DRONES DE OBAMA, já MATARAM MAIS DE 2 MIL
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DRONES DE OBAMA, já MATARAM MAIS DE 2 MIL
PRIVATIZAÇÃO APÓS 20 ANOS, ELA NÃO AJUDOU A MELHORAR A INFRAESTRUTURA DO PAÍS retrato WWW.RETRATODOBRASIL.COM | R$ 9,50 | NO 56 | MARÇO DE 2012 doBRASIL DRONES DE OBAMA, aviões não tripulados que já MATARAM MAIS DE 2 MIL no Paquistão, Iêmen, na Somália e na LÍBIA, agora tomam posição sobre a SÍRIA YES, WE KILL CIÊNCIA RB56capaPSD.indd 1 EM DEBATE: CIENTISTAS QUE FABRICARAM MICRO-FRANKENSTEINS DEVEM SER CENSURADOS? 02/03/12 13:33 retrato doBRASIL WWW.RETRATODOBRASIL.COM | N O 56 | MARÇO DE 2012 5 Ponto de Vista A NOVA GUERRA AMERICANA Os EUA mandam seus aviões não tripulados matar mundo afora. Chegou a vez da Síria? 36 PESQUISA SOB CENSURA Em discussão a propagação da gripe aviária no mundo: os cientistas que fabricaram micro-Frankensteins devem ser vigiados? [Flávio de Carvalho Serpa] 8 EM BUSCA DE UMA SAÍDA Na Síria, a guerra armada contra o presidente Al-Assad não é forte o suficiente para derrubá-lo. E ele não consegue conter o ímpeto crescente dos opositores [Armando Sartori] 38 O “K.” DE KUCINSKI (E DE KAFKA) Com requintes kafkianos, o jornalista e professor de comunicação Bernardo Kucinski recria em livro o clima grotesco do regime militar [Renato Pompeu] 16 POBREZA BEM DIVIDIDA As marcas do socialismo em Moçambique, um dos países mais pobres do mundo e também um dos que apresentam menor desigualdade [Eliana Simonetti] 40 A DEMARCAÇÃO DE UM TERRITÓRIO CINEMATOGRÁFICO O Vídeo nas Aldeias completa um quarto de século e comemora com lançamento de livro que narra a história dessa grande aventura [Leandro Saraiva] 20 VAI DECOLAR? Na infraestrutura do País, os resultados das privatizações têm sido pouco expressivos, mas há quem aposte que agora a coisa vai [Rafael Hernandes] 44 FERNANDO PEIXOTO, O ETERNO MILITANTE O grande legado do ator, diretor de teatro, jornalista, crítico, tradutor e editor, e seus exemplos de coerência política e ideológica [Maria Silvia Betti] CARTA DO LEITOR [[email protected]] Retrato do Brasil tem contribuído substancialmente para os meus conhecimentos em prol da cidadania e transformação da sociedade. Como educador e professor da rede pública estadual reconheço o seu valor inestimável, fornecendo artigos e opiniões alternativas para a construção de um País democrático e justo. 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MANUSEIO FG Press 29/02/12 11:30 Reprodução Ponto de Vista A nova guerra americana Com armas não tripuladas de longa distância, sem lei, os EUA matam mundo afora – no Paquistão, na Somália, no Iêmen, na Líbia. Agora é a vez da Síria? Se g u n d o o In st it u t o Watson de Estudos Internacionais da Universidade de Brown, nos EUA, na guerra que os americanos promoveram no Iraque foram mortas entre 224 mil e 258 mil pessoas, das quais 125 mil civis. Os feridos foram 365 mil. Sete milhões ficaram desabrigados. A guerra deixou outras cicatrizes. Nos dois conflitos que os americanos desencadearam a partir de 11 de setembro de 2001, somando o do Iraque ao do Afeganistão, no final das contas terão gastado entre 3,7 trilhões e 4,7 trilhões de dólares. Como se sabe, os EUA estão formalmente quebrados. Medido como porcentagem do seu PIB, o déficit público do país é comparável ao da Grécia: 8,7% (contra 10% dos gregos, 1,7% dos chineses, 1% dos alemães e 2,6% do Brasil). No orçamento que enviou ao Congresso no ano passado, o presidente Barack Obama previa para este ano um déficit de 3,5% do PIB. No que enviou no mês passado, admitiu que o déficit de 2012 cairá marginalmente, para 8,5% do PIB. Os americanos têm seus trunfos, é claro. Na crise profunda vivida pelo sistema capitalista, as grandes fortunas sabem que os EUA são o porto de maior capacidade e segurança. Segundo dados da revista semanal britânica The Economist, a bíblia da imprensa financeira internacional, os americanos pagaram, em meados de fevereiro, juros de apenas 1,90% ao ano por seus títulos de dez anos. Por papéis do mesmo tipo, o Brasil, por exemplo, pagou 10,92%; e a Grécia, quando ainda emitia títulos novos, chegou a pagar 35,91%. Não resta dúvida, no entanto, de que os americanos têm de poupar, e uma das áreas críticas em que isso deve ser feito é na defesa, cujo orçamento cresceu muito com as guerras da administração do presidente George W. Bush. Nessa área, uma das economias essenciais imaginadas é nos gastos com os soldados. Os cerca de 4 trilhões de dólares das duas guerras americanas estudadas pela Universidade de Brown são atingidos porque são computados todos esses custos, inclusive aqueles a serem feitos no futuro com assistência médica e indenizações aos veteranos de guerra e suas famílias. Com esse objetivo, nada parece ser mais útil aos planejadores militares americanos do que promover a guerra dos drones – veículos não tripulados, dirigidos a partir de cabines e controles tão seguros e familiares como os dos PlayStations com os quais os jovens a serem transforma56 retratodoBRASIL RB56pv.indd 5 | 5 29/02/12 11:31 dos em pilotos de guerra, hoje com 18 e 19 anos, estão acostumados desde a infância. E é isso o que o governo de Obama já faz e quer ampliar. O efetivo das Forças Armadas americanas será reduzido de 570 mil para 490 mil combatentes. Ao mesmo tempo, o número de aviões não tripulados deve crescer 30%. Atualmente, a Força Aérea americana treina mais operadores de drones que pilotos tradicionais. Os EUA têm em desenvolvimento o avião de combate de última geração F-35S Joint Strike Fighter. Cerca de 2,5 mil foram encomendados, a um custo de perto de 400 bilhões de dólares, para renovar em 25 anos toda a atual frota de aviões tripulados da Força Aérea, da Marinha e do Exército do país. Mas há um consenso de que esse será o último modelo de avião tripulado a ser financiado. Nas diversas armas, a tendência é a mesma. Estima-se que o Exército americano tenha bem mais robôs militares do que a Força Aérea tem de aviões não tripulados: cerca de 15 mil contra 7 mil. Lic e n ç a p a r a ma t a r Scott Shane, redator do diário The New York Times, escreveu em artigo publicado no final do ano passado: “O governo Bush e, ainda mais agressivamente, a administração Obama adotaram um princípio extraordinário: o de que os EUA podem enviar essas armas robóticas além de suas fronteiras para matar supostos inimigos e até cidadãos americanos que sejam considerados uma ameaça”. Na época, Obama havia anunciado da Casa Branca a morte, no Iêmen, em consequência de um ataque por um avião não tripulado, de Anwar Al-Awlaki, um líder espiritual com cidadania americana, apontado pelos serviços secretos dos EUA como integrante da Al Qaeda. Segundo Shane, o Escritório de Aconselhamento Legal do Departamento de Justiça dos EUA produziu um documento de 50 páginas que essencialmente autoriza o presidente americano a ordenar esse tipo de assassinato. E Obama tem usado esse “direito” sem economizar, mesmo em países contra os quais não existe guerra oficial movida pelos EUA. No Paquistão, diz o artigo, “segundo oficiais americanos, ataques de Predators e Reapers”, os mais famosos dos drones operados pela CIA, a agência central de inteligência americana, “já mataram mais de 2 mil pessoas consideradas militantes da Al Qaeda”. 6 RB56pv.indd 6 Os ataques são conduzidos por operadores em duas bases no território americano, uma da Força Aérea, perto de Las Vegas, no estado de Nevada, e outra no Centro de Contraterrorismo da CIA, situado em Langley, na Virgínia. Redes de corrupção e espionagem montadas por agentes americanos nos países onde eles supõem estarem os inimigos dos EUA fornecem as coordenadas para os ataques. A CIA, que antes era uma agência de inteligência, agora é como um birô de programação de assassinatos. Seus efetivos em Langley passaram de 300 para 2 mil. Em princípio, os alvos são identificados um a um. Mas essa precisão é discutível. A própria CIA reconhece que matou muitos inocentes. Hoje, diz que não erra mais. Diversas entidades, nos EUA e nos países atingidos, negam esse desempenho. Há quem afirme que a margem de erro é de dez civis mortos para um terrorista. Bush e, principalmente, Obama adotaram como princípio enviar drones ao exterior para matar supostos inimigos e até americanos tidos como ameaça Se Obama pode mandar matar fora de seu país, sem o apoio de qualquer lei internacional, por que outros não deveriam pretender ter o mesmo direito? Os americanos venderam drones para diversos países. Além disso, seus adversários estratégicos não estão parados. Disse o artigo citado: na feira de aviões de Zhuhai, no sudeste da China, em 2010, companhias chinesas exibiram 25 modelos diferentes de aeronaves com controle remoto e, num vídeo, uma delas atacava um blindado, e outra, um porta-aviões americano. A questão tornou-se crítica no último ano em virtude do grande movimento conhecido como “Primavera Árabe”, especialmente com os acontecimentos na Líbia e na Síria, países que faziam parte da lista dos inimigos de Washington. Em entrevista a uma TV de Moscou, no final do ano passado, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, acusou os EUA de terem usado drones não só para atacar as forças que afinal derrotaram o governo de Muammar Kadafi como também na operação que destruiu o comboio no qual fugia o líder líbio e que resultou, na sequência, em seu assassinato por rebeldes. No dia 18 do mês passado, a rede americana de TV NBC revelou que um “bom número” de aviões não tripulados dos EUA monitorava a Síria. Ao mesmo tempo observava-se um esforço combinado das diplomacias americana, francesa e britânica, do mesmo tipo observado na Líbia, para a deposição do governo sírio de Bashar al-Assad. Em entrevista ao jornal Russia Today, o jornalista brasileiro Pepe Escobar, que tem viajado pela região, declarou no último dia 18 de fevereiro que os americanos não só já admitiram trabalhar com os terroristas da Al Qaeda na Síria para derrubar Assad como não terão dificuldades em fazê-lo. “Foi exatamente o que Washington já fez na Líbia”, disse Escobar. “O comandante militar de Trípoli hoje é um ex-membro da Al Qaeda”, disse ele. “Washington e os terroristas trabalharam juntos no mínimo por dez meses na Líbia. E há três ou quatro meses estão do mesmo lado na Síria.” “Está em curso na Síria uma guerra clandestina, oculta, guerra de sombras, que se soma a uma guerra civil”, diz Escobar. É o mesmo modus operandi da Líbia, diz ele. O que falta é a zona aérea de exclusão, que foi o pretexto usado pelos americanos, franceses, ingleses e italianos para usar o poder aéreo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na destruição das Forças Armadas de Kadafi. Até o momento, Rússia e China têm vetado o uso desse mesmo recurso no caso da Síria. Em 20 de fevereiro, editorial do Diário do Povo, jornal do Partido Comunista Chinês, disse que as potências ocidentais estavam dando total apoio à oposição a Al-Assad e que isso levaria a uma guerra civil em larga escala, em relação à qual “não haveria nenhum meio de evitar uma intervenção armada estrangeira”. A d e mo c r a c ia d e e x p o r t a ç ã o Em artigo publicado pelo diário Folha de S.Paulo no dia 21 do mês passado, William Stoddart, escritor britânico, e Mateus de Azevedo, mestre em história das religiões da Universidade de São | retratodoBRASIL 56 29/02/12 11:31 A GUERRA DOS DRONES Ataques e mortos no Paquistão Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total Mortos, Mortos, Número de estimativa estimativa ataques inferior superior 1 4 5 2 6 7 2 23 23 4 56 77 33 274 314 53 369 725 118 607 993 70 378 536 283 1.717 2.680 Fonte: Pesquisa do Bureau of Investigative Journalism Reprodução Paulo, ambos autores de livros sobre o islamismo, condenaram a estratégia ocidental de exportar a democracia para a região. “Já temos suficientes problemas no Ocidente; permitamos aos muçulmanos autênticos a tarefa de cuidar de si mesmos. O islã tem uma civilização de 1,4 mil anos de realizações impressionantes em intelectualidade, em espiritualidade, em cultura, em arte, em ciências e em organização social e política. O islã tradicional é uma civilização viva que tem moldado o pensamento e a vida de mais de 1 bilhão de pessoas espalhadas pelos cinco continentes. As suas escolas de espiritualidade (‘sufismo‘), de jurisprudência (‘fiqh‘), de teologia (‘kalam‘) e de filosofia (‘falsafah‘) proveem a base sobre a qual agir em conformidade com princípios estáveis e duradouros. Algo imposto do exterior, por meio da força militar e econômica, mais e mais assume as cores de um totalitarismo disfarçado.” O conselho é sensato, mas muito provavelmente será ignorado. Os americanos, a força propulsora da intervenção na Síria, têm os meios materiais para vigiar os movimentos de Al-Assad e armar os interessados em derrubá-lo e buscam tirar proveito da “Primavera Árabe” para liquidar com os regimes ainda relativamente laicos e progressistas do norte da África e do Oriente Médio. O movimento dos EUA começou na passagem dos anos 1970 para os 1980, quando os governos de Jimmy Carter e Ronald Reagan armaram os fanáticos religiosos do tipo Osama bin Laden para derrotar as forças soviéticas que invadiram o Afeganistão para apoiar o governo que estava empenhado em reformas democráticas – como a de permitir que meninos e meninas frequentassem as mesmas salas de aula. OTAN USOU DRONES PARA MATAR KADAFI? Vladimir Putin, primeiro-ministro da Rússia, acusou os EUA de terem utilizado drones na operação que assassinou Muammar Kadafi. Segundo ele, aeronaves não tripuladas a serviço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês), foram empregadas na operação que destruiu o comboio no qual Kadafi fugia e que resultou, na sequência, em seu assassinato por rebeldes A vitória das milícias fundamentalistas ajudou a disseminar a intolerância pela região. E as grandes guerras contra o terror de Bush apenas agravaram o problema. Como disse o senador republicano Lindsey Graham, quando da morte de Bin Laden: “Você não vence a guerra matando terroristas. Ao longo do tempo, você vence a guerra investindo naqueles que irão viver em paz conosco”. A autorização para o primeiro disparo dos mísseis da Otan contra o governo líbio foi dada por Obama quando visitava o Brasil, no ano passado. No mês que vem a presidente Dilma Rousseff vai ser recebida por Obama na Casa Branca. Segundo disse Michael Hammer, funcionário do Departamento de Estado dos EUA, em entrevista a O Estado de S. Paulo, na pauta do encontro estará a questão síria. A intenção americana, diz o jornal, é trazer o Brasil para o bloco liderado pelos EUA que pressiona pela renúncia de Al-Assad. “Trata-se de uma questão particularmente delicada para o governo brasileiro, defensor de uma solução doméstica para a crise síria e avesso às sanções internacionais a Damasco”, diz o jornal. Diz Hammer, falando dos preparativos para receber a presidenta do Brasil: “Precisamos do maior número de países dizendo a Al-Assad que ele tem de re- nunciar e parar com a violência contra seu próprio povo”. No caso dos drones, esse problema não existe, poderia dizer Hammer. A tarefa básica dos drones é matar e destruir fora dos EUA, poupando vidas americanas. Na edição do final de setembro passado da publicação americana The New York Review of Books, o crítico Christian Caryl resenhou dois livros sobre o tema, um sobre o papel da robótica nos conflitos do século XXI e outro no qual um piloto descreve sua experiência da guerra por controle remoto contra o Afeganistão e o Iraque. Sua conclusão foi a seguinte: os drones não são especialmente rápidos nem usam armas desconhecidas; o fato mais importante a respeito deles é precisamente que não têm pilotos. E, no evento improvável de um drone ser derrubado, seu operador pode apenas levantar-se de seu console e ir para casa. Uma vantagem a mais, importantíssima neste momento de crise no endividamento público dos países ricos: o Reaper, o drone alado mais moderno, pode voar 40 horas sem ser reabastecido e custa 10 milhões de dólares. “Peanuts”, como diriam os americanos, quando comparado com o custo do avião de caça tripulado mais avançado da Força Aérea dos EUA, de 350 milhões de dólares. 56 retratodoBRASIL RB56pv.indd 7 | 7 29/02/12 11:31