Transformando lixo em sonhos

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Transformando lixo em sonhos
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8/20/2009
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Transformando
lixo em sonhos
por Patrícia Mariuzzo
PROJETO DE FÁBRICA DE PIJAMAS LOCALIZADA NO RIO DE
JANEIRO UNE RECICLAGEM, REUTILIZAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL
Giselle de Araujo Barroso cresceu
entre tecidos, agulhas, linhas e a máquina de costura de sua mãe, que costurava
para fora e costumava presentear as filhas
com bonecas feitas de retalhos. Inspirada
em sua própria história, Giselle, hoje proprietária da fábrica de roupas para dormir Encanto de La Luna, que fica em Nova
Friburgo, Rio de Janeiro, teve a ideia de
aproveitar as sobras de tecido da fabricação de pijamas e camisolas para confeccionar bonecos de pano e vendê-los
junto com as roupas. Assim surgiu a boneca Luna, a primeira de uma série de personagens que compõem hoje o projeto
de responsabilidade social da empresa,
que une reciclagem e inclusão social.
Nova Friburgo, maior produtor de lin-
gerie do país, gera cerca de cem toneladas de resíduos por mês. Segundo Giselle
Barroso, a fabricação de camisolas e pijamas gera uma perda considerável de tecidos, algo em torno de 30%. “Como as roupas são grandes, esse desperdício é inevitável”, diz ela. Com a fabricação dos
bonecos, a empresa recicla 80% do lixo
gerado. “Os bonecos se tornaram um dife-
Fotos: Divulgação
Na confecção de camisolas
e pijamas, como as peças
são grandes, o desperdício de
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tecido é inevitável
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rencial, agregando valor aos meus
produtos”, conta Giselle. Eles podem
ser vendidos separadamente, mas o
carro-chefe da empresa são kits
que incluem pijamas ou camisolas, uma bolsa e os bonecos.
“Nosso público é muito variado.
Vendemos para lojas de lingerie,
papelarias, escolas etc. Com a
fabricação dos bonecos, aumentamos nossa grade de opções de produtos”, diz ela.
PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL
Na opinião de Giselle Barroso, na maioria das vezes o desperdício ocorre por falta de conhecimento. Para incentivar outras
iniciativas como a da Encanto de La Luna,
a empresária fez uma parceria com a
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj), para implantar o Centro de
Valorização de Resíduos em Nova Friburgo. O lançamento do projeto foi feito em
julho durante a Feira Brasileira de Moda
Íntima, Praia, Fitness e Matéria Prima
(Fevest). O objetivo do novo projeto é destinar 80% dos resíduos para reciclagem
e 20% para reutilização, com capacitação
de mão-de-obra para fabricação de bonecos, bijuterias, estopas e artesanato em
cooperativas de trabalho. “Nossa intenção é organizar as ações já existentes
de maneira articulada, de modo a
trazer benefícios para todo o pólo
de Nova Friburgo, tornando-o
uma referência no Brasil em
aproveitamento de resíduos”, afirma.
INCLUSÃO
Além
da questão
do impacto
ambiental, o projeto criado
pela Encanto de La Luna,
busca promover inclusão
social. Isso porque os bonecos desenvolvidos se dife-
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renciam do padrão de
brinquedos no mercado. Kadu foi o primeiro boneco de
pano brasileiro
que representa
uma criança
com síndrome
de Down. Ele
também foi inspirado na história pessoal de Giselle, que
tem na família uma pessoa
portadora da síndrome. Para executar
a ideia ela fez uma parceria com uma
escola especializada no atendimento
de crianças com síndrome de Down em
Nova Friburgo. A confecção das bonecas se tornou uma das oficinas de terapia ocupacional para as crianças da
escola. No início eram produzidas cerca de 100 bonecas por mês. Como a
demanda pelos bonecos cresceu, Giselle
resolveu profissionalizar a produção,
passando a confeccionar os bonecos na
fábrica de roupas. Hoje, segundo ela,
são produzidas de três a quatro mil unidades. Além do Kadu, a Encanto fabrica Vivi, que retrata uma menina obesa,
um índio e uma boneca negra. Esses
personagens, juntamente com a boneca Luna, formam o Clubinho da Luna,
um site na internet onde as crianças podem interagir com os
bonecos. O personagem Kadu é
o campeão de mensagens, muitas delas de pessoas com síndrome de Down. “Os únicos tecidos que eu compro são os
para a pele da
Malu, a boneca negra e
do índio Apoena, pois não produzo pijamas nessas cores. Todo o
resto vem da reutilização
de resíduos”, explica Giselle.
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ERA UMA VEZ
O projeto também originou O diário de Luna, livro que conta a história
dos bonecos. A obra, que já vendeu mais
de duas mil cópias, foi adotada em algumas escolas de Nova Friburgo, onde
Giselle faz palestras sobre reciclagem
e inclusão social. “Por meio dos bonecos, conto minha experiência pessoal
e sobre como arranjei uma solução para
não poluir. As crianças e os professores
são muito receptivos, temos tido um
bom retorno desse trabalho”, conta. Um
deles é a adoção do livro em diversas
escolas. No Colégio Veríssimo, na cidade do Rio de Janeiro, a história de Luna
e seus amigos é lida pelos alunos da
educação infantil até o sexto ano do
ensino fundamental. Segundo a psicóloga Glória Marques, que coordena os
projetos com o livro no Colégio, o conteúdo é aproveitado em várias disciplinas, como geografia e ciências. A
escola também utiliza os bonecos nas
aulas. “O lúdico é muito importante
nesse trabalho. Para as crianças é importante ir além da imaginação e os bonecos trazem a história para o concreto”,
diz ela. Ainda segundo ela, ao trazer
temas como a síndrome de Down, o
negro, da criança que trabalha (o personagem Zeca trabalha e estuda) ou a
obesidade, os alunos têm a chance de
aprender que ser diferente não é necessariamente ser limitado. “Temos que
mostrar o potencial de cada pessoa e
valorizar isso. É preciso quebrar o estigma da penalização e acionar a mobilização”, acredita a psicóloga.
Este ano devem ser lançados mais
dois personagens: a cadeirante Funny e
Mané, um menino que não vai à escola.
“Nossa intenção é mostrar que as diferenças têm que ser aceitas com naturalidade, daí a ideia de oferecer às crianças
brinquedos que retratem várias maneiras de ser”, afirma a proprietária da confecção.