descarregar +

Transcrição

descarregar +
16
INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS
E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Angola
depois das Eleições
pe. pio wakussanga
Figura em Destaque Pág. 07
D. Francisco da mata Mourisca
Entrevista Pág. 12
sistemas eleitorais de maioria
Reflectindo Pág. 16
índice
Mosaiko Inform nº 16 - Setembro 2012
Tema: angola depois eleições
Ficha Técnica
PÁG. 03
Propriedade
MOSAIKO | Instituto para a Cidadania
NIF: 7405000860
Nº de registo: MCS – 492/B/2008
direcção
Júlio Candeeiro, op
Luís de França, op
Mário Rui Marçal, op
Redacção
Florência Chimuando
Hermenegildo Teotónio
Colaboradores
Edilson Pedro
Maria Mussolovela
Lima de Oliveira
Sérgio Calundungo
Paulo Máquina
PÁG. 04
PÁG. 06
PÁG. 07
PÁG. 08
Montagem Gráfica
Gabriel Kahenjengo
assessoria
Helena Osório
Contactos
Bairro da Estalagem - Km 12 | Viana
Fax: (00244) 222 371 598
TM: (00244) 912 508 604
TM: (00244) 923 543 546
Caixa Postal 2304 - Luanda | Angola
E-mail: [email protected]
www.mosaiko.op.org
Impressão
Damer gráficas SA – Luanda
PÁG. 12
PÁG. 16
PÁG. 18
PÁG. 20
editorial
Júlio Candeeiro, op
informando
Avaliação de alguns aspectos do processo eleitoral
Sérgio Calundungo
estórias da história
As Funções da Democracia
Luís de França, op
figura de destaque
Pe. Pio Wakussanga
Paulo Máquina
construindo
Consolidação da Democracia em Angola
Lima de Oliveira
entrevista
Dom Francisco da Mata Mourisca | Hermenegildo Teotónio
reflectindo
Sistemas eleitorais de maioria
Maria Mussolovela
Compromisso dos cidadãos do Processo Eleitoral
Edilson Pedro
breves
Tiragem: 2500 exemplares
Distribuição Gratuita
Os artigos publicados expressam
as opiniões dos seus autores, que não
são necessariamente as opiniões do
Mosaiko | Instituto para a Cidadania.
Com o APOIO
República Federal da Alemanha
Ministério dos Negócios Estrangeiros
“
A grandeza de uma nação não se
mede apenas pelas potencialidades
dos recursos naturais, mas também
pela nobreza de carácter, pela
atitude e pelas competências dos
seus cidadãos que são, de facto, a
base dinamizadora desses recursos.
Presidente da República
26-09-2012
”
03
editorial
AINDA SOBRE AS RECENTES ELEIÇÕES EM ANGOLA
Estimado leitor/a
Após a promulgação dos resultados das eleições de 31
de Agosto, o Mosaiko Inform propõe-se reflectir, sobre o
processo e as suas implicações para eleitos e eleitores.
Retomamos uma perspectiva já avançada na edição
anterior: «As eleições não são um fim em si mesmas, mas
um meio, uma forma de participação dos cidadãos na vida
Pública do seu país» e, por isso, é importante continuar a
olhar e a reflectir sobre o ambiente democrático do país.
Em Estórias da História, fr. Luís de França, descreve as
múltiplas funções de uma Democracia, reiterando a
necessidade da constante atenção que as sociedades
são chamadas a manter em relação à qualidade das suas
democracias, de modo a que estas sejam um verdadeiro
espaço onde os direitos e deveres dos cidadãos possam
crescer e florescer. É destes desafios, vistos de uma
forma mais aplicada, que Lima de Oliveira nos fala
da “Consolidação da Democracia: contributo para a
valorização dos princípios que estão na base de uma
democracia madura”.
Sérgio Calundungo faz uma análise muito interessante do
processo eleitoral. O ponto chave é que pouco ou nada se
fez para criar espaços de debate e discussão que, de forma
livre e democrática, permitissem às partes confrontar
as suas posições. A necessidade de mais espaços para
debate e formação dos cidadãos transparece, claramente,
no texto onde Maria Mussolovela nos fala dos desafios e
das implicações políticas e democráticas que se colocam
a líderes e governos quer por maiorias absolutas quer
por relativas. Um verdadeiro desafio que se coloca às
democracias formais e, sobretudo, aos sistemas como os
de Angola -“Party List System”- em que a figura do futuro
representante é quase irrelevante, dificultando a relação
directa entre os eleitores e os eleitos...
Em jeito de resposta aos mais diversos desafios levantados
no período pós-eleitoral, Edilson Pedro chama a atenção
para a necessidade dos cidadãos se manterem vigilantes
no que se refere à salvaguarda dos valores fundamentais
de qualquer democracia: a liberdade, a justiça, a paz, a
solidariedade, a reconciliação e a tolerância. Em entrevista
exclusiva ao Mosaiko Inform, o Bispo emérito do Uíge
fala-nos dos seus 45 anos de Bispo, do desafio dos Direitos
Humanos em Angola e das eleições. Pe. Pio Wakussanga, que
apoia a luta pelos direitos das comunidades rurais é a nossa
figura de destaque.
A terminar, lembramos o slogan da Comissão Nacional
Eleitoral “Vota pela Democracia e pela Paz”. A mera
realização de eleições não é suficiente para consolidar a
democracia e a paz. A Democracia exige que se reconheça
o poder do Povo, alargando o leque de oportunidades de
modo a que cada um(a), enquanto cidadã(o), dê o melhor
de si. Sem justiça social, sem mais e melhor distribuição e
inclusão, a Democracia e a Paz não podem fortalecer-se. Por
isso, reiteramos o nosso apelo para que muito em breve,
possamos votar nas autárquicas e contribuir também desta
forma para uma Angola melhor!
ADQUIRA JÁ
O DVD DO FILME
www.mosaiko.op.org
Júlio Gonçalves Candeeiro, op
04
informando
AVALIAÇÃO DE ALGUNS ASPECTOS
DO PROCESSO ELEITORAL
Sérgio Calundungo
Porque se realizam eleições? Porque temos de votar?
Perguntas como estas, figuram entre aquelas que vão
sendo respondidas por todas as pessoas que estiveram envolvidas em acções de informação, educação
e sensibilização, visando a adesão dos cidadãos ao
registo e à assembleia de voto.
Embora variem as formas e os meios utilizados para
dar resposta a estas duas perguntas, todas elas no
essencial convergem para a mesma ideia que é a seguinte:
Realizam-se eleições porque, numa democracia, os
cidadãos têm o direito de votar e de serem eleitos, e
portanto o acto eleitoral possibilita o exercício deste
direito.
Temos a obrigação de votar porque, enquanto cidadãos, é nosso dever e nossa responsabilidade participar na tomada de decisão, manifestando-nos sobre
quem serão as pessoas que, em nosso nome, irão
exercer o poder legislativo e o poder executivo.
De forma muito resumida, enfatizava-se que se realizam eleições porque somos um Estado democrático
e, como cidadãos, somos chamados a votar. Quando
votamos, deixamos de estar à margem das decisões
e passamos a estar no centro do interesse dos decisores.
Olhando para a forma como decorreu o processo eleitoral, sinto que, até ao presente momento, precisamos
(enquanto sociedade) de reflectir à volta de três questões cujas respostas serão, dificilmente, consensuais:
São as eleições a única forma efectiva de exercício de
poder pelos cidadãos numa democracia?
Quais os avanços e recuos que estas eleições representaram para o processo de consolidação da
democracia?A forma como os diferentes actores do
processo abordaram a questão das eleições, reforça
ou fragiliza a democracia?
Embora já se tenham emitido muitas opiniões acerca
da maneira como decorreu o processo eleitoral, partilho neste artigo a minha visão do processo, tendo
como perspectiva a análise de três elementos fundamentais de uma democracia, que são: o processo democrático, as instituições democráticas e os actores
do processo.
Em relação à actuação das instituições, penso que ao
longo do processo foi positivo constatar que, de uma
forma geral, desde o seu início, pessoas com diferentes formações políticas, ligadas a instituições do
Estado, instituições religiosas, sociedade civil, etc.,
manifestaram o seu compromisso e o desejo de tudo
fazerem, para que as eleições decorressem de forma transparente, livres e justas, em conformidade
com a Constituição que, de entre outros, subscreve os
princípios do multipartidarismo.
Infelizmente esquecemos o desejo de que um processo eleitoral decorra com lisura. Ainda que consensual
em termos de discurso político, depende em primeiro lugar da capacidade que as instituições do poder
legislativo, judicial, executivo, e formações políticas,
têm para garantir justiça, liberdade, transparência do
processo.
São as instituições do Estado as primeiras responsáveis por colocar, à disposição dos cidadãos, espaços
e mecanismos para que estes possam por um lado
ser conscientes dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos dotados de capacidades para elegerem e
serem eleitos, e com base neste pressuposto exercer
tais direitos, e exigir o cumprimento das leis e normas que os tornam efectivos.
Muitas análises foram feitas, tendo como foco o desempenho dos diferentes actores durante todas as
fases do processo eleitoral.
05
Para os mais críticos, todos os poderes (poder judicial, poder executivo, poder legislativo, formações
políticas) foram no seu conjunto incapazes de actuar
de forma transparente e justa ao longo de todas as
fases do processo.
Segundo a visão que transparece as tais críticas, nas
eleições de 2012, o processo democrático viu-se fragilizado – o que aumentou o descrédito de muitos
cidadãos nas instituições responsáveis pela garantia
de eleições livres, justas e transparentes.
Por isto chegam mesmo a questionar-se até que ponto o resultado destas eleições reflecte o exercício do
poder por parte dos eleitores.
No lado oposto desta corrente de pensamento, estão
aqueles que acreditam que o processo decorreu de
forma aceitável, registando melhorias significativas
em relação às eleições de 2008.
Mesmo no caso em que se tenham verificado anomalias, estas não foram suficientes para pôr em causa o
resultado das eleições.
Para os críticos, o resultado das eleições espelha sim
a vontade soberana dos cidadãos eleitores que souberam premiar (ou castigar) a actuação dos concorrentes ao pleito eleitoral.
Nesta linha de pensamento, alguns consideram que
estas eleições foram um contributo valioso para a
consolidação da democracia em Angola.
Penso que, por detrás desta tendência dicotómica na
maneira de analisar a forma como decorreu o processo eleitoral em Angola, repousa o desafio até à presente data (não superado por uns e por outros) de
ver as eleições mais como um meio para reforçar o
exercício do poder pelos cidadãos, consolidar e aprofundar a democracia.
Só assim se pode explicar o facto por serem bem conhecidas as acusações, os argumentos, as justificações e os pontos de desencontro entre os que advogam uma ou outra linha de pensamento. Muito pouco
se fez para levar os mesmos à mesa de debate, frontal
e aberto, onde os pontos de vista contraditórios, pudessem ser esgrimidos, nem que fosse com o mero
propósito de explorar os argumentos e extrair lições.
De uma forma geral, penso que os aspectos polémicos (ou menos consensuais do processo) vão continuar a ser tema de conversa, suscitando controvérsia e
debate.
Hoje, já ninguém duvida que, em Angola, temos um
sistema multipartidário que prevê a realização de
eleições de forma regular, mas que tem sido incapaz
de responder a problemas tais como:
O distanciamento entre os partidos políticos e cidadãos, sobretudo durante a fase de elaboração dos
programas de governação; e a dificuldade dos eleitores estabelecerem contactos regulares com os eleitos
que,
supostamente, os representam é um
desafio
ainda
não superado.
Questões fundamentais que
preocupam os
cidadãos, como
sendo os casos de corrupção, nepotismo e abuso de poder, quer ao nível das
instituições do Estado, quer ao nível das formações
políticas concorrentes ao pleito eleitoral, ainda que
muito debatidas, tendem a não ser resolvidas com
as eleições, ficando os cidadãos impossibilitados de
perceber como este assunto será resolvido durante a
próxima legislatura.
A ausência de muitos espaços de debate público, entre as formações políticas, e com os cidadãos eleitores, são preocupações recorrentemente levantadas,
pelos cidadãos.
A meu ver, também contribuo para o aumento do
número de pessoas que se mostraram reticentes em
relação à relevância do processo eleitoral para o aprofundamento da democracia e melhoria das condições
de vida.
Estou convencido de que, as eleições, são fundamentais para uma democracia, mas elas por si só não vão
aprofundar a democracia. Para que tal aconteça, temos de assegurar que outros processos ocorram.
São fundamentais processos como o reforço da sociedade civil, aumento dos níveis, espaços e mecanismos de participação dos cidadãos. Não apenas para
monitorar o cumprimento das promessas feitas nas
eleições, mas também para deliberar sobretudo o nível da governação local.
06
estórias da história
AS FUNÇÕES DA DEMOCRACIA
Críticas ao sistema democrático no mundo, com respeito a Direitos e Liberdades
frei Luís de França, op
A democracia está hoje, de facto, cada vez mais
difundida no mundo e são cada vez mais os Estados
que a adoptam como forma de gestão das suas
sociedades. Mas, ao mesmo tempo, em todas as
latitudes se constatam os limites, para não dizer as
aberrações (ou perversões) do sistema democrático.
Talvez a maior crítica ao sistema seja a de se verificar
que a democracia, não obstante estar formalmente
instaurada em muitas sociedades, ao nível das
constituições e das convenções públicas, a sua prática
não se traduz numa melhoria da vida das pessoas
nem proporciona um desenvolvimento equitativo e
sustentado dessas sociedades.
Amartya Sen (n. 1933), economista indiano agraciado
com o Nobel de Ciências Económicas 1998, apresentou
uma visão sintética da sua concepção de democracia.
Para este autor a democracia não pode satisfazer-se
no respeito da regra da maioria. Ela exige a protecção
dos direitos e das liberdades das pessoas, o acesso
universal aos direitos sociais, o direito de tomar parte
de forma activa nas deliberações políticas, assim
como o ter acesso à informação. Ou seja: não se
trata somente de distribuir recursos ou de garantir
os direitos formais, tais como o direito de voto ou de
ser elegível, mas de garantir as condições efectivas
do seu exercício. Seria uma democracia em acção, em
contraste com a democracia formal, que se satisfaz
com a aparência democrática do recurso periódico
aos escrutínios para votação de uma maioria.
A democracia construtivista, segundo a designação
proposta por este autor, deve preencher três funções
essenciais à vida das sociedades:
Uma primeira função será a de fazer da liberdade
uma realidade operativa. Antes de mais, reconhecer
que a liberdade política é uma dimensão intrínseca
Ela exige a protecção dos direitos e das
liberdades das pessoas, o acesso universal
aos direitos sociais, o direito de tomar parte
de forma activa nas deliberações políticas,
assim como o ter acesso à informação
à liberdade humana. E que, sem liberdade, não
há desenvolvimento pleno como foi, longamente,
demonstrado no Relatório sobre o Desenvolvimento
Humano de 1992 (PNUD). A falta de condições para
o exercício das liberdades fundamentais – política,
religiosa e de expressão – está na origem do atraso
de algumas sociedades contemporâneas, como ficou
demonstrado «a contrário» no relatório das Nações
Unidas, sobre os 22 países da Liga Árabe, publicado
em 2003;
A segunda função que a democracia deve cumprir é
a de assegurar a participação social e política, que
não deve ser reservada aos profissionais da política,
mas aberta a todos os cidadãos, promovendo o bemestar das pessoas. Esta participação social e política
tem uma dimensão instrumental, no sentido de que
ela pode e deve dar mais eco às reivindicações das
pessoas e levar os governos a terem esses apelos em
conta;
Por último, esta proposta de democracia assume
uma terceira função, uma função construtiva,
sociologicamente falando, na medida em que dá aos
cidadãos a possibilidade de aprenderem uns com os
outros. Esta concepção da democracia supõe que os
cidadãos se associem em vários níveis e aprendam,
uns com os outros, as formas de intervenção na
sociedade, como condição única de assegurar um
desenvolvimento humano a favor de todos.
07
Mestre em Estudo de Paz, começou
a vida como professor de Língua
Portuguesa e de Ética Filosófica
figura em destaque
pe. Jacinto pio wacussanga
Paulo Máquina
Natural do Município de Tchipindo, Província da Huíla,
o padre Jacinto Pio Wacussanga, mais conhecido como
“Padre Pio”, frequentou em 1984 o Curso Acelerado de
Professores, tendo leccionado por dois anos lectivos. Em
1985, ingressou no Seminário Propedêutico S. José do
Lubango e posteriormente no Seminário Maior de Luanda
onde estudou Filosofia e Teologia.
Actualmente, é Pároco da Paróquia Nossa Senhora de
Fátima, no Município dos Gambos e preside ao Conselho de
Direcção da ACC - Associação Construindo Comunidades,
uma organização de defesa dos Direitos Humanos, cuja
sede se encontra na cidade do Lubango e que tem o
Estatuto de Observador junto à Comissão Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos.
Os seus compromissos missionários e de cidadania
começaram a ganhar corpo, ainda como seminarista, na
Missão da Quihita, Município da Chibia, onde trabalhou
na pastoral sobre os direitos de acesso à terra e ao
meio ambiente e demais direitos de cidadania. Nesta
perspectiva, fundou a Associação Leonardo Sikufinde
(ALSSA), em 1993. Infelizmente, esta acabaria por fechar
dez anos depois. Um dos factos que mais marcou o Padre
Pio nesse período foi a defesa de um grupo de cidadãos
encarcerados, torturados e violentados por um fazendeiro,
num processo judicial que se arrastou por cerca de 10 anos
e que culminou com a condenação do referido fazendeiro.
A responsabilidade social levou o Padre Pio a fundar a ACC,
continuando com todo o trabalho iniciado anteriormente.
Em 2004-2005 foi fazer o Mestrado em Estudos de Paz na
prestigiada Universidade Britânica de Bradford. Os diversos
problemas sociais vividos pelas populações alimentam
o sonho do Padre Pio de realizar o seu doutoramento na
mesma especialidade.
Na ACC, o Padre Pio tem assessorado as populações na
criação de associações para defender melhor os seus
direitos, de que é exemplo a Associação de criadores
denominada “OVATUMBI”. Tem trabalhado também na
reabertura dos corredores de passagem encerrados
ilegalmente por fazendeiros e, em 2010, o Padre Pio ajudou
estas comunidades a solicitar ao Governo da Província
da Huíla a legalização de um terreno de um raio de 17
quilómetros para efeitos de transumância. O processo
está lento, mas as comunidades conservam viva e firme
sua esperança de ver seu terreno legalizado.
O apelo contra as demolições de casas tem sido outra
frente importante para o Padre Pio. E nesse mesmo ano
de 2010, liderou um acto ecuménico público de Jejum e
Oração, realizado durante 3 dias, chamando atenção para
a tragédia das demolições. Nele, advogou como sempre,
a observância das leis e dos Direitos Humanos e deplorou
a forma como, muitas vezes, os direitos dos cidadãos são
violados nessas paragens.
Com a sua vasta experiência na pastoral social, o Padre
Pio convida outros missionários a assumirem também
fortemente esta vertente da pastoral, do mesmo modo
que assumem as pastorais da Catequese e da Liturgia.
Por tudo isto, o Padre Pio é um exemplo de coragem e
determinação e uma referência incontornável em matéria
de defesa dos Direitos Humanos em Angola.
08
construindo
Consolidação da democracia
em Angola
Contributo para a valorização dos princípios
que estão na base de uma Democracia madura.
Lima de Oliveira
«Jovem democracia», «democracia emergente»,
são termos que, em muitos discursos políticos,
costumam usar-se para se referir ao tempo da
vigência da democracia em Angola. Ao longo deste
espaço, vamos analisar se, termos como estes,
ajudam (ou não) a consolidar a democracia que
queremos que amadureça; por este facto, vamos
apresentar, neste espaço, alguns princípios do
sistema democrático que, a nosso ver, constituem
os «ingredientes» necessários para a concepção e
manutenção de uma cultura democrática. Neste
contexto, a consolidação da democracia em Angola,
depende da valorização dos seguintes princípios
(entre outros):
(...) a consolidação da democracia em
Angola será sempre uma miragem,
enquanto existir um crescimento
económico isolado, sem desenvolvimento
social; enquanto permanecerem
muitas famílias sem casa para habitar;
enquanto não houver um salário mínimo
nacional condigno; enquanto persistir
um número considerável de cidadãos
desempregados; enquanto continuar a
não haver água potável canalizada e luz
eléctrica para todos;
1. Respeito pela dignidade da pessoa humana
A pessoa humana é o principal pilar que sustenta
a existência da República de Angola e do sistema
democrático1. Como principal pilar da democracia,
a pessoa precisa ser dignificada, no respeito pela
vida, pela integridade física e moral, em suma, pelos
direitos humanos. Por outro lado, o respeito pela
dignidade da pessoa humana passa, também, pela
criação de condições básicas como a habitação e
a qualidade de vida2; por outras palavras, o Estado
tem o dever de construir casas e de criar uma vida
digna de se viver, que se resume no emprego,
salário digno, poder de compra, lazer, segurança
social, assistência médica e outros direitos que
desenvolvem a personalidade humana.
Na era da República Popular de Angola (19751991), havia um slogan político muito conhecido,
usado nos comícios e noutros actos de massas:
«o mais importante é resolver os problemas do
povo»; este dito traduzia-se na responsabilidade
e na pertinência dos governantes angolanos em
dignificar a pessoa humana – ainda bem que,
alguns daqueles governantes, continuam hoje a
gerir o património público. Mas, a consolidação
da democracia em Angola será sempre uma
miragem, enquanto existir um crescimento
económico isolado, sem desenvolvimento social;
enquanto permanecerem muitas famílias sem
casa para habitar; enquanto não houver um salário
mínimo nacional condigno; enquanto persistir um
número considerável de cidadãos desempregados;
enquanto continuar a não haver água potável
canalizada e luz eléctrica para todos;
2. Sufrágio universal periódico
Este princípio da democracia orienta a realização
das eleições e dos referendos (sufrágio), com a
participação de todos os cidadãos sem excepção
(universal), realizados com regularidade e
aprazados legalmente (periódico). Na verdade, a
09
realização do sufrágio universal periódico garante
a continuidade do processo democrático e evita
que se implantem regimes autocráticos, dos quais
beneficiem apenas uma pessoa ou uma elite e que
suprimam as liberdades dos cidadãos; por outro
lado, a realização do sufrágio universal periódico
garante a rotatividade na governação, evitando
que os governantes se tornem vitalícios.
A maior parte dos angolanos ainda não está
capacitada para participar em actos de sufrágio
universal, mesmo com as experiências eleitorais
passadas (1992, 2008, 2012). Porquê? Porque
falta implementar uma Educação democráticoeleitoral permanente, que acompanhe o desenrolar
do próprio sistema democrático e não espere
apenas pelo ano eleitoral como tem acontecido.
Este processo educativo deve ser feito com toda
a tranquilidade para responder às principais
inquietações que pairam na mente de muitos
cidadãos:
1) Porque existem as eleições em Angola
e porque é que elas são realizadas
periodicamente.
2) Porque se diz que as «Eleições são
um compromisso com a paz e com a
democracia».
3) O que é a democracia, quando apareceu e
porquê.
4) Porque é que na era do partido único não
existiam eleições.
5) Porquê, para quê e para quem se vota.
Estas e outras questões ajudam a sensibilizar o
cidadão a ser um potencial eleitor. Trata-se de
um processo que não se compadece com meras
palestras instrutivas de como e em quem votar.
Mais ainda feito à pressa.
Depois deste processo de aprendizagem o cidadão
fica mais consciente e disponível, não só com a sua
participação nos processos constitucionais mas,
sobretudo, com a sua contribuição na consolidação
da democracia. Isto é, participando de diversas
formas na vida pública;
3. Separação e interdependência de poderes
Este princípio orienta para a necessidade de cada
órgão do Estado (quer Executivo, quer Legislativo,
quer Judicial) trabalhar com exclusiva competência
própria, sem a intromissão da esfera jurídica
de outro órgão. Infelizmente, este princípio tem
sofrido muitas violações, se não vejamos: em
2008, o Comité de Direitos Económicos Sociais e
Culturais, reunido na sua 41.ª Sessão (entre 2 e 21
de Novembro), em Genebra (Suíça), «observou com
preocupação que a Constituição (da República de
Angola) não garante plenamente a independência
do sistema judicial e muitas vezes sujeita a
influências do Executivo… e recomenda a tomada
de medidas para que a nova Constituição garanta a
independência do sistema judicial e para que este
princípio se aplique e promova plenamente»3. Será
que o actual quadro constitucional já responde
positivamente à referida Recomendação, emitida
dois anos antes da aprovação da actual Constituição?
A realidade do actual sistema de justiça, já confere
uma clara independência dos tribunais em relação
ao Executivo? Qual é a realidade da competência
da Assembleia Nacional em fiscalizar os actos do
Executivo 4? São perguntas que desafiam o juízo de
cada um;
4. Unidade e reconciliação nacional
Um dos sentimentos que inspirou os Deputados
da nossa Assembleia Nacional, a aprovarem, em
nome do povo angolano, a actual Constituição da
República, foi o da unidade e reconciliação nacional,
conforme está manifesto nos parágrafos 8.º, 9.º e
10.º do Preâmbulo da Constituição: «Revestidos
de uma cultura de tolerância e profundamente
comprometidos com a reconciliação, a igualdade,
a justiça e o desenvolvimento; Decididos a
construir uma sociedade fundada na equidade de
oportunidades, no compromisso, na fraternidade e
na unidade na diversidade; Determinados a edificar,
todos juntos, uma sociedade justa e de progresso
que respeita a vida, a igualdade, a diversidade e a
dignidade das pessoas».
10
construindo
CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA EM ANGOLA
O slogan político que diz: «de Cabinda ao Cunene,
um só povo e uma só Nação», devia simbolizar,
na prática, a unidade de todos os angolanos, sem
distinção de raça, cor, etnia, filiação partidária,
religião. Infelizmente, este princípio tem sido
um dos mais violados, sobretudo no âmbito da
coabitação pacífica entre cidadãos de diversas
organizações políticas; não precisamos tapar
o sol com a peneira, para dizer que o processo
eleitoral de 2012 foi marcado de grandes
rivalidades e desavenças entre candidatos
concorrentes. A democracia angolana só pode ser
consolidada quando os angolanos souberem viver
na diversidade (étnica, ideológica, partidária),
esquecendo o passado que os separa cada vez
mais e abraçando o futuro da solidariedade, da
concórdia, da fraternidade e do desenvolvimento.
Não bastam os discursos teóricos que embelezam
cenários políticos, tentando ignorar os actos da
intolerância que acontecem um pouco por todo o
País; há que se tornar prático e realista sobre uma
questão tão real e profunda como é a da unidade e
reconciliação nacional;
5. Exercício dos direitos e liberdades
fundamentais
Os direitos e liberdades fundamentais consagrados
na Constituição da República em Angola devem
ser usufruídos e praticados pelos cidadãos,
principalmente as liberdades de expressão e de
informação; de reunião e de manifestação; de
associação; de imprensa. Importa realçar aqui
que, o exercício das liberdades de reunião e
manifestação, não precisa de autorização por
parte das autoridades; o que a lei orienta é que
os promotores da manifestação facultem apenas
o conhecimento das autoridades competentes,
para garantirem a segurança da tal manifestação,
através das forças da ordem pública.
Numa sociedade democrática, os cidadãos podem
criticar ou elogiar, o exercício da governação. De
facto, o exercício das liberdades de expressão,
de reunião e de manifestação ajuda a moldar a
governação, de modo a que esta esteja mais virada
para o interesse público, para o bem comum,
para o bem de todos os cidadãos. Por isso, os
direitos e liberdades fundamentais consagrados
na Constituição são invioláveis; para tal, o Estado
«cria as condições políticas, económicas, sociais,
culturais, de paz e estabilidade que garantam a
sua efectivação e protecção». Para tal, «Todas
as autoridades públicas têm o dever de respeitar
e de garantir o livre exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais e o cumprimento dos
deveres constitucionais e legais»5;
11
construindo
CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA EM ANGOLA
6. Maior interacção entre Administração Pública e
Cidadãos
A Constituição declara o seguinte: «Os cidadãos
têm direito de ser ouvidos pela administração
pública nos processos administrativos susceptíveis
de afectarem os seus direitos e interesses
legalmente protegidos». Por outro lado, «Os
cidadãos têm direito de ser informados pela
administração sobre o andamento dos processos
em que sejam directamente interessados, bem
como o de conhecer as decisões que sobre eles
forem tomadas»6.
A interacção entre governantes e governados
manifesta a democracia participativa, ou seja, o
cidadão não só acompanha o funcionamento da
Administração do Estado, como toma parte do
processo. Infelizmente, a realidade tem sido outra.
Segundo a jurista angolana Antonieta Coelho,
«muitos funcionários não veem os administrados
como parceiros, com direitos de participação
na formação de decisões estaduais, e dos
correspondentes direitos de acesso à informação,
para se atingirem determinados objectivos sociais
(…). Os cidadãos não são vistos como titulares de
direitos, incluindo o respeito, mas como ‘súbditos’,
‘subordinados’ que têm de acatar com as ordens
dos funcionários sem as questionar, ainda que
ilegais…». Antonieta Coelho vai mais longe e diz
que «um dos maiores problemas da aplicação
da lei pela Administração Pública é a ignorância
demonstrada por muitos funcionários públicos
sobre as suas vinculações quando tomam decisões.
Muitos quadros, ocupando posto de chefia, decidem
com grau de discricionariedade que não têm, pois
estão sujeitos a vinculações várias previstas na lei,
que desconhecem ou a que não atendem». Apesar
disso tudo, a referida académica defende que
«Está hoje provado que a Administração Pública
para ser efectiva tem de ser dialogante no sentido
em que negoceia, coordena, promove, incentiva,
para assegurar o desenvolvimento inclusivo em
que os interessados têm uma palavra a dizer sobre
as matérias de seu interesse»7.
Conclusão
A consolidação da democracia angolana precisa de
optimismo e de boa vontade. Para tal, o Estado deve
trabalhar, exclusivamente, para o bem comum,
colocando o interesse público em primeiro lugar,
sem influência de qualquer ideologia políticopartidária.
O povo não pode ser visto apenas como um
objecto das campanhas eleitorais ou da votação;
o povo deve ser um parceiro ideal e incontornável
na consolidação da democracia; tem de haver
uma interacção permanente entre governantes e
governados, tornando-os parceiros na construção
do bem comum. As consultas populares, por
exemplo, são muitos importantes, na medida em
que ajudam a medir o nível de interacção entre os
que governam em nome do povo e entre o próprio
povo – detentor do poder político.
Nunca existirão democracias perfeitas, enquanto
persistirem sociedades com homens imperfeitos;
a única alternativa para se ter uma democracia
madura é abrir caminhos que conduzam à
liberdade democrática sem restrições. Por isso,
todos (governantes e cidadãos) devem cultivar o
espírito da tolerância, do respeito pela diferença,
enfim serem unidos na diversidade. É um desafio
que deve ser vencido por todos, não com discursos
teóricos, mas com uma vontade prática que ajuda
todos a serem mais solidários do que egoístas, mais
espirituais do que materialistas, banindo os egos
que só criam exclusões sociais. Por isso, não se pode
continuar a enfatizar a democracia angolana antes
que se caia no ‘azar’ de a «jovem democracia» vir a
ser demagoga ao invés de madura.
Nota: Extractos tirados da grande comunicação
sobre o Acesso à Terra e à Justiça Social,
apresentada pela Jurista e Docente da Faculdade
de Direito da Universidade Agostinho Neto (UAN),
Antonieta Coelho, numa das sessões da III Semana
Social, realizada em Luanda, em Fevereiro de 2007,
e organizada pelo Centro Cultural Mosaiko (actual
MOSAIKO | Instituto para a Cidadania).
12
entrevista
D. FRANCISCO DA MATA MOURISCA
Bispo do Uíge revela em primeira mão necessidades
morais e cívicas na província onde trabalha e faz uma
leitura pessoal do processo eleitoral em Angola
Hermenegildo Teotónio
Recentemente entrevistado no Uíje, pela revista
MOSAIKO Inform, o bispo emérito da diocese do
Uíge, Dom Francisco da Mata Mourisca, acredita
na democracia em Angola, tendo já prestado
declarações ao Jornal de Angola que o País está
a dar sinais de crescimento positivo e a mostrar
toda a sua maturidade. Dom Francisco da Mata
Mourisca foi o primeiro bispo da Diocese do
Uíje, criada em 1967 com o nome de Diocese
de Carmona e São Salvador. O segundo, é Dom
Emílio Sumbelelo.
A guerrilha já tinha rebentado em Angola
quando o Papa João Paulo II o enviou para o Uíje,
em 1967. Dom Francisco de Mata Mourisca era,
na altura, um dos maiores pregadores do País.
Agora, em fim de carreira episcopal, o bispo do
Uíje, responsável pela Cáritas, pede que matem
a fome aos angolanos.
Nesta entrevista, o bispo escritor fala sobre os
direitos dos cidadãos, eleições e democracia:
«Em democracia os vencidos são vencedores,
também, na medida em que são a condição para
a própria democracia existir». Assim como nos
dá informações, em primeira mão, sobre a sua
pessoa.
Dom Francisco, porquê Mourisca?
Porque, quando professei na Ordem Franciscana Capuchinha, era praxe mudar de nome e tomar como
apelido o nome da freguesia de origem.
A minha freguesia de origem era a de Mata Mourisca, Concelho de Pombal e Diocese de Coimbra. Daí, o
apelido.
Completou 45 anos de episcopado, no dia 30 de
Abril de 2012. O que representam estes anos de
trabalho na Diocese do Uíje?
Representam o título que dei ao meu antepenúltimo
livro, publicado em Portugal e justamente intitulado
«LÁGRIMAS E SORRISOS».
13
Como foi o seu episcopado num contexto de 1967?
O meu episcopado desde 1967 até 1975 está bem
patente no livro que publiquei sob o título «POLÍTICA
DE UM BISPO». Neste livro aparecem as intervenções
que tive no contexto do referido período.
Quais as situações que o preocupavam quando começou a vida pastoral na Diocese e de que maneira
interveio?
Havia duas situações que me preocupavam sobremaneira. A primeira era a guerra, esse monstro que «se
nutre das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto
mais come e consome tanto menos se farta», como
eloquentemente escreveu o genial príncipe dos escritores portugueses, Padre António Vieira (16081697). Aquele espectáculo desumano de tantas mães
acompanhadas de seus filhinhos, esfomeados e mal
vestidos, a fugir dos tiros e da morte, era simplesmente lancinante.
A segunda situação preocupante era a mesma Diocese acabada de nascer, sem estruturas pessoais nem
materiais. Foi preciso começar desde o zero, e de tal
maneira que, devido à falta de Clero, entendi por bem
nomear como primeiro Reitor do Seminário uma Religiosa, a Irmã Flávia Castagni, Filha de Jesus – a qual,
graças a Deus, tão bem exerceu o cargo que, do seu
reitorado, um seminarista veio a ser não só padre,
mas até bispo. O tal seminarista é hoje Dom Almeida
Kanda, actual Bispo de Ndalatando.
Na altura em que começou a trabalhar na Província,
porventura o índice de analfabetismo era muito
alto. Como vê, actualmente, o Uíje nesse sentido. Há
mais letrados, ou não?
Neste sentido, o Uíje parece-me que é um símbolo.
Quando aqui iniciei o meu episcopado, numa visita
pastoral que fiz a Cuilo Futa, encontrei uma escola
que tinha 100 alunos com um só professor. Motivo?
Falta de professores nesta província, como noutras.
Tal episódio foi o primeiro factor que motivou a minha decisão em fundar uma Escola de Professores de
Posto, que veio a ser o Instituto Normal de Educação
(INE) e agora é a Escola de Formação de Professores,
frequentada por 2.800 alunos.
Com uma média de 200 finalistas por ano, esta Escola já forneceu e bem, à Província do Uíje, os professores de que ela precisa. Diz-se, e não sem fundamento, que esta província é, depois de Luanda, a que
tem mais elevado número de quadros. Isto, graças à
Diocese com a referida Escola, os Colégios do Bungo
e de Sanza Pombo, além do Seminário e da Escola de
Catequistas.
Que análise faz da situação dos Direitos Humanos
no Uíje?
Gostaria de fazer uma análise optimista, a cem por
cento. Mas, a honestidade e o amor à verdade, não o
permitem.
É certo que, depois de alcançada a paz, alguns capítulos dos Direitos Humanos conheceram aqui uma
significativa melhoria. Outros, porém, ainda se encontram na estaca zero. E entre estes, cumpre-me
salientar, principalmente, os três seguintes, cuja cidadania nem sempre é reconhecida aqui, nas terras
do antigo e saudoso bago vermelho:
w O direito à vida;
w O direito à educação;
w O direito à reputação.
São direitos não autenticados…
O direito à vida começa no momento da gestação de
todo o ser humano. Por isso, interromper deliberadamente a gravidez, praticando o que tem o nome
clássico de aborto, em qualquer idade do feto que
seja, vem a ser um autêntico homicídio, que a justiça
devia punir como deve punir todo o homicídio voluntário. Ora, este direito à vida, está aqui bem longe de
ser devidamente respeitado.
Além disso, deparamos com a situação de não poucas
mães solteiras, às vezes grávidas na adolescência e
abandonadas pelo pai do filho. Este comportamento
é uma injustiça que brada aos céus.
O direito de um filho à educação tem o seu correspondente dever que pesa tanto sobre o pai como
sobre a mãe. Por isso, fugir a este dever não pode
deixar de ser um pecado contra a própria natureza,
porque viola um dos mais sagrados Direitos Humanos, que é justamente o direito de nascer, de viver e
de receber educação.
E o direito à reputação…
O direito à reputação não tem aqui melhor sorte. A
violar este sagrado direito humano, temos em Angola o clamoroso mito do feitiço, crença esta que
origina trágicas desgraças no seio das famílias e na
sociedade.
E no centro desta incrível tragédia está a figura maldita do adivinho (ngang’angombo) que é um verdadeiro mentiroso, ladrão e assassino. É mentiroso,
porque mente ao dizer que esta criança ou aquele
velho é feiticeiro. É ladrão porque rouba a reputação
e a paz da família, à qual pertence o inocente por ele
ignominiosamente acusado. É assassino, enfim, porque não poucas vezes se torna a causa
moral da morte do inocente que ele, ca-
14
entrevista
dom francisco da mata mourisca
luniosa e diabolicamente, acusa de feiticeiro.
Por fim, a agravar este repugnante panorama, temos
o escandaloso abstencionismo da justiça, que nada
faz em tais situações. Esta é, porventura, a faceta
mais grave da violação dos Direitos Humanos, aqui
registada na região do Uíje. Que eu saiba, nunca o
ngang’angombo foi levado a tribunal por causa do
delito de grave difamação que chega a causar a morte de indefesos inocentes por ele caluniados.
Dom Francisco da Mata Mourisca é um escritor nato
e, nas suas obras, apela muitas vezes à realização da verdade, da justiça e da reconciliação. Mas
ainda assim, algumas pessoas consideram que as
igrejas (a Igreja Católica, neste caso) têm tomado
uma atitude omissa diante da realidade que se nos
apresenta; a Igreja Católica poderia exercer mais e
melhor a voz profética, denunciando as injustiças
sociais e apontando caminhos que levam à promoção do bem comum (em face das injustiças sociais,
fruto da governação). O que pensa disto, como
representante da Igreja Católica?
Esta pergunta precisa de uma absolvição. E eu faço
questão de a dar, dizendo o que penso disso, não
como representante da Igreja Católica, mas como
representante de mim mesmo. Antes de mais, cumpre-me dizer que não compete à Igreja apontar caminhos que levem à promoção. Mas, denunciar injustiças e apelar aos responsáveis para que o façam
(isso, sim).
E o que compete à Igreja…
À Igreja compete a ética da justiça e não a técnica
da justiça, que é própria dos profissionais da política. Ora, a denúncia profética que é competência e
obrigação da Igreja, foi por esta exercida, e de forma
bem eloquente, nos momentos oportunos. Vou recordar aqui apenas alguns desses documentos, onde
tal denúncia clama com voz forte:
1. Desafio da Pobreza na África Austral, documento publicado pelos Bispos da África Austral em 2001.
2. Justiça e Pão para todos – Exortação Pastoral
da CEAST, de 2002.
3. A Conspiração do Lubango, como foi qualificada pelo Partido no Poder uma Mensagem que
a CEAST publicou desde o Lubango, onde teve
a sua assembleia geral.
4. Movimento PRO PACE e seus dois Congressos
(2000 e 2005) sobre Direitos Humanos. Estes
Congressos foram realizados a nível nacional
e, depois, a nível diocesano.
Certamente, estas não foram as primeiras eleições
que Dom Francisco da Mata Mourisca teve a oportunidade de acompanhar. Quais são as diferenças que
estabelece entre as eleições de 2012 e as anteriores?
(O que viu de diferente em relação às anteriores).
Para responder com objectividade a esta pergunta,
eu deveria ter acompanhado com mais proximidade
as referidas eleições em todo o País, o que me não
foi possível. Contudo, das últimas eleições, acabadinhas de acontecer, confesso que admirei o facto de
um Partido, recém-nascido, ter ficado em terceiro
lugar. Parece-me que um facto destes é invulgarmente significativo.
Que expectativas tinha do processo?
Para ser franco, confesso que, tendo em conta a situação e a montagem da campanha pré-eleitoral,
não esperava resultado substancialmente diferente
daquele que aconteceu. Na campanha pré-eleitoral,
não vi proporção entre os meios do partido vencedor
e os dos outros partidos. Isto contribuiu, também,
para a vitória não ser surpresa.
As eleições gerais, de 31 de Agosto, tiveram uma
abstenção na ordem dos 40%, como indicam resultados da votação anunciados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Quer comentar estes dados…
Parece-me que a abstenção, além de não dizer ‘não’,
significa não dizer ‘sim’ aos partidos, mormente
àquele que é mais bem conhecido, isto é, o Partido
no Poder. Considero que esta recusa do ‘sim’ dada a
um partido, seja qual for, deve ser para ele motivo de
honesta reflexão.
Com os resultados das eleições, muitas questões
hão-de mudar na sociedade angolana, sob o ponto
de vista político, social e outros. Considera que o
País está preparado para estas mudanças?
Para receber mudanças positivas, não tenho dúvidas
de que o País está bem preparado. Para as realizar é
que não sei se está. Sobretudo, politicamente. Mas
os factos vão dizê-lo.
Até que ponto, na sua opinião, a questão do analfabetismo põe em causa o exercício do voto consciente?
Penso que o analfabetismo per si, tendo em conta os
meios que a técnica hodierna proporciona, não põe
em causa o exercício do voto consciente. Há pessoas
analfabetas, mas dotadas de sentido prático mais do
que suficiente para se não deixarem enganar.
Essas mulheres analfabetas que se não deixam enganar na praça, também são capazes de se não deixarem enganar perante as urnas.
15
Na sua óptica, há vencedores e vencidos?
Politicamente, sim; democraticamente, não. Em democracia os vencidos são vencedores, também, na
medida em que são condição para a própria democracia existir.
Quer isto dizer que, para haver democracia, como
para haver desporto, tão necessários são aqueles
que perdem como aqueles que ganham. Sem os primeiros, não podem existir os segundos.
Ao Partido que teve maior número de votos que tem
a dizer?
Ao Partido com maior número de votos direi que
procure conservar a memória e não caia na amnésia
política, em que tantos partidos vencedores caem
depois das eleições, esquecendo quase patologicamente as promessas que fizeram ao Povo.
E aos outros…
Aos outros Partidos direi que procurem perder sem
complexos pois, como referi anteriormente, em boa
democracia não há vencidos, só há vencedores.
Como é que avalia o comportamento dos principais
agentes eleitorais durante o processo (Partidos Políticos, CNE, Comunicação Social, Cidadãos)?
Nas cidades, onde há muitos olhos a observar, esse
comportamento pareceu-me correcto. Mas não posso dizer o mesmo do meio rural pois constou-me,
por testemunha insuspeita, que um soba perdeu o
seu vencimento pelo facto de ter votado num partido da oposição. Mais, houve professores que não
deixaram entrar na escola os alunos que envergavam a camisola de um partido diferente daquele que
é titular do Executivo. São casos raros, mas são casos que revelam a imaturidade político-democrática
de certos responsáveis pelos destinos do Povo.
Pode fazer-nos uma análise da situação actual do
País, depois das eleições?
Depois das eleições, penso que a situação do País
é de expectativa. As promessas do Partido vencedor, consubstanciadas em crescer mais e distribuir
melhor, foram tomadas a sério pelos Angolanos.
Defraudar agora a esperança do Povo seria um desastre político para o Partido no Poder, facto que a
oposição não deixaria de explorar com sagaz e oportuna habilidade.
O caminho faz-se caminhando. É razoável que
num processo tão complexo como o processo eleitoral tenham acontecido aspectos menos positivos. O mais importante é tirar lições e
aprender com a experiência. Tendo em conta a
experiência e sabedoria de Dom Francisco da Mata
Mourisca, que apelo faria para as partes envolvidas (à CNE, Partidos Políticos, Igreja, Cidadãos e
Comunicação Social), a fim de melhorarem futuros
processos eleitorais?
Em toda a campanha eleitoral, tem de haver uma
justa equidade de meios acessíveis aos diversos partidos. Não foi isso que observei na última campanha
eleitoral. Os partidos concorrentes ao pleito eleitoral
não se devem contentar com dar a conhecer o seu
programa político. Mas devem dar a conhecer, também, o perfil intelectual, político e moral, de quem o
vai executar. De facto, se um programa político estiver genialmente concebido, mas não tiver homens
competentes para o executar, não passará de mais
um aborto político.
Uma palavra final aos leitores da revista MOSAIKO
Inform e ao MOSAIKO | Instituto para a Cidadania?
Esta palavra final, para os leitores da revista MOSAIKO Inform, não pode ser senão um voto cordial
para os que saibam ler e assimilar as sábias lições
que a mesma revista divulga. Repito: ler e assimilar.
Ao MOSAIKO, empenhado em defender e difundir
a justiça e a paz, mediante a cultura dos Direitos
Humanos, o que digo é simplesmente aquilo que
lemos no Evangelho: «Felizes os que difundem a
justiça e a paz, porque serão chamados
filhos de Deus» (Mt. 5, 9).
16
reflectindo
SISTEMAS ELEITORAIS
de MAIORIa
Maria Mussolovela
Um sistema político funciona ao abrigo de diversos
elementos interdependentes. A comunidade política,
o regime e as autoridades – enquanto principais componentes do sistema político –, remetem-nos para
os conceitos de política e exercício do poder. Deste
modo, os elementos supracitados permitem-nos a
análise da representação de um eleitorado e da consequente detenção de cargos políticos.
A soberania popular espelha-se na escolha dos representantes políticos, por parte do eleitorado. Falar
em voto, remete-nos para a ligação entre eleitores e
representantes – ligação, essa, que constitui um elemento definidor da democracia representativa.
A definição primária de democracia passa pelo governo «do povo, pelo povo e para o povo». Assim, a
democracia representativa, funciona como um upgrade do conceito em que, através do direito e dever
de voto, «as preferências dos eleitores traduzem-se,
através de um sistema eleitoral, em assentos parlamentares ou cargos políticos».
O papel das eleições e dos sistemas eleitorais são
importantes para o desenvolvimento institucional e
para os processos de modernização que, neste contexto, se generalizam como um dos dispositivos fundamentais e centrais do sistema democrático.
Relativamente aos sistemas eleitorais, eles têm um
impacto decisivo na estruturação do campo político.
No que toca aos sistemas maioritários, estes asseguram à partida uma maior eficácia institucional, embora possa haver consequências políticas diversas.
Ora, segundo o professor alemão de Ciência Política,
Dieter Nohlen (n. 1939), o contexto pode fazer toda
a diferença. Sistemas eleitorais, enquanto subdisciplina da Ciência Política, caracterizam-se como variável independente. «Como variáveis dependentes
apresentam-se a estabilidade da democracia e a sua
estrutura funcional. Procura estabelecer-se um tipo
de relação entre a variável independente e os seus
efeitos».
Os sistemas eleitorais são uma peça central no funcionamento do sistema eleitoral de um Estado, ocupando um lugar privilegiado no estudo comparado
dos governos. Os sistemas de maioria pertencem à
categoria dos sistemas eleitorais fortes, ao contrário
dos sistemas por representação proporcional, classificados como débeis pelo especialista italiano no
estudo da Política Comparada, Giovanni Sartori (n.
1924). O autor considera que, na forma de representação proporcional, os sistemas tendem a gerar um
efeito redutor nos partidos. Nas fórmulas de maioria,
o candidato, ou partido, que obtiver a maioria absoluta (ou maioria simples) será eleito. O modelo de decisão determina o vencedor e o perdedor de uma eleição. De acordo com a maioria absoluta, o candidato
com mais votos que todos os outros candidatos (ou
partidos juntos), ganha o mandato. O objectivo político dos sistemas de maioria absoluta (ou mesmo de
maioria simples) consiste em alcançar uma maioria
parlamentar para um partido. O propósito é, essencialmente, formar um governo maioritário monopartidário, embora nas maiorias simples seja provável e
recorrente a coligação do candidato (ou partido mais
17
reflectindo
sistemas eleitorais de maioria
votado) com a força política que se aproxime mais
das suas ideias.
Em qualquer contexto, a representação política num
governo eleito por maioria (ou não) abarca factores
como a transmissão de autoridade e a responsabilidade delegados pelo povo aos representantes eleitos por si, democraticamente.
A sociedade civil acompanha – ao longo do mandato
do partido no poder –, o desempenho do mesmo no
que respeita à sua responsabilização, implementação de políticas públicas e funcionamento das instituições. O resultado desta avaliação será preponderante nas eleições seguintes e, num Estado com
a fórmula eleitoral maioritária, determinará a continuação ou mudança do tipo de maioria.
Há a meu ver e, no parecer de outras pessoas, um
paradoxo associado às maiorias absolutas se com
elas estabelecermos um termo de comparação com
as maiorias simples. Importa, no entanto, esclarecer
O objectivo político dos sistemas
de maioria absoluta (ou mesmo
de maioria simples) consiste em
alcançar uma maioria parlamentar
para um partido. O propósito é,
essencialmente, formar um governo
maioritário monopartidário,
embora nas maiorias simples seja
provável e recorrente a coligação do
candidato (ou partido mais votado)
com a força política que se aproxime
mais das suas ideias.
que, qualquer que seja o resultado (vitória por maioria relativa ou absoluta), há sempre vantagens e
desvantagens. Como benefícios (e remetendo ao primeiro mandato), refira-se que a governação é facilitada porque as propostas, apesar de necessitarem da
aprovação parlamentar, tornam-se leis pois os partidos que suportam a maioria votam favoravelmente.
Numa primeira fase pode considerar-se esta facilidade positiva, uma vez que o processo legislativo não sofre bloqueio e, além disso, se o governo
cumprir o seu programa eleitoral, as medidas vão ao
encontro das escolhas feitas pelos eleitores. No entanto, vários analistas consideram que nos últimos
anos de legislatura, ou no segundo mandato, tendo
este a maioria absoluta, os governantes tendem a
distanciar-se do que prometeram.
As maiorias simples podem tornar processos de
decisão muito mais lentos por causa da obrigatoriedade de acordos a ter com os partidos a que a
força no poder está coligada. Ainda assim, na maioria absoluta, por sua vez, reformulam-se sectores e
transformações sociais e económicas sem que seja
necessário a deliberação de outro grupo ou conjunto de grupos partidários.
Nos governos de maioria absoluta, o papel do parlamento acaba por ser meramente figurativo. Os
debates para a aprovação de leis quando o governo
é eleito por maioria absoluta são, muitas vezes, inúteis. O partido mais votado detém a maior parte dos
assentos parlamentares e, assim, é grande a probabilidade de todas as leis serem aprovadas pela dita
maioria.
A maioria simples (sabe-se) consiste na vitória de
um partido ou candidato que obtenha o maior número de votos em relação a outros partidos concorrentes ou candidatos; enquanto a maioria absoluta
exige uma vitória que compreenda mais do que 50%
do total de votos. Cada uma tem implicações, algumas explicadas anteriormente. Assim, não se torna
claro, a meu ver, determinar qual é a mais ou menos vantajosa, pois, como foi igualmente referido,
o contexto faz toda a diferença. Ser mais ou menos
viável, entre outros elementos, depende do tipo de
democracia do Estado em questão (se é mais ou
menos sólida), assim como depende da capacidade
do partido no poder corresponder às reais necessidades dos eleitores, e legitimidade do mesmos.
18
reflectindo
compromisso dos
cidadãos depois do
processso eleitoral
Edilson Pedro
As eleições constituem um marco importante na
consolidação da paz e democracia de um país.
Instauram uma oportunidade histórica da sua
normalização democrática. Colocamos à prova o
exercício das nossas aspirações e a escolha das
preferências políticas.
Nos países democráticos, o poder pertence ao povo.
As eleições são o meio de transferência do poder das
mãos do povo para as de seus representantes. E, para
estes últimos, o alcance da legitimidade popular com
vista ao exercício do poder. A soberania pertence
ao povo que a exerce nos termos da Constituição e
da Lei, através do sufrágio universal, livre, secreto
e periódico. Só com os meios democráticos os
governantes ganham legitimidade popular para
exercer o poder (ver art. 3º, 4º e 54º da CRA).
Com as eleições de 2012, Angola teve a terceira
experiência na realização deste processo, desde que
alcançou a sua independência em 1975. A primeira
em 1992; a segunda em 2008; e, recentemente, em
2012.
A questão que agora colocamos é: se os processos
eleitorais terminam com a anunciação dos
resultados.
Será esta a ideia que devemos conter? O que é que
os diferentes actores (partidos políticos, sociedade
civil, igrejas e cidadãos em geral) podem/devem fazer
depois deste processo? Que outras responsabilidades
podem assumir?
Precisamos fazer uma reflexão sobre os aspectos
positivos e negativos de todo o percurso, do princípio
ao fim. Fazer um acompanhamento, até o término do
mandato, e chegar a outra época eleitoral.
Quanto aos aspectos positivos, vivemos hoje um
clima de paz. Uma paz alcançada graças ao esforço
de todos. Precisamos reassumir o compromisso da
sua consolidação com o peso de honrarmos todos
aqueles que disponibilizaram esforços incansáveis
para usufruirmos deste bem comum. E, precisamos
procurar afastar as situações que o possam pôr em
causa.
Hoje, o nosso país tem outro rumo a seguir. Um
rumo promissor onde todos temos a oportunidade
de concretizar tudo aquilo que nos era impedido de
fazer. Este valor constitui o ideal supremo e o motor
de desenvolvimento de qualquer país.
A juventude contemporânea está mais interessada em
viver o presente, virada para o futuro. Não queremos
lembrar mais o passado, principalmente o que foi
negativo – para o bem do nosso povo.
Hoje, registamos várias mudanças em diversos
sectores angolanos. De todas, a mais relevante, tem a
ver com a juventude. Os jovens de hoje estão melhor
informados e decididos a reivindicar a parcela da
riqueza do País a que têm direito. Por outro lado, não
deixamos de fazer referência aos gritantes índices de
pobreza e em todos os aspectos.
Depois do anúncio dos resultados, assistimos à tomada
de posse dos governantes eleitos. Teremos de assistir
à concretização das promessas assumidas, durante
a campanha, através de programas de governação.
O que farão com o exercício do poder delegado pelo
povo?
Nos países democráticos, o poder pertence
ao povo. As eleições são o meio de
transferência do poder das mãos do povo
para as de seus representantes.
Vamos acompanhar, durante os cinco anos de
governação, a concretização de todos os planos e
projectos que constam daquele programa político
que motivou a confiança do povo a votar no mesmo
candidato. Seremos verdadeiros fiscais e juízes
das suas actividades. As promessas estão a ser
cumpridas?
19
COMPROMISSO DOS CIDADÃOS DEPOIS
DO PROCESSO ELEITORAL
e depois...
Entretanto, caso os mesmos políticos não cumpram
com o prometido, temos a oportunidade de os
sentenciar noutras eleições. É por esta razão que,
nas democracias, o exercício do poder político deve
ser periódico. Para que, cessando o mandato, o
poder volte às mãos do povo com o objectivo deste
o transferir de novo para o candidato que, segundo
o seu programa de governação, poderá satisfazer
melhor os anseios do povo angolano.
Por outro lado, temos consciência que os processos
eleitorais são tidos como as principais causas de
diversos conflitos políticos – principalmente, em
países africanos. Estas situações têm marcado,
negativamente, a imagem política destes países e,
consequentemente, vão dando exemplos negativos
para o mundo no que concerne à assimilação e
vivência dos valores da democracia.
Onde poderão estar as causas?
Cada um de nós pode fazer uma reflexão. Todavia,
isto sucede quando cada um de nós é, directa ou
indirectamente, chamado a assumir diferentes
responsabilidades na condução do processo eleitoral
e não o faz com aquilo que a lei determina, a fim de
que a vontade do povo se manifeste livremente.
Estas situações têm, por vezes, origem na
manifestação de comportamentos contrários à
tolerância, ao compromisso patriótico, à aceitação
de conviver na diferença e de assumir valores
que unem as nossas sensibilidades. Estes valores
fundamentam a subsistência e integridade da nossa
sociedade. Constam dos mesmos: a liberdade, a
justiça, a paz, a solidariedade, a reconciliação, o
perdão mútuo e a tolerância e devemos lutar para
mantermos e defendermos a integridade da nossa
sociedade.
Apelamos para que, depois destas eleições,
continuemos a viver em paz e com confiança numa
Angola melhor que continue a ser bem cimentada
na mente de todos os angolanos. Na garantia de que
o amanhã seja sempre um bom dia que se levanta e
para continuarmos a lutar em prol da melhoria das
condições de vida que só se consegue num clima
de paz, reconciliação, concórdia e, acima de tudo,
perdão mútuo entre irmãos da mesma
pátria.
20
breves
Ecos do MOsaiko inform MOSAIKO Lança nova
sobre o «Direito à água» publicação intitulada
«acesso à Justiça:
Elementos para reflexão»
A 14.ª edição
da publicação
MOSAIKO Inform debruçase sobre o Direito à Água, no
plano jurídico
e social, abordando temas
de informação
e reflexão em
torno da problemática da água no mundo e, particularmente,
em Angola.
Após a publicação da referida 14.ª edição da revista MOSAIKO Inform, a equipa editorial recebeu
reacções muito positivas de vários leitores que
demonstram um crescente interesse pelos conteúdos. Destacamos a reacção do bispo da Igreja
Católica da província do Bié, Dom José Nambi, que
dirigiu palavras de agradecimento ao Frei Júlio Candeeiro, Director-geral do MOSAIKO | Instituto para
a Cidadania, nos seguintes termos: «O nosso agradecimento pelo envio da revista MOSAIKO Inform.
Parabéns por mais este órgão de informação. Acabo de ler o Editorial e tudo o que escrevem sobre a
água. Eu fui visitar, este fim-de-semana, Chinguar.
Uma das conversas mais quentes que ouvi foi sobre o problema da água. Fui informado de que o
povo acorda muito cedo para ir à procura de água.
O facto de não ter havido chuva regular, agravou a
situação. A água é cara (...)».
Construindo
Cidadania
O MOSAIKO lançou, no
fim do mês de Julho,
uma nova publicação
intitulada «O Acesso
à Justiça em Angola.
Elementos para reflexão». O acto teve
lugar em diferentes
localidades do país,
nomeadamente: na
Quibala
(província
do Kwanza-Sul); em
Ndalatando (província do Kwanza-Norte)
e em Luanda. O objectivo principal desta publicação é partilhar com os diferentes actores sociais,
os frutos da sua experiência, no acesso à Justiça,
em diversas zonas de Angola, desde 1997.
Na apresentação, o frei Júlio Candeeiro, Director Geral do Mosaiko, salientou que acusação de feitiçaria
é uma das principais causas de cometimento de crimes, em grande parte dos municípios do País, onde
o adivinho é a figura central. Em alguns casos, as
instituições estatais, como a Polícia e a Administração Municipal, enfrentam grandes dificuldades pelo
facto da lei não prever, claramente, mecanismos de
resolução deste tipo de conflitos onde os mais fracos são sempre os mais afectados.
Nos lançamentos estiveram presentes várias entidades, que referiram que esta publicação reflecte
aquilo que muitos vivem no seu dia-dia.
As pessoas interessada poderão contactar o Mosaiko para obter esta publicação.
Rádio Ecclesia | 97.5 FM
Sábado às 08H30 e Domingos às 22H00