Jornal do Comércio
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caderno C www.jc.com.br/cadernoc jornal do commercio Divulgação arnaldo jabor » » MÚSICA Arnaldo Jabor [email protected] Kafka e Beckett previram o futuro A ideia de “totalidade” que animou a “razão humana” por milênios acaba de falecer. Acabou de morrer com o socialismo fracassado. O homem pensa como um organismo, deseja que a vida seja um corpo funcional como o nosso. Tudo aspirava a ser “um”. Toda razão sempre aspirou à totalidade. Agora só há fragmentos. Os pensadores ainda fingem gostar do fragmentário, do caótico, do incontrolável. Mentira. Cada fragmento se reerige em totalidade. De onde falamos, quando pedimos o Bem? Falamos de uma “harmonia perdida”, como se ela fosse ainda possível, ou tivesse algum dia existido. Só a ficção previu a ilógica do mundo atual. Kafka e Beckett previram o mundo de hoje muito mais claramente que os cientistas políticos. Disseram para Brecht: “Kafka foi o primeiro autor bolchevista”. Brecht observou: “E eu sou o último escritor católico”. Por que praticar o Bem se ele não é mais possível? O Mal virou uma necessidade social. Não dá mais para viver sem praticar o Mal. Não dá para estragar a nossa felicidade cada vez que olhamos para crianças famintas. O Mal é um mecanismo de defesa. O Mal é sempre o ‘outro’. Nunca somos ‘nós’. Hitler nos absolveu a todos. Stálin nos fez santos. Achamos que a “tarefa democrática” seria um subproduto do capitalismo, como se ele almejasse a diferença, a contemplação das diversidades. Doce ilusão achar que o capitalismo almeja o heterogêneo. Vejam a obviedade da crise financeira, gerada pelos velhos vícios da voracidade e do egoísmo. Sempre houve um grande “auê” com as injustiças da ditadura. Mas, e o Mal dos democratas? Estamos na era do erro inextricável. Do crime “sem criminosos”. Nem Bem nem Mal. São as coisas que estão controlando os homens. É o CO2 que controla os governos e não o contrário. As coisas tomaram o poder. Cito Heiner Muller: “A máquina odeia o homem, pois para todo sistema de ordem ele apresenta um fator de perturbação. O homem faz sujeiras, não funciona direito. Logo, é preciso que ele se vá, o capitalismo deseja a perfeição do sistema estrutural da máquina”. Os fiascos de hoje são defeitos de fabricação. Ou o lixo que o lixo do capitalismo gera. A gripe suína nasce de onde? Deste grande pesadelo poluído e sem controle. No Brasil, muitas catástrofes são “fora do lugar”. A evolução técnica convive com o ambiente de miséria e dá no “malfunctioning”. Explodem pela soma de novas tecnologias com o excesso de atraso: traficantes no morro com supermetralhadoras. Todos sabíamos que a bolha poderia explodir. Explodiu. Esse malogro traz uma nova era? Terrível ou não, alguma verdade vem aí. Que nova verdade será essa? A prudência, a parcimônia? Nossa catástrofe maior é a impotência política. Há também o naufrágio da insensibilidade crescente diante do horror. Os fatos estão além da piedade. Há o tédio crescente pela catástrofe, quando a alma vira uma grande pele de rinoceronte. Mas, há ainda um grande amor brasileiro pelo fracasso, pela falência de propósitos. Quando o fracasso acontece, é um alívio. A fracasso é bom porque nos tira a ansiedade da luta. Já perdemos, para que lutar? O Mal do Brasil não está no assassino serial, está nos pequenos psicopatas que nos roem a vida. O Mal do Brasil não está na infinda crueza da burguesia nordestina (pior que a do Sul e Sudeste); está muito mais no seu riso, na sua cordialidade. O Mal não está na máfia das passagens aéreas no Congresso, nas roubalheiras, mas nos simpáticos jaquetões dos nossos parlamentares, em suas gargalhadas soltas. Ao denunciar o Mal, vivemos dele. Vivemos da denúncia e com ela lucramos. Eu lucro sendo um cara “legal” que denuncia o Mal e, assim, escapo da fome, comendo a comida de quem lamento. Como quase nada acontece no Brasil, a não ser o desatino, o erro da tentativa, o tiro pela culatra, a incompetência arrogante, quando um desastre ou escândalo acontecem, a plateia fica calma. Nossa vida fica mais real e podemos então, aliviados, botar a culpa em alguém. E dizemos: “Viram? Nada dá certo aqui. A culpa é deles…” Eles quem? Há uma tradição de que nossa vida é um conto-do-vigário em que caímos. Somos sempre vítimas de alguém. Nunca somos nós mesmos. Ninguém se sente vigarista. Há os fiascos em preparação, como as reformas do Estado que o Congresso não deixa fazer; há as catástrofes da lentidão dos processos jurídicos; há os eternos denunciadores do fim, fotógrafos, escritores, jornalistas (eu?), gente que denuncia o mal do mundo para o mundo, denúncias que são um pleonasmo maldito para nada. A vitória é burguesa. “Seja marginal, seja herói”. O fracasso é legal, a vitória é careta. A vitória dá culpa; o fracasso é um alívio. A crise, a catástrofe, o bode-preto têm um sabor de “revolução”. É como se a explosão “revelasse” algo, uma tempestade de merda purificadora. Além disso, para os carbonários, depois de tudo arrasado, a pureza renasceria do zero. O Brasil é visto como um grande “bode” sem solução – paraíso da esquerda pessimista, dos militantes imaginários. Quem quiser positividade é traidor. A Academia cultiva o “insolúvel” como uma flor. Quanto mais improvável um objetivo, mais “nobre” continuar tentando. O masoquista se obstina com fé no impossível. A falência nos enobrece. O culto português à impossibilidade é famoso. Numa sociedade patrimonialista como Portugal do século 16, onde só o Estado-Rei valia, a sociedade era uma massa sem vida. Suas derrotas eram vistas com bons olhos, pois legitimavam a dependência ao Rei. Fomos educados para a desgraça. Até hoje somos assim; só nos resta xingar e desejar o mal do País. Vejam como o Brasil se animou com a crise atual. Assim como o atraso sempre foi uma escolha consciente no século 19, o abismo para nós é um desejo secreto. Há a esperança de que no fundo do caos surja uma solução divina. “Qual a solução para o Brasil ?”, perguntamos. Mas, a própria idéia de “solução” é um culto ao fracasso. Não nos ocorre que a vida seja um processo, vicioso ou virtuoso, e que só a morte é solução. Para o Bem ou para o Mal. “Buscamos uma harmonia que nunca mais virá.” ESTILO Banda é comparada aos Mamonas Assassinas e ao Massacration O sertanejo metal do Comitiva do Rock Banda paulista lança disco que une referências clássicas do heavy metal e da música sertaneja brasileira para criar um som com muito senso de humor e uma estranha mistura de sons Wilfred Gadêlha [email protected] “T udo o que precisava ser inventado, já o foi”. A frase é atribuída ao então diretor do Departamento de Patentes dos Estados Unidos, Charles Duell, em 1899. A bola fora de Mr. Duell parece muitas vezes atormentar o cenário metal de hoje, hiperdividido em gêneros e subgêneros em progressão geométrica. Mas, quando a gente pensa que tudo já foi inventado nas hostes metálicas, eis que surge o Comitiva do Rock, com uma mistura tão inimaginável como a que faz: metal com música sertaneja. É sério. Ou melhor: é verdade. Porque, além de juntar universos totalmente díspares como o metal e o sertanejo, a banda ainda o faz com humor, parodiando sucessos de Zezé di Camargo & Luciano, Leandro & Leonardo, Chitãozinho & Xororó e Edson & Hudson com guitarras envenenadas, bateria rápida e o peso de influências como Iron Maiden, Judas Priest, Manowar e Guns and Roses. A mistura, que causa aversão a puristas de ambos os estilos, tem feito sucesso. A página da banda no MySpace (www.myspace.com/comitivadorockoficial) já recebeu mais de 300 mil acessos. E os caras querem muito mais. A mente “maligna” por trás do Comitiva do Rock é Richard Navarro, um paulista de 34 anos que costumava passar as férias na fazenda dos avós maternos goianos, em Anápolis. “Meu primeiro contato foi com a música sertaneja, na fazenda dos meus avós. Como sou de São Paulo e sempre fui uma pessoa mais urbana, fui conhecendo bandas como Queen, Kiss, Iron Maiden e Scorpions. Mas jamais deixei de gostar de sertanejo”, explica Navarro, que foi colaborador da revista Roadie Crew e organizador de um dos maiores festivais de metal nacional, o Brasil Metal Union (BMU). Daí para botar os dois ingredientes num caldeirão só foi um pulo. “Em 2004, resolvi fazer uma brincadeira, sem pretensão alguma. Gravei a música Heavydências, usando a canção Evidências, de Chitãozinho & Xororó. Foi um registro grotesco, mas vazou na net e foi o maior auê”, conta Richard, que gravou a música sob o epíteto Manowell – um “tributo” à mais true das bandas true de metal, os americanos do Manowar. “Sou fanzaço deles, já fui a dois shows deles aqui em São Paulo”, acrescenta Richard. Em agosto de 2007, o vocalista sacou que a brincadeira havia surtido efeito e resolveu ampliar a coisa. “Eu nunca fui radical. Acho que dá para a pessoa gostar de vá- rias coisas. E tanto no metal como no sertanejo tem essa coisa de radicalismo. Gosto até de ópera. Então, juntei uma turma que pensava como eu, adicionamos a coisa do humor e estamos aí”, continua Richard, que no Comitiva do Rock atende pelo nome de... Zezé Cavalera. A mistura entre pessoa e personagem é tanta que, ao atender à ligação telefônica do JC, o vocalista pergunta: “Você quer que eu responda como Richard ou como Zezé?” “A ideia é justamente homenagear os dois lados. Então, nada melhor que usarmos pseudônimos mesclando os nomes de ícones. É um cantor sertanejo numa banda de metal com humor”, diz... Cavalera. Assim como o vocalista, os outros integrantes da banda usam alcunhas juntando o “melhor” dos dois mundos: os guitarristas Ralf Wylde (metade da dupla Christian & Half, metade guitarrista de Ozzy Osbourne) e Hudson Vai (parte vindo de Edson & Hudson, parte do mago das sete cordas Steve Vai), o baixista Marrone Harris (uma homenagem ao cantor que faz dupla com Bruno e ao baixista do Iron Maiden) e o baterista Donizete McBrain (alusão ao cantor de Galopeira e ao ba- Banda tenta resolver questão de direitos autorais das músicas “homenageadas” terista do Iron Maiden). O repertório do disco de estreia do Comitiva do Rock (que já está pronto e se chama, provisoriamente, Entre guitarras e violas) é composto por clássicos do cancioneiro sertanejo. Fio de cabelo, de Marciano e Darci Rossi, mas que ficou conhecida nas vozes do pai e do tio de Sandy & Júnior, virou Filho pentelho. Pura emoção, que Chitãozinho & Xororó transformou em hit em tudo que é festa de rodeio e vaquejada, e já era um cover de Achy breaky heart (gravada por Billy Ray Cyrus), foi transformada em Jeito de boneca, com direito a clipe tosquíssimo, protagonizado por Bianca Soares, o travesti da Casa dos Artistas, e Alessandro de Souza, o sósia “oficial” de Ronaldo Fenômeno. Diante de tantos sucessos, o Comitiva encontrou uma bronca para resolver: a questão dos direitos autorais. “Já estamos correndo atrás. Queremos fazer a coisa certinha e pagar todos os direitos. Até porque o que fazemos é uma homenagem, com uma releitura pesada de clássicos, com o propósito de unir as duas tribos”, filosofa Zezé. Assim, caso o imbróglio dure mais tempo do que a banda espera, há a ideia do registro de pelo menos outras quatro músicas, além das dez já gravadas. “Teremos algumas participações, como Falcão. Queremos também que pelo menos dois pesospesados dos dois estilos participem do disco.” Zezé Cavalera flerta com o brega A gréia que o Comitiva do Rock faz lembra pelo menos duas outras bandas que fizeram sua fama com base no humor. Se por um lado a interpretação de Zezé Cavalera lembra as histrionices de Dinho no Mamonas Assassinas, a pegada metal se aproxima das hilárias tirações de onda do Massacration. Zezé concorda e agradece a menção ao primeiro, mas acha que entre sua banda e a comandada pela galera de Hermes & Renato não há tanta similaridade assim. “Realmente, há uma semelhança com Mamonas. Para mim, é um elogio, mas a intenção não foi parecer com eles. A gente não chega nem aos pés deles. Ninguém nunca nos comparou ao Massacration, que é uma banda de metal que escracha com o metal”, diz o vocalista. Além das comparações, o produtor do Comitiva do Rock, Paulo Anhaia (também conhecido como Paul X na banda de thrash metal MonsteR), trabalha com Rick Bonadio, o descobridor dos Mamonas Assassinas. Segundo Zezé, a repercussão nos dois mercados tem sido a melhor possível. A banda quer mostrar que metal e sertanejo têm mais em comum do que os mullets e as calças apertadas no final dos anos 80. “A gente quer tocar em casas de ambos os estilos. Hudson, por exemplo, já gravou um disco de metal e disse para a gente que ele e Edson querem participar do disco. Pedro, que é filho de Leandro, já ouviu a nossa versão de Entre tapas e beijos (O Viagra é o segredo), gostou muito e ficou de mostrar para o tio, Leonardo”, afirma. “Tem muito sertanejo que curte metal e vice-versa. Muita gente tem é vergonha de assumir que gosta”, entrega Zezé. Ao gosto pelas duas opções musicais, Zezé Cavalera quer acrescentar outra: o brega. É que, com a participação de Falcão em um clipe da banda, surgiu a idéia de uma turnê com o cantor cearense. “Ele é um ícone do brega e esse público nós também queremos alcançar”, prossegue o vocalista. “A gente quer levar o Falcão para o circuito de rodeios e de rock. Ele virou um parceirão nosso.” Zezé Cavalera enfatiza durante toda a entrevista por telefone que não consegue diferenciar de qual estilo musical gosta mais. E se, por acaso, Zezé di Camargo & Luciano e o Iron Maiden tocassem, na mesma noite, na mesma cidade, mas em locais diferentes? A qual dos dois o vocalista iria: “Aos dois”, confessou.