Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano
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Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano
Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano tipo Livro título Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano autor Frederick Douglass www.coresmarcasefalas.pro.br 2 Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano. Cap. VII Frederick Douglass Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano (Narrative of the Life of Frederick Douglass, an American Slave) Tradução livre de Marcos Abreu e Ivana Stolze Capítulo VII Eu vivi com a família do senhor Hugh por cerca de sete anos. Durante este tempo, consegui aprender a ler e escrever. Sem um professor regular, fui obrigado a tramar vários estratagemas. Minha senhora havia gentilmente começado a me instruir, mas depois, seguindo o conselho e direção de seu marido, não só parou de me instruir, como proibiu qualquer outra pessoa de fazê-lo. No entanto, deve-se dizer de minha senhora que ela não adotou este tratamento desde o início, quando ainda não tinha a depravação indispensável para relegar-me à escuridão e ignorância. Antes disso, foi necessário que ela tivesse algum treinamento em exercer o poder irresponsável e me tratar como se eu fosse um bruto. Minha senhora era, como já disse, uma mulher gentil e terna; na simplicidade de sua alma, no início me tratava como achava que um ser humano deveria ser tratado. Ao se iniciarem as obrigações da escravidão, ela não parecia perceber que eu não passava de uma propriedade e que tratar-me como um ser humano seria errado e perigoso. A escravidão provou ser tão prejudicial para mim quanto para ela. Quando fui para lá, ela era uma mulher piedosa e afável. Não havia tristeza e sofrimento que não a fizesse chorar; tinha sempre um pão para o esfomeado, roupas para os necessitados e conforto para toda pessoa de luto que estivesse ao seu redor. A escravidão provou logo sua habilidade para despi-la dessas qualidades celestiais. Sob sua influência, o terno coração tornou-se pedra, a disposição pacífica deu lugar à agressividade e à ferocidade. O primeiro passo em sua decadência foi parar de me instruir, praticando os preceitos de seu marido, até tornar-se finalmente mais violenta que ele. Não satisfeita simplesmente em fazer como ele havia ordenado; ela parecia ansiosa para fazê-lo ainda melhor. Nada a deixava mais furiosa que me ver com um jornal nas mãos, pensando que aí morava o perigo. Eu a vi correr contra mim com a cara coberta de fúria, e me tirar o jornal, de uma maneira que revelava sua apreensão. Era uma mulher Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano. Cap. VII sagaz; 3 e a curta experiência logo demonstrou, para sua satisfação, que educação e escravidão eram incompatíveis. Daí em diante, eu era vigiado de perto. Se ficasse sozinho por muito tempo, em um cômodo separado, logo tornava-me suspeito de estar com um livro e era de uma vez chamado para dar conta de mim. No entanto, não havia mais jeito, o primeiro passo havia sido dado. A senhora, ao me ensinar o alfabeto, havia me dado a mão, e nada mais me impedia de agarrar o braço. O plano que adotei, na maioria das vezes bem sucedido, consistia em ficar amigo de todos os garotos brancos que encontrava na rua. Tanto quanto podia, eu os convertia em professores. Com sua ajuda, obtida em épocas diferentes e em diversos lugares, eu finalmente aprendi a ler. Quando me mandavam fazer algum trabalho longe, eu sempre levava meu livro comigo, e fazendo logo minha tarefa, eu arranjava tempo para aprender uma lição antes do meu retorno. Eu sempre carregava algum pão, que obtinha em casa, e pelo qual eu era sempre bem-vindo. Pois eu era mais afortunado nesse aspecto do que muitas das crianças pobres da vizinhança. Com esse pão eu premiava os meninos, que, em troca, me davam o pão mais valioso do conhecimento. Estou fortemente tentado em dar os nomes de dois ou três desses garotos, como um testemunho de minha gratidão e afeição que nutro por eles; mas a prudência proíbe; não que fosse prejudicial para mim, mas pode ser embaraçoso para eles, pois é quase uma ofensa imperdoável ensinar escravos a ler nesse país cristão. É suficiente dizer desses queridos e pequenos companheiros, que eles vivem na Philpot Street, bem próximo ao estaleiro Durgin e Bailey. Eu costumava conversar com eles sobre a escravidão. Às vezes, eu gostaria de lhes dizer que desejava ser tão livre quanto eles seriam quando se tornassem homens. “Você se tornará livre assim que fizer vinte e um anos, mas eu sou um escravo por toda vida! Eu também não tenho o direito de ser tão livre como você?” Essas palavras costumavam perturbá-los; eles expressavam por mim vívida simpatia, e me consolavam com a esperança de que alguma coisa iria ocorrer e que pela qual eu poderia me tornar livre. Eu tinha agora cerca de doze anos de idade, e a ideia de continuar escravo por toda a vida pesava sobre meu coração. Nessa época, tive em mãos um livro intitulado “The 4 Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano. Cap. VII Columbian Orator”, que lia sempre que tinha alguma oportunidade. Entre outras questões interessantes, havia um diálogo entre um senhor e seu escravo. O escravo era representado como tendo fugido de seu senhor por três vezes e o diálogo mostrava a conversa entre eles quando o escravo fora recapturado pela terceira vez. Ali, todos os argumentos a favor da escravidão foram apresentados pelo senhor, e todos foram descartados pelo escravo. O escravo respondia de forma esperta e impressionante, de forma que suas respostas levaram ao inesperado efeito da emancipação voluntária do escravo pelo senhor. No mesmo livro, eu conheci um dos poderosos discursos de Sheridan a favor da emancipação católica. Eram documentos talhados para mim. Eu os lia repetidamente com um interesse inabalável. Deram voz para os pensamentos interessantes de minha própria alma, que freqüentemente passavam pela minha mente, e morriam por falta de expressão. A moral que ganhei do diálogo era o poder da verdade sobre a consciência mesmo de um escravocrata. O que eu tive de Sheridan foi uma ousada denúncia da escravidão, e uma poderosa reivindicação dos direitos humanos. As leituras desses documentos me permitiram verbalizar meus pensamentos, e conhecer os argumentos apresentados para sustentar a escravidão, mas enquanto eles me libertavam de uma dificuldade, eles me traziam outra ainda mais dolorosa do que aquela de que me libertei. Quanto mais eu lia, mais eu era levado à abominar e detestar meus escravizadores. Eu não pude olhá-los em nenhuma outra perspectiva que não fosse a de um bando de ladrões bem-sucedidos, que deixaram seus lares, e foram para a África, e nos roubaram de nossas casas, e em uma terra estranha reduziu-nos à escravidão. Eu os detestava como se fossem os mais maldosos e ímpios dos homens. Como li e contemplei o assunto, pasmem! Aquele descontentamento previsto pelo senhor Hugh que se seguiria ao meu aprendizado da leitura já havia chegado, para atormentar e picar minha alma com uma angústia inexprimível. Fortemente comovido, eu sentia às vezes que aprender a ler havia sido mais uma maldição que uma benção. Fora me dada a visão de minha miserável condição, mas não o remédio. Abria meus olhos para o terrível abismo, mas nenhuma escada para dali escapar. Em momentos de agonia, invejei a ignorância de meus companheiros escravos. Desejei frequentemente ser eu próprio um monstro. Preferia a condição do pior dos reptéis do que a minha própria. Qualquer coisa, não importa o quê, para me livrar de pensar. Esse sentimento sobre minha condição não parava de me atormentar. Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano. Cap. VII 5 Não havia como livrar-me dele, se impunha a mim por todos os sentidos. O prateado trunfo da liberdade havia despertado em minha alma uma eterna vigília. A Liberdade apareceu, para nunca mais desaparecer. Ela era ouvida em todo som, e vista em cada coisa. Estava sempre presente para me atormentar com a consciência de minha miserável condição. Eu não via nada sem vê-la, eu não escutava nada sem ouvi-la, e não sentia nada sem senti-la. Estava em toda estrela, sorria em toda calmaria, respirava em todo vento e movia-se em toda tempestade. Eu estava sempre me lamentando da minha existência e desejando morrer; e pela esperança de ser livre, eu não tinha dúvida de que eu devia me suicidar, ou fazer alguma coisa pela qual eu deveria ser morto. Enquanto estava nesse estado de espírito, estava ávido para ouvir qualquer pessoa falar da escravidão. Sempre de ouvidos atentos, de vez em quando eu ouvia alguma coisa sobre os abolicionistas. Foi um pouco antes de descobrir o que a palavra significava. Ela era sempre usada de tal maneira que a fazia interessante para mim. Se um escravo fugisse e conseguisse se safar, ou se um escravo matasse seu senhor, botasse fogo em um celeiro, ou fizesse alguma coisa muito errada pela mente de um escravista, tratava-se da abolição. De tanto ouvir essa palavra, resolvi descobrir o que ela significava. O dicionário não me trouxe muita ajuda. Eu li que era o “ato de abolir”; mas continuava sem saber o que devia ser abolido. E ficava perplexo. Não ousava me informar com ninguém sobre o significado dessa palavra, mas ficava satisfeito por saber que era um tema sobre qual se desejava que eu soubesse o menos possível. Depois de uma paciente espera, peguei um dos jornais da cidade, contendo uma conta do número de petições do Norte, pregando pela abolição da escravidão no distrito de Colúmbia e do tráfico de escravos entre os estados. Daí em diante, entendi as palavras abolição e abolicionista, e sempre me aproximava quando a palavra era falada, esperando ouvir alguma coisa importante para mim e para meus companheiros escravos. A luz rompeu sobre mim aos poucos. Um dia, fui ao cais do senhor Waters; vendo dois irlandeses descarregando uma barcaça de pedra, fui ajudá-los mesmo sem ter sido convidado. Quando tínhamos terminado, um deles veio até mim e perguntou se eu era um escravo. Disse a ele que sim. Ele perguntou, “Você sempre será um escravo?” Disse a ele que sim. O bom irlandês pareceu estar profundamente afetado pela declaração, e disse para o outro irlandês que era uma pena um companheiro tão bom como eu dever ser um escravo por Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano. Cap. VII 6 toda a vida. Ele disse que era uma vergonha me manter naquela condição. Ambos me aconselharam a fugir para o Norte; que eu deveria encontrar amigos lá e que me tornaria livre. Fingi não estar interessado no que diziam, e os tratava como se não os entendesse; pois eu temia que eles fossem traiçoeiros. Homens brancos eram conhecidos por encorajar escravos a fugir e depois, para ganhar a recompensa, pegá-los para devolvê-los aos seus senhores. Eu temia que esses homens aparentemente bons usassem-me desta maneira. Entretanto lembrei do seu conselho, e resolvi fugir. Olhava para frente, esperando um momento seguro para escapar. Eu era muito jovem para pensar em fazê-lo imediatamente; além disso, queria aprender a escrever, pois poderia ter a oportunidade de escrever meu próprio passaporte. Me consolava a esperança de que um dia deveria encontrar uma boa ocasião. Enquanto isso, eu precisava aprender a escrever. A idéia sobre como eu poderia aprender a escrever foi sugerida a mim no estaleiro Durgin e Bailey, vendo os carpinteiros de navios, depois de cortar e conseguir um pedaço de madeira pronta para usar, escreverem sobre este peça o nome da parte do navio à qual estava destinada. Quando destinada ao bombordo, a peça era marcada assim: “B”. Para o estibordo, seria marcada com um “E”. O pedaço de madeira para a parte da frente do bombordo, seria marcada com um: - “FB ”. Para a parte da frente de estibordo, com um: “FE.”. Para popa ao bombordo, seria marcada assim – “PB.” Para a popa ao estibordo, um “PE”. Eu logo aprendi os nomes dessas letras, e para o que elas serviam quando colocadas sobre o pedaço de madeira no estaleiro. Eu imediatamente comecei a copiá-las, e em pouco tempo era capaz de nomear as quatro letras. Depois disso, quando encontrava qualquer garoto que sabia ler, eu o provocava dizendo que podia escrever tão bem quanto ele. A próxima frase seria, “eu não acredito em você, deixe-me ver você tentar”. Eu fazia então as letras na qual eu havia sido tão afortunado em aprender, e lhe perguntava se podia fazer melhor. Dessa forma, eu tive várias boas lições de escrever, as quais provavelmente eu não teria tido de nenhuma outra maneira. Durante este tempo, meu caderno era um tapume, uma parede de tijolos, e a calçada; minha caneta e tinta era um pedaço de giz. Com eles, aprendi principalmente a escrever. Então comecei e continuei copiando os itálicos no Webster’s Spelling Book, até que eu conseguia fazer tudo sem olhar para o livro. Por esta época, meu senhorzinho Thomas tinha ido para a escola, e aprendido a escrever, e tinha escrito em vários Narrativa da vida de Frederick Douglass, um escravo americano. Cap. VII 7 cadernos. Estes tinham sido trazidos para casa, e apresentados para alguns de nossos vizinhos mais próximos, e então deixados de lado. Minha senhora costumava ir à reunião da turma na Rua Wilk toda segunda-feira de tarde, e me deixava tomando conta da casa. Quando era deixado assim, costumava gastar meu tempo escrevendo nos espaços que sobravam dos cadernos do senhor Thomas, copiando o que ele havia escrito. Continuei a fazer isso até que eu pudesse escrever de maneira similar à dele. Assim depois de um longo e tedioso esforço por anos, eu finalmente consegui a aprender escrever.