (2006), dentre outros.
Barbosa (apud ROJO, op. cit.) afirma que,
apesar de a elaboração dos PCN para os ensinos
fundamental e médio ter sido uma ação política efetiva
na busca da melhoria da qualidade de ensino e da
formação para a cidadania, há ainda muito a se fazer
pela educação pública brasileira nesses níveis. Pompílio
et al. (apud ROJO, op. cit.) destacam que, pelo fato de os
PCN fundamentarem-se em teorias relativamente
recentes e inovadoras e de serem destinados a um
público heterogêneo de educadores em todo o país, fazse necessária uma ação mais concreta para promover
práticas mediadoras que permitam uma discussão sobre
o que neles se propõe. Entretanto, para que o professor
interprete essas diretrizes de modo a levar a efeito uma
transposição didática, é preciso haver esforço para
refletir acerca dos princípios e referenciais do trabalho
docente em sala de aula (ROJO, op. cit.).
O estudo de Vieira (2003) analisa como
professores brasileiros de inglês reagiram aos
Parâmetros Curriculares Nacionais na condição de
documento oficial concebido para orientar a educação no
Brasil. Os resultados mostram que os PCN não
influenciam a visão de ensino desses professores e que
são até desconhecidos de alguns deles. O estudo revela
ainda que o papel sócio-político do ensino, um dos
aspectos principais dos PCN, continua negligenciado.
Ao apresentar os resultados de um estudo1
realizado junto a escolas mineiras sobre a aplicação dos
PCN, Teixeira (2004, p. 11) conclui assim:
Talvez possamos dizer, da pesquisa realizada em VT e
NL, que os PCN tiveram muito pouco efeito sobre o
que é feito nas escolas, tomando como base o que
nelas observamos. O temor de que os PCN se
tornassem um currículo nacional não se concretizou,
pelo menos até agora. O antídoto indicado por Teixeira
(2000, p. 250-254) era a discussão dos PCN pelos
professores em suas escolas, a análise do documento
e sua adoção ou não, no todo ou em partes, conforme
o projeto pedagógico da escola. Os PCN seriam a
proposta do MEC a ser confrontada com outras
propostas curriculares.
A pesquisa nessas escolas mineiras revelou que
os PCN podem ser lidos de forma crítica e, a partir dessa
leitura, algumas boas experiências podem surgir. A
1
Pesquisa intitulada PCN DO ENSINO FUNDAMENTAL NO CONTEXTO DE
ESCOLAS MINEIRAS, desenvolvida por Beatriz de Basto Teixeira, da UFJF,
que teve por objetivo levar a conhecer como se dava a adoção dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do ensino fundamental
(BRASIL. MEC, 1997-1998) em escolas da rede pública estadual mineira,
identificadas no trabalho pelos códigos VT e NL, o que foi considerado
oportunidade ímpar para a discussão sobre as políticas educacionais,
especialmente as curriculares.
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leitura crítica, amparada por uma formação que dê ao
professor conhecimento dos conteúdos de sua disciplina
e compromisso público com sua função, permitiria aos
professores a construção de seus próprios projetos de
ensino.
Os resultados da pesquisa de Macau (2006)
evidenciaram que os professores têm a crença de que as
diretrizes dos PCN-EM têm seu valor, mas são mal
compreendidas, o que, segundo esses professores,
demanda uma maior discussão sobre o documento,
especialmente nas reuniões pedagógicas. Para esses
professores, tal discussão configura-se em um dos
fatores que possibilitariam a aplicabilidade dos PCN na
sala de aula. Quanto aos fatores que dificultam a sua
aplicabilidade, consoante as crenças dos professores
pesquisados, Macau cita: o número excessivo de alunos
em sala, a carência de recursos didáticos, o trabalho
solitário dos professores e a falta de tempo e
oportunidades para discussões e elucidações em torno
do documento.
5. Conclusão
Considerando a conclusão a que chegou
Teixeira (2004) de que os PCN tiveram pouquíssimo
efeito sobre o trabalho realizado nas escolas por ela
pesquisadas, queremos suscitar uma reflexão sobre a
suposta adequação desse documento ao cotidiano das
escolas defendida nos próprios PCN do Ensino Médio
(BRASIL, 1999), observando principalmente os
paradoxos entre as várias versões dos parâmetros
curriculares e/ou dentro da mesma versão, no que diz
respeito aos objetivos e papel da língua estrangeira no
processo de ensino-aprendizagem e às habilidades e
competências a serem desenvolvidas nos alunos.
DUTRA, D. P.; MELLO, H. R. A gramática e o
vocabulário no ensino de inglês: novas perspectivas.
Belo Horizonte: Fale/Poslin, 2004.
MACAU, L. M. R. As representações dos professores de
inglês do Ensino Médiosobre os PCN e a sua
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12. O PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO NA SALA DE AULA DE LE
Lissa Mara Saraiva Fontenele1
Resumo: O objetivo deste artigo é fazer uma análise a respeito da importância que o livro didático comumente
exerce na sala de aula das escolas de ensino fundamental e de ensino médio, em especial na disciplina de Língua
Inglesa. Para isso, o artigo começa fazendo um breve histórico do livro didático no Brasil – desde sua gênese até os
dias atuais. A partir daí é possível perceber o quanto o critério mercadológico acabou por se tornar critério definidor
para a escolha do livro a ser adotado, dando-se, assim, grande poder às editoras e colocando o livro didático em
uma posição hegemônica em sala de aula. É possível constatar também que esse critério influencia na qualidade dos
livros didáticos, por exemplo, seus exercícios de interpretação ficam bem aquém do que normalmente se esperaria,
visto que muitos não exercitam as capacidades cognoscitivas dos alunos. Outro impacto observado aqui é a limitação
imposta aos papéis dos professores e alunos dentro do ambiente de ensino/aprendizagem, podando, então, a
criatividade de ambos os lados, para adotarem ou mesmo desenvolverem materiais outros que não o livro didático.
Logo em seguida são analisadas duas pesquisas sobre livros didáticos de língua estrangeira que realizam
questionamentos relevantes, no que diz respeito à relação entre o ensino de uma língua estrangeira e o ensino da
cultura do povo que a detém. O final do artigo discorre sobre o papel ideal a ser exercido pelo livro didático, que é o
de estar a serviço de professores e alunos e não o de ser seu guia incondicional.
Palavras-chave: Livros Didáticos. Critério Mercadológico. Ensino de Língua Estrangeira.
Abstract: The object of this article is to make an analysis about the importance that English textbooks usually exert in
the classroom of the primary and secondary education, specially on English as a foreign language subject. In order to
do that, the article begins doing a brief review of the text books in Brazil – since their genesis up to now. According to
that it is possible to notice how the marketing criterion ended up being the most important criterion to choose the
books that are going to be adopted, as a consequence, a great power was given to the publishers and the text books
were put in a hegemonic position in the classroom. It is also possible to notice that this criterion influences on the
quality of the text books, for instance, the low level of their interpretation exercises since a great deal of them don`t
work their cognoscitive students` skills. Another impact that can be pointed out it is related to the limitation imposed
upon teachers` and students` roles in the teaching/ learning environment, restricting their creativity related to adopt
or even to create other teaching materials than the text books themselves. Then, two researches on foreign language
textbooks that do relevant questions in order to discuss about the connection between the teaching of a foreign
language and teaching the culture of their native speakers are analyzed. The last part of the article discuss about the
ideal role of the text books in the classroom context, that it is of being at the service of teachers and students and not
to be their unconditional guide.
Keywords: Text Books. Marketing Criterion. The Teaching of a Foreign Language.
1
Mestre em Lingüística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, Brasil. [email protected]
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1. Introdução
Muitos dos processos de ensino e
aprendizagem vivenciados em sala de aula têm como
principal intermediário o livro didático. Essa realidade
pode ser constatada principalmente em escolas de
ensino fundamental e de ensino médio, onde é possível
observar professores preocupados com a apatia e
desinteresse de seus alunos com relação ao livro
didático, que, nesse contexto, torna-se ferramenta
fundamental para o sucesso da aprendizagem, visto que,
na maioria dos casos, ele é adotado como programa do
curso e o professor tem que se esforçar ao máximo para
cumpri-lo de forma sistemática em sala de aula. Assim, o
aluno sente-se cada vez mais desconfortável e entediado
por ter que seguir o exaustivo programa escolar que lhe
é imposto. Dentro desse processo que se repete a cada
ano, aluno e professor só serão considerados
competentes se, ao final do ano letivo, o livro didático
tiver sido cabalmente estudado e seus exercícios,
resolvidos.
Apesar do referido quadro estender-se a todas
as matérias do currículo escolar, receberá destaque,
neste artigo, somente o livro didático de língua inglesa, já
que a pesquisadora é professora da matéria e, assim,
pôde deter-se mais detalhadamente no contexto do
ensino do inglês.
2. Critério para a Escolha do Livro Didático
Um primeiro passo para se tentar entender
como o livro didático acabou por exercer um papel tão
importante em sala de aula, como demonstrado no
exemplo acima, é conhecer um pouco de sua gênese no
contexto educacional ocidental dos últimos três séculos.
Antes do século XIX, a fonte dos estudos escolares
restringia-se a textos sagrados, que eram impressos e
distribuídos por associações religiosas. A Revolução
Industrial trouxe à tona a importância de se capacitar o
trabalhador, ocasionando a expansão do sistema
educacional. Nesse contexto, começaram a surgir os
primeiros livros didáticos que, já chegaram como a única
forma autorizada de ensino e, com o tempo, suplantaram
definitivamente os textos sagrados. É interessante
observar a afirmação de CORACINI (1999, p. 94) no que
diz respeito ao enfoque que esses livros objetivavam dar
à educação:
Naquela época, a tradução de livros didáticos para fins
específicos não significava uma genuína preocupação
com a autonomia intelectual dos alunos, uma vez que a
prática
pedagógica
estava
essencialmente
caracterizada pela memorização e recitação.
O que se pode observar é a clara falta de
preocupação dos educadores, à época, de motivar seus
alunos a desenvolverem uma consciência crítica diante
do que liam.
A isso se juntam também razões econômicas,
que pareceram nortear mais o sistema educacional do
que os aspectos pedagógicos. Pode-se observar esse
ponto, quando CORACINI (1999, p. 95) afirma que “[...]
os exames públicos acabaram por condicionar a adoção
de determinados livros”. Assim, com o passar dos anos,
a situação foi ficando cada vez mais agravada, visto que
editoras e autores foram alcançando maior influência na
constituição desses livros, por também participarem na
elaboração dos exames públicos. Ainda segundo
CORACINI (1999), esses níveis e parâmetros,
elaborados pelos autores com o apoio financeiro das
editoras, é que acabaram originando, atualmente, os
chamados currículos escolares.
Dentro do contexto atual, as editoras possuem
cada vez mais poder financeiro, pois elas detêm o
principal, quiçá, o único material usado em sala de aula –
o livro didático. Daí ser o critério econômico o que mais
pesa na hora da escolha, todavia o livro considerado de
sucesso e reeditado é aquele que consegue vender mais
exemplares.
Nesse processo de escolha do livro didático, no
qual predominam principalmente os aspectos de ordem
econômica, o papel do autor fica em segundo plano,
vendo-se obrigado a seguir padrões preestabelecidos
pelas editoras, tanto no que diz respeito aos aspectos
pedagógicos quanto financeiros. (SOUZA, 1999).
O critério primordialmente econômico das
editoras para a adoção de um livro em detrimento de
outro pode ter conseqüências diretas na qualidade dos
livros publicados. Isso pode ser observado, por exemplo,
nos exercícios de interpretação de textos nos quais, em
vez de tentarem levar os alunos a desenvolverem um
pensamento crítico por meio de práticas de interpretação,
há maior interesse no ensino da gramática. Podendo-se
detectar nas pesquisas desenvolvidas pela autora do
presente artigo sobre livros didáticos, tanto no curso de
especialização quanto de mestrado (FONTENELE, 2003,
2008), onde se constatou que o objetivo do seu ensino
continua sendo eminentemente a memorização, com
vistas ao vestibular. A gramática geralmente é
apresentada desvinculada de qualquer contexto ou em
textos artificialmente produzidos, com o intuito somente
de introduzir uma nova função gramatical.
Um exemplo disso é o livro adotado por algumas
escolas no ensino médio intitulado Compact English
Book (LIBERATO, 1998, p. 19-27) cuja Unidade 2 inicia
com um texto no qual predomina o tempo verbal
“presente contínuo”. Após a apresentação do texto, há
uma seção de gramática explicando em detalhes todos
os casos nos quais se deve fazer uso desse tempo
verbal; em seguida, são colocados aos alunos vários
exercícios, tendo como sua maior característica a
mecanicidade. Por exemplo:
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Reescreva os verbos acrescentando o sufixo ING:
1. Look ___________
2. Search __________
3. Take ____________
Nas questões I, II e III marque a alternativa na
qual todos os verbos estejam ortograficamente
corretos:
a. Flying - dying - paying
b. Sking - sing - bring
c. Bing - writting - reading
d. Shiftting - suspecting - alterring
Após essa seção de gramática, vem
imediatamente outra, na qual são simplesmente
introduzidos os números arábicos do zero ao milhão. A
forma escolhida, aqui, para abordar os números parece
ser tediosa e também cansativa para o aluno, que se vê
obrigado, “do nada”, a aprender uma quantidade enorme
de números, sem ter havido sequer uma preparação ou
um objetivo preestabelecido.
Quanto aos chamados exercícios de
interpretação, quando analisados a fundo, a minoria dos
livros elabora questões que levam o aluno a inferir e dar
suas opiniões. Em vez disso, o que se observa mais
freqüentemente é a presença de perguntas contendo
palavras-chave das respostas que são encontradas no
texto, onde o aluno precisa simplesmente localizá-las e
copiar toda a frase, sem ao menos esforçar-se para
entendê-las, bastando da parte dele uma leitura linear do
texto.
3. Limitação dos Papéis do Professor e do Aluno
Outro aspecto que tem contribuído para a
ênfase exacerbada dada ao livro didático é a falta de
vontade do sistema educacional, em geral, de encarar o
professor como um elemento também importante e
contestador do processo de ensino e aprendizagem,
sendo capaz de escolher um determinado livro didático e
material suplementar que melhor se adapte aos seus
alunos. Em vez disso, o professor se vê inserido no “[...]
contexto do paradigma do livro didático [...]”, onde ele
exerce uma função de controlador e de regente desse
livro, que é considerado, pelo mesmo no sistema
educacional, como uma “arma” para o ensino. Dentro
dessa realidade, portanto, um bom professor seria
aquele que tem habilidade de manusear essa “arma”
com destreza. (CORACINI, 1999, p. 93).
O perigo que se apresenta nesse contexto do
livro didático como o principal mediador no ensino
promovido pela escola é um possível desdobramento
ideológico, tanto para o professor quanto para o aluno,
porque ambos se vêem presos a um papel que lhes é
preestabelecido pela sociedade e, mais especificamente,
pelo sistema educacional materializado nas escolas.
Nesse sistema cabe ao professor, como se falou há
pouco, o papel de “regente” do livro, simples transmissor
de um conteúdo incontestável, e ao aluno, cabe
observar, analisar, preencher, responder, escrever,
devendo cooperar com o que é pedido no livro didático,
já que, como foi observado, a maioria de seus exercícios
é desenvolvida de modo a “podar” a imaginação e a livre
interpretação dos alunos. Então, em vez dos livros
desenvolverem no aluno o seu papel de leitor crítico,
capacitando-o a desvelar significados implícitos no texto,
eles limitam o papel do aprendiz, ajudando-o a perceber
somente os significados mais superficiais das
informações lidas, as quais, muitas vezes, se restringem
aos aspectos lingüísticos. (CORACINI, 1999, p. 93-103).
A chamada hegemonia do livro didático também
é preocupante, devido ao provável impacto manipulador
que suas informações e idéias podem exercer sobre os
leitores, tendo em vista o forte caráter de autoridade que
a ele é atribuído. Esta última afirmação baseia-se no fato
de que “[...] tanto o escritor como o autor, encontram-se
em determinadas posições sociais e discursivas que
estruturam sua escrita em um grau maior ou menor.”
(KRESS, 1989, p. 68). Ainda segundo Kress (1989, p.
68),
[...] essa aparente contradição de liberdade para se
construir textos, por um lado, e das restrições
(coações) experimentadas por um escritor ao falar ou
escrever um texto, por outro lado, é explicado pelo
efeito das ideologias em uma determinada cultura ou
sociedade. 1
Este fato, portanto, da não neutralidade do
escritor e do autor deve merecer atenção, já que, como
se viu há pouco, os produtores de textos estão sujeitos a
adotarem determinadas posições ideológicas em seus
textos, mesmo que de forma inconsciente.
4. Questões de Pesquisa sobre o Ensino de uma
Língua Estrangeira
No que diz respeito a essas observações e
falando mais especificamente no contexto do livro
didático de língua estrangeira, pode-se levantar uma
questão interessante, no que diz respeito ao que está
envolvido em seu ensino: é possível ensinar uma língua
estrangeira através apenas de seus aspectos gramaticais
ou não é possível prescindir de se ensinar os aspectos
culturais dessa língua-alvo?
1
“[...] Writers and authors find themselves in certain social/discursive
positions which structure their writing to a greater or lesser degree.
This apparent contradiction of freedom to construct texts on the one
hand and the constraints experienced by a writer in the speaking or
writing of a text on the other is explained by the operation of ideologies
in a particular culture or society.”
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Nesse sentido, é importante observar um
trabalho de BROWN (1990), no qual aponta que uma das
dificuldades enfrentadas por alunos de língua
estrangeira, no que concerne a aquisição dos aspectos
formais da língua e ao entendimento do discurso dessa
língua, é devido à falta de um conhecimento cultural do
país ou países onde ela é falada. Com o objetivo de
cobrir tal lacuna, segundo BROWN (1990), era comum
se encontrar nos livros didáticos textos que
pretendessem passar ao aprendiz os costumes de seu
povo, chegando, muitas vezes, a diferenciar
explicitamente, por exemplo, o inglês britânico do
americano, conjuntamente com suas diferenças culturais.
Dentro desse contexto, cabia ao professor “passar” para
o aluno a “realidade” de cada cultura, da forma mais
completa e abrangente.
Diante disso, BROWN (1990) defende um ponto
de vista mais equilibrado e até mais realista. Primeiro, os
professores de línguas não são simples “instrumentos” a
serem usados no ensino, mas, são pessoas moldadas
com base em suas experiências de mundo; segundo,
não se pode esperar que sejam especialistas nas
culturas das línguas que ensinam. Em vez disso,
BROWN (1990) propõe que os professores, ao
ensinarem uma língua estrangeira, devam fazer uma
articulação entre sua própria experiência de mundo e seu
conhecimento das características culturais dos países
falantes da língua-alvo. BROWN (1990) ainda sugere
que, os professores também ensinem seus alunos a
inferir, com base em seus conhecimentos de mundo,
algo num texto que seja estranho aos seus próprios
conhecimentos culturais. É possível vislumbrar nesses
aspectos a preocupação de BROWN (1990) em
incentivar os professores a exercerem uma postura mais
independente em relação ao livro didático, mostrandolhes sua importância na produção e no desenvolvimento
de boas aulas de línguas. Além disso, BROWN (1990)
também considera como de grande importância a
participação ativa dos alunos frente às informações
encontradas nos textos.
Atualmente, não é mais possível conceber um
livro de línguas que contenha apenas tópicos gramaticais
em contextos irreais e insípidos para ensinar, por
exemplo, os tempos verbais. Isso porque os alunos
provêm de um contexto real de vida, com suas
experiências, expectativas e seus conhecimentos, sendo
ideal que todos os fatores sejam aproveitados e usados
como sendo mais um incentivo ou um desafio aos
aprendizes no seu processo de aquisição de uma língua.
Além da contribuição do próprio professor nesse
processo, a contribuição também de livros didáticos pode
ser de grande valia se trouxer textos interessantes e
autênticos que tratem do cotidiano de outras culturas, de
temas polêmicos ou surpreendentes. Portanto, os alunos
tanto terão a oportunidade de aprender a língua
desejada, como também aumentarão sua vivência e seu
conhecimento de mundo. Sem falar que o ato de
aprender a língua-alvo tenderá a ser mais prazeroso e
enriquecedor para os alunos do que se estivessem
estudando somente estruturas e regras gramaticais.
Ao se perceber que ensinar uma língua
estrangeira envolve conhecer tanto seus aspectos
formais como culturais, é importante levantar uma outra
questão de cunho ideológico, a fim de se tentar observar
como o livro adotado trabalha as questões dos aspectos
culturais da língua-alvo, já que é possível que permeiem,
ali, ideologias e posições hegemônicas em favor dessa
cultura. ALPTEKIN (1993, p. 138) afirma que:
[...] escritores de livros de línguas, como quaisquer
outros, pensam e compõem, sobretudo, por meio de
esquemas culturais específicos. [...] A maioria dos
escritores de livros de línguas é falante nativo que
conscientemente ou inconscientemente transmite
visões, valores, crenças, atitudes e sentimentos de sua
própria sociedade falante de inglês – geralmente
Estados Unidos ou Grã-Bretanha. Assim, quando os
aprendizes adquirem um novo conjunto de discurso da
língua inglesa como parte de seu conhecimento
sistêmico em desenvolvimento, eles compartilham o
sistema cultural que esse conjunto engloba.2
Em seguida, ALPTEKIN (1993) faz outro
questionamento, no que diz respeito à propriedade de
uma língua: a ênfase desmedida nos elementos culturais
de uma língua-alvo não equipararia seus falantes nativos
a seus únicos detentores? Essa questão é dirigida,
principalmente, ao inglês, chamado por ALPTEKIN
(1993, p. 140) de “língua franca”, pelo fato dela
representar, nos dias atuais, inúmeras culturas e
diversos sistemas de valor. Diante do dilema exposto,
ALPTEKIN (1993) propõe que se vá à frente a discussão
para superar a visão simplista de considerar língua e
cultura como inseparáveis, sendo, portanto, mais realista
se falar de uma língua que nem sempre está “presa” a
uma cultura particular, principalmente quando se tem
como referência a língua inglesa.
ALPTEKIN (1993) faz sugestões e comentários
valiosos sobre como um aluno aprende melhor uma
língua-alvo num livro que trabalhe com seu próprio
contexto social, em vez de em um que tente inseri-lo no
contexto da língua que está estudando. Para escritores
de livros didáticos – e até para professores, o ALPTEKIN
(1993, p. 142) sugere, no final do artigo, que seria
2
[...] textbook writers, like everyone else, think and compose
chiefly through culture-specific schemas. [...] Most textbook
writers are native speakers who consciously or unconsciously
transmit the views, values, beliefs, attitudes, and feelings of
their own English-speaking society - usually the United States
or United Kingdom. As such, when learners acquire a new set
of English discourse as part of their evolving systemic
knowledge, they partake of the cultural system which the set
entails.”
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interessante tentar fazer uma ponte entre o
conhecimento cultural da língua-mãe dos alunos e a
língua-alvo, por meio de técnicas de comparação
transculturais ou pela utilização de conceitos universais
de raça humana, como pontos de ajuda na compreensão
de alguma informação alheia ao aluno.
5. Papel Ideal do Livro Didático em Sala de Aula
Tanto aspectos inerentes aos livros didáticos de
língua estrangeira, como os outros aspectos já
comentados a respeito dos livros das demais matérias,
vêm reforçar a importância de se evitar adotar aqueles
que subestimam as capacidades e habilidades mentais
dos alunos. Para Libâneo (1994, p. 78):
O ensino deve ser mais do que isso. Compreende
ações conjuntas do professor e dos alunos, pelas quais
são estimulados a assimilar, consciente e ativamente
os conteúdos e os métodos, de assimilá-los com suas
forças intelectuais próprias, bem como aplicá-los, de
forma independente e criativa, nas várias situações
escolares e na vida prática.
LIBÂNEO (1994) ainda enfatiza que o objetivo
maior do ensino deveria ser o de desenvolver no aluno
sua capacidade cognoscitiva.3 Vale a pena observar que
o complexo dessas capacidades excede em muito ao
que é trabalhado na maioria dos livros didáticos, ou seja,
a memória e o raciocínio lógico (essa última, estando
muito presente nos livros das ciências exatas). No
entanto, outras capacidades ainda se destacam:
Do complexo de capacidades cognoscitivas podemos
destacar: a exercitação dos sentidos, a observação, a
percepção, a compreensão, a generalização, o
raciocínio, a memória, a linguagem, a motivação e a
vontade. (LIBÂNEO, 1994, p. 80).
Se todos esses aspectos fossem explorados no
ensino escolar, o livro didático tenderia a exercer o papel
que idealmente lhe cabe, ou seja, “[...] o de estar a
serviço dos professores e aprendizes, e não o de ser seu
mestre. Seu papel não é o de exercer uma função
tirânica como o árbitro do conteúdo do curso e dos
métodos de ensino.” (CUNNINGSWORTH, 1995, p. 7)4.
Libâneo (1994, p. 80) consegue perceber os limites de
3
Segundo Libâneo (1994), as capacidades cognoscitivas “[...] são as
energias mentais disponíveis nos indivíduos, ativadas e desenvolvidas no
processo de ensino, em estreita relação com os conhecimentos. O
desenvolvimento das capacidades se verifica no decorrer do processo
de transmissão-assimilação de conhecimentos e é, ao mesmo tempo,
condição para a aquisição e aplicação dos conhecimentos”.
4
“[...] to be at the service of teachers and learners but not to be their
master. Its role is not to exercise a tyrannical function as the arbiter of
course content and teaching methods”.
alcance que o livro didático possui no aprendizado dos
alunos, como também a importância do professor no
trato do mesmo:
O livro didático é necessário, mas por si mesmo ele
não tem vida. É um recurso auxiliar cujo uso depende
da iniciativa e imaginação do professor. Os conteúdos
do livro didático somente ganham vida quando o
professor os toma como meio de desenvolvimento
intelectual, quando os alunos conseguem ligá-los com
seus próprios conhecimentos e experiências, quando
através deles aprendem a pensar com sua própria
cabeça.
Portanto, o livro didático deve ser encarado
como mais um recurso disponível para se atingir os
objetivos que foram determinados em função das
necessidades dos alunos, e nunca como os próprios
objetivos em si, isso porque a preocupação primeira do
professor é a de ensinar uma língua e não determinado
livro. (CUNNINGSWORTH, 1995).
Em um contexto ideal de ensino/aprendizagem,
o papel do livro didático deve ser redimensionado de
forma que, o professor tenha a opção de adotar uma
postura de questionamento em relação a esse livro,
encará-lo como mais um instrumento a ser usado em
suas aulas, podendo ser usado como fonte de atividades
práticas e comunicativas, assim como também ser fonte
de materiais gramaticais e vocabulares, tanto para o
aluno como para o próprio professor. Esse
posicionamento pode e deve ser discutido abertamente
com os alunos. Atitudes assim, por parte do professor,
são importantes porque, além de despertarem nos
alunos o senso crítico em relação ao contexto
educacional no qual estão inseridos, poderão levá-los à
percepção de que eles também podem exercer um papel
significativo no contexto; como por exemplo, por
participarem junto ao professor na escolha de alguns
materiais didáticos a serem usados em sala e sendo
capazes de entender que questões de interpretação
textual devem ir além da exploração de aspectos
lingüísticos e superficiais, devendo ser, sim, cognitivas e
questionadoras. Essa mudança de atitude pode levar
professores e alunos a impulsionar a quebra desse
paradigma relacionado ao livro didático.
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13. A SOMBRA, O SANGUE E O SONHO
NO ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA
Ana Maria de Oliveira Melo1
Resumo: Apresentamos neste trabalho uma laboriosa análise sobre a poesia de Cecília Meireles, abordando a
presença da sombra, do sangue e do sonho presentes na obra ceciliana O Romanceiro da Inconfidência. Esse
estudo aborda, em paralelo, o conceito de “instinto de nacionalidade”, quando no resgate da poesia patriótica, em
plena época pós-moderna. Para a confirmação desses aspectos, buscamos embasamentos na teoria filosófica de
Platão do mito da caverna e nos elementos caracterizadores da poética ceciliana, que se traduzem na visão da
natureza física, nos símbolos, na transparência das coisas, na efemeridade da vida, e na profunda musicalidade que
se esparge por toda a sua obra. O objetivo maior da poetisa foi o de resgatar os valores nacionalistas e patrióticos
esquecidos pela modernidade tecnológica. Apoiamo-nos nas idéias de críticos literários e historiadores: Machado de
Assis, Afrânio Coutinho, Eduardo Portella, Sérgio Buarque de Holanda, o antropólogo Darcy Ribeiro, Raymundo
Faoro, Fernando Novais e Eduardo Galeano. Na busca dos nossos objetivos utilizamo-nos de métodos intrínsecos e
extrínsecos: os primeiros apoiados na hermenêutica (em sentido amplo) e no estilístico-retórico. O método
comparativista (intertextualidade e autotextualidade) foi-nos imensamente útil no sentido de buscar eficiente
complementariedade através do método histórico-cultural, de natureza extrínseca. Com base nas idéias de Platão,
pode-se perceber que a poetisa soube fazer dessa sua obra literária “a expressão da verdade”. Encontramos nela a
sua alma, um hino imortal de amor à sua terra e à sua gente.
Palavras-chaves: Literatura Brasileira: Análise da obra literária Romanceiro da Inconfidência. Ensino.
Abstract: In this work we present a laborious analysis about Cecília Meireles’ poetry, approaching the presence of
shade, blood and dream in the book Romanceiro da Inconfidência. Also, this work approaches the concept of
“nationality instinct”, considering the pariotic poetry rescue, in the modern years. To confirm these aspects, we base
our study on Plato Phylosofical Theory called Myth of lave and on the characterized elements of Cecília Meireles’
poetry, which can be translated in the vision of physical nature, in the symbols, in the transparency of things and in
the ephemerality of life. Cecília’s major objective was the rescue of nationality and patriotic values, that were forgotten
by the technological modernization. We support our study on the ideas of some Literature and History specalists, such
as: Machado de Assis, Afrânio Coutinho, Eduardo Portella, Sérgio Buarque de Holanda, as well as on the comments
of the anthropologist Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro, Fernando Novais e Eduardo Galeano. To reach our objectives,
we used intrinsic and extrinsic methods; the first ones were based on the hermeneutics (lato sensu) and on the
stylistic-rethorical method. The comparative method (intertextuality and autotextuality) was very useful to search
efficient complementarity through the cultural and historical method, of extrinsic nature. According to Plato’s ideas, we
can say that Cecília Meireles knew how to make her poetry “the expression of truth”. We find in it her soul, an
immortal hymm of love to her land and folk.
Key words: Brazilian Literature: analysis of the literary piece “Romanceiro da Inconfidência“. Teaching (Education).
1
Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela
Universidade Federal do Ceará. Professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira do Colégio Militar de Fortaleza (CMF).
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
2. Desenvolvimento
O presente trabalho acadêmico surgiu como
tema: “A Sombra, o Sangue e o Sonho no Romanceiro
da Inconfidência de Cecília Meireles ao percebermos no
texto poético íntima união entre a história pátria e os
elementos constituintes da poesia ceciliana. Os oitenta e
cinco poemas-romance de que se constituem este título
dialogizam-se, intercruzam-se, unidos por um fio
narrativo, que, de tão tênue, une de forma magistral e
surpreendente ao leitor mais avisado as três partes da
narrativa. Durante as duas primeiras partes do texto em
estudo, este mesmo fio se configura por mais linear do
que durante a última parte da obra em análise.
Didaticamente, dividimos a obra ceciliana em três partes,
que se alargam em três círculos imbricados, a saber: a
primeira e a segunda partes se constituem do que
denominamos de Ciclo do Ouro e do Diamante.
Compõem-se de vinte e seis poemas. Têm início com o
poema “Fala Inicial” e termina com o “Romance XXVI ou
a Semana Santa de 1789”. Essas duas primeiras partes
apresentam um país mergulhado na sombra do poder
dominante português, que, por sua vez, é dominado pelo
poder da Inglaterra dos séculos XVI, XVII e XVIII. A
palavra sombra é encontrada no texto ceciliano por
quarenta e quatro vezes, repetição que assinala uma
recorrência estilística significante. Unida à presença da
sombra surge no poema em estudo, o vermelho do
sangue, que se derrama das populações mineiras, (no
trabalho das minas de ouro e diamante), sob o poder
despótico dos lusos, ao expressarem os primeiros
desejos de liberdade. O vocábulo sangue é visto no texto
por vinte e três vezes. A terceira parte se constitui no que
denominamos de Ciclo da Liberdade. É formado de
cinqüenta e nove poemas, iniciando-se com o “Romance
XXVII ou Do animoso Alferes” e se conclui com a “Fala
aos Inconfidentes Mortos”. Nela contextualiza-se o sonho
em que a Liberdade digladia-se com a morte física de
forca e cadafalso. O vocábulo sonho é visto na obra em
estudo por vinte e duas vezes. O empenho maior desse
artigo residiu entre outros objetivos, no resgate dos
valores morais e patrióticos transmitidos através da
poesia nacionalista de Cecília Meireles do Romanceiro
da Inconfidência.
Adotamos durante todo o nosso trabalho o
método hermenêutico em sentido amplo, combinando
tais
esforços
ao
método
retórico-estilístico.
Necessitamos, outrossim, do método comparativista
(intertextualidade e autotextualidade), unido ainda ao
histórico-cultural. Para a devida realização dos nossos
objetivos, debruçamo-nos sobre a majestosa beleza do
texto ceciliano. Utilizando-se da forma popular dos
Cancioneiros, o que é próprio de um romanceiro, a
poetisa soube transformar o rude cascalho da poesia do
povo numa das mais preciosas jóias da nossa Literatura,
mercê do seu talento, amor à arte e à sua terra.
O texto ceciliano em evidência é constituído de
poemas-romance através dos quais o eu lírico expressa
toda a gama de vivências e emoções evidenciadas
durante o período do Brasil-Colônia, séculos XVI ao
XVIII. Tais poemas trazem um indiscutível sabor ibérico
inerente às tradições peninsulares, que durante os
séculos XII e XIII se constituíram num meio acessório de
transmissão da cultura. Segundo SARAIVA (1978, p. 3840),
a origem da poesia ibérica está na literatura catalã
intimamente ligada à cultura occitânia de além-Pireneus.
Esta literatura peninsular em língua portuguesa e galegoportuguesa foi cultivada na Corte de Fernando III e
sobretudo na de Afonso X, o Sábio, reis de Castela e
Aragão e seus sucessores.
A transmissão oral se fazia principalmente
através de jograis recitadores, cantores e músicos
ambulantes, que divulgavam nas feiras, castelos e
cidades medievais ibéricas um repertório musical e
literário, por vezes colhido e estilizado em cortes
senhoriais e régias. O repertório dos jograis é dirigido a
um público de vilões, burgueses e nobres e servia-se das
línguas locais, inspirava-se na vida e interesse desse
público, que consistia, sobretudo em poemas e narrativas
versificadas. É, portanto, com os jograis que nascem as
literaturas românticas e os gêneros modernos de ficção,
tais como o poema lírico e o romance.
Dentre as composições oriundas da Península,
as cantigas de amigo representavam dentre outras
características, o fato de que o último verso de cada
estrofe vai tornar-se o primeiro verso da estrofe
correspondente no par seguinte. Cada estrofe vem
seguida de um refrão. Essas estruturas paralelísticas
constituídas de estrutura rítmica e versificatória próprias
redutíveis a um simples esquema, aproximam-se
normalmente da produção poética presente na obra em
estudo, por várias fases, dentre os oitenta e cinco
poemas já referenciados. Através dos Cancioneiros
(coletâneas de poemas sob a liderança de Garcia de
Resende, nobre português século XIV), tais produções
chegaram até nós. Aliados aos elementos acima
referidos, os poemas inseridos naquela coletânea
continham recursos poéticos, assim denominados: a
repetição, o refrão, o paralelismo, a alteração, a rima.
Segundo SPINA (2002, p.43),
os fenômenos formais que presidem ao nascimento e
ao desenvolvimento inicial da poesia forma em todos
os tempos recursos e expedientes da elaboração
poética, assim denominados: a repetição, o refrão, o
paralelismo, a aliteração, a rima e a anacruse.
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Tais aspectos são perfeitamente evidentes no
Romanceiro. O fenômeno da Repetição se apresenta nos
aspectos sintático, semântico, estilístico e do discurso,
propriamente dito. Através deste recurso, o leitor percebe
reacenderem-se no texto os aspectos emotivos com e
pelos quais essa obra literária veio à luz. O “Romance
XXVI” reproduz-nos tais fatos com a mais profunda
referência: “Lembrai-vos dos altares, / destes anjos e
santos, / com seus olhos audazes / nos mundos sobrehumanos. // Haverá sombra e umidade / em vossas
pálpebras tristes, / com o céu preso numa grade.) // (...)
Pois o amor não é doce, / pois o bem não é suave, / pois
amanhã, como ontem, / é amarga a Liberdade. // Gemeu,
sobre estes ofícios / que eles são transfigurados, /
vossos próprios sacrifícios.” (p. 453). Fazem parte
dessas repetições as partículas interjeccionais,
representadas não somente pelas interjeições
distribuídas durante todo o desenrolar da narrativa, mas
também pelos afixos verbais reforçativos. “O Romance VI
ou da Transmutação dos Metais”, (p. 422) incorpora ao
texto vinte e quatro interjeições expressivas dos
lamentos oriundos dos fatos inusitados aí comunicados
pelas demais vozes componentes do poema em foco. A
Repetição também traduz a condição emotiva em que
está colocado o eu lírico. No “Romance XVIII ou dos
Velhos de Tijuco”, (p. 440) a presença do diálogo é
constituído entre as demais vozes em construção
anafórica: um coro lamenta a sorte infeliz de Chica da
Silva em tercetos rimados de estrutura regular: “ ( Que
tudo passa... / o prazer é um intervalo / na desgraça...) “
(...) “ ( Que tudo acaba! / Quem diz que montanha de
ouro / não desaba? ) (...) “ ( Que tudo engana. / Gente,
só a morte, mesmo, é soberana? ) “ (...) Que a nossa
vida é a mesma coisa que a morte, / — noutra medida...)”
(p. 440). Esses aspectos citados apresentam na obra em
pesquisa aspectos similares a ponto de a repetição de
idéias e de palavras corresponderem-se mutuamente.
Tais fatos se constituem de um processo antiqüíssimo,
base da poesia hebraica e da lírica medieval portuguesa.
Como exemplo, o “Romance XXXI ou de mais Tropeiros”,
(p. 462 / 463). O mesmo possui em sua estrutura
estrófica de quinze quadras, por cinco vezes
consecutivas, a estrutura paralelística: “Por aqui passava
um homem / — e como o povo se ria! — ”, e esta mesma
estrutura vai servir de refrão, repetindo-se inclusive após
a última quadra desse poema. Exemplificam tais
aspectos os poemas seguintes : o “Romance XXXV ou
do Suspiroso Alferes”, (p. 466), com o verso: “Ah! Se eu
me encontrasse em Minas...” por sete vezes reiterado, e,
no final, as expressões: “... mesmo em Minas? Mesmo
em Minas?”, (p. 467).O mesmo fenômeno se repete no
“Romance LXXVI ou Do Ouro Fala”, (p. 533). TAVARES
afirma que
Paralelismo é a repetição de idéias e de palavras que se
correspondem quanto ao sentido. Tautologia artística e
não viciosa. Processo antiquíssimo, base da poesia
hebraica e da lírica medieval portuguesa. (1984: p.219)
São as estruturas paralelísticas as verdadeiras
pilastras sobre as quais a poetisa ergueu sua obra,
aliadas sempre às construções anafóricas e às
inesperadas sinestesias. Exemplifiquemos tal afirmação
com o “Romance XXXVI ou das Sentinelas”, (p.
467/468): “Esses versos que se seguem / Joaquim
Silvério, quem são? / Devem ser das sentinelas / que
amanhã me prenderão? / Quem as pôs sobre meus
passos? / quem comete essa traição? / Responde,
Joaquim Silvério, / quem nos leva à perdição?” (grifo
meu).
Outra modalidade de refrão se apresenta no
“Romance LVIII ou da Grande Madrugada”: são vozes
que se alternam enquanto descrevem os últimos
momentos do herói inconfidente em diálogo com o seu
carrasco. É a voz do narrador que orienta o leitor para o
desfecho fatal do trágico acontecimento do enforcamento
de Tiradentes: “... não é nuvem nem rochedo: / defende
as rédeas ao medo ! / – É o negro Capitania.” (p. 499).
Segue-se outra voz que responde: “E, para gerais
assombros / ainda lhes cavalga os ombros, / e nos ares
se balança!” (p. 499). Esse tipo de refrão é formado de
tercetos regulares isométricos escritos em itálico,
expressando veementemente a angústia de um narrador
observador onisciente e visionário, que sofre a dor do
condenado em todas as suas possíveis nuances, seja
num presente que se desenrola à frente do leitor, seja
num futuro próximo ou distante. O paralelismo e a
anáfora surgem no texto com decidida freqüência.
O Romanceiro está alicerçado num esquema
paralelístico sólido, sutil e imensamente difuso num
imenso mar de imagens e sons, em versos
heptassilábicos, ou redondilha maior, com predominância
acentual nas sílabas 2, 4 e 6. Como afirma Azevedo
(1997, p. 55),
o verso heptassilábico é, por excelência, o verso do
romanceiro hispânico e do cancioneiro português
(tendo ficado como remanescente na poesia popular
do Nordeste brasileiro), e não há uma só corrente
estética que não o haja praticado largamente.
A rima presente no Romanceiro é
predominantemente toante, assoante ou vocálica
:“Sabeis, ó pastora, / por que o maioral / manda pôr
algemas / no louro zagal / que tranqüilo borda / lírico
enxoval?”, (p. 495). Das cantigas líricas trovadorescas
medievais, a cantiga de amigo foi a que maior influência
exerceu na criação e elaboração do Romanceiro: a
presença constante desse estado de tensão por parte do
eu lírico, quando este expressa todo o seu desejo em
resgatar da História os fatos que integraram a
Inconfidência através da arte poética, num grito de
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desagravo aos seus heróis, pelo silêncio e frieza das
páginas da História. O historiador português nos diz que:
Os Provençais elaboraram o ideal do amor cortês, que,
nas cantigas de amigo se caracterizou pelo idílio
rudimentar nas margens dos rios ou à beira das fontes.
Nos cantares de amigo, há a evidência de uma
aspiração, de um estado de tensão que, para
permanecer, nunca pôde chegar ao fim do desejo.
Manter este estado de tensão parece ser o ideal do
verdadeiro amador e do verdadeiro poeta, como se
moves o amor do amor a uma mulher. E não só a esta
dirigem os poetas as suas implorações, queixa ou
graças, mas o próprio Amor personificado, figura de
retórica muito comum entre os trovadores provençais e
por eles transmitida aos galego-portugueses. (Saraiva,
1978, p. 59)
Todos os poemas que compõem o Romanceiro
são essencialmente eivados de profunda musicalidade,
ritmo e métrica, que se adaptam harmoniosamente à
música e ao canto. Prova disso é o fato de poemas
cecilianos terem sido inseridos no cancioneiro popular: é
o caso de Motivo, musicada, gravada e registrada sob o
nº 60552026.4 Os poemas que se referem às mulheres
no Romanceiro foram musicados por Sueli Costa
(cantora e compositora carioca, em 1987). Maria
Bethânia, cantora baiana, registrou a música “Nossa
Senhora da Ajuda” no CD “Cânticos, preces, súplicas à
Senhora dos Jardins do Céu”. A partir do título, o texto
convida o leitor a percorrer juntamente com a
personagem narradora, com o eu lírico ou com as
demais personagens, a trajetória heróica a que se
submeteu, de início, o romance, daí o título sugestivo.
Por outro lado, o leitor é levado a palmilhar passo a
passo as vertentes narrativas dos fatos históricos à
Inconfidência vivida do século XVII aos meados do
século XVIII do Brasil de então. Caracterizando-se como
romance de personagem, a personagem central,
Tiradentes, é alvo de demorada análise e objeto de
profundas considerações, uma vez que dele partem os
principais objetivos para a efetivação do trabalho literário.
A autora se utiliza da ação para a esta se sobrepor,
através de uma atitude de reflexão sobre os fatos
ocorridos naqueles séculos.
O texto em análise demonstra que a ambição e
o poder exerceram toda a sorte de violências e
atrocidades sobre as populações de um Brasil espoliado
pelas forças políticas de Portugal e Inglaterra daqueles
séculos: “Na mesma cova, as palavras, / o secreto
pensamento, / as coroas e os machados, / mentira e
verdade estão.” (p. 406). O texto ceciliano, portanto,
conduz o leitor a refletir exaustivamente sobre a
efemeridade do mundo e dos homens, no qual os valores
morais, as honras e ou os crimes são igualmente
esquecidos: “Na mesma cova do tempo / cai o castigo e
o perdão.” (p. 406). Formado de poesia social por
excelência, o Romanceiro apresenta como se estruturava
a sociedade mineira naqueles séculos: leis, normas
sociais, preconceitos, religião e cultura.
Essa sociedade se encontra legitimamente
ligada ao Ciclo do Ouro, uma vez que, o precioso metal
se constituiu no mais concreto dos motivos pelo qual
essa sociedade foi erguida. Na Vila Rica dos séculos
XVII a XVIII são visivelmente perceptíveis a observância
aos antigos interesses dos navegadores portugueses: a
expansão do poderio português no Novo Mundo. O Brasil
se resume a uma sociedade de base escravocrata,
dominada pela efetiva colonização portuguesa. Assumiu
ele sua função complementar na economia da metrópole
lusitana, dentro dos parâmetros mercantilistas. Tal
sociedade é representada pelas populações que habitam
Minas Gerais, tendo em Vila Rica seu núcleo minerador.
Todo o texto ceciliano encontra-se impregnado
desse clima sutil de revolta dos habitantes das Minas
contra o jugo português, cujos conflitos irão resultar
posteriormente em revoluções populares, sementes das
sedições nativistas e separatistas, que culminaram em
morte e destruição em várias regiões do país durante
esses séculos. Dividida em diversas classes sociais, a
sociedade brasileira de então se encaixa perfeitamente
na forma da tradicional pirâmide social: na base, o povo;
entre a base e o ápice, os comerciantes, contratadores e
funcionários públicos; no ápice, os ouvidores, juízes,
eclesiásticos, militares e funcionários do reino:
governadores, ministros, condes e viscondes. Segundo
Oliveira (1991, p. 87),
uma sociedade existe a partir de um conjunto de regras
e procedimentos organizados, aceitos e sancionados
pela sociedade e que têm grande valor social. São
modos de pensar, de sentir e de agir que o indivíduo
encontra pré-estabelecidos e cuja mudança se faz muito
lentamente, com dificuldade.
Faoro (1999, p. 89) se pronuncia com um aporte
histórico que “O descobridor, antes de ver a terra, antes
de estudar as gentes, antes de sentir a presença da
religião, queria saber de ouro e prata.”
Havia brasileiros que freqüentavam as
universidades européias, conforme o “Romance XXI ou
das Idéias”, (p. 451). Desses estudantes e seus ideais
partirão mais tarde o brado de Independência que o
sangue dos mártires fez conhecer através da figura de
Tiradentes. Metaforicamente, a sombra a que nos
referimos, corresponde ao modo de vida experimentada,
principalmente pelos habitantes naturais da região das
Minas. À sombra do poder vai-se desenvolvendo, ao
longo de dois séculos, a ignorância dessas populações,
aliadas por sua vez à miséria, à estagnação, à
ociosidade. Uma cultura moldada estreitamente através
dos principais interesse dos colonizadores europeus: “ (
A terra toda remexida, / a água toda revirada... // Deus do
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Céu, como é possível / penar tanto e não ter nada!)”, (p.
424).
E é submissa à sombra e à ideologia da
obediência que vive e sobrevive toda a época
denominada de Ciclo do Ouro e do Diamante. No texto
em estudo, essa época se reflete do início até o poema
XXVI. O Ciclo do Ouro e do Diamante vão unir-se
conteudisticamente ao sangue; uma época em que
predominaram o ódio e a perseguição entre as várias
camadas sociais das Minas.
O Ciclo do Diamante vai caracterizar-se pelo
autoritarismo, apadrinhamento e corrupção: “Vede os
pequenos tiranos / que mandam mais que o Rei! / Onde
a fonte de ouro corre, / apodrece a flor da Lei!” (p. 421).
Enquanto o Ciclo do Ouro se encontrou intimamente
ligado à época barroca nas artes mineiras, o Ciclo do
Diamante surge simultaneamente ligado à época árcade
ou neoclássica. Tais aspectos se concretizam através
das características presentes em ambas as estéticas
literárias: o barroco com as antíteses e analogias; jogo
do claro-escuro, cores e tons fortes e cenas violentas. O
arcadismo, com a fuga da cidade e a procura da paz do
campo se faz presente nos poemas do Ciclo do
Diamante.
Esse momento se afigura como o instante
decisivo em que as manifestações literárias vão adquirir
no Brasil, características orgânicas de um sistema, em
correlação íntima com a elaboração de uma consciência
nacional.
Por uma seqüência de eventos e ordem não
cronológica e não linear, a narrativa referente a ambos
os Ciclos se divide em etapas, com fatos e cenários,
enriquecidas de vozes que também se entrecruzam,
ações, lendas e mistérios.
O Ciclo do Ouro e do Diamante correspondem
na História à dinastia dos “joões”: de D. João IV, D. João
V, D. Maria e D. João VI; imersa que esteve no
predomínio da morte e da forca.
Toda a essência desse Ciclo encontra-se dos
Romances VI ao XIX. Enquanto o Ciclo do Ouro se
desenvolveu como elemento formador da sociedade das
Minas, o Ciclo do Diamante alicerçou a História, e ambos
os Ciclos sobreviveram durante todo esse período
(séculos XVII ao XVIII) sob a tirania implacável da
ideologia da obediência.
O sonho surge no poema ceciliano no momento
em que o Ciclo da Liberdade aparece com o “Romance
XXII ou do Diamante Extraviado”, (p. 447). A figura da
Liberdade reveste todo este poema, personificada na
figura esplendorosa do diamante, conduzido do Serro
Frio para a Vila, (Vila Rica), numa retomada alegórica.
Na essência do “Romance XXII” estão as características
de cada Ciclo: as do Ouro e do Diamante presentificamse no fulgor apolíneo das chispas diamantíferas: “Como
noite negra leva / num luminoso planeta / parado na sua
terra.” (versos 05 a 07).
As referências do Ciclo da Liberdade se acham
na simbologia própria da luta pela obtenção e realização
do sonho: “Que o negro desceu do Serro / mais que os
brancos, arrogante”. (v. 31-32). O sonho é o elemento
basilar na formação do Ciclo da Liberdade, que, no
“Romance XXII” tem na figura do fugitivo a sua
personificação, seu espírito de luta e determinação. Tais
aspectos emprestarão aos poemas desse Ciclo visível
atmosfera de luta, de dor, de destemor, e irão aureolar a
fronte dos heróis e das vítimas desse sistema opressor
do qual emergem.
O advento de Tiradentes vem aí traduzido,
através dessa personagem original, o negro desertor,
escravo em sua condição social, mas valente
desbravador na escuridão dos caminhos pela obtenção e
concretização da Liberdade apesar do delator e da
condenação: “Um negro desceu do Serro / soberbamente
montado. / Ninguém dorme com desejo / alvoroçado / (...)
mas todo mundo tem medo e está calado”. (p. 447 / 448).
O ápice do Ciclo da Liberdade se faz existir com
o “Romance XXIV ou da Bandeira dos Inconfidentes”. O
sabor de um ingênuo nacionalismo em evolução
presentifica-se, acompanhado de um significante
momento poético. Caracterizado pela atmosfera de
denúncia, o Ciclo da Liberdade ergue-se caracterizado
pela inveja e traição em expressivos conflitos formadores
de um triângulo: o herói, o delator e o poder. No poema
seguinte, “Romance XXVII ou do Animoso Alferes”, a
figura de Tiradentes se transforma na bandeira dos
inconfidentes, pelos caminhos de Minas.
No texto e na personagem, encontramos a
tríade essencial da nossa pesquisa: a sombra do medo e
o habitat natural do traidor ou dos traidores; o sangue do
sacrifício e do martírio, elementos que reavivaram o
sonho da Liberdade ainda que tardia: “E o negro
demônio / seus passos conhece; / fareja-lhe o sonho e a
sombra persegue / o audaz, o valente, / o animoso
Alferes / ... / Lá vai para a frente / o que se oferece, /
para o sacrifício, / na causa que serve.” (p. 456/ 457).
Este Ciclo da Liberdade é concluído por uma série de
sete poemas, do Romance LXVIII ao LXXIV. Tiradentes é
a voz que se cala. A partir desse momento, ele passa a
falar através da História.
3. Conclusão
Ao longo do texto, a poetisa vai ressaltando
repetidamente o papel que detém a palavra nas relações
sociais e, principalmente, durante o processo da
Inconfidência. Esse tema conduz tanta importância, que
a autora a ele dedica um dos mais belos poemas, o
“Romance LIII ou das Palavras Aéreas”, (p. 492 / 493).
Erguido sobre anáforas e antíteses, a autora enfatiza o
aspecto fluídico e efêmero das palavras em confronto
com a rigidez e o aprisionamento daqueles que por infeliz
destino caem desacauteladamente em suas malhas,
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tecidas nas sombras do sonho e do sangue; de doçura e
de fúria; de seda e de lágrimas: “Ai, palavras, palavras, /
que estranha potência a vossa! / Todo o sentido da vida /
principia à vossa porta; o mel do amor cristaliza / seu
perfume em vossa rosa; / sois o sonho e sois a audácia, /
calúnia, fúria, derrota...” (p. 493).
Todo o poema é um longo lamento no qual o eulírico analisa a fantástica realidade da palavra: enquanto
criada para comunicar, desalienar o homem pela razão e
pelo conhecimento, torná-lo livre e capaz de realizar-se
para a Liberdade, no texto em estudo, a palavra é
sinônimo de aprisionamento, tortura e solidão: “A
liberdade das almas, / ai! com letras se elabora... / E dos
venenos humanos / sois a mais fina retorta: / frágil, frágil
como o vidro / e mais que o aço poderosa!” (p. 493).
Esse poema se encontra calculadamente na metade da
obra em análise e se corresponde contextualizadamente
com outros poemas: ao “Romance LI ou das Sentenças”,
(p. 490 / 491), ao “LXXXI ou dos Ilustres Assassinos”, (p.
540 / 541) e o “XXVIII ou da Denúncia de Joaquim
Silvério” (p. 458 / 459).
Sobre essa questão, Holanda (2004, p. 45-46)
diz que
no Brasil Colônia, o Direito, como ciência, existiu de
mistura com o seu Direito Positivo, e este, até 1808, foi
tipicamente
português(...)
A
legislação
de
circunstância, e local, do período anterior à
Independência, compunha-se de cartas de lei, cartaspatentes, alvarás e provisões reais; regimentos;
estatutos; pragmáticas; privilégios decretos; resoluções
de consulta; portarias e avisos.
A Inconfidência não foi apenas uma revolta de
heróis esclarecidos, mas também de indivíduos
conscientes, instrumentalizadores da palavra, não
apenas como elemento de comunicação, mas como algo
muito maior: a palavra com valor transcendente. É a
palavra o instrumento mais forte a favor da obtenção e
da permanência da liberdade; é a força da palavra
através da História. Quase um terço do texto analisado é
escrito sobre o oposto da posse material e da Liberdade.
A Liberdade só é possível de for possível renunciar às
regalias que o egoísmo aclama com seus ídolos.
No Romanceiro, a poetisa realiza uma longa
viagem a um passado mítico. É uma reconstrução lírica
com traços da identidade brasileira. Existiu, com certeza,
o intuito de erguer um monumento literário a uma
nacionalidade atemporal.
Vivemos numa época em que os sentimentos de
nacionalidade e patriotismo encontram-se imensamente
fragilizados. Essa tomada de consciência política e
patriótica na obra ceciliana faz-nos refletir sobre a
consciência de cidadania, sobre o brio e a honradez
coletiva e individual.
O texto nos leva a pensar sobre a luta daqueles
homens, que, pela palavra entregaram à Pátria o seu
bem mais precioso, a vida, em troca da liberdade política.
Percebemos que a poetisa se debruçou sobre alguns
aspectos durante a elaboração dessa obra: confronta a
arte de escrever, por sua vez, entusiasta e plena de calor
humano, indignada e corajosa, com a escrita burocrática,
fria, calculista e interesseira, dos funcionários da corte e
dos traidores: “... Como pavões presunçosos, / suas
letras se perfilam. / Cada recurvo penacho / é um erro de
ortografia. / Pena que assim se retorce / deixa a verdade
torcida.” (p. 459).
O texto em estudo é uma homenagem a
Tiradentes e aos companheiros inconfidentes. A Cláudio
Manuel da Costa a autora assim se refere “Era homem
de muitas luzes, / pelo povo respeitado; / Secretário do
Governo, / que vivia em grande estado: / casa de trinta
aposentos, / muito dinheiro emprestado, / e do velho
João Fernandes, / dono do Serro, afilhado.” (p. 489). A
ele é dedicado os Romances XLIX e L. A Tomás Antonio
Gonzaga dedicou uma série de poemas: do “Romance
LIV”, LV, LVI, LVII, o terceiro Cenário, (p. 511), LXVI,
LXVII, LXVIII, LXIV, LXX e LXXI, LXXII ao LXXIII.
Ressalta neles a poetisa o infeliz destino do “louro zagal”
e sua amada, a desditosa Marília: “Entre lágrimas se
erguia / seu claro rosto acordado. / Volvia os olhos em
roda, / e logo, de cada lado, / piedosas vozes discretas /
davam-lhe o mesmo recado: / ‘Não chores tanto, Marília,
/ por esse amor acabado: / que esperavas que fizesse, /
o teu pastor desgraçado, / tão distante, tão sozinho, / em
tão lamentoso estado?” (p. 525). Ao Pe. Rolim e a Inácio
Pamplona dedicou-lhes os Romances XLV (p. 481) e L
(p. 489). É necessário que se faça a relação dos bens
dos inconfidentes. O ouro, cuja presença fez parte de
cada período de que se compõe o Romanceiro vai
contrapor-se à prata encontrada num par de esporas
pertencentes ao poeta infeliz, exilado para Moçambique:
“ — Que fica daquele poeta, / Tomás Antônio Gonzaga? /
— Somente este par de esporas / um par de esporas de
prata. / Por mais que se apure o peso, / não chega a
quarenta oitavas.” (p. 513). Entre os pertences do
Alferes, não há ouro nem prata, somente objetos de
operário: um rosilho castanho, um jogo de esporas, um
de fivelas, navalhas, um relógio, uma bolsinha de ferros,
um canivete e um espelho, (Romance LVI), (p. 497 /
498). Poucos e simples objetos possuía o herói
inconfidente em contraste com sua imensa riqueza
humana. O “Romanceiro” conseguiu transformar a luta
dos inconfidentes numa obra inqüestionável na formação
da consciência pela liberdade de uma nação, e,
conseqüentemente, de um povo. A palavra foi, durante
todo o texto, o instrumento essencial com a qual a
poetisa elevou sua voz, perpetuando assim a memória
desses heróis e dos seus exemplos patrióticos em favor
da liberdade de uma nação. O vocábulo palavra é
empregado no texto por vinte e duas vezes,
evidenciando também uma significativa recorrência
estilística e semântica. O valor ou o preço da liberdade
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traduz-se mais fidedignamente no fragmento: “Ó
soberbos titulares, / tão desdenhosos e altivos! / Por
fictícia austeridade, / vãs razões, falsos motivos, /
inutilmente matastes: / — vossos mortos são mais vivos;
/ e, sobre vós, de longe, abrem / grandes olhos
pensativos.” (p. 541).
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14. ASPECTOS DAS REVOLUÇÕES E LEVANTES
NO BRASIL: 1922-1935
Wilson Rocha Ferreira1
Resumo. Este artigo disserta sobre alguns aspectos das revoluções e levantes ocorridos no Brasil no século XX.
Movimentos que modificaram a ordem do país, daí a motivação da escolha. Optou-se por um recorte temporal entre
os anos de 1922 e 1935 e por uma estrutura de exposição dividida em três partes. Inicialmente, mergulha-se sobre
o chamado Movimento Tenentista, agitação político-militar marcada por rebeliões de jovens oficiais do Exército
Brasileiro insatisfeitos com a situação política e social do país. Em seguida, analisa-se a Revolução de 1930,
movimento armado que culminou com a deposição do presidente Washington Luís. E, finalmente, trata-se sobre a
Intentona Comunista, ocorrida no ano de 1935, que consistiu em uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio
Vargas, realizado pela frente das esquerdas, sob a liderança do Partido Comunista Brasileiro. Em cada parte, foram
destacados os antecedentes políticos, econômicos e psicossociais dos fatos analisados e os acontecimentos que,
naquele período, tiveram repercussão nacional. O conteúdo deste texto resultou de um processo de pesquisa
baseado em fontes e autores diversificados. A abordagem apresentada contemplou não apenas os pontos em
comum evidenciados na bibliografia consultada, mas sobretudo as idéias divergentes, concluindo pela necessidade
de se estudar os fatos históricos a partir de vários ângulos.
Palavras-chave: Revoluções, levantes, política
Abstract. This article deals with some aspects of the revolutions and riots occurred in Brazil in the twentieth century.
Revolutions that promoted changes on the political order of the country, which is the motivation for this choice. It was
decided to adopt a short historical view between the years 1922 and 1935 through a structure divided in 3 parts.
Initially, it was discussed about the Tenentista movement, which was a political-military agitation marked by rebellions
of young officers from the Brazilian Army who were dissatisfied with the social and political situation of the country.
After that, it is analyzed the revolution of 1930, an armed movement that culminated in the deposition of president
Washington Luis. Finally, it is commented on the communist conspiracy that occurred in the year of 1935 and
consisted in an attempt of a political blow against Getulio Vargas government and which was organized by the
leadership of the communist party. In each part, it was described the political, economical and psychosocial
antecedents of the analyzed facts and the events which had national repercussion at that time. The content of this
text resulted from a research based on sources and diversified authors. The present article presented not only the
common points evidenced in the consulted bibliography, but especially divergent ideas, concluding about the need al
studying the historical facts from different angles.
Key words: revolutions, riots, politics
1
Oficial do Exército Brasileiro. Mestre em ciências militares e licenciado em História. Subdiretor de Ensino do Colégio Militar de Fortaleza em 2008,
Fortaleza, Brasil. [email protected]
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1. Introdução
Neste artigo serão apresentados alguns
aspectos das revoluções e levantes que ocorreram no
Brasil no século XX, entre os anos de 1922 e 1935.
As revoluções e levantes permitem que ocorram
significativas transformações e mudanças nos aspectos
políticos, econômicos, sociais e militares de uma
sociedade, podendo, inclusive permitir que a raça
humana tenha a percepção do passar do tempo, dando
ao homem a noção de presente, passado e futuro.
Sabe-se que foi por intermédio de conflitos que
o homem conquistou cidades e dominou povos,
construindo e arrasando impérios. Enfim, percebe-se que
a evolução da humanidade deu-se a partir das
revoluções e essas marcaram de forma significativa as
mudanças nas sociedades, desde a pré-história até os
dias atuais (FAUSTO, 1972).
O aspecto acima mencionado, aliado ao fato de
que o processo histórico é intimamente ligado às ações e
atitudes do homem, motivou a escolha do tema. A
abordagem permite que se faça uma mostra da situação
política, econômica, social e militar do país naquele
momento, enriquecendo sobremaneira o trabalho
desenvolvido. Sem considerar, ainda, as influências
intrínsecas e extrínsecas que permeiam a personalidade
do autor.
O tema desenvolve-se em um curto recorte
temporal compreendido entre os anos de 1922 a 1935.
Muito embora se tenha pontuado e citado fatos e
ocorrências anteriores ao período com o objetivo de
embasar e facilitar o entendimento.
No desenvolvimento dos trabalhos de pesquisa,
buscaram-se informações consistentes de forma a dar
mostras do que subsiste de uma época, permitindo ao
leitor várias possibilidades de entendimento,
interpretações e reflexões. Para melhor entendimento, o
presente artigo foi estruturado de forma didática, em três
subtítulos. O primeiro subtítulo mergulha sobre o
chamado Movimento Tenentista, nome dado ao levante
político-militar e à série de rebeliões de jovens oficiais,
em sua maioria, tenentes do Exército Brasileiro, no início
da década de 20, do século passado, descontentes com
a situação política do Brasil. Faz-se, então, um apanhado
sobre os eventos, os líderes, as causas e as
conseqüências. No segundo subtítulo faz-se referência
ao movimento armado liderado pelos estados de Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, que culminou com a
deposição do presidente paulista Washington Luís e
passou para a história como a Revolução de 1930. No
terceiro subtítulo o foco é a Intentona Comunista de
1935, nome pelo qual é conhecida a tentativa de golpe
contra o governo de Getúlio Vargas, realizada em
novembro de 1935 pela frente das Esquerdas
representadas pela Aliança Nacional Libertadora (ANL),
sob a liderança do Partido Comunista Brasileiro.
O assunto é apresentado com transparência.
Buscou-se estudar, pesquisar fontes e autores
contemporâneos diversificados com o intuito de alcançar
uma maior exatidão na dissertação. Livros, artigos de
jornais e da rede mundial de computadores, manuscritos
e iconografia foram as principais fontes.
No desenvolvimento do texto, priorizam-se não
só os pontos comuns encontrados na pesquisa do tema,
mas, sobretudo, as idéias divergentes que em muito
enriquecem o trabalho.
Assim, julga-se importante o tema escolhido por
retratar o Brasil num momento histórico que perpassa os
campos político, econômico, psicossocial e militar, tendo
como pano de fundo as Revoluções e levantes que
ocorreram naquele período, com ênfase para o
Movimento Tenentista, Revolução de 1930 e a Intentona
Comunista de 1935 (CÂNDIDO, 1984).
I - O Movimento Tenentista
Tenentismo foram os levantes e as rebeliões de
ordem político-militar promovidas por oficiais de baixa
patente do Exército Brasileiro, na maioria tenentes, no
início da década de 1920. Os jovens oficiais mostravamse descontentes com a situação política e econômica do
Brasil.
Embora não propugnassem ideologia definida,
os movimentos político-militares propunham reformas na
estrutura de poder do país, entre as quais se destacavam
o fim do voto de cabresto, a instituição do voto secreto e
a reforma na educação pública (MORAES, 2006). Dentre
as rebeliões dos tenentes projetaram-se: a Revolta dos
18 do Forte de Copacabana, em 1922; a Revolta
Paulista, em 1924; e a Coluna Prestes, 1925-1927.
O aludido Movimento surgiu nos quartéis
espalhados em todo território nacional, a partir dos anos
20 do século passado. Segundo Paulo Sergio
Pinheiro, em "Estratégias da Ilusão", a 4 de julho de
1922, ocorre a primeira revolta com grande influência dos
tenentes. Ficou conhecida como "os 18 do Forte", e se
opunha à posse do presidente eleito Arthur Bernardes.
Deste movimento participaram o Capitão Hermes da
Fonseca Filho, o Tenente Eduardo Gomes, o Tenente
Siqueira Campos e o Tenente Cassimiro Montenegro,
cearense, pioneiro do Correio Aéreo Nacional (CAN) e
fundador do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA),
entre outros (MORAES, 2006).
Debelada a revolta, ressurge o movimento
armado em cinco de julho de 1924, em São Paulo, que
consegue dominar a capital do estado e é dirigido pelo
General Isidoro Dias Lopes. As tropas tenentistas
retiram-se da capital, mas, de armas na mão, percorrem
grande parte do interior do Brasil. No Rio Grande do Sul,
recebem a adesão de novos sublevados, como a do
Capitão Luís Carlos Prestes, que depois passaria a ser
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conhecido como o "Cavaleiro da Esperança" (SEGATTO,
1996).
Nessa marcha, de mais de 20.000 km pelo
interior do País, enfrentaram tropas legais governistas e
tropas de polícias estaduais, bandos e chefes políticos.
Àquela altura, participavam, entre outros, Djalma Duarte,
Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João Alberto e Miguel
Costa. Em sua maioria eram tenentes ou militares de
patentes mais graduadas (SILVA, 1971).
A Coluna Prestes, como passou a ser chamada,
em homenagem ao seu idealizador, passou dois anos de
enfrentamentos, sempre se deslocando de um lugar para
outro, até terminar internando-se na Bolívia.
Os tenentes, com exceção de Luís Carlos
Prestes, passaram a participar da Aliança Liberal em
1930. Essa Aliança, formada pelos presidentes do Rio
Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, pregava a
justiça trabalhista, o voto secreto e o voto feminino. Teve
total apoio dos tenentistas que depois da vitória e posse
de Getúlio Vargas, tiveram vários dos seus seguidores
designados como interventores nos estados. Esse foi o
caso de Juracy Magalhães na Bahia, Landri Sales no
Piauí, Magalhães Almeida no Maranhão e Magalhães
Barata no Pará, entre outros (SEGATTO, 1996).
O Movimento Tenentista continuou presente na
vida pública nacional, até que se divide com uma minoria
acompanhando Luís Carlos Prestes. Em 1937 ocorre
outra divisão, momento este em que uma parte rompe
com o Presidente Getúlio Vargas e passa para a
oposição, é o caso de Juracy Magalhães, Juarez Távora
e Eduardo Gomes, que se distanciam do poder.
Em 1945, o tenentismo anti-Getulista consegue
depor o ditador Getúlio Vargas e lança a candidatura do
Brigadeiro Eduardo Gomes, um nome ligado sempre
àquele movimento, ao contrário do candidato vitorioso
Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro de Vargas que,
inclusive, já havia demonstrado interesse pela
aproximação do Brasil com as potências do Eixo. Nova
disputa volta a ocorrer em 1950, com Eduardo Gomes
sendo derrotado por Getúlio Vargas. Em 1955, o
tenentismo disputa novamente com o nome do General
Juarez Távora.
O Movimento Tenentista existiu até morrerem
os seus integrantes, ou seja, em torno de 1970. Não
conseguiu produzir resultados imediatos na estrutura
política do país, já que não obtiveram sucesso em
nenhuma de suas tentativas; mas conseguiu manter viva
a revolta contra o poder das oligarquias, representada
pela Política do "café com leite". No entanto, o
tenentismo preparou o caminho para a Revolução de
1930, que alterou definitivamente as estruturas de poder
no país (SEGATTO, 1996).
II - Revolução de 1930
A Revolução de 1930, ou Revolução de 30, foi
um movimento armado liderado por políticos dos estados
de Minas Gerais e Rio Grande do Sul apoiados por
militares das Forças Armadas e culminou com a
deposição do presidente paulista Washington Luís,
naquele ano, pondo fim na Primeira República ou
República Velha (1889-1930) (FAUSTO, 1972).
Alguns historiadores, dentre eles, Boris Fausto
(1995), Antonio Candido (1984) e Helio Silva (1971) a
consideram como a mais importante revolução da
história do Brasil do século XX. Para eles, foi o levante
que acabou com a hegemonia da burguesia do café e
contribuiu para a inserção do Brasil no capitalismo
internacional.
Para que se compreenda bem a crise políticomilitar que derrubou a República Velha, há que se
entender o cenário econômico mundial do momento. Em
1929, ocorre uma crise econômica que afeta todos os
países industrializados, foi o "crash" da Bolsa de Valores
de Nova York. Nos países, ricos ela representou a
paralisação das indústrias e o desemprego em massa,
para os países pobres e fornecedores de produtos
primários, como o Brasil, representou uma queda geral
nas exportações, gerando a diminuição dos rendimentos
com a venda do café, seu principal produto no comércio
exterior.
Em meio a essa crise, há uma perda de poder
econômico por parte dos plantadores e exportadores,
seguindo-se a perda do poder político. A crise econômica
mundial fragiliza politicamente os cafeicultores e abre
uma brecha para a ação dos grupos políticos que ficaram
excluídos do poder durante a política do "café com leite",
na qual os estados de São Paulo (café) e Minas Gerais
(leite) se alternavam na presidência do País. Assim,
estes estados perdem a hegemonia política mantida
durante toda a Primeira República.
No começo de 1929, ainda na República Velha,
o Presidente da República, Washington Luís, indicou o
nome do governador de São Paulo, Júlio Prestes, como
seu sucessor, no que foi apoiado por governadores de 17
estados. Apenas Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
Paraíba negaram o apoio a Prestes. Minas Gerais
esperava que Antônio Carlos de Andrada, seu
governador, fosse o indicado.
Iniciou-se, assim, a articulação de uma frente
oposicionista ao intento do presidente de eleger Júlio
Prestes. Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba
uniram-se a políticos de oposição de diversos estados,
inclusive do Partido Democrático de São Paulo, para se
oporem à candidatura de Júlio Prestes, formando, em
agosto de 1929, a Aliança Liberal (AL).
No mês de setembro, foram lançados os
candidatos da Aliança Liberal às eleições presidenciais:
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Getúlio Vargas, candidato a Presidente, e João Pessoa,
governador da Paraíba, como vice-presidente.
Apoiaram a Aliança Liberal (AL) intelectuais
ilustres como José Américo de Almeida e Lindolfo Collor,
membros das camadas médias urbanas, além de
políticos e militares oriundos do movimento Tenentista.
As eleições foram realizadas em março de 1930
e deram a vitória a Júlio Prestes. A Aliança não aceitou
as eleições, alegando que a vitória do candidato da
presidência era decorrente de fraude. Além disso,
deputados eleitos em estados onde ela foi vitoriosa, não
obtiveram o reconhecimento dos seus mandatos. Daí
iniciou-se uma conspiração, com base no Rio Grande do
Sul e em Minas Gerais
A conspiração sofreu duas fortes baixas: uma
quando Luís Carlos Prestes, que seria o comandante
militar da revolução, desistiu para apoiar o comunismo; e
a outra, foi a morte, em acidente aéreo, do tenente
Siqueira Campos. No mês de julho, João Pessoa foi
assassinado em Recife, por questões políticas e de
ordem pessoal, servindo como estopim para a
mobilização armada.
As acusações de fraude e a arbitrariedade em
não aceitar os deputados mineiros e os da bancada da
Paraíba da Aliança Liberal; o descontentamento popular
devido à crise econômica causada pela grande
depressão de 1929; o assassinato de João Pessoa e o
rompimento da política do café com leite foram os
principais fatores que criaram o clima favorável à
revolução. Quando já se aproximava a posse de Júlio
Prestes, em 15 de novembro, a Revolução iniciou-se no
Rio Grande do Sul e rapidamente se alastrou por todo o
país. Oito governadores do nordeste foram depostos
pelos revoltosos e na seqüência Getúlio Vargas lançou o
manifesto "O Rio Grande de pé pelo Brasil" (FAUSTO,
1972) e partiu rumo ao Rio de Janeiro, capital federal.
Nos dias 12 e 13 de outubro, ocorreu o Combate de
Quatiguá, entre tropas do governo e os revolucionários,
que pode ter sido o maior dessa Revolução.
Os generais Tasso Fragoso e Menna Barreto e
o Almirante Isaías de Noronha depuseram o Presidente e
formaram uma junta de governo. Júlio Prestes,
Washington Luís e outros políticos da República Velha
foram exilados. No 3 de novembro de 1930, a junta
militar passou o poder a Getúlio Vargas que vestiu farda
militar, por sugestão de seus assessores, para incutir no
povo a "aura revolucionária" (PEDROSA, 2001). Getúlio
tornou-se Chefe do Governo Provisório com amplos
poderes. A constituição de 1891 foi revogada passando o
Presidente a governar por decretos.
Os efeitos da Revolução demoraram a aparecer.
A nova Constituição só foi aprovada em 1934, depois de
forte
pressão
social,
como
a
Revolução
Constitucionalista de 1932. Mas a estrutura do Estado
brasileiro modifica-se profundamente depois de 1930,
tornando-se mais ajustada às necessidades econômicas
e sociais do país. O regime centralizador, por vezes
autoritário, do getulismo ou Era Vargas, estimula a
expansão das atividades urbanas e desloca o eixo
produtivo da agricultura para a indústria, estabelecendo
as bases da moderna economia brasileira (CÂNDIDO,
1984).
Com a centralização do poder, Vargas iniciou a
luta contra o regionalismo. A administração do país tinha
que ser única e não, como ocorria na República Velha,
onde era dividida pelos proprietários rurais.
Muitas medidas que tomou no plano econômicofinanceiro não resultaram de novas circunstâncias, mas
das condicionantes impostas pela crise mundial. O Brasil
dependia demais do comércio do café para que o novo
presidente o abandonasse. Para controlar a
superprodução e a crise no Brasil, Vargas mandou
destruir os estoques de café (SKIDMORE, 2000).
Mesmo com a crise mundial, houve uma intensa
aceleração do desenvolvimento industrial causado pela
redução das importações, não ocorrendo o mesmo na
agricultura (PINHEIRO, 1991).
A participação do Estado, com tarifas
protecionistas e investimentos, foi o que mais influiu para
crescimento industrial. Diferente do que ocorreu na
República Velha, foram elaborados planos para a criação
de indústrias de base no Brasil, que culminaram com a
inauguração da usina siderúrgica de Volta Redonda em
1946 (FAUSTO, 1972).
III - Intentona Comunista de 1935
A tentativa de golpe contra o governo de Getúlio
Vargas, realizado no mês de novembro daquele ano,
deu-se o nome de Intentona Comunista de 1935. O
episódio foi articulado pela frente das Esquerdas, Aliança
Nacional Libertadora (ANL), sob a liderança do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), em ligação direta com a
direção da Internacional Comunista.
O comunismo surgiu no Brasil em 1922, com a
fundação do Partido Comunista Brasileiro, e fortaleceuse ao intensificar sua participação nas campanhas
eleitorais, penetrar no proletariado urbano e nos meios
rurais. Após a Revolução de 30, recebeu a adesão de
líderes tenentistas, entre eles o ex-capitão Luís Carlos
Prestes.
No período do governo constitucional de Getúlio
Vargas (1934/37) ocorreu o choque entre duas correntes
influenciadas por ideologias de origem européia: a Ação
Integralista Brasileira (AIB) de tendências fascistas,
idealizada pelo escritor Plínio Salgado, tinha como lema,
"Deus Pátria e Família", da qual participavam
universitários e militares; e a Aliança Nacional
Libertadora (ANL), igualmente radical, reunia setores da
esquerda, como sindicalistas, pessoas da classe média
preocupadas com o recrudescimento do fascismo no
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mundo, operários, acadêmicos e comunistas; firmava-se
na trilogia "Terra, Pão e Liberdade"( SKIDMORE, 2000).
No início de março de 1934 desembarcava no
Rio de Janeiro, com documento americano, Harry Berge,
que na realidade era o agente alemão comunista Arthur
Ernst, espião fichado e processado em seu país por alta
traição. Com ele vieram outros agitadores, como Rodolfo
Ghioldi e Jules Vales. Pouco depois, chegou da União
Soviética, com passaporte falso, Luiz Carlos Prestes
juntamente com sua “esposa”, a agente da Internacional
Comunista Olga Benário. Passaram a viver
clandestinamente num bairro do então Distrito Federal. O
Cavaleiro da Esperança, agora traidor da pátria, vinha
com a missão que lhe impusera o Comitê Internacional
Socialista (Comintern): chefiar o movimento armado que
visava implantar o comunismo internacional no Brasil
(PEDROSA, 2001).
Nas Forças Armadas já havia grande infiltração
comunista. Células, envolvendo oficiais e sargentos,
funcionavam no Exército e na Marinha. Elementos do
Partido Comunista preparavam greves e agitações nos
meios operários e camponeses. Manifestos e instruções
subversivos circulavam nos quartéis e em organizações
sindicais (PEDROSA, 2001).
Nos planos comunistas, o movimento teria duas
fases: na primeira seria organizado um governo popular,
na segunda, viriam os sovietes, o Exército do Povo e a
sua total hegemonia. Para a conquista dos seus
objetivos, os comunistas atuavam de varias formas, não
medindo as conseqüências. Em nome da causa
vermelha, pessoas consideradas suspeitas foram
expulsas do Partido e até mesmo eliminadas, como
ocorreu com a menina Elza Fernandes, assassinada por
ordem de Prestes (PEDROSA, 2001).
Havia previsão para o início simultâneo do
levante armado em quartéis das cidades de Natal, Recife
e Rio de Janeiro, mas o movimento foi precipitado no
Nordeste. A insurreição comunista teve início em Natal Rio Grande do Norte quando, no dia 23 de novembro,
seis militares de baixa graduação dominaram o 21º
Batalhão de Caçadores, distribuíram armamento e
munições a um grupo de civis e instalaram um Comitê
Popular Revolucionário (MORAES, 2006).
No dia 25 de novembro, um militar tentou
apoderar-se de um Quartel no Recife, assassinando um
oficial, na Vila Militar de Socorro três oficiais, notórios
comunistas, sublevaram o 29º Batalhão de Caçadores e
marcharam sobre a cidade. No entanto, nos dois
episódios os comunistas foram rechaçados por tropas
legalistas (PEDROSA, 2001).
No Rio de Janeiro, as proporções do movimento
foram mais amplas e cruéis, foi deflagrado,
simultaneamente, no 3º Regimento de Infantaria, na
Praia Vermelha; no 2º Regimento de Infantaria na Vila
Militar e na Escola de Aviação. Os amotinados,
companheiros de véspera, feriram e mataram seus
companheiros.
De madrugada, na Escola de Aviação, os
Capitães Agliberto Vieira e Sócrates da Silva e os
Tenentes Ivan Ramos e Benedito de Carvalho
dominaram a Unidade e assassinaram vários oficiais que
dormiam. Ressalta-se que o Capitão Agliberto matou o
seu amigo, Capitão Benedito Lopes, que se achava
desarmado. Os insurretos esbarraram na resistência das
forças legalistas e perderam a luta.
A Intentona Comunista de 1935 foi apenas um
episódio no repertório de ações que indivíduos que se
autoafirmavam comunistas cometeram no mundo para
submeter os povos ao regime opressor da “ditadura do
proletariado” (PEDROSA, 2001).
2. Conclusão
As Revoluções ocorridas no Brasil no século XX,
entre os anos de 1922 e 1935, pontuaram de forma
marcante e significativa as mudanças ocorridas no país
desde aquele momento.
Na historiografia brasileira contemporânea,
vários movimentos, insurreições armadas e levantes se
imbricaram no viés político, econômico-social e militar.
Como exemplo, cita-se o Movimento Tenentista, a
Revolução de 1930 e a Intentona Comunista de 1935.
Os jovens oficiais, na maioria tenentes do
Exército Brasileiro, insatisfeitos com a condução da
política da época, porém sem ideologia alguma, nem um
programa doutrinário claro, propuseram profundas
reformas na estrutura de poder do país, sobretudo no
sistema eleitoral e na organização da educação pública.
Para isso desencadearam uma série de movimentos
político-militares, porém as ações e estratégias
empregadas não produziram de imediato o resultado
desejado pela jovem oficialidade que era a tomada do
poder político do país. Seu feito maior foi o de preparar
as bases para a Revolução de 1930.
Com a Revolução de 30, a sociedade brasileira
viveu importantes transformações, pois acelerou o seu
processo de urbanização; deu-se a industrialização; a
burguesia começou a participar cada vez mais da vida
política e houve um aumento significativo da classe
operária.
Getúlio Vargas, colocado no poder, estabeleceu
uma política de governo dirigida aos trabalhadores
urbanos. Agindo assim, deslocou o eixo produtivo da
agricultura para a indústria, estabelecendo as bases da
moderna economia brasileira. A Constituição de 1934,
ajustou o país às novas realidades e uma série de leis
trabalhistas ampliou os direitos e garantias dos
trabalhadores.
A Intentona Comunista de 1935 ocorreu no
Brasil dentro de um conturbado quadro sócio-político,
onde correntes ideológicas européias dominavam o
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pensamento dos integrantes de associações brasileiras
dente outras a Ação Integralista Brasileira (AIB) e a
Aliança Nacional Libertadora (ANL), aliada do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e estas influenciavam
diretamente as decisões do governo de Getúlio Vargas.
O caos se estabeleceu quando as influências atingiram
as Forças Armadas, que reagiram e debelaram as
insurreições.
Os três grandes levantes, explorados neste
trabalho, interligam-se de tal maneira que sempre se
sobressai a participação democrática das Forças
Armadas, sobretudo a Força Terrestre. Exemplo dessa
participação são alguns movimentos em que o Exército
Brasileiro atuou com a função de atender a defesa dos
interesses da nação, como foram os casos da rebelião
tenentista e a Revolução de 30, e em outras ocasiões,
por meio do combate a grupos revoltosos, como no caso
as frentes das esquerdas em 1935.
Assim, este trabalho teve a intenção de expor
fatos relacionados com as três revoluções ocorridas no
Brasil no século XX, no período de 1922 a 1935,
contribuindo para que a História seja estudada e
considerada em tantos ângulos quantas forem as partes
envolvidas.
Referências Bibliográficas
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Paulo: CEBRAP, 1984.
FAUSTO, B. A Revolução de 1930: historiografia e
história. São Paulo: Brasiliense, 1972.
FAUSTO, B. História do Brasil, São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1995.
MORAES, F. M. As Aventuras do Marechal que fez uma
Revolução nos céus do Brasil. São Paulo: Planeta do
Brasil, 2006.
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Janeiro: BIBLIEX, 2001.
PINHEIRO, P. S. Estratégias da Ilusão: A Revolução
Mundial e o Brasil 1922-1935. São Paulo: Companhia
das Letras, 1991.
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Paz e Terra S/A, 2000.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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15. REFLEXÕES SOBRE AS ORIGENS
DO TOTALITARISMO SOVIÉTICO
Geraldo de Oliveira Macêdo1, Bergson Rodrigo Siqueira de Melo2
Resumo. Interessa-nos aqui, vitalmente, desenvolver algumas reflexões a respeito das origens do totalitarismo
soviético. Trata-se de um estudo de caráter exploratório, apoiado na bibliografia já considerada clássica. O objetivo
central é ressaltar a ação da classe elite de gestores (EG) como “uma das possíveis origens do evento totalitário”.
Não se trata de estabelecer uma relação de causalidade entre a elite de gestores (causa) e o totalitarismo (efeito),
mas sim demarcar essa elite gestorial como objeto empírico de análise de futuros estudos sobre o totalitarismo.
Pretendemos não apenas expor características sui generis do totalitarismo, mas sim identificar elementos que
antecederam, ocorreram durante e, eventualmente, sobreviveram ao evento totalitário, sem atribuir aqueles o papel
de agentes causadores. Iniciamos com uma análise crítica do percurso metodológico desenvolvido na parte III
(totalitarismo) do livro Origens do Totalitarismo, escrito pela filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) e
originalmente publicado em 1951. Em seguida, sempre guiados pela ótica arendtiana, desenvolvemos algumas
breves reflexões sobre a ação da elite de gestores na URSS, desde a revolução de 1917, passando pela ascensão
de Stalin ao poder e chegando até o início de Segunda Guerra Mundial. Como conclusão, “se por origens não
entendemos causas”, consideramos que associar o movimento totalitário soviético à figura do dragão Tiamat
implicaria em considerar a EG como sendo uma das cinco cabeças daquele ente mitológico.
Palavras-chave: totalitarismo, stalinismo, gestores.
Abstract. Vitally, what interest us here is to develop some reflections regarding the origins of the Soviet
totalitarianism. It is an exploratory study, supported by bibliographical documentation, which is already considered
classic. The central objective is to highlight the action of the elite of managers (EM) class as “one of the possible
origins of the totalitarian event”. It is not our intention to establish a cause-effect relation between the elite of
managers (cause) and the totalitarianism (effect), but to demarcate this managerial elite as empirical object of
analysis of future studies on the totalitarianism. We not only intend to show sui generis characteristics of the
totalitarianism, but also to identify elements that had preceded, had occurred during and, occasionally, had survived to
the totalitarian event, without laying to them the role of causing agents. We start with a critical analysis of the
methodological steps developed in part III (totalitarianism) of the book Origins of the Totalitarianism, written by the
German philosopher Hannah Arendt (1906-1975) and originally published in 1951. After that, always guided by the
arendtian point of view, we develop some brief reflections on the action of the elite of managers in the URSS, from
the 1917 revolution, passing by the ascension of Stalin to power, up to the beginning of World War II. As conclusion,
“if we do not understand origins to mean causes”, we consider that associating the Soviet totalitarian movement to the
figure of the Tiamat dragon would imply considering the EM as one of the five heads of that mythological being.
Key words: totalitarianism, stalinism, managers.
1
Licenciado em Ciências com Habilitação em Matemática. Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Educação. Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, Brasil. Professor de Matemática do Colégio Militar de Fortaleza. CMF. [email protected].
2
Licenciado em Ciências com Habilitação em Matemática. União das Escolas superiores da FUNESO (UNESF). Olinda, Brasil. Mestrando em TIC para a
Formação em EaD. Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Brasil. Professor de Matemática do Colégio Militar de Fortaleza. CMF.
[email protected].
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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1. Introdução
Origens do Totalitarismo (OT), publicado em
1951 – livro que elevou a filósofa alemã Hannah Arendt
(1906-1975) à condição de pensadora de renome
internacional – é considerado, desde o seu lançamento,
uma obra revolucionária no âmbito da filosofia política.
Deveras, OT revela peculiaridades até então
desconhecidas de outras teses do mesmo gênero. Em
relação a isso, DUARTE (2001, p. 61) afirma:
[...] este é um livro marcado por teses polêmicas e
inventivas [...] Não é de estranhar, portanto, que várias
polêmicas tenham marcado a recepção de sua [de
Arendt] primeira obra [...] Seiyla Benhabib, por
exemplo, a despeito de considerar o inegável
brilhantismo da obra, observou que [...] Arendt não
teria sequer traçado satisfatoriamente as origens do
totalitarismo stalinista, o que acarretou um evidente
desequilíbrio da obra e a expôs a toda sorte de críticas.
De fato, conforme a própria Arendt admitiu, ela
não pretendia incluir em seu projeto original de OT a
análise do caso soviético. Sobre esse fato, MAGALHÃES
(2001, p. 51) declara:
A obra Origins of Totaliarianism foi escrita de 1945 a
1949. As duas primeiras partes – Antsemitism e
Imperialism – retomam trabalhos, documentos, estudos
e artigos anteriores a 1947-1948. È só na terceira
parte, Totalitarianism, que Arendt integra no mesmo
quadro conceitual o stalinismo e o nazismo, ao apoiarse em documentos reunidos entre 1948 e 1949,
relativos ao funcionamento do sistema soviético e à
existência dos campos de concentração. O índice de
1946 desta obra não comporta nem o termo
totalitarismo nem o projeto de alargar a sua análise do
fenômeno totalitário ao campo constituído pelo regime
soviético.
É provável que Arendt tenha incluído o caso
soviético em OT, em função de sua crença fortemente
alicerçada em farta documentação obtida a partir de
1948, de que o fundamento dos regimes totalitários é o
terror, e que este último só pode ser eficaz através da
instituição dos campos de concentração, seja ele de
extermínio, como no caso nazista, ou de trabalhos
forçados, caso soviético. Corroborando com esta
hipótese, MAGALHÃES (2001, p. 55) cita Arendt que
assevera:
Nessa perspectiva, todas as outras diferenças que
distinguem instituições dos países democráticos das
instituições dos países totalitários são apenas aspectos
secundários e acessórios. Não se trata de oposição
entre socialismo e capitalismo, nem entre capitalismo
de Estado e livre-empresa ou sociedade de classe e
sociedades sem classe. Esse conflito opõe um tipo de
governo fundado nas liberdades cívicas a um tipo de
governo fundado nos campos de concentração.
Esse persuasivo argumento justifica a opção de
Arendt em acrescentar, ainda que tardiamente, a análise
do regime soviético a OT. Ainda assim, para muitos
estudiosos – Raymond Aron, J-M Chaumont, Eric
Vogelin, para citar apenas três – permanece certo
“desconforto metodológico” após a leitura de OT. Sobre
isso, DUARTE (2001, p. 69) cita Benhabib que afirma:
[...] quaisquer que sejam os méritos deste conceito
[totalitarismo] para nos ajudar a compreender este
último tipo de sociedades [União Soviética de Stalin e
Alemanha de Hitler], há pouca dúvida de que a
consideração histórica de Arendt não ilumina o
stalinismo da mesma forma. Enquanto poderia ser
argumentado que há mais unidade entre as
experiências do imperialismo, anti-semitismo e o
conseqüente triunfo do nacional-socialismo, estes dois
fenômenos, quer dizer, o imperialismo e o antisemitismo moderno, não desempenham o mesmo
papel hermenêutico-formativo na emergência do
stalinismo.
Antecipando-se as eventuais críticas à sua
análise da vertente soviética do totalitarismo, Arendt
cercou-se das maiores precauções. Até mesmo porque
ela jamais concordou com a tentativa de considerar o
marxismo como a causa maior ou mesmo única do
totalitarismo na URSS. A esse respeito, DUARTE (2001,
p. 62) declara:
Por um lado ela [Arendt] temia que a ênfase na
investigação deste componente tradicional do
totalitarismo stalinista acabasse por enfraquecer a
“originalidade chocante do totalitarismo, o fato de que
suas ideologias e métodos foram totalmente sem
precedentes e suas causas desafiaram as explicações
adequadas nos termos históricos usuais [...]”. Afinal, se
Arendt não concordava com a condenação simplista de
Marx enquanto responsável direto pelo totalitarismo
stalinista, ela também não podia deixar de perceber
que a terrível atualidade de seu pensamento tinha a
ver com o fato de que ele pôde ser “utilizado e malutilizado” por aquela nova forma de governo.
Outra notável particularidade de OT é o seu
título. A palavra “origens” ali colocada não possui o
significado usual de “causas”. Em termos metodológicos,
isso significaria a negação da noção de causalidade
histórica, já que Arendt via no evento totalitário algo
capaz de exceder todas as possibilidades de análise
tradicional, já que o mesmo “ocorreu sem que tivesse
sido necessário”. Segundo DUARTE (2001, p. 63), o que
importa ressaltar é que:
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[...] a despeito de seu título verdadeiramente equívoco,
que parecia sugerir uma análise genética das causas
que teriam necessariamente levado à constituição do
fenômeno totalitário, em Origens do Totalitarismo
Arendt pretendeu estabelecer os traços que, vistos a
posteriori pelo investigador, “oferecem um relato
histórico dos elementos que se cristalizaram no
totalitarismo.”
Isso não significa que Arendt pretendesse
apenas expor características sui generis do totalitarismo,
mas sim identificar elementos que antecederam,
ocorreram durante e, eventualmente, sobreviveram ao
evento totalitário, sem atribuir àqueles o papel de
agentes causadores. Nessa perspectiva, BIGNOTTO
(2001, p. 43) cita Arendt que afirma:
Não há, na história, a necessidade que toda
historiografia causalista pressupõe, de maneira
consciente ou inconsciente. O que existe realmente é o
caráter irrevogável dos acontecimentos, eles mesmos,
e a efetividade tocante que lhes é própria do domínio
da ação política, não advêm de que eles confiram a
alguns elementos do passado sua configuração última,
definitiva, mas a uma incontornável novidade que
apareceu.
Em verdade, o desejo de Arendt era
compreender quais elementos influíram – não
deterministicamente – na ocorrência do totalitarismo. Sob
essa ótica, torna-se imperativo o estudo detalhado de
todos e quaisquer componentes que possam ter
contribuído para o desenrolar do fenômeno totalitário.
Doravante, motivados por tal crença, analisaremos
aquele que consideramos ser um dos componentes
fundamentais da origem do totalitarismo soviético: a ação
da classe elite de gestores. Não se trata de estabelecer
uma relação de causalidade entre a elite de gestores
(causa) e o totalitarismo (efeito), mas sim demarcar essa
elite gestorial como objeto empírico de análise futuros
estudos sobre o totalitarismo.
2. A elite de gestores na URSS
Diferentemente dos demais marxistas, o teórico
português João Bernardo não considera o capitalismo
como sendo um modo de produção constituído por
apenas duas classes, burguesia e proletariado. Em
relação a isso, BRUNO (1986, p.115) indaga:
Se o proletariado é aí definido como produtor de maisvalia e a classe burguesa como apropriadora dos
meios de produção, permanece um vazio entre essas
duas realidades. Esse vazio é a gestão do processo
produtivo e econômico em geral. Qual é a classe que
dessa função se ocupa?
Segundo João Bernardo, a resposta a essa
pergunta é: a classe elite de gestores (EG). Ainda
segundo Bernardo, a burguesia e a EG são ambas
classes capitalistas, contrapondo-se ao proletariado. Na
prática, a elite de gestores é segundo BRUNO (1986, p.
141): [...] uma classe que, ao lado da burguesia, se opõe
ao proletariado no interior de uma relação de produção.
Aquilo que muitos denominam de burocracia, sindicatos,
intellingentsia etc são exemplos da EG. Referindo-se
especificamente aos gestores na URSS, BERNARDO
(2000, p. 15) esclarece:
A organização corporativa desenvolveu-se tanto em
países evoluídos como nos retardatários. E, na prática,
foi adotada tanto pelas democracias como pelos
fascismos e sistemas autoritários, e ainda pelo regime
soviético. [...] Para a generalidade das pessoas, e
mesmo para muitos estudiosos destas questões, a vida
política soviética ter-se-ia resumido ao Partido
Comunista e a vida econômica ao plano central, ou
seja, tudo teria se passado no âmbito do Estado [...].
No entanto, as administrações de empresas e
sindicatos tiveram um papel muito considerável no
funcionamento da economia e da sociedade
soviéticas [grifo nosso].
A ascensão da EG na URSS ocorreu antes
mesmo da vitória final da revolução de outubro de 1917.
Referindo-se a isso e citando a revolta dos marinheiros
da base naval de Kronstadt, em 1921, BERNARDO
(2000, p. 51) assevera:
Os insurrectos de Kronstadt exigiam o regresso ao
sistema original de sovietes, como genuínos conselhos
deliberativos de base, e instauração de uma
democracia de trabalhadores, com liberdade de
expressão para todas as forças operárias de esquerda,
bem como a liberdade de organização sindical e o
direito de controle dos trabalhadores sobre as unidades
de produção [...]. Os bolchevistas reprimiram a
revolta com uma terrível matança, confirmando a
plena instauração de um poder de classe de
gestores [...] [grifo nosso].
O fim dos sovietes e o controle das unidades de
produção foram os primeiros passos para a EG dominar
o proletariado. O fim da guerra civil o lançamento da
Nova Política Econômica (NEP), todos ocorridos em
1921, também trouxe uma série de privilégios à
economia de mercado.
Na década seguinte, os gestores continuaram a
ampliar seu raio de ação. Referindo-se ao corporativismo
na URSS, BERNARDO (2000, p. 15) assinala:
A burocracia sindical soviética começou na década de
1930 a participar da gestão das empresas e a
administrar os fundos de seguridade social e o
conjunto dos estabelecimentos de repouso e férias,
determinando os critérios de sua utilização. Isso deu
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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aos dirigentes sindicais um enorme poder de
controle sobre a classe trabalhadora, tanto mais que
eram eles também a decidir as prioridades de acesso a
todos os novos departamentos [...]. Os sindicatos
soviéticos participavam diretamente nas relações de
assalariamento e, portanto, seus dirigentes assumiam
funções patronais [grifo nosso].
Embora o totalitarismo com o apoio das massas
na URSS tenha início, de acordo com Arendt, somente
após 1929, os germes de tal sistema de governo podem
ser detectados bem antes, nas ações desenvolvidas a
partir de 1918 por vários líderes bolcheviques. Sobre
isso, BRUNO (1986, p. 119) cita Brinton que cita Trotsky
que declarou no IX Congresso do Partido Comunista
Soviético, em 1920:
Não se pode deixar a classe trabalhadora a
vagabundear através da Rússia [...] devem ser
colocados aqui e ali ordenados, comandados
exatamente como soldados [...]. O trabalho obrigatório
atingirá seu zênite durante a transição do capitalismo
para o socialismo. [...] Os desertores do trabalho
devem ser reunidos em batalhões punitivos ou
postos em campos de concentração [grifo nosso].
A relação entre o totalitarismo e a EG pode ser
notada mais nitidamente na visão taylorista de As tarefas
imediatas do poder bolchevique, de 1918, obra na qual
LÊNIN (1960, p. 702) sentencia:
A máquina industrial em larga escala, que é a fonte de
produção material e a base do socialismo, exige uma
estrita e absoluta unidade de vontade que dirija o
trabalho comum de centenas e dezenas de milhares de
pessoas [...]. Porém, como assegura-la? [...].
Subordinando a vontade de milhares à vontade de um
só [...]. A subordinação incondicional a uma única
vontade é absolutamente necessária para o bom
êxito dos processos de trabalho [grifo nosso].
Aquilo que no mundo capitalista recebia o nome
de taylorismo foi denominado na Rússia, de
stakanovismo, tendo sido introduzido tanto na indústria
quanto na agricultura. Ambos os processos dependiam
fundamentalmente da ação da EG.
Não somente os fatos, mas também a teoria
demonstra que a fase de transição do capitalismo para a
“ditadura do proletariado” exigiu do governo bolchevique
o controle total das esferas social, política e econômica,
o que naturalmente, incluía a gestão da produção.
Manifestando-se sobre a relação disso com a tese
original da ditadura do proletariado, esboçada por Marx e
Engels em “O manifesto comunista”, de 1848, BRUNO
(1986, p. 117) assevera:
Alguns anos mais tarde, Marx reconheceria como
inteiramente ultrapassada a tese da Ditadura do
Proletariado, apoiando-se nos acontecimentos da
Comuna de Paris de 1871, quando o proletariado
parisiense destruiu o Estado, criando simultaneamente
novas instituições sociais, em que representantes do
povo eram eleitos diretamente e revogáveis a qualquer
momento, inexistindo qualquer tipo de privilégio para
os cargos de representação. Mas não são todos os
discípulos de Marx que se ocupam da leitura de sua
obra, e a tese da ditadura do proletariado, apesar de
refutada pelo mestre, permanece como bandeira de
muitos de seus discípulos.
Certamente os integrantes do novo governo
bolchevique e da EG pertenciam a essa última leva de
discípulos marxistas.
Outros equívocos de ordem teórica também
colaboraram, nós supomos, para tornar a ação da EG um
componente original do totalitarismo soviético.
Acreditamos que o mais significativo de todos eles foi a
incapacidade de perceber a distinção entre as relações
sociais de produção e as relações de propriedade. A
propriedade dos meios de produção, normalmente
atribuída ao Estado [na URSS] jamais esteve sob o
controle do proletariado e, portanto, este último não pôde
exercer nenhuma forma de controle sobre aquele. Esse
controle acabou sendo feito pela EG. Tratava-se de uma
“apropriação coletiva por parte de classe gestorial”. O
que não ocorreu foi a gestão das empresas pelos
próprios trabalhadores. Nas palavras de BERNARDO
(1991, p. 211):
Enquanto expressão da atividade integradora e
coordenadora, o controle é o veículo para a
transformação de um dado tipo de propriedade, a
propriedade privada do capital, numa de outro tipo, a
propriedade coletiva do capital. È este, em conclusão,
um dos processos por que (sic) os gestores aumentam
o âmbito de sua apropriação coletiva. E foi assim que,
para além das distinções aparentes nas formas
jurídicas, convergiram as linhas de evolução das
classes capitalistas nas esferas norte-americana e
soviética.
A aproximação entre o governo soviético e as
potências nazi-fascistas também constitui um
interessante elemento de análise da ação da EG na
URSS.
Essa
aproximação
consusbstanciou-se,
fundamentalmente, através da assinatura de diversos
tratados internacionais, entre os quais destacamos: o
tratado de Bretz-Litovsky, de 1918, que estabeleceu a
paz com a Alemanha; a assinatura, em 1933, do pacto
de não-agressão com a Itália; o pacto germânicosoviético, de 1939; em 1941, a URSS reconheceria a
hegemonia japonesa no norte da China. Referindo-se a
semelhança entre a URSS e os governos nazi-fascistas,
RHULE (1939, p. 264) afirma que o Estado soviético:
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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[...] serviu de modelo ao fascismo, portanto deve conter
características estruturais e funcionais comuns.
Nacionalismo, autoritarismo, centralismo, direção do
chefe, política do poder, reino do terror, dinâmicas
mecanicistas, incapacidade de socializar. Todos esses
traços fundamentais do fascismo existiam e existem no
bolchevismo.
Foi essa semelhança, primitivamente presente
no bolchevismo, que alavancou a aproximação deste
último com o nazi-fascismo. Quanto à relação mais
específica da EG com a referida aproximação, BRUNO
(1986, p. 125) afirma:
[...] a evolução da sociedade russa, a ascensão do
nazi-fascismo, o corporativismo tecnocrático do New
Deal não constituíam fenômenos isolados. Inseriam-se
num processo geral de expansão do capitalismo de
Estado e de unificação da classe de gestores.
Divergiam entre si quanto à terminologia. Mas não
havia dúvida, os gestores [...] apareciam
nitidamente demarcados [grifo nosso].
3. A era Stalin
Os passos decisivos para a implantação
definitiva e o clímax do totalitarismo na URSS foram
dados por Josif Vissarionovich Djugachivilli (1879-1953),
dito Stalin. A coletivização forçada das fazendas (entre
1929 e 1932), os processos de Moscou (em 1936) e os
sucessivos expurgos, todos eles determinados por Stalin,
condenaram à morte milhões de seres humanos.
Dependendo da fonte e considerando a benevolência ou
exagero sempre presentes nessas avaliações, estima-se
em pelo menos 20 milhões o número de vítimas do Pai
dos Povos. Embora não aceitemos as teses simplistas de
loucura e instinto assassino de Stalin, é impossível
discordar de HOBSBAWM (1995, p. 371) que afirma:
Não há dúvidas de que sob um outro líder do partido
bolchevique, os sofrimentos dos povos da URSS
teriam sido minimizados e o número de vítimas menor.
Ainda assim, cremos que a ação da EG
desempenhou um papel bastante significativo no âmbito
do terror soviético.
O governo de Stalin caracterizou-se pela busca
obstinada da sociedade comunista anteriormente
expressa por Vladimir Lênin (1870-1924) e Lev Trotsky
(1879-1940). Nas palavras do próprio STALIN (1938,
s.p):
A característica geral da sociedade comunista está
presente nos trabalhos de Marx, Engels e Lênin. [...]
ela será uma sociedade [...] onde não haverá
propriedade privada dos instrumentos e dos meios de
produção, os quais serão propriedade social coletiva
[...] onde não haverá classes de poder do Estado,
mas haverá os trabalhadores da indústria e da
agricultura, administrando-se por si próprios, como
associações livres de trabalhadores [...] onde o
indivíduo, livre de preocupar-se com o pão
cotidiano e da necessidade de agradar aos
poderosos deste mundo, tornar-se-á realmente
livre. È claro que ainda estamos muito longe disso
[grifo nosso].
Os escritos oficiais do Homem de Aço
procuravam dar ao mundo uma visão diametralmente do
que realmente acontecia por detrás das fronteiras
soviéticas. A citação acima, na qual ele nega a tendência
crescente da “subordinação da economia ao poder
coercitivo dos detentores do Estado” é um exemplo claro
disso. Uma breve análise dessa subordinação permitirá
iluminar a relação entre o stalinismo e os gestores.
Referindo-se ao uso do termo totalitarismo,
MAGALHÃES (2001, p. 50) cita Hilferding que declara:
O problema político do período de pós-guerra consiste
na mudança de relação entre o estado e a sociedade,
produzida pela subordinação da economia ao poder
coercitivo do Estado. O Estado torna-se um Estado
totalitário na medida em que esse processo de
subordinação ocorre [grifo nosso].
A subordinação da economia ao poder do
Estado, ainda segundo Hilferding, também significava a
“sujeição da economia aos detentores do poder do
Estado”, entre os quais incluímos a EG. Sob o governo
do Grande Líder, a economia planificada da URSS
tornou-se literalmente uma máquina de guerra, cuja
primeira batalha ocorreu em 1929, ano do início do
Primeiro Plano Qüinqüenal. Os milhões de prisioneiros e
mortos dos kulaks foram as primeiras vítimas dessa
operação de guerra elaborada pela EG sob a égide de
Stalin.
A falta de pessoal qualificado obrigava à
centralização, que acabou gerando uma enorme
burocratização em todo o sistema soviético.
Progressivamente, a EG ampliava sua influência, devido,
principalmente, a sua expansão numérica. Referindo-se
a burocratização soviética, HOBSBAWM (1995, p. 374)
cita Lewin que afirma que “o grande Terror de fins da
década de 1930 foi o método desesperado de Stalin
tentar”:
[...] superar o labirinto burocrático e sua habilidade em
esquivar-se dos controles e ordens do governo [...]
Toda tentativa de tornar a administração mais flexível e
eficiente simplesmente a inchava e tornava mais
indispensável, Nos últimos anos da década de 1930,
ela cresceu a uma taxa duas vezes e meio maior que a
de empregos em geral. Ao aproximar-se a guerra,
havia mais de um administrador para cada dois
operários.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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A revolução que havia sido cientificamente
elaborada, que era considerada historicamente
inevitável, aquilo que começara como sendo apenas o
“alto preço da dor pago pelo progresso”, crescera
descontroladamente e transformara-se numa entidade
que devorava seus próprios filhos e filhas. Consideramos
que associar o movimento totalitário soviético à figura do
dragão Tiamat implicaria em considerar a EG como
sendo uma das cinco cabeças daquele ente mitológico.
4. Considerações finais
Sobre o terror e suas conseqüências para o
futuro da URSS, ARENDT (1989, p. 348) esclarece:
O Terror não produziu industrialização nem progresso.
O que a eliminação dos kulaks, a coletivização e o
grande expurgo produziram foi fome, as caóticas
condições de produção de alimentos e o
despovoamento.
Tudo isso nos leva a reafirmar nossa crença de
que, “se por origens não entendemos causas”, a ação da
classe EG constitui uma das origens do totalitarismo
soviético.
Esperamos ter ressaltado suficientemente a
ação da EG na URSS de modo a demarcá-la como
objeto empírico da analise de futuros estudos sobre o
totalitarismo. Finalmente, lembrando que somos apenas
“homens e mulheres normais”, citamos BIGNOTTO
(2001, p. 45) que declara:
BIGNOTTO, Newton. O totalitarismo hoje? In: AGUIAR,
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luta contra o bolchevismo. In: Living Marxism. [s.l], 1939.
STALIN, Josef. Doctrine de l’URSS. Paris: Flamarion,
1938.
Permanece, no entanto, a grande lição de que nenhum
esforço teórico poderá antecipar os acontecimentos e
nem barrar-lhes (sic) os afeitos. Defender a liberdade e
a justiça continua sendo uma tarefa que, podendo
beneficiar-se dos estudos históricos, está reservada ao
campo da prática das virtudes associadas à nossa
condição de seres condenados a forjar nossos próprios
destinos construídos no terreno sempre indeterminado
de nossa liberdade.
A possibilidade de nos reencontrarmos com o
fenômeno totalitário nos tortuosos labirintos da História
nos proíbe de esquecermos que “tudo é possível”.
Referências Bibliográficas
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo:
Cia. das Letras, 1989.
BERNARDO, João. Economia dos conflitos sociais. São
Paulo: Cortez, 1991.
________________. Transnacionalização do capital e
fragmentação dos trabalhadores. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2000.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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II. Projetos
em
Andamento
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1. O CULTO DA SAUDADE NA CASA DE EUDORO CORRÊA
Regina Cláudia Oliveira da Silva, Luciano Pinheiro Klein Filho
Professores Historiadores responsáveis pelo projeto,
com apoio do Clube de Ciências Humanas da Seção “D” de Ensino.
“Dizemos: afinal, somos aquilo que pensamos, amamos, realizamos.
E eu acrescentaria: somos aquilo que lembramos. Além dos afetos que
alimentamos, a nossa riqueza são os pensamentos que pensamos,
as ações que cumprimos, as lembranças que conservamos
e não deixamos apagar e das quais somos o único guardião.”
Norberto Bobbio
1. Justificativa
Por ocasião das festividades de comemoração
dos 90 anos do Colégio Militar de Fortaleza, “Casa de
“Eudoro Corrêa”, também dos 45 anos de fundação do
Museu Histórico Escolar Gustavo Barroso e, por sua vez,
em lembrança do cinquentenário de falecimento de
Gustavo Barroso, Patrono do Museu, nos propomos a
traçar e executar um projeto de revitalização deste
espaço tão importante da instituição em que lecionamos,
que já foi referência para toda a comunidade alencarina,
mas que nos últimos anos não tem recebido a atenção
que lhe é merecida, no intuito de integrá-lo às atividades
curriculares do colégio, bem como estimular o espírito
investigativo, o incentivo à pesquisa e à preservação do
patrimônio histórico, não apenas das forças armadas,
mas do país como um todo, de forma a conduzir a uma
maior reflexão sobre os valores nacionais, éticos e
morais, de extrema importância para a formação dos
nossos jovens.
É lugar comum asseverar que os museus,
notadamente os históricos, são formidáveis instrumentos
de preservação da memória de um povo. Entretanto,
entendemos que, muito mais que preservação da
memória, cabe ao museu o papel de construtor da
memória de um povo, de uma sociedade, de uma
comunidade, de uma instituição de ensino como o CMF.
Apropriando-nos das palavras de Pierre Nora,
A história é reconstrução sempre problemática e
incompleta do que não existe mais. A memória é um
fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno
presente; a história, uma representação do passado.
Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda
a detalhes que a confortam; ela se alimenta de
lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes,
particulares ou simbólicas, sensível a todas as
transferências, cenas, censura ou projeções. A história,
porque operação intelectual e laicizante, demanda
análise e discurso crítico. A memória instala a
lembrança no sagrado, a história liberta, e a torna
sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que
ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que
há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é,
por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e
individualizada. A história, ao contrário, pertence a
todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o
universal. A memória se enraíza no concreto, no
espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só
se liga às continuidades temporais, às evoluções e às
relações das coisas. A memória é um absoluto e a
história só conhece o relativo”. (NORA, 1993, p. 09).
Hoje, segundo a Museologia moderna, trabalhar
com museus deixou de ser apenas uma tarefa de
limpeza de objetos empoeirados, de etiquetação, de
registro de coleções e de contagem de visitantes. A vida
produtiva em museus ganhou novos significados,
principalmente no que se refere ao interesse pela vida
social e política das pessoas e por tudo que elas
construíram ao longo de suas vidas, de tudo que se
transforma continuamente em patrimônio cultural. O
museu é o ambiente onde o aluno melhor exercita o
memorialismo através da mediação pedagógica das
coisas concretas. No caso do Museu Gustavo Barroso, o
acervo é essencialmente voltado para o universo militar.
Que dizer, então, de uma escola que tem o seu próprio
museu, temático, e não faz uso pedagógico dele?
[...] museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas,
aniversários,
tratados,
processos
verbais,
monumentos, santuários, associações [...]. Os lugares
de memória nascem e vivem do sentimento que não há
memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que
é preciso manter aniversários, organizar celebrações,
pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque
essas operações não são naturais (NORA, 1993, p.13).
De acordo com o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - IPHAN,
o museu é uma instituição permanente, aberta ao
público, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e
de seu desenvolvimento, que adquire, conserva,
pesquisa, expõe e divulga as evidências materiais e os
bens representativos do homem e da natureza, com a
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finalidade de promover o conhecimento, a educação e
o lazer. (2003-2006, p. 9)
Como educadores devemos sempre estar
atentos para que uma visita a um museu seja sempre
construtora de significados. O artefato exposto sempre
“diz” alguma coisa ao visitante, que faz uma leitura
subjetiva do objeto e é nisto que está o valor da
educação. O guia pode ser o mediador entre o objeto e o
visitante ou, no caso de visitas não guiadas, o próprio
objeto, devidamente identificado, inserido em um
contexto próprio, auto-explicativo, pode ser um meio de
mediação semiótica para o visitante.
O espaço dos museus não é importante apenas
para a construção do saber histórico, mas para o
processo educacional em sua totalidade, e a Museologia,
então, funciona como uma ciência transversal,
interdisciplinar, aberta a todas as outras ciências, que
analisa a cultura e o conhecimento sob os mais diversos
aspectos científicos. Desta forma, destaca-se
veementemente sua perspectiva sócio-educativa. O
processo museológico, enfim, será sempre erguido e
restaurado por meio da ação dialógica, dinâmica,
complexa e inventiva. Como educadores, e
particularmente historiadores, destacamos nosso anseio
e responsabilidade por instituir contextos educativos para
a integração criativa e cooperativa constantes de nossos
alunos, no ambiente escolar, para que possam
transcender em seus saberes e ações para a
comunidade em que vivem.
grupo, enquanto valorizará as experiências pessoais,
proporcionando um processo educativo que
instrumentalizará para a construção do conhecimento
histórico ao mesmo tempo em que desconstruirá o
isolacionismo do Museu como algo apenas para se olhar,
cheio de coisas velhas, empoeiradas e inatingíveis.
Desenvolver técnicas pedagógicas que focalizem a
comunicação enquanto ação museológica, nos permitirá
criar condições para o processo interacional alunoacervo, aluno-família-acervo e aluno-comunidade-acervo,
voltando a inserir devidamente o Museu Gustavo Barroso
no circuito sócio-cultural de Fortaleza, como exemplo de
preservação do patrimônio histórico nacional, elevando
ainda mais o nome da “Casa de Eudoro Corrêa” como
uma instituição de construção e disseminação de
saberes e produção cultural.
Revelando a natureza educativa da salvaguarda
e da fruição do patrimônio, Horta (2005) nos diz que os
museus se alimentam de gente, e as mentes se
alimentam dos museus. Não visualizamos a possibilidade
de se manterem os museus vivos sem um trabalho de
persuasão e divulgação científica, na escola e na
sociedade em geral. Não é para isso que há museus,
arquivos, edifícios e práticas sociais tombadas?
Coisas raras ou coisas belas
Aqui sabiamente arrumadas
Instruindo o olho a olhar
Como jamais ainda vistas
Todas as coisas que estão no mundo.
Paul Valéry
Evidencia-se, desta forma, o arremate do
caráter intrinsecamente educativo do conhecimento
histórico, sempre que percebemos a educação como
uma totalidade de processos de produção, circulação e
divisão de conhecimento. O conhecimento existe para
ser compartilhado e, dito isto, defendemos que a reflexão
didática a respeito de museus é um momento intrínseco,
necessário, da reflexão histórica como um todo.
Museu Gustavo Barroso
Buscaremos a prática de ações pedagógicas
que valorizem o acervo, permitindo a otimização da
utilização das peças do Museu Gustavo Barroso como
fonte de conhecimento, assim como sua compreensão
enquanto espólio histórico. Nossas ações visarão ao
estímulo da criatividade e a instigamento da curiosidade
investigativa dos alunos de forma que estes se
descubram em situações-problema que lhes provoquem
a necessidade de coleta e sistematização de outras
informações a respeito das obras expostas, para além do
Museu. Acreditamos que trabalhar a ação documental
desta maneira propiciará um maior envolvimento do
Como observou Dominique Poulot, o museu de História
deixou de ser, hoje, o legislador do tempo, o lugar de
partilha entre passado e futuro, podendo tornar-se
espaço para um diálogo entre tipos de saber histórico
fundados no conhecimento sobre os objetos. Não seria,
então, o momento de se pensar na construção de
narrativas que não só explicitassem seus fundamentos
e as tradições com as quais se articulam mas que,
também, explicitassem os procedimentos pelos quais a
história pode ser visualizada em um museu?
(OLIVEIRA, 2007, p. 42)
Seria o caso, enfim, sob a ótica acima citada, de
fazer do museu um espaço de instrução do olho para ver,
a experiência de propiciar a visão de como os saberes
históricos podem ser construídos a partir de uma visita
ao museu.
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2. Gustavo Barroso e a Museologia no Brasil
Mas quando nada subsiste de um passado antigo,
depois da morte dos seres, depois da destruição
das coisas, sozinhos, mais frágeis, porém, mais vivazes,
mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma
e o sabor permanecem ainda por muito tempo,
como almas, chamando-se, ouvindo, esperando,
sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se
submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis,
o imenso edifício das recordações.
Marcel Proust
Pouca gente fora da área da Museologia e da
História sabe que Gustavo Barroso foi o idealizador do
primeiro museu institucional do Brasil, a “Casa do Brasil”,
como dizia, o Museu Histórico Nacional, que a princípio
fora pensado por ele para ser um museu militar, mas que
o presidente Epitácio Pessoa, pelo decreto de número
15.596, transformou em algo muito maior, em 02 de
agosto de 1922. Ocupou o prédio construído por conta
da Grande Exposição Internacional Comemorativa do
Centenário da Independência, destinado a representar o
Pavilhão das Indústrias. Seu complexo arquitetônico
havia sido ocupado pelo Arsenal de Guerra da Marinha
e, portanto, já possuía um grande acervo ligado ao
Estado, mais precisamente à história das Forças
Armadas. Além de diretor-fundador do MHN, Gustavo
Barroso também foi pioneiro: na estruturação do Curso
de Museus, em 1932, para a formação de museólogos
especialistas no país; a institucionalização da Museologia
no Brasil, com a criação da Inspetoria de Monumentos
Nacionais em 1934, um dos principais antecedentes do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
SPHAN – fundado em 1936 e na idealização do Projeto
do Museu Ergológico, em 1942. Antes, segundo o
IPHAN,
a mais antiga experiência museológica de que se tem
notícia no Brasil remonta ao século XVII e foi
desenvolvida durante o período da dominação
holandesa, em Pernambuco. Consistiu na implantação
de um museu (incluindo jardim botânico, jardim
zoológico e observatório astronômico) no grande
parque do Palácio de Vrijburg. Mais adiante, já na
segunda metade do século XVIII, no Rio de Janeiro,
surgiria a famosa Casa de Xavier dos Pássaros – na
verdade, um museu de história natural – cuja existência
prolongou-se até o início do século XIX. Ainda que
essas duas experiências museológicas não tenham se
perpetuado, elas são ainda hoje notáveis evidências de
que, pela via dos museus, ações de caráter
preservacionista foram levadas a efeito durante o
período colonial. De qualquer modo, acontecimentos
museais capazes de se enraizar na vida social e
cultural brasileira só seriam perpetrados após a
chegada da família real portuguesa, em 1808, um
marco sem precedentes. É nesse quadro que, em
1818, foi criado o Museu Real, hoje Museu Nacional da
Quinta da Boa Vista e, em 1816, a Escola Real de
Ciências, Artes e Ofícios. (IPHAN, 2003-2006, p. 1011)
Depois vieram outros espaços museológicos,
como a Academia Imperial de Belas Artes (1826), o
Museu do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(1838), o Museu do Exército (1864), a Sociedade
Filomática (1866) – futuro Museu Paraense Emílio Goeldi
–, o Museu da Marinha (1868), o Museu Paranaense
(1876) e o Museu Paulista (1895). Todos muito
importantes, sem dúvida, mas nada que se compare ao
hercúleo trabalho desenvolvido por Gustavo Barroso em
amor à Museologia e à História, como disse em o “Culto
da Saudade”, artigo originalmente escrito em 22 de
dezembro de 1912 para o Jornal do Commercio:
Mas a pressa dos dias atuais, as necessidades
decorrentes da existência moderna não matarão nunca
o passado, porque ele é a essência das coisas
humanas. É o saber acumulado, é a experiência
ganha, é o caminho feito, é o que há de
verdadeiramente conquistado. O presente escapa à
relatividade de nosso conhecimento. E o futuro resulta
dos materiais que nós e todos os que nos
antecederam reuniram. O desprezo do passado seria
mais do que ingratidão, porque seria inconsciência
(BARROSO, 1944, p.12).
Autoridade em Armaria e Heráldica, literato,
publicista e historiador, grande conhecedor de temas
ligados à história em geral e à história militar, sua opção
pela análise histórica era eminentemente positivista, do
culto ao passado, de essência nacionalista romântica,
que postulava um país naturalmente belo e
historicamente triunfante, mesmo não proporcionando
uma análise mais crítica da História, não se pode negar
que é fundamental na defesa do patrimônio histórico.
Pátio Gustavo Barroso do MHN
Acervo MHN
Seu artigo denominado O Culto da Saudade
apontava o pouco caso dos políticos com a memória
nacional. Com o pseudônimo João do Norte, Gustavo
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Barroso lamentava-se: “O culto da saudade ainda não é
para nós”:
Ouro Preto, ninho de tradições e glórias, derroca-se,
esboroa-se. Ninguém escora as ombreiras de pedra
bruta, as paredes desaprumadas. À festa que ali se
realizou, relembrando a conjuração mineira, quase
ninguém compareceu. Olinda enche-se de capim. Na
remodelação da Bahia, nada se poupou. No Rio, todas
as tradições se apagaram. O passado não merece
consideração. (1997, p. 34)
O ano de 1922 foi simbólico para o Brasil. No
último ano do governo Epitácio Pessoa, cravado numa
crise geral, seriamente agravada pela idéia da derrubada
do Morro do Castelo, fato tido por muitos como um crime
contra o patrimônio histórico do país, pois houvera sido o
núcleo inicial da cidade do Rio de Janeiro, por este
motivo, a imprensa e a inlectualidade moderna não
davam trégua. Este fora o ano da criação do MHN e da
nomeação de Gustavo Barroso para seu comando,
justamente quando outros fatos marcavam nossa
história: o centenário da Independência e toda a
discussão que envolvia sua comemoração (que poderia
restaurar ou não o prestígio político alquebrado do
governo) a Semana de Arte Moderna, a fundação do
Partido Comunista Brasileiro e a primeira manifestação
do Movimento Tenentista. As comemorações em torno
da criação do MHN passaram a ser importantíssimas do
ponto de vista político para o governo, visto que
representaria seu projeto de fortalecimento da identidade
nacional, por meio do orgulho pela visibilidade do
progresso do país, bem como seria uma forma de calar
aqueles que o acusavam de não respeitar o patrimônio
histórico do país, devido ao episódio com o Morro do
Castelo. Finalmente, em 11 de outubro de 1922, em duas
salas no espaço formado pelo Pavilhão das Grandes
Indústrias, Epitácio Pessoa presidiu a exposição
inaugural do Museu Histórico Nacional, constituída por
cerca de 1500 objetos devidamente preparados por
Gustavo Barroso.
A concepção de patrimônio histórico de Gustavo
Barroso, espaço onde se materializa a memória, pode
ser visto em artigo seu de 1944, quando escreve sobre
Ouro Preto, e assim encara o “patrimônio do Brasil,
Brasil-Raça, Brasil-Nação, Brasil-Humanidade” (p. 9).
Seu discurso é nacionalista, tradicional, de preocupação
com os “vestígios do passado” firmemente ancorado na
idéia de proteção e salvação do patrimônio, “defendendo
dos insultos do tempo e protegendo das tolices dos
homens” (p. 13). Esse seu espírito conservador foi
interpretado pelos modernistas como “passadista” e foi
acusado muitas vezes, pejorativamente, de “guardião da
razão”, por sua perspectiva enciclopédica, evolutiva,
factual, narrativa, comparativa e classificatória de
analisar a História e inseri-la no espaço museológico.
No entanto, cabe lembrar que Gustavo Barroso,
como muitos outros intelectuais de sua época, formados
pelas bases filosóficas, sociológicas e históricas já
latentes nas últimas décadas do século XIX, foram
intimamente influenciados pelo ideário evolucionista e
determinista, fundado em conceitos basilares de
civilização e progresso, em que uma elite escolhida,
superior, branca, vanguardista, letrada, conduziria a
nação a um progresso civilizatório. O MHN, para ele,
deveria ser o repositório dessa elite, como representante
do progresso nacional, seria espaço do refinamento
cultural, e tudo o mais que representasse o que estivesse
fora do padrão dessa elite, era apresentado como algo
pitoresco ou romantizado, como no caso do perfil do
indígena, por exemplo. Isto posto, podemos inferir que
Gustavo Barroso percebia o patrimônio cultural do país
como uma herança familiar, que deveria ser passada a
cada geração, e ele, como parte dessa grande árvore
genealógica, sentia-se no compromisso de resguardar
seu patrimônio.
As ascendências dessa fina flor social estariam
em um passado que aludia à chegada da família real
portuguesa ao Brasil, em 1808, dado que,
fundamentalmente, o Estado imperial edificara as bases
da nação brasileira. Eventos ligados a este período de
nossa História sempre o fascinaram e foram assunto de
vários dos seus livros, principalmente a Guerra do
Paraguai.
Especialmente no caso de Gustavo Barroso, por
ser um pensador, independentemente de qualquer
questão que se faça ao seu ideário filosófico-social, um
homem com a capacidade de defesa de seus conceitos e
com a monumental produção cultural que deixou para o
Brasil, merece muito mais espaço de análise e
reconhecimento da sociedade brasileira do que,
mormente, se tem hoje. Principalmente no que se refere
ao Exército Brasileiro, pois em artigo escrito ainda em
1911, defendeu a criação de um museu histórico militar:
Ainda era tempo de uma ação salvadora, de se realizar
a fundação de um verdadeiro Museu histórico no qual
se pudessem reunir para ensinar o povo a amar o
passado, os objetos de toda a sorte que ele
representa. Os que se preocupam com essas coisas
sabem que no arquivo nacional há a cadeira ou o trono
em que o imperador se sentava no senado, um
capacete da imperial guarda de honra de D. Pedro I e
outras relíquias; que na igreja da Cruz dos Militares se
acham feixes de bandeiras tomadas aos paraguaios;
que no Museu Naval estão os canhões do forte do
Príncipe da Beira; que nas estrebarias do Ministério da
Guerra existe o velho carrinho em que Osório fazia
suas campanhas. (BARROSO apud DUMANS, 1997,
p. 10)
E, mais do que isso, dentro de sua visão
evolucionista-determinista, a elite brasileira, responsável
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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pelo progresso civilizatório, era, fundamentalmente, o
Exército, pois
Num pais como o nosso, de origem e formação
tumultuárias, o Exército é como uma Ordem
Permanente,
representa
uma
muralha
de
sustentamento e uma garantia dos princípios vitais que
asseguram a continuidade da vida nacional. É preciso
deste modo entender o Exército, a fim de poder amá-lo
através de toda a sua acidentada e gloriosa história.
Pouco importa que aqui ou ali, neste ou naquele
acontecimento, mais perto ou mais longe de nós, tenha
possivelmente errado, se acertou na grande maioria
das vezes, se pensou sempre em acertar para o bem
da Nação. (BARROSO, 1942, p. 415)
fundador do Museu Histórico Nacional e seu diretor por
35 anos, Patrono dos Dragões da Independência, um
apaixonado pela História do Exército Brasileiro, com sua
biografia comentada, a partir de seus três livros
autobiográficos, uma análise investigativa de seu
importante papel para a Museologia Nacional e uma
explanação a respeito de sua vasta obra literária que
envolve 128 publicações, entre História, Sociologia,
Folclore, crítica, erudição, Filologia, ensaios, contos,
crônicas, novelas regionais, memórias, viagens políticas,
romances e dicionários. No caso de sua produção
literária, destacaremos principalmente Terra de Sol, sua
obra de estréia, e que, para muitos, é, de todas, a maior,
fazendo uma análise discursiva, bem como pretendemos
destacar sua obra regionalista de ficção. Sua escrita
sobre Museologia e sobre a História Militar estará
inserida na abordagem que faremos em torno de sua
atuação no Museu Histórico Nacional.
Referências Bibliográficas
Gustavo Barroso
Gustavo Barroso via a história na tradição e a
“tradição é a alma dos Exércitos”. No Exército Brasileiro,
o “corpo de espírito, de formas e de doutrinas” é a
tradição. A História produzida no MHN, em sua época, e
que se perpetuou por algum tempo após sua morte,
valorizava essencialmente o Estado centralizado, a elite
aristocrática e o Exército, elementos institucionalizados
responsáveis pela ordem nacional, abonando
legitimidade aos triunfos do passado da Nação através
de altivos personagens responsáveis pela formação do
espírito de nacionalidade do Brasil, como D. João VI, D.
Pedro I, Duque de Caxias e Osório.
Como bem fez o professor Denizard Macêdo
que, ao fundar o Museu do CMF, batizou-o com o nome
de Gustavo Barroso, em homenagem a esse grande
cearense das letras, da museologia e da História, imortal,
também nós, no amplo projeto de revitalização do
Museu, por ocasião de tão importante data que são os 90
anos do CMF, queremos prestar-lhe nosso tributo, em
reconhecimento ao seu papel para a literatura e
museologia nacionais, em desagravo a tantos anos de
esquecimento pela intelectualidade brasileira.
Assim, tendo em vista a lembrança do
cinqüentenário de passagem de Gustavo Barroso, o
processo de revitalização do Museu do CMF terá um
momento especial com a publicação de um livro sobre
este intelectual, museólogo, escritor e acadêmico,
ABREU, R.; CHAGAS, M. (Org.). Memória e patrimônio:
ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP & A;
Faperj, 2003.
BARROSO, G. Culto da saudade. In 29° edição: Anais
do Museu Histórico Nacional (vol. 29-1997). Rio de
Janeiro: Museu Histórico Nacional/Imprensa Nacional,
1997.
____________. História militar do Brasil. Edição ilustrada
com cerca de 50 gravuras e mapas. São Paulo: Editora
Nacional; 1935. 341p. 2.a ed. em 1938. (Biblioteca
pedagógica brasileira. Ser. 5:a: Brasiliana, v. 49).
____________. “Esquematização da História Militar do
Brasil”. In: Anais do Museu Histórico
Nacional, vol III, 1942.
DUMANS, G. “A idéia da criação do Museu Nacional”. In:
Anais do Museu Histórico Nacional, vol XXIX, 1997.
____________. Documentário da Ação do Museu
Histórico Nacional na Defesa do Patrimônio Tradicional
do Brasil. In: Anais do Museu Histórico Nacional, vol. 5.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1955, p. 5.
HORTA, M. Lições das coisas: o enigma e os desafios da
educação patrimonial. In: Revista do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional - Museu: antropofagia da memória e
do patrimônio, 31, pp. 214-228. Jan.-dez. de 2005.
NORA, P. Entre Memória e História: a problemática dos
lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, p.
07-28, dezembro de 1993.
OLIVEIRA, C. H. S. Entre história e memória: a
visualização do passado em espaços museológicos. In:
Anais do Museu Paulista. V. 15. n.2. jul.-dez. 2007.
Política nacional de museus: relatório de gestão 20032006/Ministério da Cultura, Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, Departamento de Museus
e Centros Culturais. [Brasília]: MinC/IPHAN/DEMU, 2006.
144 p.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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2. DICIONÁRIO BIOGRÁFICO DE PROFESSORES (18892009)
da Escola Militar do Ceará,
do Colégio Militar do Ceará,
da Escola Preparatória de Fortaleza
e do Colégio Militar de Fortaleza
Janote Pires Marques
1º Ten QCO Professor de História do CMF
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
Cora Coralina
O ano de 2009 marca os noventa anos de
criação do Colégio Militar do Ceará e os cento e vinte
anos de criação da Escola Militar do Ceará. Foram duas
instituições de grande importância, não apenas no que
se refere à formação profissional de milhares de jovens,
mas, também, na vida cultural do Ceará e mesmo do
Brasil.
E o nosso Colégio Militar de Fortaleza (CMF)
tem a honra – e a imensa responsabilidade – de ser o
herdeiro das “tradições” destas escolas militares (não
esqueçamos a Escola Preparatória de Cadetes de
Fortaleza, criada em 1942) que o antecederam na Casa
de Eudoro Corrêa, outrora denominado “Casarão do
Outeiro”.
Certamente, todos os compontentes do Colégio
Militar de Fortaleza – alunos, professores, funcionários,
militares, diretores – têm se empenhado arduamente
nessa tarefa de manter, ao longo dos anos, o alto padrão
de ensino na Casa de Eudoro Corrêa.
Outrossim, não há dúvidas do sucesso desse
trabalho em conjunto. Basta verificarmos os excelentes
resultados obtidos pelos discentes em vestibulares,
avaliações, olimpíadas, concursos públicos locais e
nacionais.
Com efeito, o Colégio Militar tornou-se uma
instituição historicamente marcante e referência no
ensino integral e de qualidade, destacando-se não
apenas na área cognitiva, mas, também, nas áreas
afetiva e psicomotora. Nesse contexto, é comum e
prazeroso encontrarmos “ex-alunos” que se tornaram
cidadãos e profissionais de sucesso nas mais diversas
áreas.
Ante o exposto, é importante colocar em relevo
a participação daqueles que contribuíram (e contribuem)
para que tantos estudantes tenham, ao longo de mais de
um século, acesso a esse alto padrão de ensino
promovido pelo Exército Brasileiro.
Esse projeto de pesquisa, portanto, vem ao
encontro desse anseio, no sentido de valorizar e de
procurar fazer um grande levantamento sobre uma
parcela importante desses tantos homens e mulheres
que vêm labutando em prol da educação militar, ou seja,
os professores do Colégio Militar de Fortaleza e das
instituições que funcionaram anteriormente no local.
Assim, temos como objetivo principal publicar
um dicionário biográfico sobre todos os professores civis
e militares que ensinaram na Escola Militar do Ceará, no
Colégio Militar do Ceará, na Escola Preparatória de
Cadetes de Fortaleza e no Colégio Militar de Fortaleza,
abrangendo o recorte temporal de 1889 a 2009.
Como objetivos específicos, temos: divulgar a
história da educação militar no Ceará; preservar a
memória dos docentes (civis e militares) que ensinaram
na Escola Militar do Ceará, no Colégio Militar do Ceará,
na Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza e no
Colégio Militar de Fortaleza; conhecer a evolução
histórica da metodologia de ensino nas diversas
disciplinas ministradas por professores e instrutores;
evidenciar o excelente nível intelectual dos professores e
instrutores da Casa de Eudoro Corrêa, e, ainda, valorizar
o papel do Exército Brasileiro enquanto instituição
fomentadora dos valores nacionais.
Cumpre lembrar que muitos professores se
destacaram (e se destacam) nas mais diversas áreas,
como literatura, política, administração. A título de
exemplo, tivemos figuras já históricas, como Benjamim
Barroso, Bezerril Fontenele, Franco Rabelo, Pedro
Augusto Borges, Francisco Benévolo, Guilherme Moreira
da Rocha, Pedro Albano, Joaquim Catunda, Tomás
Acioly, José Aurélio Saraiva Câmara, Denizard Macedo
de Alcântara, Domingos Olympio, Mozart Pinto
Damasceno, Antônio Santana Júnior, Djacir Menezes,
Ary de Sá Cavalcante e muitos outros professores que
ajudaram a construir a educação no Ceará.
É justo, portanto, contar um pouco a história dos
professores através do Dicionário Biográfico de
Professores, registrando a passagem de todos esses
mestres que, ao longo de tantos anos, têm dado vital
contribuição para o processo de ensino-aprendizagem no
Ceará.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Metodologia
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Levantamento, leitura e fichamento da
bibliografia existente sobre a História da
Educação no Ceará;
Leitura dos Boletins Internos (BI’s) do Colégio
Militar do Ceará (CMC) publicados entre 1919 e
1938, e fichamento de dados referentes à
estrutura didático-pedagógica do CMC, bem
como informações relativas aos professores;
Levantamento, pesquisa e fichamento de
publicações referentes às escolas militares
estudadas;
Levantamento, pesquisa e fichamento da
documentação existente em arquivos e
bibliotecas que permitam reunir informações
sobre antigos professores;
Leitura e fichamento dos resumos históricos do
Colégio Militar do Ceará, da Escola Preparatória
de Fortaleza e Colégio Militar de Fortaleza
existentes no Arquivo do Colégio Militar de
Fortaleza;
Coleta de fotografias e imagens referentes a
professores que se destacaram nas escolas e
colégios militares sediados no “Casarão do
Outeiro”, e inserção desse material iconográfico
no Dicionário;
Entrevistas com ex-alunos do Colégio Militar do
Ceará, com ex-alunos (e ex-professores) da
Escola Preparatória de Fortaleza e com exalunos (e ex-professores) do Colégio Militar de
Fortaleza, utilizando recursos e metodologias da
história oral;
Estabelecimento de constantes contatos
pessoais e via correio (eletrônico ou tradicional)
com o maior número possível de biografados
(ou mesmo com parentes e amigos dos
mesmos) com o objetivo de manter um canal
aberto para possíveis correções e sugestões
nos respectivos textos;
Redação dos verbetes das biografias buscando
o constante cruzamento dos dados disponíveis
nos diversos tipos de fontes, a fim de se chegar
ao perfil mais fiel possível dos biografados;
Durante a redação dos textos (verbetes),
procurar ressaltar a importância dos trabalhos,
projetos e pesquisas exercidos pelos
professores biografados, nas diversas áreas,
buscando sempre enaltecer a boa imagem dos
mestres que atuaram e atuam na Casa de
Eudoro Corrêa.
Fontes de Pesquisa
ANUÁRIOS. Eram publicados anualmente pelo Colégio
Militar de Fortaleza, nas décadas de 1960 e 1970.
Trazem informações diversas sobre cada ano letivo,
incluindo artigos de professores do CMF e de antigos
professores da EPF.
BOLETINS INTERNOS DO COLÉGIO MILITAR DO
CEARÁ. Publicados entre 1919 e 1938, além de
trazerem informações sobre as atividades cotidianas do
Colégio, publicavam dados sobre a contratação de
professores, bem como suas áreas de ensino e períodos
de atuação. Essa é uma documentação riquíssima e
ainda pouco explorada.
DOCUMENTOS DO MINISTÉRIO DA GUERRA (no
Ceará). Publicados no século XIX e início do século XX,
estão sob a guarda do Arquivo Público Estadual e trazem
informações sobre as diversas organizações militares no
Ceará, incluindo-se nesse rol a Escola Militar do Ceará
(1889-1897).
JORNAIS ANTIGOS. Publicados em Fortaleza, no
século XIX, trazem informações sobre a Escola Militar do
Ceará. Esses jornais estão disponíveis, em forma de
microfilmes, na Biblioteca Pública Governador Menezes
Pimentel (BPGMP) – Setor de Microfilmes –, e sob a
forma impressa no Instituto Histórico do Ceará. Há,
também, alguns exemplares na Biblioteca da Academia
Cearense de Letras (ACL).
PLACAS ALUSIVAS A TURMAS DE FORMATURA.
Afixadas nas paredes (corredores) do CMF, trazem o
nome dos professores que lecionaram na Turma dos
formandos.
RESUMO HISTÓRICO. Organizado pela Secretaria
Geral do CMF, traz nomes de professores que ensinaram
no Colégio Militar de Fortaleza.
REVISTAS DA ESCOLA PREPARATÓRIA DE
CADETES DE FORTALEZA. Publicadas anualmente,
entre 1942 e fins da década de 1950, trazem
informações diversas, incluindo-se artigos de professores
e de instrutores da EPF.
REVISTAS DO COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA.
Publicadas a partir do ano de 1968, trazem informações
diversas, incluindo referências e fotografias de
professores do CMF.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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DOCUMENTAÇÃO DIVERSA DISPONÍVEL EM
ARQUIVOS. Considerando a grande importância que a
educação militar teve (e tem) na História do Ceará (e do
Brasil), que abrange um amplo recorte temporal (final do
século XIX, século XX e início do XXI) e que ainda são
poucas as pesquisas sobre o tema, estima-se que há um
grande acervo documental a ser “descoberto”.
Arquivos para Pesquisa
•
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Academia Cearense de Letras
Arquivo (Histórico) do CMF
Arquivo Histórico do Exército (RJ)
Arquivo Público do Estado do Ceará
Biblioteca da UFC
Biblioteca Pública Estadual Governador
Menezes Pimentel (BMPG)
Instituto Histórico e Geográfico do Ceará
Bibliografia Inicial
ALCÂNTARA, José Denizard Macedo de. Sumário
histórico do Colégio Militar de Fortaleza. Fortaleza: CMF,
1977.
BRAGA, Gustavo Lisboa (Org). Para frente custe o que
custar. Fragmentos da história da EPF 1942 contada por
seus integrantes. Valença: Editora Valença, 1999.
CÂMARA, José Aurélio S. Um aspecto da tradição militar
cearense. Os estabelecimentos militares de Ensino de
Fortaleza. Fortaleza: Separata da Revista o Instituto do
Ceará, 1959.
Contato
Coordenador do Dicionário: 1º Ten Pires - Colégio Militar
de Fortaleza – [email protected]
Tel. (85) 3455.4600 – Ramal: 4085
Cel. (85) 9629.0395
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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3. ÉTICA AMBIENTAL E EDUCAÇÃO
Jean Cid Ferreira de Brito
Cap QCO Professor de Geografia e Oficial de Controle Ambiental do CMF
Francisca Elsenir Porfírio dos Santos
Analuce de Macêdo e Silva Caneca
Cristiane Moreira Reis
Professoras Biólogas Responsáveis pelo Projeto
Regina Cláudia Oliveira da Silva
Professora representante da Comissão de Ética da GU/FLA-CE
Vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois.
Prá melhor juntar as nossas forças, é só repartir melhor o pão.
Recriar o paraíso agora, para merecer quem vem depois.
O Sal da Terra (Beto Guedes/Ronaldo Bastos)
1. Considerações iniciais
Isso nós sabemos: todas as coisas são conectadas
como o sangue que une uma família...
O que acontecer com a Terra acontecerá
com os filhos e as filhas da Terra.
O homem não teceu a teia da vida, ele é dela apenas um fio.
O que ele fizer para a teia estará fazendo a si mesmo.
Ted Perry, inspirado por um Chefe Seattle
Segundo os cientistas, a idade da Terra é de
aproximadamente 4,56 bilhões de anos e é calculada a
partir da relação entre dois isótopos de chumbo formados
pela decomposição de isótopos de urânio, o que se
chama “datação radioativa”. O homem, razoavelmente
inteligente, está aqui há pelo menos 40 mil anos, o que
constitui uma efemeridade absurda em comparação com
o meio em que vive.
Mesmo que nossa existência não passe de um
breve momento, já conseguimos fazer um estrago
considerável. Aristóteles já dizia que
Há um limite para o tamanho das nações, assim como
há um limite para outras coisas, plantas, animais,
instrumentos; pois nenhuma delas retém seu poder
natural quando é muito grande, ou muito pequena; ao
contrario, ou perde inteiramente sua natureza, ou se
deteriora.
As palavras do grande sábio grego mostram-nos
que na sua remota época já havia uma visão cósmica do
problema do crescimento das civilizações. O que
Aristóteles não poderia imaginar era que em pleno século
XXI, a despeito de toda a evolução tecnológica
perpetrada pelo homem, experimentaríamos gravíssimos
problemas decorrentes da explosão demográfica, tais
como a mundialização da pobreza e da fome, o
descontrole dos meios de produção de alimentos, a
degradação cultural, entre outros, o que vem
impossibilitando nações inteiras de se sustentar,
levando-as aos limites da sobrevivência.
Alan Weisman, em O Mundo Sem Nós,
assegura que nossas conquistas e invenções em poucos
séculos estariam varridas da Terra, caso a humanidade
desaparecesse. Entretanto, grande parte de nosso
espólio, que perduraria muito mais tempo para
desaparecer, evocando a presença humana, seria o lixo.
Rejeitos como polímeros, que não tem tempo de vida
estimado, PCB´s e dioxinas, ainda estarão aqui dez
milhões de anos depois que sumíssemos. O lixo nuclear,
como o Urânio 238, permaneceria por mais 4,5 bilhões
de anos.
Sem a nossa nefasta presença, a Terra deverá
melhorar bastante. Muitas mudanças seriam notadas,
como o silêncio, a melhoria da qualidade do ar, visto que
sem energia todas as fontes fixas ou móveis de
lançamento de gases tóxicos cessariam seu
funcionamento e, com a diluição do que já foi lançado,
em algum tempo o ar das regiões mais poluídas estaria
praticamente limpo. Não existiria mais iluminação
artificial, nem fornecimento de água. Represas
sobejariam e boa parte dos sinais eletromagnéticos
cessariam, embora nossas transmissões de rádio e
televisão permaneceriam se propagando no Universo
como uma lembrança de nossa existência.
Não havendo ninguém para cuidar dos poços e
das refinarias de petróleo, eles explodiriam, e suas piras
inextinguíveis gerariam um inverno químico, eliminando
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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gases que contaminariam todo o mundo. Quando o
flagelo chegasse ao fim, os metais pesados terminariam
no fundo dos oceanos, sepultados por conchas e pedras
calcárias.
Sem o homem, o soberano predador, a fauna e
a flora recrudesceriam, readquirindo um espaço e uma
biodiversidade há séculos violentados. O sobejo das
ruínas - água, mofo, fungos, bactérias e outros
elementos - destruiriam quase tudo, mas a natureza
daria um jeito, sem o animal que mais alterou sua
estrutura.
Alan Weisman, que é alarmista, mas não
totalmente pessimista, aventura algumas recomendações
para que continuemos usufruindo da vida na Terra,
dentre as quais destacamos: intolerância com o descarte
de plásticos, o veneno número um do biossistema, pois
há seis vezes mais polímeros sintéticos do que plâncton
nos oceanos, e a redução drástica do índice
demográfico.
É importante esclarecer que com essa prática
atual marchamos em direção à nossa própria extinção,
não ao fim do mundo, mas à nossa autodestruição.
O mais funesto da sociedade atual não é a
existência da tragédia gerada no meio ambiente. O mais
patético é a simplicidade com que todos nós convivemos
com essa realidade. Toda Ordem Social é criada por nós.
Se fomos capazes de criar o caos, também seremos
capazes de sair dele.
2. Ética e Educação Ambiental no CMF
O ser humano não nasce nem humano
nem ético ou anti-ético, ele nasce aético,
com a possibilidade de se humanizar.
Cláudio Cohen
O objeto da ética ambiental incide em ampliar a
consideração moral além dos seres humanos, para
abranger a totalidade da natureza. As condições que a
ética tem que desempenhar para considerar-se
devidamente ambiental é o reconhecimento da existência
de seres não humanos, dotados de estatuto moral e que
o conjunto destes seres não contenha exclusivamente os
seres conscientes, mas ainda os seres não conscientes.
De acordo com a UNESCO (1987), a educação
ambiental é um processo constante no qual os indivíduos
e a comunidade adquirem consciência do seu meio
ambiente e absorvem conhecimentos, habilidades,
experiências, valores e a determinação que os tornam
competentes para agir, individual ou coletivamente, na
procura de equacionamento para os problemas
ambientais que nos cercam e que nos influenciarão
futuramente.
A educação ambiental deve ser baseada na
ética ambiental. A ética ambiental é o estudo dos juízos
de valor da conduta da humanidade em relação ao meio
ambiente, é a compreensão que o homem tem do
imperativo de defender ou resguardar os recursos
naturais fundamentais à perpetuação de todas as
espécies viventes no planeta Terra. Essa concepção está
vinculada à modificação das condições físicas, químicas
e biológicas do meio ambiente, originada pela
interferência de atividades comunitárias e industriais, que
pode pôr em risco todas as formas de vida do planeta. O
perigo do aniquilamento de todas as formas de vida deve
ser uma das inquietações do estudo da ética ambiental.
É o exercício real da cidadania que poderá decidir parte
dos amplos problemas ambientais do mundo por meio da
ética imprimida pela educação ambiental. A percepção
das razões da degradação ambiental só acontece com a
compreensão dos problemas socioeconômicos e políticoculturais e, a partir dessa ciência, procurar-se alterar as
atitudes comportamentais dos indivíduos na sua fase
inicial através de uma ética ambiental apropriada.
No processo de formação do indivíduo, a
Educação Ambiental constitui uma forma abrangente de
ensino, através de uma metodologia pedagógica
participativa constante que visa incutir no aluno uma
ampla consciência sobre a problemática ambiental.
Partindo dessa premissa e em concordata com a Lei nº
9.795, de 27 de abril de 1999, o Exército Brasileiro
desenvolve a Educação Ambiental. O Art. 10 da Lei
delibera que a Educação Ambiental será posta em
prática como um exercício interligado, continuado,
integrado e estável em todos os planos de modalidade
da educação formal. Entretanto, o seu § 1º decide que
não deva ser disseminada como uma matéria específica
no currículo formal. Define, também, no seu Art. 13, que
a educação não-formal deve perpassar inteiramente o
processo através de ações e práticas educacionais
direcionadas à sensibilização da sociedade a respeito
das demandas ambientais e à sua organização e
participação na defesa e conservação da qualidade do
meio ambiente.
A Educação Ambiental é um processo de
reconhecimento de valores e clarificação de
conceitos, objetivando o desenvolvimento de
habilidades e modificando atitudes em relação ao meio,
para entender e apreciar as inter-relações entre os
seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos.
A Educação Ambiental também está relacionada com
a prática de tomadas de decisões e a ética que
conduzem para a melhoria da qualidade de vida (Sato,
2002). [grifo nosso]
Partindo dessa idéia basilar, objetivamos, no
Colégio Militar de Fortaleza, desenvolver ambas as
modalidades de educação ambiental: a formal e a nãoformal, de maneira a tornar nossos alunos cônscios das
questões ambientais, em defesa não apenas do meioambiente, mas da própria vida humana. Então, nas
esferas disciplinar - especialmente nas disciplinas de
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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Ciências Físicas e Biológicas do Ensino Fundamental, e
de Biologia do Ensino Médio, as quais, organizadas
racionalmente, avalizam uma abordagem valorativa a
respeito do tema - e interdisciplinar, por meio de projetos
que movimentem e atinjam todos os membros do CMF
para, em caráter mais prático e efetivo, agir em defesa
do meio ambiente.
Aliás, mais que isso, frente a esta realidade, ou
melhor, destes diferentes níveis de realidade que se
apresentam, é mais que oportuna uma maneira de
pensar que suplante os contornos dos diferentes campos
do conhecimento humano e que inclua diversas
perspectivas. Se a Educação Ambiental não for pautada
pela complexidade que lhe é inerente e politizada,
corremos consideráveis riscos de promoção de
equívocos reducionistas1, servindo essencialmente para
a materialização de sociedades hierarquizadas política,
econômica e ecologicamente, perfazendo estruturas
sociais que estão erigidas em pilares que concebem
baluartes das desigualdades sociais, da corrupção e da
exclusão. Para suplantar essas barreiras, urge que
pensemos uma maneira de pensar que transcenda a
interdisciplinaridade e leve-nos à transdisciplinaridade,
como nos alerta Nicolescu (1999, p. 53):
A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans”
indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo
entre as disciplinas, através das diferentes
disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu
objetivo é a compreensão do mundo presente, para o
qual um dos imperativos é a unidade do
conhecimento. [grifo nosso]
A abordagem transdisciplinar na elaboração de
projetos de eco-educação é a mais producente para que
evitemos quaisquer omissões, devido ao seu padrão de
abrangência. Esta consideração foi apreciada na lei n. °
9795, de 27 de abril de 1999, em diversos artigos, que
especificam o caráter de transversalidade da educação
ambiental. Destacamos:
1
Segundo o Dicionário Aurélio, Reducionismo significa: 1. Ato ou prática
de analisar ou descrever um fenômeno, desenvolver a solução de um
problema, etc., supondo ou procurando mostrar que certos elementos
ou conceitos complexos não devem ser compreendidos ou explicados
em si mesmos, mas referidos a, ou substituídos por outros, situados
em um nível de explicação ou descrição considerado mais básico. 2.
Modo de pensar, ou perspectiva teórica em que se propõe ou se faz
uso sistemático desse tipo de procedimento intelectual. 3. P. ext.
Deprec. Simplificação excessiva daquilo que é objeto de estudo ou
análise: "Há um reducionismo do problema. Prevalece a concepção
punitiva, segregadora, como se jogar adolescentes nos cárceres
resolvesse a exacerbação da violência na sociedade”. (Maria Ignês
Bierrenbach, em Folha de S. Paulo, 5.3.1998.) Reducionismo
psicológico. 1. Descrição ou explicação de fenômenos ou processos
humanos coletivos (sociais, culturais ou ecológicos), em termos de
fenômenos ou preferências psicológicas dos indivíduos.
Art. 2o A educação ambiental é um componente
essencial e permanente da educação nacional,
devendo estar presente, de forma articulada, em todos
os níveis e modalidades do processo educativo, em
caráter formal e não-formal.
Art. 4o São princípios básicos da educação ambiental:
I - o enfoque humanista, holístico, democrático e
participativo;
II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade,
considerando a interdependência entre o meio natural,
o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da
sustentabilidade;
III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas,
na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade;
IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho
e as práticas sociais;
V - a garantia de continuidade e permanência do
processo educativo;
VI - a permanente avaliação crítica do processo
educativo;
VII - a abordagem articulada das questões ambientais
locais, regionais, nacionais e globais;
VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à
diversidade individual e cultural.
Art. 10. A educação ambiental será desenvolvida como
uma prática educativa integrada, contínua e
permanente em todos os níveis e modalidades do
ensino formal.
§ 1o A educação ambiental não deve ser implantada
como disciplina específica no currículo de ensino.
§ 2o Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas
áreas voltadas ao aspecto metodológico da educação
ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a
criação de disciplina específica.
§ 3o Nos cursos de formação e especialização técnicoprofissional, em todos os níveis, deve ser incorporado
conteúdo que trate da ética ambiental das atividades
profissionais a serem desenvolvidas.
Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos
currículos de formação de professores, em todos os
níveis e em todas as disciplinas.
Parágrafo único. Os professores em atividade devem
receber formação complementar em suas áreas de
atuação, com o propósito de atender adequadamente
ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política
Nacional de Educação Ambiental.
Poucas vezes os caminhos cursados pela
Educação Ambiental no Brasil consideram efetivamente
as relações dos saberes localizados com a natureza e as
peculiares da região onde habitam os grupos envolvidos.
Uma proposta nesses arquétipos costuma distinguir o
saber científico e o aspecto alarmista dos movimentos
ambientalistas universalmente, o que termina por não
contemplar em seus exercícios os problemas e as
realidades ambientais locais, assim como a maneira de
intuir a natureza dos atores abarcados nestes
programas. A sugestão metodológica que colocamos é
de a que a valorização dos saberes locais, das
linguagens e do sistema simbólico dos grupos alvos de
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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projetos de Educação Ambiental possa ser um percurso
mestre destes projetos e potencializador dos resultados
almejados.
Desta forma, a educação ambiental necessita
primar pelo rigor na sua elaboração, para impedir a sua
inclusão em totalidades reducionistas, necessita ser
austera para cumprir com a obrigação histórica de
questionar a ciência moderna, de erigir modelos
epistemológicos e societários que extrapolem os limites
mecanicistas, reducionistas e excludentes dos padrões
científicos e das hierarquias das estruturas sociais
dominantes.
Com seus projetos, o CMF adotará práticas de
conscientização que, ocupando o tempo de convívio dos
alunos dentro da escola, pedagogicamente orientados,
os levará à vivência de experiências frutíferas para as
suas formações, tais como o uso racional dos recursos
naturais, a coleta seletiva de lixo e o conhecimento ativo
da fauna e flora. E, em escala mais abrangente,
proporcionar um efetivo processo de conscientização,
que se prolongue para toda a vida, ultrapassando os
muros escolares, atingindo a família, a comunidade e a
sociedade como um todo. A reflexão da prática de
Educação Ambiental deve ser entendida como uma
apreciação da ética nas práticas educativas à luz da
relação entre os saberes dos educadores com os
saberes dos alunos. Dito isto, é condição preponderante
refletir a respeito da relação peculiar entre a educação
ambiental, em suas generalidades, com os saberes
locais sobre meio ambiente de comunidades, grupos
alvos de programas e projetos nesta área, bem como
analisar a importância de se considerar os saberes
destes grupos e de seu sistema simbólico.
Na amplitude desta perspectiva, pretendemos
ter como alvo não só o corpo discente, mas a totalidade
do CMF, num processo contínuo de formação de uma
ética ambiental. Para se construir uma ética ambiental, é
imperativo que se defina o que vem a ser "certo" e
"errado”2 de se fazer com o planeta para que se
minimizem os danos já sofridos e evitem danos futuros e,
para isso, o único caminho imaginável é o binômio
informação/educação. São essas duas armas que podem
transformar a atitude humana diante do meio em que se
vive. Em dois momentos de sua obra “O método 6:
Ética”, Morin nos alerta:
A ética é, para os indivíduos autônomos e
responsáveis, a expressão do imperativo da religação.
Todo ato ético, vale repetir, é, na realidade, um ato de
religação, com o outro, com os seus, com a
comunidade, com a humanidade e, em última
2
Já em 1929, escreveu Albert Schweitzer: a ética consiste nisso: em que
eu sinta a necessidade de pôr em prática, diante de toda vontade de
viver, a mesma reverencia pela vida que sinto diante da minha própria.
Nisso encontro o necessário principio fundamental da moralidade.
Manter e fomentar a vida é bom; destruir e impedir a vida é mau.
instância, inserção na religação cósmica. (MORIN,
2005, p.36)
A incerteza ética depende não somente da ecologia
da ação (uma boa intenção não pode produzir o mal
(?), das contradições éticas, das ilusões do espírito
humano, mas também do aspecto trinitário pelo qual a
auto-ética, a sócio-ética e a antropoética são, ao
mesmo tempo, complementares, concorrentes e
antagônicas. Deve-se em cada ocasião estabelecer
uma prioridade e fazer uma escolha (aposta). (MORIN,
2005, p.57)
Tradicionalmente a ética é percebida como um
estudo ou uma reflexão a respeito dos costumes ou das
ações humanas ou mesmo a própria realização de um
tipo de comportamento. No centro da ética aparece o
dever, ou obrigação moral e conduta correta na forma
humana de resolver suas contradições, como:
necessidade/possibilidade; tempo/eternidade; indivíduo/
sociedade;
econômico/moral;
corporal/psíquico;
natural/cultural; inteligência/vontade. Enfim, é a
educação do caráter do sujeito moral para dominar
racionalmente impulsos e orientar a vontade rumo ao
bem e à felicidade individual e coletiva.
A conduta de todos nós em relação à natureza,
cuja base está na conscientização ambiental e no
compromisso preservacionista que tem por objetivo a
proteção da vida global é, essencialmente, o que se
conhece por ética ambiental. É esse compromisso
preservacionista que almejamos incutir no cotidiano que
todos que fazem o Colégio Militar de Fortaleza, intensa e
permanentemente.
Uma filosofia ecocêntrica e um processo de
conscientização podem fazer com que o ser humano se
inquiete realmente com suas ações, percebendo que ele
apenas faz parte na Natureza, não é o seu dono: a
Natureza não existe para servir-nos, mas para possamos
sobreviver em harmonia com os demais seres.
Este pensamento nos levará a uma visão
holística do mundo, uma visão integral, plena, inclusiva
e, para tanto, é premente o desenvolvimento de uma
nova linha de conduta ética entre o homem e a Natureza,
interligando-os. Enfim, é a construção de uma Ética
Ambiental, que seria o estudo do procedimento
comportamental do ser humano em relação à natureza,
resultado da conscientização ambiental e o conseqüente
compromisso personalíssimo preservacionista, tendo
como objetivo último a conservação da existência
humana.
Aqueles que defendem uma ética ecocêntrica
partem da verificação dos estragos que efetivamente
geramos nos seres vivos e nos ecossistemas. A
dimensão destes danos, a exploração abusiva da
natureza, é, em última análise, uma notória indicação,
para qualquer indivíduo sensível, de que algo está muito
errado. Temos a percepção lógica de que é assim, de
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
P á g i n a | 125
que estamos aniquilando entidades valiosas por si
mesmas, independentemente do valor que possam ter
para nós, seres humanos “racionais”.
O ecocentrismo guia-se, obviamente, pela
ciência e pela ecologia, e inspira-se nas entidades e
relações que estas nos ajudaram a reconhecer e
admirar. É algo mais de que uma teoria ética, mas institui
uma filosofia ambiental bastante abrangente, como nas
palavras de Marcos (2001):
a. uma metafísica que nos fala do estatuto ontológico
b.
c.
d.
das espécies, dos ecossistemas, dos processos e
das relações que ocorrem na natureza;
uma epistemologia que tem que enfrentar o
problema do trânsito do descritivo para o normativo,
já que uma ética baseada na ciência, como a
ecologia, tem que saber responder à objeção da
falácia naturalista;
uma estética que contribua para o reconhecimento
do valor intrínseco de certas entidades naturais que
apreciamos como belas;
e uma filosofia política que discuta a legitimidade das
ações a favor das entidades naturais e a justiça
ambiental.
Carecemos de um zelo para a ética que observe
os indivíduos, as espécies, os ecossistemas, ou seja,
uma dimensão holística, onde indivíduos, espécies e
ecossistemas não são um ajuntamento de coisas, porém
uma entidade em si mesma, numa totalidade inserida. A
ética ambiental deve partir de uma perspectiva
ecocêntrica, surgindo uma nova analogia de consciência
entre o homem e a natureza. Assim sendo, o homem
essencialmente preocupa-se com as suas ações e,
conseqüentemente, passa a praticar ações coerentes
com a natureza, levando ao desenvolvimento de
conscientização e compromisso preservacionista e
conservacionista da vida global.
Um eficaz processo educacional é premente
para o desenvolvimento sustentável. Os valores
apropriados à concretização desse princípio devem ser
realçados para abalizar a tomada de decisões que
beneficiem o ambiente e a sociedade que dele depende.
Destacamos que desse processo educacional provenha
a sólida fundação de valores e atitudes que aparelhem o
cidadão para um futuro ambientalmente sustentável.
Contudo, numa sociedade que privilegia a
concorrência, o enriquecimento rápido e o consumo
desregrado, há lugar para os valores que favorecem a
implementação de tal perspectiva? Este é um dos
maiores desafios para nós, educadores: disseminar
comportamentos éticos em uma sociedade que valoriza o
frívolo e o transitório. Indubitavelmente o percurso do
diálogo multidisciplinar entre profissionais em busca da
solução dos intricados problemas ambientais e um
contrato ético-social erguido pela mediação entre
cientistas e agentes sociais irmanados no processo são
indispensáveis para atingirmos tais anseios.
Em síntese, trata-se de uma tentativa para sair
dos traçados intelectuais típicos da modernidade e de
uma fidedigna refundação filosófica da cultura da
humanidade.
Devemos reconhecer o óbvio ululante: o Planeta
Terra não é de nossa propriedade e nem o recebemos
de nossos antepassados. Verdadeiramente o estamos
pedindo emprestado de nossos descendentes. No
entanto, estamos legando atrás de nós um mundo que
vale muito menos do que aquele que solicitamos
emprestado. Se já sabemos que o tempo está se
esgotando, urge que atuemos para mudar inteiramente
nossas atitudes antes que seja demasiado tarde. É
evidente que necessitamos rever nossa relação, valores
e atitudes para com o meio ambiente, de forma a viver
em harmonia com o restante da vida que partilha esse
planeta conosco.
Bibliografia inicial deste projeto
BRASIL. Congresso Nacional. Lei 9795, de 27 de abril de
1999. Dispõe sobre educação ambiental, instituía política
de educação ambiental e dá outras providências.
Brasília, 1999.
CLEMENTE, A. P. P. (org). Bioética e Educação.
Curitiba: Bio Editora, 2007.
MARCOS, A. Ética ambiental. Traduzido e adaptado por
Vítor João Oliveira. Valladolid: Universidad de Valladolid ,
2001.
MORIN, E. O método 6: Ética. Porto Alegre: Sulina,
2005.
NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade.
São Paulo: TRIOM, 1999.
REVISTA VERDE-OLIVA. Ano XXXIV – Nº 194 –
OUT/NOV/DEZ 2007.
SATO, M. Educação Ambiental. São Carlos: RIMA, 2002.
WEISMAN, A. O Mundo sem Nós. São Paulo: Planeta,
2007.
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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4. I SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO DO
COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Francisca das Chagas Soares Reis
Professora e Supervisora do CMF, idealizadora e coordenadora do Simpósio
O nascimento do pensamento é igual ao nascimento de uma criança: tudo começa com um ato de amor.
Uma semente há de ser depositada no ventre vazio. E a semente do pensamento é o sonho.
Por isso os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber,
deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos.
Rubem Alves
Nossa Instituição de Ensino promoverá evento
científico denominado I SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO DO
COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA, nos dias 2, 3 e 4
de dezembro de 2009, com o tema PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES.
Segundo Meirelles:
Evento é um instrumento institucional e
promocional, utilizado na comunicação dirigida, com a
finalidade de criar conceito e estabelecer a imagem
de organizações, produtos, serviços, idéias e pessoas,
por meio de um acontecimento previamente planejado,
a ocorrer em um único espaço de tempo com a
aproximação entre os participantes, quer seja física,
quer seja por meio de recursos de tecnologia”. (grifo
nosso)
A partir desse conceito, surge a pergunta: sendo
o CMF referência em educação no cenário nacional e
reconhecidamente padrão de excelência (Prêmio
Gestão) em educação no Sistema Colégio Militar do
Brasil, porque então não promover espaços para
discussão de temáticas de interesse na área de
educação, proporcionando ambiente para troca de
experiências sobre práticas pedagógicas?
Tendo como exemplo experiências bem
sucedidas de outros colégios do Sistema Colégio Militar
do Brasil e a certeza de contarmos com pessoal
qualificado para promoção e organização de um evento
que reflita o padrão de excelência de nossa escola,
acreditamos ser essa a melhor oportunidade para
reafirmarmos a imagem de referência em educação no
Brasil: 2009, ano que o CMF comemora 90 anos de
excelência educacional.
A duração de um simpósio é, em média, de um a três
dias.
Objetivos
•
•
•
Proporcionar espaço para interação com
especialistas na área.
Divulgar trabalhos e pesquisas envolvendo
prática pedagógica e novas metodologias.
Contribuir com a formação continuada de
educadores.
Receberemos inscrições para posteres e
apresentações orais, bem como haverá uma publicação
do evento, a título de anais. Os palestrantes estão sendo
selecionados a partir da indicação de professores do
CMF, em todas as áreas de ensino, e deverão ser nomes
de reconhecimento nacional.
Em fevereiro o site do Simpósio estará na
Internet com maiores informações.
Professor, contamos com a sua preciosa
participação.
Bibliografia Inicial
MEIRELLES, G. F. Tudo sobre eventos. São Paulo: STS,
1999.
Identificação do Evento
Simpósio é a apresentação de um tema geral de
grande interesse, que é dividido em subtemas, por
especialistas de renome, sendo seu objetivo final o
intercâmbio de informações, com a tomada de decisões.
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5. PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DA BIBLIOTECA DO
COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA EM COMEMORAÇÃO AOS
SEUS 90 ANOS DE EXCELÊNCIA EDUCACIONAL
Clube de Inglês
Sob Orientação da Professora Renata Rovaris Diorio
Justificativa
1.
Em meio às festividades do aniversário do
Colégio Militar de Fortaleza, aos seus 90 anos prestados
ao serviço da comunidade, o Clube de Inglês, por meio
de seus membros, colabora com esse projeto de
renovação do acervo bibliotecário.
A biblioteca carece de livros novos que atendam
às necessidades do estudo de línguas, literatura
brasileira e literatura estrangeira. Os livros que se
encontram ali dispostos são antigos, além do que não há
variedade de gêneros literários e outras opções de
leitura. Quando há um livro interessante, só existe um ou
dois exemplares, o que fica inviável numa instituição de
ensino, com aproximadamente 1000 alunos.
Por essa ocasião especial, em comemoração ao
seu aniversário, queremos presentear o Colégio Militar
de Fortaleza com a entrega de livros novos, doados e
comprados, que serão coletados ao longo do primeiro
semestre de 2009 e entregues à Biblioteca, na semana
de festividades, em Junho/2009.
2.
3.
4.
Divulgação do Projeto: Fevereiro e Março de
2009.
Coleta do material: todo o primeiro semestre de
2009.
Arrumação dos livros nas prateleiras: Maio.
Entrega oficial do acervo novo: Junho/2009.
Parcerias
O Projeto contará com o apoio do CPA e demais
instituições que queiram contribuir com esse desafio.
Nesse sentido, o Clube de Inglês, representado
pelos seus membros, poderá contribuir fazendo algo a
mais para embelezar e atualizar o nosso Colégio Militar,
a fim de que esse continue sendo um grande expoente
de ensino nessa capital e no Sistema Colégio Militar do
Brasil.
Objetivos
• Renovar o acervo bibliotecário, a fim de despertar e
construir o gosto pela leitura, tanto em língua
materna, quanto em língua estrangeira.
• Desenvolver o senso de participação, solidariedade,
camaradagem e união entre os alunos voluntários
do Clube de Inglês que estarão envolvidos na coleta
dos livros, bem como no processo de registro dos
mesmos, juntamente à Biblioteca do CMF, até a
disposição desse mesmo material arrecadado, nas
estantes desse recinto.
• Construir o zelo pelo livro recebido como um
tesouro adquirido pela escola.
• Propiciar a leitura dos livros doados, por meio do
manuseio desses, durante todo o projeto.
Cronograma do Projeto
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6. PROJETO DE HISTÓRIA E MEMÓRIA:
ORALIDADE E REMINISCÊNCIAS DA CASA DE EUDORO CORRÊA
Regina Cláudia Oliveira da Silva
Luciano Pinheiro Klein Filho
Janote Pires Marques
Professores Historiadores responsáveis pelo projeto,
com apoio do Clube de Ciências Humanas da Seção “D” de Ensino.
Pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido,
ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites,
porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois.
Walter Benjamim
O que lembro, tenho.
Guimarães Rosa
A História Oral (Método Biográfico) é o
registro da história de vida de indivíduos que, ao
enfocar suas reminiscências particulares, edificam
também uma visão mais concreta da dinâmica de
funcionamento e das diferentes fases da trajetória
dos grupos sociais aos quais pertencem. Muitas
dessas memórias são denominadas subterrâneas,
porque ficam à margem da história dita oficial.
É fundamental esclarecer que a história oral,
de certa maneira, subverte o conceito mais
tradicional de História. Partindo do presente, do
documento vivo, do momento, para o passado, além
de comprometer o sincronismo em favor da
diacronismo, provoca também, positivamente, uma
crise no conceito habitual de documento. A
concepção do documento de história oral difere
daqueles originados por terceiros, escritos,
conservados em arquivos, museus ou coleções. É
documento em história oral o texto ou vídeo
produzido diretamente, em contato pessoal entre
partes que se integram numa totalidade dialógica.
Não nos devemos jamais esquecer que tudo
começa pelo testemunho, e não pelos arquivos, e
que, seja o que for que possa faltar à sua
fiabilidade, não dispomos, em última análise, de
nada melhor do que o próprio testemunho para
asseverar que alguma coisa se passou, à qual
cada um declara ter assistido pessoalmente, face
ao que, para além do recurso a outro tipo de
documentos, nos resta sempre a confrontação
entre diferentes testemunhos (RICOEUR, 2007, p.
182).
Embora memória e identidade sejam
inquietações próprias de muitas áreas das ciências
humanas, a história oral tem como finalidade
precípua relacionar estas duas características de
forma a indicar que uma transporte à outra. Em
conjunto, memória e identidade se prendem
possibilitando a concretização de estudos que
partam do tempo presente, de personagens vivos
que, mais do que testemunhar um acontecimento,
ou relatar trajetórias, consintam ver o processo de
seleção dos fatos, de constituição de discursos, e
assim se abrem a análises que suplantam a simples
constatação dos acontecimentos. História oral não
existe, então, para preencher a deficiência de
informações ou a carência de documentos.
Contrariamente, ela se faz a fim de viabilizar o
exame das experiências que se instalam em
fantasias, no imaginário, nas ilusões e interditos
comuns aos discursos objetivos. Neste sentido, vale
conjeturar que o alicerce da história oral não é a
verdade histórica tradicionalmente estabelecida.
Ora, se contrapõe experiência à verdade, a história
oral estima os elementos subjetivos do
comportamento narrativo.
Adverte Jacques le Goff, destacando a
importância do testemunho oral, que
tal como o passado não é a história mas o seu
objecto, da mesma forma a memória não é a
história, mas sim um dos seus objectos, sendo
também um nível elementar de elaboração
histórica [...] se se pretende dizer que o recurso à
história oral, às autobiografias, à história
subjectiva, amplia a base do trabalho científico,
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modifica a imagem do passado, dá a palavra aos
esquecidos da história, tal é perfeitamente
razoável (1988,p 221).
Registrando as experiências vividas pelos
antigos alunos da Casa de Eudoro Corrêa, em
vídeo, pretendemos desenvolver um documentário
que seja um instrumento importante para
compreensão do nosso passado recente, bem como
inserir nossos alunos do 6º ano, recém-chegados a
esta casa, em um caráter novo e envolvente na
pesquisa histórica, porque a história oral pressupõe
uma parceria entre informante e pesquisador,
construída ao longo do processo de pesquisa e
através de relações baseadas na confiança mútua,
tendo em vista objetivos comuns. Nossos alunos
terão a possibilidade de construir uma imagem do
passado muito mais abrangente e dinâmica.
Acreditamos que esse trabalho será uma
contribuição que fornecerá elementos para a
elaboração de uma história viva, em uma ocasião
efetivamente favorável, vistas as comemorações
dos 90 anos da Casa de Eudoro Corrêa. Assim
como, ao pesquisar as imagens nas quais os atores
históricos (entrevistados) representam seu mundo,
nossos alunos poderão identificar as estruturas da
imaginação coletiva e o poder do grupo social que,
em momentos distintos, fez parte desta instituição
de ensino. Tudo isso porque a memória é também
uma construção do passado, porém regulada por
sentimentos e experiências. Flexível, os
acontecimentos são lembrados à luz da experiência
subsequente e das necessidades do presente.
Com aplicações históricas culturais,
pedagógicas e teórico-metodológicas, o presente
projeto, baseado em depoimentos orais, tem como
objetivos:
levantar dados sobre a maneira de viver e pensar
o passado de indivíduos em diversos momentos
da história do CMF;
preservar documentos, material iconográfico e
visual relativos à vivência dos entrevistados no
CMF;
proporcionar aos alunos a oportunidade de
exercerem a pesquisa histórica por meio da
modalidade oral;
valorizar a prática da educação histórica pelos
alunos do CMF;
elaborar um vídeo-documentário que será
exibido por ocasião da Feira Cultural 2009,
realizado pelos alunos do 6º ano em nome do
Clube de Ciências Humanas.
Bibliografia Inicial
JANOTTI, M.L.M. & ROSA, Z.P. História oral: uma
utopia? Revista Brasileira de História. São Paulo, v
13, n 25/26, p. 7-16, set/92-ago/93.
LE GOFF, Jacques. “Memória”. In: História e
Memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994.
NORA, P. Entre memória e história: a problemática
dos lugares. Projeto História. São Paulo, n 10, p.728 , dezembro/93.
RICOEUR, P.
A Memória, a História, o
Esquecimento. Trad. Alan François. Campinas:
UNICAMP, 2007.
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IV. Orientação para
Submissão de Artigos
para a Revista
EDUCARE – Nº. 2
(2010)
ISSN:
ISSN: 19841984-3283
EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 1 – Nº. 1 – 2009
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ATENÇÃO:
SOMENTE SERÃO ACEITOS ARTIGOS QUE SEGUIREM
RIGOROSAMENTE AS SEGUINTES NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Autoria: acrescentar, em nota de rodapé, a partir do nome completo do autor, titulação acadêmica por
extenso, instituição a que está filiado profissionalmente e e-mail para contato.
Resumo e Palavras-chave: indicar objetivos, abordagem e metodologia, com entrelinhamento simples,
máximo de 500 caracteres (contando espaços), precedido da indicação “Resumo:” em negrito, seguido
de “Palavras-chave:” (em outra linha) em negrito, com no mínimo três e no máximo cinco palavraschave. O mesmo vale para Abstract e Keywords, que devem ser totalmente fiéis ao resumo e às
palavras-chave.
Referências Bibliográficas: devem, obrigatoriamente, seguir as normas da ABNT, com tamanho de
fonte 12, entrelinhamento simples, sem recuo, com os nomes das obras em itálico.
Exemplos:
SOBRENOME, Nome. Título: subtítulo. Edição (a partir da 2ª). Cidade da editora: Nome da editora, ano.
SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. IN: Título do livro em itálico. Cidade da editora:
Nome da editora, ano, p.
SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itálico. Cidade da editora: Nome da editora, vol,
fascículo, ano, p.
SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Jornal ou Revista onde foi publicado, data (dia, mês, ano). Disponível
em: <http://www.enderecoeletronico.com.br>. Acesso em: data (dia, mês, ano).
Formatação
Folha: A4 (21 x 29,7 cm).
Margens: esquerda e superior de 3 cm; direita e inferior de 2 cm.
Entrelinhamento:
- 1,5 para o texto.
- Simples para citações recuadas, notas de rodapé, referências e resumo.
Corpo:
- 12 para o texto.
- 11 para citações recuadas, corpo do resumo, corpo das referências e notas de rodapé.
Fonte: Times New Roman.
Número de página: numere a partir da primeira página, no canto superior direito.
Total de páginas: mínimo de 10 e máximo de 20, incluindo anexos, figuras e tabelas. Figuras e tabelas
devem ser numeradas sequencialmente à medida que aparecerem no texto.
Citações no texto
Nome do autor fora dos parênteses: caixa baixa.
Nome do autor dentro dos parênteses: caixa alta.
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Exemplos:
Segundo
Fulano
(2007,
p.
51),
“xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx”
“xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx” (FULANO, 2007, p. 51).
ou
(Citação de até 3 linhas de texto segue o texto e de ser colocada entre aspas duplas. Citação com mais
de 3 linhas deve ser feita com tamanho de fonte 11, sem aspas, com recuo de 4,0 cm da margem
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