UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Instituto de Arte e

Transcrição

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Instituto de Arte e
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Arte e Comunicação Social
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Arte
Eduardo Alberto de Souza Varela
Espelhos de papel.
Arte, artes gráficas e impressões do Rio de Janeiro oitocentista
Niterói. RJ. 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Arte e Comunicação Social
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Arte
Eduardo Alberto de Souza Varela
Espelhos de papel:
Arte, artes gráficas e impressões do Rio de Janeiro oitocentista
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciência da Arte da Universidade
Federal Fluminense para obtenção do grau de
Mestre.
Área de concentração: Teoria da Arte.
Orientação: Profª. Drª. Rosana Ramalho
Niterói. RJ. 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Arte e Comunicação Social
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Arte
Folha de aprovação
Eduardo Alberto de Souza Varela
Espelhos de papel:
Arte, artes gráficas e impressões do Rio de Janeiro oitocentista
_______________________________________________
Profª. Drª. Rosana Ramalho (UFF – Orientadora, UFF)
_______________________________________________
Profª. Drª. Isis Braga (UFRJ)
_______________________________________________
Prof. Dr. José Mauricio Saldanha Alvarez (UFF)
_______________________________________________
Prof. Dr. Tunico Amâncio (suplente, UFF)
Niterói, ..........de ............................... de 2011
Agradeço
À professora Rosana Ramalho,
pela proficiência;
À família,
pela paciência;
Aos amigos e professores
Patrick Burglin
Antonio A. Serra
Maurício Monteiro
Wilson Paraná e
Alvino Costa Filho,
Pela amizade e
Convivência.
Resumo
O objetivo deste trabalho é proporcionar uma visão geral sobre as artes
gráficas no Brasil do século XIX, as influências externas que marcaram suas
origens, e seu desenvolvimento ao longo desse período. Para melhor
compreensão do tema foram utilizados conceitos gerais sobre Arte, assim como
suas manifestações e o que disseram conhecidos estudiosos do assunto. As
técnicas antigas mais correntes de reprodução da imagem impressa e de seus
originais - inclusive a fotografia - é também parte deste trabalho, assim como a
identificação de editores e artistas que por aqui passaram, deixando rica herança
em matéria de técnica e criação. A paisagem carioca vista por esses visitantes,
sua inserção nos movimentos artísticos da época e a significação política de sua
realização, também são parte dos capítulos seguintes. Procurou-se, enfim,
dissolver algumas cristalizações a respeito da arte e de sua reprodução.
Palavras-chave: Arte. Artes gráficas. Gravura. Paisagem.
Abstract
This work presents an overview of the graphic arts in Brazil, from the
external influences which marked its origins throughout its development along the
nineteenth century. General ideas about art and its manifestations, as well as the
opinions of renowned scholars on the subject have been discussed, aiming at a
better understanding of the theme. Early image reproduction and printing
techniques then in current use, and the new image-capturing art of photography
have been studied. Artists and printers have either passed by or established
themselves in Rio de Janeiro, leaving a rich technical and artistic legate. City
landscape and everyday life as seen by these visitors, their insertion in the artistic
movements of the time and the political meaning of their achievements are also
within the scope of the work. It has been sought, at last, to reevaluate certain longestablished ideas on the work of art and its reproduction.
Keyords: Arts. Graphic arts. Engraving. Landscape
Índice
Introdução..................................................................................................01
Capítulo 1 - Arte, reprodução, representação e reflexo........................04
1.1 – Iconografia e cultura popular............................................06
1.2 - A imagem nas nuvens.......................................................10
1.3 - Manchar e interpretar........................................................12
1.4 - A dimensão da imagem.....................................................15
1.5 - Imagem e reprodução........................................................17
1.6 - Reprodução e imitação......................................................18
1.7 - Ilusões e medidas .............................................................20
1.8 - Reflexos e reflexões...........................................................22
Capítulo 2 - Técnica, gravura e reprodução da imagem ....... ................29
2.1 - Processos gráficos e definições..........................................30
2.2 - Fotografia, um novo enfoque...............................................41
2.3 - Novos artistas......................................................................43
Capítulo 3 – Paisagem e documento........................................................45
3.1 - O olhar estrangeiro.............................................................47
3.2 – A cidade e seus pontos de observação.............................53
3.3 – Mudam-se os tempos.........................................................56
Capítulo 4 - Imagem, artes gráficas e história.........................................66
4.1 – Os precursores Palliere e Steinamm..................................68
4.2 - As cores de Paula Brito.......................................................72
4.3 - A longa vida dos Laemmert.................................................75
4.4 - Briggs e o mercado de imagens..........................................79
4.5 - Leuzinger, a imagem entre o traço e a foto.........................83
4.6 - Heaton & Rensburg, a Lemercier tropical............................87
4.7 - Garnier, a casa editorial do império ....................................89
4.8 - Sisson, traços e retratos de uma época..............................93
4.9 - A arte e a escola de H. Fleiüss............................................96
4.10 - Agostini, um lápis entre os séculos..................................101
Capítulo 5 – Gráficos, ilustradores, ateliês e editores...........................106
5.1 - O centro e seus artistas gráficos.......................................109
Conclusão.....................................................................................................111
Bibliografia ...................................................................................................113
Introdução
O presente trabalho de dissertação irá abordar o tema Arte, de modo geral, e
Artes Gráficas, especificamente, no Rio de Janeiro do século XIX. No primeiro caso,
e como introdução ao assunto, o objetivo é discorrer sobre o fenômeno artístico e
algumas maneiras de entendê-lo, salvaguardando a dificuldade da empreitada uma
vez que o tema possui inúmeras definições e abordagens. Apenas no dicionário
Houaiss são encontradas vinte e cinco acepções para o verbete, só isso tornaria a
tentativa de sintetizá-lo em inútil quimera acadêmica. Não foi este, certamente,
principal interesse deste projeto, que, no entanto, ressentia-se de chegar a recantos
mais viscerais do assunto sem preparar alguns espíritos para compreendê-lo melhor.
O esforço deveu-se, também, à necessidade que sentíamos de não polarizar
o assunto, no caso Arte, entre conceitos simplistas e absolutos, como “pura”,
“maior”, “verdadeira”, etc, o que daria como resultado outras indesejáveis
cristalizações. Assim, para chegar às artes gráficas, tratamos de relativizar alguns
parâmetros visando facilitar compreensão do tema e revelar alguns de seus
reconhecidos méritos e exemplos.
No Brasil, ou em qualquer lugar do mundo, era preciso conhecer e gostar de
arte para fazer artes gráficas. Isso, claro, é também verdade nos dias atuais, mas a
atuação do artista gráfico no século XIX – momento mais estudado neste trabalho –
teve contornos mais reveladores, definindo sua integração com máquinas e
processos que depois seriam a base de uma poderosa indústria. Não nos
interessava tanto essa indústria ou suas múltiplas conquistas eletrônicas e digitais.
O que despertou nosso interesse foi o momento em que a mão do artista alternou-se
entre a palheta, o godê, a chapa metálica, a pedra calcárea, etc, para chegar às
engrenagens dos prelos que aos poucos eram aperfeiçoados no Brasil. Este mesmo
artista foi autor e reprodutor de sua obra, deslocando a síntese de suas abstrações
1
para o papel, que ele mesmo imprimia e multiplicava. Não seria ousado afirmar que
os incipientes apetrechos gráficos da época fossem um prolongamento de seus
instrumentos de criação. Goya, Toulouse Lautrec, Picasso, apenas para citar alguns
mestres europeus, usaram recursos como este para reproduzir seus trabalhos,
desenvolvendo uma reveladora linguagem entre o original e a cópia.
No Brasil dos oitocentos, muitos dos gráficos e editores que aqui chegaram
eram artistas reconhecidos em seus países; tinham formação acadêmica e uma
incrível atração por nossa terra. O rápido crescimento que experimentávamos e o
exotismo de nossos hábitos e paisagens transformaram-se, sob sua visão, num
grafismo único que perdurou durante grande parte do século. Muitos de seus
aprendizes continuariam esta obra. O romantismo das primeiras reproduções
gráficas, e, entre outras tendências, o realismo das últimas publicações, marcaram
um período de mudanças nas artes e nas artes gráficas, estas recorrentes
sucedâneas desses e de outros movimentos.
Entre as últimas décadas do século, e as primeiras do seguinte, novas
tendências artísticas – de base industrial e de massa – deixaram para trás as velhas
e saudosas práticas gráficas, dando lugar aos primeiros designers – o nome não
devia ser este – que surgiam no Rio e no país, e cuja inspiração migrava
definitivamente para outros movimentos e motivos.
A estrutura deste trabalho resume-se, então, a cinco capítulos, em
continuidade ao que apresentamos, há seis meses, para sua qualificação.
. No primeiro, Arte, reprodução, representação e reflexo, buscou-se a
compreensão da Arte como fenômeno ligado a valores individuais ou coletivos, mas
percebido segundo a emoção e a experiência de cada observador. O papel do
artista, seus motivos, e a função de quem vê a obra de arte são também parte dos
tópicos nele abordados.
. O segundo, Técnica, gravura e reprodução da imagem, versa sobre as
técnicas mais comuns da reprodução imagética no século XIX. A madeira, o metal e
outros materiais como matrizes, inclusive a fotografia, são estudados a partir de um
curioso anúncio publicado no Rio de Janeiro de 1845.
. No terceiro, Paisagem e documento, a intenção é discutir o Rio de Janeiro e o Brasil - como motivos artísticos e documentais, explorando as diversas visões de
2
artistas – muitos deles estrangeiros – na representação da cidade, de sua gente e
de seus costumes.
. O quarto capítulo, Imagem, artes gráficas e história, objetiva relacionar e
comentar o trabalho de alguns artistas, gráficos e editores que por aqui estiveram
desde a chegada da família real, em 1808. A razão de sua vinda, as oportunidades,
o mercado de imagens e o estágio técnico em que estávamos são seus pontos
principais.
. O quinto, e último, Gráficos, ilustradores, ateliês, editores, busca localizar
– nas antigas ruas da cidade – o endereço dos vários artistas e gráficos que por aqui
passaram, discutindo, igualmente, a estratégia de seu trabalho. Acompanha um
mapa, com o nome antigo e atual das principais ruas do centro carioca, assim como
breve localização de várias oficinas visitadas na presente apresentação.
3
Capítulo 1
Arte, reprodução, representação e reflexo
O artista, a obra e o observador
Este capítulo visa tocar em alguns pontos na compreensão da obra de arte
como forma de contribuição para melhor esclarecimento do assunto. Seu objetivo é
reduzir alguma nebulosidade existente entre o observador e a obra propriamente
dita. Procuramos usar conceitos e comentários extraídos de alguma experiência e,
principalmente, do que disseram reconhecidos pensadores modernos na crítica e
análise do fenômeno artístico.
Como estudamos aqui a reprodução das imagens em um tempo em que não
havia grandes recursos técnicos – caso do Brasil na maior parte do século XIX –
algumas dessas ideias parecem ajustar-se com certa facilidade à questão proposta,
uma vez que muitas das reproduções gráficas desse período carregavam certa aura
de originais. Cartões postais de cidades (mesmo estrangeiras), cenas bíblicas
(santinhos) e até cartas de jogar, por exemplo, movimentavam a imaginação de
quem tinha poucos referenciais estéticos oriundos de seu próprio estamento social,
aceitando como arte o que chegava de fora em forma de ilustrações de qualquer
natureza.
Essa nossa condição inicial de importadores de originais ou de imagens
reproduzidas criou com o tempo um grafismo curioso e anacrônico, uma vez que se
copiava também um comportamento distante, não ajustado com nossa tropical
realidade. Considerando, igualmente, o grande analfabetismo entre a população
(cerca de 80% às vésperas da proclamação da república), é justo supor que as raras
imagens das revistas ilustradas (muitas, no meio do século, apenas reimprimiam
modelos importados), além de outras publicações e álbuns, servissem de base para
alguns costumes, como, por exemplo, o de vestir-se e apresentar-se socialmente.
Homens à inglesa e mulheres à francesa fariam hoje pares curiosos, com suas
espessas vestimentas sob o sol escaldante e tropical da corte do Rio de Janeiro.
Descrevendo alguns tipos característicos do segundo reinado, lembra Luciano Trigo
em seu O viajante imóvel: Machado de Assis e o Rio de Janeiro do seu tempo:
No caso da moda feminina, vestidos de tafetá, chamalote, faille ou
merino; cinturinhas de vespa, traseiros em tufo, cruéis espartilhos de
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barbatanas de ferro que iam até um palmo abaixo do umbigo,
chegando muitas vezes a comprometer a saúde; botinhas de cano
alto, o inevitável leque de seda e luvas, o cabelo enrolado no alto da
cabeça e, naturalmente, o chapéu, preso com um estilete enfeitado
de madrepérola. (TRIGO, 2001, p.50)
Enfim, as imagens vistas nas ruas e nos salões da cidade mostravam o dom
de representar o que se via nas reproduções e também nos modos dos europeus
que aqui chegavam. Representação, segundo uma definição de Jacques Aumont (A
imagem, SP, Papirus, 1993), é “um processo pelo qual institui-se um representante
que, em certo contexto limitado, tomará o lugar do que representa.” (AUMONT,
1993, p. 103). Neste sentido, representar explica não apenas nossa identificação
com alguns modelos aceitos pela sociedade, mas também justifica outros
sentimentos diante de uma manifestação artística, seja musical, teatral, plástica, etc.
Quando assistimos a um épico, por exemplo, temos a certeza que o ator não é a
personagem ou o herói que interpreta; depois de algum tempo, porém, aceitamos
que um é, episodicamente, o outro. Essa necessidade de reconstruirmos o ausente
através de seu representante revela um curioso fenômeno de projeção, que emerge
de um quadro ou de uma situação real para refletir-se no comportamento que
adotamos, nas roupas que usamos e até nas inúmeras emoções que sentimos.
Ao longo deste trabalho, procuramos analisar ilustrações e reproduções
gráficas, seu curioso status de originais e a íntima necessidade em certo momento
de nossa história em considerá-los autênticos. Na falta de uma cultura que gerasse
modelos originais em nível e número que a sociedade sonhava, os simulacros
ocupavam esse lugar com foros de raridade.
Há uma certa evocação no uso das imagens como forma de “espiritualizar” os
modelos expostos e dotar o espaço que os circunda com sua presença. Por isto, no
culto das imagens – sacras ou não – a cópia às vezes mistura-se ao seu referencial,
importando apenas o estado de espírito que sua existência propicia. O termo
“simulacro” poderia, assim, ser apriorístico, pois seu valor está atrelado à crítica que
hoje produzimos sobre a arte e sua história. É, portanto, necessário que nos
transportemos para outro momento e lugar a fim de entendermos a ética e a estética
aceitas como valores então presentes e verdadeiros. Estes, como sabemos, são
ícones mutantes no tempo e no espaço. Neste sentido, ao estudarmos as artes
5
gráficas do oitocentos, encontramos o reflexo de uma imagem desejada: a imagem
aristocrática européia.
1.1 Iconografia e cultura popular
Muita gente há de ter em casa objetos de decoração, um pequeno conjunto
deles, um grupo de bonecos ou miniaturas representando figuras humanas, bichos,
cenas bíblicas, rurais, urbanas... Objetos, simples objetos para se descansar os
olhos numa pausa do trabalho, de uma conversa, ou mesmo para saber que eles
estão ali para dizer alguma coisa. Talvez sirvam como referência para que a vida em
nossas casas tenha um sentido maior do que o da própria moradia - fisicamente
falando - estendendo-se por valores com os quais convivemos dentro ou fora desses
limites. Podem ser originais ou cópias; algo raro ou incomum, não importa. Foram
parar ali por uma sutil eleição da qual fizeram parte o momento psicológico em que
estávamos ao escolhê-lo, os valores que a sociedade nos faz atribuir às coisas, à
nossa cultura e educação, até mesmo à inexplicável simpatia que nos dirige para
longe dos limites racionais.
O valor de objetos como esses - considerados decorativos ou utilitários situa-se, como diz a professora Marize Malta (Um outro Ecletismo pela visão das
artes decorativas. DezenoveVinte, Rio de Janeiro, v. I, n. 2, ago. 2006), em uma
zona turva para a análise e crítica da arte, uma vez que sua existência tem porquês
definidos, historicamente justificados; são registros de circunstâncias vividas em
diferentes realidades estéticas e sociais.
Não é aqui propósito entrar por este
caminho, valendo apenas lembrar que entre os inúmeros sinais de sua utilidade e
valor há pelo menos dois que primeiramente os justificam: o de servirem ao tato e o
de representarem sentimentos. De fato, o alcance e o toque incensam esses objetos
com uma aura especial, em detrimento de sua aparente vulgaridade: como obra de
arte podem estar latentes, mas, no que tange à representação, são tocáveis pelo
olhar e pelos dedos do observador. O mesmo deverá acontecer com as reproduções
gráficas, notadamente as imagens, que, distante de seus primeiros modelos,
deixavam, assim mesmo, traços de originalidade e posse. E principalmente em uma
época (em questão o século XIX) em que ser dono de uma cópia de qualidade não
era privilégio de muitos. Com relação a tais objetos, houve um tempo em que
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O aspecto da pura visibilidade (própria da arte) misturava-se à dimensão
tátil (próprio do objeto). A decoração espalhava-se, tornando-se mais
perceptível e mais apelativa ao toque, ao tato. Estabelecia-se um novo
paradigma: a união do material com o sensível, uma verdadeira filosofia do
ter. Para usufruir do sentido tátil era necessário possuir algo concreto para
se tocar, o que ocorria com a compra de algum bem, bem este que deveria
ser palpável, manejável, sentido com as mãos. A sensação tátil remetia à
do paladar, esta regendo o gosto, e os objetos passaram a ser
“saboreados”. O objeto manipulável e “degustado”, ao aproximar-se dos
sentidos mais físicos do homem, também apelava para outro menos ligado
à materialidade, pois sua decoração reclamava pelos recursos da visão.
Sentia-se com os olhos e através deles reconheciam-se muitas facetas do
mundo, inclusive sua história. (MALTA, 2006)
Se olharmos - e tocarmos - bem, encontraremos esses exemplos em toda
parte, muitos representados por pequenos animais ou minúsculos heróis cujas
atitudes ficaram penduradas no ar, servindo alguns como peso de papel,
separadores de livros, e, outros, como caixas para miudezas, etc. Convivem
pacificamente com um original a óleo na parede, com uma escultura de verdade, e
até com uma reprodução bem emoldurada que se preste - sem preconceitos - a
contribuir com a atmosfera mais íntima, alegre ou intimista que se deseje.
Com o espírito despido de cristalizações, observemos então um conjunto
mostrando uma galinha e seus três pintinhos, simples decoração para cozinhas ou
pequenas salas de jantar. Na verdade, tal conjunto existe e foi eleito justamente por
sua simplicidade para iniciar esse breve estudo sobre arte e representação.
O grupo em questão é de cerâmica pintada, e formado, como visto, por quatro
elementos: uma galinha e três pintinhos; todos azuis com motivos redondos e
brancos que se repetem igualmente por todo o corpo dos bichos. Mediria a cena uns
quinze centímetros se colocados os filhotes a pouca distância da mãe, que parece
poderosa e atenta às crias. As peças menores estão sujeitas a ser movimentadas
por nós para qualquer lugar em torno de sua figura. Observando melhor os
elementos deste conjunto, um a um, não é difícil constatar que todos são iguais, um
é cópia do outro, apenas em dimensões diferentes. Sim, os pintinhos são a
reprodução da mãe, até mesmo na postura, sem muitos recortes ou qualquer
7
pretensão mais realista ou de estilo. Sendo apenas a mesma imagem em tamanhos
diversos – mãe e filhotes – como explicar que resgatem alguma lembrança, e talvez
emoções, bem perceptíveis em nossa formação? Com um simples movimento de
seus integrantes, a cena seguinte pode ter diferentes significados, todos forjados na
experiência e na sensibilidade do espectador.
Galinha e seus pintinhos, foto do autor
No aspecto e na forma exterior, não é difícil constatar que as imagens que
vemos diariamente nem serão cópias da realidade ou foram produzidas com este
objetivo. No caso da galinha e seus três pintinhos, podemos recorrer ao pensador e
crítico norte-americano Nelson Goodman (Linguagens da Arte: Uma Abordagem a
uma Teoria dos Símbolos. Lisboa, Gradiva, 2006) para explicar melhor a coisa. Diz
ele ser difícil observar um objeto sem nos destituirmos de preconceitos, de afeição,
animosidade ou interesse; sem, enfim, estarmos sujeitos aos ornamentos do
pensamento ou da interpretação. Para ele,
... não há um olhar inocente. O olhar chega sempre atrasado ao trabalho,
obcecado com o seu próprio passado e com velhas e novas insinuações do
ouvido, do nariz, da língua, dos dedos, do coração e do cérebro. Não
funciona como um instrumento isolado e independente, mas como um
membro diligente de um organismo complexo e caprichoso. Não apenas o
modo como vê, mas também o que vê é regulado pela necessidade e
preconceito. Seleciona, rejeita, organiza, discrimina, associa, classifica,
analisa, constrói. Não espelha, propriamente falando, antes apodera e faz; e
o olhar não vê aquilo de que se apodera e que faz como algo nu, como itens
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sem atributos, mas como coisas, comida, pessoas, inimigos, estrelas, armas.
Nada é visto a nu nem nu. (GOODMAN, 2006)
O que parece dizer Goodman é que não enxergamos as imagens sem o
concurso de nossas idéias e experiências a elas agregadas, e que recepção e
interpretação não são operações separáveis, mas interdependentes.
Voltando à galinha e a seus pintinhos, temos que o objeto galinha e pintinhos
apenas se refere às aves, não procurando imitá-las em detalhes ou reproduzindo-as
como existem na natureza. Sobre o assunto, Ernst Gombrich (Arte e ilusão: um
estudo da psicologia da representação pictórica. Martins Fontes, SP, 1995) fala em
uma “arrumação” que a mente faz para que expliquemos as imagens a que somos
expostos diariamente. Subjetivamente, reduzimos os erros, imperfeições, etc, até
que as aceitemos como representantes de seus modelos, ou ainda de coisas que
gostamos e admiramos. Essa incrível capacidade de não ver para ver está no
observador e também no trabalho do artista, e ainda no esforço que este faz para se
comunicar. “Não podemos registrar todos os traços de uma cabeça, e enquanto se
conformarem às nossas expectativas eles se encaixarão sem ruído nas fendas do
nosso aparelho perceptivo” (GOMBRICH, 1995, p.183). A mesma regra, empregada
agora como “A do etc”, é lembrada por Jacques Aumont como um recurso do
espectador que “supre o não-representado, as lacunas da representação. Essa
complementação se dá em todos os níveis, do mais elementar ao mais complexo
(...), sendo que uma imagem nunca pode representar tudo” (AUMONT, 1993, p.88).
Por outro lado – ainda mais abstrato - a nossa galinha e seus pintinhos
representam ideias de cunho pessoal, mutáveis de pessoa para pessoa, mas que
significam no geral o aprendizado que tivemos e as emoções que experimentamos
ao longo da vida diante de tais seres e do que representam para nós. Com efeito, o
que pode significar uma galinha e seus pintinhos no universo cultural em que
vivemos? Quem conheceu o ambiente rural, principalmente, vai associar aquele
pequeno grupo de imagens à alimentação, à fartura, etc. Mas também poderá
relacionar a imagem ao amor e ao cuidado de uma ave com a sua prole, conceito
perfeitamente transferível para valores humanos, familiares a uma casa... Tanto um
sentimento como outro marcam conosco um encontro no referencial que ora
utilizamos para explicar a importância das imagens e de sua representação para
9
nossa vida. A professora Lucia Santaella, em sua obra Imagem, cognição, semiótica,
mídia (Ed. Iluminura, 2001), analisando o fenômeno da representação, diz que:
Ambos os domínios da imagem (referencial e representação mental) não
existem separados, pois estão inextricavelmente ligados já na sua gênese.
Não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de
imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há
imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos
objetos visuais. (SANTAELLA, 2001, p.15)
Portanto, o referencial galinha e pintinhos encontra-se no domínio de nossas
memórias e sentimentos, e nos acompanharão por toda a vida.
1.2 - A imagem nas nuvens
Deixando de olhar a terra onde ciscam as aves e perscrutando o céu,
encontramos de novo imagens e sugestões, agora na forma imprecisa de nuvens.
Cabe, porém, distinguir algumas curiosas razões que nos fazem “ver” tanta coisa no
simples entrelaçamento de vapores e gases d’água que viajam sobre nossas
cabeças. Por que, afinal, julgamos vislumbrar nelas dragões, corpos humanos,
carruagens
medievais,
deuses
da
antiguidade,
anjos
e
demônios
de
incomensuráveis proporções que, em pouco tempo, transfiguram-se em vultos
históricos, mulheres de curvas sobejas, perfis enfurecidos, ou graciosos animais
domésticos? As razões sempre despertaram o interesse de pessoas comuns, mas
também de psicólogos, psicanalistas e pensadores da arte e da linguagem - entre
outros -, uma vez que as nuvens habitam o céu antes mesmo que fossem
concebidas as primeiras representações artísticas. Essas imagens já existiam sobre
nós há milhares de anos, embora não significassem, certamente, as mesmas coisas
que hoje somos capazes de transferir para elas. Segundo Gombrich, os gregos
diziam que se maravilhar era o primeiro passo no caminho da sabedoria, e que
quando deixamos de nos maravilhar corremos o risco de deixar de saber. Seriam
então as imagens formadas pelas nuvens um exemplo deste maravilhamento e da
formação do saber? É ainda o austríaco, não por acaso em seu capítulo “Nas
nuvens”, que transcreve o diálogo entre Apolônio e seu discípulo Damis, em A vida
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de Apolônio de Tiana1 (ao tempo de Cristo), no qual o primeiro indaga ao outro sobre
a real existência da pintura e por que se pinta alguma coisa:
“- Por amor à imitação, responde Damis, para obter a
semelhança de um cão, de um cavalo, de um homem, de um
navio, de qualquer coisa que exista debaixo do sol.
- Então, pintura é imitação, mimese?
- Bem, que poderia mais ser? Se não fizesse isto não passaria
de um brinquedo ridículo com tintas.
- Sim, responde Apolonio, mas as coisas que vemos no céu
quando as nuvens se movimentam, os centauros, antílopes,
lobos e cavalos. Serão também obras da imitação? Será Deus
um pintor que emprega suas horas de lazer divertindo-se deste
modo?
- Não, concordam os dois, essas formas das nuvens não têm
sentido próprio, aparecem por puro acaso. Somos nós, que
dados por natureza à imitação, as interpretamos dessa maneira
(...).”
O olhar sobre as imagens, assim, teria a contribuição da complacência sobre
sua simples existência material, configurando-as constantemente para que se
ajustem às nossas experiências e desejos. Construir a imagem é, de algum modo,
apropriar-se dela, tê-la em mãos como objeto próprio e eleito, e por isto mesmo raro,
ainda que seja uma simples reprodução. Por oportuno, observar o significado de
“imitar”, utilizado neste diálogo, que nos remete à mimesis, termo cunhado na
antiguidade greco-romana e muito bem explicado pelo professor Sergio de Souza
Brasil, da Universidade Federal Fluminense:
Em Aristóteles, temos a mimesis como um ato do conhecimento,
uma pedagogia do ver, que orienta o ser educado a reconhecer
semelhanças extra-sensíveis, ou melhor, a descobrir as fragilidades
mágicas decorrentes da possibilidade de transferir para uma coisa o
sentido contido em outra. Esta alquimia se faz visível na metáfora, pois a
mimesis se constrói não pela incidência de propriedades objetivas, mas
pela relação de semelhança entre o sentido próprio e o figurado. (SOUZA
BRASIL, 1999)
1
- "Vida de Apolônio", de Flávio Filóstrato, em que alguns estudiosos identificam uma tentativa de
construir uma figura rival à de Jesus Cristo. Apolônio também é citado nas obras "A Vida de
Pitágoras", de Porfírio, e "A Vida Pitagórica", de Jâmblico. Acredita-se ainda que ele seja o
personagem "Apolo", citado na Bíblia em Atos dos Apóstolos e I Coríntios. O trecho utilizado faz parte
da citada obra “Arte e Ilusão”, p. 193.
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Em pouco tempo, diante da tela de cinema ou do palco teatral, por exemplo,
aceitamos que o ator deixe de ser uma individualidade para transformar-se em
personagem da história, em parte integrante de uma criação que dele se distancia
no rumo de outros valores e de outras verdades.
1.3 - Manchar e interpretar
De fato, parece que a chave para entendermos a intenção e o valor da obra é
o conhecimento, a experiência e a sensibilidade, isto nos aproxima do que foi
produzido e da sua mensagem estética. O artista poderá trabalhar com borrões em
lugar de algo definido, mas esses borrões tomarão a forma adequada através da
percepção geral da imagem, do que ela informa, além de sua simples representação
no mundo dos sentidos. É preciso que a reduzamos ao limite aceito pela percepção,
intelectual ou emocional, para que uma nuvem – ou qualquer forma imprecisa ganhe a definição de algo sonhado ou vivido. Caso contrário serão apenas borrões
ou manchas, e não consumarão a necessária ponte entre matéria e espírito.
É de novo Gombrich quem se refere a esses borrões como uma forma
didática de ensino da pintura. Como exemplo, cita idéias publicadas pelo pintor
inglês John Constable (1776-1837), que sugeriam a técnica da paisagem e, mais
especificamente, a pintura de nuvens e céus. O pintor era conhecido pelas imagens
grandiosas onde pontificavam a luz e as nuvens na abóboda celeste. Mas havia na
didática de Constable o sestro de desmistificar a arte naturalista, tradicional,
formando a partir daí novos artistas através da experiência lúdica, de manchar as
telas para depois completá-las com outras imagens. Seus alunos seriam então
capazes de brincar com as manchas, disciplinando-as, estendendo-as, dando-lhes
novas cores e formas até que entrassem no mundo representativo das experiências
e da arte. “A mais interessante para nós é a tentativa de utilizar formas casuais para
aquilo que chamamos de “schemata”, que são os pontos de partida do vocabulário
do artista”, disse. O que torna este ponto interessante é justamente o aspecto
didático desta passagem, “um repto deliberado ao ensino tradicional da arte”
(GOMBRICH, 1995, p. 195).
Podemos, assim, compreender a íntima relação entre o lúdico na pintura das
nuvens e o que nelas atribuímos ver. Constable, certamente, já percebia nessas
12
projeções o que seria objeto de futuros estudos do conhecido psiquiatra suiço
Hermann Rorschach.
Jonh Constable (1776-1837), Estudo das nuvens, Real Academia das Artes, Londres
Fonte: (www.royalacademy.org.uk)
O próprio Gombrich aventa uma relação entre estes ensinamentos e um
instrumento de diagnóstico desenvolvido por Rorschach, cento e cinquenta anos
depois de Constable. E o curioso em tudo isto é que os estudos entre imagens e a
mente humana parecem interpenetrar-se em revelações que se renovam a cada
fonte pesquisada. As experiências deste cientista, que revolucionou a psicanálise e
a psiquiatria a partir da publicação de seu “Psicodiagnóstico”, em 1921, revelam
aspectos importantes da questão, como a finalidade do teste. Serve o Teste de
Rorschach, como ficou conhecido, para se inferir o valor da respostas individuais
sobre a associação de tais manchas com imagens e situações vividas por alguém. O
que se deseja, segundo a Sociedade Rorschach (entidade civil que se dedica à obra
desse autor, possuindo mais de um endereço eletrônico), é colocar à prova
as
funções
psíquicas
de
percepção,
atenção,
julgamento
crítico,
simbolização e linguagem. Concomitantemente à execução destas funções
psíquicas na avaliação das hipóteses frente às manchas, os processos
psíquicos afetivo-emocionais, motores-conativos e os cognitivos concorrem
para a formulação final da resposta. As respostas ao Rorschach, portanto,
revelam o status da representação da realidade em cada indivíduo,
trazendo dados a respeito do desenvolvimento psíquico, das funções e
sistemas cerebrais, dos recursos intelectuais envolvidos na construção das
13
diferentes imagens, das articulações intrapsíquicas e da natureza das
relações interpessoais. (http://www.rorschach.com.br/)
Outro ponto curioso sobre a origem do teste - e que pode confirmar a
associação sugerida por Gombrich – é que seu autor não o concebeu na
maturidade, da qual tampouco gozou (morreu aos 37 anos), mas ainda quando era
menino. No verbete “Teste de Rorschach”, lemos interessante e reveladora
passagem:
Durante sua infância fora Rorschach um entusiasmado jogador de um jogo
muito difundido no século XIX chamado Klecksographie (Klecks significa
mancha de tinta) em que os jogadores criavam pequenos poemas a partir
de manchas abstratas de tinta. Apesar de ter feito alguns experimentos
anteriores menos sistemáticos, foi nos anos 1917-1918 que Rorschach
começou um estudo mais sistemático do uso do método de manchas de
tinta no diagnóstico psiquiátrico.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Teste_de_Rorschach)
As manchas que o garoto Rorschach observava em lúdica disputa com outros
jovens despertavam abstrações logo consubstanciadas em imagens. Quem sabe
fossem borrões casuais que propiciavam ao grupo o afastamento necessário para
produzir versos ou qualquer outra forma de criação?
Segundo o crítico e também pintor Jonh Berger, em sua obra Modos de ver, a
natureza recíproca da visão é mais fundamental que a do diálogo falado, e este é
muitas vezes uma tentativa de verbalizar, metafórica ou literalmente, como se vêem
as coisas, sendo também uma tentativa para descobrir como o outro as vê. Quando
descrevemos para alguém o desfile de figuras que se desintegram no céu para
transformarem-se em outras, não buscamos mais que a legitimidade de nossos
sonhos e sua analogia com a de qualquer semelhante. Nuvens ou obras de arte,
cada um tem seu modo de ver:
Sempre que olhamos uma fotografia, tomamos consciência, mesmo que
vagamente, que o fotógrafo selecionou aquela vista de entre uma infinidade
de outras. Isto é verdade mesmo para o mais banal instantâneo de família.
O modo de ver do fotógrafo reflete-se na sua escolha do tema. O modo de
14
ver do pintor reconstitui-se através das marcas que deixa na tela ou no
papel. Todavia, embora todas as imagens corporizem um modo de ver, a
nossa percepção e a nossa apreciação de uma imagem dependem também
do nosso próprio modo de ver. (BERGER, 1972, p. 14)
1.4 - A dimensão da imagem
Berger diz também que as imagens foram concebidas, de início, para evocar
a aparência de algo ausente. Mas podem sedimentar a idéia de posse, ou seja, a de
podermos dispor delas a qualquer momento, como se sobrevivessem ao modelo que
representam, tomando inteiramente o seu lugar. As imagens, pelo mesmo raciocínio,
podem eternizar-se onde quer que as ponhamos, tornando-se, eventualmente, mais
importantes que o original que lhes deram o nascimento. Das imagens, passou-se a
considerar também quem as fez, surgindo daí a idéia de autoria e da importância
que ia além do que uma imagem representava. Por isso é turva ou inexistente a
autoria das primeiras imagens do mundo greco-romano: elas deveriam mostrar a
beleza, a perfeição e as ideias antes de tudo, Assim, o fundamental não era o nome
do artista que a produziu, mas sim a sua capacidade de gerar sentimentos e
condutas de natureza estética, de valor, de cultura de prazer, de aprendizado.
E tudo na maioria em terceira dimensão, conforme Gombrich, comparando a
escultura da época e o surgimento da pintura, cuja percepção trazia dificuldades
para o que se entendia como representação. De fato, questiona o austríaco, como
mostrar alguma coisa em duas dimensões, apenas, sem distorcer a imagem em sua
única perspectiva até então conhecida: a fidelidade ao modelo tridimensional? Arte
grega, para nós, é a arte da escultura, diz, e isto nos leva a pensar na imagem
contida em um espaço pré-determinado, o retábulo, a parede, o bloco de madeira ou
pedra. Deve ter sido revelador o esforço que os gregos primitivos fizeram para
entender uma figura cujo lado ou parte posterior não poderiam ser vistas, mas
intuídas através do sombreado e da distorção. Essa prática, através dos séculos, é
que os fez decifrar as formas de uma figura da natureza em duas dimensões; antes,
tentava-se reproduzi-la tal como era, em três. No estudo das imagens tal dado é
importante, pois revela como víamos e reproduzíamos o que nos cercava.
15
Uma esfera, por exemplo, parece ao olho um disco chato; é o tato que nos
ensina as propriedades do espaço e forma. Qualquer tentativa por parte do
artista de eliminar tal conhecimento é fútil, porque sem ele não poderia
perceber o mundo. Sua tarefa consiste, ao contrário, em compensar a falta
de movimento na sua obra com uma elucidação maior da imagem, de modo
a transmitir não apenas sensações visuais, mas também aquelas memórias
do tato que nos permitem reconstruir a forma tridimensional nas nossas
mentes (GOMBRICH, 1995, p. 17).
Reflexões sobre a imagem e sua representação nas diversas culturas através
dos tempos apontam para algumas questões relacionadas à história da arte. Por
exemplo, as figuras egípcias. Afinal, por que cabeça, pernas e braços eram
mostrados de perfil, enquanto o tronco ficava de frente? Gombrich inicia o seu “Arte
e ilusão” com uma interessante questão sobre o assunto. Sendo claro que as
pessoas não tinham aquela aparência, resta saber qual o motivo de serem assim
representadas, pois o que vemos daquela arte não correspondia à anatomia de
ninguém. Se observarmos alguns quadros modernos, principalmente os surrealistas,
podemos perceber que a simples representação na arte sofre inúmeras influências
de natureza estética e cultural. O que era convencional há três mil anos nos parece
hoje sem explicação imediata, assim como um desenho figurativo de nossos dias
pareceria estranho a um cidadão egípcio do período arcaico. A chamada “lei da
frontalidade” pode explicar que a figura humana fosse representada, no Egito, em
suas maiores porções, independente da realidade. Esta convenção, parece, nada
tinha de artístico, era apenas ética ou religiosa, e respeitava valores segundo os
quais um semelhante deveria ser representado em duas dimensões. Curiosamente,
surge de novo o tato; talvez esteja no tato a explicação para que fossem mostradas
sempre as maiores porções do corpo humano. Quem sabe residisse aí a face mais
simples desta convenção, uma vez que uma perna ou uma cabeça de frente teria de
conter uma perspectiva de grave e pessoal interpretação?
Serve a lembrança do antigo Egito não para um aprofundamento na história
da arte, mas como simples componente deste capítulo, que busca explicações sobre
o porquê de sermos atraídos pelas imagens e o que elas significam em nosso
desenvolvimento intelectual e afetivo. E, finalmente, o que representou sua
16
reprodução mecânica no contexto da liberdade individual e coletiva, na escolha do
que nos agrada, ensina e emociona.
1.5 - Imagem e reprodução
Ao longo deste capítulo, tentamos ver a imagem como fenômeno: como é
formulada na consciência para surgir sob alguma forma ou técnica. Ao ser produzida
artisticamente, a imagem será uma resposta – quase sempre gráfica – ao apelo de
emoções e de memória, e vai levar ao observador momentos de fruição análogos
aos de seu criador. Ser dono de uma imagem pode equivaler, em plano imaginário,
a ser seu autor, como vimos, e isso explicaria o valor da imagem além do que
representa como raridade. Raras, por exemplo, eram as vistas coloridas do Rio de
Janeiro na primeira metade do século XIX, e desde que muitas fossem ainda
finalizadas depois de impressas em litografia ou mesmo abertas em metal, teriam
ainda mais valor de original. Além de tudo, a raridade da imagem naquele período
dava a uma reprodução qualidades de grande arte, sendo muitas encadernadas em
álbuns, ou emolduradas e guardadas com todo apreço. Por não terem sido
descartadas, como ocorreria hoje, é que puderam chegar a nós - e novamente como raridades.
As imagens são mais rigorosas e ricas que a literatura, sustenta Berger, que
diz ainda ser a arte a mais confiável prova documental do contexto onde foi
produzida. Pode-se rebater, em parte, este raciocínio através da imagem gerada na
ficção, como em Machado de Assis e em outros escritores (ver adiante em Reflexo e
reflexões). Teríamos com eles “imagens” tão ricas que sequer poderiam ser
representadas no mundo material.
Mesmo a mais imaginativa delas nos permite compartilhar a experiência que o
artista teve do visível, ou seja, o ato de fixar um tema em uma tela eterniza também
o sentimento percebido em cores e traços reais. A obra de arte, por assim dizer, não
permite que existam outras interpretações “intelectuais” senão as decorrentes do
que se pode ver - e não ler. Tendo como maior endereço a sensibilidade do
espectador, a obra de arte desperta uma participação imediata com ele, um diálogo,
um pacto renovado a cada vez que olhamos a imagem e dela extraímos suas mais
recônditas intenções. Como neste trabalho falamos da reprodução gráfica, abstraiase a obra musical ou qualquer outra que não pertença ao domínio da visão.
17
Preservamos a imagem original ou sua rara reprodução como uma forma de
santificar nossas próprias emoções e dotá-las de valor absoluto, envolvendo-a numa
espécie de religiosidade. Em certa medida, as primeiras reproduções, feitas a partir
da xilogravura e do buril, não conseguiam aproximar-se da qualidade original de um
quadro ou de um desenho detalhado, caso fosse esta a intenção. Bem depois, com
a fotografia e com novas técnicas gráficas, foi possível resolver o problema “físico”
da reprodução, muito embora a discussão a esse respeito esteja sempre presente
na análise crítica dos pensadores contemporâneos. Com relação á litografia, uma
das primeiras formas de reprodução maciça da imagem, diz Walter Benjamin em seu
conhecido estudo A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica:
Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada
das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam
unicamente ao olho. Como o olho apreende mais depressa do que a mão
desenha, o processo de reprodução das imagens experimentou tal
aceleração que começou a situar-se no mesmo nível que a palavra oral
(BENJAMIN, 1975)
.
Seria, realmente, difícil antever a aceleração a que chegaríamos com as
máquinas impressoras, que pouco depois já podiam receber os originais de uma
obra, artística, literária, etc, poucas horas antes de distribuí-la a seu público, por
mais numeroso que fosse.
1.6 - Reprodução e imitação
A tecnologia, hoje, reproduz até mesmo o estilo artístico de uma época ou de
um pintor famoso em programas de computador, e a reprodução gráfica de um
original suscita discussões interessantes. Copiar mecanicamente a imagem inserese em um projeto “democrático”, distributivo, não competindo com a primeira criação
em seu possível ardor de unicidade. De fato, uma grande parte das imagens é
concebida para a reprodução em livros, revistas, jornais, cartazes, etc, separando-se
daquelas cuja existência tem o destino de “originais”: ainda que reproduzidos, suas
18
cópias vão referenciá-los como arte em seu sentido corrente; e o que se espera da
reprodução é que seja, no mínimo, fiel à sua referência.
Mas há outras questões, e uma delas é do olhar sobre a arte. O que um pintor
acharia diante de um detalhe, apenas um detalhe, ampliado de um quadro seu?
Separando-se o fragmento de um quadro, teríamos algo novo, e não um pedaço da
obra original. Ao pintá-la, o artista não a separou em seções ou particularidades,
pretendendo certamente que fosse examinada como manifestação íntegra – ainda
que sujeita a exames localizados - por parte de seus observadores. Em matéria de
reprodutibilidade, esse golpe anunciado na deferência com o passado, e também
com o presente, jamais teve volta ou recuperação, pois o tesouro que se escondia
nos museus, nas igrejas ou nas coleções particulares teria de chegar de alguma
forma à parede e aos olhos dos recentes cidadãos que o mundo moderno produzia a
partir de uma nova divisão de trabalho, de papéis e de direitos. Isto decerto
aconteceu quando artistas e gráficos começaram a publicar paisagens e retratos a
partir da pedra litográfica ou da chapa metálica para alguém que jamais se orgulhara
com a propriedade de imagens que pudesse tocar.
Os meios de reprodução teriam assim referenciado a obra de arte, agora não
mais a partir de sua distância física com o público (fator suprido com a reprodução),
mas considerando-a uma nova “raridade” advinda no bojo da cópia instituída. No
Brasil, durante grande parte do século XIX, original e cópia misturavam-se na
reprodução gráfica e na convicção das pessoas; só depois que a cópia tornou-se
vulgar com o progresso e a tecnologia é que outras questões começaram a bater às
portas mais bem construídas da sociedade. Segundo Rui Pedro da Fonseca, no
artigo “A arte no mercado, seus discursos como utopia”, para a Revista Electrónica
de Estudos sobre a Utopia (http://www.letras.up.pt),
A obra de arte esquivou-se do isolamento dos séculos precedentes, deixou
de ser um objeto único e privilegiado do museu, noutros tempos o seu único
santuário acolhedor. Atualmente, ela tornou-se coletivizada porque é
serializada; equivale a um signo entre outros signos, a um objeto de
consumo reproduzido no infinito material cultural de revistas, enciclopédias
e coleções avulsas. (FONSECA, 2007)
19
Autoria e originalidade deixaram de ser longínquas referências para ganharem
valor de mercado, uma insurgente combinação entre dinheiro e espírito, pois,
segundo o que parece dizer Fonseca, a própria mecanização fez surgir nova aura no
original, que brilha na mesma razão da reprodução mecânica que o referencia.
1.7 - Ilusões e medidas
Depois do clichê tipográfico, e mais tarde do offset, obras famosas passaram
a fazer parte dos livros escolares, analisadas e expostas a estudantes que,
entretanto, não dirimiram todas as dúvidas. Erro recorrente em antigas publicações
educativas, alguns autores não indicavam o tamanho da obra original retratada,
deixando aos apreciadores, alunos - e a muitos professores – o trabalho de
descobrir - ou de imaginar - as verdadeiras proporções de um quadro, uma
escultura, um monumento. Embora a falta desta informação não diminua o fascínio
de se conhecer uma obra de arte, medidas reais e imaginadas sempre confundem a
compreensão final de um trabalho. A dimensão, real ou imaginária é, assim, ponto
curioso no mundo das reproduções gráficas. Se cabe experiência pessoal, vale a
que tivemos com dois monstros sagrados, um nacional e outro francês: O Abaporu,
de Tarsila do Amaral, ironicamente vendido a um argentino, e O pensador, de
Auguste Rodin. O primeiro e único encontro com ambos deu-se no mesmo dia e foi
surpreendente:
Inaugurava-se em 1995, no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de
Janeiro, a primeira exposição brasileira de Rodin. Iam conosco a expectativa dO
beijo e de outras obras-primas do francês, que conhecíamos dos velhos livros da
escola. Naqueles, as imagens das esculturas eram diagramadas em meia página,
sem referências ou medidas, além do texto explicativo sempre regular e suficiente.
Ao longo da juventude e como tantos meninos, olhamos dezenas de vezes aquelas
figuras apaixonantes e poderosas, sobretudo O pensador, que sabíamos representar
a grandeza e a liberdade. Pois, quando naquele dia ficamos diante da escultura - de
apenas 70 centímetros - aconteceu uma intraduzível confusão entre o que
imaginávamos e o que tínhamos diante dos olhos. À nossa frente os anos se
precipitaram; durante o trajeto tentamos reorganizar valores, desfazer preconceitos e
acostumar rapidamente com a nova realidade. Tratava-se de outra visão sobre a
20
obra do francês, grandiosa apenas no que representava para a história e para nosso
humilde passado. Já então não surpreendia as medidas dO beijo, que, soubemos
depois, tinha três versões, a que viera não passava da altura de uma mesa.
Terminada a visita, fomos ao andar de cima, onde parte do acervo do
diplomata e colecionador Gilberto Chateaubriand era exposto. As novas raridades,
entretanto, pareciam amargar certa solidão diante das novidades francesas que,
abaixo de nós, roubava-lhes público e admiradores. Um guarda sonolento mal
vigiava os poucos visitantes e certamente não notou o susto que tivemos diante do
famoso O Abaporu, na galeria central. O quadro e seu gigante devorador da cultura
estrangeira (inclusive a francesa) - e que dera sentido maior ao modernismo
brasileiro - tinha aproximadamente oitenta centímetros de lado. Não nos abatemos.
O grande pensador - pensando bem - era do mesmo tamanho do nosso pequeno
gigante. A briga, se coubesse, ia ser boa.
Há, aliás, curiosa analogia entre as obras. Observe-se que ambas as figuras
têm atitudes semelhantes: a reflexão. Os “gigantes” construídos pela arte e por
nossos valores não possuem, necessariamente, o tamanho que lhes atribuímos, e
sim as dimensões que lhes desejamos.
Tarsila do Amaral, 1928: O Abaporu. 85X73 cm, Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires
(http://www.malba.org.ar) - Auguste Rodin, 1888: O pensador. 71 cm de altura. Museu Rodin (www.museerodin.fr/)
21
Nós é que viajáramos: no tempo e nas antigas representações sopradas
pelas imagens impressas nos livros de escola. Mas foram elas madrinhas e
madrastas de um sonho bom e intransferível, eternizado na tinta e no papel. Em
nossa percepção, parece, o tamanho das coisas não será nunca o da realidade, e
sim o de que couber em nossa sensibilidade. Lembra Aumont que
O julgamento final, de Michelangelo, a Gioconda, um daguerreótipo, um
fotograma de filme, podem hoje figurar lado a lado, sob a forma de
reproduções de tamanho idêntico, em um livro ilustrado. Ora, o afresco de
Michelangelo ocupa uma parede inteira da Capela Sistina, o quadro de
Leonardo mede perto de um metro, um daguerreótipo, menos de 10
centímetros, (...) um fotograma, menos de dois. Nossas principais fontes de
imagem, o livro, o diapositivo, a tela de televisão, achatam por completo a
gama de dimensões das imagens, incutem-nos indevidamente a idéia que
todas as imagens têm dimensão media, e nos levam a uma relação espacial
fundada também em distâncias medias (AUMONT,1993, p. 139).
No aspecto tamanho também podemos supor que substituímos as proporções
reais de uma obra por outras que se ajustam às nossas expectativas. Diante da
página de uma enciclopédia, caso não tenhamos notícia do modelo, jamais
saberemos as reais medidas de uma escultura ou de um quadro, uma vez que eles
estarão diagramados para caber na mancha gráfica da publicação e também nos
limites de nossas ilusões. E, a menos que se consulte melhor o verbete, ou a
fotografia da obra contenha qualquer referência conhecida, sua grandeza viverá
apenas em nossa imaginação até que a conheçamos de fato.
1.8 - Reflexos e reflexões
As imagens físicas nos surpreendem, mas as psicológicas também. Estas,
para este estudo, seriam as contadas - ditas oralmente, ou escritas - das quais
extraímos uma forma, uma aparência, mas que eternamente ficariam assim, em um
mundo pessoal e intransferível. Os primeiros livros e revistas não ilustrados já
fabricavam suas imagens antes que os artistas e impressores as transferissem para
22
o papel. Essa última conquista apenas acelerou a curiosidade e também o
imaginário através da combinação da imagem com o texto.
As representações mentais, base para o fabrico da arte, são matéria de uma
série de estudos. De acordo com o professor Arthur Araujo, em artigo para a revista
“Philosophos” (UFG, Janeiro/junho, 2003), este fenômeno começa a surgir como um
tema filosófico de grande importância no estudo da organização da mente e do
conhecimento de nosso cérebro. Há correntes de pensadores, desde Descartes, que
entendem esse fenômeno de várias formas, mas, segundo o acadêmico, “é essa
dualidade entre interno e externo que parece caracterizar o problema das
representações mentais e a dificuldade de determinar a relação entre mente e
cérebro: são mente e cérebro coisas distintas e não redutíveis uma à outra?”
(ARAÚJO, 2003)
Também não sabemos, mas cabe examinar um dos casos da literatura
brasileira em que a imagem, ou a sua curiosa ausência, é o centro de uma proposta
cujo objetivo é entender – como também parece buscar o professor Araujo – alguns
mistérios de nossa mente e alma. Em 1882, em plena maturidade literária, Machado
de Assis produziu um de seus mais deliciosos contos, O Espelho, cujo subtítulo o
próprio autor emendou como Esboço de uma nova teoria da alma humana. Inúmeros
estudiosos da obra machadiana produziram interpretações sobre este conto, mas o
mínimo resumo do que disseram os célebres Raimundo de Magalhães Jr, Lucia
Miguel Pereira, Augusto Meyer, Roberto Schwartz, Alfredo Bosi e Raymundo Faoro,
entre tantos, só faria alongar este capítulo. Vamos, pois, a uma síntese da história
para observá-la a partir do ponto de vista da imagem:
Quatro ou cinco senhores conversavam certa noite sobre assuntos de alta
transcendência. Nada, além de suas próprias verdades, parecia incomodá-los até
que um dos participantes, o mais calado, instado a dizer alguma coisa, resolve
contar um episódio por ele próprio vivido. Jacobina – era o seu nome – afirma
primeiramente que cada criatura humana possui duas almas, uma que olha de
dentro para fora e outra que olha de fora para dentro - o que anima a discussão. A
seguir, relata que na mocidade fora nomeado alferes da Guarda Nacional, um dos
postos mais importantes e cobiçados por rapazes da sua idade. Feliz e com sua
farda na mala, foi inesperadamente convidado por uma tia distante para passar
uns dias em sua fazenda. Lá, a parenta orgulhosa cobre o moço de elogios e
23
rapapés, dando-lhe um quarto e um grande espelho, coisa fina, com moldura de
delfins. Dias depois, porém, ela recebe a notícia de que a filha estava à morte e vai
visitá-la, deixando o sobrinho vigiando a casa; alguns escravos permanecem com
ele, mas logo fogem, abandonando-o. O moço começa a ficar incomodado com a
solidão e busca o espelho para refletir-se, uma tentativa de multiplicar sua imagem
e sentir a companhia de um “outro”. Mas a imagem, com os dias, vai também
perdendo nitidez até sumir, o que deixa o rapaz desesperado. Com o tempo, não
achando mais seu próprio reflexo, ele experimenta colocar a farda de alferes e
mirar-se de novo no espelho. E qual não é sua surpresa ao ver que a imagem
voltara, clara, definida. Era o alferes, e não o rapaz assustado, que encontrava a
sua alma exterior. Com este expediente - finaliza o protagonista da história – pude
atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir.
(O conto faz parte de Papéis Avulsos, Ed. Jacson, 1946; a síntese é do autor)
O conto de Machado de Assis fala da vaidade e da solidão, tratando estes
sentimentos com seu mágico senso de humor e ironia. No meio de tudo, um espelho
como fronteira entre o real e o que esperamos de nós mesmos. Trata-se de uma fina
espetadela na alma do leitor, provando que somos ao mesmo tempo alguém que vê
e que é visto, só as circunstâncias definirão em que pesos e medidas. A imagem
diante de um espelho pode nos pertencer em determinado estado da alma, como
pode representar para nós a maneira pela qual somos vistos por outrem. Isto apenas
provaria que nosso olhar é tão realista como cruel, ou condescendente, e que,
diante de imagens como as de um quadro, nos projetamos também, assim como
fazemos com nosso reflexo. Ainda que o espelho nos devolva o mundo tal como ele
é, mesmo assim, sua duração é episódica, leva o tempo e o momento do olhar, e
não se repetirá como em uma tela ou uma fotografia. Ao observarmos nosso reflexo
no espelho, vemos um quadro com sua moldura e todo o suporte de uma obra
concebida por um grande artista: nós mesmos. É o autorretrato, dinâmico, dentro do
qual nos ajeitamos a cada instante para a crítica ou a consagração. Na história da
arte o espelho é peça decisiva no universo de fabulações representativas, uma vez
que só sua superfície é capaz de conjurar, em um plano – como numa pintura – as
três dimensões da realidade, o que é difícil de imaginar sem o afastamento do corpo
ou a partir da posição original de nossos olhos. O reflexo, é, assim, uma espécie de
quadro vivo cuja imobilidade torna nebuloso o próprio exame. Renè Huyghe, em
Diálogos com o visível (Ed. Bertrand, 1994) diz que
24
A pintura do ocidente deixou-se fascinar, com efeito, por essa superfície de
vidro que tão exata e totalmente capta as aparências do mundo. O artista
pica-se com a emulação. A sua rivalidade exalta-se ao verificar uma
vantagem – a de poder fixar, para sempre, os simulacros de que o espelho
é, tão-somente, um efêmero local de passagem. Esta concorrência, que o
mistério dos espelhos excita, só findará quando o registo mecânico e
definitivo da fotografia lhe der a morte, porque, então, perdeu a pintura a
superioridade positiva que tivera sobre os reflexos fugidios – a duração.
(HUYGHE,1994, p. 94).
Machado escreveu “O espelho” aos 44 anos de idade. Era um estudioso da
literatura e das artes; e conhecia, como sabemos, a história antiga, de onde tirava
inspiração para muitas de suas obras. E isto teria acontecido, com certeza, na leitura
do mito de Narciso, de Ovídio. Muitos pintores produziram obras a partir da lenda,
grega anterior a Cristo. São conhecidos trabalhos de Caravaggio (1571-1610),
Nicolas Poussin (1594-1665), Willian Turner (1775-1851, Jonh Waterhouse (18491917) e, recentemente, Salvador Dalí (1904-1989), que pintaram o tema em muitas
variantes. Entre os que escreveram ficção, incensados pelo mesmo assunto, estão
Andre Gide, Oscar Wilde e Dostoevsky. Por isso, nada a espantar se esta iguaria
machadiana nos chegasse à mesa, com o melhor tempero tropical, nos braços da
mitologia. O Espelho, de Machado, consegue reverter sua condição de texto para a
de imagem, devolvendo ao leitor o reflexo de suas incertezas. Em razão deste sutil
artifício literário, responsável por mudar a relação entre o que se lê e o que se vê, é
que o estudo de seu conto foi incluído neste capítulo. O Espelho, certamente, não
aconteceu à toa na obra do escritor, que era também um sistemático observador do
comportamento humano e das contradições que mostramos sem sentir - ou das que
sentimos sem mostrar. A não-imagem, que aventamos, vai existir vazia como uma
peça de quebra-cabeça cujo lugar se torna difícil de achar em razão de nosso
momentâneo desequilíbrio. Para termos nosso reflexo de volta é preciso desejar que
isso aconteça, obtendo acerca de nós mesmos uma apreciação (qualquer) de valor.
É preciso, também, que o reflexo que nos chega contenha o que supomos os outros
acharem de nós. Este parece ser o mistério nas entrelinhas do conto: sem ninguém
para reconhecer o alferes, para cumprimentá-lo e elogiá-lo a todo instante, o jovem
perdeu o referencial externo, sua imagem, ou, como quer Machado, sua “alma
25
exterior”. Um retrato diante do espectador também faz papel de espelho; a cena de
alguém apreciando um quadro muito se assemelha a de quem está diante do próprio
reflexo, pois a relação entre o artista e seu apreciador contém a mesma mágica: ver
e ser visto.
Tão recíproca como narcísica, pois diante de um quadro é certo que
buscamos compartilhar a beleza de seu tema, participando de uma dança ou de
uma cena histórica no lugar do herói; ou, ainda, fluindo por sobre a obra,
despretensiosamente, como um voyeur na busca de sua fruição. A tela (e não mais
a escultura, com sua terceira dimensão) transforma-se de repente na superfície de
um lago – um espelho - onde o personagem de Ovídio, apaixonado pelo seu reflexo,
deixa-se ficar em funda contemplação, definhando até à morte.
O espelho, como primeira e natural reprodução da imagem, está para história
da arte como instrumento fundamental. Praticamente todos os artistas se ocuparam
dele, transformando seus reflexos em linguagem, tirando destes as mais curiosas
manifestações. Alguns deixaram uma série de exemplos que, mesmo recorrentes,
não deveriam faltar a este estudo. E muitos, como diz Huyghes, não se contentaram
em dominar seu reflexo, “por acréscimo, não apenas reproduzem a sua imagem,
mas ainda a imagem que ele próprio reproduz” (HUYGHES, 1994, p. 95)
Em uma trilha antiga, percorrida pelo pintor flamengo Jan Van Eyck (1390 –
1441), o tema do espelho surge com a graça da tinta a óleo em seus primórdios,
ganhando em qualidade da têmpera e do afresco. Era ele um pintor flamengo, de
estilo detalhado e naturalista, cuja obra mais estudada é O casal Arnolfini. Este
quadro mostra um homem e uma mulher, de pé, e uma série de pormenores que
dão conta dos costumes e da rica posição social de ambos. O que chama atenção
na obra, além dos detalhes finamente captados pelo pintor, é um espelho de forma
circular que fica ao fundo da parede. Nele, num exame mais detalhado, vê-se o
casal de costas e a figura de alguém pintando a cena. É ele, o próprio Van Eyck, que
aparece em seu trabalho, no reflexo, apesar dos diminutos cinco centímetros que
este ocupa no quadro. Que razões teriam levado o artista a eternizar-se por conta
própria em companhia dos ricos Arnolfini? Certamente o orgulho de ter realizado um
trabalho que não deveria ir à posteridade sem algo mais do que a assinatura de seu
autor. E também, por que não?, uma tentativa de atribuir mais reconhecimento ao
artista, que, de modo geral, aparecia como um serviçal de luxo para os poderosos
da nobreza e do mercantilismo.
26
Em “As meninas”, Diego Velazques (1599–1660) posa na verdade ao lado da
família real de Felipe IV, incluindo-se em uma tela de três metros de altura e
ocupando uma disposição privilegiada. Para onde e para quem olha Velazquez ao
pintar “As meninas”? Outros artistas como Luca Giordano (1632–1705), Francisco
de Goya (1746–1828), Jonh Singer Sargent (1856-1925), Salvador Dali e Pablo
Picasso (1881–1973) inspiraram-se em Velazquez e produziram obras de tema
semelhante. A galeria dos espelhos é longa na história da arte, e desde o
Renascimento a pintura está obcecada por este microcosmos. Diz Huyghes:
Houve cidades flamengas em que , no limiar do século XV, os pintores se
agrupavam na corporação dos fabricantes de espelhos.
Em Bruges, a
guilda de S. João associava os miniaturistas aos calígrafos, mas a de S.
Lucas não separava os pintores dos vidreiros-espelheiros. No século XVII,
um Gerald Dou, tão minuciosamente exacto, é filho de um vidreiro. Na Itália,
Leonardo (da Vinci) explica “como o espelho é o mestre dos pintores”
(HUYGHES, 1994, pag. 93)
Rembrandt (1606–1669) fez dezenas de autorretratos, começando-os aos
dezessete anos é só pintando o último pouco antes de morrer. Foi talvez o artista
que mais utilizou o espelho para eternizar-se. Um deles aproxima-se muito da
solitária circunstância descrita no conto de Machado de Assis. Trata-se de “O artista
em seu estúdio”, de 1629, em que Rembrandt se retrata em pé, solitário, diante de
um grande cavalete que reduz ainda mais sua pequena estatura. No quadro, o
artista parece afastar-se para avaliar o resultado de sua tela, que está de verso para
nós, não deixando que saibamos o que pintava. O conjunto, entretanto, parece
sintetizar a verdadeira intimidade do artista com sua obra, iluminando ainda o que
esta poderia representar para o espectador. Neste quadro, podemos ver com
clareza alguns elementos que compõe uma obra de arte: o artista, o que ele faz e
quem vê a obra. A cena, propositalmente, é despida de detalhes: um estúdio tosco e
humilde, em que a iluminação recai apenas na face do cavalete voltada para o
artista. Este - um pouco na penumbra e menor do que sua obra - tem o pincel e a
paleta nas mãos, e uma atitude crítica. Trata-se de um quadro e de uma filosofia,
uma síntese humanista e desapegada das vaidades. Na tela, a grandeza da obra
diante da pequenez do autor é uma síntese triangular da qual nós, observadores,
27
fazemos parte: o jovem Rembrandt parece examinar-se no reflexo da tela que
executa e, ao mesmo tempo, no futuro olhar que deitaremos a ela. Curiosamente,
temos atitude semelhante à do artista ao apreciar seu quadro: somos o reflexo dele!
Rembrandt, 1628: O artista em seu estúdio. 25X32 cm.
Fonte: Boston Museum of Fine Arts (www.mfa.org/)
É possível que Machado de Assis, pelo menos em sua juventude, não tenha
visto uma obra de Rembrandt ou fiel reprodução de algum de seus trabalhos. Não
havia na cidade técnica confiável para reprodução de imagens como essas. Mas a
criação do mestre holandês tem foco semelhante ao dO espelho: tanto Machado
como Rembrandt construíram um triângulo entre obra, autor e espectador, síntese
magistral das grandes manifestações artísticas.
Constatar a arte dos grandes mestres é também perceber a de outros
mestres. Enquanto a reprodução moderna mais se aproxima tecnicamente de seu
original, mais importantes vão ficando as velhas litografias, xilos, talhos-doces e
águas-fortes, impressas para sempre nos papéis amarelados da nossa história. São
no fundo pequenos espelhos em que o homem do século XIX mirava-se a si e a tudo
que crescia à sua volta. O tempo, então, começava a correr, derrubando mitos e
lendas; as imagens aproximavam continentes.
28
Capítulo 2
Técnica, gravura e reprodução da imagem
A reprodução em tempos difíceis
Cabe agora entrar no território da reprodução. Gravura é um termo genérico, e
sua referencia básica é o múltiplo de uma obra de arte reproduzida a partir de
alguma matriz. O que modernamente a difere de outros impressos é o fato de cada
cópia ser única, tirada manualmente dessa matriz, sob controle técnico e estético.
“Modernamente” não entra aqui por acaso, uma vez que em outros tempos – por
questões de tecnologia - cada impresso era também uma gravura pois sua
concepção e tiragem obedeciam a critérios semelhantes, e mesmo iguais, aos que
hoje conhecemos.
“Mas, trata-se aqui de uma reprodução numerada e assinada uma a uma,
compondo uma edição restrita, diferente do pôster, que é um produto de processos
gráficos automáticos, e reproduzido em larga escala sem a intervenção do artista”,
diz o artista plástico e filósofo Mauro Andriole, em artigo para a Casa da Cultura,
(http://www.casadacultura.org.art). Se recuarmos no tempo, podemos comprovar
que a maioria das imagens chegava ao público exatamente desta maneira,
impressas em pequenas quantidades, cada cópia sob vigilância de seus criadores
ou de artistas-impressores, como eram conhecidos aqueles que se dedicavam a
esta fina e delicada atividade. Era mais comum que criador e impressor
trabalhassem juntos, quando não eram a mesma pessoa.
Antes que recentes processos de reprodução chegassem ao Brasil, a tarefa de
realizar uma imagem e copiá-la para o público – em álbuns, estampas avulsas, e
mesmo em revistas e jornais – era competência de pessoas cuja experiência ou
vocação concentrava-se em arte, de um modo geral, e no desenho e pintura,
particularmente. Em muitos casos, como veremos, o trabalho era gerido por artistas
profissionais (estrangeiros na maioria), que traziam sua cultura específica e seus
apetrechos. Mas a necessidade faz escola, e muita gente nascida no Brasil acabou
participando desse trabalho como aprendizes, ajudantes e depois realizadores. No
século XIX, após a Independência e durante o início do segundo reinado, o mercado
gráfico da imagem era alimentado por pequenos ateliês e alguns prelos; muitas das
29
publicações tinham poucas dezenas de cópias, tiragem semelhante às de gravuras
atuais. A diferença, talvez, é que não eram produzidas com ajuda da luz elétrica,
com tintas de qualidade, boas máquinas e nem ostentavam qualquer assinatura,
uma a uma, como hoje.
O fato de haver cópias da mesma imagem, nada tem a ver com a
questão de sua originalidade. Ao contrário disso, a arte da gravura
está justamente na perícia da reprodução da imagem, na fidelidade
entre as cópias, este é um dos fatores que distinguem o artista
gravador (ANDRIOLE, 2008).
Alguns dos magistrais trabalhos produzidos nesta época servem para dissolver
certas cristalizações de que arte só pode ser achada em endereços famosos ou em
grandes coleções. No caso das reproduções gráficas, os fatos mostram que muitas
serão originais apesar de tudo.
2.1 – Processos gráficos e definições
Em 1845, no meio do século XIX, um desconhecido francês que vivia no Rio
de Janeiro colocou nos jornais um curioso anúncio sobre os serviços gráficos que
prestava. Tal anúncio, o da Officina de Omniographia, Pintura e Colorido, continha
em seu texto uma síntese de toda a confusão e desconhecimento sobre as técnicas
de impressão e demanda por este tipo de trabalho na época (e, de algum modo,
ainda hoje). Informava o tal francês que sua oficina era dirigida pelo próprio inventor
da “omniografia”, e que ali se imprimia todos os caracteres, fixos ou móveis, todas as
chapas de fundo ou de relevo, em metal, pedra ou madeira, para quadros, música e
livros, letras de câmbio, faturas, rótulos, cartões de visita, etc. Além disso, o anúncio
prometia colorir ou dourar qualquer estampa, retrato, paisagem, mapa e outras
imagens gráficas, garantindo tornar indeléveis os desenhos de fumo feitos à mão. A
Officina também oferecia a pintura de retratos – realizados à vista do natural –
coloridos e com semelhança garantida.
Tão ou mais significativo neste anúncio, coletado por Orlando da Costa
Ferreira e sem outra pista bibliográfica além de sua citação em Imagem e Letra:
30
Introdução à Bibliologia Brasileira: A Imagem Gravada. (2ª edição. Edusp, 1994, p.
453), vem nas linhas seguintes, quando seu autor fala da nascente fotografia, que se
incorporava aos poucos à realidade daquele momento: “fazem-se também cópias
pintadas ou estampadas tiradas pelo daguerreótipo, emendando os defeitos que
esta invenção, ainda que admirável para a reprodução de objetos inanimados, deixa
quase sempre na pintura da natureza viva”.
Os nebulosos termos do anúncio podem, curiosamente, iluminar algumas
dúvidas sobre o confuso panorama da época no aspecto das artes gráficas. É que
através dele será possível traçar um breve quadro das técnicas empregadas na
multiplicação de originais, assim como as limitações encontradas por artistas e
impressores brasileiros que apenas adolesciam em relação ao que já se fazia outro
lado do Atlântico. Em alguns casos, entretanto, a corrida teve bons momentos,
quando algumas técnicas consagradas na Europa foram rapidamente aqui adotadas,
principalmente em relação à litografia e à própria fotografia.
A confusão gerada pelos termos, aliás, parecia ser um bom achado para
muitos comerciantes, que publicavam – ou inventavam – palavras desconhecidos
para um público despreparado para o consumo mais refinado, caso das estampas e
outras obras gráficas. Avisos de que máquinas eram “movidas a gás”, por exemplo,
indicavam o estágio técnico de uma empresa, sua eficiência e rapidez, enquanto o
trabalho físico de movimentar os prelos era entendido como atraso tecnológico.
Entremeando-se francês e até mesmo latim em seus anúncios, os publicitários da
época deviam apostar na carência de um povo que bracejava por logo pertencer ao
doce grupo dos iniciados no progresso. A atividade gráfica, desnecessário lembrar,
sempre foi um indicador de cultura e refinamento, revelando o quanto uma
sociedade está integrada ao conhecimento e ao resto do mundo.
Destaque-se, no anúncio de 1845, que ele imprimia todos os caracteres, fixos
ou móveis. Isso quer dizer que a Omniographia (certamente uma panacéia para
resolver múltiplas demandas desta ocupação) trabalhava com a xilogravura e com a
tipografia, considerando que caracteres fixos podiam ser aqueles maiores, cortados
na madeira ou importados para imagens prontas ou para se fazer grandes títulos. Os
móveis, por sua vez, se prendiam à composição manual conhecida, a partir de tipos
metálicos. De fato, as tipografias foram as primeiras oficinas a produzir impressos no
31
país desde que aqui chegaram, antes mesmo da família real, em 1808, mas que
tiveram franco crescimento a partir desta data. No início, o termo “tipografia”
designava qualquer forma de trabalho gráfico, só aos poucos outras informações
foram acrescidas ou incorporadas, como “litografia”, “ateliê” “editora”, etc. As
impressoras tipográficas e litográficas do meio do século, mais desenvolvidas,
vinham da Europa, imprimiam folha a folha e a maioria era movida manualmente.
Impressoras tipográfica e litográfica dos meados do século XIX.
Fontes: http://www.portalsaofrancisco.com.br e http://2.bp.blogspot.com
.
A segunda menção no curioso anúncio é que a tal oficina também imprimia
todas as chapas, “de fundo e de relevo”, significando que trabalhava provavelmente
com o talho-doce e com água-forte. As técnicas, aqui, podem identificar que a oficina
tirava imagens a partir de chapas de metal, vazadas a buril ou mordaçadas pelo
ácido.
No primeiro caso, o do talho-doce, tinha-se mais trabalho uma vez que depois
de cortadas pelo artista com instrumentos finos e de grande precisão, a chapa
recebia a tinta, que a seguir era raspada, ficando depositada apenas nas incisões
feitas pelo gravador. O passo seguinte na reprodução das chamadas gravuras a
entalhe era umedecer o papel e prensá-lo fortemente contra a chapa, fazendo com
que a tinta aderisse à sua superfície, o que resultava em um leve relevo depois de
seco. O termo “de fundo” empregado no anúncio, queria dizer que a matriz era uma
chapa de metal aberta para impressão negativa, ou seja, a tinta depositava-se
32
abaixo da sua superfície, colando-se ao veículo (à mídia, modernamente) ao ser
impressa.
Mas nossa Omniographia parecia ser completa, na duvidosa hipótese de que
podia fazer de tudo com a perfeição anunciada. Ela também tirava cópias a partir de
chapas “em relevo”, outra técnica importante para o estudo das imagens impressas.
Em relevo não devia ser outra coisa senão água-forte ou xilogravura, ou ainda
qualquer meio através do qual se obtinha a imagem acima da superfície da chapa. É
o que mais se aproximaria do clichê, artefato obtido bem depois e a partir de novos
materiais, luz elétrica e equipamentos fotográficos mais modernos. A gravura à
água-forte é conseguida depois de se submeter uma chapa metálica à riscadura (ou
remoção definida de uma camada de verniz, ou substância graxa), deixando que
uma mistura de ácidos corroa o metal nos lugares em que se decidiu não proteger.
Assim, as partes rebaixadas pela mordaçagem do ácido não imprimirão; só as
protegidas poderão receber a tinta de impressão. Tirar cópias de águas-fortes é
mais simples que de talhos-doces, pois o resultado é imediatamente obtido depois
da pressão sobre o papel, não sendo necessária a ação de raspar a tinta para nova
tiragem. É preciso dizer que tanto o rebaixamento pelo ácido, como o trabalho de
sulcar a chapa de metal podiam ser feitos em um mesmo original, usando-se meios
distintos para se obter certos resultados estéticos. As cores poderiam ser obtidas em
áreas definidas durante a impressão ou depois, através de pintura sobre as cópias,
como na água-tinta seguinte.
Água-tinta de Felix Emile Taunay. Aclamação de D. Pedro I, 1822 ?. 39X47 cm.
Fonte: http://objdigital.bn.br
33
No caso de tiragens de mercado era mais comum o uso de uma só técnica. Se
completa, como anunciava, a oficina também poderia imprimir a partir do zinco,
material que respondia bem ao rebaixamento pelo ácido, principalmente se a
necessidade fosse a reprodução de linhas em tons absolutos. E, com efeito, o
anúncio falava em mapas, cuja preparação sobre esta chapa se revelava
apropriado. O zinco, tratado depois à maneira litográfica, dava excelentes resultados
nesse particular, tendo sido usado bem antes, ainda no tempo do Rei, pelos artistas
que imprimiam nas oficinas do Arquivo Militar (ver capítulo 4).
Relevo e vinco em papéis de segurança, como dinheiro e outros impressos
fiduciários (letras de cambio, alguns recibos, diplomas e registros de posse) eram
outros desafios da época. Para evitar falsificações, existiu um tipo de impressão que
nossa gráfica em questão deveria fazer, levando em conta a imensa capacidade que
pregava. Chamava-se Impressão a Congreve (homenagem a seu inventor, inglês,
que a aperfeiçoou em 1819). Consistia em pressionar o papel entre duas chapas
metálicas – macho e fêmea – obtendo-se assim um relevo palpável que era
impresso a seguir, preferencialmente em mais de uma cor. Lembre-se que, no
anúncio estudado, seus autores falavam em “letras de câmbio”, “faturas”, “rótulos”...
Além de metal, “pedra ou madeira”, dizia o impressor francês através de
revistas e jornais de 1845, como o “Almanaque Laemmert”, informativo que
começara a circular na capital do Império um ano antes e que iria até à Proclamação
da República. Pedra ou madeira, simples designações para litografia e xilografia,
que pouco tinham em comum entre si, mas que eram proclamadas juntas em função
do material que servia de suporte aos originais de impressão. A madeira é a mais
antiga no cenário da reprodução de imagens, não sendo necessário entalhes mais
profundos acerca da origem das xilogravuras. Mais proveitoso será apresentá-la
mais tarde, depois dos anos 1850, como grande opção para originais de fino
acabamento e que precisavam de minúcias na execução; e, principalmente, para
compor impressos que pudessem reunir, numa só face do papel, a sonhada
combinação de texto e imagem, difícil em um tempo em que o primeiro era obtido
com os resistentes caracteres tipográficos, de metal, e a segunda através de
materiais menos resistentes. Assim, a xilogravura tradicional, feita com a madeira
deitada (entalhada a fio, no sentido longitudinal de suas fibras), era utilizada com
sucesso de modo diferente: em pé, ou de topo (numa porção transversal ao tronco
da árvore), entalhando-se o desenho a buril, como no talho-doce. A fibra da madeira,
34
assim, é mais unida e resistente, possibilitando ser montada na altura dos caracteres
tipográficos e imprimir imagens sem o rápido desgaste das xilos a fio ou das chapas
de cobre. A madeira utilizada fazia a diferença, sendo o buxo europeu um dos mais
indicados à reprodução gráfica em razão de sua resistência e facilidade de trabalho.
Mas se tratava de material caro aos artistas gravadores, muitos dos quais buscavam
nas madeiras nativas uma opção de sucesso, entre elas o guatambu, o pequiámarfim, a peroba-rosa, etc. Como exemplo, a xilogravura abaixo, de autoria do
italiano Cattaneo, retratando uma cantora lírica da época para a revista “Rua do
Ouvidor”.
Giovanni Cattaneo, 1889, Armanda Degli, xilogravura
Fonte: Ferreira, p.207
De qualquer modo, o tipo de madeira escolhido cingia-se ao projeto do artista,
que muitas vezes achava melhor usar os veios e os acidentes naturais do material
para tirar proveito estético de sua obra. A xilo de topo era tanto uma opção para
projetos artísticos, como base para a tiragem de cópias pelo método tipográfico,
sendo aí utilizada como uma forma de clichê.
Cabe também registrar que se obtinha a matriz de impressão através da
politipagem, uma antiga invenção que transferia para o metal o resultado de uma
xilogravura. Para isso, era bastante verter o metal sobre o taco de madeira, obtendose uma espécie de contra-forma, ou um carimbo. A técnica ficou conhecida também
35
como estereotipagem, muito usada quando a durabilidade da matriz era necessária
a tiragens maiores. Inicialmente, foi usada para fazer vinhetas e enfeites móveis a
serem impressos por tipografia mas também serviram para a reprodução de imagens
maiores. Estratégia semelhante foi a de se obter outra matriz através da
galvanoplastia, ou seja, uma chapa metálica, tirada por eletrólise, de um original
montado que podia conter textos e imagens. Era um processo ainda importado, mas
que os Laemmert afirmavam fazê-lo em suas instalações industriais, em 1884.
Muitas imagens publicadas no Brasil da época, como modas, paisagens e
retratos, eram resultado de estereótipos estrangeiros, comprados por nossos
gráficos depois de usados em seus países. Paula Brito (ver capítulo 4), um
contemporâneo da Omnigráphica, já importava essas chapas para sua Marmota
Fluminense, quando não encartava na publicação imagens coloridas que mandava
vir, já impressas, de Paris.
Ainda tomando a oficina do Rio de Janeiro como condutor deste capítulo,
chegamos à pedra e por extensão à litografia. O que era e o que representava a
litografia para a época? O Brasil não perdera muito tempo entre a invenção da
litografia – pelo theco Alois Senefelder (1711-1834) – e sua revolucionaria
introdução na França, pouco depois de suas primeiras demonstrações, em 1798. O
processo abriria as portas para as artes gráficas na questão da qualidade e
similitude das imagens, uma vez que sua manipulação era mais rápida; e a base da
gravação - a pedra calcária - podia ser reaproveitada várias vezes. Foi a litografia,
que chegou ao Brasil na segunda década do século 19, trazida pelo francês Arnaud
Julien Palliére, a responsável pelo grande tesouro de imagens sobre o Rio de
Janeiro e também de outras partes do país, reconstituindo um momento histórico de
raríssima beleza para a arte e sua reprodução. Como matriz para impressão
profissional, a litografia veio até os primeiros anos do século 20, sendo substituída
pelo processo offset, revolucionário, mas cujo princípio é absolutamente o mesmo.
Em poucas palavras, a litografia é um método de tirar imagens baseado na
repulsão química entre a gordura e a água. Além disso, é um modo planográfico,
como tantos, em que a matriz é plana: depois de receber a tinta, o papel é pousado
sobre ela e prensado com um rolo ou por outra superfície, ocasionando a
transferência da imagem. A novidade na litografia era a obtenção de meio-tons
perfeitos através do desenho feito à lápis ou a pincel na superfície da pedra, que
depois era tratada para separar a parte desenhada da sem-imagem, equivalendo
36
esta ao branco do papel. A pedra era importada da Alemanha, principalmente, e
pesava muito: um pequeno bloco com pouco menos de dez centímetros de
espessura e meio metro de lado podia ter mais de 100 quilos, mas a fidelidade do
que se produzia sobre ela era absoluta. Com o tempo, algumas opções foram
surgindo no seu uso, como a transferência de imagens diretamente de um papel
para a pedra através de uma tinta especial usada pelo artista. Depois de tratada
para impressão, a matriz suportava boas tiragens com a mesma qualidade, muito
embora toda a operação – do desenho ao acabamento da peça – precisasse de mão
de obra preparada e de grande apuro, uma vez que deveria também reproduzir o
padrão estético da época.
Todo o trabalho de impressão, aliás, era conduzido por gente que conhecia
arte, alguns com mais intimidade (pintores e gravadores), e por outros, que
rapidamente aprendiam como manipular originais e transferi-los para as matrizes. Os
franceses e os alemães, que detinham as técnicas e traziam as engenhocas para o
trabalho, eram os mais conhecidos, embora inúmeros outros estrangeiros se
despencassem para cá na busca de sucesso financeiro, profissional, e mesmo por
aventura e curiosidade, já que o Brasil significava também a busca de novos
conhecimentos e chances junto à corte e aos governos regionais. Não é fora de
propósito que a oficina em questão fizesse de tudo, como sugere o nome, inclusive a
litografia, que àquela época representava a maioria dos estabelecimentos gráficos
do Rio de Janeiro. Relembre-se que uma página de jornal, por exemplo, podia ter as
imagens em litografia, voltando o papel à máquina tipográfica para se imprimir o
texto; assim apresentava-se a recorrente diagramação da época, que carecia às
vezes de três entradas em máquinas para cumprir o mínimo padrão de qualidade
gráfica. Os jornais, em sua maioria, precisavam de tempo para serem impressos, e
muitos podiam ter apenas dois números semanais. No próximo exemplo, notar que o
cabeçalho do jornal e sua ilustração principal foram feitos separadamente, com
certeza em tipografia e em litografia.
37
O Brasil Illustrado, de maio de 1855, com o Barão de Mauá na capa.
Fonte: http://objdigital.bn.br
A promessa de “colorir ou dourar qualquer estampa, retrato, paisagem (...)”,
garantindo tornar indeléveis os desenhos de fumo feitos à mão, enseja uma
explicação sobre o momento que as artes gráficas viviam. Os procedimentos
descritos significavam o início de futuras conquistas, em que o trabalho do artista
finalmente migrava do envolvimento físico com a obra para um planejamento cada
vez mais distante das tintas de impressão. A cor foi outra difícil conquista quando se
fala na reprodução gráfica das imagens visando aproximá-la cada vez mais de um
original ou de uma tela. Era comum que os ateliês e estabelecimentos gráficos
colorissem artificialmente as cópias depois de prontas. Para isso era usada a
aquarelagem, ou seja, pincelava-se algumas tintas à base de água sobre as cópias,
avivando as cenas de mar, montanha, vegetação, roupas, etc. O efeito era
excelente, mas o custo imenso, considerando que a mão de obra empregada era
escassa e nem sempre a produção tinha a regularidade necessária. O método,
notavelmente descrito pelo designer e pesquisador Joaquim Marçal Ferreira de
Andrade (in Impresso no Brasil, 1808-1930, org. Rafael Cardoso, Ed. Verso Brasil,
38
RJ, 2009), pode ser comprovado em dezenas de estampas do acervo da Biblioteca
Nacional, de museus e de coleções particulares:
A técnica mais comum era da estampilha ou pouchoir, nome dado às
próprias estampas assim obtidas. Primeiro imprimiam-se os contornos
e sombreados do desenho, em preto, e depois as cores eram aplicadas
à mão, com tinta de aquarela, utilizando-se um estêncil (pouchoir, em
francês) para cada cor. O estêncil consiste em uma folha de papel,
cartão ou metal, que recebe um determinado recorte ou perfuração de
modo que, ao ser colocado sobre uma superfície e passando-se tinta
por cima, reproduz a forma vazada. (ANDRADE, 2009, p. 51).
Entende-se, portanto, como imagem colorida aquela que representa os tons
encontrados na natureza e não apenas a simples impressão de uma imagem com
outra tinta em lugar do preto (ou “fumo”), segundo nossa oficina de 1845. A escalada
para chegar às cores, aliás, já começara há uns 20 anos dessa data, quando os
gráficos perceberam que a porosidade da pedra litográfica poderia reter meio-tons
semelhantes a uma retícula, e que, imprimindo-se outra cor por cima da anterior, o
resultado era um terceiro tom resultante de simples fusão ótica. Ainda assim eram
necessárias três ou quatro passagens na prensa para que o efeito chegasse a
convencer. Alfred Martinet, um dos maiores artistas gráficos da época, preferia
aquarelar suas paisagens, método mais barato que a múltipla impressão de cores:
Alfred Martinet, 1847. Cemitério
Inglez na Gamboa. 33X50 cm.
Litografia aquarelada
(bndigital.com.br)
39
Artistas e impressores europeus, porém, já experimentavam o que se
convencionou depois chamar de separação de cores, reduzindo-se todo o processo
a quatro tiragens, uma a cada cor (magenta, cian e amarelo, e depois o preto), que,
em proporções e direções adequadas sobre o papel, refaziam o espectro da luz e
reproduziam com fidelidade as cores naturais. Mas o tempo não corria como hoje, e
as conquistas chegavam mais tarde, ainda que aqui os estrangeiros que se
ocupavam do trabalho andassem depressa para apresentá-las ao público. Deve ter
acontecido o mesmo com a Omniográfica, que não citou o termo “cromolitografia”
(só cunhado depois) para designar esse processo. Pouco antes, em 1843, a
publicação Minerva Brasilliense, impressa nas oficinas de Heaton & Rensburg, no
coração do Rio de Janeiro, publicava o que seriam as primeiras estampas
cromolitografadas no Brasil: o desenho de dois beija-flores, pintados pelo naturalista
francês Jean Theodore Descourtilz, há anos pesquisando pássaros por aqui.
Beija-flores. Jornal Minerva Brasiliense,
de 1843.
(Fonte: Impresso no Brasil, 1808-1930,
org. Rafael Cardoso, VersoBrasil,
2009)
Não era novidade, então, que os impressores da metade do século XIX
conseguissem verdadeiros milagres ao transportar para as chapas metálicas ou para
a pedra litográfica as imagens que tanto informavam, emocionavam e ensinavam ao
público da maior cidade do país. Mas é preciso repisar que os custos eram grandes
e que o resultado de tais esforços chegavam apenas a uma elite de formados,
fazendeiros, pequenos industriais ou de pessoas ligadas à corte imperial, que
40
podiam pagar por álbuns coloridos com vistas da cidade, ou mesmo mandar que
artistas “abrissem” seus próprios retratos a buril, goiva ou estilete (em metal e
madeira), e ainda com pincéis, lápis litográfico ou esfuminho (na pedra calcária).
2.2 - Fotografia, um novo enfoque
Resta, finalmente, a alusão à fotografia, feita pela velha gráfica em estudo. A
novidade surgira na Europa há apenas seis anos, em 1839, e seu sucesso já
acontecia no Brasil. A promessa de que fazia cópias pintadas ou estampadas a
partir de daguerreótipos, “emendando” os defeitos que a recente invenção não
conseguia esconder, é o retrato vivo de um momento singular no estudo de nossa
história gráfica. É, com certeza, o ponto divisionário entre a reprodução obtida com
arte (e do envolvimento físico na confecção da imagem), e de seu domínio a partir
de meios impessoais, mais próximos de um estágio técnico a que queríamos
rapidamente chegar. O texto do anúncio, se analisado mais fundo, deixa entrever
certa defesa dos métodos tradicionais, que pareciam sofrer a ameaça da novidade
inventada na França pelo também pintor Louis Jacques Daguerre. De fato, as cópias
fotográficas da época perdiam em definição para os desenhos executados pelos
artistas, que além de copiá-las com engenhosidade e gosto, produziam
acabamentos que só depois seriam suplantados pelo próprio desenvolvimento da
técnica. Era mais frequente a utilização da fotografia como suporte para um
desenho, que passava assim à madeira, à chapa metálica ou à pedra litográfica,
obtendo-se maior gama de detalhes, principalmente na definição das linhas que
limitavam objetos e acidentes físicos. As dificuldades na obtenção de tons médios,
contrastes e maior clareza faziam da fotografia, a esse tempo, um meio importante
mas também intermediário de se obter imagens.
Além disso, a reprodução da
fotografia a partir de um negativo não era tão simples uma vez que este prestava-se
inicialmente a fazer uma cópia ou pequena quantidade. Como se sabe, apenas entre
1840 e 1850 foi possível produzir negativos e cópias além dos daguerreótipos.
Estes, vale lembrar, consistiam de uma única lâmina, em cobre, revestida de fina
camada de prata onde eram fixadas as imagens.
Outra forma de se reproduzir esses registros – e que a Omnigraphica deixou
de lembrar - era colar o negativo, obtido do colódio úmido, sobre uma placa escura
para que a imagem pudesse surgir na reflexão da luz ambiente, conferindo a
41
impressão visual de positivo, ou simplesmente expor uma placa metálica
sensibilizada diretamente na câmara. Eram os ambrótipos e os ferrótipos, que
chegaram às últimas décadas do século, saudosos, guardados em álbuns de família
e por dedicados colecionadores. O papel utilizado no positivo a partir de 1850 era o
albuminado (uma solução que recebia clara do ovo), de vida curta, pouca definição e
que amarelava rapidamente. Houve casos de revistas impressas na época que
colavam fotos em suas páginas, talvez simulando impressão, mas as tiragens eram
pequenas e as fotos desapareciam com o tempo.
A melhor tentativa de reproduzir fotografias antes dos sistemas fotomecânicos
(o clichê tipográfico) foi a fototipia, técnica usada nas últimas décadas do século XIX,
que conseguiu a façanha de fixar meios-tons de maneira contínua, ou seja, sem o
uso de uma retícula. Obtinha-se a fototipia a partir da gelatina bicromada, uma
espécie goma sobre a qual era exposta a imagem fotográfica. Ao secar sobre uma
placa de vidro ou metal, essa matéria solidificava diferentes texturas segundo cada
tom da imagem projetada, transformando-se num carimbo de excelente definição. O
problema dessas matrizes, no entanto, era a resistência: não duravam depois de
algumas dezenas de impressões, o que os tornavam inúteis para maiores tiragens.
Marc Ferrez é um dos nomes principais dessa fase. Tendo iniciado a vida
profissional na Casa Leuzinger, Ferrez abre seu próprio negócio em 1867,
trabalhando justamente com a fototipia e seu desenvolvimento. Foi responsável pela
documentação de vistas do Rio de Janeiro e de fatos marcantes de sua história,
como a Revolta da Armada, entre 1893 e o ano seguinte.
Adiante, curioso anúncio em que as fotos, no estilo antes e depois, foram
coladas em página de um dos números do Jornal das Famílias, em 1875.
Jornal das Famílias, 1875 - Anúncio de creme de beleza.
Fotos coladas na página litografada.
Fonte: http://www.almanaquedacomunicacao.com.br
42
Só quando a fotografia pôde ser infinitamente multiplicada a partir fim do
século – e reproduzida facilmente pela máquina - é que os domínios do velho artista
gráfico e do artesão da imagem ficaram comprometidos. A caminho da maturidade,
a técnica foi na verdade um rolo compressor sobre as formas até então vigentes de
se obter vistas, retratos e outros registros. Muitos dos desbravadores da imagem
voltaram a seus países, desapareceram ou mudaram de método, adotando a
novidade de forma criativa para continuar na vocação e o nos negócios. Mas o
resultado do buril, da goiva ou do lápis do artista, ainda que multiplicado, tinha uma
alma (seria o tal hic et nunc de que falou Walter Benjamin?), que tocava o coração
do homem do século XIX muito antes de fisgar-lhe a razão sobre a fria e desiludida
aparência das coisas.
2.3 - Novos artistas, novos processos
O que se pode concluir sobre as técnicas de reprodução gráfica no século XIX
é que seu crescimento foi rápido, embora tenha passado por uma fase romântica,
responsável por uma indefinição de méritos, o que misturou, em matéria de imagem,
a criação artística com sua multiplicação. Se eram nebulosos os limites entre o
artista e o gráfico, é fato que estes se completavam na realização de seu trabalho.
Era natural que iniciados, amadores, ou ainda artesãos fossem os mais capazes em
criar, copiar e reproduzir imagens em um tempo em que tudo nos chegava de fora.
Artistas e impressores estrangeiros viraram referência em nossa história gráfica,
encobrindo o mérito de muitos que sequer assinaram suas obras, muitas de grande
valor. Vários brasileiros não tiveram seus nomes conhecidos, mas com certeza
rasgaram chapas e lavraram heroicamente as pedras que nos contam hoje essa
história.
Ao fim dos oitocentos começaram a surgir outro tipo de artista - os primeiros
“designers” - que descobriam um diálogo entre o metal dos caracteres tipográficos e
sua combinação com o clichê – fotográfico ou artístico -, ensejando o que hoje
chamamos de “projeto”. A maioria já era formada de compatriotas que não sujavam
mais as mãos de graxa e nem precisavam tanto ir às oficinas, preferindo suas mesas
repletas de papéis quadriculados, réguas para diagramação e nanquim para leves
desenhos ou cometimentos mais cerebrais. São dessa época Calixto Cordeiro (K.
43
Lixto), Raul Pederneiras, J. Carlos, Julião Machado e tantos outros, que entraram no
século XX vendo a débâcle dos padrões europeus diante de um novo grafismo, mais
pragmático e norte-americano. Os meios de comunicação já podiam exibir
fotografias impressas de grande qualidade, além de desenhos e composições
coloridas que mudavam a percepção das coisas, dinamizavam a informação, o
aprendizado e a simples fruição do que se via sobre o papel. A velha arte das
gráficas, das pedras e das chapas de fundo ou relevo, era finalmente substituída
pela ordem imposta pelo mercado de massa; a rotogravura, o offset e outras
evoluções empurraram para o interior e para os pequenos bairros do Rio as oficinas
que antes eram referência do país e de sua memória. Às portas do século XX, havia
pouco lugar para as Omniographias do passado, onde se imprimia um Rio de
Janeiro e sua gente com a pena da arte e a tinta da saudade2.
2
- Referência literária a Machado de Assis, no prólogo da terceira edição de “Memórias Póstumas de
Brás Cubas”, na qual diz: “Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil
antever o que poderá sair desse conúbio”
44
Capítulo3
Paisagem e documento
A cidade representada; seus cantos, encantos e recantos
Muitos fatores estão ligados à vinda de artistas e de gráficos ao Brasil, dando
início ao que se tornaria a próspera ocupação de produzir e reproduzir imagens. Os
motivos mais conhecidos, e esperados, ligam-se ao desejo de construir fortuna,
reconhecimento e futuro em outras terras, muito embora a simples curiosidade e a
sensação de aventura possam ter contribuído para a chegada de muitos deles em
terras brasileiras. Como visto, a maioria desses profissionais era estrangeira e
composta de empreendedores – vários eram artistas e negociantes ao mesmo
tempo – e chegaram ao longo da primeira metade do século XIX. Mas outras
motivações, da vinda e do que aqui produziram artisticamente, estão ligadas ao
momento por que passava a Europa, tanto em questões políticas como econômicas
e culturais. Viajar, segundo Lilia M. Schwarcz, em seu O sol do Brasil: NicolasAntoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de D. João
(Companhia das Letras, 2008), era quase uma obrigação para os artistas europeus
do século XIX, que alargavam assim sua compreensão de mundo. A experiência
refletia, também, o trabalho do artista, cujo sucesso no mercado da época dependia
de alguma erudição e, seguramente, de tintas novas para agradar a diversidade de
gostos e de convicções que surgiam.
Além disso, o conjunto dos acontecimentos durante e depois da Revolução
Francesa mudaram o rumo da vida cultural em vários países, alterando também
certas percepções estéticas, o que dirigia a arte e sua produção para novos
horizontes. Com a queda da monarquia francesa – cujos reflexos se espalharam
imediatamente por todo o continente e colônias – novas interpretações também se
tornaram possíveis no campo político, sobretudo no que se refere ao sentimento de
nacionalidade. A produção da imagem, seja através da pintura ou de qualquer outro
meio, sofreria um grande impacto a partir de novas correntes de pensamento que se
estabeleciam na Europa e no resto do mundo. E, como não poderia deixar de ser, os
artistas foram os primeiros a perceber, interpretar e realizar esse novo movimento,
que aos poucos libertava-se das determinações da nobreza e de antigos regimes,
inclinando-se para demandas mais populares.
45
A arte acadêmica francesa, por exemplo, era regida pelo neoclassicismo ao
tempo dos reis. Anos depois, Napoleão Bonaparte também adotou e protegeu
artistas, exigindo em troca que sua figura fosse a de um herói racional, justo e
soberano. Muitos artistas, entre eles os que chegaram ao Brasil na Missão Francesa
de 1816, tomaram parte do Ancien Régime e, depois, da corte napoleônica,
buscando inspiração na antiguidade clássica para representar o imperador como um
deus mitológico. No entanto, mesmo antes das derrotas e da morte de Napoleão, em
1821, a arte praticada na França já sofria alterações, uma delas na representação
da Paisagem, à época gênero menos considerado que o de História, mas que ia
ganhando importância de acordo com ideais românticos de individualismo,
subjetividade e nacionalidade que rapidamente começavam a grassar.
O romantismo, que teve diferentes matizes em relação aos movimentos
artísticos europeus, pregava uma reação ao racionalismo e ao neoclassicismo,
vigentes como filosofia e arte. Uma outra visão de mundo, centrada nas utopias,
marcava o surgimento de correntes que viam na natureza – e por extensão a
composição da paisagem – um elemento sublime na construção de sonhos e
quimeras. A representação da paisagem, a partir da França e suportada por outras
correntes européias, ganha contornos mais imaginativos, deixando de ser um pano
de fundo ou uma composição que apenas emoldurava o poder e a história. Às portas
do século XIX, a paisagem transformava-se em sinônimo de nação, e seus
contornos começavam a designar a terra e as características políticas e emocionais
de um povo. Como diz Schwarcz,
O modelo acadêmico saía do processo revolucionário com sua estrutura
“sacudida”, e um dos primeiros resultados foi uma certa alteração na
hierarquia dos gêneros. Mais particularmente a pintura de paisagem
mudava sensivelmente de posição no mundo das artes acadêmicas e
adquiria nova relevância. Se o gênero da paisagem continuava sendo
inferior ao de história, era não obstante muito tradicional e o seria ainda
mais, ao passar a identificar-se com o discurso de identidade nacional em
inícios do século XIX. (SCHWARCZ, 2008, p. 119)
As novas motivações decerto influíram não apenas no trabalho da Missão
Francesa como também no que produziram outros artistas que aqui chegaram
durante as primeiras décadas dos oitocentos. As paisagens a partir de então
produzidas e reproduzidas, notadamente as do Rio de Janeiro, sede política e
46
administrativa do país, deixam entrever os sinais de novo tratamento, que integrava
a cidade à sua exuberante natureza. Esta, certamente, foi (e ainda é) uma das
conjugações mais fortes e duradouras na história da representação da imagem
urbana em todos os tempos. A surpreendente geografia carioca, cortada pelas
montanhas, em sereno convívio com o mar, rios, lagoas e florestas, encantou os
recém-chegados, que certamente identificavam um éden, nacional e possível, sob
uma luz tropical que também não conheciam. Alguns dos panoramas do Rio de
Janeiro, feitos a buril, água-forte, lápis litográfico e por outras técnicas, podem ser
considerados uma síntese da influência romântica nas artes do século em estudo,
principalmente em sua primeira metade e um pouco depois.
Do ponto de vista econômico, a Independência (1822) incensava outras
mudanças, como a substituição das exportações da cana-de-açúcar pelo café, muito
embora o país dependesse de tecnologia externa, mais elaborada, para o seu
crescimento. Mas é fato, entretanto, que aos poucos se formava um estamento
pensante e mais participativo politicamente. Seus participantes, que certamente já
pressentiam um futuro para o país, formavam um público crescente que consumia
essas e outras representações, alimentando um mercado que atraía artistas,
negociantes e produtores de arte, entre eles os gráficos. O segundo reinado, por sua
vez, assistiu ao crescimento do número de oficinas com esta especialização, ao
mesmo tempo em que via o avanço das técnicas de reprodução de texto e imagem,
e o surgimento de um promissor mercado editorial.
3.1 – O olhar estrangeiro
As vistas e panoramas do Rio de Janeiro amalgamavam-se ao espírito
romântico dos artistas que aqui chegavam em busca de oportunidades. As
primeiras, de cunho oficial, foram certamente encomendas da administração pública,
mas já mostravam paisagens arrebatadoras da cidade. Aos poucos, um mercado
para essas vistas foi crescendo a ponto de tornar-se excelente negócio, uma vez
que a raridade e o acabamento das obras – que por questões técnicas não podiam
ter muitas cópias – proporcionava bons lucros a seus realizadores. A reprodução
dessas vistas era feita na Europa - principalmente na França, mas também na
Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos - a partir de desenhos colhidos aqui e que
47
muitas vezes tinha a supervisão de outros gráficos e editores. Poucos impressores
fora do país - desenhistas, litógrafos e abridores em pedra e metal - conheciam de
vista as imagens que imprimiam. Isso era feito a partir de croquis, de informações
por escrito e até com ajuda da memória de viajantes, o que muitas vezes tornava as
gravuras imprecisas e improváveis. É o caso, por exemplo, da gravura do pintor
Henry Sargant (1795–1837) impressa na Inglaterra em 1820, mostrando os arcos da
Lapa, a Rua Matacavalos (hoje Riachuelo) e o Convento de Santa Teresa. Alguns
dos elementos são bastante desproporcionais, dando a nítida impressão que seus
finalizadores não conheciam realmente o lugar, ou mesmo que o autor do registro
original não lembrava mais dele.
–
Henry Sargant, 1820 “Rio-de-Janeiro: part of the Aquaduct, with the street calded mata cavalos seen through of
the Arches the building upon the Hill is the Nunnery of Santa Thereza. 23x18 cm litografia aquarelada
(Inglaterra). Fonte: http://bndigital.bn.br
Mas, via de regra, havia correspondência entre os traços colhidos e a
realidade que se observava. As vistas da cidade mantinham, além de suas funções
mais objetivas, a ideia de pátria, de terra natal, transferindo autoestima e sentimento
de nacionalismo a um grupo crescente de observadores. O viés objetivo, dito acima,
liga-se à representação de paisagens em seu aspecto cartográfico, mapas, sistemas
de transporte, esquemas estratégicos, militares e outras funções, quase sempre
encomendas do governo. Foi assim, por exemplo, com o desenho de vistas e de
48
fortificações, feitos a partir do Arquivo Militar, logo na chegada da corte portuguesa,
em 1808. O pintor Arnaud Julien Pallière (ver capítulo 4), considerado o primeiro
litógrafo do Brasil, e que ali trabalhou a partir de 1817, executou diversas obras
dessa natureza, como um plano urbanístico para a Vila Real da Praia Grande
(Niterói), além de vistas de cidades mineiras e paulistas. Mas era certamente difícil a
tarefa de separar o artista do técnico, uma vez que muitas das vistas, apesar do
endereço realista e racional, continham intransferível beleza e sedução. Mesmo
trabalhos da Missão Artística – particularmente os de Jean Baptiste Debret – tinham
por vezes intenção racional ou puramente figurativa, mas ficariam conhecidos em
sua dimensão estética depois que o pintor voltou a Paris, em 1831, transformando
suas aquarelas no álbum litográfico Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil,
produzido pela oficina Thierry Frères.
Debret, 1839: Vista do Rio de Janeiro a partir da Igreja da Glória, in Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. 52
cm de largura. Litografia por Thierry Frères, Paris. Fonte: http://bndigital.bn.br
Foram muitos, aliás, os que levaram daqui seus rabiscos para transformá-los
lá fora em impressos de arte com o fito de vendê-los em seu país, à corte brasileira e
às pessoas de maior posse e prestígio. Havia na época total discrepância entre o
que podíamos reproduzir em nossos prelos e o que já se fazia lá fora, como vimos.
Um bom exemplo é outra das vistas em que os arcos da Lapa são a estrela
principal. Trata-se da gravura aquarelada L’Aqueduc: depuis la rue de MattaCavallos, litografada em Berlim, em 1832, por W. Loeillot, a partir de um desenho do
pintor e diplomata Wilhelm Karl Theremin, que viveu alguns anos no Rio de Janeiro
no início do século.
49
Wilhelm Karl Theremin, 1832 : “L'Aqueduc: depuis la rue de Matta Cavallos". Álbum ‘Saudades do Rio de
Janeiro, litografado por W. Loeillot (Berlim). 48x30,5 cm. Fonte: http://bndigital.bn.br
De proporções e perspectiva exatas, a gravura é belíssima, mostrando tipos
característicos, como negros vendedores em trajes coloridos, e uma dona de casa à
janela. Por acaso, trata-se de outro ângulo do aqueduto, a de Sargant, e se
cotejadas, as imagens fornecem um interessante documento sobre este logradouro,
os tipos humanos e seus costumes. O aqueduto da Carioca, que foi concluído em
1723, aliás, é tema recorrente na representação do Rio, e sua importância era ainda
maior por se tratar da obra pública de absoluta presença na cidade. Raro não
encontrá-lo em aquarelas, águas-fortes, litografias e nos daguerreótipos que surgiam
a partir da quarta década do século. É claro que muitos artistas buscavam ali um
harmônico contraste entre o velho casario, a gente e a arrojada arquitetura da velha
obra, que conduzia - além das águas para o Chafariz da Carioca - um referencial
estético dos mais preciosos em matéria de representação urbana já conhecidos no
Brasil.
Johan Jacob Steinmann (ver cap. 4), que também serviu ao governo de D.
Pedro I, é outro visitante que documentou o Rio de Janeiro, muito embora se atribua
o brilho de suas paisagens ao talento de terceiros, como impressores, litógrafos e
outros artistas europeus, principalmente Friedrich Salathé, da Basiléia, que gravou
para ele o álbum Souvenirs de Rio de Janeiro, em 1835. Salathé, como tantos outros
50
gravadores, não conhecia a cidade, mas parece ter sido fiel aos traços e descrições
do amigo. São de Salathé outras fantásticas gravuras, como o Panorama do Rio de
Janeiro (...), uma das mais minuciosas águas-tintas sobre a cidade, realizada,
provavelmente, pouco antes da metade do século.
Nesta, a partir do Morro do Castelo – e “a vôo de pássaro”, pode-se
descortinar, em 360 graus, desde o mar até o início do que seriam mais tarde os
subúrbios cariocas. Com medidas de 20 centímetros por um metro de largura, o
pequeno painel, como diz o título, reproduzia uma vista bem maior, pintada em
Paris. Esta era a moda nas grandes cidades: visitar panoramas, alguns com mais de
dois metros de altura, que prometiam transportar o espectador para o lugar
retratado, um tipo de viagem virtual que mais tarde seria reproduzida no Rio com
grande sucesso, unindo nomes como o suíço Georges Leuzinger e o pintor brasileiro
Pedro Américo, por exemplo. O Panorama inserido adiante é cópia de uma águatinta aquarelada, baseada no desenho de Felix Taunay, que veio na Missão
Francesa e foi diretor da Escola Imperial de Belas Artes em 1834.
Rio de Janeiro segundo panorama pintado em Paris por G.F. Ronmy pelos desenhos de Félix Emilio
Taunay, 1860?. 20,5x100 cm, finalizado por Friedrich Salathé (1793-1860). Fonte: http://bndigital.bn.br
Inúmeros artistas documentaram a cidade antes do advento da fotografia, que
começou a ser praticada bem cedo por aqui, nos inícios de 1840. Alguns deles
apenas tomaram notas e fizeram croquis; seu objetivo era mais documental que
artístico, muito embora essas intenções estivessem naturalmente imbricadas: é que
a mão que tomava os traços decerto não poderia divorciar-se da emoção que
entrava pelos olhos, na beleza dos contornos e das cores que se multiplicavam
diante deles. Estas, as cores, aliás, seriam outro dilema no registro de nossas
primeiras vistas uma vez que a impressão multicolorida da paisagem não poderia ter
registro fiel, a menos que o pintor perdesse muito tempo na documentação. A luz
tropical e seus reflexos, tão diferentes do que se via na Europa, deve ter
surpreendido esses artistas. Outros deles, além de Grandejean de Montigny,
51
Hippolyte Taunay e Debret - integrantes da Missão - podem ser aqui somados como
autores de belos registros da cidade: Jean-Joseph Maillet, Louis da La Rouchete,
Baron de Coubertin, Charles Couchelet, Conde de Clarac, Alphonse Pellion,
Jacques Arago, Rivière e outros, para falar apenas dos franceses.
Ingleses, prussianos, belgas, austríacos – e brasileiros – entre outros,
também se emocionaram diante de alguns ângulos de nossa paisagem, às quais
acrescentaram seus tipos humanos em memoráveis desenhos e pinturas que
ficariam entre o documento antropológico, o registro naturalista e a arte. Rugendas,
como sabemos, era um deles, tendo participado da missão científica do Barão de
Langsdorff (a partir de 1821) e voltado ao Brasil dez anos depois, quando produziu
vistas de várias cidades, inclusive do Rio.
A atual Lapa e a enseada do Flamengo estão presentes nas telas do
brasileiro Leandro Joaquim (1738-1798), assim como a região da atual Praça Mauá,
que se revelaria tema de numerosas vistas. Este lugar, especialmente, contava com
um estratégico ponto de observação, a frontal Ilha das Cobras, de onde era possível
descortinar o centro da cidade, a Gamboa e o Saco do Alferes (onde fica,
aproximadamente, a atual Rodoviária Novo Rio). Durante todo o século, dezenas de
artistas e fotógrafos fincaram seus tripés na Ilha das Cobras para produzirem vistas
do local. Uma das mais antigas foi a do inglês Limbird Smith Fielding, que dali, em
1833, tomou traços para uma belíssima água-tinta aquarelada (algo naiff, como era
seu estilo), na qual um alegre grupo de escravos aparece dançando, em trajes
africanos, no canto direito da imagem. Fielding (1799-1856), que também era
litógrafo, produzia miniaturas e ilustrações para obras infantis. Há, nesta paisagem,
algo de primitivo, ou onírico, observando-se o recorrente tom idílico do começo do
século. Esta obra foi dedicada pelo autor à rainha Maria II de Portugal, que nasceu
no Rio de Janeiro em 1819.
52
Newton Limbird Smith Fielding: “Rio de Janeiro from Ilha das Cobras”, 1833, água-tinta, aquarelada,
43,5 x 81,2cm, Inglaterra. Fonte: http://bndigital.bn.br
3.2 – A cidade e seus pontos de observação
Além da Ilha das Cobras, outros lugares se mostraram perfeitos para o
registro da cidade que se descortinava absoluta para pintores, geógrafos e toda
sorte de observadores, uma vez que poucas edificações tinham mais de dois
pavimentos. A área urbana do Rio de Janeiro, assim como grande parte de seus
arredores, contava com estratégicos pontos de observação que, se muito ajudaram
contra os invasores franceses nos séculos anteriores, mais o faziam agora em favor
de artistas, a maioria dos quais da mesma procedência. As vistas tomadas “a vôo de
pássaro” nunca foram tão fiéis, uma vez que a cidade era cercada de elevações,
algumas das quais proporcionando uma visão de até 360 graus. Essas condições,
com certeza, foram responsáveis pela numerosa iconografia urbana do Rio de
Janeiro vista do alto. A partir dos morros do Castelo e de Santo Antonio, demolidos
no século XX, dezenas de vistas foram fixadas e depois impressas nas oficinas mais
sofisticadas que começavam a surgir a pouca distância dali, em torno do Paço
Imperial. Outros ângulos de excepcional visibilidade foram os morros da Conceição
e de São Bento, ainda existentes, só para citar os principais. De cima de um e de
outro, e no mesmo ano de 1817, Thomas Ender e Debret fariam belos registros: o
53
primeiro, de uma vasta paisagem na direção de São Cristóvão; o segundo, a
chegada da princesa Leopoldina da Áustria, primeira imperatriz consorte do Brasil.
Guilherme Briggs (1813-1870) também tomou belas vistas da cidade a partir de suas
elevações. Uma dos mais famosas é de 1837, impressa na Inglaterra e feita
provavelmente em parceria com Eduard Rivière, professor de pintura ligado à
Expedição Francesa (ver capítulo 4).
F. G. Briggs, 1837: Panorama da cidade do Rio de Janeiro, capital do Brazil.
Fonte: http://bndigital.bn.br
A análise de algumas dessas paisagens ou cenas urbanas, a maioria feitas
diretamente da observação ou a partir de indicações colhidas diante da realidade,
confirmam a inspiração romântica das primeiras décadas dos oitocentos. O ar idílico
e a paz que parecem reinar nesses registros, além de uma presença humana bemcomportada, fazem crer na suposição de um lugar edênico, onde a harmonia entre
natureza, cidade e seus habitantes representasse a síntese do lirismo e da
idealização. Esse mesmo romantismo, pressentido na relação entre o selvagem e o
civilizado, pode ser visto em paisagens sobre o Rio produzidas principalmente pelos
estrangeiros que por aqui passaram. Note-se em várias delas o enquadramento da
cena a partir da floresta, tendo a cidade como fundo, surgindo através de uma
complexa moldura vegetal em que escravos e lavadeiras realizavam algum trabalho
ou se divertiam. Esta motivação pode ser achada em Alfred Martinet, em suas vistas
do Rio de Janeiro, como o da tomada da Ilha das Cobras (1847), mostrando a
floresta tropical e o centro da cidade em distante segundo plano. O mesmo artista,
54
entretanto, adotaria em outros trabalhos ponto de vista diverso, ou seja, de sua
complexidade urbana em direção à floresta, indicando interessante passagem de
conceitos entre o antigo e o moderno, uma vez que o Rio deixava aos poucos de ser
um sonho de viajantes para se tornar um centro urbano. A vista do grande hospital
da Beneficência Portuguesa, tomada à mesma época, é exemplo desse choque de
valores, assim como a imagem do Passeio Público, em que apenas figuras nobres
(à européia) surgem em pleno desfrute do lazer. São diferentes registros em que a
exatidão das perspectivas e de alguns detalhes, como janelas e monumentos,
sugerem o uso de daguerreótipos como referência; as figuras humanas foram,
provavelmente, colocadas durante a finalização das matrizes.
Alfred Martinet, 1847: “Vista
de Rio de Janeiro : tomada da
Ilha das Cobras” (33,5 x 50,1
cm); “O Passeio Público”
(42,5 x 54,4cm); “Hospital da
Sociedade Portuguesa de
Beneficência do Rio de
Janeiro” (48,5 x 61,5cm) –
Fonte: http://bndigital.bn.br
55
3.3 - Mudam-se os tempos
Esta visão de mundo, com efeito, iria mudar aos poucos com a chegada de
um
pensamento
mais
objetivo
e
naturalista,
fundado
no
método
e
no
desenvolvimento tecnológico. O país começava a crescer, mas a conquista desse
desenvolvimento batia-se com práticas arraigadas, como o modelo escravagista,
que sofria críticas tanto internas como do resto do mundo. Em 1850, ficou proibido o
comércio de escravos, e o governo imperial começava a sentir a pressão
republicana sobre a política e a economia. No campo da produção da imagem, a
fotografia - e sua feição pragmática - começava a despir nossa natural condição de
suas folhas de parreira, revelando a existência de novos ângulos e pontos de vista
estéticos. Se a cidade até então fora representada com a serenidade de um paraíso,
tratava-se agora de projetá-la como oportunidade real de crescimento. Artistas e
gráficos mais recentes traziam novos equipamentos e métodos. Fazer aqui o que só
era possível na Europa tornava-se cada vez mais real e possível. Foi uma fase de
crescimento da área gráfica, registrando-se, a partir da metade do século um
expressivo aumento no número de litógrafos e de fotógrafos. A ocupação gráfica
crescia de fato.
Já estavam em operação por esta época as oficinas de Paula Brito e a dos
irmãos Laemmert, além de outras, menores, que também trabalhavam com a
litografia, finalizando e recebendo pedras de fora para impressão ou encartando
estampas já prontas em suas publicações. Havia, também, a atividade de
calcografia, bastante artesanal, que consistia em preparar chapas de impressão a
partir de relevo obtido pela pressão de tipos e vinhetas em seu verso. Um dos
maiores usos da calcografia era a produção de pautas musicais, de bom consumo
entre os lares mais abastados da época e possuidores de piano.
O grande nome, entretanto, que possibilitou a reprodução de imagens no Rio
de Janeiro, nos moldes do que se fazia na Europa, foi Heaton & Rensburg, como se
verá, dois artistas que deram maioridade ao trabalho gráfico realizado no Brasil.
Além destes, Ludwig & Briggs, Paul Robin, H. Lombaerts, Leuzinger e Heinrich
Fleiüss, entre outros, fariam fama no registro e na reprodução artística a partir da
pedra calcárea. A marca Heaton & Rensburg, especialmente, ficaria gravada em
centenas de estampas e álbuns que mostrariam um Rio de Janeiro tão romântico
como moderno em relação às velhas gravuras do primeiro reinado. Artistas litógrafos
56
como Louis Buvelot (1814-1888), que também era fotógrafo, Auguste Moreau (18181877), Alfred Martinet (1821-após 1871), Iluchar Desmons (1803-?) e Godfred
Bertichen (1796-após 1864) imprimiram seus trabalhos nesta oficina, que tratava as
imagens com o mesmo esmero que a francesa Lemercier ou a inglesa Day and
Haghe, ambas responsáveis por grandes reproduções do Brasil ao tempo do
Império. Sebastién Sisson (ver cap.4) foi importante também nesse aspecto, tendo
produzido muitas das vistas estudadas neste trabalho. Em algumas, pode-se notar
uma preocupação de mostrar a face moderna da cidade, como certos prédios
públicos e jardins; em outras, como a Boa Viagem (Niterói), a intenção parece
diversa, sobressaindo o lado selvagem e idílico das tomadas. Mas em todas elas o
que parece fundamental é a atração exercida pela cidade sobre os artistas que aqui
apareciam. O professor francês de desenho Iluchar Desmonds, que esteve no Brasil
entre 1840 e 1855, foi um deles. Num de seus mais belos trabalhos o tema foi o
Campo dos Ciganos (atual Praça Tiradentes), onde se vê, ao centro, o Teatro de
São Pedro (futuro João Caetano), e a Travessa do Sacramento, hoje Avenida
Passos, onde ficava a Escola Imperial de Belas Artes. Impressa por Lemercier, a
gravura pode ter usado uma câmara escura como suporte. Note-se a combinação
romântica da paisagem com o crescimento da cidade. Faz parte do álbum
“Panoramas de la Ville de Rio de Janeiro”, editado pelo francês Lemercier, e que
circulou no Brasil a partir dessa data. A reprodução, a seguir, é propositalmente
maior por conter mais detalhes da cidade.
57
Iluchar Desmonds,1854: “Panorama da cidade de Rio de Janeiro tomada do morro de St. Antonio a vôo de
pássaro”, Litografia, 31 x 48,3cm. Fonte: http://bndigital.bn.br
À medida que o tempo avançava e o registro das vistas do Rio se tornava aos
poucos mais realista, a fotografia tomaria parte importante na história de nossas
imagens artísticas, desempenhando a questionável função de fiel da balança entre a
utopia e a realidade. Sua chegada, como sabemos, deu-se a partir de 1840, sendo o
Imperador - ainda adolescente - um de seus maiores incentivadores. A novidade não
seria moda imediata em função de sua difícil reprodutibilidade, mas, a partir de
então, não só os retratos, mas logradouros e outras vistas da cidade passariam a
contar com a vigilância de um olho mecânico, sempre a revelar como são as
pessoas e as coisas em sua irrecorrível - e quase sempre fria - aparência.
É importante frisar que a paisagem, obedecendo a um enquadramento ditado
pela arte clássica, foi o critério para se julgar fotografias sobre a cidade e seu
entorno. Pintores, desenhistas e intelectuais as apreciavam segundo a concepção
em voga nos museus e nas paredes mais abastadas da corte. A foto, assim,
concorria diretamente com a pintura em salões do segundo reinado antes de revelar
58
outras afinidades estéticas. Isto aconteceria bem depois, quando sua reprodução
ganhou as páginas dos jornais, revistas e publicações de caráter científico e
educativo. Houve um largo momento em que algumas convicções sobre a natureza
da imagem – artística ou técnica – conviveram em harmonia, uma vez que tais
limites ainda se mostrassem imprecisos para a crítica. Mas o fato é que a nova
técnica prometia revoluções, o que aconteceu. Um dos nomes que bem
representaram essa fase foi de George Leuzinger, cujo perfil veremos no próximo
capítulo.
De 1860 em diante, foi grande a atividade dos fotógrafos, que documentavam
sistematicamente a cidade na produção de vistas. Essas imagens serviram de
modelo na confecção das matrizes litográficas feitas aqui e no exterior, e alteraram
muito o modo de enxergar a cidade como também o país. Outro nome que bem
traduz esse momento é o de Victor Frond, fotógrafo, cujas imagens serviram de
lastro para a confecção do álbum O Brasil Pittoresco, impresso em Paris, em 1861,
sob as expensas de um governo imperial que desejava mostrar ao próprio Brasil - e
à Europa - um país promissor em matéria de investimentos.
Aspectos da influência da fotografia na paisagem da época foram destacados
pela professora Celeste Zenha (O Negócio das “vistas do Rio de Janeiro”: imagens
da cidade imperial e da escravidão - Revista Estudos Históricos,CPDOC, Vol.2, nº
34/2004), como a exatidão das referências e a autenticidade que o novo engenho
propiciava às tomadas e vistas. Segundo ela, o Brasil precisava reduzir o impacto
que certos métodos de produção - entre eles a mão de obra escrava representavam para a opinião pública internacional. Paisagens em que africanos
desempenhavam um trabalho pesado, ocupando muitas vezes o primeiro plano, iam
cedendo espaço a composições mais arranjadas e atinentes a um novo
enquadramento. Esta, porém, não foi uma característica absoluta de mudança, pois
muitas paisagens brasileiras, mesmo das que tinham por referência a fotografia,
insistiram em um romantismo que sequer desapareceria por completo.
A inscrição “d’après um daguerreotype” (a partir de um daguerreótipo),
encontrada ao pé de diversas reproduções, passou a conferir à vista um novo tipo
de veracidade, a da máquina sobre o olhar supostamente negligente do artista. Por
seu turno, a providência tornaria legítima inscrição semelhante: “d’près nature”
usada para sinalizar que não houve recurso idêntico como modelo inicial, e que a
59
imagem foi inspirada apenas na natureza. Com certeza, nascia aí uma das vertentes
da eterna discussão sobre o valor da arte e de sua reprodução3.
A omissão do nome do daguerreotipista retirava dele qualquer
responsabilidade pela "captura" da vista que se acreditava
objetivamente. Dessa forma, conferia-se ao aparelho uma autonomia
de ação e uma competência independente de qualquer talento de que
dispusesse aquele que o manejava, tornando o seu papel quase
prescindível. Essa prática só foi alterada posteriormente, quando a
autoria da fotografia veio a ser resguardada. (ZENHA, 2004, pag 13).
Os novos aparelhos, que dispensavam a participação do artista, iriam
influenciar outros procedimentos no registro e na fixação das imagens a partir da
metade do século. Para começar, o tempo de exposição necessário para que o novo
invento capturasse a cena era demorado, vários minutos, e dependia da quantidade
de luz. Assim, ficavam de fora os registros em que pessoas se movimentassem, por
exemplo, sendo necessária a completa imobilidade em todo o quadro focalizado. À
época, as vistas podiam ser colhidas também com auxílio da câmara escura, um
equipamento que projetava a paisagem em uma superfície, sobre a qual o artista
registrava
os
traços
para
depois
completar.
Aspectos
como
perspectiva,
profundidade e distâncias eram resolvidos com a câmara, um recurso antigo e que
foi utilizado por pintores que acompanharam as expedições científicas pelo Brasil
desde o século anterior. É mais que provável que muitos panoramas antigos, do
tempo de Pallière, Steinmann ou Guilherme Briggs, fossem registrados com ajuda
desse engenho, uma vez que seria demorada e trabalhosa a captura de grandes
paisagens, urbanas ou naturais, com o detalhamento que se observa em muitas
delas. Depois do meio do século, vistas e painéis de grandes dimensões já eram
3
- É proveitoso registrar que durante o século XIX, e mesmo antes, era completamente difusa a
noção de direito autoral no Brasil e no mundo. Na Europa, antes da Convenção de Berna, surgiu um
documento sobre a propriedade literária, em 1886, dando início a novas discussões de caráter geral.
No Brasil, o assunto esteve quase esquecido durante e depois de sua primeira Constituição (1824)
até a Proclamação da República. Na Carta de 1891, autores de obras literárias e artísticas tiveram o
direito de publicação considerado, mas só sete anos depois era promulgada a Lei Medeiros e
Albuquerque, que garantia direitos totais às obras que dessem entrada na Biblioteca Nacional.
Curiosamente, o primeiro registro feito pela entidade foi o livro “Litographia e chromolithographia”, do
gráfico belga aqui radicado Léon de Rennes. O histórico documento data de outubro de 1898 (Ver
Maria Elizabeth da Silva Nunes, in Direitos Autorais – A experiência brasileira na Fundação Biblioteca
Nacional - http://www.stf.jus.br)
60
preparados a partir de fotos, como também sua projeção sobre paredes e telas
através de outro aparelho, a lanterna mágica.
A fotografia, assim, transformava-se na imediata solução dos grandes
registros. Os artistas passaram a usá-la como base para suas composições – ou
mesmo capturando as vistas pessoalmente -, às quais acrescentavam pessoas e
outros elementos que, necessariamente, não estivessem no local da tomada.
A câmara escura e a lanterna mágica.
Fonte: História do Design Gráfico, Ed. Cosac Naify, 2009
Vale relembrar que a fotografia, pura e simples, era de difícil reprodução e
não tinha grande contraste ou controle dos meios-tons, perdendo em presença,
beleza e tratamento para as reproduções litográficas, estas sim trabalhadas com
maior efeito plástico. No entanto, não havia como dispensar um recurso, que, se
ainda não resolvia o problema completamente, passava a ser meio indispensável
para grande parte dos trabalhos gráficos relativos à imagem. Muitos artistas do
desenho, da pintura e das artes gráficas militaram na fotografia para obterem mais
resultados em suas encomendas. Paul Theodore Robin (?-1897) foi um dos mais
ativos, tendo inclusive feito parcerias famosas quando chegou ao Rio. Uma delas foi
com o já citado mestre da litografia de paisagens Alfred Martinet, a quem se atribui
as mais perfeitas vistas da cidade. Outro artista que trabalhou com a fotografia na
composição de suas obras foi Sebastién Auguste Sisson. Litógrafo e retratista,
Sisson realizou o interessante Álbum do Rio de Janeiro moderno, com 12 imagens
dos principais logradouros da cidade e de seus arredores. Numa das pranchas, a
bela paisagem da Glória e a harmonia entre natureza e cidade. Grande retratista, o
alsaciano utilizou a fotografia como base para sua produção. A impressão consta ter
61
sido no ateliê do artista, à Rua do Cano (Sete de Setembro). A imagem faz parte do
citado álbum, editado por volta de 1860.
Sebastién A. Sisson, 1860: “Glória” - Litografia 31,2 x 44,5 cm. Fonte: http://bndigital.bn.br
Os anos entre 1870 e 1880 foram os mais ricos na produção gráfica da
época, coexistindo no período, além dos já citados, vários outros artistas de enorme
capacidade técnica. Foram ao todo 248 impressores litográficos contra praticamente
a metade na década anterior.
Floresceram Martinet, A. de Pinho, Fleiüss, Sisson, Agostini,
Borgomainerio, só para rememorar os mais conhecidos lápis da época.
Rensburg, Ludwig, Briggs & Cia, Pereira Braga, Robin, Leuzinger,
foram os grandes prelos. (FERREIRA, 1994, pag. 409)
A paisagem urbana ia se modificando à medida que o Rio crescia em
população, recursos e vontade de ser um grande centro. E o tratamento dado às
vistas também sofreria mudanças, cujos contornos já eram sentidos na intenção de
mostrar uma cidade mais integrada com o mundo desenvolvido da época.
Novamente, foram os artistas que perceberam a nova direção estética em voga,
62
mantendo o tom idílico de nossas paisagens urbanas, mas despindo-as de alguns
traços nitidamente coloniais que sempre exibira. Começava-se a respirar no país um
ar de mudanças, surgindo uma outra noção de “pertencimento”, segundo a
historiadora Luciana Murari (Natureza e Cultura no Brasil, Ed. Alameda, 2009, pag.
59). O “primitivo” ficou ainda mais caracterizado pela natureza intacta, enquanto o
conceito de “civilização”, rumava unicamente para idéia de crescimento urbano e
tecnológico. Um dos arautos desse novo tempo, o político e abolicionista Joaquim
Nabuco, defendia , na década de 1870, um surto de idéias para recuperar o tempo
perdido. O modelo europeu era o objetivo a seguir, o Barão de Mauá já era a
locomotiva de nossa doméstica revolução industrial, o país tinha bancos e
exportava, além do café, algodão, borracha, cacau...
A nossa paisagem, então, representada a partir da fotografia, sofrera
perceptíveis alterações. O engenho recém inventado, segundo Zenha, parecia ditar
uma nova maneira de ver as coisas: através de uma tecnologia que, antes da
própria representação imagética, conferia a esta uma atmosfera moderna, tão ao
gosto das novas correntes. Os primeiros planos puderam, assim, ser criados mais
livremente, uma vez que a retaguarda – o cartão postal obtido com a fotografia –
suportava renovadas adaptações temáticas. São desse tempo, como vimos, nomes
como Abram Louis Buvelot, suíço, (1814-1888) e do francês Auguste Moreaux
(1818-1877), paisagistas que viajaram por todo o Brasil, tendo produzido,
igualmente, diversas telas e litografias sobre o Rio de Janeiro. Ambos viveram o
curioso e tríplice momento na história das artes e da reprodução gráfica no Brasil:
eram pintores de formação romântica, dedicaram-se à litografia como meio de
multiplicar seu trabalho, e ainda usaram a técnica fotográfica como suporte para
isso. Buvelot chegou a ser fotógrafo do Imperador Pedro II, irônica semelhança com
os antigos pintores de História, que serviram à monarquia francesa, a Napoleão
Bonaparte, e, aqui, até a D. João VI, como Pallière. O companheiro de Buvelot,
Moreaux, acabou morando em Niterói, onde faleceu. Juntos, publicaram o álbum Rio
de Janeiro Pitoresco, em 1850, obra ímpar, impressa por Heaton & Rensburg.
Nesta coleção, salta a apurada técnica do impressor, além da simplicidade
dos traços dos artistas e mestres no lápis litográfico. Notar a composição das
imagens, que harmonizam a figura humana com prédios e com a natureza. São
registros de grande delicadeza, apesar das marcas do tempo. No centro da próxima
63
figura, o Paço Imperial. Cada prancha, aliás, tem uma temática central, que muda de
posição, de modo circular, na prancha seguinte.
Louis Buvelot e Auguste Moreau, 1845: Álbum “Rio de Janeiro Pitoresco”,
Litografia,(20X30?). Fonte: http://bndigital.bn.br
Algumas das vistas colhidas por Victor Frond para o Brazil Pittoresco, de
1861, já mostravam uma cidade menos castigada pelo tempo e com uma
representação humana mais rebuscada. Os escravos, que surgem em grande parte
nas pranchas de Bouvelot, continuavam a aparecer nas imagens de Frond, embora
a maioria estivesse agora em descanso e em tamanho menor. Paisagens de outros
artistas sugerem um primeiro plano feito separadamente, como outra magistral vista,
tirada do Morro do Castelo em 1852, que informa múltipla participação de gráficos
da época. Está escrito a lápis, no passepartout da imagem : “premier plan par
Martinet, le uste par Daguerreotype”, e, além da informação sobre quem imprimiu,
“Lemercier”, há também outra inscrição: Edité por G. Leuzinger”.
Martinet seria responsável por outras grandes tomadas, muitas delas feitas a
partir dos daguerreótipos de Frond ou Leuzinger, e depois finalizadas na Europa por
pintores e litógrafos como Eugene Ciceri (1813-1890) e Phililppe Benoist (18131905). O registro fotográfico servia assim a diversos estilos e palhetas, nacionais e
64
estrangeiras, mas o destino final da obra artística resultante era a reprodução em
litografia, meio mais adequado de chegar à contemplação do público. Com o
aperfeiçoamento dos meios fotomecânicos e a rapidez das máquinas de impressão
– o que aconteceu nas últimas décadas do século XIX -, as paisagens litografadas
com tanto esmero e carinho deixaram de ser objeto de contemplação para se
tornarem, primeiramente, lembranças, e, aos poucos, raridades.
. Ernest Jaime, 1861: litografia “Panorama do Rio de Janeiro: entrée de la baie”, a partir de foto de
Victor Frond para o Álbum Brazil Pittoresco (as imagens mediam entre 23 x 32cm e 43 x 55cm).
. Georges Leuzinger, 1865: fotografia “Vista panorâmica do centro do Rio de Janeiro, da Ponta do
Calabouço à Alfândega, a partir da Ilha das Cobras”. Fonte: http://bndigital.bn.br
Litografia e fotografia conviveram muito bem durante as décadas finais do
século e iniciais do seguinte, embora a reprodução em série só fosse confiável e
econômica com a primeira técnica. Mas já se pareciam, conforme comprovam
algumas imagens do álbum “Brazil Pitoresco”, de Victor Frond e de Georges
Leuzinger, ambos fotógrafos e contemporâneos nos anos 1860. Em muitas das
litografias, como a vista acima, é fácil adivinhar a origem e o estilo fotográfico que
aos poucos surgia.
65
Capítulo 4
Imagem, artes gráficas e história
Artistas, gráficos e editores no Rio de Janeiro
A atividade da reprodução da imagem em qualquer tempo e lugar sempre atraiu
a atenção de artistas e de investidores, considerando o resultado e o valor da
multiplicação em série de uma idéia, de um desenho ou de uma composição
artística.
No Brasil do início do século XIX, ninguém melhor que o artista para
produzir (e reproduzir) um imaginário que resgatasse a importância pelo entourage
real que se arranjava no Paço, em 1808, entre pescadores, comerciantes e
escravos, todos certamente em constrangedor confinamento. A monarquia lusa
legara à colônia o abandono administrativo e político, servindo a nova terra apenas
como fornecedora de riquezas primárias As carências da corte e do país que se
formava eram agora tão fundamentais como sua própria sobrevivência na condição
de Estado.
No campo da imagem – materializada ou como representação – o desafio não
era menor, uma vez que a realeza transferida às pressas não encontrava aqui
qualquer suporte que mostrasse aos reinós a importância do feito, ou mesmo a Real
condição de quem aqui chegava. Diante da ausência de recursos técnicos já em
plena utilização na Europa, a corte se viu despojada de uma visibilidade à altura de
uma sede de reino. São conhecidas as soluções efêmeras, como arcos do triunfo,
movimentação de massas humanas e eventos festivos para emoldurar o poder;
eram providências necessárias para dotar a autoridade que aqui se estabelecia na
figura da família real, de uma boa imagem para milhares de vassalos - distantes no
tempo e no espaço - das luzes do que se entendia por civilização.
Não foi à toa e de graça que artistas do Institute de France, privados das
benesses oficiais em seu país, chegaram a um reino sem palácios e inchado pela
desleal escravidão africana. A figura de artistas, principalmente de pintores, não era
vista apenas como a de semideuses incensados pela sensibilidade, gosto e
capacidade técnica, mas também como produtores e, desejavelmente, reprodutores
de imagens.
Já existiam tipografias no Brasil, elas tinham chegado ainda no século passado,
embora fossem poucas e quase nada imprimissem em termos de imagem além de
66
baralhos calendários e santinhos distribuídos pelas igrejas. Livros já eram
produzidos, alguns confiscados juntamente com as máquinas, pois antes de 1808 a
atividade editorial e gráfica era vista com desconfiança. O cuidado oficial devia-se às
idéias libertárias surgidas a partir da Revolução Francesa e a movimentos
republicanos em curso na Europa, entre outras supostas ameaças. O confisco de
obras servia também como uma defesa aos interesses dos editores portugueses que
assim garantiam um mercado na colônia. Como se vê, o atraso imposto ao Brasil por
Portugal teve um preço alto, atingindo também a administração pública e obrigando
o governo a importar mão de obra e máquinas para suprir um lapso de gigantes
proporções.
Adiante, nomes pontuais nas artes gráficas do Brasil irão dividir o tempo
decorrido entre D. João VI e o final do século XIX. Nem todos foram artistas no
sentido estrito; muitos apenas imprimiam ou editavam, embora todos tivessem real
conhecimento do que era arte e sua necessidade para a reprodução de textos e
imagens. Com efeito, a mão do artista perpassava por todas as fases de um
cometimento gráfico, sendo na criação ou no seu preparo como original de
reprodução.
Ateliês
e
oficinas
somavam-se
e
fundiam-se
em
novos
empreendimentos que tinham como orientadores os olhos de artistas que aqui
chegavam para ganhar prestígio, experiência e dinheiro. Poucas vezes uma
ocupação tão preciosa no desenvolvimento de uma sociedade careceu tanto de
sensibilidade estética como a atividade gráfica. Sem ela, grandes pensadores,
independente de credos e convicções, não seriam editados ou compreendidos por
um público que rapidamente se transformava em mercado; sem ela, a síntese e o
traço magistral de pintores acabariam na solidão de seus originais. Tardiamente, viase no Brasil o que acontecera depois da invenção dos tipos móveis de Guttenberg: a
gradual – em nosso caso meteórica – corrida às idéias, às imagens e à luz do
conhecimento.
O objetivo do capítulo é fornecer uma idéia geral da importância desses
visitantes, e mesmo dos que aqui nasceram; do que fizeram e deixaram. Reproduzir
a imagem, ainda que mecanicamente, era trabalho confiado aos artistas, que
interferiam diretamente na realização da cópia, seja retocando ou mesmo criando as
matrizes. Tratava-se de um trabalho íntimo entre criar e reproduzir, surgindo a partir
daí capacidades que às vezes trocavam de função, melhorando materiais e
67
processos vindos de fora, criando-os aqui, etc. Sem a mão do artista, como se verá,
nada disso seria possível.
O Rio de Janeiro, como colônia e corte do primeiro reinado, não contava com
um processo satisfatório de reprodução de textos e, menos ainda, de imagens. Afora
algumas oficinas tipográficas, que além do texto imprimiam enfeites à borda das
páginas (iluminuras prontas ou vinhetas, cujos modelos vinham da Europa), a
reprodução de forma geral era incipiente. Quanto às imagens, o domínio era de
responsabilidade dos próprios pintores e desenhistas, que utilizavam como suportes
a madeira das xilogravuras ou o metal do talho-doce e da água-forte; com esses
rudimentos era possível imprimi-las, mas com as dificuldades inerentes ao material.
Pouco era realizado aqui, e, entre tais cometimentos, figuravam imagens bíblicas
(em sua maioria vindas de fora), cartões de visita, sinetes de família, de
empreendimentos comerciais, baralhos e alguns impressos de natureza efêmera:
papéis de controle, notas, formulários, etc, usados pelo estado e pela administração
em geral. Vale informar que no tempo de D. Pedro I ainda se exercia a censura
sobre certas publicações, cujos assuntos eram ou não permitidos segundo o ponto
de vista reinante.
4.1 Os precursores Palliere e Steinamm: oportunismo & oportunidade
A vida e a produção de dois precursores da reprodução da imagem no Brasil, o
francês Arnaud Julien Pallière (1783-1862) e o suiço Johann Jacob Steinmann
(1800-1844), é de fundamental importância para entendermos o ponto exato em que
o original de uma imagem encontra-se com a maneira mais simples e antiga de sua
reprodução.
Pallière chegou um ano depois da Missão Artística Francesa, em 1817, quando
ainda governava D. João VI. Pode-se afirmar, com o já citado Orlando da Costa
Ferreira, que foi o primeiro litógrafo do Brasil, tendo aqui aportado com a novidade
debaixo do braço numa viagem da esquadra que trazia ao Novo Mundo a
arquiduquesa Maria Leopoldina, primeira imperatriz consorte do país, e os cientistas
Carl Friedrich Philipp von Martius e Johann Baptiste von Spix, entre outros.
Pallière já aprendera, em 1798, o ofício da litografia no ateliê do checo Alois
Senefelder, seu inventor, que tinha ido viver em Paris para desenvolver novas
técnicas de reprodução e estampagem. Além de trabalhos em óleo e aquarela,
68
Pallière também conhecia o talho-doce, com o qual produziu alguns retratos. Mas foi
com os apetrechos litográficos que trazia da França que acabou fazendo sua vida
por aqui. Vários trabalhos, entre eles o de dona Amélia de Leuchtenberg (a segunda
imperatriz consorte), foram pintados por ele, confirmando a tradição tipicamente
francesa das monarquias sempre contarem com pintores ao pé de si. Certamente,
as primeiras litografias feitas no Rio de Janeiro – e no Brasil – saíram de um prelo
trazido pelo francês e instalado nas oficinas do Arquivo Militar, no Largo de São
Francisco, mostrando paisagens, retratos e uma alegoria fúnebre a D. João VI,
falecido em Portugal em 1824. Pintor que já participara de salões na Europa, Pallière
viajou a serviço por várias províncias brasileiras, documentando paisagens e plantas
de cidades como São Paulo e regiões históricas de Minas Gerais. É de sua autoria o
primeiro plano de urbanização de Niterói e de outras cidades. Ele também criou uma
oficina particular na qual dava aulas e produzia trabalhos para um sustento mais
folgado, como insinua Costa Ferreira:
Pelo silencio em torno de suas atividades como litógrafo, vê-se
que, longe de pretender ensinar a nova técnica em sua escola,
procurava mantê-la em estratégica reserva. Pode-se pensar também,
com boas probabilidades de acerto, que não desejasse usar a
litografia como sua principal atividade “artística”, reservando-a quase
que somente a trabalhos comerciais... (FERREIRA, 1994, p. 321)
O francês não era o único a ambicionar uma vida pródiga junto à corte
brasileira, carente, como todas as monarquias da época, de uma representação forte
e vitoriosa que só os artistas treinados no velho mundo poderiam criar. Pouco antes,
em 1816, a própria Missão Francesa aqui se estabelecera às expensas de D. João
VI. Foi Pallière um grande auxiliar da monarquia, pintando, ensinando sua arte e
vivendo dela durante tempo em que aqui ficou, até 1830, quando regressou à
Europa. Trabalhando para o governo e ao mesmo tempo para si, o francês – como
logo depois o suíço Johan Jacob Steinmann – encarnava a figura do antigo
amanuense, dividindo seu dia entre o emprego público e um “bico”, que
complementava ou até mesmo superava os proventos que recebia. Consta que tinha
ateliê próprio, onde atendia o público de modo particular. Pallière desenhou
uniformes, condecorações, planos urbanísticos e plantas militares, entre outros
trabalhos; como pintor de história, atendeu muito bem à monarquia executando
69
paisagens e retratos de membros da família imperial. Um deles foi o óleo do menino
Pedro de Alcântara, futuro imperador Pedro II, a pedido de seu pai, Pedro I.
Arnaud Julien Pallière, 1830: Detalhe, “D. Pedro de
Alcântara”
Fonte: http://www.itaucultural.org.br
A história de Johan Jacob Steinmann (1800-1844) não é totalmente diversa da
de Pallière, embora o primeiro tenha usado modos mais profissionais para usufruir
de vantagens junto à corte. Segundo Ferreira, a arte da esperteza superava de
muito a de pintor, gravador ou de litógrafo atribuídas a Steinmann. Sua vinda deveuse à ordem de D. Pedro I para que se adquirisse na Europa uma prensa litográfica
para a reprodução oficial de imagens e documentos necessários à corte, embora se
acredite que o prelo e demais acessórios tivessem o destino do paço de São
Cristóvão, mais exatamente o deleite do imperador. Steinmann, que também se
preparara no ateliê de Senefelder, aportou no Rio em agosto de 1825, mas o que
seus contratantes não apuraram direito é que, apesar de conhecer o ofício, o suiço
não parecia ser um artista completo, mas um interessado em ganhar prestígio com o
desconhecimento reinante.
A quantidade de coisas que vieram com as prensas, ademais, superlotavam o
espaço do Arquivo Militar, destinado à atividade; a única saída era realocá-los na
casa do próprio Steinmann, próxima da atual Cinelândia. Steinmann propôs também
70
que o Arquivo lhes facultasse mão de obra, conseguindo a contratação de
empregados, alguns dos quais falando a mesma língua que ele. Entre cobranças do
Arquivo e repetidas defesas do suíço, ficava mais claro com o tempo que ele não
agradava totalmente a seus empregadores.
Pouco antes de 1830, a cara do negócio já estava desenhada e Steinmamm
produzia praticamente sozinho, tendo à frente um mercado que crescia solidamente
na direção do particular. Eram plantas, projetos de construção, estampas para livros,
pautas musicais e uma série de reproduções de utilidade para o dia a dia das
nascentes empresas e do comércio. De endereço em endereço, e crescendo
sempre, o ágil impressor estabeleceu-se nas redondezas do Paço, e, finalmente, no
ponto nervoso da cidade, a famosa Rua do Ouvidor.
Abaixo, o nome de Steinmann surge em uma litografia do impressor Friedrich
Salathé, anos depois do primeiro deixar o Brasil.
F. Salathé, Suíça,1835: “Largo do Paço” - litografia a partir de um desenho de Steinmann,
12 x 16,5 cm. . Fonte: http://bndigital.bn.br
O papel de Steinmann para as artes gráficas no Brasil - além do de ganhar
seu dinheiro - foi o de ter produzido muitos impressos e ensinado seu ofício a
aprendizes aqui nascidos, que passariam adiante as novas técnicas. Quando foi
embora para Paris, em 1833, passou a trabalhar como impressor no rendoso
negócio de vistas e panoramas, a maioria deles riscados no Rio de Janeiro e
levados para a França. Sua maior contribuição técnica para as artes gráficas,
entretanto, pode ter sido o uso que fez do zinco como suporte para o desenho e
71
matriz de impressões. A litografia sobre a folha deste metal, em lugar da pedra
calcárea, deu origem à zincografia planográfica, base para o avanço das artes
gráficas aprendidas ainda no ateliê de Senefelder. Mapas e plantas impressos para
o Arquivo Militar durante a permanência de D. Pedro I devem ter saído com esta
técnica, que muito reduzia o custo da importação e manejo da pedra alemã. O zinco,
trabalhado à água-forte a partir de imagens previamente gravadas em sua
superfície, seria a base dos futuros clichês que dariam uma virada na impressão de
revistas e jornais no fim do século XIX. É bem possível que Steinmann tivesse
chegado com a novidade em segredo (como Pallière), guardando-a naturalmente
para uso particular, sem fazer alarde do método. Diz Ferreira que:
As folhas de zinco de Steinmamm iam, pois, inequivocamente, servir
como condutores de imagem. Ainda uma prova é que a cartografia,
atividade principal do Real Arquivo, constituía exatamente o tipo de
trabalho que até então, na Europa, se costumava confiar a matrizes
de zinco. Teriam as (...) folhas constado da nota (...) ou foram
acréscimos solicitados por Steinmamm? (FERREIRA, 2004, p. 345)
A julgar pela lista de apetrechos que trouxe da Europa, diz o autor, dá mesmo
para desconfiar, pois dezenas de folhas de zinco faziam parte da carga trazida por
ele e levada diretamente para sua casa, em vez de seguirem para o Arquivo.
4.2 - As cores de Paula Brito
Francisco de Paula Brito (1809–1861), ou Paula Brito, como ficou conhecido, é
o primeiro brasileiro dessa lista, tendo sido um dos nomes mais importantes para a
atividade gráfica do país. Foi nosso primeiro editor, empregando escritores e outros
artistas que ficaram conhecidos a partir das oportunidades por ele oferecidas.
Mesmo não sendo desenhista ou pintor, Paula Brito sonhava em desenvolver
talentos que equiparassem, desde cedo, o Brasil com as grandes nações de seu
tempo. Foi poeta, tipógrafo, litógrafo, livreiro, dono de jornal, comerciante, tradutor,
compositor e dramaturgo. De suas mãos surgiram, por exemplo, o primeiro romance
brasileiro, “O filho do pescador”, de Antonio Gonçalves Teixeira e Souza, em 1843,
72
além de outras obras nacionais. Com quinze anos, Paula Brito vai trabalhar como
aprendiz na Typographia Nacional, ex Imprensa Régia, mudando-se em 1824 para
as oficinas Seignot-Plancher, fundador do Jornal do Commercio. Consta que foi
tradutor de francês, que aprendera com a natural dificuldade de sua origem humilde.
Em 1831, ele adquire uma pequena loja no Campo dos Ciganos (Praça
Tiradentes) e ali instala uma tipografia. Começava um dos mais brilhantes capítulos
da história da reprodução gráfica no Brasil, pois Paula Brito, apesar de sua condição
de mulato, superou preconceitos e foi um dos mais respeitados empreendedores do
Rio de Janeiro, chegando a possuir quase um quarteirão naquele endereço, além de
oficinas gráficas em Niterói e outros recantos da corte. Compondo, redigindo e
publicando praticamente tudo o que se conhecia, Paula Brito criou a legendária
“Marmota Fluminense”, folha que se tornaria histórica, pois em suas oficinas outro
humilde mulato começaria também como aprendiz de tipógrafo para depois tornar-se
o maior nome das letras nacionais: Machado de Assis, que, aos 16 anos, publicou ali
seu primeiro trabalho em letra de forma. Eram raras as imagens tipográficas em
suas páginas, a não ser vinhetas estrangeiras ou águas-fortes e xilos feitas na
oficina da Praça da Constituição (Tiradentes), mas sem autoria conhecida.
Marmota Fluminense, 1852. Vinheta tipográfica ou xilogravura.
Fonte: http://www.machadodeassis.unesp.br
Algumas caricaturas e imagens já faziam parte das páginas impressas ali,
vinhetas ou desenhos produzidos por artistas que entalhavam a buril, ou os
rebaixavam com antigas substâncias químicas sobre originais desenhados em
chapas de metal. Laurence Hallewell (O livro no Brasil: sua história, Ed.USP, 1985)
informa que Paula Brito, em 1851, entrou no campo da litografia, mas importando
73
imagens prontas que encartava nA marmota. Em 1850, sua gráfica ganhara nome
soberbo, Imperial Typographia Dous de Dezembro, incensada pelo jovem imperador
Pedro II, que fazia aniversário na data, junto com o gráfico. Em 1853, ele contrata
um profissional de Paris, Louis Therier, e abre uma oficina litográfica na Rua dos
Ciganos, na mesma área, para produzir imagens.
A litografia, cujos resultados impressionavam, ainda era de difícil e caro
tratamento, necessitando de prensas e materiais mais sofisticados vindos da
Europa, principalmente mão de obra competente. Os primeiros a se ocuparem do
artesanato gráfico no país eram estrangeiros, mas este quadro evoluiu para
pequenos conglomerados, quase guildas familiares, até que o tempo, o mercado e a
nascente tecnologia se encarregassem de novas revoluções.
Paula Brito soube aproveitar o momento em que a necessidade de artistas
gráficos ia crescendo. O custo de enviar, imprimir ou litografar na Europa era alto,
sendo crucial atender a nova corte no que suportasse sua administração, seu
comércio e sua visibilidade. Surgia, também, uma demanda mais sofisticada, de
cultura e entretenimento, na qual certos modelos europeus precisavam ser aqui
reproduzidos. Como a seguinte partitura, encartada em sua A Marmota na Corte:
O anjo de meus sonhos, valsa de Geraldo Horta,
distribuída nA Marmota na Corte, 1853.
Fonte: http://bndigital.bn.br
É possível medir a coragem desse homem, que mandou vir da Europa um
profissional estrangeiro para operar a sua oficina. Em pouco tempo, a Empresa
Tipográfica Dois de Dezembro podia imprimir – ou apenas copiar - figurinos em
cores para um público que também mostrava as unhas, deixando de ler apenas
romances água-com-açúcar ou animar festas domésticas ao piano: as mulheres.
74
Em 1857, parte do pequeno “império” de Paula Brito sofre um revés. Ele
crescera demais e ficava difícil administrar o que criara. Diz sua biógrafa, Lucia
Gondim:
Paula Brito cerrou as portas da loja de nº 68 (...), a loja de Chá, que
funcionava no nº 78 da mesma Praça (da Constituição); A Litografia
da Rua dos Ciganos, nº 28 (atual Rua da Constituição) passou às
mãos de Louis Therier, seu antigo empregado. Nas edições (...)
impressas não se lia mais “Empresa Tipográfica Dois de Dezembro,
de Paula Brito, Impressor da Casa Imperial”, mas simplesmente
Tipografia de Paula Brito (GONDIM,195, p.42)
Mas não foi o fim do gráfico e do editor. A partir daí o primeiro cedeu de vez
lugar ao segundo, que publicou inúmeras obras literárias, muitas delas os primeiros
textos de nossos grandes escritores, além de traduções e adaptações. Gondim da
Fonseca não entra em detalhes sobre as instalações, maquinário e recursos
utilizados por este importante empresário gráfico4. Paula Brito morreu cedo, em
1861, aos 53 anos. A empresa passa então a ser administrada pela firma Viúva
Paula Brito & Genro, ainda na Praça da Constituição, até desaparecer.
4.3 – A longa vida dos Laemmert
Um dos maiores representantes na história das artes gráficas no Brasil foi E.
&. Laemmert, legenda que ficou conhecida por editar e imprimir, regularmente, o
famoso “Almanaque Laemmert” entre 1844 e 1889, ano da proclamação da
República. O papel desse periódico foi dos mais importantes para que a população
do Rio de Janeiro e demais províncias da época se mantivesse informada sobre a
vida pública e comercial do Império. Nomeações políticas, administrativas, opiniões,
discursos, anúncios de novos produtos, remédios, equipamentos e oferta de um sem
número de serviços perfaziam o material de suas páginas. Iam estas desde a venda
de capim para a alimentação de animais de tração à estada de visitantes ilustres da
corte, além e outras informações. Possuindo, desde seu início, aparato para produzir
4
- Esta ausência é, por sinal, recorrente, pois também Paulo Berger, em seu importante “A tipografia
no Rio de Janeiro” (Cia Ind. De Papel Pirahy, 1984), relaciona as oficinas aqui surgidas, desde a
chegada da corte portuguesa até o final XIX, mas, igualmente, não relaciona seu aparato técnico.
Exceções ficam por conta de Hallewell, que enumera alguns equipamentos, a maioria de fora.
75
não apenas texto, mas também imagens, sua presença deve ser lembrada neste
estudo.
O Almanaque administrativo, mercantil e industrial da corte e província do Rio
de Janeiro nasceu como uma folhinha, quase um calendário, no ano de 1839.
Publicações desse tipo não eram tão raras na época, mas o Almanaque ganhava
pela qualidade e acerto das informações, não demorando a crescer no cenário do
século XIX. Foi uma das mais duradouras e sólidas publicações do seu tempo,
chegando a ter em uma edição – a de 1875 – nada menos de 1700 páginas,
cobrindo, já aí, notícias e informações de todo o Império.
Seu começo está ligado, como se viu, a Eduard Laemmert (1806-1880) e seu
irmão Heinrich (1812-1884), ambos de uma pequena cidade européia, o grãoducado de Baden, no sudoeste da Alemanha. O primeiro endereço foi a Rua dos
Latoeiros, hoje Gonçalves Dias, onde se vendia livros europeus de literatura,
política, administração, artes, etc. Juntamente com o irmão Henrich, que chegava
para tocar o negócio, Eduard abriu a Livraria Universal, também conhecida como “E.
& H. Laemmert, mercadores de livros e de música”.
Com o que arrecadaram, os irmãos instalaram a sua Typographia na rua do
Lavradio, crescendo ano a ano em importância no panorama industrial da cidade.
Sabe-se que, por volta de 1860, era uma casa vastíssima, bem clara e arejada, onde
trabalhavam mais de 120 pessoas. O sucesso de E. & H. Laemmert e de outros
empreendimentos deste período refletem a lacuna na oferta de serviços gráficos
para uma sociedade que crescia à sombra do Império e que precisava produzir sua
própria cultura em vez de adotar a que chegava, impressa e já pronta, do exterior.
76
Capa do primeiro Almanak
Laemmert, 1844 (aprox. 30 cm de
altura).
Eduardo e Henrique Laemmert, –
Fonte: http://bndigital.bn.br
A palavra e a imagem, ocupando a mesma página, costuram uma indelével
marca de importância em nosso sistema de valores. Tudo o que está em letra de
forma ou cuidadosamente reproduzido será certamente percebido com mais
eficiência e resultados. O público, assim, lê, examina e entende a reveladora
combinação de texto e imagem, ponto determinante na formação de suas crenças e
convicções. Entre a idéia lançada e o seu receptor, do mais simples ao mais
poderoso, crescia a figura do gráfico, ou melhor, do artista gráfico, do tipógrafo, do
talho-docista ou do xilógrafo, a transportar para o papel e em língua nativa a
reprodução de um mundo que se desenvolvia rapidamente. Para se ter uma idéia do
trabalho executado pelo pessoal da E. & H. Laemmert, por volta de 1885
Havia, no total, 124 empregados, dos quais cinco se ocupavam com
a leitura das provas, quarenta e dois com a composição, dez com a
impressão, cinqüenta e dois com a encadernação, cinco com a
estereotipia e clicheria e quatro na administração e almoxarifado. Um
departamento para a produção de autotipias (...) estava sendo
construído (...) Sete anos mais tarde, em 1891, as oficinas possuíam
máquinas que podiam imprimir, ao mesmo tempo, frente e verso da
folha. Eles tinham sua própria fundição de tipos e estavam até
imprimindo papel-moeda para o Estado de São Paulo. (HALLEWELL,
1985, p. 164).
77
Laemmert foi também pioneiro do ramo das publicações infantis, tendo
produzido – a partir de traduções e ilustrações feitas no Brasil – As viagens de
Gulliver, Dom Quixote, Robson Crusoé, entre outras. A casa começou a desenvolver
a fototipia entre 1882 e 1884 para a ilustração de livros, mas era uma técnica cara
para pequenas tiragens. Vários outros títulos fizeram sucesso, como O cozinheiro
imperial, o primeiro livro de culinária brasileiro, que alcançou dez edições. Na
imagem abaixo, entre as raríssimas do livro, percebe-se alguma dificuldade de se
representar artisticamente animais abatidos.
O cozinheiro Imperial, edição de 1877. E. & H. Laemmert .
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco, http://www.fundaj.gov.br
Em meados do século, a empresa tinha produzido cerca de 650 títulos no
total, chegando aos primeiros anos do seguinte a 1400 trabalhos de autores
brasileiros, o que mostra uma invejável saúde empresarial em um mercado
imprevisível, ainda que crescente, e que precisava de matérias primas estrangeiras.
Eduardo Laemmaert voltou várias vezes à Europa para lá ficar de vez em
1887, onde morreu em janeiro de 1880. Seu irmão, Henrique, permaneceu à frente
do negócio, mas também não durou muito, falecendo quatro anos depois. Jovens da
família assumiram a oficina e a livraria e, em 1898, a firma tinha filiais em São Paulo
e Recife. Um incêndio, em 1909, destruiu a livraria, cujos direitos autorais foram
vendidos à Francisco Alves, outra grande editora que surgia. O velho Almanaque
Laemmert, de tanto sucesso, foi vendido a particulares, mudou de nome e acabou
78
como órgão do Jockey Club do Rio de Janeiro em 1925. Em 42, outro incêndio
destrói a sede do Almanack, sendo seu último número relativo ao ano de 1943.
Sabe-se que continuou como tipografia, havendo notícias de uma pequena Gráfica
Laemmert, no Rio de Janeiro, por volta de 1970.
4.4 – Briggs e o mercado de imagens
Frederico Guilherme Briggs foi outro dos nomes mais antigos e importantes
para as artes gráficas no país. Seu trabalho está relacionado aos inícios da
reprodutibilidade de imagens no Rio de Janeiro, além de representar um valioso
documento sobre a cidade, seus tipos, seu entorno e sua paisagem. O início de sua
atuação como artista e impressor foi dedicado a colher vistas do Rio em desenhos
feitos por ele próprio e por outros artistas para depois imprimi-las principalmente em
litografia, meio em que se tornou conhecido. Sua contribuição é inestimável, uma
vez que, filho de estrangeiro, soube interpretar as cores e os tipos brasileiros que se
formavam em um país escravagista, que crescia rapidamente impulsionado pela
nascente economia do café.
Briggs nasceu em 1813, durante o período de permanência de D. João VI e da
família real portuguesa no Brasil. Era filho do comerciante inglês William Briggs,
tendo na infância frequentado raros colégios do Rio. O jovem teve aulas de desenho
com os pintores Édouard Philippe Rivière, Felix Emile Taunay e Grandjean de
Montigny, nomes importantes com laços na Missão Artística Francesa. Aos
dezesseis anos, Brigss frequentava a Academia Imperial de Belas Artes como aluno
“amador”,
aprendiz
de
arquitetura
e
paisagem.
Em
1833,
matriculou-se
definitivamente na referida academia e no mesmo ano tentou um concurso para
professor-substituto da instituição, no qual não passou. No ano seguinte, deixa a
escola, preferindo trabalhar com o mestre Rivière e o colega Barros Cabral em uma
oficina litográfica estabelecida na Rua do Ouvidor. Eduard Rivière, segundo Lygia da
Fonseca Fernandes da Cunha, em seu Ludwig and Briggs, Lembrança do Brasil
(Sedegra, s/d, RJ), estava no Rio desde 1826 e fora aluno premiado da Academia
de Pintura de Paris. São certamente de sua mão trabalhos que depois foram
creditados somente a Briggs.
Este, claro, já percebia a existência de um mercado no Rio de Janeiro,
específico embora pequeno, na matéria de reproduções e arte. Lançou-se então
79
como mestre de desenho, obtendo prestígio com o que aprendera de tão bons
professores. A firma do pai, entretanto, ia mal e abriu falência, obrigando a família a
viajar para o Velho Mundo. Briggs foi para a Inglaterra, em março de 1836, também
com a finalidade aprender melhor a litografia, técnica que se popularizava como o
mais indicado meio de reprodução de imagens. Seu destino era uma das mais
respeitadas oficinas litográficas inglesas da época, a Day & Haghe, pertencentes a
artistas que se especializaram em estampas de pessoas em cenas urbanas
francesas e belgas. Devem ter nascido desta experiência outros trabalhos impressos
por Briggs no Brasil, como figuras de escravos e tipos comuns das ruas do Rio de
Janeiro. Não apenas de suas mãos saíam os traços que depois dariam origem a
impressos, sendo conhecida a participação de grandes artistas nestes trabalhos,
como o próprio Rivière e Eduard Hildebrantd, este último tendo circulado o mundo,
anos antes, na coleta de imagens urbanas e paisagens para o governo alemão.
Briggs já levara na viagem vários traços e originais captados por aqui, o que
resultou na impressão inglesa de, pelo menos, dois trabalhos de grande fôlego para
um iniciante: o Panorama da Cidade do Rio de Janeiro, e a Folhinha Nacional
Brasileira (para o ano de 1837), esta com 25 pequenas paisagens ou vistas do Rio,
além dos retratos do imperador e suas irmãs, obras que alguns autores atribuem a
Rivière. Os habitantes do velho Rio de Janeiro viam, com certeza, nas paisagens
urbanas bem impressas o ápice mais próximo de uma civilização, da qual só tinham
notícias pelos vapores que por aqui aportavam. A transferência da representação
artística, traduzida pelas vistas da cidade, de suas ruas e de sua gente significava
também as esperanças de um mundo melhor, mais integrado ao próprio mundo.
Como lembra a historiadora Celeste Zenha,
O exemplo de Briggs nos permite afirmar que havia um mercado
para as vistas do Brasil no Rio de Janeiro, anteriormente ao evento
da fotografia. Também fica evidenciado o fato de que muitas
litografias foram produzidas por artistas que, antes de se tomarem
litógrafos, haviam se dedicado ao desenho e à pintura. Obviamente,
os padrões estéticos expressos nesse novo processo de produção
de imagens de paisagens guardavam muito da formação de origem
de seus artistas. No entanto, novas experiências e soluções,
desenvolvidas para um público mais amplo e menos elitizado,
conferiram a esses produtos particularidades que, de alguma
maneira, alteraram os padrões de representação visual então
vigentes (ZENHA, 2004, p. 28).
80
Briggs ficou na Europa pouco menos de dois anos, voltando para abrir seu
negócio no centro da cidade. Chegou com novas idéias e bem mais pragmático,
anunciando uma série de impressos efêmeros e de utilidade prática, como cadernos
pautados, de caligrafia, além de caricaturas ingênuas e cartões de visita. Por que
teria abandonado as vistas do Rio de Janeiro, de tão grande sucesso no seu lápis e
no pincel de outros artistas? Antes de revelar-se tão ou mais comerciante que
artista, porém, Guilherme Briggs tinha já produzido belas imagens do Rio de Janeiro
e de seus tipos. Em 1832, foram feitas por ele – ou por Rafael Mendes de Carvalho
(1817-1870) - uma série de aquarelas depois litografadas em sua oficina. Eram tipos
de rua, escravos, senhores e vários momentos da cidade em traços que mostravam
mais objetividade na captação da cena do que sua exploração artística. Ao
passarem à pedra, nota-se maior economia nas cores, o que certamente ocorreu na
impressão, pois a base desses desenhos é o traço em preto que só depois receberia
outras tintas. Mesmo assim, a obra é de reconhecida importância antropológica e
etnográfica. Abaixo, dois momentos - e desenhos - atribuídos a Briggs:
F. G. Briggs, “Cadeirinha”, (entre 1829 a 1832), e “A família indo a Missa”, de 1849. litografia aquarelada.
Fonte: “Lembrança do Brasil, Ludwig and Briggs”, Sedegra, RJ, s.d.
Em 1840, Briggs anunciava a abertura de sua litografia em novo endereço da
Rua do Ouvidor, onde estampava mapas, letras, faturas, circulares, tabelas de
preços, bilhetes, etiquetas para boticas, música, etc, fazendo ainda “transportes” e
fac-similes. Uma de suas publicações, O Caricaturista, seria pioneira em um ramo
seguido depois por outro nome de peso nas artes gráficas do Brasil e presente neste
81
estudo: Ângelo Agostini. Para uma idéia sobre a demanda de impressos para uma
cidade que começava a crescer, o próprio Briggs ressentiu-se de mão de obra
especializada, e colocou nos jornais uma oferta segundo a qual aceitava empregar
aprendizes de impressores, dando imediatamente casa, comida e algum salário.
Muitos destes continuariam na atividade gráfica, substituindo os que voltaram a seus
países de origem.
Em 1843, Briggs associa-se ao litógrafo prussiano, ou belga, Peter Ludwig,
que chegara ao Brasil e voltara à Europa para aprendizado e novas compras, pois,
como vimos, as oportunidades pareciam crescer. Outras produções da dupla
definem a importância da litografia neste início da indústria gráfica brasileira. As
revistas, para conterem imagens, demandavam tempo maior na produção,
inaugurando a cooperação entre algumas oficinas existentes na corte. Como diz
Ferreira,
Atribui-se tradicionalmente à oficina de Ludwig & Briggs (...)
dezenove das cinqüenta excelentes estampas litográficas que saíram
na revista Ostensor Brasileiro, publicada em 1845-1846, a maioria
das quais está assinada por Heaton e Rensburg (...) a capa também
é primorosa, contendo a assinatura da oficina da Rua dos
Pescadores, de Briggs. (FERREIRA, 1994, p. 376)
Em fins de 1849, os sócios anunciam nova mudança de endereço, desta vez
para a Rua dos Ourives. Pouco antes, produziram o álbum The Brasilian Souvenir, a
Selection of the most peculiar Costumes of the Brazil, de trinta páginas, para
Ferreira, “sem qualquer valor como obra de arte”. Por volta de 1870, Frederico
Guilherme Briggs desaparecia no Rio de Janeiro.
Um dos maiores colecionadores de documentos e imagens sobre o Brasil Rio de Janeiro em particular - o empresário Paulo Fontainha Geyer, falecido em
2004, conseguiu adquirir ao longo da vida um riquíssimo acervo, doando-os em
1999 ao Museu Imperial de Petrópolis. À famosa Coleção Geyer, seu proprietário
juntou sua própria casa, um recanto histórico do século XIX, no Cosme Velho, em
favor da referida entidade. Muito do que se conhece da produção de Briggs,
inclusive trabalhos encontrados no exterior, estão presentes no acervo, que
surpreende pela qualidade e estado de conservação. Segundo a historiadora Maria
Inez Turazzi, coordenadora do Projeto de Inventário e Conservação da Casa Geyer,
82
No decorrer do século XX, estampas avulsas, panoramas e álbuns
da Litografia Briggs foram garimpados no exterior e “repatriados”
para as coleções brasileiras. Tendo sobrevivido à ação do tempo, da
natureza e dos homens, as cento e nove obras reunidas na
publicação são extremamente raras, encontrando-se pouquíssimas
imagens com a marca da oficina Briggs em outras coleções e
instituições do país, inclusive a Biblioteca Nacional, onde foram
publicadas as principais obras de referência sobre o artista. Além do
catálogo já citado, a instituição também realizou, há pouco mais de
trinta anos, uma edição facsimilar do álbum “The Brazilian souvenir”,
precedido de um estudo histórico-biográfico sobre Briggs e sua
oficina. (TURAZZI, 2006,)
É admirável o trabalho de colecionadores, estudiosos e amantes da história e
da arte brasileira, que conseguiram conservar verdadeiras jóias de nossa cultura. É
também é fundamental o esmero de instituições como a Biblioteca Nacional na
conservação de reproduções e originais de Briggs e de outros artistas do século XIX.
4.5 Leuzinger, a imagem entre o traço e a foto
Em 1832, sete anos antes da apresentação do daguerreótipo – primeira
máquina fotográfica, apresentada na França por Louis Daguerre - chegava ao Brasil,
aos 19, o suíço Georges Leuzinger, que se tornaria um dos mais importantes
personagens da reprodução gráfica e da então iniciante história da fotografia e em
nosso país. O interesse pela imagem, segundo conta o pesquisador Sergio Burgi
(Cadernos de Fotografia Brasileira, nº 3: “Georges Leuzinger”, ed. Instituto Moreira
Salles – junho de 2006), teria nascido a partir das paisagens circulares em forma de
rotundas pintadas - expostas em várias cidades da Europa no início do século XIX e que teriam chamado a atenção do rapaz.
Leuzinger tornou-se um empresário de sucesso, além de editor, tipógrafo,
litógrafo e fotógrafo. Seu trabalho ficou conhecido pelo apuro, servindo ao mercado
e à administração do Império. Considerado um virtuose das artes gráficas, Leuzinger
trabalhou com os grandes nomes da época, brasileiros ou não, transferindo para a
fotografia - à qual acabaria se dedicando - muitos princípios da pintura, notadamente
paisagens. Tendo adquirido, em 1840, loja de um tio, Leuzinger ampliou suas
atividades num empreendimento que ficou nacionalmente conhecido como Casa
Leuzinger, congênere tropical dos bons impressores europeus.
83
O Rio de Janeiro, por sua condição geográfica e beleza, ou pelo crescimento
como capital do império, era destino de viajantes que por aqui passavam a negócio,
passeio ou pesquisas. Ter uma reprodução de qualidade, como um álbum de
paisagens, significava alguma notabilidade, assim como portar documentos e papéis
de fino acabamento para um bilhete ou correspondência regular. O mercado gráfico,
a reboque dos novos costumes, ensejava oportunidades e tornava possível fabricar
por aqui o que chegava de navio da França ou da Inglaterra.
Por volta de 1843, segundo Hallewell, ele mandou vir da Europa artistas
gravadores em madeira que deixaram aqui aprendizes formados, principalmente na
gravura de topo (que podia imprimir melhor com a tipografia). É possível que os
primeiros cartões postais do Rio realizados pelo suíço tenham sido gravados dessa
forma. O mais importante é que, aos poucos, formava-se a mão de obra artística
indispensável à continuação da atividade gráfica.
A loja de Leuzinger ficava também na Rua do Ouvidor, onde estavam
montadas as novas máquinas tipográficas; fazia-se ali, além da impressão de textos,
talhos-doces ou xilogravuras, belas encadernações, pautação e litografia. De lá
devem ter saído seus álbuns, como informa Burgi:
Em 1865, o desafio de produzir, editar e comercializar fotografias foi
também abraçado por Georges Leuzinger. No curto prazo de um a
dois anos, fotografou intensamente a paisagem carioca e de seus
arredores. As imagens foram colocadas à venda através de catálogo
publicado por sua tipografia, sempre em formatos pré-definidos, de
forma seriada, individualizadas ou encadernadas em álbuns, com
acabamento gráfico e tipográfico característico de seu trabalho
anterior em edições litográficas. Essas imagens integraram a
Exposição Nacional de outubro de 1866, no Rio de Janeiro, e no ano
seguinte foram expostas e laureadas na Exposição Universal de
Paris. (BURGI, 2006, p. 149)
Reunindo outros profissionais, Leuzinger expandiu seus interesses para
constituir um grande projeto iconográfico. Fotografava não só o Rio de Janeiro e seu
entorno, como também outros lugares do país, constando de seu trabalho um
grande empreendimento amazônico, a cargo do amigo Albert Frisch, que viajou ao
norte para colher as primeiras imagens fotográficas da região, seus índios, sua
fauna e flora. Segundo Burgi, a produção de Leuzinger, quase toda entre 1865 e
1875, pode ser agrupada em cinco divisões: panoramas e paisagem do Rio e seus
84
arrabaldes; vistas de Niterói; vistas da Serra dos Órgãos, Teresópolis e Petrópolis;
documentação botânica; documentação paisagística e etnográfica da região
amazônica.
Já vimos que Leuzinger esteve bem próximo a dois franceses que vieram ao
Brasil especialmente para produzir uma documentação sobre o país a convite do
Imperador Pedro II: Victor Frond e Charles Ribeyrolles. Frond, fotógrafo,
documentou o Rio de Janeiro e seus arredores, enquanto Ribeyrolles escrevia o
texto para o álbum “O Brasil Pitoresco”, impresso na Maison Lemercier, em 1861.
Curioso destacar que o jovem Machado de Assis, juntamente com Joaquim Manuel
de Macedo e outros intelectuais, fizeram parte do grupo que traduziu a obra para o
português a partir do texto de Ribeyrolles. As imagens urbanas, de há muito, eram
objeto da admiração do suíço, e não apenas composição para um simples primeiro
plano das paisagens. O assunto, aliás, é ao mesmo tempo antigo e palpitante, como
revela Carlos Martins, artista plástico e outro articulista do citado Cadernos de
Fotografia Brasileira:
Os incontáveis registros feitos no século XIX pelos fotógrafos que
passaram pelo Rio de Janeiro ou aí se estabeleceram fazem parte
de uma tradição que, em sua origem, remonta à pintura de cidades,
gênero que começou a ser praticado sistematicamente a partir do
século XVII, na Holanda. Quando os artistas perceberam a
necessidade da busca de novos assuntos para satisfazer o gosto da
burguesia emergente, agora também mecenas das artes, o registro
iconográfico de um edifício, legitimando uma propriedade ou
celebrando uma melhoria, passa a ter seu próprio mérito. Assim
também as vistas da cidade ou aspectos (...) de ruas ou praças
deixam de ser meramente o segundo plano de pinturas históricas ou
religiosas. O retrato da cidade passa a ser assunto e não mais um
pano de fundo. (MARTINS, 2006, p. 25)
Leuzinger experimentou novas técnicas, em especial a fotolitografia, a
fototipia, e a fotogravura. Em 1867, ele aumenta o patrimônio e seu ateliê fotográfico
é premiado com menção honrosa na exposição de Paris, com vistas do Rio de
Janeiro, primeira distinção internacional do Brasil em fotografia (àquela altura,
cumpre informar, Marc Ferrez, que tinha sido aprendiz da empresa, já tinha um
pequeno estúdio fotográfico no centro da cidade).
Em 1873, Leuzinger volta à Europa para um passeio com a família. Seu
estabelecimento, além do antigo endereço, passou a ocupar dois prédios na Rua do
Cano (Sete de Setembro), um deles com três andares. Suas impressoras eram
85
movidas a gás e sua folha de pagamento registrava mais de 50 empregados diretos.
A dez anos da proclamação da República, a casa imprime vários jornais ilustrados,
entre eles O Besouro, Folha Ilustrada, Humorística e Satírica, dirigida por Rafael
Bordalo Pinheiro.
Revela Segio Burgi que, entre documentos do espólio de Leuzinger, doado à
Fundação Moreira Salles pelo seu filho Paul, encontram-se exemplares de
fotolitografias produzidas por volta de 1870, pelo seu genro Franz Keller. Eram
resultados da impressão a partir de um mesmo original fotográfico, desenhado por
Keller para serem reproduzidos em série. Isso revela que Leuzinger foi precursor
das técnicas que possibilitaram, depois, o surgimento do clichê tipográfico. Curioso
destacar o enquadramento das imagens feitas por ele: bem semelhante à pintura
clássica tradicional, padrão que seria mantido por muitos anos. Muitas de suas fotos
serviram de base a tiragens em pedra litográfica.
Leuzinger, 1865. “Igreja de Santa Luzia”.
Fonte: Cadernos de fotografia brasileira, 2006 – Inst. Moreira Salles.
Antes que século acabasse - e com ele Leuzinger - é justo destacar o seu
belo trabalho com as imagens. As vistas do Rio, com as quais sua biografia foi mais
conhecida, mostravam grande apuro gráfico. Essas mesmas paisagens, a maioria
transferida para a pedra litográfica por artistas franceses, como Alfred Martinet e
Iluchar Desmonds (professor, desenhista e litógrafo, chegado em 1840), não tinham
como destino apenas o Rio de Janeiro; o mesmo material, depois de impresso, era
86
remetido a outras capitais européias, como Londres e Portugal, onde era notório o
interesse pela tropical paisagem carioca.
Leuzinger morre em 1892 e a família assume o negócio, transferindo o
patrimônio para a Praça Tiradentes, mesmo endereço de outros nomes que fizeram
a história das artes gráficas no Brasil. Um incêndio, cinco anos depois, destruiu
quase todas as instalações da empresa, que mudou-se novamente para a rua do
Lavradio, seu último endereço até meados do século XX, quando desaparece.
Segundo Hallewell, a firma passou a existir apenas como tipografia. Por volta de
1930, ostentava a humilde e definitiva designação de “Gráfica Ouvidor”.
4.6 Heaton & Rensburg, uma Lemercier tropical
Quando chegaram ao Rio de Janeiro, em 1839, o inglês George Mathias
Heaton (1804 – após 1855), de 36 anos, e o holandês Eduard Rensburg (1816 –
após 1895), de apenas 23, havia menos de vinte litografias na cidade, mas o número
de gravadores e desenhistas que se ocupavam de planejar e produzir originais era
grande. O mercado, entre a Regência e a subida ao trono do menino Pedro II, já
buscava uma organização para atender à crescente demanda de produtos gráficos,
fossem eles de utilidade, como notas fiscais, papéis de cartas e recado, cadernos,
envelopes, etc, ou vistas Rio, de outras cidades, estampas, retratos, reproduções de
obras de arte, etc.
Heaton & Rensburg foi o nome comercial da melhor litografia brasileira de sua
época, comparável mesmo às melhores da Europa. O inglês Heaton, além de pintor,
era litógrafo; Rensburg desenhava e também dividia com ele o domínio da pedra
calcárea. O primeiro endereço da nova empresa era a Rua do Hospício, esquina
com o Beco do Fisco, ponto hoje conhecido como Mercado das Flores, centro da
cidade. Profundos conhecedores de arte e bons comerciantes, os sócios dedicaramse logo à venda ou aluguel de pedras litográficas, assim como tintas e outros
acessórios para a produção das matrizes. É que, como visto, nem todos os gráficos
eram impressores: muitos trabalhavam em casa ou em ateliês próprios e alugados,
criando composições para seus clientes. Às vezes, uns apelavam aos outros, como
informa Costa Ferreira:
87
Essa colaboração de nomes famosos das artes gráficas do Rio
antigo parece ter sido rara. Foi novamente realizada por
Martinet em 1847, quando anunciou a 13 de abril O Brasil
Pitoresco, Histórico e Monumental, álbum com litografias de
paisagens e monumentos impressas por Heaton & Rensburg,
e publicado por E. e H. Laemmaert. (FERREIRA, 1994, p. 387)
Vários outros artistas chegariam ao Rio nesta época: o citado Joseph Alfred
Martinet, por exemplo, veio da França e abriu seu ateliê no centro da cidade. Como
outros artistas, enviava parte de seus trabalhos para Heaton & Rensburg. É de 1843
uma das primeiras surpresas gestadas nas oficinas dos sócios: a impressão dos
beija-flores, estampa litografada para o desenho do médico e naturalista francês
Jean Theodore Descourtilz (ver cap. 2, Técnica, gravura e reprodução da imagem),
segundo Marçal Ferreira de Andrade “o primeiro feito notável na história da gravura
brasileira em cores”.
Na disputa com a fotografia, já modestamente praticada, as estampas feitas
na pedra e impressas em cores – que podiam ser muitas – levavam grande e
curiosa vantagem, uma vez que dependiam apenas dos desenhistas, dos pintores e
da eficiência dos impressores. Como visto no capítulo anterior, a fotografia não tinha
facilidade em ser transferida para a pedra ou para outro suporte com a mesma
exatidão com que era captada; o processo só avançou a partir da segunda metade
do século. A imagem assim construída ganhava então dos daguerreótipos,
correspondendo ao imaginário de quem “via” os fatos através da arte de estampar,
sem conviver ainda com o frio registro da nova técnica. Entre os artistas brasileiros
que trabalhavam ou enviavam encomendas para Heaton & Rensburg estava Antonio
de Pinho Carvalho (A. de Pinho), ex-aluno da Academia Imperial de Belas Artes e
um dos grandes artistas gráficos no Rio de Janeiro. Alguns trabalhos da oficina,
como o álbum “Rio de Janeiro Pitoresco”, impressionam pelo acabamento.
O trabalho a seguir é de autoria dupla: Abraham-Louis Buvelot e Auguste
Moreau, pintores, litógrafos e fotógrafos que viveram no Rio de Janeiro a partir de
1840. Observar o sutil equilíbrio da paisagem, entre o céu e o mar.
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Buvelot e Moreau, 1845, Álbum “Rio de Janeiro Pitoresco”. 24X31 cm. impresso por Heaton & Rensburg.
Fonte. http://bndigital.bn.br
Em 1854, George Mathias Heaton afasta-se da sociedade. Anos depois,
Rensburg chega a montar uma fábrica de papel, outro empreendimento de coragem
para a época. Ao longo de sua história, alguns títulos saídos de seus prelos
comprovam a fama que gozava: Ramalhete das Damas (1842-1850), revista de
música; a Illustração Brasileira (1854-1855), Bazar Volante (1863-1867, O Arlequim
(1867), parte da Vida Fluminense (1868-1875) e inúmeras vistas, obras de
cartografia, de alta qualidade. A oficina durou até 1895.
4.7 Garnier, a casa editorial do império
A Garnier foi, sem dúvida, a maior casa editorial do Império no Brasil e uma
das grandes responsáveis pelo desenvolvimento de nossas letras. Se a imagem não
foi sua vocação, a carreira de editor ajudou indiretamente no surgimento de artistas
gráficos, muitos deles dedicados ao traço e à confecção de desenhos e ilustrações,
razão pela qual seria difícil não incluir este nome no presente estudo. Mas a história
desta organização, que ultrapassou o século XIX editando os maiores escritores
brasileiros e os sucessos internacionais da literatura, tem raízes semelhantes a de
muitas outras gráficas e editoras cujo início contou com a mão estrangeira que
apalpava nossa terra como um oásis para crescer. A Garnier funcionou aqui quase
89
um século, entre 1844 e 1934. As condições favoráveis para o estabelecimento de
livrarias na corte, entretanto, vinham de muito longe, da França, que, segundo
Hallewell, teve a necessidade de distribuir seu excedente editorial a partir da queda
de Napoleão e de outras injunções políticas e econômicas. O domínio cultural
exercido pela França a partir da Revolução apontava para outras praças onde o livro
poderia se transformar em sucesso comercial. É Laurence Hallewell quem de novo
informa:
O Brasil oferecia perspectivas particularmente atraentes. Tendo
conquistado as vantagens econômicas da Independência (...) ele
proporcionava os requisitos de estabilidade e prosperidade, somados
a uma receptividade excepcional a todos os adornos da cultura
francesa. No fervor de seu nacionalismo recém-descoberto, o Brasil
passou a responsabilizar a herança portuguesa pelo atraso nacional
e (...) a identificar tudo que era francês como moderno e
progressista. (HALLEWELL, 1985, p. 126)
Este panorama atraía visitantes e investidores do mercado editorial, certos de
acharem no Rio de Janeiro a curiosidade de um país que precisava equiparar-se
culturalmente com o resto do mundo. Baptiste Louis Garnier era um desses jovens.
Nascido na Normandia, trabalhou em editoras parisienses com os irmãos e decidiu
viajar ao Brasil por volta de 1837, onde, depois de uma acomodação, fixou sua loja
na rua do Ouvidor, meca dos livreiros de toda parte. O endereço escolhido ficava em
frente aos Laemmert, cujo Almanack foi brevemente estudado neste capítulo.
No início, Garnier não vivia apenas da venda de livros, comercializando
também artigos de papelaria, guarda-chuvas, bengalas, unguentos, charutos e
outras miudezas. Não teve, de início, intenção de instalar uma gráfica, mas de
intermediar a fabricação de livros, o que o tornava um editor. O endereço recorrente
para a composição das encomendas era Paris, onde parte da família ainda vivia e
imprimia. Garnier, homem de faro comercial, sabia que o apelo esnobe fornecido por
tudo que se fazia na sua terra, transformava-se em sucesso por aqui, como a
composição do texto, o acabamento gráfico, as capas douradas a mão, as
encadernações de luxo e, enfim, o indiscutível esmero que as gráficas francesas
dedicavam às obras lá finalizadas. Em 1859, Garnier começou a produzir uma
publicação quinzenal, a Revista Popular, que depois de ser impressa no Rio, acabou
sendo feita na França, transformando-se mais tarde no famoso Jornal das Famílias,
em que colaboraram os mais importantes nomes das letras brasileiras: José de
90
Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac e outros. O Jornal das Famílias tinha
diferenciais consideráveis, principalmente nas imagens. Voltado ao público feminino,
publicava figurinos, estampas de modas, pautas musicais, bordados e outras
ilustrações, poucas delas feitas aqui. Sem tocar em questões políticas como a
emancipação da mulher, a publicação teve vida longa, de 1863 a 1878. A seguir, o
primeiro livro de poesia de Machado de Assis. Notar a marca central: B.L.G.
“Chryalidas”, primeira obra impressa de Machado de
Assis. Livraria Garnier, Rio de Janeiro, 1864. Fonte:
http://bndigital.bn.br
O aspecto cultural e a curiosidade sobre os valores franceses, entretanto, não
eram as únicas razões para que se imprimisse fora do Brasil. Havia a questão
econômica: a realidade e os impostos brasileiros não podiam competir com a
qualidade, o acabamento e os custos que se conseguiam fora. Embora o frete de
navio para trazer as obras até o Rio fosse caro, ainda assim era vantagem imprimir
na Europa, onde já começavam a aparecer as primeiras rotativas tipográficas por
volta de 1850. No Brasil, não havia ainda tiragens e mercado para tanto, embora a
demanda por jornais – em que as rotativas eram mais necessárias – já fosse bem
maior que nas décadas anteriores. Os trabalhos gráficos mais simples custavam
duas vezes o preço cobrado no exterior; se houvesse ilustrações, o preço era o
triplo. Mas Garnier acabou tendo uma gráfica, o que contraria o modo com que
conduzia sua atividade editorial. Essa gráfica, de pouca duração, chamou-se
91
“Tipografia Franco-americana” e foi conduzida na década de 1870 por franceses
radicados no Rio.
Este homem, que viera de tão longe para explorar o mercado editorial
brasileiro, ficou rico, apesar da fama de avarento. Acabou conhecido pelo apelido de
“Bom Ladrão”, uma brincadeira com as iniciais na sua loja – B.L. Garnier. Apesar
disso, era considerado extremamente ético nos negócios, pagando em dia e
publicando o que de melhor o país produziu em matéria de literatura. Garnier foi um
dos maiores editores de livros infantis brasileiros, conforme assinala a historiadora
Andrea Borges Leão em artigo para a Revista de História da Biblioteca Nacional
(março de 2009) . À época, as crianças - a maioria ainda sem escola e analfabetas podiam olhar os textos em francês ou português de Lisboa, sem compreendê-los,
mas deliciavam-se certamente com as imagens que os acompanhavam. Resumindo
este trabalho, diz ela:
a Garnier oferecia um catálogo com famosas coleções de clássicos
para crianças e jovens – fábulas de La Fontaine, contos de Perrault,
Andersen e irmãos Grimm –, livros que apresentavam as maravilhas
da indústria moderna e escritores como Mme. Le Prince de
Beaumont, autora do livro O Bazar das Crianças e do célebre conto
A Bela e a Fera. Crianças entre 3 e 6 anos, que ainda não haviam
aprendido a ler, podiam se deliciar com os chamados Álbuns de P.-J.
Stahl – pseudônimo do editor Pierre-Jules Hetzel – fartamente
ilustrados, como o ABC Trim e as peripécias de Toto e Tom.
(BORGES LEÃO, 2009)
A casa editou e imprimiu mais de 600 obras de autores nacionais, o que
representa, segundo Hallewell, quase um trabalho por quinzena durante o período
em que esteve mais ativo, entre 1860 e 1890. Alguns nomes que fizeram a história
da literatura brasileira passaram por seu crivo editorial para se tornarem conhecidos.
O velho Garnier providenciou aqui traduções para grande parte do que publicou,
entre elas Alexandre Dumas, Victor Hugo, Montepin, Octave Flaubert, Arsene
Houssaye, Julio Verne e outros. Editou também trabalhos de não-ficção, como livros
de medicina, filosofia, educação, etc.
A figura desse importante editor, que morreu no Rio em outubro de 1893, fica
imortalizada pelo longo e incansável trabalho que desenvolveu na cultura, nas letras
(e, por que não?, nas imagens) nacionais. Garnier era o retrato emblemático do
afinador de piano que não tocava o instrumento, mas conhecia como ninguém a
92
música que ele poderia produzir. O velho editor morreu em 1893, em sua casa de
Santa Teresa, sem deixar descendência.
A Garnier não acabaria com o seu primeiro editor, emblematizado como “O
livreiro do Paço”. A empresa foi mantida por seu irmão, Hippolyte, que, a partir da
França, continuou a tocar o negócio. Vendida a um antigo funcionário, Briguiet, a
empresa ficou com os direitos autorais de todos os grandes autores que Louis
Baptiste desencavou no Brasil. A loja da Rua do Ouvidor acabou vendida a uma
imobiliária, que a demoliu em 1953, construindo um banco no local.
4.8 Sisson, traços e retratos de uma época
Não são numerosas as referências ao alsaciano Sébastien Auguste Sisson,
desenhista e litógrafo aqui chegado em meados de 1852. Mas foi ele um dos mais
importantes artistas gráficos estabelecidos no Rio. Sisson nasceu em 1824, em
Issenheim; era exímio retratista, qualidade que o fez, no Brasil, um dos mais
respeitados de sua época. Sisson naturalizou-se brasileiro e colaborou muito na
preservação e restauração de obras da antiga Biblioteca Nacional, atacadas à época
pela traça. Ele havia se estabelecido, em 1855, na Rua do Senado, informando que
a especialidade da casa eram retratos, na certa um excelente negócio enquanto a
fotografia não chegava à maioridade: os traços de Sisson e dos outros desenhistas
da época eram mais rápidos que a o resultado da luz sobre o colódio úmido que
então era utilizado para se obter negativos fotográficos. Vários endereços surgem
nas pesquisas como lugares onde trabalhou e viveu, todos no centro da cidade.
Mas Sisson também usou a fotografia para transportá-la à pedra litográfica e
fazia isso através de traços firmes e fiéis à personalidade retratada, a foto servia de
guia para o transporte. Um de seus sócios foi justamente o fotógrafo Victor Frond, já
visitado aqui. Mas a união, ao que parece, não deu certo, pois Frond já tinha em
mente o álbum Brazil Pittoresco, feito efetivamente, mas em parceria com o francês
Ribeyrolles.
Logo depois de chegado, Sisson já produzia para as incipientes revistas da
época, como a L’Iride Italiana e o Brasil Illustrado, ambas impressas nas oficinas de
Paula Brito ou de Rensburg. Duas, entre outras, foram as grandes obras de Sisson:
o Álbum do Rio de Janeiro Moderno, com 12 cromolitografias, e sua inestimável
Galeria de Brasileiros Illustres, coleção em dois volumes com retrato e texto
93
correspondente a cada um dos políticos e nomes proeminentes da administração
pública brasileira do segundo reinado.
No Álbum, Sisson produziu imagens de alguns logradouros do Rio de Janeiro
(ver capítulo 3) por volta de 1860, como o Jardim Botânico, o interior da igreja do
Santíssimo Sacramento, e a Ilha da Boa Viagem, em Niterói.
Sisson, Vista da Boa Viagem, litografia, 31,2X44,5cm. Álbum do Rio de Janeiro Moderno.
Fonte: http://bndigital.bn
Seria difícil dizer que o breve colorido de algumas imagens tenha sido
resultado da impressão litográfica, ou se o desenho foi aquarelado depois de
impresso, prática, como vimos, comum em função da dificuldade de se reimprimir
em registro seguidamente sobre a mesma imagem. Afora a qualidade dos desenhos,
trata-se de documento dos mais importantes para o estudo da iconografia do Rio de
Janeiro em meados do século XIX. Com relação à estética e à composição, a
coleção mostra a mão fina do artista, que equilibra as proporções, a profundidade
das paisagens e a sensibilidade em captar a natureza de uma terra estrangeira para
ele. Com relação aos retratos da Galleria, sua mão era conhecida na fidelidade com
as personalidades da época:
94
Sisson, 1861. Litografia. Galleria de Brasileiros Ilustres, 51X54 cm.
Fonte: http://bndigital.bn.br
A Galleria é composta de 44 imagens litografadas de famosos, como a
imperatriz Teresa Cristina, o imperador Pedro II, o Barão de Mauá, o Marquês de
Paraná, o Visconde de Uruguai, o Marquês de Olinda e dezenas de outros, que hoje
dão nome a tantas ruas do Rio de Janeiro e do Brasil. A obra é de fôlego e coragem,
e o empreendimento deve ter sido arriscado caso não contasse com algum tipo de
subvenção oficial ou mesmo apoio financeiro dos retratados. Os traços de Sisson
foram responsáveis por imortalizar figuras do império brasileiro até hoje impressas
em livros colegiais para as aulas de História. É material de fino acabamento. Cada
retrato da Galleria é acompanhado de longo texto explicativo que reconstrói desde a
juventude a vida do homenageado. O autor dos textos, por sinal, é ninguém menos
que José de Alencar, escritor de tantos romances igualmente imortalizados na
literatura brasileira.
Embora atribuídas a Ângelo Agostini, as primeiras histórias em quadrinhos
publicadas no Brasil podem ter sido obra de Sébastien Sisson, conforme revela Luiz
Guilherme Sodré Teixeira em seu artigo O traço como texto: a história da charge no
Rio de Janeiro de 1860 a 1930. (Fundação Casa de Rui Barbosa, 2001). Agostini,
diz Sodré, publicou suas HQs por volta de 1869 em A Vida Fluminense, mas se
abstrairmos que as chamadas “reportagens visuais” desenhadas por ele para o
Diabo Coxo podem ser precursoras dos quadrinhos modernos, veremos que, já em
1864, em São Paulo, surgia claramente essa dinâmica modalidade de comunicação.
95
A menção a Sébastien Sisson como primeiro do gênero deve-se, certamente, à
criação de personagens, critério que bem pode definir o que é e o que não é história
em quadrinhos. Nosso alsaciano desenhou e publicou, em 1855, “Namoro, quadros
ao vivo por S ..., o Cio.”, uma brincadeira de costumes em que o termo “quadros ao
vivo” bem caracteriza a intenção do artista em movimentar seu desenho através da
seriação. Em relação às HQs, é ainda Sodré quem estranha a ausência de critérios
mais claros para definir o surgimento do gênero - sem nacionalismo barato - em
terras brasileiras:
Podemos ir mais fundo ainda na pesquisa das origens históricas da
charge que, entre nós, se confundem com a própria história das
HQs: em 1855, (...) Sebastien Auguste Sisson desenha uma HQs...
Antes dele, em 1847, apenas o suíço Rudolphe Töpfer criara algo
semelhante no álbum Histoires en Stampes. Töpfer, entretanto,
veicula suas histórias em pranchas avulsas – como o próprio nome
indica, e como era costume na época – enquanto Sisson publica a
sua na Brasil Ilustrado, uma Revista Ilustrada perfeitamente
caracterizada como tal. Não é curioso que o suíço seja citado em
livros sobre o assunto e Sisson permaneça esquecido, sobretudo,
entre nós? Por que essa raiz comum e original, que reúne dois
gêneros distintos numa mesma linguagem – charge e HQs –,
permanece ignorada entre os especialistas no assunto? (SODRÉ,
2001, p.3)
Outra curiosa referência sobre Sisson é que sua Galleria inspirou uma das
jóias da crônica jornalística dos oitocentos, assinada por Machado de Assis: “O
velho Senado”, publicado na Revista Brasileira em junho de 1898. Ironicamente - e
dando o braço à acidez machadiana - no mesmo ano em que o Bruxo do Cosme
Velho publicava aquele artigo, desaparecia no Rio de Janeiro o brilhante retratistalitógrafo Sébastien Auguste Sisson.
4.9 A arte e a escola de H. Fleiüss
Uma das maiores contribuições à história da reprodução da imagem no Brasil
tem outro nome estrangeiro como origem: Heinrich Fleiüss. Prussiano de Colônia
(ainda não havia ocorrido a unificação da Alemanha), Fleiüss nasceu em 1823,
chegando ao Brasil em 1858. Aquarelista de excelente mão, o jovem tinha estudado
Belas Artes em sua cidade natal, transferindo-se para Dusseldorf e Munique, onde
96
conheceu o naturalista Karl Friederich Phillipe von Martius. Como se sabe, Von
Martius viera aos trópicos em 1817, integrante da comitiva da arquiduquesa
Leopoldina da Áustria, viagem que trouxera ao Brasil o artista Arnaud Julien Pallière
(1783-1862), cuja estada aqui é, igualmente, resumida no início deste capítulo.
Com o visitante, dois outros recém-chegados: seu irmão, Carl Fleiüss, e o
pintor-litógrafo Carl Linde. A origem artística e a curiosidade pelas técnicas de
reprodução, além da vontade de vencer, como fica provado ao longo de sua vida,
foram responsáveis pela chegada deles à corte do segundo reinado.
Fleiüss desembarcou no Paço Imperial, portando, além de palhetas e pincéis,
o seu vade-mecum, o livro Reise in brasilien (Viagem pelo Brasil), de Von Martius e
Johann Baptiste von Spix, um dos primeiros estudos de natureza botânica, zoológica
e antropológica sobre o Brasil no século XIX. Além do livro, o artista vinha com uma
carta de recomendação de seu autor para Pedro II, então com 33 anos de idade.
Tudo deu certo para ele, que, em 1859, foi convidado pelo Paço para assistir e
documentar o encerramento da Assembléia Geral do Império. Seu nome, a partir
daí, circulou na corte e ele decidiu morar no Rio, abrindo uma pequena firma, a
Fleiüss, Irmão & Linde, cujo primeiro endereço era perto do Paço Imperial. No ano
seguinte era lançada a Semana Illustrada, revista de caricaturas e variedades que
fez história entre as publicações da época. A Semana, com efeito, saiu até 1876,
surpreendente e longa existência em comparação aos jornais e outras publicações
de seu tempo, muitas das quais não ultrapassavam a casa dos meses. De suas oito
páginas a revista programava quatro para as imagens e quatro para o texto, lógica
da produção gráfica antiga, que não permitia imprimir texto e imagem na mesma
página. Ainda assim, e pela dobragem do papel, essas páginas diferentes saíam
intercaladas, ou seja, uma para texto e outro para imagem, o que alternava
convenientemente a publicação.
Um dos pontos de destaque durante sua vida profissional em nosso país foi a
contribuição ao ensino das artes gráficas. Em 1861, o grupo teve a idéia de ensinar
a atividade a meninos da cidade. Pode ser que a decisão tivesse como fundo a
carência de mão de obra para tocar adiante o projeto da revista e de outros serviços
que seus proprietários já ofereciam, como retratos, pinturas a óleo, aquarela,
ilustrações de mapas, livros científicos, artísticos, etc. Mas a existência de uma
escola, como ficou conhecido o “Imperial Instituto Artístico” (o “Imperial” foi obtido
graças a serviços prestados a D. Pedro II), criado por eles, foi decisiva para o
97
aperfeiçoamento de pequenos artistas e técnicos que já apareciam no Rio de
Janeiro. Conforme a historiadora Lucia Maria P. Guimarães, na Revista Eletrônica
ArtCultura (http://www.artcultura.inhis.ufu.br),
A escola profissional ministrava cursos regulares, com duração
média de três anos, de litografia, de pintura a óleo e de aquarela, de
tipografia, de fotografia e de xilografia, técnica de impressão que até
então não se cultivava no Brasil. Os aprendizes pagavam módicas
mensalidades durante o primeiro ano letivo, passando a receber
remuneração pelos trabalhos executados, a partir do segundo ano.
Dentre os inúmeros jovens que ali concluíram sua formação, vale
lembrar o nome do tipógrafo João Henriques de Lima Barreto, pai do
futuro escritor Lima Barreto. (GUIMARÃES, 2010)
O Instituto deu ótimos resultados, e no ano seguinte anunciava estar no prelo o
seu Almanak, profusamente ilustrado por artistas nacionais que abriam desenhos
em madeiras também nacionais. Entre as inúmeras obras produzidas pelo Instituto,
duas são destacadas como exemplos de beleza e dedicação, principalmente porque
feitas em madeira, técnica que permitia a revelação de grandes vocações artísticas.
A primeira delas foi justamente o Almanak, de 1864, com 63 vinhetas feitas em
madeira de topo pelos alunos da casa. A outra novidade, do ano seguinte, tinha
feições mais profissionais: a Historia Natural Popular dos Animaes, em fascículos
mensais que somavam, ao cabo, cem páginas e mais 40 estampas intercaladas,
com 133 figuras representando animais exóticos, alguns copiados ou reinterpretados
de gravuras estrangeiras. Conforme Ferreira,
Preguiças, 1865, xilogravura de alunos do Intituto
Artístico Imperial, de Heinrich Fleiüss.
Fonte: Imagem e Letra, p. 191
98
São xilogravuras e litografias, algumas notáveis, infelizmente não
assinadas, pois se o Imperial Instituto foi uma instituição de notável
importância na história da xilogravura brasileira, parece que Fleiuss
não gostava que se tivesse conhecimento dos nomes de seus alunos
e colaboradores, ou também aí usava estereótipos importados e
procurava evitar a sua identificação. (FERREIRA, 1994, p. 190)
Era extensa a folha de serviços prestados pelo Imperial Instituto ao governo de
Pedro II, de quem Fleiüss se aproximara por razões políticas, sendo por isto objeto
de crítica por parte de outros artistas, principalmente os republicanos mais
esquentados, entre eles, como veremos, Angelo Agostini, que também atacara e
agradara a monarquia.
Saíram de suas oficinas, além da Semana, a Carta Geral do Império, mapas,
roteiros, plantas hidrográficas, livros, dicionários, cartazes, e rótulos para diversos
produtos, além de ilustrações em cores, como 29 cromolitografias sobre a Estrada
de Ferro D. Pedro II. Os salões do Instituto eram frequentados pela elite e por
integrantes do governo imperial. Intelectuais, jornalistas e escritores, como Pinheiro
Guimarães, Joaquim Manuel de Macedo, Ernesto Cibrião, entre outros, eram figuras
comuns em saraus literários ali oferecidos. O Dr Semana e Moleque, personagens
desenhados por ele, eram populares na crítica de costumes.
Mas a vida de Henrich Fleiüss passaria a mudar nos anos seguintes
justamente em função de suas posições políticas e profissionais. Os primeiros
reveses vieram de uma forte concorrência com outras revistas e com alguns
empreendimentos que se estabeleciam no Rio de Janeiro, além, provavelmente, de
certa inveja de suas relações com o paço imperial. Ângelo Agostini, por exemplo, e
Cândido de Faria, que produziam O Mosquito, a Revista Ilustrada, e a Vida
Fluminense, eram alguns deles, que também o criticavam por questões ideológicas,
como sustenta o historiador Aristeu Elisandro Machado Lopes em seu artigo As
modas de Berlim: a guerra franco-prussiana nas ilustrações do periódico fluminense
Semana Illustrada, 1870-1871, (Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de
São Paulo). Para ele, a linha editorial conduzida pelo prussiano entrava em choque
com a crítica institucional que outros pensadores faziam à monarquia, isso o
distanciava aos poucos da preferência de muitos leitores. Em 1870, por exemplo,
começa a guerra franco-prussiana, vencida pelos últimos no ano seguinte. Enquanto
a influência francesa, determinante no século, indicava uma preferência para
Napoleão III, Fleiuss adotava visão distinta, fazendo clara propaganda em sua
99
revista das posições de Guilherme I. Desenhos e charges eram publicados dando
conta de uma superioridade prussiana, sendo provável que tais atitudes tenham
irritado o próprio governo de Pedro II. Uma outra, e sutil razão, como lembra
Machado Lopes, pode ser creditada à estética, ou como Fleiuss incorporava a
representação em seus desenhos. A voga naquela época privilegiava o traço crítico,
contundente, ainda que fora de proporções e perspectiva. O prussiano, em seu rigor,
obedecia fielmente ao naturalismo germânico da caricatura, buscando nos traços
uma identidade real com o retratado e não a graça através de bem humorada
deformidade.
Heinrich Fleiüss, 1870. O rei da Prússia e seu cavalo. Semana Illustrada.
Fonte: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br
Em 1876, Fleiuss encerra a Semana Illustrada e tenta um passo maior, mas o
empreendimento dura pouco, até 1878. Era um projeto ambicioso a ser sustentado
por xilogravuras de grande tamanho, a maioria de origem externa e estereotipadas
fora do Brasil. Mesmo assim, a Illustração proclamava que várias delas seriam feitas
no Rio a partir de fotos e outros originais aqui produzidos. A empreitada, ao que
parece, foi corajosa demais, e Fleiüss - já sem o sócio Carl Linde, desaparecido, em
1873, e sem o irmão, em 1878 – tenta retomar a velha Semana dando-lhe uma
requentada, e óbvia, nomenclatura: Nova Semana Illustrada. Sem sucesso. Fleiüss
morre em 1882.
100
4.1.1 Agostini, um lápis entre os séculos
A ilustração foi o diferencial para o sucesso das publicações durante a
segunda metade do século XIX.
Artistas eram empregados com o objetivo de
entremear longos textos com imagens que estimulassem o interesse pelos fatos,
moda, crítica, humor, etc. Além disso, o analfabetismo quase absoluto na população
negra, e de 70% entre os brancos, favorecia os bons resultados com ilustrações.
Foi justamente nesse panorama que surgiu um dos maiores artistas gráficos
do país: Ângelo Agostini, cujo trabalho atravessou o século, até o surgimento das
modernas técnicas de reprodução em larga escala, que ele mesmo viveu. Agostini
nasceu em Piemonte, norte da Itália, em 1843, e chegou ao Rio por volta de 1860,
indo logo para São Paulo. Segundo Nelson Werneck Sodré (História da Imprensa no
Brasil), “chegou com uma pedra litográfica debaixo do braço, uma grande inclinação
para a pintura e incoercível sentimento de liberdade” (SODRÉ, 1983, p. 204).
Como primeira atividade, criou um pequeno jornal ilustrado, o próprio Agostini
deu-lhe nome: Diabo Coxo, que não passava de um semanário irregular de oito
páginas, extremamente crítico e satírico, feito em litografia. O cenário político, aliás,
não podia mais adequado: além do escravismo, o país amargava uma aristocracia
rural que dominava a política, indicando o que se devia fazer ou dizer. O pequeno
jornal durou cerca de um ano, mas já mostrava o traço decidido e ácido de seu
editor-ilustrador. Grandes desenhos panorâmicos, com paisagens e reportagens
visuais agradavam os leitores, que viam surgir no lápis e no esfuminho do recém
chegado um novo tipo de história feita através de sequências. Embora não tenha
sido o primeiro a usar este recurso, foi certamente Agostini o artista que inaugurou
completamente o gênero História em Quadrinhos na imprensa brasileira. O Diabo
Coxo não foi além de sua perna sã, sendo substituído por outra publicação ilustrada,
O Cabrião, que veio ao mundo semanalmente e com quatro páginas, já apoiado por
correntes liberais e republicanas de São Paulo.
101
À esq. charge de Agostini, 1864, nO Diabo Coxo, em São Paulo. Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br
À dir. Revista Ilustrada Vida Fluminense, maio de 1870, 25X35 cm. O estilo clássico de Fleiuss, no cabeçalho, e
o crítico, de Agostini, na ilustração da capa. Fonte : http://bndigital.bn.br
O artista veio depois para o Rio, centro cultural, político e econômico do país,
e começou a trabalhar em outra publicação ilustrada, quatro páginas de texto e
quatro de imagens: O Arlequim. Agostini fez a capa e grande parte das ilustrações,
dominando uma técnica que se espalhava rapidamente como a mais eficiente e
barata para as inúmeras incursões editoriais que surgiam na corte. A grande maioria
durava pouco e este também seria o destino dO Arlequim, que sairia mais cinco
números para fechar por problemas financeiros e administrativos; substituiu-o um
novo título, Vida Fluminense, que tentava ressurgir do anterior. Essas revistas
pertenciam, como visto, ao alemão Henrique Fleuiss. Gilberto Maringoni de Oliveira,
em tese sobre Ângelo Agostini, para doutoramento em História Social (USP, 2006),
diz que:
A curta carreira de Agostini na Vida Fluminense sobressai-se por
ressaltar um acelerado amadurecimento estético. Seus desenhos
estão mais seguros e as temáticas e os enquadramentos, mais
elaborados. O artista tem 26 anos de idade e seu talento destaca-se
na cena carioca, na qual competentes caricaturistas, como Luigi
Borgomainnerio e Flumens Junior, entre outros, atuavam em várias
publicações litografadas. A imprensa ilustrada estabelecera-se quase
102
como uma instituição da corte e das principais capitais. É também nA
Vida Fluminense que Agostini dá início, de modo sistemático, à
produção de histórias em quadrinhos, gênero narrativo praticamente
inédito à época. (MARINGONI, 2006, p. 85)
A nova incursão do italiano, ao deixar O Arlequim, foi O Mosquito, no qual
pareceu ter tido participação financeira. O Mosquito exibiu o artista piomentês em
plena maturidade, parodiando outros nomes importantes da arte, como os pintores
Pedro Américo e Vitor Meireles, além de produzir inesquecíveis histórias em
quadrinhos. Sob o aspecto crítico em sua obra, é importante lembrar que, através da
caricatura, Agostini conseguiu difundir suas posições a respeito do ensino de arte no
Brasil do segundo reinado, ao mesmo tempo em que atacava a orientação artística
da época, voltada na direção oficial. Além disso, o artista questionava a inexistência
de museus e outras escolas, assim como a falta de espaço para exposições de
novos artistas nacionais e estrangeiros. Como lembra a professora Rosangela de
Jesus Silva, em seu Os salões caricaturais de Ângelo Agostini.
Algo que também marcou sua produção, a partir de 1872, são os
comentários ilustrados sobre as Exposições de Belas Artes (...). O
salão caricatural foi um gênero artístico amplamente desenvolvido
na França, ou melhor, uma particularidade parisiense, cujas origens
estão no século XVIII. Naquele momento, algumas publicações
utilizaram ironia e humor em detrimento da crítica séria, para
comentar as obras expostas nos salões oficiais parisienses. (SILVA,
2006)
As experiências vividas pelo intrépido italiano não parariam por aí. Em 1875,
ele deixou a publicação, que recebeu outro grande artista estrangeiro vindo de
Portugal, Rafael Bordalo Pinheiro, que o substituía com qualidade. O Brasil
começava a viver um momento político mais conturbado, e os fatos alteravam
algumas práticas reinantes, atingindo o império como um pêndulo irregular, que ora
favorecia as recentes idéias republicanas, ora a velha figura paterna do imperador.
Em janeiro de 1876, refletindo essas contradições, saía o primeiro número da
Revista Ilustrada, a grande publicação que ligava definitivamente o nome de Agostini
ao panorama gráfico do século XIX e que duraria vinte e dois anos. É a fase em que
o italiano mais produziu, contando-se cerca de duas mil páginas desenhadas
principalmente em litografia. O artista transformava-se num autêntico fotógrafo do
103
seu tempo, trazendo para a pedra, imediatamente, as imagens do que teria ocorrido,
de fato, e que merecessem registro. Os traços de Agostini cumpriam um papel
oportuno, antecipando-se, por assim dizer, à demora que as imagens fotográficas
impressas impunham às publicações, quase todas tipográficas. Este impedimento
técnico iria revelar o artista em sua total capacidade produtiva, interpretando e
ilustrando o que só poderia ser visto pelos traços de seu lápis, e ainda não pela
objetiva das câmeras. Talvez esteja aqui um dos pontos capitais do seu trabalho,
que dava outra dimensão ao artista gráfico no desenvolvimento dos meios de
comunicação.
Tanto Agostini como seus contemporâneos dedicados a este mister veriam
logo o galopante surgimento de outras técnicas - a fotografia impressa, a rapidez
das máquinas rotativas e a reprodução das cores - a sufocar práticas até então
consideradas modernas. Ele mesmo, Agostini, foi uma vitima dos novos tempos,
embora a sua Revista Ilustrada fosse uma iniciativa de sucesso. Tinha no começo
oito páginas, totalmente litografadas, e circulou assim durante muito tempo, até
1890, quando conheceu finalmente o clichê tipográfico.
Falar em Agostini é também citar seu sócio e companheiro, Paulo Robin –
originariamente Paul Théodore Robin – vindo da França por volta de 1854 e grande
litógrafo, tentando na corte arranjar-se com a fotografia. Robin teve, pelo menos, três
endereços no Rio e várias sociedades anteriores, uma delas com o pintor Alfred
Martinet, outra com Henrique Klümb, conhecido fotógrafo que trabalhou com
Leuzinger. Em 1872, o nome Robin volta a aparecer, desta vez em saudável
parceria com Agostini.
Com as recentes conquistas da área gráfica, a última revista do italiano - Don
Quixote - já nasce tecnicamente defasada. Mesmo assim ele insiste na fórmula que
tinha dado certo por tão longo tempo, esquecendo-se que até mesmo o preço já se
tornava caro em relação ao de outras publicações, impressas com equipamentos
mais industriais.
Agostini produziu desenhos sobre a guerra de Canudos (1896-1897) e críticas
aos revoltosos de Antonio Conselheiro, tudo feito no melhor traço artístico entre o
bico de pena, o lápis e o esfuminho. Dois anos depois de aberto, Don Quixote sofre
reveses financeiros, e a explicação surgia como um anátema: era um dos poucos
periódicos ainda feitos com a litografia. A seguir, a capa de Don Quixote de abril de
104
1902, ainda em lito, “fotografando” o incêndio de um bonde elétrico no Largo da
Carioca:
Dom Quixote, abril de 1902. Ilustração de Ângelo
Agostini sobre um bonde incendiado por populares na
Carioca.
Fonte: www.jornalcopacabana.com.br
Surgem, a poucos anos da virada do século, A Cigarra e A Bruxa, duas
concorrentes bem mais elegantes e finamente diagramadas, uma delas em cores. O
jornal de Agostini já fazia jus ao quixotesco nome; circula irregularmente e entra no
século XX mal das pernas, não indo além de 1903. Os padrões estéticos são
diversos, quando invadem a imprensa o grafismo art noveau, o art decó, o design
gráfico alemão e outros matizes estéticos. Em 1904, o piomentês colabora com
desenhos para a Gazeta de Notícias e para a revista Renascença. Vive a esta altura
com uma filha, casada com o médico Álvaro Alvim. Em 1905, Agostini desenha o
cabeçalho de uma nova revista infantil, O tico-tico, que traz histórias em quadrinhos,
charadas, advinhas e uma série de brincadeiras. Mas o artista, velho para sua
época, só colabora eventualmente em suas páginas. Seu traço ainda era firme
pouco antes de janeiro de 1910, quando morre do coração em sua casa, no bairro
de Botafogo.
105
Capítulo 5
Gráficos, ilustradores, ateliês e editoras
Endereços e movimentação no Rio antigo
A atividade gráfica em todas as suas faces, tanto na produção do texto como
na da imagem, incluindo aí as de natureza artística e técnica – como livros, mapas,
impressos gerais ou simples papéis administrativos - mostra também o estágio
cultural que uma sociedade vai alcançando. A existência de casas editoras, livrarias
e oficinas gráficas, em certo período da recente história brasileira, seguiu ao lado de
outras conquistas, que iam abrindo caminho para a definitiva inclusão do país no
panorama geral das nações modernas.
Neste aspecto, o caso brasileiro é instigante na razão do grande
descompasso entre o estágio em que se encontrava a Europa, principalmente, e as
recentes nações da América Espanhola e Portuguesa. No Brasil pós-Independência,
o relógio teve de andar depressa para reduzir o continental atraso da nossa cultura
em relação ao que o mundo já conhecia e praticava nos principais segmentos da
vida social, na economia, na administração pública, na educação e nas artes.
No caso do trabalho gráfico, que, como vimos, não poderia ser implementado
sem a mão do artista, sua localização no Rio de Janeiro do século XIX revela um
curioso movimento de profissionais deste ramo por ruas e logradouros de sua área
central. Este tráfego, por um lado, confirma a importância de pequenas regiões –
como a da Rua do Ouvidor e arredores – como pólos de concentração de artistas,
artesãos e de oficinas que iam surgindo a partir do início dos oitocentos; por outro,
mostra novos endereços que nasciam à medida que a demanda revelava
oportunidades. E entre elas não havia apenas a necessidade de artefatos ordinários
para o dia a dia - das pessoas ou da administração - mas uma carência de natureza
estética e cultural cujas múltiplas especificidades iriam forjar um modo de viver que
seria típico até os dias de hoje. A mesma demanda traria ao Rio de Janeiro artistas
de dentro e de fora do país que, encantados pela beleza natural, pela aventura, ou
pelo dinheiro, trabalhariam também na construção de seu imaginário social e de sua
autoestima. Por outro lado, o nome de vários logradouros da cidade foram trocados
a partir do final do século XIX, uma providência oficial para que o Rio não parecesse
aos olhos do mundo um simples arraial com suas “Rua da Vala”, “do Sabão”, “do
Cano”, “de trás do Hospício”, “dos Pescadores”, “do Piolho”, etc.
106
A proximidade com o Paço Imperial foi, com certeza, forte critério para a
localização de inúmeras oficinas e ateliês prestadores de serviço desde a chegada
de D. João VI. Mas alguns prédios públicos já existiam, sendo rapidamente
adaptados para outras funções necessárias à existência da corte. Isso aconteceu
com a Biblioteca Real, que inicialmente foi instalada no Hospital da Ordem do Carmo
(1810), depois na Rua do Passeio (1858), e, finalmente, Nacional, em seu endereço
atual, na Avenida Rio Branco (1910). A Impressão Régia esteve na Rua do Passeio
e na dos Barbonos (Evaristo da Veiga) com Marrecas; antes da metade do século
abrigou-se na Academia Imperial de Belas Artes (Avenida Passos), depois na
Cadeia Velha (Palácio Tiradentes), e, após 1874, na Rua da Guarda Velha (Treze de
Maio). Seu ultimo endereço foi na Avenida Rodrigues Alves antes de ir para Brasília,
no século passado.
Outras instituições ligadas à produção da imagem ou a trabalhos artísticos e
editoriais tiveram o centro da cidade como sede nas primeiras décadas dos
oitocentos, algumas mencionadas neste trabalho. É o caso do Arquivo Militar, de
onde saíam mapas e outras imagens necessárias à vida e à defesa da colônia e do
império. O Arquivo ficava no Largo de São Francisco, onde hoje está instalado o
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (IFCS). Por lá passaram Arnaud
Pallière e Joanh Jacob Steinmann, entre outros, que iniciaram aqui a litografia. O
Liceu de Artes e Ofícios (inaugurado em 1856) e que ensinou também Artes
Gráficas, ajudando a formar muitos de nossos artistas, existia primeiramente na
Antiga Sé (Igreja do Carmo, Praça XV), mudando-se para outros logradouros, entre
eles a mesma Rua da Guarda Velha e Avenida Central (Rio Branco). O velho Liceu,
que realizou exposições de grandes artistas gráficos como Ângelo Agostini e Belmiro
de Almeida, está hoje na Praça Onze, e faz parte de uma faculdade particular.
A Rua do Ouvidor, meca da maioria dos artistas gráficos, editores e
impressores antigos, teve a numeração dos prédios alterada várias vezes, não
sendo possível precisar vários de seus endereços famosos. A proximidade com
artistas e artesãos que se estabeleciam nas redondezas desde o século anterior
possibilitou uma reveladora troca de experiências entre gráficos e outros
profissionais que trabalhavam o metal para enfeites, medalhas, jóias, etc. Não por
acaso, ocupavam estes a Rua dos Ourives (atual Miguel Couto), e sua mão de obra
foi fundamental para a “abrição” de chapas, realização de águas-fortes e outros
107
trabalhos de impressão. Sobre a Rua dos Ourives, por exemplo, ocuparam suas
lojas os mesmos que trabalhavama, além do ouro, outras preciosidades retiradas do
país, principalmente das Minas Gerais. Eram vistos com desconfiança pelos vice-reis
do século anterior pois, sabidamente, manipulavam e mercadejavam riquezas sem o
conhecimento das autoridades.
Estiveram na Ouvidor uma ou mais vezes, entre outros, Eduard Rivière,
Guilherme Briggs, Pierre Plancher, Baptiste Louis Garnier, Pierre Laforge, Victor
Larè e Peter Ludwig, Sebastien Auguste Sisson, e Georges Leuzinger, a maioria
destes com breve pefil no capitulo 4. Na dos Latoeiros (Gonçalves Dias) também
passaram nomes como Paul Theodore Robin, Louis Buvelot, Alfred Martinet, Jean
Baptiste Lombaerts, Eduard e Henrich Laemmert, e Briggs & Rivière. A Rua do
Hospício e o Beco do Fisco (Buenos Aires, Beco das Flores) foram, igualmente,
endereço de vários artistas e prelos: estiveram ali Heaton & Rensburg, que faziam
sociedade entre si para depois se juntarem a novas parcerias. Briggs e Robin foram
os que mais trocaram de sócios, chegando a ocupar alguns endereços por três
diferentes ocasiões. Estampeiros, desenhistas e litógrafos se juntaram neste ponto
do centro ao que parece pela proximidade com outros artistas e impressores.
Na maior rua da região, a Direita (Primeiro de Março), estabeleceu-se outro
nome famoso nas artes gráficas do Brasil: Heinrich Fleiüss, que ocupava o segundo
andar do sobrado 49, ali fundando o seu Instituto Artístico, que ganharia foros de
Imperial. O mesmo Fleiüss mudaria duas vezes de endereço, para o Largo de São
Francisco e depois, em 1874, para a Rua da Ajuda, na atual Cinelândia. Lá também
viveram e produziram Robin, Martinet e Boulanger. Esta região, próxima ao
convento da Ajuda (demolido em 1920 para dar lugar ao Palácio Pedro Ernesto), foi,
aliás, endereço de muitos ateliês litográficos, situando-se entre a Impressão Régia
(Rua dos Barbonos, depois Evaristo da Veiga) e a Rua São José. O local era
conhecido também como Chácara da Floresta, antes da construção da Avenida
Central.
Outros logradouros que abrigaram artistas gráficos, aprendizes e impressores
foram a Rua do Cano (Sete de Setembro), onde imperou Leuzinger e sua grande
loja, e Hercule Florence, desenhista e fotógrafo que antes de Daguerre já praticava a
fotografia. Na Rua da Vala (Uruguaiana) trabalharam, entre outros, Briggs & Rivière.
Na Rua do Sacramento (Avenida Passos), ficava a Escola Imperial de Belas Artes;
na do Lavradio, a oficina dos Laemmert (o Almanak), e novamente, Leuzinger; no
108
Campo dos Ciganos (Praça da Constituição, depois Tiradentes), achava-se a grande
loja de Paula Brito; na da Cadeia Velha (Assembléia) esteve Agostini. A Rua do
Senado foi o primeiro endereço, dos quatro, de Sisson; e o Beco da Moeda (Azeredo
Coutinho, na Praça Onze), ficava ao lado da Casa da Moeda, lugar de muitos
abridores em metal que prestavam serviços para a instituição. Na Rua dos
Pescadores (Visconde de Inhaúma), estiveram, também, Ludwig e Briggs; na das
Violas (Teófilo Otoni), outra concentração de gravadores. Na Rua Santo Antonio
(próximo à Carioca) e Misericórdia (Praça Marechal Âncora), passaram Paul Robin e
outros gráficos.
5.1 O centro e seus artistas gráficos
O mapa a seguir – que mostra uma visão artística do centro carioca em 1965
– foi escolhido por sua clareza e ponto de observação. É um dos únicos, do acervo
da Biblioteca Nacional, que mostra a cidade de excepcional ângulo para as
localizações pertinentes a este trabalho (a partir do Paço, provável altitude de 300
metros, estendendo-se na direção do Campo de Santana). Além disso, sua
execução data de um tempo em que os edifícios ainda deixavam entrever com maior
clareza os logradouros dessa porção urbana do Rio de Janeiro, permitindo, também,
que o leitor “se localize”, juntamente com as oficinas em questão. Outras cartas,
algumas de época – como a impressa por Heaton & Rensburg, em 1845 – foram
preteridas apenas por serem de natureza técnica e precisarem de interpretações
mais demoradas. Para a localização de nomes citados neste trabalho foi
considerada a variedade de logradouros e de datas em que lá estiveram, uma vez
que muitos ocuparam diferentes endereços em momentos também variados. Evitouse, assim, a confusão visual que certamente haveria com uma profusão de placas
sobre o mapa original. A imagem Vista artística do centro da cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro (http://bndigital.bn) sofreu, além disso, pequenos cortes
e alterações do autor, que também inseriu as tabuletas com a antiga e a atual
nomenclatura dos logradouros.
109
110
Conclusão
Arte e Artes Gráficas encontram-se em quase todos os lugares para onde
olhamos. Para que quantificássemos neste trabalho o que uma faz parte da outra, foi
preciso ver as duas coisas de modo descompromissado. A idéia de Arte se dilui em
ambas as matrizes. “Vemos” o original espelhado em sua reprodução, muito embora
não estejamos de frente para ele, a confirmar uma aura e uma emoção cujas
intensidades dependem de passarmos pelo museu, pelo ateliê ou pela oficina.
O modo como vemos a arte é resultado da história e de nossas experiências
culturais. Mudanças que ocorreram nas artes de modo universal atingiram, aqui, o
interior de antigas oficinas gráficas, cujos métodos e processos recebiam a todo
instante o impacto de novos procedimentos e valores. No tempo em questão,
imagens e textos não podiam chegar às pessoas sem a mão intermediária de
artistas, que criavam ou traduziam - em ferro, madeira ou pedra - a imaginação e o
sentimento dos autores em direção ao público. Nas primeiras décadas do século
XIX, não tínhamos tradição em produzir imagens impressas. Conhecer ou imaginar
histórias e fatos ficava por conta da tradição oral ou através dos livros importados.
Gravuras, quase sempre européias e distantes de nossa realidade, ajudavam a
construir um sonho diferente, que mesclava a traços nativos com os de uma
civilização imaginada. Importávamos não apenas o papel e a tinta, mas
principalmente uma cultura inteira, uma transfusão oceânica que nos fazia, por
exemplo, andar e falar à francesa - ou à inglesa - em um escaldante verão do Rio de
Janeiro oitocentista.
A atividade gráfica, rebocada a princípio por artistas estrangeiros e depois
por seus aprendizes aqui nascidos, é sabidamente um absoluto fator de mudança:
com ela, comparamos idéias, mudamos convicções e aprendemos. Através das
imagens - que nos mostram gente, paisagens e arte - ajustamos o conhecimento e a
sensibilidade; gravamos no espírito os traços e as cores do mundo. No caso das
imagens, razão maior do presente trabalho, o sacrifício era grande em vista de
quase não existir mão de obra por aqui. As primeiras paisagens brasileiras
111
impressas no Rio saíram também dos prelos do Arquivo Militar, no Largo de São
Francisco, pouco depois de 1808. Arnaud Julien Pallière e mais tarde Johann
Jacob Steinmann, que haviam conhecido a litografia na França, transferiram para o
papel imagens urbanas, plantas militares de defesa, e de infraestrutura. Mas eram
pintores, antes de tudo, e seus desenhos não poderiam ser apenas esquemáticos. A
corte portuguesa, também, tinha de formar profissionais no Brasil, além de carecer,
ela mesma, de registros, retratos e imagens palacianas que referendassem seu
poder e grandiosidade. Outros visitantes foram chegando com seus apetrechos,
importando-os ou fazendo-os por aqui, uma vez que a atividade gráfica crescia na
razão inversa de sua antiga e proposital imobilidade.
A Missão Francesa, cujas principais estrelas partiram cedo, deixou, contudo,
uma importante escola de artes e ofícios que acabou vingando e produzindo
talentos, inclusive artistas gráficos. Não foi propósito concentrarmo-nos na Missão,
cuja permanência no Brasil é apenas transversal para este trabalho. No aspecto de
mercado, a demanda crescente por produtos de natureza gráfica, como livros,
álbuns, jornais e revistas, fez surgirem artistas e artesãos, que criavam meios e
modos de acompanhar o que se passava no mundo. A meteórica carência de
queimar etapas na direção do progresso – negado ao Brasil durante quatro séculos
– atraiu gente de todos os matizes profissionais, entre eles artistas gráficos que
forneciam, com natural atraso, os retratos e as vistas de um país que bracejava por
ver-se refletido - em imagem e letra de forma - nesses admiráveis espelhos de
papel.
O Rio, sua gente e suas paisagens, passou inteiro pelo lápis, pelas tintas e
pelos prelos de Briggs, Rivière, Martinet, Rensburg, Paula Brito e outros que aqui
vimos. Mais do que simples registros gráficos, o que ficou imortalizado por eles
foram momentos de uma cultura que se afirmava. Antes da fotografia, ou convivendo
com ela durante décadas, a produção desses artistas conseguiu ser multiplicada e
chegar às mãos de um público que se tornava curioso e exigente. Aos poucos, à
medida que os meios de reprodução desembarcavam na maioridade do século XX,
esses impressos passaram a ser objeto de estima para depois se transformarem em
raridades.
Enfim, em verdadeiros originais.
112
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