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PODER Tema: Revoluções e Golpes Pesquisador: Francis Vogner dos Reis Sinopse A história latino-­‐americana, marcada por uma série de revoluções e golpes de Estado, teve no cinema um instrumento eficaz de documentação, quando registrado no calor dos eventos, e reflexão, quando feito posteriormente. Não há tantos filmes que acompanharam revoluções e golpes no momento em que aconteciam, mas os que o fizeram, se tornaram célebres como documentos históricos. O programa, portanto, discute quatro documentários: Revolucion! A Verdade sobre Fidel Castro, de Victor Pahlen, realizado no momento da revolução cubana, A Batalha do Chile, de Patrício Guzman, que lida com vários aspectos do golpe militar que derrubou Salvador Allende, Condor, de Roberto Mader, que trata do apoio da CIA aos regimes militares latino-­‐americanos e Che, de Steven Soderbergh, que narra a Revolução Cubana a partir de Che Guevara. Apresentação dos filmes e das questões Revolución! A Verdade sobre Fidel Castro (Cuba e EUA, 1959), de Victor Pahlen Em 1959 o astro de Hollywood Errol Flynn estava em Cuba filmando Cuban Rebel Girls quando Fidel Castro, Che Guevara e outros emplacam a revolução derrubando o ditador Fulgêncio Batista, Flynn e seu amigo Victor Phlen pegam uma câmera e vão às ruas filmar as movimentações revolucionárias. Flynn narra parte do documentário que não teve circulação fora da URSS até 2001. A Batalha do Chile -­‐ parte II (Chile, 1977), de Patrício Guzman Filmado em três partes (A Insurreição da Burguesia, O Golpe Militar e O Poder Popular), A Batalha do Chile é o documentário mais completo sobre o turbulento período da História do CHile, que vai de Salvador Allende à ditadura que o derrubou e é considerado um dos documentários latino-­‐americanos mais importantes de todos os tempos. A segunda parte trata do processo interno no Chile que legou ao golpe de Estado que derrubou o presidente Salvador Allende, mostra a movimentação dos sindicatos, dos movimentos populares, da burguesia e dos militares. Condor (Brasil, 2007), de Roberto Mader O documentário de Roberto Mader busca compreender o papel de CIA nas ditaduras implantadas na América Latina nos anos 60 e 70 e a relação entre os governos autoritários do Brasil, do Chile e da Argentina. O filme entrevista perseguidos políticos, militantes de direitos humanos, vítima do regime, militares e simpatizantes dos regimes ditatoriais do passado. O filme faz um painel amplo desse período. Che -­‐ parte 1 (EUA-­‐CUBA, 2008), de Steve Soderbergh O filme Che, do cineasta norte-­‐americano Steven Soderbergh, narra a Revolução Cubana do ponto de vista de Che Guevara. A subida de Che ao poder é narrada de maneira épica e mítica. o cineasta, ao ser interpelado por jornalistas que implicavam que a figura de Che Guevara seria “controversa”, disse que não lhe interessava construir uma figura histórica fidedigna, mas sim entender a aura e a grandeza do mito. O filme, portanto, mostra a revolução de maneira épica. Material Anexo A CIA e a técnica do golpe de Estado “Il problema della conquista e della difesa dello Stato moderno non è un problema politico, ma tecnico”[1] – Curzio Malaparte, nos anos 30, observou quando escreveu, seu famoso livro Técnica del colpo di Stato. A conquista e a defesa do Estado moderno não deixara de ser, naturalmente, um problema político. Mas o mérito de Curzio Malaparte foi ressaltar a questão da técnica do golpe, que se modificara e se tornara ainda mais complexa, no curso dos séculos, acompanhando transformação da natureza do Estado[2]. Essa técnica desenvolveu-­‐se enormemente e ganhou maior dimensão, entretanto, durante a Guerra Fria, empregada pelo Estados Unidos, como instrumento de política exterior e ingerência nos assuntos internos de outros países, desde a criação da Central Intelligence Agency (CIA), em 1947. “We must learn to subvert, sabotage and destroy our enemies by more clear, more sophiticated and more effective method than those against us” [3] – recomendou um documento secreto, anexado ao Doolitle Report para a Hoover Commission, em 1950[4]. A CIA, sucessora do Ofice of Strategic Services (OSS), dedicou-­‐se não apenas à coleta de dados, mas a vários tipos de operações de guerra psicológica e paramilitares, conhecidas como PP ou KUKAGE, que jamais deveriam ser a ela atribuídas ou ao governo dos Estados Unidos e sim a outras pessoas ou organizações[5]. O ex-­‐agente da CIA, Philip Agee reconheceu, em seu livro Inside the Company: Cia Diary, que essas operações são arriscadas porque quase sempre significam intervenção, pois visam a influenciar, por meios encobertos, os assuntos internos de outro país, com o qual os Estados Unidos mantém relações diplomáticas normais, e a técnica consiste essencialmente na “penetration”[6], buscando aliados desejosos de colaborar com a CIA. Daí que a regra mais importante na sua execução é a possibilidade de “plausible denial”, i.e., negar convincentemente a responsabilidade e a cumplicidade dos Estados Unidos com o golpe de Estado, ou outra operação, uma vez que, se fosse descoberto seu patrocínio, as conseqüências no campo diplomático seriam graves. As operações de guerra psicológica implicam propaganda e divulgação, ou seja, campanha através da media, junto às diversas organizações estudantis, sindicatos, outros grupos profissionais e culturais, bem como junto aos partidos políticos, sem que a procedência das informações possa ser atribuída ao governo americano. Ela é efetivada, muitas vezes, por agentes da CIA, estacionados na Embaixada Americana como diplomatas, ou homens de negócios, estudantes ou aposentados, enquanto as operações paramilitares consistem na infiltração em áreas proibidas, sabotagem, guerra econômica, apoio aéreo e marítimo, financiamentos de candidatos nas eleições, suborno, assassinatos (executive actions) pela Division D, dentro do projeto conhecido como ZR/RIFLE[7], treinamento e manutenção de pequenos exércitos (covert actions) etc[8]. Essas operações tipificam a técnica do golpe de Estado, que a CIA desenvolveu e aplicou no Brasil e em diversos países da América Latina, nos anos 60 e 70 do século XX, radicalizando, artificialmente, as lutas sociais, até ao ponto de provocar o desequilíbrio político e desestabilizar governos (spoling actions), que não se submetiam às diretrizes estratégicas dos Estados Unidos. “In some cases, a timely bombing by a station agent, followed by mass demonstrations and finally by intervention by military in the name of the restoration of order and national unity – revelou Philp Agee, acrescentando que as operações políticas da CIA foram responsáveis por coups, que obedeceram ao mesmo padrão no Irã, em 1953, e no Sudão, em 1958. Os agentes da CIA e seus mercenários nativos, encarregados de promover “hidden World War Three”[9], executaram no Brasil, desde 1961, as mais variadas modalidades de operações políticas (PP), covert action e spoiling action, engravescendo a crise interna e induzindo, artificialmente, o conflito político à radicalização, muito além dos próprios impulsos intrínsecos das lutas sociais, das quais a comunidade empresarial norte-­‐americana participava como significativo segmento de suas classes dominantes. A técnica consistiu em induzir a radicalização das lutas de classes, mediante a guerra psicológica de atos de provocação, de modo a socavar a base de sustentação social do governo e só lhe restasse a apoio da extrema esquerda. A conseqüência era a sua desestabilização. Como Philip Agee descreveu, essa técnica pode implicar a colocação de uma bomba relógio acertada pelo agente da base, seguindo-­‐se uma demonstração de massa (e.g. Marcha da Família com Deus pela Propriedade) e, finalmente, a intervenção dos militares em nome da restauração da ordem e da unidade nacional.[10] Mutação da estratégia de segurança continental Apesar dos fatores domésticos, que os possibilitaram, os golpes de Estado nos países da América Latina, após a revolução cubana, constituíram batalhas da “hidden World War Three”. Eles resultaram da mutação da estratégia de segurança continental, promovida pelo Pentágono, redefinindo as ameaças, com prioridade para o inimigo interno, e difundindo, através da Junta Interamericana de Defesa, particularmente, as doutrinas de contra-­‐
insurreição e da ação cívica. Quase todos os golpes de Estado na América Latina, durante os anos 60 e 70, configuraram, assim, um fenômeno de política internacional continental, mais do que de política nacional, interna, da Argentina, Peru, Guatemala ou Brasil. Evidenciou-­‐o o fato de que a intervenção das Forças Armadas no processo político visou, sobretudo, a alterar diretrizes de política exterior e ditar decisões diplomáticas, conforme os objetivos estratégicos dos Estados Unidos, e ocorreram, geralmente, contra os governos que se recusavam a romper relações com Cuba. Embora, nos anos 60, as corporações multinacionais, em busca de fatores mais baratos de produção, não pudessem tolerar nos new industrializing countries nenhum governo de corte social-­‐democrático, que, sob influência dos sindicatos, favorecesse a valorização da força de trabalho, e o presidente John F. Kennedy (1961-­‐1963) condenasse, formalmente, os golpes de Estado e privilegiasse a democracia representativa como forma de evitar revoluções e combater o comunismo, os Estados Unidos trataram de enfraquecer e derrubar o governo do presidente João Goulart, não apenas por causa de algumas nacionalizações, mas, sobretudo, com o objetivo de modificar a política externa do Brasil, que defendia os princípios de autodeterminação dos povos e se opunha à intervenção armada em Cuba. O que mais afetava, então os interesses de segurança dos Estados Unidos, no hemisfério, não era exatamente a luta armada pró-­‐comunista, como as guerrilhas na Venezuela e na Colômbia, mas sim, o desenvolvimento da própria democracia naqueles países, onde o recrudescimento das tenções econômicas e dos conflitos sociais aguçava a consciência nacionalista e os sentimentos anti-­‐norte-­‐americanos passavam a condicionar o comportamento de seus respectivos governos. Em tais circunstâncias, conquanto Kennedy adotasse, como um dos pressupostos da Aliança para o Progresso, o princípio de não reconhecer governos que não obedecessem às normas do regime democrático-­‐representativo, sua administração foi a que mais incentivou as Forças Armadas, percebidas como a organização social mais estável e modernizadora, a participarem da política interna de seus respectivos países, através de “ações cívicas” e de contra-­‐insurreição. Daí o surto militarista, com a propagação dos golpes de Estado, que tinham como principal fonte de inspiração a Junta Internacional de Defesa. Não sem motivo o embaixador Ilmar Pena Marinho, chefe da Delegação de Brasil na OEA, manifestou sua preocupação com a possibilidade de que o Colégio Interamericano de Defesa, criado por pressão dos Estados Unidos e ao que Goulart se opôs, viesse a transformar-­‐se em uma “academia de golpes de Estados”[11], onde os estagiários e instrutores norte-­‐americanos, a influenciar seus colegas latino-­‐americanos, expressavam abertamente opiniões sobre a necessidade de criar-­‐se um sistema permanente de ação coletiva, capaz de intervir onde quer que não se pudesse enfrentar, com recursos internos do próprio país, a ameaça comunista. A política exterior do presidente João Goulart, ao defender a soberania e a autodeterminação de Cuba, obstaculizava os objetivos de Kennedy, que em 11 de dezembro de 1962 reuniu o Comitê Executivo do Conselho de Segurança Nacional para examinar a “ameaça comunista” no Brasil e a crise do seu balanço de pagamentos. Ao que tudo indica, naquela oportunidade, decidiu-­‐se que os Estados Unidos suspenderiam totalmente qualquer financiamento ao Governo Goulart, nada fazendo, como prorrogação de vencimentos, para aliviar as dificuldades de suas contas externas, e só destinando recursos aos Estados, depois denominados “ilhas de sanidade administrativa”, cujos governadores eram militantes anticomunistas. No dia seguinte, ao falar a imprensa, Kennedy referiu-­‐se duramente à situação do Brasil, declarando que uma inflação de 5% ao mês anulava a ajuda norte-­‐americana e aumentava a instabilidade política. Segundo ele, uma inflação no ritmo de 50% ao ano não tinha precedentes e os Estados Unidos nada podiam fazer para beneficiar o povo brasileiro, enquanto a situação monetária e fiscal dentro do país fosse tão instável. Assim, publicamente, proclamou que o Brasil estava em bancarrota. E ao receber em audiência, no dia 13, o senador Juscelino Kubitschek, ex-­‐
presidente do Brasil, e Alberto Lleras Camargo, ex-­‐presidente da Colômbia, prognosticou que, não importando o que os EUA fizessem, a situação do Brasil devia deteriorar-­‐se[12]. A operação para eventualmente intervir no Brasil começou, por volta de 1961. O Departamento de Estado, naquele ano, começara a solicitar ao Itamaraty vistos para cidadãos americanos, que entravam no Brasil sob os mais diferentes disfarces (religiosos, jornalistas, comerciantes, Peace Corps etc.), dirigindo-­‐se a maioria para as regiões do Nordeste. Em meados de 1962, da tribuna da Câmara Federal, o deputado José Joffily, do partido Social-­‐
Democrático (PSD), denunciou a “penetration” e, no princípio de 1963, o jornalista José Frejat, através de O Semanário, revelou que mais de 5.000 militares norte-­‐americanos, “fantasiados de civis”, desenvolviam, no Nordeste, intenso trabalho de espionagem e desagregação do Brasil, para dividir o território nacional. Se a guerra civil eclodisse, segundo ele, a esquadra do Caribe estaria pronta para apoiar as atividades dos supostos civis americanos, com armas e tropas. Comprovadamente, até 1963, o Itamaraty concedera mais de 4.000 vistos e recebera solicitação para mais 3.000, cujo atendimento os militares nacionalistas brasileiros obstaram. Esse volumoso número de requerimentos. causara tanta estranheza que levou o Itamaraty, certa vez, a interpelar o embaixador Gordon. A resposta foi evasiva. Ele declarou que apenas 2.000 americanos utilizaram efetivamente os vistos, sendo que os demais ficariam como reservas. Não era verdade. Mentiu. Cerca de 4.968 norte-­‐americanos, conforme as estatísticas oficiais de desembarque, chegaram ao Brasil, apenas em 1962, batendo todos os recordes de imigração originária dos EUA e superando quase todos os números registrados durante os anos da Segunda Guerra Mundial, quando eles instalaram, oficialmente, bases militares em diversos estados do Nordeste. Aquele número baixou, em 1963, para 2.463, talvez em virtude de restrições do Itamaraty, mas, ainda assim, continuou acima da média de entradas de norte-­‐
americanos em todos os anos anteriores e posteriores. Esses americanos integravam as Special Forces, conhecidas como Green Berets, criadas para travar guerras de baixa-­‐intensidade (low-­‐intensity wars) e treinar as forças nos diversos países, onde houvesse essa perspectiva de conflito armado. E desde meados de 1963, pelo menos, a CIA e o Pentágono começaram a elaborar vários planos de contingência, denominados Brother Sam, a fim de intervir militarmente no Brasil, diante da eventualidade de que João Goulart, como conseqüência da pressão econômica dos Estados Unidos, reagisse e envergasse para a esquerda, não propriamente comunista e sim sob a forma do autoritarismo ultranacionalista, algo no modelo de Getúlio Vargas ou Juan D. Perón, conforme a avaliação da CIA. E até o seu assassinato (executive action) foi planejado. Em 10 de outubro de 1963, à mesma época em que o Grupo Especial do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos autorizara novas operações de sabotagem em Cuba, os soldados do 1º Batalhão da Polícia do Exército brasileiro, sob o comando do Major Ary Abrahão Ellis, vasculharam um sítio em Jacarepaguá (Rio de Janeiro), perto de uma propriedade de Goulart, e descobriram 10 metralhadoras Thompson, calibre 45, 20 carregadores, 72 caixas de cartuchos Remington Kleanbore 45, 10 granadas Federal Blast Dispersion Tear Gas (CN) e um rádio transmissor motorola, marcado com o símbolo do programa Ponto IV (mãos apertadas), da embaixada dos Estados Unidos(32). O ministro da Justiça, Abelardo Jurema, declarou que as metralhadoras Thompson entraram clandestinamente no Brasil, pois nenhuma daquele tipo existia nas suas organizações de polícia nem no seu Exército, cujos oficiais desconheciam todos aqueles modelos de armamentos, tão modernos que eram. E as investigações evidenciaram a existência de uma trama para a eliminação de Goulart e de seus filhos, bem como de muitos políticos e generais favoráveis ao governo. Não há dúvida de que a CIA estava por trás do complot. O golpe de Estado, que derrubou em 1964 o presidente João Goulart, tipificou o conjunto das operações que a CIA desenvolveu e aprimorou, e com tais procedimentos ela conseguiu desestabilizar o governo e permitir a sublevação dos militares, a pretexto de restaurar a ordem e evitar o comunismo. A oposição tinha, decerto, uma dinâmica interna própria, determinada pelas contradições econômicas e sociais, que se aguçaram no Brasil. Mas teriam os militares brasileiros, que conspiravam contra Goulart, desfechado o golpe de estado, para derrubar um governo legalmente constituído, se não soubessem que contariam com o respaldo dos EUA? Teriam ousado empreender essa aventura, que poderia deflagrar uma guerra civil, se não estivessem seguros de que receberiam assistência militar Washington, sob a forma de gasolina, armas, munições e até mesmo assessores, se necessário fosse? Seguramente, não. A assertiva do embaixador Lincoln Gordon, segundo a qual derrubada de Goulart foi realizada pelos militares brasileiros sem “assistance or advice” dos EUA não corresponde à realidade. Não é consistente com os fatos. O embaixador Lincoln Gordo, como sempre, mentiu. O embaixador Lincoln Gordon e o golpe de 1964 Uma série de documentos desclassificados em 2004, por solicitação do National Security Archives, da George Washington University, com base no Freedom of Information Act (FOIA), evidenciaram a técnica que os Estados Unidos empregaram no Brasil, a fim de criar as condições políticas para a efetivação do golpe militar em 1964. O general Humberto Castelo Branco, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, era quem comandava, clandestinamente, a conspiração e, em telegrama ao Departamento de Estados e às mais altas autoridades em Washington, inclusive o John McCone, diretor da CIA, o embaixador Lincoln Gordon, em 27 de março, revelou que ele preferia atuar “only in case of obvious inconstitutional provocation” e que por isso estava “preparing for a possible move sparked by a communist-­‐led genera.l strike, another sergeants rebellion, a plebiscite call opposed by Congress, or even a major governamental countermove against the democratic military or civilian leadership.” O embaixador Lincoln Gordon pressionou Washington para que se envolvesse diretamente no golpe contra o governo de Goulart, respaldando o general Castelo Branco. “If our influence is to be brought to bear help avert a major disaster here -­‐ which might make Brazil the China of the 1960s – this is where both I and al my senior advisors believe our support should be placed” – escreveu em telegrama ao Departamentode Estado, Casa Branca e CIA, datado de 27 de março de 1964.[13] A fim de assegurar o sucesso do golpe, no mesmo telegrama, Lincoln Gordon recomendou que medidas fossem tomadas para que “clandestine delivery of arms of non-­‐US origin” para que colocá-­‐las à disposição dos que apoiavam Castello Branco em Sao Paulo" e preparar “without delay against the contingency of needed overt intervention at a second stage.” Os telegramas desclassificados confirmam que a CIA empreendera “covert measures”, que incluíam “covert support for pro-­‐democracy street rallies (next big one being April 2 here in Rio, and others being programmed), discrete passage of word the U.S. Government deeply concerned at events, and encouragement [of] democratic and anti-­‐communist sentiment in Congress, armed forces, friendly labour and student groups, church, and business.” [14] Esse telegrama evidencia, incontestavelmente, que as Marchas Família com Deus pela Propriedade (a primeira em 19 de março, em São Paulo) foram organizadas pela CIA e que o governo dos Estados Unidos tinha um plano para “the contingency of needed overt intervention at the second stage (...)”. Lincoln Gordon ainda reclamou o envio imediato de uma força naval para manobras no Atlântico Sul e estacionar em frente ao porto de Santos. E, em outro telegrama datado de 29 de março, insistiu junto ao Departamento de Estado e a outras autoridades, entre as quais John McCone, diretor da CIA, para que fosse enviada secretamente uma variedade de armas, de modo que elas estivessem “pre-­‐positioned prior any outbreak of violence” e pudessem ser usadas “used by paramilitary units working with Democratic Military groups”. Também recomendou que Washington fizesse uma declaração pública para assegurar ao “large numbers of democrats in Brazil that we are not indifferent to the danger of a Communist revolution here” e sugeriu que, de modo a ocultar o papel dos Estados Unidos, as armas deviam ser despachadas via “unmarked submarine to be off-­‐loaded at night in isolated shore spots in state of Sao Paulo south of Santos.” [15] Já então Goulart recebera a informação de que por volta da meia-­‐noite do dia 16 de julho de 1963, um submarino norte-­‐americano, com o prefixo WZY-­‐0983 e sob o comando de um sobrinho do general Mac Clark, provavelmente chamado Roy, desembarcou, ao largo de Pernambuco, munições de guerra, entre as quais 750 bazucas, revólveres, espingardas e granadas, com o auxilio de alguns generais brasileiros reformados[16]. Estas armas se espalharam pela Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e outros estados, sendo muitas de origem tcheca, dentro de um plano de provocação, que visava a justificar, de acordo com o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), a intervenção dos EUA no Brasi1.[17] Vários depósitos com armamentos chegaram a ser descobertos pela Polícia do Exército, que em 10 de outubro vasculharam uma chácara em Jacarepaguá (Rio de Janeiro), perto de uma propriedade de Goulart, o Sítio do Capim Melado, e encontraram 10 metralhadoras Thompson, calibre 45, 20 carregadores, 72 caixas de 50 cartuchos Remington Kleanbore 45, 10 granadas Federal Blast Dispersion Tear Gas (CN) e um rádio transmissor-­‐receptor portátil Motorola, marcada com o símbolo do Ponto IV (mãos apertadas), da Embaixada dos EUA[18]. O sítio pertencia a um amigo de Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara (então a cidade do Rio de Janeiro), e as armas eram tão modernas que os oficiais do Exército brasileiro estranharam, porquanto ainda não as conheciam. Segundo o ministro da Justiça, Abelardo Jurema, as metralhadoras Thompson entraram clandestinamente no Brasil. Não existia nenhuma daquele tipo nas organizações de polícia do país, nem sequer do Exército, e as investigações evidenciaram que se tramava o assassinato de Goulart e de seus filhos, bem como o de muitos políticos e generais favoráveis ao governo.[19] O Inquérito Policial-­‐Militar comprovou a “intenção criminosa” de vários colaboradores do governador Carlos Lacerda Lacerda, que, sem dúvida alguma, não estava alheio à iniciativa, segundo o SFICI, que, em informe a Goulart, incriminou também os deputados estaduais da UDN Sandra Cavalcanti e Nina Ribeiro.[20] Todas as alternativas foram excogitadas pela CIA e pelo embaixador Lincoln Gordon, que, quatro dias antes do golpe, informou a Washington que “we may be requesting modest supplementary funds for other covert action programs in the near future”, e demandou o envio de petróleo e lubrificantes para facilitar as operações logísticas dos conspiradores e o deslocamento de uma força naval visando a intimidar as forças que apoiavam Goulart. Em 30 de março, a estação da CIA no Brasil transmitiu a Washington que, segundo as fontes em Belo Horizonte, que “a revolution by anti-­‐Goulart forces will definitely get under way this week, probably in the next few days,” e marcharia para o Rio de Janeiro .[21] No mesmo dia 30, no momento em que Goulart discursava para os sargentos no Automóvel Club, o secretário de Estado, Dean Rusk, leu para o embaixador Lincoln Gordon, por telefone, o texto do telegrama n° 1296, informando-­‐o de que, como os navios, carregados de armas e munições, não podiam alcançar o Sul do Brasil antes de dez dias, os EUA poderiam enviá-­‐las por via aérea, se fosse assegurado um campo intermediário em Recife ou em qualquer outra parte do Nordeste, capaz de operar com grandes transportes a jato, e manifestou o receio de que Goulart, o deputado Ranieri Mazzilli, os líderes do Congresso e os chefes militares alcançassem naquelas poucas horas uma acomodação, fato que seria “deeply embarrassing” para governo norte-­‐
americano e “would leave us branded with an akward attempt at intervention”[22]. No mesmo telegrama, Dean Rusk forneceu o script da encenação, de forma a disfarçar o golpe de estado e a intervenção dos EUA, ao recomendar que: “It is highly desirable, therefore, that if action is taken by the armed forces such action be preceded or accompanied by a clear demonstration of unconstitutional actions on the part of Goulart or his colleagues or that legitimacy be confirmed by acts of the Congress (if it is free to act) or by expressions of the key governors or by some other means which gives substantial claim to legitimacy”[23]. Havia, decerto, vários grupos que conspiravam. O motim dos marinheiros, em 26 de março, constituiu a provocação que o general Castelo Branco esperava e, sem dúvida alguma, fora encorajada pela CIA, a fim de induzir a maioria dos militares a aceitar a ruptura da legalidade, em face da quebra da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas. O golpe estava previsto depois da Marcha da Família com Deus pela Propriedade, a ser realizada no Rio de Janeiro, em 2 de abril. Mas o general Olímpio Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, com sede em Juiz de Fora (Minas Gerais), precipitou os acontecimentos. De qualquer forma era necessário que o golpe de Estado tivesse uma aparência de legitimidade, conforme Dean Rusk enfatizara, de modo que os EUA pudessem fornecer a ajuda militar aos sediciosos[24]. E de seu rancho no Texas, no dia 31 de março, o presidente Lyndon B. Johnson, falando por telefone com o sub-­‐secretário de Estado e o secretário-­‐assistente Thomas Mann, deu a luz verdade para que os Estados Unidos ativamente respaldassem o golpe contra o governo de Goulart. “I think we ought to take every step that we can, be prepared to do everything that we need to do” – Johnson ordenou e, em aparente referência a Goulart, acrescentou: “we just can’t take this one.” [25] Quando Goulart saiu de Brasília, tentando organizar a resistência a partir do Rio Grande do Sul, o senador Auro Moura Andrade cumpriu literal e fielmente o roteiro prescrito. Declarou a vacância da presidência da República, mesmo sabendo que ele, Goulart, não renunciara e continuava no Brasil, e empossou no cargo o deputado Ranieri Mazzilli, que como presidente do Congresso estava imediatamente na linha de sucessão. Ai, se resistência houvesse e a guerra civil irrompesse, ele poderia requerer a assistência dos EUA, com base no Acordo Militar, renovado através das notas reversais de 28 de janeiro de 1964. Mas não foi necessário. Resistência não houve. E o embaixador Lincoln Gordon pôde declarar que estava “muito feliz” com a vitória da sublevação de Minas Gerais, “porque evitou uma coisa muito desagradável, que seria a necessidade da intervenção militar americana no Brasil”[26]. E continuou a insistir na “plausible denial”, i.e., em negar convincentemente a responsabilidade e a cumplicidade dos EUA com o golpe de estado, norma esta pela qual os governos norte-­‐americanos pautaram muitas vezes suas políticas de intervenção em outros países. Com a vitória do golpe de Estado, Thomas Mann, na sexta-­‐feira, 3 de abril, telefonou a Johnson e manteve seguinte conversação: “Thomas Mann: I hope you’re as happy about Brazil as I am. Lyndon B. Johnson: I am Thomas Mann: I think that’s the most thing that’s happened in the hemisphere in three years. Lyndon B. Johnson: I hope they give us some credit, instead of hell”[27]. Conclusão O golpe de Estado, que derrubou o governo constitucional do presidente João Goulart, triunfou em 1° de abril 1964 e, em homenagem ao Dia da Mentira, logo se denominou Revolução Redentora, antecipando a data para 31 de março, ao mesmo tempo em que, a pretexto de defender a democracia, destruía a democracia e implantava uma ditadura militar. E, com toda a razão, ao escrever sobre o golpe de Estado na França, em 1848, o 18 Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx comentou, ironicamente, que “a sociedade é freqüentemente salva todas as vezes que o círculo dos seus dominadores se restringe e um interesse mais exclusivo se sobrepõe. Qualquer reivindicação, ainda que da mais elementar reforma financeira burguesa, do liberalismo mais vulgar, do mais formal republicanismo, da mais trivial democracia, é ao mesmo tempo castigada como ‘atentado contra a sociedade’ e estigmatizada como ‘socialismo’. Por fim, os pontífices da ‘religião e da ordem’ são eles mesmo expelidos a pontapés de suas cadeiras de Pythia[28], arrancados da cama no meio da noite e da névoa, colocados em camburões, lançados no cárcere ou enviados para o exílio, seu templo arrasado, sua boca lacrada, suas plumas partidas, sua lei rasgada, em nome da religião, da propriedade, da família, da ordem”[29]. Esse trecho de Marx sobre a França de 1848 parece descrever, exatamente, o que ocorreu no Brasil, durante e logo após o golpe de Estado de 1964. Contudo, embora se recomende, aos governantes, estadistas, povos preferivelmente o ensinamento através da experiência da história, como Hegel ressaltou, o que a experiência e a história ensinam é que os povos e governos nunca aprenderam qualquer coisa da história nem se comportam de acordo com suas lições[30]. A CIA, nove anos depois da queda de Goulart, aplicou no Chile a mesma técnica para derrubar em 1973 o governo constitucional do presidente Salvador Allende, mas fracassou quando, em março de 2002, articulou outro golpe para derrubar o presidente Hugo Chávez, na Venezuela. [1] MALAPARTE, Curzio. Tecnica del colpo di Stato. Roma: Oscar Mondadori, 2002, p. 31. [2] Id, ibid., p. 47. [3] Apud JOHNSON, Loch K. Secret agencies: U.S. intelligence in a Hostile World. New Haven-­‐London: Yale University Press, 1996, p. 60. [4] A Commission on Organization of the Executive Branch, do governo americano foi estabelecida pela P.L. 80-­‐162 de 27 de julho de 1947, sob a presidência deHerbert e criou uma Task Force on National ecurity Organization, dirigida por Ferdinand Eberstadt, que esboçara o projeto do Security Act of 1947. U.S. War Dept. Board on Officer-­‐Enlisted Man Relationships. The Doolittle Report: The Report of the Secretary of War's Board on Officer-­‐Enlisted Man Relationships. 27 May 1946. [5] AGEE, Philip. Inside the Company: Cia Diary. London: Allen Lane, 1975, pp. 69-­‐70. [6] MARCHETTI, Victor & MARKS, John D. The CIA and the Cult of Intelligence. New York: Alfred A. Knopf, 1974, pp. 36-­‐37. [7] BAMFORD, James. Body of Secrets:Anatomy of the Ultra-­‐Secret National Security Agency. New York: Anchor Book, 2002, p. 479. [8] Id., ibid., pp. 69-­‐72. [9] JOHNSON, Loch K. Secret agencies: U.S. intelligence in a Hostile World. New Haven-­‐London: Yale University Press, 1996, p. 38. [10] AGEE, Philip – Inside the Cmpany – CIA Diary. Londres: Allen Lace-­‐Penguin Books, 1975, pp. 79-­‐82. [11] Telegrama nº 303, confidencial, da Delegação do Brasil junto à OEA, a) embaixador Ilmar Pena Marinho, Washington, 25/25.06.1962, AHMRE-­‐B, Junta Interamericana de Defesa, América, 1961/65. [12] KENNEDY, John F. Public papers. Washington, DC: Government Printing Office, 1962, p. 871. O Estado de São Paulo, São Paulo, 13.2.1962. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 14.2.1962. [13] State Department, Top Secret Cable from Rio de Janiero, March 27, 1964 -­‐ 2718342 – Immediate DIR CITE RIOD 3824 – IN48986. National Security Archives – Washington. [14] Ibid. [15] Personal from Ambassador Gordon, Top Secret, March 29, 1964. National Security Archives. [16] Informe do Serviço Federal de Informação e Contra-­‐informação (SFICI). Documentação de João Goulart. Essa documentação, que estava em poder do Autor, foi doada ao CPDOC-­‐FGV. [17] Informe do Serviço Federal de Informação e Contra-­‐informação (SFICI). Documentação de João Goulart. Vide MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O Governo João Goulart – As lutas sociais no Brasil (1961-­‐1964). Rio de Janeiro-­‐Brasília:Revan-­‐Editora da Universidade de Brasília, pp. 133-­‐135. [18] Relatório do general de Brigada Paulo Francisco Torres, encarregado do Inquérito Policial-­‐Militar que investigou o caso. DJG. Ver também O Estado de São Paulo, São Paulo, 11-­‐10-­‐1963 e 12-­‐10-­‐1963. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 11-­‐10-­‐1963 e 12-­‐10-­‐
1963. [19] “O Sr. Ruy de Freitas Guimarães declara e confirma, quando acareado, que o coronel Gustavo Borges, pelo telefone, lhe dissera que: ‘Se alguma coisa acontecesse ou viesse a acontecer ao Sr. Carlos Lacerda e sua família, os filhos de Jango seriam eliminados, bem como os de muito políticos e generais’.” Relatório do general Paulo F. Torres. DJG. “Diante das provas colhidas (...), não poderemos fugir a hipótese de que houve maquinação contra a vida ou a incolumidade ou a segurança do presidente da República”. Parecer do general Dantas Ribeiro, ministro da Guerra, encaminhando o relatório à Justiça Militar. DJG. Ver Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 28-­‐11-­‐1963. [20] Relatório do general Paulo F. Torres. DJG. Ver também Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 28-­‐11-­‐1963. Informe do SFICI a Goulart, s./d. DJG. [21] CIA, Intelligence Information Cable on "Plans of Revolutionary Plotters in Minas Gerias," March 30, 1964 [22] Text of State Department telegram 1296 to American Embassy, Rio de Janeiro, dated March 30, 1964, 9:52 p.m. (Washington time), in GORDON, Lincoln. Brazil’s Second Chance: En route toward the First World. Washington: Brook Institution Press , pp. 68-­‐
70. [23] Id., ibid., p. 69. [24] “Rusk continued by reading a long draft telegram to me, noteworthy for ist emphasis on the need of legitimacy in any anti-­‐
Goulart movement to wich we might provide military support”. Id., ibid., p. 68. [25] White House Audio Tape, President Lyndon B. Johnson discussing the impending coup in Brazil with Undersecretary of State George Ball, March 31, 1964 This audio clip is available in several formats: Windows Media Audio -­‐ High bandwidth (7.11 MB) -­‐ Windows Media Audio -­‐ Low bandwidth (3.57 MB). MP3 -­‐ (4.7 MB) – National Security Archives – Washington. [26] “As confissões de Lacerda,” in Jornal da Tarde, São Paulo, 6-­‐6-­‐1977, p. 20. [27] O diálogo foi extraído das gravações publicadas por Beschloss, Michael (edit). Taking Charge: the Johnson White House Tapes, 1963-­‐1964. New York: Simon & Schuster, 1997, p. 306. [28] Pythia foi a sacerdotisa de Apolo d oráculo em Delphi. O nome deriva-­‐se de Python, o dragão que Apolo matou. [29] “Die Gesellschaft wird ebenso oft gerettet, als sich der Kreis ihrer Herrscher verengt, als ein exklusiveres Interesse dem weiteren gegenüber behauptet wird. Jede Forderung der einfachsten bürgerlichen Finanzreform, des ordinärsten Liberalismus, des formalsten Republikanertums, der plattesten Demokratie, wird gleichzeitig als ‚Attentat auf die Gesellschaft’ bestraft und als Sozialismus’ gebrandmarkt. Und schließlich werden de Hohenpriester der Religion und Ordnung’ selbst mit Fußtritten von ihren Pyathiastühlen verjagt, bei Nacht und Nebel ais ihren Betten geholt, in Zellenwagen gesteckt, in Kerker geworfen oder ins Exil geschickt, ihr Tempel wird der Erde gleichgemacht, ihr Mund wird versiegelt, ihre Feder zerbrochen, ihr Gesetz zerrissen, im Namen der Religion, des Eigentums, der Familie, der Ordnung”. MARX, Karl – Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, in MARX, Karl – ENGELS, Friedrich – Werke, Band 8, Berlin, Dietz Verlag, 1982, p. 123. [30] “Man verweist Regenten, Staatsmänner, Völker vornehmlich an die Belehrung durch die Erfahrung der Geschichte. Was die Erfahrung aber und die Geschichte lehren, ist dies, dass Völker und Regierungen niemals etwas aus der Geschichte gelernt und nach Lehren, die aus derselben zu ziehen gewesen wären, gehandelt haben”. HEGEL, G. W. F. – Vorlesungen über die Philosophie der Weltgeschichte, Band 1 (Die Vernunft in der Geschichte), Hamburg, Felix Mainer Verlag, 1994, p. 19. Luiz Alberto Moniz Bandeira Espaço Acadêmicos Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/058/58bandeira.htm Novas revelações sobre a Operação Condor INTRODUÇÃO As mortes dos ex-­‐presidentes Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Belchior Marques Goulart estão sendo investigadas pela Câmara Federal desde maio último. Os dois ex-­‐presidentes morreram em 1976, em circunstâncias que seguem deixando rastros de dúvidas e mistérios. Nenhum dos corpos foi necropsiado antes do sepultamento. Recentemente, João Vicente Goulart, filho de Jango, autorizou a exumação do cadáver do pai, supervisionada por uma comissão do Congresso. Ao mesmo tempo o deputado Paulo Octávio, casado com a neta de JK, presidirá outra comissão, destinada a investigar o acidente automobilístico que matou o Juscelino na via Dutra. Suspeita-­‐se em envenenamento e acidente provocado nos respectivos casos. OPERAÇÃO CONDOR Estas recentes investigações ocorrem na esteira da "Operação Condor", uma aliança político-­‐
militar criada para reprimir a resistência aos regimes ditatoriais instalados nos seis países do Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia). Foi somente com a intervenção de um magistrado argentino, que o governo brasileiro, 15 anos depois da redemocratização, determinou a abertura dos arquivos da ditadura militar (1964-­‐
1985). Na Argentina, o juiz Cláudio Bonadío solicitou oficialmente à Justiça Brasileira informações sobre a Operação Condor. Bonadío averigua o destino de 16 cidadãos argentinos (três deles teriam sido sequestrados no Brasil por militares argentinos), entre 1976 e 1982. No Brasil, Gilmar Mendes, advogado-­‐geral da União, foi o autor do pedido do Planalto que determinou que as Forças Armadas abrissem os arquivos da repressão no período da ditadura militar. Aguarda-­‐se uma resposta até o final de junho, sendo que o julgamento analisará os documentos antes de enviá-­‐los ao Supremo Tribunal Federal, que encaminhará os papéis à Justiça argentina. OS ANOS 70 O início dos anos 70 são considerados os "anos de chumbo" para a América Latina, marcados por golpes militares, que inauguraram ditaduras assassinas em quase todo continente, destacando-­‐se Bolívia (agosto de 1971), Chile (setembro de 1973) e Argentina (março de 1976), entre outros. No Brasil, onde os militares já estavam no poder desde 1964, a ditadura ganhou força com a publicação do Ato Institucional n0 5 em dezembro de 1968. Em outubro de 1975, o jornalista Wladimir Herzog, militante do Partido Comunista Brasileiro, é torturado e assassinado numa cela do DOI-­‐Codi em São Paulo. Destacam-­‐se ainda a morte sob tortura do metalúrgico ligado ao PCB Manuel Fiel Filho, também no DOI-­‐Codi de São Paulo e o fuzilamento de dois dirigentes do PcdoB em 1976. Nesse mesmo ano, Jimmy Carter elegia-­‐se presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, com uma campanha baseada na luta pelos direitos humanos, o que poderia representar o fim da colaboração dos EUA com as ditaduras militares na América Latina. Em setembro de 1977 o jornalista norte-­‐americano Jack Anderson divulgou uma carta redigida pelo coronel Manuel Contreras, chefe da polícia secreta do Chile, endereçada ao general João Batista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações, que em 1979 sucedeu o general Ernesto Geisel na Presidência da República. Na carta, datada de 28 de agosto de 1975, Contreras mostra-­‐se preocupado com a recente eleição nos EUA e os defensores dos direitos humanos na América Latina, citando entre eles o ministro do Chile Orlando Letelier e Juscelino Kubitschek : "Também temos conhecimento das posições de Kubitschek e Letelier, o que no futuro poderá influenciar seriamente a estabilidade do cone sul de nosso hemisfério. O plano proposto por você para coordenar a ação contra certas autoridades eclesiásticas e políticos da América Latina, conta com o nosso decisivo apoio". Coincidência ou não, Juscelino e Letelier morreram pouco depois da data da correspondência. Juscelino morreu num acidente de carro em 22 de agosto de 1976 e Letelier num atentado a bomba em 21 de setembro. Em 6 de dezembro era a vez de João Goulart, que com 58 anos morria de enfarte nem sua fazenda na Argentina. OS GOVERNOS DE JUSCELINO E JANGO As décadas de 1950 e 1960 são marcadas pela radicalização da "guerra fria", na conjuntura internacional e mais especialmente na da América Latina após a Revolução Cubana.. No Brasil, com a morte de Getúlio Vargas em 1954, a luta pelo poder tornava-­‐se mais delicada, quando primeiro Café Filho (vice) e depois Carlos Luz (presidente da Câmara) tentaram impedir a posse dos candidatos eleitos, Juscelino e Jango, alegando que lhes faltava maioria absoluta (50% do total de votos mais um). A UDN liderando os anti-­‐getulistas não se conformava com a vitória dos candidatos da aliança PSD-­‐PTB. JK assumiu a presidência nesse contexto de instabilidade e mesmo assim, teve o mérito de ser o presidente que pela primeira vez mostrava um programa de governo completo, com metas e cronogramas estabelecidos. Com seu "Plano de Metas", Juscelino prometia que em cinco anos de governo, o Brasil ganharia 50 anos de desenvolvimento ( "50 anos em 5"). Nossa economia foi internacionalizada, privilegiando o capital estrangeiro e multinacionais, consolidando o capitalismo dependente, com destaque para energia (hidroelétricas) e transporte (indústria automobilistica), o que decepcionou a corrente mais nacionalista do PTB que o apoiava. Juscelino ainda tentou promover um desenvolvimento regional mais homogêneo, criando a SUDENE (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste) e já no final de seu mandato transferiu a capital federal para o planalto central, inaugurando Brasília, a capital com estética moderna e arrojada, saída das mãos de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Na esfera política Juscelino notabilizou-­‐se por uma considerável abertura, permitindo a livre organização e manifestação político-­‐partidária, mesmo para os partidos de esquerda e de direita, impedidos de se manifestar em outros governos. JOÃO GOULART E AS REFORMAS SOCIAIS Quando Jânio Quadros, que sucedeu JK, renunciou, seu vice João Goulart encontrava-­‐se na China comunista. Embora sua missão fosse oficial, alguns chefes militares começam a acusar o governo de Jango de esquerdista. Essas acusações faziam parte de uma forte resistência vice de Jânio, que já era feita desde a década de 50, quando João Goulart fora Ministro do Trabalho de Getúlio, responsável por uma significativa elevação do salário minimo. O impasse estava criado. Enquanto as camadas populares e setores da classe média mais progressista estavam com Jango, as elites, representando as oligarquias nacionais e o imperialismo norte-­‐americano eram contra. A solução encontrada foi permitir que João Goulart assumisse a presidência, porém, com a adoção do Parlamentarismo. Sendo assim, Jango não governaria de fato, já que nesse sistema, o poder de decisão está nas mãos do chefe de governo, representado pela figura do Primeiro Ministro, Tancredo Neves naquele momento. A situação começaria e se inverter em dezembro de 1962 quando através de um plebiscito foi restabelecido o Presidencialismo, representando assim, o apoio popular ao presidente João Goulart e aos segmentos políticos aliados. Nesse momento o governo implanta o "Plano Trienal", elaborado pelo conceituado economista Celso Furtado, que pretendeu inutilmente reduzir o índice inflacionário sem afetar o crescimento econômico. A aposição conservadora aumentaria com a aprovação das "Reformas de Base", com destaque para reforma agrária, que partilharia os latifúndios, a reforma eleitoral, que entre outras coisas, daria condição de voto ao analfabeto, a reforma fiscal, que estabeleceria um critério censitário para pagamento de impostos, além da reforma universitária, que ampliaria o número de vagas nas universidades públicas. Esta aproximação do governo com uma política de reformas estruturais, culminará com famoso comício de 13 de março de 1964 na Estação Central do Brasil no Rio de Janeiro, onde fica mais explícito o apoio dos partidos de esquerda ao presidente. Enquanto isto, a inflação aumentava, agravando as agitações internas e dando pretexto para o fortalecimento dos setores de direita contrários aos avanços sociais e ao caráter "subversivo" do governo Jango. Nesse contexto, representantes das Três Armas, com apoio de considerados setores da burguesia nacional e da Igreja Católica, combatem abertamente o governo e no dia 31 de março de 1964 desencadeia-­‐se o movimento militar que irá depor João Goulart. Em 1o de abril, João Goulart viajou para Porto Alegre, onde se negou a organizar a resistência, evitando assim uma guerra civil. Exilando-­‐se no Uruguai, participou com Juscelino e Carlos Lacerda da organização de uma Frente Ampla pela redemocratização do país. Em 1973, transferiu-­‐se para a Argentina e logo após o golpe militar sobre o governo de Isabel Perón, foi vitimado supostamente por um ataque cardíaco em 6 de dezembro de 1976. COMPROMISSO COM A VERDADE Será em breve a exumação dos restos de João Goulart, já autorizada pela família. O mesmo deverá ocorrer com Juscelino Kubitschek. Os militares se dizem comprometidos com as investigações pela busca da verdade, mas na prática ainda resistem. O passado é história, mas a história nem sempre é verdade. Caso as investigações das mortes de JK e Jango e da Operação Condor prosseguirem com a devida transparência, o governo estará assumindo um importante papel no compromisso com a justiça e com a democracia. Apesar das feridas não cicatrizadas, ficará a contribuição com o restabelecimento da verdade para a história do Brasil e da América Latina. Histórianet Disponível em http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=158 O pesadelo da "operação Condor" Em 1960, um general norte-­‐americano convidou seus colegas latino-­‐americanos para uma reunião onde se discutiriam problemas comuns. É a partir dessas reuniões, um pouco obsessivas, que se situa o coração do que se tornaria um dia a operação Condor por Pierre Abramovici "Nós, chilenos, como todos os povos do Ocidente, combatemos as ditaduras dos ’ismos’ e os agentes estrangeiros que ameaçam o nosso país. Devemos combatê-­‐los com todas as forças, tendo como arma principal a cooperação entre as polícias de toda América."1 As origens do que seria um dia a operação Condor podem ser da época em que Hollywood produzia filmes patrióticos intitulados "Por uma defesa comum" O "señor Castillo, do serviço de segurança chileno", está com os olhos fixos no espectador. O filme se intitula O crime não compensa. Estamos em plena II Guerra Mundial e Hollywood fabrica pequenos filmes patrióticos intitulados "Por uma defesa comum". Inspirados pelo FBI, pretendem ser um ataque contra os espiões nazistas na América Latina e uma ilustração da cooperação dos serviços policiais e de segurança em escala continental. Poderíamos dizer que as origens do que iria ser a operação Condor datam dessa época: um vasto plano de repressão continental, posto em prática pelas ditaduras latino-­‐
americanas nos anos 1970-­‐1980. Somente a cor do "ismo" mudou, passando do pardo ao vermelho. O ovo do condor A descoberta acidental de duas toneladas de arquivos numa delegacia paraguaia permitiu reconstituir as atividades criminosas de uma rede internacional Foi a descoberta, por acaso, em fins de dezembro de 1992, de duas toneladas de arquivos da ditadura Stroessner numa delegacia de Lambaré, subúrbio de Assunção (Paraguai), que permitiu reconstituir, em um primeiro momento, as atividades criminosas desta rede internacional. O deslocamento de documentos da CIA referentes ao Chile, no dia 13 de novembro 2000, confirmou e detalhou o conteúdo desses "arquivos do terror". Desde a Conferência Pan-­‐Americana de Chapultepec, no México, em fevereiro de 1945, os Estados Unidos vinham alertando os militares sul-­‐americanos contra o comunismo. Nessa perspectiva, acordos bilaterais de assistência militar seriam efetivamente assinados em 1951: fornecimento de armas e financiamento norte-­‐americano, presença de assessores militares e treinamento de oficiais latino-­‐americanos nos Estados Unidos e na Escola das Américas, na zona norte-­‐americana do canal do Panamá. A revolução castrista, em 1959, evidentemente precipitou o movimento para uma "defesa continental contra o comunismo". Em 1960, o general Theodore F. Bogart, comandante da US Southern Command (Comando Sul do exército dos Estados Unidos), com base na Zona do Canal, no Panamá, convidou seus colegas latino-­‐americanos para uma reunião "amigável" onde se discutiriam problemas comuns. Dessa forma nasceram as Conferências dos exércitos americanos (CEA). Realizadas todos os anos em Forte Amador (Panamá) e depois, em 1964, em West Point, as reuniões se tornam mais espaçadas a partir de 1965 e passam a ser organizadas a cada dois anos. É aí, nessas reuniões um pouco obsessivas, típicas da guerra fria e raramente abertas ao público, que se situa o coração do que se tornaria um dia a operação Condor. A rede "Agremil" Desde a Conferência de Chapultepec, no México, em fevereiro de 1945, os Estados Unidos vinham alertando os militares sul-­‐americanos contra o comunismo Além do MCI (Movimento comunista internacional, sigla cômoda para designar todos os opositores), os militares latino-­‐americanos compartilhavam de uma obsessão maior: a interconexão dos serviços. Desde sua segunda reunião, a CEA exprime o desejo de estabelecer um comitê permanente na zona do canal de Panamá "para trocar informações e dados."2 Esta vontade vai se realizar principalmente na organização de uma rede de comunicação em escala continental e a encontros bilaterais ultra-­‐secretos (Argentina-­‐Paraguai, Brasil-­‐Argentina, Argentina-­‐Uruguai, Paraguai-­‐Bolívia etc.) para informações. Emitidas por um determinado país para um ou muitos outros, as fichas de informações circulavam através da rede "Agremil" — de agregados militares (adidos militares). Originadas geralmente nos serviços secretos militares (G-­‐2), elas podem vir de polícias políticas ou mesmo de serviços menos oficiais, como a Organização de Coordenação de Operações Antisubversivas (OCOA), um esquadrão da morte originário da polícia política uruguaia, cujos membros participam dos interrogatórios, da tortura e de execuções, principalmente na Argentina.3 Esquadrões da morte "oficiais" As conferências dos exércitos americanos (CEA) começaram por ser realizadas em Forte Amador (Panamá), e a partir de 1964, em West Point Por ocasião da X reunião da CEA, ocorrida em Caracas no dia 3 de setembro de 1973, o general Breno Borges Fortes, chefe do Estado-­‐Maior do exército brasileiro, admite que a estratégia de luta contra o comunismo é da competência exclusiva das forças armadas de cada país mas que, "no que diz respeito ao aspecto coletivo, estimamos que somente são eficazes (...) a troca de experiências ou de informações e a ajuda técnica na medida em que esta for solicitada."4 É tomada a decisão de "dar mais força à troca de informações para enfrentar o terrorismo e (...) controlar os elementos subversivos em cada país."5 Enquanto o sub-­‐continente cai progressivamente nas garras de regimes militares inspirados no exemplo brasileiro, a Argentina passa por uma curiosa transição entre a volta ao poder de Juan Domingo Perón, em 1973, e o golpe de 1976. A polícia e as forças armadas autorizam o desenvolvimento de esquadrões da morte originários de suas fileiras, como a Aliança Anticomunista Argentina (AAA, ou Triple A). Entretanto, a Argentina continua sendo o único país do Cone Sul onde podem encontrar asilo milhares de refugiados, principalmente chilenos e uruguaios, vítimas da perseguição política e social. O assassinato de Prats Além do Movimento Comunista Internacional (MCI), os militares latino-­‐ americanos compartilhavam de uma obsessão maior: a interconexão dos serviços No início de março de 1974, representantes das polícias do Chile, Uruguai e Bolívia se reúnem com o sub-­‐chefe da polícia federal argentina, delegado Alberto Villar (co-­‐
fundador da Triple A), para estudar a maneira pela qual poderiam colaborar para destruir o "foco subversivo" que constitui, em sua opinião, a presença destes milhares de "subversivos" estrangeiros na Argentina. O representante do Chile, um general dos carabineiros, propõe "credenciar em cada embaixada um agente secreto, que poderia pertencer seja às Forças armadas ou à polícia, e cuja função principal seria a de assegurar a coordenação com a polícia ou o representante da Segurança de cada país". E o general acrescenta: "Deveríamos dispor igualmente de uma central de informações onde pudéssemos buscar informações sobre indivíduos marxistas (...), trocar programas e informações sobre pessoas políticas (...). Seria necessário podermos entrar e sair da Bolívia, passar da Bolívia para o Chile e de lá voltar à Argentina. Em suma, nos deslocarmos em qualquer desses países sem necessidade de um pedido formal."6 O delegado Villar promete que o Departamento de Assuntos Estrangeiros (DAE) da Superintendência de Segurança da polícia federal argentina se ocupará dos estrangeiros que interessam às ditaduras vizinhas. Em agosto desse ano, começam realmente a aparecer, nos depósitos de lixo de Buenos Aires, os primeiros cadáveres de refugiados estrangeiros, principalmente bolivianos. No dia 30 de setembro, na capital argentina, uma bomba colocada por um comando chileno e um agente (ou ex-­‐agente) da CIA, Michael Townley, mata o general Carlos Prats, ex-­‐comandante em chefe do exército durante o governo da Unidade Popular e principal adversário do general Augusto Pinochet. Um Estado dentro do Estado Emitidas por um país para vários outros, as fichas de informações circulavam através da rede "Agremil" — de agregados militares (adidos militares) Comandos policiais ou militares atravessam fronteiras sem qualquer dificuldade. Durante os meses de março e abril de 1975, por exemplo, mais de vinte e cinco uruguaios são presos em Buenos Aires por policiais argentinos e uruguaios. Nas delegacias de polícia argentina, os policiais uruguaios participam dos interrogatórios.7 Jorge Isaac Fuentes Alarcón, militante argentino, foi preso pela polícia paraguaia após passar a fronteira deste país. Como estabeleceria a Comissão Retting — Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação Chilena — em seu relatório enviado ao presidente Patrício Aylwin no dia 8 de fevereiro de 1991,8 o interrogatório do preso foi feito pela polícia paraguaia, pelos serviços secretos argentinos e... por funcionários da embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, que transmitiram à polícia chilena as informações obtidas. Alarcón seria em seguida entregue aos agentes da Direção de Informações Nacionais (Dina chilena) presentes no Paraguai, e transferido para o Chile. Pois, neste meio tempo, o Chile aperfeiçoou o sistema. Depois do golpe de 11 de setembro de 1973 — pelo qual o presidente norte-­‐americano Richard Nixon e seu secretário de Estado Henry Kissinger têm responsabilidade direta —, o general Pinochet confiou plenos poderes ao coronel Manuel (Mamo) Contreras para "extirpar o câncer comunista" do país. Rapidamente, a Dina se transformou num Estado dentro do Estado. A exceção venezuelana A Organização de Coordenação de Operações Antisubversivas, um esquadrão da morte uruguaio, participava dos interrogatórios, da tortura e das execuções A grande presença no exterior de opositores irredutíveis constitui um dos principais problemas da ditadura chilena. Ela consegue assassinar o general Prats, mas os anticastristas cubanos recrutados em fevereiro de 1975 fracassam na tentativa de execução de Carlos Altamirano e Volodia Tetelboim, respectivamente líderes dos partidos Socialista e Comunista chilenos no exílio. No início de agosto, o coronel Contreras efetua uma viagem destinada a convencer os serviços de segurança de toda a América Latina a criarem uma força especial anti-­‐exilados. Ainda se deu ao trabalho de ir à sede da CIA em Washington, no dia 25 de agosto, onde se encontrou com Vernon Walters, sub-­‐diretor encarregado da América Latina. Dois dias mais tarde ele visitaria, em Caracas, Rafael Riva Vasquez, diretor adjunto dos serviços secretos venezuelanos, a Disip: "Ele explicou (...) que desejaria ter agentes nas embaixadas chilenas no exterior, que já tinha a confiança de funcionários das embaixadas prontos para servirem de agentes, se necessário. Disse que fez várias viagens coroadas de êxito para conseguir o apoio de diferentes serviços secretos latino-­‐
americanos. Tudo isso na base de acordos verbais."9 Segundo Rivas, o governo venezuelano deu ordem à Disip de rechaçar as propostas do coronel Contreras. Seria a única recusa. Todos os outros países (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia) aceitam. A versão chilena da operação Condor O general Borges Fortes, chefe do Estado-­‐Maior do exército brasileiro, disse que a luta contra o comunismo é da competência exclusiva das forças armadas Paralelamente, é dada a ordem para concretizar uma rede na Europa. Esta se articula junto a terroristas italianos de extrema-­‐direita. Não podendo eliminar Carlos Altamirano — que vivia na República Federal Alemã, sob escolta armada —, esses assassinos optam por Bernardo Leighton, ex-­‐vice-­‐presidente do Chile e um dos fundadores do Partido Democrata-­‐Cristão. No dia 6 de outubro de 1975, Leigthon e sua esposa são atacados em Roma por um comando fascista. Salvam-­‐se, mas a sra. Leighton ficaria paralisada para o resto da vida. Apesar do fracasso, o general Pinochet encontra-­‐se com o chefe dos comandos italianos, um certo Stefano Delle Chiaie, que aceita em ficar à disposição dos chilenos. Por ocasião de sua reunião de 19 a 26 de outubro de 1975 em Montevidéu, a CEA aprova a organização de uma "primeira reunião de trabalho sobre informação nacional" preparada pelo coronel Contreras, de 25 de novembro a 1º de dezembro de 1975. Ela tem "um caráter estritamente secreto". A principal proposta do coronel Contreras visa à criação de um arquivo continental, "algo, em linhas gerais, parecido ao que a Interpol tem em Paris, mas especializado em subversão". Nascia a operação Condor, versão chilena. A fase três do Condor A polícia e as forças armadas argentinas autorizaram, em 1976, o desenvolvimento de esquadrões da morte originários de suas fileiras, como a Triple A Segundo a CIA — que garante nunca ter realmente ouvido falar a respeito até 197610 -­‐, três países membros da operação Condor (o Chile, a Argentina e o Uruguai) "teriam ampliado suas atividades de cooperação antisubversiva para incluir o assassinato de terroristas de alto escalão no exílio na Europa". Embora se considerasse, há muitos anos, que a troca de informações se deveria processar de maneira muito mais bilateral, "uma terceira e muito secreta fase da operação Condor teria concebido a formação de equipes especiais, vindas dos países membros, implicadas em operações que incluiriam assassinatos de terroristas ou simpatizantes de organizações terroristas. Por exemplo, se um terrorista ou um simpatizante de uma organização terrorista de um país membro fosse identificado, uma equipe especial seria mandada para localizar e vigiar o alvo. Enquanto a localização e a vigilância fossem efetuadas, uma segunda equipe seria enviada para executar a operação. A equipe especial contaria com documentos falsos originários de países membros. Ela poderia ser composta de indivíduos vindos de uma ou muitas nações membros". Pierre Abramovici Le Monde Diplomatique Disponível em http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=401 A revolução cubana Uma revolução na América Latina É possível falar de revolução cubana em dois sentidos: como processo de luta pela tomada do poder por Fidel Castro e os companheiros que com ele lutaram na oposição insurrecional ao regime do ditador Fulgencio Batista. Nessa acepção, foi um movimento guerrilheiro que capitalizou o descontentamento do povo contra as condições de miséria, corrupção, falta de liberdade e dependência em relação aos EUA, para instalar um governo revolucionário nos primeiros dias de 1959. Na segunda acepção, a revolução cubana de 1959 foi a continuidade das frustradas lutas de independência iniciadas na segunda metade do século passado e pode ser caracterizada efetivamente como uma revolução, não pelo fato de ter tomado o poder, mas por ter desenvolvido um processo de transformações, radicais das estruturas econômicas, sociais, políticas e ideológicas que fizeram de Cuba o primeiro país socialista da America Latina e do mundo ocidental. Revolução, nesse sentido, é o conjunto de processos de mobilização, organização e luta do povo, em condições históricas concretas, contra o poder instituído, pela construção de um novo poder político que dirija as transformações radicais das estruturas dominantes na sociedade. Nesta acepção, a revolução cubana é um dos poucos exemplos neste continente que realmente merece o nome de revolução, qualquer que seja o juízo que se faça sobre o seu caráter. Ela não é apenas um produto histórico da mobilização popular, mas é o desenvolvimento de um programa de transformações democráticas, nacionais e socialistas que modificou substancialmente a sociedade cubana nas décadas transcorridas desde a fuga de Batista para o exterior e a instalação do poder revolucionário em Havana. As maiores dificuldades derivam do caráter polêmico do tema. Talvez não exista questão mais contraditória na historiografia contemporânea que a revolução cubana. Entre a apologia e a satanização, parece não haver meio-­‐termo possível. Entre os que ao visitar a Ilha, quase infalivelmente ficam “maravilhados” com a eliminação do analfabetismo, da prostituição, da descriminação racial, do desemprego, da violência, da miséria, e com a saúde e a educação gratuitas; e, por outro lado, os que execram radicalmente a “falta de liberdade e de democracia” no país, se divide praticamente toda a bibliografia existente. Sabemos que outra dificuldade se apresenta diante de nós. É que a revolução cubana foi contemporânea de toda uma geração para a qual a revolução era um fato histórico vinculado ao passado -­‐ a revolução francesa, em primeiro lugar -­‐ ou a um futuro nebuloso ou seguro, conforme as convicções ideológicas de cada um -­‐ o socialismo, o comunismo. Mas de qualquer forma, a revolução era um fenômeno Iongínquo no tempo -­‐ revolução francesa, revolução inglesa -­‐, ou no espaço -­‐ Rússia, China. Foi a revolução cubana que atualizou a revolução no nosso tempo -­‐ para algumas gerações que hoje andam pelos trinta ou quarenta anos -­‐, e no espaço latino-­‐
americano. Dela se pode indiscutivelmente dizer que, depois do seu surgimento, nada foi como antes no nosso continente e inclusive no Terceiro Mundo. Se a revolução russa surpreendeu aos marxistas de quase todo o mundo, porque ocorreu onde não se esperava -­‐ na atrasada Rússia em lugar da Europa industrializada e, portanto, com classes operárias fortes -­‐, a cubana não somente surgiu onde menos se esperava que existissem as condições para o socialismo -­‐ num país com pequena classe operaria, ao contrário da Argentina, Chile, México, Uruguai e Brasil -­‐, como nem sequer foi dirigida por marxistas -­‐ socialistas ou comunistas. Toda revolução é um processo heterodoxo. Nunca repete, nem na forma, os fenômenos similares dos processos que a antecederam. A revolução russa foi completamente diferente da frustrada tentativa da Comuna de Paris, a chinesa se diferenciou amplamente da russa, e a cubana, não repetiu a história das revoluções anteriores. À complexidade de apreensão do significado da revolução cubana se somou sua polêmica projeção para a America Latina, encarada como "modelo" a seguir ou "perigo" a evitar. Nem a revolução russa teve na Europa a repercussão que o triunfo de Fidel Castro e seus companheiros teve na America Latina. Isso contribui para a polarização radical na abordagem do fenômeno cubano, pelo próprio fato de que ele nos envolve a todos no continente, como atração ou repulsa, apontando "vias de superação da crise capitalista" ou assinalando caminhos a recusar "para preservar a democracia". Tudo isso contribui para a complexidade na abordagem do tema. Fidel Castro afirmou certa vez que eles tinham "feito uma revolução maior que nos mesmos". Talvez seja uma das poucas afirmações do líder cubano que adeptos e adversários estão dispostos a aceitar como verdadeiras. Autor: Emir Sader Editora: Brasil Urgente Ano: 1992 Disponível em http://revolucoes.org.br/v1/seminario/emir-­‐sader/revolucao-­‐cubana Cuba (1): Fulgêncio Batista, Fidel Castro e a história da revolução cubana Rodrigo Gurgel Para entender a Revolução Cubana -­‐ e todo o amplo movimento que permitiu a Fidel Castro permanecer 49 anos no poder -­‐ é fundamental conhecer um pouco da história de Cuba. Quais os antecedentes da revolução que se tornou um verdadeiro emblema para a esquerda latino-­‐
americana e de todo o mundo? Quais as raízes históricas dessa revolução? Um movimento que garantiu, por um lado, incrível desenvolvimento -­‐ principalmente nas áreas de saúde e educação -­‐ à ilha onde Cristóvão Colombo desembarcou em 28 de outubro de 1492, mas que, por outro, é responsável por centenas de milhares de exilados, pela morte de quase 10 mil opositores e por um número desconhecido de prisões e atos de intimidação e censura? Respostas mais precisas certamente implicariam o conhecimento da história cubana, da chegada de Colombo às vésperas da própria revolução de Fidel Castro. No entanto, é possível esboçar um panorama mais breve, traçado a partir de fatos históricos mais recentes: o governo de Fulgêncio Batista -­‐ justamente aquele que Castro derrubou. A Era Batista Em 1933, o sargento Fulgêncio Batista tinha derrubado o ditador que o antecedeu, chefiando uma quartelada de subalternos contra oficiais, graças a uma série de medidas favoráveis à tropa e mediante o afastamento de centenas de militares graduados. Sob governos civis fracos, ao longo de sete anos, Batista acabou assumindo a chefia das Forças Armadas cubanas e exercendo, de fato, o poder no país. Assim, assumiu a presidência constitucional de 1940 a 1944. Não se opôs à eleição, para o mandato seguinte, de Grau San Martín, seu adversário político. Retirou-­‐se, enriquecido, para a Flórida (EUA) e não se intrometeu também na escolha do sucessor de Grau, Carlos Prio Sacarrás. Mas, subitamente, voltou a Cuba, depôs Sacarrás e o condenou ao exílio. Passou a governar, então, como ditador, num regime de corrupção e violência, até sua queda, em 1º de janeiro de 1959. A ditadura sangrenta e corrupta de Batista sofreu algumas tentativas de derrubada. A primeira delas, chefiada por Fidel Castro, buscou tomar o quartel de Moncada, em Santiago, no dia 26 de julho de 1953. Mais da metade dos quase duzentos jovens que participaram do ataque tombou sob o fogo das metralhadoras. As represálias da polícia, contra opositores do regime ou suspeitos, levaram Fidel e seu irmão, Raúl, a se entregarem. Apesar de terem sido condenados a 15 anos de prisão, as pressões da opinião pública obrigaram Batista, menos de um ano depois, a anistiar os irmãos Castro e outros participantes do movimento. A Revolução Cubana Fidel Castro refugiou-­‐se, então, no México. Mas, passados três anos, em dezembro de 1956, ele desembarcou com 82 companheiros no sudeste de Cuba. Quase todos foram mortos por uma unidade do exército, mas Fidel, Raúl e o argentino Ernesto "Che" Guevara, juntamente com alguns sobreviventes, esconderam-­‐se na região de Sierra Maestra. A partir daí, apesar do cerco das forças de Batista, o número dos partidários de Fidel só cresceu, formando-­‐se uma rede clandestina de grupos filiados em toda a ilha. Em março de 1957, alguns jovens penetraram no palácio presidencial e quase conseguiram matar o ditador. Em 1958, os focos de guerrilha aumentaram e os guerrilheiros conseguiram paralisar as comunicações na ilha, acelerando ainda mais a decomposição do regime. Na madrugada de 1º de janeiro de 1959, Batista fugiu para a República Dominicana. Era a vitória da Revolução Cubana. Consequências da revolução Apesar de, inicialmente, intitular-­‐se apenas "primeiro-­‐ministro", Fidel Castro concentrou em suas mãos todo o poder. Em maio de 1961 afirmou que a revolução teria um caráter socialista -­‐ e apenas em dezembro do mesmo ano proclamou suas convicções marxistas-­‐leninistas. Nas primeiras semanas que se seguiram à queda de Batista, a opinião pública e o governo norte-­‐americano viram com simpatia o novo governo de Cuba. Contudo, a prática constante do "paredón" -­‐ a execução, por fuzilamento, de numerosos inimigos políticos, condenados sumariamente por "tribunais populares" -­‐ fez com que a cordialidade inicial desaparecesse. Finalmente, as medidas de desapropriação, que atingiram numerosas empresas norte-­‐
americanas, e a aproximação crescente do novo governo cubano à antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) deram início a contínuas animosidades com os EUA. Em junho de 1959, foi decretada a reforma agrária e começou a expropriação dos latifúndios, entre os quais predominavam os pertencentes a empresas dos EUA, como a United Fruit Company. Os bancos e as minas também foram nacionalizados. Tensão crescente Paralelamente ao fato de as empresas petrolíferas norte-­‐americanas sediadas em Cuba se negarem a refinar o petróleo fornecido pela ex-­‐URSS, a refinaria da Texaco, e outras, pertencentes a grupos norte-­‐americanos, foram nacionalizadas em junho de 1960. No mesmo mês, os EUA suspenderam a compra do açúcar cubano, cancelando, em dezembro, a quota anual do produto, o que provocou um prejuízo de 150 milhões de dólares anuais para Cuba. Também como represália, os EUA suspenderam as exportações para a ilha, com exceção de alimentos e remédios, e impediram as viagens de turistas norte-­‐americanos. Como resposta, Fidel nacionalizou todos os bens norte-­‐americanos: usinas de açúcar, minas, fábricas, hotéis, etc. Em janeiro de 1961, Eisenhower, presidente dos EUA, rompeu as relações com Cuba, e em abril, seu sucessor, John Kennedy, aprovou o plano de desembarque a ser realizado por exilados cubanos na Baía dos Porcos. A operação, no entanto, resultou em completo fracasso. Ao mesmo tempo, os dissidentes começaram a abandonar a ilha. Até 1965, saíram, clandestinamente, 350 mil cubanos. Hoje, na Flórida, região dos EUA em que os cubanos dissidentes se concentram, há cerca de 900 mil pessoas que nasceram em Cuba. Crise dos mísseis Em outubro de 1962, a descoberta de mísseis, que estavam sendo instalados pela ex-­‐URSS em Cuba, provocou uma grave crise internacional. Os EUA bloquearam Cuba e tomaram providências para uma eventual invasão, dispondo-­‐se a enfrentar, inclusive, a ex-­‐URSS. Durante um período de 13 dias a tensão política alcançou níveis preocupantes. A guerra nuclear parecia iminente. Em 28 de outubro, depois de infindáveis negociações, a ex-­‐URSS aceitou retirar os mísseis, desde que os EUA retirassem os seus da Turquia. O bloqueio foi cancelado e a invasão a Cuba não ocorreu. Desde então, os EUA procuram estrangular economicamente a ilha, recorrendo a medidas restritivas e embargos. Em 1974, contudo, os norte-­‐americanos realizaram alguns gestos de aproximação, permitindo a exportação de veículos automotores para Cuba. Depois, o Congresso votou a favor do levantamento das sanções da Organização dos Estados Americanos -­‐ OEA. (Em 1962, os EUA haviam conseguido a exclusão de Cuba da OEA.) Ainda na década de 1970, durante a presidência de Jimmy Carter, os EUA chegaram a abrir um escritório em Havana, permitindo que Cuba abrisse uma representação em Washington. Mais tarde, entre 1980 e 1981, as restrições à emigração foram afrouxadas, promovendo um verdadeiro êxodo de cubanos para os EUA, cujo governo avaliou como uma tentativa deliberada de despejar na Flórida centenas de elementos indesejáveis. Com o início da administração Ronald Reagan, no entanto, as relações entre os dois países pioraram, conformando uma situação de animosidade que perdura até hoje. Entre o heroísmo e a tirania Para o historiador Eric Hobsbawm, "a revolução cubana era tudo: romance, heroísmo nas montanhas, ex-­‐líderes estudantis com a desprendida generosidade de sua juventude -­‐ os mais velhos mal tinham passado dos trinta -­‐, um povo exultante, num paraíso turístico tropical pulsando com os ritmos da rumba". De fato, ainda citando Hobsbawm, "o exemplo de Fidel inspirou os intelectuais militantes em toda parte da América Latina". Mas a aura romântica lentamente se perdeu. Em um dos vários momentos que causaram enorme indignação mundial nas últimas décadas, três dissidentes foram fuzilados em 2003 e dezenas de opositores ao regime desapareceram nas masmorras cubanas. Como costuma acontecer em todos os processos revolucionários, quando o arroubo inicial da sociedade, responsável por gerar a revolução, desaparece frente às dificuldades políticas e, principalmente, econômicas, o Estado quase sempre age no sentido de se autopreservar. E, em nome dessa autopreservação, acaba por cometer crimes semelhantes àqueles que, no passado, foram a causa da revolução. Do gesto de heroísmo romântico à ditadura desumana, a Revolução Cubana comprovou, infelizmente, os dois extremos do pensamento da filósofa Hanna Arendt: "A forma extrema de poder é o Todos contra Um, a forma extrema de violência é o Um contra Todos". Rodrigo Gurgel é escritor, crítico literário e editor de Palavra, suplemento de literatura do Caderno Brasil do Le Monde Diplomatique (edição virtual). Bibliografia História da América Latina, Halperin Donghi, Círculo do Livro/Editora Paz e Terra, s/d. América Latina -­‐ estruturas sociais e instituições políticas, Jacques Lambert, Companhia Editora Nacional, 1972. Era dos extremos -­‐ o breve século XX (1914-­‐1991), Eric Hobsbawm, Editora Cia. das Letras, 1995 Enciclopédia Mirador Internacional. Cuba: uma nova história, Richard Gott, Editora Jorge Zahar, 2006. Cuba (coletânea de artigos organizada por Manuel García). Educação UOL Disponível em http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/cuba-­‐1-­‐fulgencio-­‐batista-­‐fidel-­‐
castro-­‐e-­‐a-­‐historia-­‐da-­‐revolucao-­‐cubana.htm Revolución! A Verdade sobre Fidel Castro (1959), de Victor Pahlen Revolución! A Verdade sobre Fidel Castro Flynn estava fazendo um filme chamado "Cuban Rebel Girls" (1959) quando aconteceu a revolução de Fidel Castro e ele aproveitou para fazer este documentário raríssimo. E que teria ficado inédito fora da União Soviética até 2001. Ele começa mostrando o globo mundial e depois como em uma aula, senta-­‐se numa mesa e nos conduz, falando para a câmera sobre Cuba, tentando explicar a revolução de Fidel. Mostra imagens curiosas mas a narração já não é de Flynn (que morreu pouco depois em outubro de 1959.) As notas de produção vão mais longe, admitem que o filme que aparece é totalmente a favor de Castro e da Revolução (embora mostre fuzilamentos sumários e a história não tenha sido gentil com a dita Revolução), mas levanta uma história discutível de que Flynn seria fascista e bêbado (isso é indiscutível), que estaria funcionando também como espião para a CIA e que sua namorada, na época de 15 anos -­‐ Beverly Adland, é que teria ajudado americanos a saírem de Cuba. Esquecem de mencionar que logo depois ele morreu com apenas 50 anos, totalmente exaurido. Na despedida, ele lê um bilhete de Fidel convidando todos a visitarem a ilha e dizendo que confiava nele. Ou seja, um documento nostálgico e parcial, portanto curioso. Uma dupla e tanto, Fidel e Flynn. Rubens Ewald Filho UOL -­‐ Cinema Disponível em http://cinema.uol.com.br/resenha/revolucion-­‐a-­‐verdade-­‐sobre-­‐fidel-­‐castro-­‐
1959.jhtm Revolución! A Verdade Sobre Fidel Castro Os cineastas Errol Flynn e Victor Pahlen estando em Cuba no momento da revolução em 1959 decidem registrar todos os momentos que consideraram relevantes para a edificação da memória da Revolução Cubana. Como outsiders nômades, os cineastas transitam ora entre imagens cotidianas do ditador Fulgencio Batista, que no pré-­‐guerra se volta para a exploração da cultura cubana com os turistas e os investimentos nos cassinos, e ora para imagens cotidianas do povo pobre da ilha de Cuba. Neste sentido é elaborado um discurso onde se pretende mostrar as contradições promovidas pelo poder econômico, político e social do ditador e como tal poder foi tomado pelas forças revolucionárias representadas pela figura de Fidel Castro. Videoteca PUC Disponível em http://www.pucsp.br/videoteca/internas/guias_tematicos/historia_politica.html Propagandas para Fidel Soy Cuba/Revolución! Quem ainda agüenta discutir Cuba? Se hoje o debate sobre regime comunista repete argumentos cansados tanto favoráveis como contrários à ditadura de Fidel Castro, nos primeiros anos após a Revolução Cubana, em 1959, entender o que havia acontecido na ilha em plena Guerra Fria fazia muito mais sentido. Os dois filmes -­‐um americano, outro soviético-­‐ que compõem a caixa foram feitos nessa época e, de maneiras bastante distintas, são amplamente simpáticos a Fidel. Se ambos expõem ao olhar contemporâneo uma visão de mundo superada, ao menos trazem o "frescor" da vitória revolucionária e ajudam a entender por que Cuba até hoje motiva paixões -­‐ou serão ranços? O soviético "Soy Cuba" começa com um impactante plano-­‐seqüência num hotel de luxo. O bom começo, porém, perde força por causa de personagens caricaturais como o camponês explorado e o estudante engajado. Menos pretensioso, "Revolución! A Verdade sobre Fidel Castro" é surrealmente narrado pelo ator Errol Flynn. As imagens dos primeiros momentos do regime de Fidel compensam a quase ausência de estrutura do documentário, sumido por 40 anos, sem fazer muita falta. O DVD: apesar da boa apresentação visual do pacote, os extras pouco acrescentam. Fabiano Maisonnavve Folha de S. Paulo Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1411200414.htm A Batalha do Chile -­‐ parte II (1977), de Patrício Guzman A Batalha do Chile Parte II: O golpe do Estado (Patrício Guzmán, 1977) Considerado um dos melhores e mais completos documentários latino-­‐americanos, A Batalha do Chile é o resultado de seis anos de trabalho do cineasta Patrício Guzmán. Dividido em três partes (A insurreição da burguesia, O golpe militar e O poder popular), o filme cobre um dos períodos mais turbulentos da história do Chile, a partir dos esforços do presidente Salvador Allende em implantar um regime socialista (valendo-­‐se da estrutura democrática) até as brutais conseqüências do golpe de estado que, em 1974, instaurou a ditadura do general Augusto Pinochet. Essa edição especial se completa com outros dois documentários: Patrício Guzmán: um história chilena, sobre a trajetória única do autor de A Batalha do Chile, e A resistência final de Salvador Allende, uma reconstituição dos últimos momentos de Allende antes do golpe. Guzman vivia na Europa quando chegaram as notícias da subida ao poder da Unidade Popular, aliança de partidos de esquerda que elegeu o presidente Salvador Allende no Chile do fim dos anos 60. Entusiasmado, o cineasta voltou ao seu país e começou a gastar o que podia de rolos e mais rolos de filme. Foi além dos temas espetaculares, filmando desde assembléias de fábricas, passando por trabalhadores do campo, moradores de bairros construindo um abastecimento alternativo, até militantes de direita. É um registro e uma análise bastante completa do que foi a caminhada chilena pela via democrática ao socialismo, abordando temas difíceis como as nacionalizações, o apoio ambíguo da presidência ao processo de construção do "poder popular" que se dava com as ocupações de fábricas e latifúndios e a construção da participação direta através de assembléias locais e regionais, e as contradições entre este poder popular e um Estado que acabou paralisado pela maioria conservadora do Congresso e as ações de sabotagem apoiadas pela CIA e pelas elites. Com o golpe em 1973, Guzman se refugiou em Cuba, onde terminou de editar a terceira parte do documentário apenas em 1979. Foram praticamente 10 anos de trabalho. Cine direito PUC Disponível em http://cinedireito.blogspot.com.br/2012/08/a-­‐batalha-­‐do-­‐chile-­‐parte-­‐ii-­‐o-­‐golpe-­‐
do.html DIRETOR DE 'A BATALHA DO CHILE' ASSOCIA MOMENTO ATUAL DO PAÍS À ERA PINOCHET Responsável por uma trilogia ímpar sobre os dias que precederam o golpe contra Salvador Allende no Chile, em 1973, o documentarista Patrício Guzmán entende que a classe política “preguiçosa” de seu país está conduzindo uma transição “malfeita” à democracia desde o fim do governo do ditador Augusto Pinochet, em 1990. Vivendo desde o exílio na Europa, para onde partiu semanas após o golpe de 11 de setembro de 1973, ele lamenta o ato organizado em junho por apoiadores do ditador, responsável pela morte de ao menos 3.000 pessoas. Como contraponto, Guzmán escolheu para exibir em um festival de Santiago um filme que mostra os crimes cometidos durante o regime. “O que agradou muito às pessoas, os jovens, sobretudo, porque puderam comparar aquele país pinochetista e o de hoje. E não se diferencia muito.” Na primeira parte da entrevista concedida à Rede Brasil Atual e ao Coletivo Cine Escadão, Guzmán relata a vida no exílio e a volta ao Chile para filmar Memória obstinada, que registra as reações de estudantes à exibição de A Batalha do Chile. De que maneira a vida no exílio lhe ajudou a finalizar A Batalha do Chile? Saí ao exílio no final de 1973 no Chile e fui a Cuba para terminar o filme que estava produzindo. Estava filmando A Batalha do Chile e fui a Cuba porque me ofereceram os meios técnicos para terminar o filme. Uma sala de montagem. E eu levei meu montador do Chile, Pedro Chaskel, e com ele terminamos o filme em quatro ou cinco anos de trabalho. O exílio é uma situação com a qual você tem de se acostumar. A princípio, sente-­‐se muito desorientado, não sabe o que fazer, mas pouco a pouco vai encontrando um lugar, sobretudo quando trabalha. Quando trabalhei no filme me senti muito bem, muito feliz, sobretudo porque estava fazendo um filme sobre o Chile, sobre o que havia ocorrido. Isso funcionou bem. O problema é que quando terminei o filme acabei sem nenhum propósito, sem nenhum objeto. Isso me custou muito para encontrar o próximo filme. Estive oito anos esperando. Esse período foi mais difícil. Por outra parte, o exílio te dá uma boa distância para trabalhar seu país porque, ao estar fora, é mais fácil olhar para dentro. Essa é a parte positiva. Pessoalmente, não sou nostálgico. Não gosto de empanadas, não gosto da comida cotidiana do Chile. Do vinho, sim, gosto, mas à parte isso não sinto saudades de estar em Viña del Mar, Santiago ou Valparaíso. São cidades bastante normais. A idiossincrasia chilena não é muito forte. De modo que se pode viver em qualquer parte. Quando você voltou do exílio pela primeira vez? Voltei pela primeira vez em 1987, em plena ditadura. Utilizei como guarda-­‐chuvas a Igreja Católica. Inventei rodar um filme sobre o trabalho que a igreja estava fazendo a favor dos presos políticos. A igreja chilena, ao contrário de tantas outras da América Latina, colocou-­‐se contra Pinochet, e criou escritórios com sociólogos, médicos e psicólogos que ajudavam as vítimas. Estive quatro meses em Santiago fechado em um apartamento, não saía a nenhuma parte. Ficava o tempo todo aí para que não fosse levado preso. Assim estive até que prenderam meu ajudante de direção e meu sonoplasta. Quando isso ocorreu, fui embora. Era uma produção para a televisão espanhola. Tem 24 minutos e se chama Em nome de Deus. A burguesia chilena segue insurreta? A transição chilena foi muito malfeita. Não houve julgamento contra os militares responsáveis, os torturadores estão livres. Há alguns presos entre os quadros significativos, mas os quadros médios estão em suas casas. Portanto, é um país onde reina a impunidade, onde o sistema judicial é muito lento e onde as famílias se cansaram de reclamar justiça. A primeira pessoa que recebeu as mulheres, depois de 30 anos de reclamações, foi Baltazar Garzón em Madri. Antes nenhum juiz chileno as recebeu. Negavam-­‐se a recebê-­‐las, ou seja, é uma justiça às ordens da ditadura. É uma justiça anêmica, que deixa que as coisas passem batidas. Há dois ou três juízes muito bons, mas um corpo judicial são dezenas de juízes. “Memória obstinada” provocou um debate na população chilena sobre a ditadura. A mim ocorreu esta sequência em um colégio. Projetei a segunda parte de A Batalha do Chile em uma sala. Quando o filme terminou, ninguém aplaudiu, ninguém acendeu a luz e a televisão ficou ali fazendo chiado. E eu pensei: 'Me equivoquei de filme, deve ser uma escola de burgueses'. Não sabia o que fazer. Fui ao fundo da sala e acendi a luz, voltei a meu lugar, sentei-­‐me e os olhei pela primeira vez. E quando olhei, vi que estavam chorando. Fiquei completamente desconcertado. Choraram uns três minutos, não podiam falar. Depois que se recompuseram, começaram a fazer perguntas do que havia ocorrido e me disseram que nem os pais, nem os professores, nem os amigos tinham lhes contado o que havia ocorrido. Eles se sentiam órfãos de informação. Então, tomei esta ideia para fazer o filme. Pedi permissão a 40 colégios, mas só me autorizaram em seis. Diziam que não queriam que o filme passasse ali porque olhavam para o futuro, não queriam cutucar questões dolorosas, que o filme trazia um passado que não serviu para nada, que deveria ser esquecido. Isso disseram quase todos. Outros diziam que tinham de pedir permissão aos pais e responsáveis. Mas se já tinham mais de 18 anos, por que precisavam pedir permissão? Estive a ponto de abandonar a ideia porque ninguém dizia que sim. Como o senhor viu o ato recente em homenagem a Pinochet? Um desastre. Não apenas homenagearam a Pinochet como a Krassnoff Marchenko, um famoso torturador. É ridículo porque fizeram um pequeno ato em um teatro, que não estava cheio, e para um filme que é ruim. Na verdade não é um filme, são pedaços de vários filmes que eles reuniram. E inventaram um prêmio em Miami, que é mentira, não existe este festival. O governo deveria havê-­‐lo proibido ou ao menos dizer que era contrário. Mas não, optou por dizer que é partidário da liberdade de expressão, o que é um pretexto para não fazer nada. Foi lamentável. Para contrapor-­‐se a este evento, na inauguração de nosso festival de cinema em Santiago exibimos um filme contra Pinochet, o que agradou muito às pessoas, os jovens, sobretudo, porque puderam comparar aquele país pinochetista e o de hoje. E não se diferencia muito. A mesma polícia, a mesma Constituição que divide o país entre amigos e inimigos, que fomenta o ódio. O país não mudou tanto quanto deveria ter mudado. É uma classe política preguiçosa. E os estudantes, andaram conhecendo bem esta Constituição? Os estudantes são a grande alegria que podemos ter. É um grupo que não tem medo, é a quarta geração, está disposta a tudo, a lutar até o final. E não lutam apenas por educação, mas por melhor saúde, melhor habitação, melhor vida. É um movimento amplo. E são muito inteligentes. Os quatro líderes deram a volta ao mundo e têm melhores relações públicas que o governo. Leandro Melito e João Perez Revista Samuel Disponível em http://revistasamuel.uol.com.br/conteudo/view/19901/Diretor_de_a_batalha_do_chile_assoc
ia_momento_atual_do_pais_a_era_pinochet.shtml A Batalha do Chile No início dos anos 1970, o Chile teve um importante papel na conjuntura política da América Latina. A população viu o país passar por uma grande mudança com a eleição de Salvador Allende, cujo principal objetivo era socializar a economia. Seu projeto de reforma, que incluía a nacionalização das indústrias, encontrou duros opositores que exigiram sua renúncia. Allende acreditava na força popular e por ela decidiu lutar até o fim. Em 11 de setembro de 1973, ele se suicidou quando as Forças Armadas, apoiadas pelos Estados Unidos, cercaram, bombardearam e invadiram o Palácio de La Moneda. A Batalha do Chile é um documento que deve ser visto por qualquer um que queira entender como funciona um golpe de estado. Dividido em três partes, o documentário de Patricio Guzmán reúne muito mais do que imagens de arquivo que mostram como governo de Allende ruiu. É uma obra construída por pessoas que testemunharam um momento de intensa transformação no país. Guzmán e sua equipe – basicamente formada por ele e seu diretor de fotografia, Jorge Müller Silva, a quem o filme é dedicado – filmaram tudo o que puderam acompanhar de perto, desde a posse de Allende até o bombardeio a La Moneda. Guzmán registrou a História sendo feita. Assim, ao invés de apenas ouvirem falar, futuras gerações puderam ver exatamente o que ocorreu naquele turbulento período. Graças às imagens que conseguiu captar (as cenas são objetivas e bem planejadas) e à sua épica organização do roteiro à montagem, que lhe consumiu anos de trabalho, o diretor fez A Batalha do Chile se tornar mais envolvente do que qualquer filme de ficção que possa tentar retratar o que aconteceu no país. A primeira parte, A Insurreição da Burguesia, traça um panorama da situação em que se encontrava o governo em seus primeiros anos e os pontos que levaram a oposição a tomar medidas drásticas para derrubar Allende. O filme termina com uma imagem angustiante feita por um cinegrafista argentino, que filmou seu próprio assassinato, ao ser baleado por um oficial do exército, enquanto cobria uma das primeiras investidas militares. É o prenúncio do que está por vir na segunda parte, O Golpe de Estado. Guzmán, mesmo quando não pôde colocar sua câmera na rua, utilizou os recursos de que dispunha para não deixar aqueles dias decisivos serem esquecidos. A sensação que o diretor passa ao espectador é aquela que ele realmente deve ter sentido na época: ficar acuado, impotente, sem poder fazer alguma coisa para impedir o golpe, apenas vendo na TV e ouvindo pelo rádio os últimos momentos de Allende. Já a terceira parte, O Poder Popular, funciona mais como um apêndice, mostrando como os trabalhadores se organizaram para manter vivo o ideal do lema “criar, criar, poder popular.” Guzmán também se beneficia por não tornar o documentário panfletário. Ele age como um historiador, mostra os dois lados, junta os fatos e os apresenta. Independente da posição política de quem filmou ou de quem assiste, A Batalha do Chile é um trabalho factual. Mostra a derrocada de um sonho e a imposição de um sistema opressor. Se o espectador se sente compelido a apoiar ou não as idéias de Allende, isto acontece devido a sua bagagem política e cultural, e não porque o filme o força a ter uma opinião. Renato Silveira Cinema em Cena Disponível em http://www3.cinemaemcena.com.br/Critica_Detalhe.aspx?id_critica=6578&id_tipo_critica=3 Trilogia "A Batalha do Chile" costura páginas da (quase) revolução Quando achou que "as palavras "política" e "utopia" haviam se unido" em seu país, o chileno Patricio Guzmán, 64, decidiu escrever com a câmera a sua "declaração de princípios". O "texto" são os 285 minutos (repartidos em três partes) do documentário "A Batalha do Chile", que vê a ascensão e queda do governo Salvador Allende (1970-­‐73), a partir dos gabinetes e das ruas. A 29ª Mostra de SP exibe hoje a obra, que ocupa lugar definitivo na galeria dos filmes políticos desde 1979, quando foi concluída. Foi sobre o papel do documentário e a política na América Latina de ontem e de hoje a conversa que Guzmán teve com a Folha, por telefone, de Paris, onde vive. Folha -­‐ Durante as filmagens o sr. percebeu que "A Batalha do Chile" teria tanta relevância histórica? Patricio Guzmán -­‐ Estávamos conscientes, porque a situação era muito dramática. Um período crucial se avizinhava. Ou haveria um golpe de Estado ou Allende conseguiria controlar a situação e aprofundar a revolução. Ambos eram muito importantes. Folha -­‐ O sr. deixa claro que está ao lado de Allende. No entanto, o filme é respeitado também por quem tem opiniões políticas distintas. A que atribui esse resultado? Guzmán -­‐ O cineasta não é um observador neutro e desapaixonado da realidade. É um participante ativo. O problema é a verossimilhança. É preciso ser crível no que se conta. A objetividade é um princípio que não se aplica ao cinema documental. Dos períodos históricos que a objetividade atravessou, o mais odioso para nós, documentaristas, foi nos 60, quando as grandes cadeias de TV dos EUA e as estatais européias estabeleceram o princípio da objetividade. Como se pode pedir a um pintor que use a mesma dose de amarelo, azul e verde num quadro? É impossível. Vai contra a natureza do cinema. Talvez a objetividade jornalística anglo-­‐saxã possa se aplicar a reportagens de TV. Mas não a um documentário de autor. Folha -­‐ Acha que seu filme contribuiu para o julgamento histórico de Allende (1908-­‐73) e Pinochet? Guzmán -­‐ Contribuiu sobretudo para defender a Unidade Popular e o projeto de Allende. No Chile, demoliu-­‐se tão sistematicamente a imagem do governo Allende nos últimos 30 anos que tenho a impressão de que o filme é a única prova de que aquilo existiu. Folha -­‐ O sr. está a par da crise do governo Lula da Silva? Guzmán -­‐ Desgraçadamente. Folha -­‐ O que pensa a respeito? Guzmán -­‐ Parece haver uma oposição disposta a não perdoar nada. Por outro lado, suponho que governar o Brasil seja uma tarefa titânica. Senti muito quando, no primeiro ano do governo Lula, colaboradores seus da vida toda saíram, por julgar que o governo ia para o centro ou a centro-­‐direita. Não me atrevo a julgar isso, mas lamento muito. Sem unidade, dificilmente pode-­‐se enfrentar inimigo tão poderoso como os EUA. Folha -­‐ Que tipo de "inimigo" são os Estados Unidos da era Bush? Guzmán -­‐ É um dos governos mais débeis da história dos EUA. A luta frontal contra o terrorismo é uma política cega que não faz mais do que semear o terrorismo pelo mundo todo. Na comparação, Bush faz [o presidente Ronald] Reagan [1981-­‐89] parecer um estadista -­‐-­‐um disparate. Folha -­‐ Como avalia a chance de uma mulher de esquerda, Michelle Bachelet, eleger-­‐se presidente do Chile neste ano? Guzmán -­‐ Mulher ou homem, interessa é que o próximo presidente aprofunde a democracia, ainda insuficiente. A economia funciona bem, mas a um custo altíssimo. Os contratos são precários. Não se exerce o direito de greve. Silvana Arantes Folha de S. Paulo Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u54585.shtml Condor (2007), de Roberto Mader Em busca do passado De 2004 pra cá, com extrema freqüência nos deparamos com filmes (documentários ou ficções) que tratam de temas relacionados com o período da ditadura militar: de Quase Dois Irmãos a Cabra Cega, de Araguaya a Hércules 56, de Sonhos e Desejos a O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, entre outros. Neste sentido, Condor é certamente parte de um processo. Portanto, é preciso, nesta variedade confusa de aproximações, traçar os pontos em comum e pensar quais novos sentidos e propostas estão sendo extraídos e perpetuados. A “grande questão” por trás destes filmes ainda consiste invariavelmente em se representar circunstâncias ou acontecimentos caros e esquecidos de nossa História recente – e em Condor não será diferente. A idéia de Robert Mader é tratar da chamada Operação Condor, nome dado à cooperação entre governos militares sul-­‐americanos que resultou no seqüestro, assassinato e exílio de milhares de pessoas. Durante duas décadas, negou-­‐se a existência desta Operação, tratada como um exagero paranóico, uma teoria da conspiração de vítimas e opositores. Condor quer jogar luz sobre este período. “Não podemos pensar no futuro sem recuperarmos o passado”, diz uma depoente. “Isso aconteceu. E aconteceu conosco”, complementa outra. Frases que sintetizam muito bem as intenções de Mader. Do ponto de vista da linguagem, Condor opta por uma estrutura dramática bem simples. Trata-­‐
se de um filme de depoimentos e material de época, entre jornais e imagens de arquivo. As entrevistas tentam, ainda que de maneira frágil, explorar as opiniões contrárias de defensores da lógica ditatorial e vítimas da Operação Condor. O espectador segue um tanto desamparado o fluxo de depoimentos e imagens pelo continente. A edição de Célia Freitas e o corte final de Ricardo Miranda parecem por vezes reproduzir essa idéia de um fluxo sem fronteiras, a ponto de ser às vezes complicado identificar e associar todos os eixos narrativos. Percebe-­‐se claramente uma ascendência na escola britânica de John Grierson, para quem a idéia do documentário não era de modo algum uma idéia cinematográfica. Neste sentido, podemos dizer que Mader tem mais perícia do que exatamente um estilo pessoal. Mais do que se expressar, o que o documentarista deseja é se comunicar. Conseqüentemente, reage-­‐se muito mais ao conteúdo do que ao artista. Neste sentido, Mader parece ambicionar um painel amplo e por vezes se reveste de importância e nobreza, mas acaba perdendo o foco. Condor esbarra em muitas questões para apenas deixá-­‐las em aberto (a participação americana, o papel do Brasil na operação, o trabalho da Cúria, etc.). Em determinado momento, percebe-­‐se o desejo por uma descida às memórias e às realidades presentes das pessoas que viveram o período. Foi através das relações entre pais e filhos que Roberto Mader encontrou a melhor maneira de falar da Operação Condor. São muitas e comoventes histórias. Há o caso dos Larrabeiti, que presenciaram a morte dos pais biológicos no Uruguai e foram adotados por uma família chilena. Há também a uruguaia Sara Mendes, presa e torturada na Argentina, que encontra seu filho após 25 anos de busca. Outras histórias tiveram grande repercussão no Brasil, como a do casal de Lilian Celiberti e Universindo Diaz, seqüestrados pela polícia uruguaia em Porto Alegre. São casos realmente exemplares e emocionantes, mas não suficientemente explorados. Para isso, Condor teria de ser mais longo ou talvez se deter em um número menor de personagens. Alberto Cavalcanti já nos alertava para o fato de a metonímia ser uma das melhores estratégias para se aproximar do tema de um documentário: “Você pode escrever um artigo sobre os correios, mas deve fazer um filme sobre uma carta”, dizia ele. Mader não tem dúvidas a respeito do que pretende dizer com seu filme: que a Operação Condor existiu e que o país só poderá virar esta página quando resolver falar abertamente sobre o período. No entanto, ao seguir uma estrutura um tanto confusa, o filme não entrega o que nos promete: o documentário não apresenta informações novas sobre a operação, nem nos explica sobre seu funcionamento. Tampouco se trata de um filme investigativo ou de denúncia. Apesar de dar voz a militares, o documentarista não é objetivo em um sentido jornalístico, mas também não é panfletário. Em Condor, não vemos um argumento sendo apresentado, discutido e provado, mas tampouco somos lubridiados goela abaixo. E, curiosamente, talvez o maior trunfo de Mader, o legado de seu filme, seja o depoimento (raríssimo) do general chileno Manuel Contreras, chefe da Dina (Direção de Inteligência Nacional). O tempo dirá. Júlio Bezerra Revista Cinética Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/condor.htm Documentário 'Condor' explica a repressão política latina Produção de Roberto Mader traz histórias humanas, de gente cuja vida mudou para sempre naquele período Por volta de 1970, Simon e Garfunkel cantavam, com direito a quena e tudo, o pássaro mais conhecido da Cordilheira dos Andes -­‐ "El concor pasa em cielo del Peru/Del Peru..." Naquela mesma época -­‐ um pouco depois -­‐, o condor batizava um movimento coordenado das ditaduras sul-­‐americanas, instaladas no Brasil, no Uruguai na Argentina e no Chile, para trocar informações e prisioneiros e coordenar a repressão política no continente, com apoio direto dos EUA. Muitas vidas foram destruídas na Operação Condor. Roberto Mader realiza agora o resgate do que foi aquela época sombria. Em vez de números, ou das frias análises políticas dos estrategistas, ele prefere o viés intimista. Conta histórias humanas, de gente cuja vida mudou para sempre naquele período tumultuado. "Tenho a impressão de que o filme ia passar pelas pessoas, se fosse feito de outra forma, mais focado nas estatísticas, por brutais que sejam, da Operação Condor. No limite, o que fica com o espectador é aquilo que eu queria atingir -­‐ a história da menina, emblemática de todo o período." A menina a quem Mader se refere chama-­‐se Victoria e tinha apenas um ano e meio quando viu os pais serem assassinados. O irmão e ela foram levados para um orfanato em outro país, o Chile, onde e depois adotados. Trinta anos mais tarde, a avó biológica conseguiu localizá-­‐los. O filme conta muitas dessas histórias, mas a dos uruguaios Victoria e Anatole talvez seja única porque as duas famílias, a biológica e a adotiva, se uniram. Uma trama dessas parece coisa de ficção, mas aconteceu. Roberto Mader vivia no exterior, na Inglaterra, quando esse projeto começou a tomar forma. Demorou muito tempo, mas ele não quer explorar a idéia do cineasta -­‐ coitadinho -­‐ que demorou uma década para concluir seu projeto. Agora mesmo, ele está endividado -­‐ gastou o que não tinha -­‐, mas feliz. Condor foi premiado no Festival de Gramado do ano passado e entra nesta quinta-­‐feira, 1, em exibição no circuito comercial. O filme chega para esclarecer, mais do que para provocar polêmica. Mader selecionou seu recorte e, com certeza, tem uma nítida preferência pelas vítimas dessa história, mas ele dá voz ao outro lado, aos carrascos, na tentativa de entender. Um dos depoimentos mais contundentes de seu filme é o do senador Jarbas Passarinho -­‐ ex-­‐ministro dos governos militares -­‐, que admite que houve um golpe de Estado no Brasil. Na definição de Passarinho, totalmente pró-­‐golpe, "Nós tivemos de almoçá-­‐los antes que eles nos jantassem". Não é todo mundo que têm essa coragem de assumir os próprios gestos. O personagem mais antipático de todo o imbróglio termina sendo o filho do ex-­‐ditador chileno Augusto Pinochet. Com o pai enfermo -­‐ e impossibilitado de falar -­‐, ele aceita dar seu depoimento, mas cobra para isso. Foi justamente a partir da prisão de Pinochet, em 1998, quando começou a se falar mais abertamente da Operação Condor, que Mader chegou à conclusão de que tinha de fazer o filme. No Chile e na Argentina, onde a repressão foi mais violenta -­‐ e o número de vítimas, maior -­‐, sempre houve um forte debate sobre o que ocorreu. No Brasil, a tendência é esquecer os anos de chumbo. A própria decisão de oferecer uma reparação material às vítimas da repressão provoca controvérsia. "Tem gente no Brasil que ganhou fortunas dizendo-­‐se vítima da repressão, enquanto a viúva do metalúrgico Manuel Fiel Filho (morto em 1976) ganha uma miséria. O chato disso é que cria na opinião pública uma aversão à reparação. Também é um fato que nenhuma reparação material consegue substituir o horror da outra reparação, a moral, a psicológica." Para chegar aos personagens, Mader teve apoio de ONGs e organizações humanitárias em diversos países, mas se você pensa que foi fácil, engana-­‐se. "Até nessas organizações existe muita divisão interna." Condor tinha muito mais histórias, que Mader foi abandonando. "Doía na sala de montagem quando a gente abria mão de depoimentos e de personagens. Mas o tema é pesado e o filme precisava ser pensado também como linguagem para chegar ao coração do público, que era o que me interessava." Histórias essenciais permanecem, como a dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Diaz, seqüestrados em Porto Alegre, com apoio da polícia brasileira. O caso despertou talvez a primeira grande batalha da imprensa brasileira contra o regime. Hoje, a própria Lílian diz que o marido e ela foram salvos pela campanha desencadeada no Brasil. Outra história dolorosa é a de outra uruguaia, Sara Mendez, presa quando seu bebê tinha apenas 20 dias. O garoto foi criado por policiais. Ela conseguiu chegar até ele, mas o filho permanece dividido. Pode ser que essa preferência de Mader pelo recorte humano, familiar, tenha a ver com a situação que ele vive. Não -­‐ Mader não viveu eventos como os do filme, mas casou-­‐se na Inglaterra, teve filhos, o casal se separou e hoje os filhos com a mãe, no exterior. Não é a mesma coisa, claro, mas este homem sensível -­‐ este diretor talentoso -­‐ entende a dor da separação. Seu filme fala disso numa potência muito maior, e mais terrível. Você poderá até se perguntar se essas coisas ocorreram de verdade. Sim, ocorreram, e nada trará de volta o que foi perdido. A reparação -­‐ moral -­‐ somente poderá atenuar o problema. Luiz Carlos Merten O Estado de S. Paulo Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,documentario-­‐condor-­‐explica-­‐
a-­‐repressao-­‐politica-­‐latina,165468,0.htm Che -­‐ parte 1 (2008), de Steve Soderbergh "Che": em busca do herói latino Che Guevara não foi herói do socialismo, nem da juventude, nem da revolução, nem da América Latina. Ou antes: foi um pouco disso tudo, foi, para resumir, o que se chama de um herói. Mas o Guevara, pelas circunstâncias da sua vida, também é um mito. Juntar o mito e a realidade talvez seja o mesmo que duplicar o mito, criar uma segunda imagem idêntica à primeira. Fiquei com a impressão de que é isso que fez Steven Soderbergh no seu filme. É como ver um Prometeu moderno, a quem os deuses (a reação, os latifundiários, a CIA, quem quiser) perseguirão implacavelmente (o que se verá na segunda parte). Achei um belo filme porque não inventa, exceto onde convém inventar. Por exemplo: o filme não podia ser feito em outra língua que não o espanhol. E assim foi feito. Me parece que o filme do Walter Salles funciona como um prólogo a este. Mas me parece que “Che” acaba mostrando porque o “Diários da Motocicleta” é deficiente. Existe no final do “Diários” uma bela cena: aquela em que o Guevara atravessa um rio a nado em busca do outro lado, onde estão os pobres, os necessitados. E aí o filme termina. Ficou uma coisa meio simbólica (o rio representando a, digamos, travessia ideológica do Che em contato com a realidade da AL), mas não tocou o ponto nevrálgico da coisa: não é uma conversão ao humanismo, a de Guevara. Não, ao menos, a que importa. É uma conversão ao marxismo, à Revolução, é isso que o moverá, que levará a essa primeira parte muito eufórica (a segunda parece que é depressiva). Importante: embora seja o mito Guevara em cena no filme, não é um mito adjetivado, como as músicas geralmente horríveis feita em sua homenagem. Inácio Araújo Cinema de Boca em boca Disponível em http://inacio-­‐a.blog.uol.com.br/arch2009-­‐03-­‐22_2009-­‐03-­‐28.html A dialética do apagamento Ainda que Che Guevara, grande ícone da luta revolucionária e da resistência contra a opressão, tenha se tornado já no século 20 um item de consumo banalizado, é espantoso que sua imagem sirva agora, em 2008, justamente para desmantelar uma idéia de projeto político, sua grande crença. É o que ocorre em Che, o filme de Steven Soderbergh, sem que isso indique necessariamente uma postura adversa do cineasta para o seu objeto biografado, mas sim o fato dele ter sido rodado num momento histórico em que, já se absorvida a falência dos projetos, avilta-­‐se um quase “fim da história”, num ceticismo que torna aberrante qualquer idéia de revolução, mudança e processo político. Che lançado aos leões da arena romana da história. Não parece ser uma opção deliberada de Soderbergh, que em entrevista defendeu a perenidade do símbolo de rebeldia e idealismo de Ernesto Guevara. O próprio distanciamento adotado pelo diretor (que não deixa de ser uma medida preventiva de um artista norte-­‐
americano que terá, inevitavelmente, o olhar “do outro”) é também um grande respeito à figura de Che. Por outro lado, esse cuidado quase isonômico que parece reproduzir sem julgar os acontecimentos e os personagens é enganoso, porque essa quase isenção documental é puro efeito e acaba por amplificar uma idéia de aula ministrada por Soderbergh sobre Ernesto Che Guevara e sua vida política. Outro dado, o mais importante deles, é que houve a complexa opção por realizar dois filmes distintos para compor o projeto Che – que a Europa Filmes pretende distribuir, separadamente mesmo, como Che (The Argentine, no original) e Che -­‐ A Guerrilha (Guerrilla, no original). A parte 2 não funciona como a continuação da primeira, mas sim como segundo elemento de uma dialética que resulta num outro discurso, suscitando novas percepções: sobretudo aquela que conclui a falibilidade do projeto guevarista. Há, portanto, um intrincado processo dialético que não parece nada bobo. Che (The Argentine) Filmado em scope, o primeiro Che inicia-­‐se com o plano mostrando a bota militar de Ernesto Guevara, que dá entrevista a um canal de TV norte-­‐americano, em 1965. Che já é um mito aqui, e será tratado como tal. Intercalada a essa estadia nos EUA, há os momentos seminais do engajamento de Che na Revolução Cubana, mostrada num colorido sóbrio, também referente à caligrafia documental: ele se encontrando com Fidel Castro, liderando os camponeses voluntários na Sierra Maestra, largando a medicina para ingressar na vida combatente, de médico a comandante, de argentino a cubano, latino-­‐americano, por devoção revolucionária. As batalhas são mostradas com um certo distanciamento, jamais espetacularizadas, cumprindo um papel na roldana desta parte 1 na medida em que tudo aqui está em pleno funcionamento e progresso: a empreitada revolucionária, a ideologia de Che surtindo resultados belíssimos, o posicionamento de Cuba como país subdesenvolvido que não se curvou à dominação do Primeiro Mundo – enfim, a ação e o discurso juntos e em vitória plena. O que implica, também, num discurso cinematográfico vigoroso, em que a montagem se faz exuberante na junção tensa dos planos, a granulação hemorrágica vazando do PB à cor, em que Benicio Del Toro encarna o personagem de Che de uma forma selvagem, suicida, entregando seu corpo ao corpo do verdadeiro Che, que por sua vez lhe rouba nariz, corpo e todo o resto para largá-­‐lo inteiro na vastidão da janela 2:35. Che é um cinema do espetáculo (não do espetaculoso), que se quer fazer notar em sua competência e felicidade nas escolhas estilísticas. É um thriller, também, mas um “thriller calmo”, pois o escoamento dos acontecimentos é tão sabido por nós. É quase uma utopia em forma de cinema, em que se trabalha com índices realistas ao limite do formalismo (é só notar como Soderbergh trabalha as várias profundidades do quadro, sobretudo nas cenas passadas em Cuba), sem com isso machucar os olhos, e em que tudo segue como uma grande orquestra, conflitos sendo resolvidos no calor da cena e seguindo em frente até a vitória. Um filme que é uma grande aula de Che para todos, cujo discurso, mais que a ação, triunfa e comprova o sucesso da ação histórica revolucionária. Um filme idealista, espertamente idealizado por Soderbergh, mas que inspira uma total pureza ideológica que inexiste nesses nossos tempos céticos. Um filme para cima. Che – A Guerrilha Usando a mesma câmera digital 4k, Soderbergh opta, aqui, pela janela 1:85, trocando para uma imagem anêmica, mais sóbria e descolorida, capturada por uma câmera-­‐na-­‐mão que se faz mais expressiva, mais que nunca ligada biologicamente ao personagem de Che. Antes, o filme do sucesso; agora, temos a falência do projeto revolucionário, com os discursos de Che se perdendo na selva boliviana, sem encontrar o contracampo da população local, composta de camponeses arredios e dormentes, de integrantes do PC boliviano que preferem a greve à luta armada e rebeldes que não aceitam bem a intromissão de um estrangeiro. O filme segue os 324 dias de Guevara na Bolívia, após se decidir por levar ao Terceiro Mundo, África etc, sua ideologia. O discurso que antes tinha aval coletivo agora é ridicularizado, pois, esfomeados, os guerrilheiros preferirão a causa individual, preferindo roubar mantimentos a cedê-­‐los ao grupo. Che -­‐ A Guerrilha é um filme sobre a morte de um ícone, e Che não só entrará clandestinamente disfarçado na Bolívia como usará outros tantos nomes que não o seu, como forma de levar à frente um projeto que apresenta várias fissuras. É, sobretudo, um filme de crise, em que a ideologia se perde e a revolução, em si, é impossível de ser levada adiante. O estilo acompanha essa falência, assumindo um viés mais observacional na extensão dos (não)acontecimentos. O clima é de thriller conspiratório, ou seja, de uma tensão assombrosa, reforçada por uma trilha sonora que inspira tensão. A troca da exuberância do scope pelo 1:85 é mesmo uma mitigação da exuberância visual, da imagem espetacular, e com a tal fotografia fica claro que o andamento do longa será até a dissolvição do corpo da imagem. Sem os ecos obtidos na primeira parte, Che estará sozinho e a câmera não terá o que mostrar a não ser ele próprio. Ela, trêmula, já sente quando Che toma um tiro na perna, antes de ser preso. No cativeiro, alvejado com o primeiro dos tiros mortais, a imagem perderá o foco (o foco, que na regra cinematográfica é o mandamento da imagem “correta”) e o som terá seus momentos surdos. Até a morte, teremos essas imagens agônicas, até que o derradeiro fade surge, ilustrando a morte. Soderbergh, no tal ímpeto de ser um tanto documental na sua leitura dos diários de campanha escritos por Guevara, prossegue um pouco mostrando o corpo do falecido num helicóptero, e com o rosto coberto, anônimo. O rosto, o charuto, a boina, os cabelos e barba crescendo junto à marca “Che”, os slogans atirados pela boca e rebatendo nos alvos vitoriosamente, tudo isso cede para um rosto sem nome, mudo e esquálido. Che -­‐ A Guerrilha é de uma sobriedade crepuscular, neste que é talvez dos mais belos trabalhos visuais de Soderbergh. * * * Do primeiro plano de Che ao último de Che -­‐ A Guerrilha temos a despersonalização da figura de Che. Da típica bota militar que salta para o rosto vigoroso de Guevara, fumando um belo charuto e em potência total, chegamos, ao final numa imagem de Che, em 1956, com Fidel, indo de navio a Cuba para iniciar o levante. Quase imberbe, sem os índices da barba, da boina, da vestimenta militar que o consagraram no imaginário coletivo. Temos, de ponta a outra deste longo filme duplo de 4h20, um processo de apagamento. Apagamento de um rosto, de uma causa, de uma ação, de um discurso, de um sujeito, de um povo. Da ação coletiva e vigorosa, migra-­‐se para uma introspecção forçada que culmina numa espécie de suicídio, numa autofagia. Mata-­‐se a ação e a imagem. Mata-­‐se o cinema, portanto? Possivelmente não, pois temos um dragão comendo a própria cauda e, na junção de ambos os filmes, que inclusive planejavam ser algo mais distantes, estóicos e quase observacionais sobre a vida política de Ernesto Che Guevara, acaba se instaurando um drama. Parece que Soderbergh, cineasta controlador que planeja todos os planos de seus filmes, deixa escapar um outro cinema nascido dessa dialética de dois longas. Um grande filme – e filme grande – que reencontra a imagem no longo e triste processo de apagamento das coisas, incontornável e implacável nos nossos dias, até mesmo para uma figura cinematográfica como a de Ernesto Che Guevara, que colocaria mesmo qualquer cineasta em apuros. Paulo Santos Lima Revista Cinética Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/che.htm O enigma do Che de Soderbergh Tenho observado a má recepção crítica à segunda parte do Che de Steven Soderbergh. Estranho (ma non troppo) porque me pareceu bom filme, nas duas vezes que o vi. Na primeira, assisti às duas partes juntas, o que me parece essencial para formar uma ideia sobre a obra. Depois, revi a segunda parte no Cine Ceará, que consagrou sua programação fora de concurso ao Che Guevara, este ano. Pois bem. Acho que, não fosse por uma questão comercial, as duas partes deveriam ter sido lançadas juntas. São mais de quatro horas de projeção, o que cria problemas nos horários das sessões, etc. Tudo bem, cinema é indústria e também comércio, etc. Agora, o que diria um escritor (sério, quero dizer) se um editor lhe dissesse que um livro de mais de 300 páginas não pode ser publicado? É isso. O projeto de Soderbergh, com consultoria de Jon Lee Anderson, biógrafo de Guevara, não poderia ser resumido nas tradicionais hora e meia ou duas horas do cinema comercial. Então foi dividido em duas partes. E estas lançadas com considerável intervalo entre si. Quando se vê a segunda parte, a memória da primeira já se apagou. Ou ficou difusa. Perde-­‐se um pouco a relação entre elas. E, na relação, talvez esteja a chave da interpretação do Che de Soderbergh. Mas o fato é que a primeira parte é mesmo mais fácil de ser digerida, pois representa a fase “eufórica”, a vitória da revolução, a proposta do “homem novo”, a aventura no Granma, na Sierra Maestra, a entrada triunfal em Havana, etc. É o filme da juventude, com seus encantos. O segundo seria o filme da maturidade. Da derrota. Do “realismo”, no mau sentido do termo, pois significaria a constatação de que a aventura cubana era, no limite, irrepetível, o que desmente a tese central do Che de que a revolução poderia se espalhar, formigar aqui e ali como cogumelos em pau úmido. Essa parada foi perdida mesmo. Mas, e aqui me pergunto: o Che da segunda fase não seria uma consequência lógica do Che da primeira, como se nela estivesse contido? O cavaleiro andante sacrificial da Bolívia já não estaria prefigurado no guerrilheiro vitorioso de Cuba? Daí o tom às vezes para baixo, detalhista e até arrastado desta segunda parte. Que, a meu ver, para ser entendida, tem de refletir a luz lançada pela primeira. No aspecto mais evidente da coisa, dos “fatos”, a extinção física do guerrilheiro na Bolívia representa a sua derrota final. Já na configuração do mito, é apenas o acabamento perfeito de uma aura a ser construída, e usada a cada vez que se falar doravante de revolta, insurreição e mesmo revolução. A vida do Che não foi um fracasso. Ou uma moeda de dupla face, marcada primeiro pela vitória e, em seguida, pela derrota. Uma espelha a outra e, na dimensão histórica, se complementam. Soderbergh deve ter intuído tudo isso, e construiu seu filme (seu filme único e não uma obra constituída de duas partes) em consequência dessa “compreensão” talvez pouco consciente. Luiz Zanin Oricchio O Estado de S. Paulo Disponível em http://blogs.estadao.com.br/luiz-­‐zanin/o-­‐enigma-­‐do-­‐che-­‐de-­‐soderbergh/ Che (Che -­‐ The Argentine), de Steven Soderbergh (EUA/Espanha/França, 2008) por Julio Bezerra Distanciamento, efeito e política O filme começa em um preto e branco granulado. Vemos a bota militar de Ernesto Guevara, que dá entrevista a um canal de TV norte-­‐americano, em 1965. Che já é um mito, e é tratado como tal. Pouco a pouco, a estadia nos EUA será intercalada pelos momentos seminais do engajamento do personagem na Revolução Cubana: o encontro com Fidel Castro no México, o treinamento militar na selva, a campanha vitoriosa na Sierra Maestra. O filme tem a exuberância de uma campanha guerrilheira que deu certo, mas não é uma cinebiografia. É um filme que não concilia a realidade que retrata com as facilidades da linguagem do cinema hollywoodiano, embora não escape de algumas concessões – difícil entender o tratamento dado aos flertes de Che com a personagem de Catalina Sandino de outra maneira. Em primeiro lugar, a língua é o espanhol, coisa rara em filmes americanos. Em segundo, o que vemos é uma tentativa de tratar o personagem dentro de seus próprios parâmetros. O Che de Steven Soderbergh não é um mito adjetivado, muito pelo contrário. Che será definido pelo desejo de mudar a história. Ponto final. Difícil não lembrar de Diários de Motocicleta (2004), de Walter Salles. O Che de Diários é idealizado: um homem benevolente e caridoso que alimenta um incrível sentimento de compaixão para com as mazelas do mundo. O longa de Salles chega por vezes a cair em um fosso entre encenação e narrativa. Em determinado momento, o protagonista aperta a mão de um leproso sem luva e o filme vai de um plano médio para um close, ostentando um ato que para o então jovem médico não tinha nada de bravo, apenas um simples gesto de respeito. O que dizer da travessia do rio, que se desenrola em uma decupagem frenética e ao som de uma trilha carregada na tensão emocional? A seqüência vira uma espécie de monstro simbólico: a representação de uma travessia ideológica do personagem em contato com a realidade da América Latina. Em Che, primeira parte de um díptico lançado em alguns países (caso do Brasil) como dois filmes separados, não há nenhum vestígio desse desejo pela catarse. É bem verdade que tanto Diários quanto o longa de Soderbergh trazem histórias de formação. Ambos narram um processo cheio de aprendizagens que transformam um jovem em um homem consciente dos males de seu continente, no primeiro caso, e um homem em um guerrilheiro revolucionário, no segundo. Mas Soderbergh evita qualquer tentativa de sentimentalizar ou engrandecer seu personagem – o mesmo vale para a apaixonada interpretação de Benicio del Toro como o protagonista. Che não narra uma conversão ao humanismo, mas um percurso na direção do marxismo, da Revolução (com maiúscula). Curiosamente, não há closes do personagem – assim como não há as emoções que costumam preencher os closes. Nas poucas exceções que confirmam a regra, o rosto não remete a algo anterior e interior do protagonista: interessa apenas sua presença atuante no nível do factual, das ações diretas e simples. Aqui predomina o factual, o processo. O que se vê é o fenômeno miúdo, a observação da vida, seus gestos e tensões. Soderbergh (ele assina a fotografia sob o pseudônimo Peter Andrews) filma tudo de modo preferencialmente estático e trabalha da maneira mais direta e frontal possível, exalando uma secura talvez inesperada. A câmera se posiciona de forma a pouco acrescentar à dinâmica social observada pelo filme. É como se os personagens fossem menos encenados do que vigiados. A impressão é a de que o cineasta vê na câmera digital (o filme foi rodado em HD) uma ferramenta de neutralidade. Subtrai-­‐se o ponto de vista de quem filma. O olhar é clínico e frio. Che é um épico desdramatizado: se não é espetaculoso, não deixa de querer se fazer notar pela competência e inteligência em suas escolhas estilísticas. Evita os efeitos de assinatura em nome de uma certa crueza, em favor de um certo procedimento, mas isso não resulta em uma sofisticação do dispositivo cinematográfico. Talvez em toda a sua duração o longa afirme apenas o seu conceito/estratégia e o personagem fique preso em apenas mais um exercício cinematográfico de Soderbergh. Algo que marca de certa maneira a filmografia deste cineasta, de quem não sabemos nunca o esperar: grandes produções (Onze Homens e um Segredo), longas de ambições mais experimentais (O Estranho), projetos associados aos estúdios hollywoodianos com uma assinatura pessoal (Traffic). Em todos, porém, ele cisma sempre em incluir determinadas opções estéticas que, quanto mais querem a transgressão, menos a alcançam. Em entrevistas, Soderbergh defendeu a perenidade do símbolo de Che Guevara. O próprio distanciamento assumido pelo filme se configura como um gesto de respeito. A idéia era reproduzir sem julgamentos ou adjetivos os acontecimentos e os seus personagens. Mas essa pretensão documental é enganosa, pois resultado de cuidadosa construção, puro efeito. Por mais distante que esteja o cineasta, o filme segue meio assombrado pela lenda que precede seu protagonista. A decisão, à primeira vista corajosa, de abordar o personagem de maneira oblíqua talvez o leve ao lugar mesmo que ele queria evitar: a mistificação. Este é um longa em que o mito (que existe e tem um peso e uma penetração ainda imensos), e a construção desse mito, acabam tendo um papel preponderante. Não é preciso ir muito longe e afirmar que Diários e Che partem de um tema absolutamente político, mas realizam de modo diverso, em suas narrativas e nos caminhos operados pela mise-­‐en-­‐scène, uma certa omissão do político. Contudo, há controvérsias. Talvez ambos longas também possam ser vistos como maneiras diferentes de tratar o político, não partidárias de alguma versão "verdadeira", mas descrevendo de um certo ponto de vista certamente favorável à trajetória de um sujeito, uma trajetória aberta a interpretações do espectador. Júlio Bezerra Revista Cinética Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/chejulio.htm Steven Soderbergh defende "Che", filme de mais de 4 horas Filme-­‐acontecimento do 61º Festival de Cannes, "Che", de Steven Soderbergh, foi exibido na noite da última quarta, em sessão-­‐maratona de quase cinco horas de duração -­‐-­‐as 4h28 do filme e um intervalo de 30 minutos entre suas duas partes. Na primeira metade, o longa se debruça sobre a participação de Che na Revolução Cubana (1959) e avança até o discurso do guerrilheiro na ONU, em 1964. A segunda parte de "Che" se concentra nos 341 dias que ele passou na selva boliviana, treinando guerrilheiros, até sua morte, em outubro de 1967. "Cuba é um assunto que me interessa menos do que Che", disse Soderbergh. "Mas há muitos aspectos da vida de Che que as pessoas não conhecem. Se contássemos o que ocorreu na Bolívia sem mostrar o que houve antes, não haveria o contexto para entender a história." Protagonizado pelo ator norte-­‐americano de origem porto-­‐riquenha Benicio del Toro, "Che" custou US$ 60 milhões (R$ 98,9 milhões) e foi rodado na Espanha, Bolívia, México, Porto Rico e nos EUA -­‐em Nova York (a cena da ONU). O ator brasileiro Rodrigo Santoro interpreta Raúl Castro, irmão de Fidel (vivido pelo mexicano Demián Bichir). "Foi uma honra fazer parte deste projeto", disse Santoro. "Éramos atores de todas as partes da América do Sul, trabalhando juntos na selva. Parecia um sonho de Che." "É necessário aplaudir o fato de que um realizador norte-­‐americano tenha rodado dois filmes sobre Guevara em espanhol", observou o cineasta brasileiro Walter Salles, cujo "Diários de Motocicleta" aborda a juventude de Che. Com seu novo filme co-­‐dirigido por Daniela Thomas, "Linha de Passe", Salles concorre com "Che" e outros 20 longas à Palma de Ouro desta edição. "Não se pode fazer um filme com um mínimo de credibilidade sobre esse assunto sem que ele seja falado em espanhol", disse Soderbergh, que elogiou "Diários de Motocicleta"-­‐ "Walter o fez muito bem". Del Toro afirmou que "não foi fácil" atuar em espanhol. "Meu [sotaque] espanhol é de Porto Rico. Eu tinha 13 anos quando saí de lá e meu espanhol se manteve no mesmo nível. Che era um intelectual que se expressava no melhor espanhol." Duas partes Quando "Che" estrear nos cinemas, no próximo semestre, Soderbergh gostaria que ele fosse exibido em duas partes autônomas depois de uma semana em cartaz na versão integral. A distribuidora Warner, na França, porém, prevê lançar a primeira parte em outubro e a segunda em novembro. O diretor achou "hilária" a recepção crítica desigual que seu filme teve em Cannes. "Enquanto uns o criticaram por ser muito convencional, outros cobraram mais momentos convencionais no filme", disse. Sobre os que desaprovam o fato de "Che" ter um perfil positivo do guerrilheiro e favorável às suas ações, Soderbergh afirmou: "Conheço bem a argumentação dos que são anti-­‐Che e sei que qualquer quantidade de barbaridades que incluíssemos nesse filme não seria suficiente para satisfazê-­‐los". Silvana Arantes Folha de s. Paulo Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u404667.shtml 

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