NA TRILHA Do CoNQUISTADoR
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NA TRILHA Do CoNQUISTADoR
Na trilha do conquistador H ernán Cortez é um dos grandes personagens das aventuras europeias nos tempos dos descobrimentos. Conquistador, estrategista, manipulador, astuto, sanguinário, piedoso, cruel, amado, odiado, culto, conhecedor de leis, muitos foram os adjetivos atribuídos a ele ao longo dos séculos. Todos concordam, contudo, que sua figura é indissociável da conquista da América e das violentas guerras travadas entre espanhóis e indígenas. Ao aportar no Novo Mundo, Cortez, como tantos outros, ficou impressionado com as paisagens exuberantes e a natureza exótica. A Espanha, no 12 Hernán Cortez, civilizador ou genocida? início do século xvi, era muito diferente. Os povoados e cidades conhecidos por Cortez, sujos e cheios de gente, contrastavam, de forma brutal, com os espaços americanos. Assim, o verde abundante encontrado na América pareceu ainda mais vivo aos olhos do espanhol. A grande variedade de frutos, os pássaros multicoloridos e as águas abundantes e límpidas remetiam à imagem bíblica do paraíso terrestre, com que os europeus tanto sonhavam. Os grandes rios, as quedas d’água, as montanhas impressionantes e os lagos enormes, aos poucos, completaram esse quadro idílico. Mas logo o céu se transformou em inferno. Animais ferozes, chuvas torrenciais, pântanos, insetos terríveis e plantas venenosas tornaram-se pesadelos para Cortez e seus homens nas expedições de reconhecimento e conquista que empreendiam nas novas terras. As febres altas, as doenças fatais, o calor insuportável e a resistência dos nativos diante dos conquistadores rapidamente destruíram a utopia edênica. Os obstáculos da natureza e a violência indígena foram então tomados como provas da presença do demônio na América, que precisava, com urgência, ser domada por homens tementes a Deus. Como prêmios: glória, poder e riqueza. Cortez, religioso, mas também pragmático e ambicioso, tomou para si a tarefa e acabou como protagonista de alguns dos episódios mais violentos da história da América. Relatos, cartas, memórias e diários de viagens, lugares em que fantasia e realidade se misturam, nos permitem reconstruir a extraordinária epopeia desse guerreiro espanhol. Nascido no humilde povoado de Medelim, Hernán Cortez passou grande parte de sua juventude sem se destacar até viajar para a América em busca de fama e tesouros. Em outubro de 1518, foi escolhido pelo governador de Cuba para liderar, como capitão, centenas de soldados. Cortez e seus homens tinham como missão estabelecer contatos com grupos indígenas e dar continuidade à exploração do continente americano em favor da Espanha. Após partir de Cuba e chegar ao litoral habitado por nativos que falavam o idioma maia, Cortez soube da existência de uma sociedade complexa, rica e poderosa, que vivia mais adiante, no interior do território. De fato, na região do vale do México, as cidades de Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopan formavam a chamada Confederação Mexica e exerciam enorme poder sobre outros grupos indígenas. Os povos dominados pagavam pesados impostos aos mexicas e sua obediência era garantida pelo medo que tinham dos exércitos, das Na trilha do conquistador 13 prisões e dos violentos rituais religiosos praticados pelos mexicas envolvendo sacrifícios humanos. O poder mexica se baseava na força militar e comercial de suas cidades, que contavam com muitos soldados e eram beneficiadas por um intenso comércio de grãos, sobretudo o milho, desenvolvido em todo o vale. Cortez lançou-se ao interior do continente americano em busca dessa tão poderosa civilização. Queria ouro, mas também se dizia fiel ao monarca espanhol e aos desígnios de Deus, assim, justificava suas ações como conquistas da Espanha e da Igreja Católica. Com a ajuda de índios aliados, que viram nos europeus uma chance de se libertar do domínio mexica, e valendo-se de poderosas armas de fogo, Cortez alcançou e atacou os mexicas, iniciando dois anos de intensas batalhas. Montezuma era o líder de Tenochtitlán no momento da chegada de Cortez e foi identificado como seu maior inimigo. Ao final, mesmo exaustos e famintos, os espanhóis e seus aliados conseguiram sitiar e, depois, invadir a cidade de Tenochtitlán, que então sucumbiu. Acabava, de uma vez por todas, o poder da Confederação Mexica. A campanha liderada por Cortez entraria para a História da cultura ocidental. A partir de 1521, o guerreiro espanhol conheceu a glória. Recebeu títulos de nobreza e garantiu, junto ao rei, diversos privilégios que se estenderiam a seus filhos. Em sua honra, foram celebradas festas e, em seu nome, missas foram rezadas. Após essa data e por um bom tempo, parte significativa da América esteve em poder de Cortez. No mundo colonial espanhol que pôde ser construído graças à vitória sobre os mexicas, Cortez criou laços, estabeleceu vínculos, teve filhos, mulheres, amigos, inimigos e foi senhor temido e respeitado. A conquista do território indígena deveria ser completada com a conquista espiritual dos nativos, aumentando o rebanho de fiéis da Igreja Católica. A crença na necessidade de fazer do Novo Mundo um mundo cristão à imagem e semelhança da velha Europa também pautou a ação de Cortez na América. Em pouco menos de três anos, a pedido do próprio Cortez, vieram os padres franciscanos, para começar a evangelizar os indígenas. O contato entre culturas e o consequente choque de valores de sociedades distintas marcariam os primeiros momentos da presença espanhola nas terras americanas conquistadas, agora rebatizadas de Nova Espanha pelo próprio 14 Hernán Cortez, civilizador ou genocida? Cortez. A partir de então, um novo mundo aos poucos se ergueu e outra sociedade, mestiça, sincrética, nem europeia e nem indígena, começou a ser formada. A inscrição, visível até hoje, em uma placa colocada na Praça das Três Culturas, no antigo mercado de Tlatelolco, não deixa esquecer: “não foi triunfo nem derrota, foi o doloroso nascimento do povo mestiço que é o México de hoje”. Portanto, a conquista liderada por Cortez marcou de modo decisivo a vida de milhares de pessoas, ontem e sempre. A figura do guerreiro espanhol oscila, como um pêndulo, entre o símbolo máximo do conflito, da destruição provocada pelas guerras de conquista, e a representação do nascimento de um mundo novo. É como afirmou o poeta mexicano Octavio Paz: “a morte como nostalgia e não como fruto ou fim da vida equivale a afirmar que não viemos da vida, mas sim da morte”. Não é possível separar Cortez da América. A História os uniu para sempre. * * * Breve explicação a respeito das terminologias usadas nesta obra: A denominação dupla México-Tenochtitlán, que aparece em vários documentos, para a cidade dos mexicas (também chamados de astecas), gera curiosidade e pode confundir o leitor. O termo “Tenochtitlán” significa “terra do tenochtli”; tenochtli é uma espécie de cacto, figueira-da-barbária, de fruto duro, que brota nos rochedos. A origem da palavra “México”, por sua vez, ganhou duas explicações. O símbolo da cidade era a águia devorando uma serpente, sendo que a águia representava a divindade Mexitl (outra denominação para o deus do sol Huitzilopochtli). A outra explicação diz Na trilha do conquistador que o termo México vem das palavras metztli (“a Lua”) e xictli (“umbigo” ou “centro”), portanto, México significa “a cidade que está no meio do lago bem abaixo da lua” e, de fato, a cidade foi construída em cima de um lago, o Texcoco. Neste livro, a cidade de México-Tenochtitlán será chamada apenas de Tenochtitlán até o momento da conquista espanhola. Após a conquista, será designada como México. Os habitantes dessa cidade serão chamados de astecas ou mexicas, sem distinção, apesar de alguns estudiosos reconhecerem diferenças sutis entre essas duas denominações. O termo nahuas, que corresponde a todos os grupos indígenas que falavam o idioma náuatle (entre eles, os mexicas), não será usado aqui. 15