Fórmulas do poder: adaptabilidade ao sistema
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Fórmulas do poder: adaptabilidade ao sistema
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO Maj Art Alexandre Gueiros Teixeira Fórmulas do poder: adaptabilidade ao sistema internacional contemporâneo Rio de Janeiro 2014 Maj Art Alexandre Gueiros Teixeira Fórmulas do poder: adaptabilidade ao sistema internacional contemporâneo Projeto de pesquisa apresentado à banca de qualificação da Escola de Comando e EstadoMaior do Exército, como pré-requisito para conclusão de doutoramento em Ciências Militares pelo programa de pós-graduação stricto-sensu. . Orientador: Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon Rio de Janeiro 2014 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 3 1.1 O PROBLEMA..................................................................................... 4 1.2 OBJETIVOS......................................................................................... 6 1.2.1 Objetivo Geral................................................................................... 6 1.2.2 Objetivos Específicos........................................................................ 6 2 REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................. 6 2.1 Sistema Internacional ......................................................................... 7 2.2 Definindo Poder................................................................................... 9 2.3 “Formulando o Poder” ........................................................................ 16 3 REFERENCIAL METODOLÓGICO..................................................... 18 3.1 EPISTEMOLOGIA............................................................................... 18 3.2 METODOLOGIA.................................................................................. 20 3.2.1 Questões de estudo........................................................................... 20 3.2.2 Variáveis............................................................................................. 20 3.2.3 Delimitação do Estudo...................................................................... 21 3.3 TIPO DE PESQUISA E COLETA DE DADOS................................... 21 3.4 UNIVERSO E AMOSTRA................................................................... 22 3.5 TRATAMENTO DOS DADOS............................................................ 23 3.6 LIMITAÇÕES DO MÉTODO............................................................... 24 4 CRONOGRAMA.................................................................................. 26 5 REFERÊNCIAS................................................................................... 27 3 1 INTRODUÇÃO O ambiente internacional contemporâneo destaca-se por sua complexidade e elevada tendência a mudanças de paradigmas: alinhado às questões tradicionais e seus respectivos atores na geopolítica mundial do século XXI, desponta-se uma arena de sortidas ameaças dentre as quais: ilícitos transnacionais, terrorismo, guerra cibernética, biossegurança, biopirataria, ambientalismos e escassez de recursos estratégicos e energia, pairam sobre as relações internacionais e, inexoravelmente, de forma direta ou indireta, trazem nova conformação ao contexto de segurança. A percepção e a postura nacional diante das ameaças deste cenário de estruturação complexa, requerem maior sensibilidade da academia e dos “agentes do Estado”, voltada para reavaliação dos aspectos que, na atualidade, melhor representam a composição do poder nacional, de forma a contextualizá-lo à atual ascensão geopolítica do Brasil, sua autonomia frente às responsabilidades e tensões (internas e externas) e antagonismos, que naturalmente ocorrem no advento de prosperidade e revigoramento nacionais. Em recente publicação elaborada pelo Conselho Nacional de Informação dos Estados Unidos (National Inteligence Council, 2012), foi gerado documento contendo análises acerca dos cenários prospectivos mundiais. Nestes, são apontadas quatro megatendências para as próximas duas décadas, dentre estas, destacamos duas, respectivamente: a difusão do poder nas relações internacionais, através da conformação de uma estrutura multipolar; e o crescimento da demanda por alimentos, água e energia. Esta constatação explicita a imprevisibilidade da atual ordem mundial, que, de acordo com Nye (2012), nos reforça o fato de que a surpresa é inevitável, tanto quanto nos alerta para questões inerentes a Defesa Nacional, em função de nossos recursos naturais. Ressaltamos ainda que a análise não apenas aponta para uma multipolaridade - que poderia ser vantajosa - mas ainda nos alerta sobre a ameaça de um cenário de anarquia internacional. Afinal, diante deste cenário que se descortina, governos e instituições serão capazes de se adaptar com rapidez e efetividade, gerenciando as transformações necessárias com precisão? Aqueles que assim o fizerem ocuparão posição destacada no Concerto das Nações, fazendo prevalecer seus interesses (bem como 4 os protegendo); os que forem sufocados pela velocidade das mudanças, serão relegados à passividade, sendo meros expectadores do jogo internacional. 1.1 O PROBLEMA A capacidade de um Estado de fazer preponderar seus interesses na arena de poder internacional relaciona-se diretamente a sua sobrevivência (ARON, 2002). O conceito de poder ocupa lugar de destaque e de indagações no estudo das relações internacionais, dentre estas: qual o seu dimensionamento ótimo? Quais as variáveis que o influenciam direta ou indiretamente? Como se inter-relacionam os componentes de sua equação? Tais inquietações, a despeito de uma aparente simplicidade semântica, se traduzem em um dimensionamento de poder de natureza extremamente complexa. A complexidade do conceito de poder parece evidente. A natureza e a variedade dos seus pressupostos, [...] nem sempre previsível dos mesmos, as induções automáticas da sua mútua e natural interação, os desvios de percepção que podem acompanhar a sua observação, determinam a dinâmica fluidez do fenômeno e, por isso, a sua ostensiva complexidade. (FONTOURA, 2007, p.6). As incertezas da exata compleição do poder não devem, no entanto, constituírem-se em obstáculos ao avanço das tentativas em quantificá-lo, uma vez que dimensioná-lo é fundamental na busca por seu contínuo aperfeiçoamento. Hwang (2008) observa que modelos de quantificação do poder visam a um novo paradigma para o problema de definir, entender e perceber as dinâmicas entre seus componentes e determinado contexto. Segundo o autor, isso imprime maior precisão ao processo de tomada de decisão, uma vez que permite um correlacionamento de dados mais veloz e eficaz, com feedbacks automáticos. O Brasil tem como pretensão ascender, no novo século, a patamares mais elevados no processo decisório internacional. Para isso, buscará o pleno desenvolvimento com participação externa cada vez mais ativa. com o progressivo aumento de suas capacidades. O problema clássico da escolha entre “armas e manteiga” descortina o dilema dos planejadores da política e estratégia nacional ao buscarem esse incremento do poder. Como saber, com menor grau de erro, que setor necessita maior atenção e esforço governamental para ampliar o poder nacional? 5 Faz mister, então, que, cada vez mais, as decisões políticas e estratégicas relativas ao poder da Nação estejam embasadas em processos metodológicos claros e precisos, que justifiquem as mudanças apre apresentadas sentadas, evitando questionamentos da sociedade civil acerca de aplicação indevida de recursos orçamentários. Torna-se evidente que, em geral, não estão claros quais seriam os fatores, fatores na atualidade, mais importantes na moldagem deste poder, como interagem entre si e em que medida interferem no resultado final de sua conformação.. Assim, levanta-se a seguinte situação-problema: problema: Qual o modelo teórico que melhor representaria o poder nacional brasileiro na atual conjuntura internacional? Quadro 1 – Esquema de abordagem investigativa Fonte: o autor 6 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo Geral Tendo em vista o problema formulado e a delimitação do tema, o objetivo geral deste estudo é: - Elaborar um modelo teórico representativo do poder nacional brasileiro, que espelhe as idiossincrasias do sistema internacional contemporâneo. 1.2.2 Objetivos Específicos Os objetivos específicos são: 1. estudar as abordagens teóricas referentes à construção do poder nacional; 2. analisar os fatores que, na atualidade, impactam a conformação do poder nacional brasileiro; 3. avaliar como esses fatores interagem entre si e sua relação com a construção do poder nacional; e 4. elaborar um modelo representativo do poder nacional. 2 REFERENCIAL TEÓRICO O propósito desta parte do projeto é o de apresentar uma revisão da literatura acerca dos assuntos que compreendem o corrente estudo. De início, tratar-se-á da anarquia inerente ao Sistema Internacional, presente desde a sua origem, e a relevância do poder como ferramenta capaz de prover a sobrevivência de um Estado no estado natural. Em um segundo momento, buscar-se-á certo aprofundamento acerca das definições de poder. Trata-se de caleidoscópio conceitual, revestido de matizes multidisciplinares, essenciais para que se compreenda sua composição de maneira mais precisa. Na sequência, serão expostos estudos que buscaram sistematizar a constituição do poder nacional, atribuindo-lhe caráter objetivo, o que permite a otimização de seu processo de aperfeiçoamento. Por fim, analisar-se-á 7 como as políticas e estratégias atuam de maneira a facilitar e orientar as transformações necessárias. Em um cenário onde a rapidez de decisão é essencial, a existência de um modelo teórico que represente o poder nacional de um determinado país facilita o planejamento efetivo e a ação oportuna, conduzindo o ator rumo à prevalência no âmbito global. 2.1 SISTEMA INTERNACIONAL 2.1.1 Considerações iniciais O conceito de Estado, ainda que em sua forma rudimentar, remonta ao surgimento de sociedades agrícolas na antiga Mesopotâmia, a partir de quando se identifica certa organização em torno de uma representação de poder. Na antiguidade clássica, são muitos os exemplos da institucionalização de uma autoridade central, exercendo seus poderes de forma plena ou compartilhada, por vezes dotada amplo aparato burocrático (egípcios, romanos, chineses, atenienses e outros). Mas, somente a partir da Paz de Westfalia1 (1648), é que se tem a origem do Estado Moderno, marco fundamental no estudo das Relações Internacionais. Caracterizava-se por uma burocracia centralizada e cada vez mais fortalecida, capaz de exercer sua influência e soberania por vastos territórios, seja por meio do comércio, taxações, ou ainda pela consolidação de exércitos para a defesa de seus interesses. O surgimento dessas unidades políticas, com capacidade de provimento de segurança, direito de propriedade e sistema de leis, assinalou o início do mundo moderno. Tem-se, aí, a explicitação dos princípios básicos do Estado Moderno: a territorialidade, fundada em fronteiras concretas; soberania política neste território, por meio de instituições e governos organizados; e a população que ocupa o espaço (FUKUYAMA, 2004)2. Ressalta-se que a utilização do modelo de formação do Estado europeu como paradigma de estrutura política e de interação interestatal não nega a coexistência de processos distintos de constituição de Estados em outras regiões, _____________ 1 A Paz de Westfalia foi o resultado da Guerra dos trinta anos causada pelo processo de Contrarreforma religiosa. Resultou na outorga de soberania aos pequenos Estados da Europa Central (ROJAS, 2004). 2 FUKUYAMA, Francis. State-building: governance and world order in the 21st century. Cornell University Press, 2004. 8 como o caso asiático, americano ou africano, cada qual com suas idiossincrasias. A utilização do caso europeu deve-se ao fato de este ter sido amplamente difundido na historiografia mundial dos séculos XIX e XX, sendo ponto comum dentre a maioria das correntes de estudo das Relações Internacionais. A partir, portanto, da consolidação dos novos agentes, tem-se a ampliação dos fluxos fronteiriços, o que conduziu a relações sociais entre as diversas sociedades e povos, sendo o espaço onde se desenrola tal interação denominada de sistema internacional (SI) (BRAILLARD, 1990)3. Aron (1962) o define como o conjunto de unidades políticas que interagem entre si, de maneira competitiva, e prossegue em sua análise, afirmando que, os sistemas políticos caracterizam-se por sua organização, relação recíproca entre os partidos, cooperação e o estabelecimento de regras governamentais. Neste ponto, questiona se tais elementos estariam presentes também nas dinâmicas inerentes ao SI. De início, Aron atesta a adequabilidade da expressão sistema, entendendo que tanto o SI quanto o sistema de partidos organizam-se de maneira análoga: conjunto limitado de atores coletivos, ora cooperando entre si, ora competindo. Tal conjunto, confirma o autor, encontra-se sujeito às regras da constituição, que, analogamente, no SI, seria o papel do direito internacional. Os partidos, assim como os países, constituem-se em unidades de luta, defendendo seus interesses se buscando a consecução seus objetivos. A diferença crucial, nesse ponto, é o fato de que, para os Estados, a exacerbação máxima dos conflitos latentes, conduz à guerra. De tal dinâmica emana uma das características primordiais do SI: a configuração da relação de forças (ARON, 2002)4. Sob influência do pensamento iluminista, o universo, mesmo no campo político, é regido por um equilíbrio racional, assim, como nas equações mecânicas, cada agente imprimirá esforços em determinada direção, conduzindo a resultantes que tendem à estabilização (ou não). Exemplo desse processo é o princípio da independência dos três poderes de _____________ 3 BRAILLARD, Philippe; GOMES, José Júlio Pereira; DIAS, Augusto Silva. Teoria das relações internacionais. Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. 4 ARON, Raymond. Paz e guerra entra as nações. Tradução de Sérgio Bath. 1 Ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2002 9 Montesquieu: a separação entre eles, de fato, não visava ao governo harmônico, mas sim evitar a prevalência de um sobre o outro, rompendo com o equilíbrio político desejado; cada ramo, na busca por seus interesses, impediria abusos, atendendo, mesmo que inconscientemente, ao bem comum (KISSINGER, 1994)5. Bull (1977)6 define SI como um grupo de dois ou mais estados que mantêm contato entre si, gerando impacto recíproco em suas decisões. Cada um age de forma tal, que seu comportamento seja fator indispensável no cálculo dos demais, conformando partes de um todo. A interação, a interdependência e o contágio são condições cruciais para se integrar o sistema internacional. As comunidades políticas independentes da China (481- 221 a.c) não formavam um sistema internacional com aqueles contemporâneos existentes na Grécia e no Mediterrâneo. Da mesma forma, as comunidades políticas presentes na América pré-colombo não integravam um SI com os europeus do século XV. O autor, assim como Aron, entende que a interação entre as unidades partícipes do sistema dar-se-ia pela cooperação, pelo conflito ou até pela neutralidade. Uma vez ruído o tradicional conceito de unidade, os novos entes políticos passaram a buscar princípios capazes de fundamentar e ordenar suas relações. Adota-se, portanto, o sistema de equilíbrio de poder e a raison d´etat7. O primeiro surge na Europa do século XVII, coincidente com a derrocada dos princípios universalistas8 da Idade Média e a ascensão do Estado Moderno. Cada Estado, afastando-se da moldura opressora do império, teria liberdade para agir em prol de seus interesses particulares, gerando ao final, de uma forma ou de outra, segurança e estabilidade. O segundo colocava os interesses nacionais acima de quaisquer valores morais, concepções éticas ou religiosas. Seu sucesso dependia, sobretudo, de acurada avaliação das relações de poder, de forma a orientar a conjugação precisa dos meios e dos fins. _____________ 5 KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York. Touchstone, 1994. BULL, Hedley. “The Anarchical Society: A Study of World Order”. World Politics, 1977. 7 Razão do estado (tradução do autor): conceito criado por Richelieu, em substituição aos valores morais e universais da Idade Média, segundo o qual, para se promover o bem do Estado, quaisquer meios eram válidos. 8 Conceito de ordem mundial fundado no conjunto de crenças e tradições do Império Romano e da Igreja Católica, que, grosso modo, fomentava o pensamento de que o mundo seria um espelho dos céus. Havia um só Deus reinando no céu, logo, na terra, seria o imperador dirigindo os súditos e o papa, regendo a igreja universal. A Reforma protestante enfraqueceu a igreja católica, propiciando maiores liberdades (política e religiosa) aos diversos príncipes europeus, uma vez que a vassalagem não era mais reconhecida como obrigação religiosa (SOREL, 1947). 6 10 Sorel (1947) destaca, no entanto, que a raison d´etat não se tratava de teoria inédita no pensamento político, mas remonta à antiga doutrina de segurança pública dos tempos de Roma, nunca havendo desaparecido de fato da vida política europeia, particularmente no processo de formação dos novo Estado Moderno. O autor ainda ressalta que foi com a França de Richelieu que ela foi levada a cabo com extremo rigor. Para o Cardeal, “[...] em matéria de Estado, aquele que tem o poder quase sempre possui o direito, e aquele que é fraco só com muita dificuldade escapa de parecer errado, na opinião da maioria do mundo.” 9. Tem-se então uma conjuntura internacional, onde o sucesso do ente político estatal dependia, acima de tudo, da correta estimativa das relações de poder. Kissinger (1994) explicita que, para a determinação dos limites do poder, fazse necessária a posse de experiência, visão e adaptabilidade contínua aos novos cenários. A arte mor na política seria a plena combinação de meios e fins, no exato espaço e tempo, que permitiria alterar o equilíbrio vigente, transformando a ordem internacional a seu favor. Neste ponto, antes de prosseguir no estudo do SI, torna-se fundamental discorrer, ainda que brevemente, sobre o entendimento de ordem internacional. Hedley Bull (1977) inicia sua clássica obra “Sociedade Anárquica” apresentando um conceito de ordem social, segundo ele, essencial para o entendimento do sistema de estados e da política mundial. O autor advoga que a ordem na vida social deve ser analisada sob ótica mais complexa do que ordem no sentido geral, pelo que se entende como um conjunto de coisas relacionadas entre si, de acordo com certa estrutura e princípio discernível. Por esta definição, uma guerra ou crise entre Estados, conduzida de forma metódica, regular e ordenada, estaria enquadrada dentro do conceito de ordem; no mesmo enquadramento estaria determinada comunidade de indivíduos, vivendo permanentemente em estado de medo e insegurança dentro de padrões recorrentes. Entretanto, Bull explicita que, na vida social, a ordem se consubstancia em oposição à desordem. Portanto, as guerras, os conflitos e as sociedades instáveis, citados acima, são exemplos de desordem, não de ordem, como se entenderia por análise superficial do conceito amplo. Na vida social, a ordem que se _____________ 9 SOREL, Albert. Europe under the Old Regime. Los Angeles: Ward Ritchie Press, 1947, p.10. 11 procura não seria a da regularidade, mas determinada conduta que leve a um resultado específico, promovendo metas ou valores. Partindo para um patamar acima, a ordem internacional seria, dessa forma, um padrão comportamental dos integrantes do SI, ou ainda, a disposição de atividades internacionais que concorreram para a preservação do próprio sistema, respeitando a independência ou a soberania dos estados individuais e a almejando, ainda que utopicamente, à manutenção da paz (BULL, 1977). Independente das diferenças, seus integrantes se unem por se considerarem atores precípuos da política mundial, buscando o reconhecimento de sua autonomia em relação ao poder externo. Há de se ressaltar que tais aspectos basilares da conformação da ordem internacional podem, dependendo do momento, dos interesses nacionais, e outros fatores, não estar presentes na ordem vigente de forma plena. A ordem internacional, portanto, não se trata de um conceito estático, imutável; ao contrário, reveste-se de caráter dinâmico, transformando-se, adaptando-se, sempre em constante evolução10 (BULL, 1977). Castro (2012) corrobora a dinamicidade dos fenômenos na arena global – com sua alternância de “ordens” – traçando um paralelo com a tradicional “destruição criadora” de Schumpeter (1983)11. O economista ressaltava a importância do ciclo renovador da economia capitalista – processo de inovação -, pelo qual modelos de negócio antigos e ultrapassados eram substituídos por novos produtos, como força motriz do crescimento econômico sustentado a longo prazo. Para Schumpeter, no centro da transformação inovadora, encontra-se o empresário, o agente catalisador que, imbuído da necessidade de crescer, iniciará e se constituirá no esteio da mudança efetiva. No SI, esse papel recai sobre os Estados, grupos de indivíduos, instituições, e outros12, que atuam e interagem de forma complexa, transformando o cenário, alterando a ordem. _____________ 10 Empregamos a palavra evolução no sentido de passagem de determinado sujeito (agente) de um estágio para outro, geralmente tornando-se algo mais complexo. 11 SCHUMPETER, Joseph Alois; GARCIA, José Díaz Garcia. Capitalismo, socialismo y democracia .1983 12 Nesse caso o agente fundamental do SI dependerá do paradigma de estudo considerado: o hobbesiano; o kantiano ou o grociano. No primeiro, têm-se os Estados como atores fundamentais; no segundo, o foco está nos próprios indivíduos que compõe a “sociedade internacional”; e, por fim, no terceiro, incorporam as instituições e regras, além dos Estados. 12 Além da inexorável mutabilidade do SI, com suas transformações profundas e recorrentes, nota-se que também há certa variedade de “lentes” que se presta a analisar e estudar a complexidade do ambiente internacional, cada qual com sua própria visão epistêmica e paradigmas próprios. Castro (2012)13 afirma que o estudo das Relações Internacionais reflete a multiplicidade das características individuais e coletivas do convívio entre as intrincadas redes sociais, imprimindo maior amplitude aos debates sobre os fenômenos, seus sujeitos e objetos. Nesse sentido, o autor reforça que, no estudo dos “processos inovadores” do SI, deve-se afastar-se dos maniqueísmos recorrentes, que consideram parâmetros, razões ou conceitos certos ou errados, melhores ou piores. A seguir, buscando-se o afastamento do reducionismo simplista citado por Castro (2012), procurar-se-á analisar o SI sob diferentes perspectivas, explicitando a pluralidade de visões da epistemologia internacional. O objetivo é descrever as peculiaridades da política mundial, da relação entre os múltiplos atores, respeitando a complexidade do saber internacional sistematizado. Em um primeiro momento, identificar-se-á a ordem internacional segundo o pensamento realista clássico, centrando-se, preponderantemente, no conceito de anarquia internacional, na maximização do poder, no militarismo e no sistema de autoajuda dos Estados diante dos dilemas de segurança. Após, a análise se dará sob o escopo da tradição kantiana e grociana, fundada na noção de que os indivíduos constituem-se no elemento central de um SI matizado por valores morais e pelo respeito aos direitos naturais do homem, vitais à construção de uma sociedade bem ordenada que assegure o exercício da liberdade dos indivíduos. Por fim, discorrer-se-á sob as incertezas e complexidades que permeiam a evolução do SI, seja qual for o paradigma de análise, tornando seu estudo um desafio ao sujeito cognocente. Ao final, o que se espera é a consolidação de um mosaico conceitual a respeito do panorama global, advindo de uma teia de contribuições integradas, representativas das principais correntes do estudo das Relações Internacionais. 2.1.2 A ordem anárquica O conceito de que a arena internacional é, de fato, uma arena, onde Estados digladiam-se em prol de sua sobrevivência é clássico em meio aos estudos das _____________ 13 CASTRO, Thales. Teoria das Relações Internacionais. Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. 13 Relações Internacionais. Autores tradicionais como Tucídides, Maquiavel e Hobbes, de maneira geral, cada qual, em sua época, vislumbram uma política internacional caracterizada pela rivalidade, conflitos e guerras interestatais, onde se evidencia um contínuo ciclo de busca pela prevalência do interesse nacional de cada agente. Para Tucídides14 (1972), as relações internacionais resumiam-se às inevitáveis disputas entre as cidades-Estados gregas15 e seus vizinhos (Macedônia, Pérsia, etc), onde a desigualdade entre as partes era característica evidente: poucos fortes (Atenas, Esparta, Império Persa) e muitos fracos (ilhas e cidades ao longo do mar Egeu). O autor defendia que esta diferença seria algo já observado na natureza; que o “animal natural político”16 difere-se enormemente de entre seus semelhantes em termos de poder, capacidade de dominação e autodefesa. Todos os Estados deveriam, portanto, adaptar-se ao ambiente assimétrico, agindo de forma a buscar, acima de tudo, sua sobrevivência. O clássico diálogo entre atenienses e melianos deixa claro essa forma de interação entre fortes e fracos: O padrão de justiça depende da igualdade de poder para coagir e, de fato, os fortes fazem o que têm o poder de fazer e os fracos aceitam o que têm de aceitar [...] Essa regra certa - enfrentar seus iguais, se comportar em consideração aos seus superiores e tratar seus inferiores com moderação. Reflita sobre o assunto e depois que formos embora deixe esse ponto ser recorrente em suas mentes – discutam acerca do destino de seu país, vocês só têm um Estado e seu futuro depende, mal ou bem, dessa única decisão que vocês tomarão. (TUCÍDIDES, 1972, p. 406) Maquiavel (1961)17 afirma que o âmbito global apresenta grandes oportunidades, mas é extremamente perigoso. Para sobreviver, é imperioso estar cônscio das ameaças, antecipando-se a elas ou reagindo com a maior prontidão possível. Essa presteza é fundamental se obter as vantagens necessárias para prosperar e angariar poder, glória e riqueza. Ele destaca os dois meios essenciais no norteamento da política externa: a força e a astúcia (raposa). A primeira traz o poder, responsável pela imposição da vontade do mais forte sobre o mais fraco. A segunda _____________ 14 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Londres: Penguin, 1972. A união das cidades-Estado mencionadas compunha a civilização linguística-cultural hoje identificada pela Grécia. 16 Zoon Politikon (Animal Político) é uma expressão utilizada pelo filósofo grego Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) para descrever a natureza do homem – um animal racional que fala e pensa (zoon logikon) – , em sua interação necessária na cidade-Estado (pólis). Para Aristóteles, o homem é um animal político na medida em que se realiza plenamente no âmbito da pólis. Segundo Aristóteles, a “cidade ou a sociedade política” é o “bem mais elevado” e por isso os homens se associam em células, da família ao pequeno burgo, e a reunião desses agrupamentos resulta na cidade e no Estado (“Política”, cap.I, Livro Primeiro). 17 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Londres: Harmondsworth, 1961. 15 14 propicia aos operadores do sistema internacional a capacidade de prever oportunidades vantajosas, bem como perceber ameaças e perigos. Ainda, para Maquiavel, a responsabilidade política, no que tange a interação entre Estados deve ser desprovida de moral, ética ou religião, sob o risco de perder suas posses, vidas e soberania. Ainda sobre a natureza e características básicas da vida política, Hobbes18 (1946) observa que a criação dos Estados para fugir do estado de natureza19 caba por conduzir a outro estado de natureza, agora não mais entre indivíduo, mas entre países, gerando o dilema da segurança: a busca pela segurança e paz individual, dentro das nações, é incontestavelmente acompanhada pela insegurança internacional, intrínseca da anarquia do sistema estatal. O autor destaca que o estado de natureza internacional evidencia condição de guerra real ou potencial, sendo utópica a paz entre Estados soberanos. Morgenthau (1965)20 corrobora as ideias do estado de natureza de Hobbes afirmando que o ser humano tende a buscar o poder para usufruir de suas benesses; é o animus dominandi ou o desejo pelo poder. Além de almejar vantagens uns sobre os outros, os homens almejam a segurança política, isto é, liberdade em relação ao domínio político de outrem, o que remete ao Estado, como o locus provedor de organização e segurança. Assim como Maquiavel e Hobbes, Morgenthau afirma que os homens necessitam organizar-se em um Estado forte, capaz de defender seus interesses. Além deste, a segurança torna-se impossível, ou seja, as relações internacionais são marcadas pelo conflito e anarquia internacional. Por meio de seus “seis princípios do realismo político” Morgenthau (1985)21 evidencia características fundamentais da ordem anárquica. Inicialmente, atesta que as leis que regem a política são objetivas e refletem a natureza humana. A objetividade evidencia o caráter imutável dos fenômenos políticos, que externavam, em conjunto, todo o egoísmo inerente aos indivíduos. Outro princípio aponta para a autonomia da ação política dos Estados, dos estadistas: não se limita por esferas _____________ 18 HOBBES, Thomas. Leviatã. Oxford: Blackwell, 1946. Segundo Hobbes, o estado de natureza é a condiçãopré-civil, extremamente adversa, na qual o estado de guerra é constante de cada indivíduo contra cada indivíduo: todos contra todos, sendo a vida caracterizada pelo risco constante (HOBBES, 1946). 20 MORGENTHAU, Hans Joachin. Scientific Man versus Power Politics. Chicago: Phoenix Books, 1965. 21 MORGENTHAU, Hans Joachin. Politics Among Nations: The struggle for Power and Peace, 3a Ed. Nova York: Kopf, 1985. 19 15 sociais, morais ou econômicas, destacando-se por seu racionalismo objetivo. Ainda, prossegue em um terceiro princípio reforçando a tese do conflito de interesses da arenas internacional, partindo-se do pressuposto que, uma vez que os Estados incorporam a natureza de seus integrantes - indivíduos -, passam a atuar por meio de políticas externas matizadas de interesses conflitantes. A expressão do poder e da vontade dos agentes, entretanto, é dinâmica, variando no tempo, espaço e contexto, tornando a política alvo de constantes transformações. No quarto princípio, Morgenthau trata da ética e da moral como referências circunstanciais na política internacional. Isto significa que tais valores devem ser buscados, mas sempre tendo em vista que a segurança da nação e de seus indivíduos está acima de princípios universais. A verdadeira ética realista do Estado é aquela que visa à prudência e o melhor desempenho rumo à sobrevivência. Os valores praticados por cada ator político não são universais. Em seu quinto princípio, o autor assevera que os países não devem, portanto, tentar impô-los aos demais, de forma a não agravar o perigo inerente ao sistema. Por fim, fica claro a importância da política dos Estados para concretizar seus interesses e fortalecer seu poder a todo custo, agindo de forma autônoma e independente de outras esferas. Outra premissa importante da ordem anárquica é o conceito de auto-ajuda, consequência direta da anarquia do sistema e da necessidade de sobrevivência dos entes estatais. Devem-se buscar todos os meios necessários – disponíveis ou não para garantir esta sobrevivência, tendo-se como ideia central o conceito de que nenhum Estado pode contar com outro, ainda que parcialmente, para prover a defesa de seus bens, indivíduos e interesses. O aliado de hoje, pode tornar-se, em curto prazo, o inimigo de amanhã, ameaçando a soberania do outro. Assim, cada um deve ser responsável por sua própria segurança, jamais delegando-a ou confiando-a plenamente (ou mesmo parcialmente) a alianças e/ou países. Aqui há um ponto importante a ser ressaltado: o fato dos Estados só poderem contar de forma integral e plena com suas próprias capacidades para sua defesa não exclui a opção e alianças e cooperação, que cooperam para a consecução dos objetivos e interessas nacionais, mas não são a garantia da defesa e sobrevivência no sistema. A vigilância e a busca incessante pela potencialização de capacidades torna-se característica fundamental da política internacional. 16 Em face de um cenário marcado pela anarquia, incerteza e entropia22 relativa, a busca pela segurança torna-se cada vez mais crucial. A ordem anárquica não é isonômica, sendo fundada em assimetrias e desvios relacionais, turvando o conceito básico de autoridade. Sobre este conceito Arendt (2003)23 discorre, afirmando que a autoridade relaciona-se com obediência, excluindo a utilização de meios externos de coerção pela força. Fora do consenso convencional das partes, a autoridade não se legitima, tornando-se arbitrariedade. Castro (2012) 24 destaca duas percepções acerca das estruturas de autoridade: as verticais e horizontais. Estas últimas apontam para ações coordenativas e de cooperação, ao passo que as estruturas verticais implicam a subordinação, na qual a ordem hierarquizante e impositiva se faz presente, legitimada pelo trinômio força, poder e interesse (KFPI), moldando assim as relações internacionais. O interesse é a mola motriz do Estado, impulsionando-o a agir de forma racional, uniforme e homogênea, sempre focado na melhor relação custo-benefício. Ele incorpora o coletivo das aspirações individuais, levando-o a integrar os dois planos – interno e externo; No primeiro, é soberano, possuindo autoridade legítima para impor diretrizes; no segundo, será levado a lidar com as divergências e conflitos inerentes à ausência de consenso pleno entre as “bolhas de bilhar” do tabuleiro. O poder ocupa posição central na tríade, estando totalmente interligado aos outros conceitos (interesse e força). Os Estados alinham-se segundo seus objetivos e aspirações, isto é, conforme seus interesses. As alianças, entendimento e conjugação de forças comporão, dessa forma, a configuração do poder (WIGHT, 2002) 25 . Este tanto pode ser entendido como meio disponível aos Estados para manterem seu status quo, expandirem-se ou obterem prestígio, bem como instrumento indispensável à garantia de sua sobrevivência e segurança. No caso da expansão, tem-se o aumento das capacidades, pela vitória militar e/ou econômica de um ator sobre o outro; a obtenção de prestígio decorre de demonstrações das capacidades já existentes, seja pela diplomacia, seja pela força militar; e a _____________ 22 Conceito físico que expressa o grau de ‘desordem’ dos sistemas e a busca constante pelo reestabelecimento do equilíbrio. 23 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro, 5ª. Ed. São Paulo, Editora Perspectiva, 2003. 24 CASTRO, Thales. Teoria das Relações Internacionais. Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. 25 WIGHT, Martin. A política do poder. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002. 17 manutenção do status quo, por fim, não implica em inércia, mas na manutenção do equilíbrio existente (MORGENTHAU, 1985)26. O autor prossegue atestando o caráter universal do constructo poder ao afirmar que este engloba tudo o que mantenha o controle de um homem sobre o outro. Engloba todas as relações ou interações sociais cujo objetivo precípuo seja a imposição da vontade de A a B, seja por meio da violência, seja por intermédio de ações psicológicas dissimuladas. O terceiro elemento, a força, versa sobre as capacidades absolutas dos Estados. JOUVENEL (1974)27 faz a seguinte diferenciação entre poder e força: Hay mucha diferencia entre la fuerza de um poder y su extensión. Esta puede estar encerrada em atribuiciones muy limitadas y, em su domínio próprio, actuar enérgicamente y obtener uma plena obediência. Puede poseer también lãs atribuiciones más vastas pero tener uma constituición que le prive de vigor y le haga perder el respeto publico. Sin embargo, esta última posición Es inestable.28 Castro (2012) afirma que poder remete a uma situação potencial e a outra corrente, derivada da possibilidade ou não do uso da força (coação). Já a “ação truculenta” propriamente dita, constitui-se na força. Seria o “uso volitivo de intervenção violenta contra outro ator internacional – ímpeto do poder atual no uso da violência material ou imaterial [...]” 29. O dinamismo das relações internacionais imprime uma ininterrupta busca pelo aprimoramento da tríade força - poder – interesse, evidenciando fluxo intenso de interações regionais ou globais. A única forma de sobreviver e destacar-se em meio à volatilidade e à anarquia é definir com precisão e oportunidade os interesses nacionais a serem buscados, ampliando capacidades e alinhado forças necessárias ao incremento do poder, cujos fluxos de exercício tornam-se cada vez mais multifacetados e assimétricos. _____________ 26 MORGENTHAU, Hans Joachin. Politics Among Nations: The struggle for Power and Peace, 3a Ed. Nova York: Kopf, 1985. 27 JOUVENEL, Bertrand de. El poder. Madrid: Editora Nacional, 1974, p.331. 28 “Há muita diferença entre a força de um poder e seu alcance. Esta pode estar presa a atribuições muito limitadas e, em seu próprio domínio, atuar com energia e obter obediência plena. Pode também possuir atribuições mais amplas, mas possuir uma configuração que lhe retire vigor e a faça perder o respeito público. Sem dúvida, esta última posição é instável” (tradução do autor). 29 CASTRO, Thales. Teoria das Relações Internacionais. Fundação Alexandre de Gusmão, 2012, p. 175. 18 Waltz (1979)30 apresenta uma distinta visão da ordem anárquica. A despeito de considerar a anarquia do cenário internacional e dar exclusividade ao Estado como agente político, afasta o foco do reflexo da natureza humana no sistema, ignorando a ética peculiar da política, e voltando-se para sua estrutura peculiar. Para o autor, o poder relativo passa a ocupar uma posição central em relação aos atores, diante da posição determinística da estrutura. Analisando as unidades estatais, Waltz ressalta que, de maneira geral, considerando-se seus aspectos funcionais, estas se assemelham, sendo que a verdadeira diferença entre elas está em suas capacidades. Segundo o autor, seria a variação desses potenciais o que imprimiria as transformações no sistema. As acomodações do incremento ou perda de capacidades conduz a uma política do poder, característica basilar do sistema anárquico, onde a guerra e o conflito ocupa uma posição central. Tal situação se acomoda nos momentos em que a o equilíbrio da balança do poder. A estrutura, segundo Waltz, exerceria, assim, constrangeria e orientaria as ações dos Estados da seguinte forma: pela sociabilizarão e pela competição. Pelo primeiro mecanismo, o sistema impõe os padrões aceitáveis (ou não), impondo sanções e segregando aqueles que não se comportarem de acordo com o marco normativo estabelecido. Na competição, aqueles que se destacam passam a servir de modelo para os outros, imprimindo um padrão de ação para angariar o sucesso, gerando fricções em momentos de interesses conflitantes. Com relação ao processo de distribuição das capacidades dos agentes, Waltz afirma que há dois tipos, a bipolaridade e a multipolaridado, considerando o primeiro aquele de maior estabilidade e previsibilidade, fruto do reduzido espaço para alianças (veladas ou ostensivas). 2.1.3 A ordem construída A relação de intercâmbio entre os atores internacionais passa a ser vista por outro ângulo a partir as teorias liberais. A visão pessimista do sistema passa a dar lugar a um otimismo que desconsidera a imutabilidade das relações de conflito entre Estados. _____________ 30 WALTZ, Kenneth Neal. Theory of International Politics. Nova York: MacGraw-Hill, 1979. 19 Dentre as tradições centrais do liberalismo, tem-se a preocupação com a liberdade do indivíduo. Trata-se de um pensamento que foca o uso da razão, acima de tudo, como ferramenta para que a sociedade possa determinar seu destino de maneira autônoma. Ainda, tem como premissa que todos seus integrantes são iguais, à medida que possuem, por natureza, os mesmos “direitos naturais”. Locke (2006)31 versa sobre o estado de natureza, a formação e condução do corpo político, atestando que o homem nasceu sob o “estado natural” ou “de natureza” no qual não havia poder comum ou lei estabelecida, exceto a lei natural, que é a razão humana. À frente das preocupações políticas mais relevantes está a construção de uma sociedade bem ordenada, capaz de prover e assegurar a todos aqueles direitos. O foco central passa ser o indivíduo ao invés do Estado e é este um dos maiores responsáveis pela configuração da sociedade. A visão otimista evidencia que, mesmo comportamentos egoístas, voltados para o atendimento de necessidades e anseios individuais, conduzem a um bem-estar geral, como por exemplo, a “mão invisível” de Adam Smith (2008)32. O Estado passa a ser visto com certo grau de receio e até mesmo como uma ameaça, apesar de necessário para o provimento da segurança dos indivíduos. Um dos problemas inerentes ao sistema é o dilema existente entre o dever de proteção contra as ameaças externas e os malefícios advindos das guerras. Derivado desse dilema, tem-se a ideia firme de que uma política externa promotora da paz mundial é tarefa crucial para apaziguar o estado de conflito potencial do sistema de nações. Aqui liberais e realistas possuem um ponto em comum: as relações internacionais são marcadas pelo conflito e pela anarquia. Entretanto, a diferença reside na não conformidade com o determinismo pessimista. A crença no progresso surge, transbordando então para o ambiente internacional, onde se acredita ser possível o estabelecimento de um sistema de Estados cooperativo e integrado. Isto se daria, precipuamente, pelo comércio, pela democracia e pelas instituições internacionais. _____________ 31 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. Vozes, 2006. 32 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Hemus, 2008. 20 A crença de que o livre-comércio seria um dos grandes promotores da paz mundial é antiga. Montesquieu (1985) 33 já afirmava que “a paz é o feito natural do comércio”, promovendo relações de interdependência entre as nações. Na mesma linha de pensamento, Kant (1995)34 afirmava que o incremento de trocas comerciais entre os países levaria ao desenvolvimento do princípio de hospitalidade, agente catalisador de uma paz cosmopolita. As transações, acordos e negociações, passariam, pouco a pouco a substituir o conflito e as guerras. Esta basicamente interrompem as atividades econômicas internacionais, geradoras de progresso, prosperidade e bem-estar generalizado. As sociedades mais evoluídas seriam cada vez mais relutantes em arriscar esforços belicistas ao invés de soluções pacíficas. Kant reforçava assim a tese de que o comércio revestia-se, portanto, de função civilizatória no seio internacional, estimulando o contato e a tolerância entre os povos, imprimindo a interdependência na a arena global. A democracia seria outra importante e eficiente força motriz capaz de alterar o caos e a beligerância. Segundo a tradição liberal clássica, os Estados democráticos apresentam maiores tendências a manterem relações pacíficas entre si. Dessa forma, quanto maior o número de democracias no concerto das nações, maior será o espectro da paz e da estabilidade, o que Kant denominou de “federação pacífica”: conjunto de Estados que compartilham a forma republicana de governo. As formas imperfeitas de governo não respeitariam os valores cultuados pelas repúblicas democráticas modernas35, originando desavenças e conduzindo à guerra. O repeito a um regime jurídico e seu arcabouço legislativo extrapolariam o âmbito interno dos países, incentivando a todos a reforçarem suas crenças no direito internacional e a buscarem soluções norteadas pelo compromisso legal e respeito às instituições, reduzindo a probabilidade de agressões armadas. Uma vez fortalecidas a nível mundial, as instituições políticas contribuiriam para facilitar os diversos fluxos (econômico, cultural, político) internacionais, gerando um ciclo virtuoso de paz e prosperidade. Tal ciclo seria ainda reforçado pela influência da opinião pública nos rumos da política externa das democracias. Uma vez que nas Repúblicas os executores e legisladores representam efetivamente os interesses dos cidadãos, e estes, _____________ MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo: Abril Cultural, 1985. KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1995. 35 Proteção dos direitos individuais, estado de direito, legitimidade de governo com base na representatividade e consenso, transparência e publicidade das ações do Estado. 33 34 21 racionalmente, anseiam por proteger a vida, os bens e a liberdade, o interesse contrário à guerra sempre prevaleceria. Da mesma forma, esse sentimento extrapolaria o nível interno dos Estados, gerando uma opinião pública internacional, voltada à busca e manutenção da paz. O outro ponto de destaque para a contenção da anarquia e da beligerância das relações internacionais é o papel desempenhado pelas instituições. Para o liberalismo clássico, seriam elas as responsáveis por conciliar obrigações entre Estados e habitantes de outros países. Seriam ainda promotoras da conformação de uma sociedade internacional. Hugo Grotius foi um dos precursores do conceito de sociedade internacional. O autor 36 advogava que os Estados estariam sujeitos ao “direito natural”, base do “direito das nações”. Aquele englobava todos os princípios morais acalcados pela razão da humanidade, permitindo a distinção entre a justiça e a injustiça. Já o “direito das nações”, tendo o “direito natural” por base, adviria do consenso entre os Estados no estabelecimento de regras de convivência que refletissem a promoção do “direito natural”. No tocante ao papel das instituições na moldagem do cenário global, Keohane (1993)37 afima que estas possuem papel destacado. Cita como exemplo o caso europeu, onde, segundo o autor, as instituições agiram como amortecedores, auxiliando os países do continente a absorverem os impactos das transformações ali ocorridas com o fim da Guerra Fria e a reunificação da Alemanha. Um elevado nível institucional reduz enormemente os efeitos nocivos da anarquia multipolar. Instituições seriam, pois, responsáveis por amenizar a falta de confiança entre os Estados, imprimindo maior transparência nas interações, além de se constituírem em foros para discussões e soluções de controvérsias. Nye (1993, p. 39)38 corrobora o pensamento de seu colega afirmando que as instituições cooperam para “criar um ambiente para o desenvolvimento de uma paz estável”, uma vez que permitem um fluxo de informação e oportunidade para o diálogo coletivo. _____________ 36 GROTIUS, Hugo. O Direito da Guerra e da Paz. Florianópolis: Editora Unijuí- Fondazione Cassamarca, 2004. 37 KEOHANE, Robert Owen; NYE, Joseph S.; HOFFMANN, Stanley. After the Cold War: International Institutions and State Strategies in Europe, 1989-1991.Cambridge:Harvard University Press, 1993. NYE, Joseph S.. Understanding International Conflicts: An Introduction to Theory and History. Nova York: HarperCollins, 1993. 38 22 Nota-se que, até o presente momento deste estudo, a ordem construída evidencia diferenças claras da ordem anárquica. Enquanto nesta última o conflito e a guerra são estados pré-determinados e imutáveis das relações internacionais, a primeira entende que a natureza humana e sua racionalidade podem conduzir o sistema internacional da anarquia a um ambiente cooperativo e progressista. O mundo da ordem anárquica é regido pela força e vontade do agente central: o Estado; na ordem construída, o cerne da política internacional é o homem, o indivíduo, responsável direto por sua construção. Wendt (1999)39 parte do pressuposto que a política entre os Estados é “socialmente construída”. A base das estruturas sociais humanas estaria nas ideias e subjetivismos compartilhados, e não nas forças materiais, como pregado pela tradição realista. Além disso, o autor destaca que os interesses e identidades de cada ator são construídos de acordo com esse intercâmbio de ideias e conceitos, em oposição ao pensamento tradicional de que a “psiqué” dos Estados seria de composição inata e imutável, sempre voltada para dominar e subjulgar o outro. A construção da identidade, nesse sentido, possui um papel crucial para explicar como os aspectos endógenos influenciam e alteram o status quo considerado estático pela visão realista tradicional. Wendt atesta que as identidades precedem os interesses e advém de processos relacionais entre identidade e diferenças, sendo flexíveis à medida que se transformam e se adaptam às nuances da política internacional. Como base nesse pressuposto, opõe-se ao inevitável “dilema de segurança” entre os Estados, afirmando que a situação vislumbrada por um Estado nada mais é do que um momento criado por ele próprio, a partir da percepção coletiva de seus integrantes, suas crenças, costumes e cultura. Não haveria um sistema originalmente anárquico, mas, na verdade, a anarquia decorre do processo de “criação” dos Estados, a partir de suas percepções uns dos outros, definindo sua forma exógena de interação em um processo cíclico. O autor combate a máxima realista de que o mundo existe independente dos seres humanos, afirmando que a maioria dos fenômenos constituem-se das ideias, pensamentos e conceitos das pessoas, o que acaba por impregnar a distinção sujeito-objeto de que as teorias de causa e efeito dependem. O mundo tal qual existe e as interações que nele ocorrem só fazem sentido quando entendidos como _____________ 39 WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. 23 o resultado das complexas e dinâmicas interações socioculturais da humanidade. Há uma co-constituição agindo nos sistema, ou seja, ao mesmo tempo em que os indivíduos moldam a estrutura, esta acaba por agir sobre aqueles, imprimindo um ciclo mutagênico constante na configuração do ambiente global. O aspecto cultural permeia a construção social, seja ela interna ou externa. A cultura está arraigada nas leis, normas, instituições, convenções, ideologias, todas conformadas por um “conhecimento comum”. Hoje, Estados, estadistas e indivíduos comuns compartilham crenças e conceitos, o que representa importante acréscimo cultural no nível sistêmico. Wendt destaca que, para que este “conhecimento comum” se estabeleça de fato é que importante que se expresse na forma de “crenças interconectadas”: não basta que A acredite no conhecimento P, que B também acredite em P, e que C idem; na verdade, para que o conhecimento comum se estabeleça, é necessário que A concorde com P, mas que acredite também que B e C pensam o mesmo, permitindo e facilitando a interação e a coordenação entre os atores. Fica evidente, portanto, que a ordem construída emerge da subjetividade e intersubjetividade do “conhecimento comum” dos atores da política internacional, que, na verdade, não é nada além de “modelos mentais compartilhados” 40 . Conceitos e entendimentos estão em constante mutação, consistindo-se em metáforas temporais: o que se tem por verdade e regra vigente hoje, amanhã, pode não representar a realidade corrente do plano internacional. A cultura, portanto, compõe as crenças no imaginário de cada ator, afetando seus cálculos e considerações, moldando a estrutura de acordo as percepções coletivas de determinado momento. 2.1.4 A ordem incerta Após o estudo de diferentes abordagens teórico-conceituais acerca da política internacional, buscar-se-á, de forma breve, identificar os “novos horizontes” que buscam explicar o atual momento do (re) ordenamento global, destacando alguns temas e questões relevantes para essa transformação como o meio ambiente, soberania e mudanças nas condições do Estado, etnicidade, fundamentalismo religioso, conflitos assimétricos, dentre outros. _____________ 40 WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 161. (tradução do autor). 24 Em momento ainda precoce de transformações do sistema mundial, Jaguaribe (1992)41 destacou cinco aspectos – alguns, cabe ressaltar, já parte de um passado considerável - que caracterizavam as transformações em curso: a derrocada do comunismo mundial, o advento das sociedade industriais, a formação de megamercados, o agravamento do desnível Norte-Sul, e a inexistência de uma administração racional para os principais interesses coletivos da humanidade. A derrocada do comunismo trouxe como consequência a extinção da bipolaridade que regia a política mundial. O fim da Guerra Fria permitiu que aspectos até então obscurecidos pelos debates ideológicos viessem à tona, compondo o rol de discussões acerca do sistema internacional. Surgem novos temas que passam a ocupar espaço no debate das relações internacionais de forma cada vez mais contundente: a “ressurreição” do nacionalismo em várias formas, fragilidade do capitalismo e das concepções neoliberais da economia, aumento da importância e do papel de atores paraestatais, como as organizações-não-governamentais (LAFER, 2008)42. Há diversos estudos, ora convergentes, ora divergentes, acerca dos rumos do ordenamento mundial no imediato pós Guerra-Fria e no prosseguimento até os dias atuais – em termos de balança do poder. Trein (2011)43 , por exemplo, aponta para um cenário contemporâneo de unipolaridade, sendo os Estados Unidos a potência dominante no seio das nações. No mesmo pensamento, temos Castro (2012)44, que corrobora a ideia de unipolaridade do sistema, mas afirma que, principalmente após os atentados de 11 de setembro de 2001 e a crise de especulação imobiliária de 2008 e 2011, tem-se indícios de transformação rumo à multipolaridade, onde haveria novas oportunidades para o fortalecimento do comércio exterior na Ásia-Pacífico, no Atlântico Sul, na Amazônia e na Europa, em um processo de reordenamento geoeconômico sob o emprego de TIC45, robótica, nano tecnologia e do capital humano, todos como vetores de incremento do poder internacional. _____________ 41 JAGUARIBE, Hélio. “A nova ordem mundial”, in LAFER, Celso et al. A Nova Configuração Mundial do Poder. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 42 LAFER, Celso. A Nova Configuração Mundial do Poder. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 43 TREIN, Franklin. “UNIPOLARIDADE E MULTIPOLARIDADE: NOVAS ESTRUTURAS NA GEOPOLÍTICA INTERNACIONAL E OS BRICS”, in VIANNA, André Rego; BARROS, Pedro Silva; CALIXTRE, André Bojikian Calixtre. Brasília: Ipea, 2011. 44 CASTRO, op. cit. 45 Tecnologia da Informação e Comunicação. 25 Por outro lado, Waltz (2000)46 destaca que o século XXI foi único na história moderna, uma vez que, após em pouco mais de uma década, já alternou a balança do poder três vezes: bipolar, ao final da II Guerra; unipolar, com a desintegração da antiga URSS; e, agora, no início do novo milênio, torna-se, gradualmente, multipolar mais uma vez. O problema reside, exatamente, neste período de transição: segundo o autor, unipolaridade seria a configuração menos estável. Isto se dá por duas razões principais. A primeira refere-se à questão de que a potência dominante acaba assumindo muitos encargos extraterritoriais, enfraquecendo-se no longo prazo. A segunda destaca que, mesmo que a potência dominante atue com moderação e paciência, os mais fracos sempre terão receio de seu comportamento futuro. A ideia de um polo único de poder conduz a que as demais potências procurem ampliar suas capacidades estratégicas, buscando um equilíbrio do sistema. Layne (2006) 47 corrobora a assertiva de Waltz observando que, no sistema unipolar, há forte pressão estrutural para que países de menor prestígio, mas com grandes capacidades, busquem seu incremento de forma a se oporem ao ator dominante. Fato é que este reordenamento – do unilateralismo para um multipolarismo -, onde potências elegíveis parecem tender a buscar a ampliação de seu poder, tem como consequência incertezas, turbulências e acomodações. No campo militar, a despeito imensa preponderância dos Estados Unidos, já se pode ver países, como a China, com crescentes esforços de desenvolvimento de complexos industriais de defesa, atingindo a independência tecnológica em várias áreas estratégicas (CASSIOLATO, 2013) 48 . Com relação aos temas voltados à segurança, observa-se um avanço da discussão, que se afasta, gradativamente, da questão nuclear e defesa de mísseis balísticos, voltando-se aos debates ligados à temática da revolução de assuntos militares e ao terrorismo (BUZAN e HANSEN, 2012). _____________ 46 WALTZ, Kenneth N. “Intimations of multipolarity”, in The New World Order: Contrasting Theories. Basingstoke: Palgrave Macmillan, p. 1-17, 2000. 1 47 LAYNE, C. The Unipolar Illusion Revisited. International Security, v. 31, n. 2p., 7-41, 2006. 48 CASSIOLATO, J. E. As políticas de ciência, tecnologia e inovação na China. Boletim de Economia e Política Internacional. nº 13, p 65-80, jan/abr 2013. 26 Kaldor (2006) 49 , referindo-se a esse momento peculiar, explicita o surgimento de novos desafios em questões de segurança e de defesa, um novo tipo de violência organizada: as “novas guerras”, revestidas de características peculiares que mesclam matizes das guerras tradicionais com as peculiaridades do crime organizado, conflitos étnicos e religiosos e violações aos direitos humanos em larga escala, lançando imenso desafio aos estrategistas e tomadores de decisão da atualidade. A evolução tecnológica sem precedentes, a ascensão de novos atores no sistema internacional (tradicionais e não tradicionais), o enfraquecimento do Estado, a multiplicação de ilícitos transnacionais, a crescente assimetria socioeconômica entre os Estados, as questões ambientais e seus reflexos, tudo enquadra-se neste cenário incerto de reordenamento da arena global, consequências, diretas ou não, do processo de globalização. Tais assuntos evidenciaram o despreparo tradicionalista para lidar com fatores que perpassam a fronteira estatal, conduzindo a uma ampliação e aprofundamento dos Estudos de Segurança. Buzan e Hansen (2012) asseveram que tal processo implicou no alargamento dos setores e áreas que deveriam ser securitizados, com a inclusão de questões de desenvolvimento, meio ambiente, economia e bem-estar social. Focou-se no impacto da tecnologia das novas mídias, algo que, indubitavelmente atuou como vetor endógeno e exógeno, transformando as dinâmicas globais. Ainda, nas diferenças entre o “ocidente” e os “Estados falidos”, destacando a importância das desigualdades socioeconômicas, das questões militares e das disputas materiais e ideológicas como forças motrizes das questões de segurança contemporâneas, além do reforço aos estudos de campos etnográficos, que evidenciam profunda variação na forma de organização das sociedades e sua maneira de compreender princípios políticos essenciais (governança, violência, legitimidade, etc.). A segurança humana deslocou o objeto de referência do Estado-nação para as pessoas. Esta perspectiva ampliou as ameaças e setores de securitização: alimentação, saúde, meio ambiente, crescimento populacional, disparidades econômicas, migrações, tráfico de drogas e terrorismo, por exemplo. Na mesma linha de pensamento, os estudiosos críticos reforçavam a prevalência do _____________ 49 KALDOR, Mary. New and old wars: organized violence in a global era. Cambridge: Polity Press, 2006. 27 “pessoacentrismo” sobre o “estadocentrismo”, acrescentando ainda a visão de que os Estados são os verdadeiros agentes da insegurança e instabilidade. A todas estas questões, o enfoque feminista acrescentou as questões de gênero aliadas aos direitos, como o tráfico sexual, estupro como arma de guerra, exploração sexual, mulheres e crianças combatentes, dentre outros (BUZAN e HANSEN, 2012). Indubitavelmente, o momento atual da política internacional é incerto. Novas agendas e pontos de fricção emergem dentre os tradicionais; o vigor e a euforia do unilateralismo norte-americano parecem arrefecer, dando espaço para outros atores de peso, e possíveis candidatos, a buscarem o equilíbrio multipolar; acomodações geopolíticas, como a questão da Criméia e o “tsunami” da “primavera árabe”, abalam a política e alteram os status quo regionais; ondas de instabilidade no sistema econômico-financeiro global turvam as prospecções para o futuro. Cline (1975)50, versando sobre o sistema internacional de meados da década de 1970, seus ajustes e transformações, faz analogia com o conceito geológico do movimento das placas tectônicas. O mundo seria composto de uma série de zonas politectônicas, que se abruptamente, alterando movimentam, sua ora conformação de maneira geológica imperceptível, paulatinamente. ora, Essa abordagem permite exemplificar as dinâmicas do poderio internacional, adaptandoas para os dias presentes, onde o grau de incerteza e de transformações parece ser ainda maior do que o período referido por Cline. Jaguaribe51 levanta a questão dos riscos derivados do período de transição da Pax Americana52, afirmando que o pleno conhecimento do processo de transformação dependeria de um reordenamento justo e racional, alheio a arbitrariedades e ingerências em assuntos de outros países. Pelo grau de idealismo e utopia de tais “pré-condições”, reforça-se a teoria de que o fog paira sobre os movimentos tectônicos das relações internacionais contemporâneas, turvando a visão do futuro e, algumas vezes, até do presente. _____________ 50 CLINE, Ray S. World Power Assessment: a calculus of strategic drift. Colorado: Westview Press, 1975. 51 JAGUARIBE, op. cit. 52 Pax Americana é o termo usado para referenciar ao período de paz estabelecido após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, correspondente à hegemonia norte-americana. Neste sentido moderno, o termo passou a indicar a posição econômica e militar dos Estados Unidos em relação a outras nações. O termo deriva e é inspirado na Pax Romana, do Império Romano; e na Pax Britanica, do Império Britânico e da Pax Mongolica, do Império Mongol. 28 2.1.5 Considerações finais São muitas as correntes de pensamento e teorias que buscam explicar a interação dos diversos atores da política mundial. A despeito de toda diversidade é uníssona a voz de que o sistema internacional é o locus no qual se dá o intercâmbio entre os agentes variados, conformando ordenamentos distintos, de acordo com cada teoria. No presente capítulo buscou-se, em um primeiro momento, revisar alguns conceitos relativos à ordem mundial. Partindo-se do pressuposto de que o sistema internacional pode ser analisado como uma sociedade, tem-se que os interrelacionamentos existentes revestem-se de considerável complexidade, compondo uma estrutura tal de acordo com princípios e valores mutáveis. Ter-se-ia, assim, um padrão comportamental visando à harmonia do sistema, ainda que utopicamente. Importante destacar, porém, que, a ordem vigente não é, em hipótese alguma, estática. Seu dinamismo aponta para constante acomodação, advinda da busca dos interesses soberanos dos integrantes do sistema; ou seja: a ordem é dinâmica, transformadora; independente da corrente de pensamento ou dos protagonistas considerados. Ela evidencia, por si só, a complexidade inerente ao ambiente internacional, sob óticas epistêmicas distintas, concitando um estudo inovador e amplo, com possibilidades conceituais diversas. Partiu-se, após, para uma análise multiespectral, apresentando-se, didaticamente, três concepções do ordenamento global: a ordem anárquica, a ordem construída e a ordem incerta. Não se trata de cenários isolados e estanques. Na verdade, por vezes, convivem simultaneamente, aproximando-se e afastando-se ao longo de períodos históricos, conforme a evolução dos atores, teorias e fatores condicionantes. Ao discorrer sobre a ordem anárquica, identificou-se a dita arena global, como uma arena de fato, na qual os Estados devem lutar, a todo custo (e meios) por sua sobrevivência. Somente eles próprios seriam capazes de preservar seus interesses e defender suas soberanias, por meio de suas capacidades e vantagens comparativas. Isso traz consigo a constante busca pelo poder e o pragmatismo para empregá-lo no momento mais oportuno, obtendo-se a maior vantagem possível. Esta ordem é estatocêntrica, considerando os Estados como o verdadeiro agente responsável pelo dinamismo internacional. Ainda, ela está acima dos valores 29 morais e éticos, incorporando o egoísmo inerente da natureza humana: Estados farão não importa o que para atingirem a consecução de seus objetivos. O conflito é intrínseco, permeando e norteando as políticas externas dos agentes internacionais, que são cônscios de que só podem contar consigo próprios no ambiente incerto e complexo. Isso não exclui, entretanto, a formação de alianças e cooperações embasadas no interesse nacional. No prosseguimento, verificou-se que a ordem construída, matizada pelas concepções liberais da política internacional, afasta-se do determinismo conflituoso da ordem anárquica, reforçando a crença na razão e no respeito aos direitos naturais. O indivíduo passa a ocupar lugar de destaque, destituindo a primazia do Estado e imprimindo-se certo grau de humanização no concerto global, responsável pela noção da existência de uma sociedade internacional, onde a cooperação, integração e interdependência são características basilares. O comércio passa a ocupar um papel de destaque como promotor da paz e do progresso mundial, desempenhando papel integrador; inspirando acordos e negociações ao invés de guerras e conflitos. A democracia e o respeito aos indivíduos e cidadãos também despontam como força benigna capaz de fomentar as relações pacíficas, uma vez que valorizam a crença nos valores éticos e no direito internacional. Em síntese, a ordem construída afasta-se do tradicional “dilema de segurança” entre os Estados, sob o pressuposto de que a política entre estes é socialmente construída, a partir de complexas interações moldadas pela cultura e crença de cada grupo de indivíduos, sempre em constante mutação e interação com o meio. A última ordem exposta teve por objetivo descortinar as incertezas no cenário internacional contemporâneo, no qual despontam debates acerca do (re)ordenamento global. Atestou-se que, sob os impactos do fenômeno da globalização, novos temas foram incorporados (alguns apenas retomados) à agenda da política internacional. O papel do meio ambiente, as questões étnicas e religiosas, os crimes transnacionais, conflitos assimétricos e terrorismos, crises humanitárias; todos emergiram com força à sombra da derrocada comunista. A transição de um mundo unipolar outro multipolar aponta para um momento de fragilidades e instabilidades, cujo menor “tremor” pode desencadear o “efeito dominó” em todo o sistema. Certamente as tentativas de preenchimento do “vácuo” 30 de poder deixado pela tênue queda da potência hegemônica demandam atenção e previdência. O que se vê, no presente, é a pura interseção de todas as ordens apresentadas, onde o poder tal como entendido em suas raízes (força militar, econômica, população) reforça sua importância, em meio a fatores ideacionais como a segurança humana e ambiental, todos conjugando-se para tentar nortear a acomodação das “placas tectônicas” da política internacional do presente. 2.2 DEFININDO PODER Antes de se ater o foco nas dinâmicas que orientam o equacionamento do poder, fazem-se necessárias algumas considerações teóricas acerca de sua conceituação. O que é poder? Tal questionamento encontrará uma enormidade de posicionamentos e direcionamentos, variando segundo concepções filosóficas e campos do saber. Tendo por base a filosofia política, Arendt (1969 apud PERISSINOTO, 2004, p.115) define poder como aquilo que é imprescindível à existência e à manutenção do espaço público, locus da ação política. A autora destaca que a tradição política ocidental considera poder como tema central, definindo-o como uma relação direta de mando e obediência. Um exercício de autoridade de determinado agente sobre um ou mais atores, cuja expressão máxima se dá pelo emprego ou não de violência Por outro lado, o conceito “arendtiano” de poder se traduz por uma relação de consentimento entre as instituições e o povo, que provê seu sustento. Arendt afirma que “o poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto” (1969 apud PERISSINOTO, 2004, p.115). Nesse sentido, o poder relaciona-se ao denominado “marco fundacional”, que reside no momento do estabelecimento das leis, sob a aquiescência de todos. Assim, conclui-se que o somatório de opiniões convergentes de determinado grupo e sua aceitação a todo arcabouço normativo constitui-se em principal sustento dos governos, despontando como forma extrema de poder (PERISSINOTO, 2004). Na ciência política, Max Weber considera-o a aplicabilidade estratégica dos meios disponíveis, da maneira mais eficiente possível, visando a um objetivo previamente definido. Em outras palavras, submeter a vontade do outro à sua. Segundo o autor alemão, “a” exerceria sobre “b” uma relação de poder de soma- 31 zero, ou seja, se “a” aumentar seu poder, “b” terá o seu diminuído e vice-versa. Tal abordagem sugere uma característica distributiva do poder, segundo a qual, o crescimento da influência de determinado ator, implica na redução da capacidade de outro(s), na mesma intensidade. É natural e evidente que tal jogo de ganha e perda de poder se dá em ambiente conflituoso. Ainda, Weber reforça essa tendência opositora do poder ao discorrer sobre a Teoria das Esferas da Vida, segundo a qual este seria uma força histórica que, devido a suas limitações, deve estabelecer relações competitivas e alianças com outras forças (religião, erotismo, economia, política, estética e conhecimento científico). As esferas representam forças que contém, cada qual, regras e parâmetros para ordenar a realidade. O problema emerge da tentativa de equacionar esferas e valores conflitantes para compor o poder relativo a determinado tempo/sociedade, ficando patente a multidimensionalidade da conformação do poder e o conflito dele resultante. Por exemplo, religião e conhecimento científico podem chocar-se em tempos modernos (JIMÉNEZ-ANCA, 2012). Entende-se que a busca pelo poder reside na síntese dos conceitos apresentados. Ele depende sobremaneira da opinião pública de determinada unidade política (ou a nível internacional), uma vez que se fundamenta sob consensos, constituindo-se em um fenômeno coletivo. Isso exclui da concepção de poder a posse, pura e simples, de determinada riqueza ou bem, que, isoladamente, em nada cooperam ao seu exercício sem a vontade comum da sociedade. Porém, se por um lado a autoridade emanada do poder se exprime pelo consenso, é fato que, em determinadas situações, prevalece o conflito e visões divergentes, o que conduz a situação explicitada por Robert Dahl: “A tem poder sobre B na medida em que ele consegue fazer com que B faça algo que B de outro modo não faria” (1969 apud PERISSINOTO, 2004, p.123). Pela ótica das Relações Internacionais, o poder é indispensável à sobrevivência dos atores em face ao caótico cenário marcado pelo “estado natural” hobbesiano. Morgenthau (2003) o descreve como o controle de uma entidade (social ou política) sobre a outra, englobando todas as relações e interações que sirvam a este fim. Robert Keohane e Joseph Nye (1998) consideram-no a capacidade de um ator para conseguir que os outros façam algo que não fariam de outra maneira. 32 O exercício do poder dá-se de maneira distinta, de acordo com as capacidades e características de cada agente. Keohane e Nye (1998), por exemplo, consideram duas formas básicas de poder: o behavioral power (poder comportamental), que é a habilidade para alcançar os resultados que se quer; e o resource power (poder de recursos), que expressa a posse de recursos que são normalmente associados a habilidade de se alcançar os resultados que se quer. Percebe-se, sob o enfoque realista, que a sobrevivência no âmbito global depende diretamente da “incessante busca pela aquisição, preservação e aumento do quociente de poder” (CASTRO, 2012, p.161), e que tal “cruzada” acaba por evidenciar verdadeiro “caleidoscópio” na ordenação de fatores que o compõe; um fluxo dinâmico de variáveis que se unem, segundo um ou outro autor, compondo o constructo de poder. Dentro do mesmo paradigma das relações internacionais, Tucídides (apud, NOGUEIRA e MESSARI, 2005, p. 22) destaca que, no mundo, “os poderosos fazem o que têm poder de fazer e os fracos aceitam o que têm que aceitar”. Assim, em busca de melhores condições para a prevalência na guerra, cerne pensamento realista da antiguidade, os Estados buscam a expansão, o aumento de suas riquezas e capacidades materiais como forma de sobreviver. Isso se explica também por uma consequência da anarquia do sistema internacional: o conceito de autoajuda. Cada Estado só poderia contar de maneira plena consigo mesmo, com suas próprias capacidades. O interesse nacional deve buscar, portanto, a título de sobrevivência exógena, a expansão, a busca de prestígio ou a manutenção do status quo. No primeiro caso, o aumento da capacidade se dá pela vitória militar ou econômica de um ator sobre o outro. No segundo, por meio de demonstrações de capacidades já existentes, seja pela diplomacia, seja pela força militar. Por fim, em terceiro, a manutenção do status quo não implica em inércia, mas na manutenção do equilíbrio existente (MORGENTHAU, 2003). Os pensadores realistas, versando sobre a potencialização de capacidades, sublinham as constantes alterações das realidades geográficas dos mapas através dos tempos. Grande parcela dos Estados, ao longo da historiografia mundial, teve seus contornos e dimensões espaciais alterados. Na análise de conflitos passados e 33 presentes, fica evidente uma característica comum: o emprego do poder na luta pelo espaço, como forma de multiplicá-lo (NOGUEIRA e MESSARI, 2005). Para a geografia política, a relação espaço – poder assume cada vez mais importância nos processos sócio-espaciais, sejam eles no seio interno ou internacional. Para Becker (1983) o espaço é o locus do poder, e o território, sua expressão prática aonde se encontram distribuídas as riquezas, os bens e se desenvolvem as atividades econômicas. Antes mesmo de ser considerada um ramo das ciências, a geopolítica já destacava a ação da natureza e do espaço sobre o homem. Heródoto e Hipócrates, estudiosos dos fenômenos políticos, ressaltaram, na Grécia Antiga, a influência do clima, da natureza do solo, da posição geográfica sobre os grupos sociais, trazendo-lhes vantagens e desvantagens, conforme sua situação. Ratzel, Kjellen, Mackinder, Spykman, Mahan, dentre outros, todos explicitaram em suas teorias a importância do vínculo entre o fator geográfico e o pleno e exitoso exercício do poder dos Estados (MATTOS, 2002). É pelo espaço geográfico que os Estados e os indivíduos interagem, por meio de fluxos socioeconômicos e políticos, permitindo a interação que, caso a caso, evidenciará o exercício de poder de um indivíduo ou sociedade. A visão neorealista, principalmente, destaca o fator econômico como um dos componentes essenciais à formulação do poder. Desde a antiguidade as relações entre grupos sociais e Estados se exerce, dentre outras formas, pelo comércio. Seja na expansão marítima do século XV, no neocolonialismo do século XIX e até mesmo nas intervenções militares dos países ocidentais no Oriente Médio, a busca por mercados e fontes de matéria-prima, fatores puramente econômicos, sempre nortearam as ações dos Estados na tentativa de imporem, uns aos outros, suas vontades e metas, ou seja, o exercício do poder. Para a Economia Política, tal exercício se dá pelo avanço das condições de bem-estar e segurança econômica, obtidas por uma conjunção de condicionantes: posse dos escassos recursos mundiais, elevada produtividade (agrícola e industrial), amplo mercado consumidor (interno e externo), equilíbrio fiscal, capacidade tecnológica elevada, dentre outros. Quanto maior for a capacidade do Estado de atender a todos estes aspectos, maior será sua capacidade de articulação na arena internacional, tendo, portanto, seu poder ampliado. 34 Morghenthau (2003), versando sobre os princípios básicos para analisar as relações internacionais, destaca a autonomia da política sobre preocupações ideológicas e motivacionais. Segundo o autor, a esfera política deveria sobrepujar as esferas sociais, imprimindo racionalidade à mensuração das capacidades estatais. Entretanto, outros paradigmas das relações internacionais reforçam a importância dos agentes sociais para a construção dinâmica da sociedade internacional, o construtivismo. A escola construtivista tem como uma de suas premissas centrais a de que o mundo não é premoldado, mas é fruto da interação dos atores, ou seja, uma “construção social” (NOGUEIRA e MESSARI, 2005). Os agentes e a estrutura, por meio de sua interação dinâmica acabam por influenciar um ao outro, determinando a compleição do sistema internacional. Outro ponto de destaque nesta corrente de pensamento é a relação entre materialismo e idealismo. No que concerne à formulação de conhecimento/poder, ela reforça a importância conjunta das causas materiais, bem como das ideias, pensamentos e valores. Autores construtivistas como Wendt afirmam que as entidades coletivas se desenvolvem e se alteram a partir de processos endógenos. Suas identidades seriam fruto de processos relacionais, suscetíveis a mudanças. Ou seja, as interações dentro de cada sociedade conduzem a concepção de determinado interesse nacional, não mais absoluto e imutável, a ser perseguido por cada unidade estatal. Destaca-se, neste pensamento, a relevância da linguagem e da análise do discurso para a correta identificação dos padrões socialmente construídos. As ideias, assim como os meios materiais (capacidades econômicas, populacionais, geográficas, militares, etc), também afetam a política e, por conseguinte, impactam o planejamento estratégico (GUZZINI, 2000). A valorização de aspectos culturais, sociais e linguísticos é, assim, indissociável à construção das capacidades de um Estado, por meio de um processo histórico e particular, em constante estruturação e mutação. A luz desses novos conceitos, a partir do novo século, estudos pautados na conformação de coeficientes de poder, passaram a atentar para a importância da valorização de novos fatores componentes como aspectos culturais e sociais como idioma, religião, educação, saúde, dentre outros. Exemplo claro dessas concepções 35 são os fatores social, cultural e transnacional presentes na formulação de Hazfenia, a ser tratada mais adiante. Na intrincada rede de fenômenos que regem a política internacional do século XXI, o poder assume novas compleições, ora pela superação dos conceitos clássicos, ora pela síntese de teorias, novas e antigas. Os conceitos de soft power e hard power, Keohane e Nye (1998); smart power, de Nye (2009); cosmopolitan power, de Gallarotti (2010); e o de redes estruturais de poder, de Kim (2010), são exemplos dessa abordagem contemporânea dos estudos do poder. Para Keohane e Nye (1998) hard power (poder duro) seria a habilidade relacionada à persuasão e coação, fatores centrais do poder, fazendo com que outros façam aquilo que não fariam sena pela ameaça ou recompensa. Por outro lado, soft power (poder brando) seria a capacidade de alcançar objetivos por meio da atração em vez de coerção. Ou seja, a habilidade de obter resultados desejados porque os outros acabam por querer o que você quer. Sob um enfoque dialético, aprofundando e aperfeiçoando suas concepções, Nye (2009) advoga que a maneira mais eficaz para um Estado atuar na arena internacional seria pela combinação das ferramentas de ambos, dos poderes duro e brando. Por exemplo, ele afirma que capacidades militares e econômicas, por vezes, podem ser empregados tanto atrair, como para coagir, destacando a importância daquilo que chamou de “smart power” (poder inteligente). Gallaroti (2010), como Nye, também reforça a importância da conjugação dialética entre soft power e hard power como forma segura e eficaz de potencialização da influência de um país no sistema internacional. Em uma releitura da teoria de smart power de Nye (2009), Gallarotti reforça que tal interação, denominada por ele de cosmopolitan power, seria a chave para a busca do incremento do poder, evitando-se o risco de efeitos colaterais que acabam implicar em sua diminuição. O autor reforça que políticas e ações externas, orientadas única e exclusivamente sob a ótica do soft power, possuem elevado potencial de atrair e influenciar nações, mas que, entretanto, tal capacidade seria circunstancialmente limitada, uma vez que a influência baseada apenas na boa vontade é frágil. Assim, a médio e longo prazo, o suposto ganho reverter-se-ia em perda de poder. 36 Similarmente, atitudes governamentais visando à ampliação estrita de seu hard power tendem a enfraquecer os Estados ao invés de alargar seu prestígio. A solução está, portanto, no exercício do cosmopolitan ou smart power, que aponta para uma visão aristotélica de que a diversificação e o equilíbrio entre ações de hard e soft power é a chave para o incremento do poder dos atores internacionais. Kim (2010), buscando novo enfoque nas discussões relativas à construção do poder, explicitou o conceito de “poder estrutural de rede”, que seria a capacidade de determinado Estado de ascender de posicionamento na estrutura internacional, fruto de suas conexões e das redes a que pertence. Países de maior centralidade, ou seja, aqueles com o maior número de conexões no sistema internacional seriam, essencialmente, os mais poderosos, seja por sua capacidade de influenciar outros agentes, seja pela possibilidade de controle da maior quantidade de recursos disponíveis em toda a rede. Por exemplo, países com maior participação em organismos multilaterais, com elevada capacidade de atração (soft power) seriam, portanto, os de maior centralidade, ou seja, detentores de maior poder. Pela ótica das ciências militares, verifica-se que o poder é fator primordial à primazia do vencido sobre o vencedor. Magnoli (2006) assevera que, a partir das guerras napoleônicas, desponta o conceito de “guerra absoluta”, cujo único objetivo seria o total aniquilamento do adversário, empregando-se assim, todos os meios e capacidades disponíveis ao alcance do Estado. A obtenção desses meios passa a representar papel crucial para os atores, seja para a obtenção da vitória pelo ataque, seja pela dissuasão. A expressão romana “Si vis pacem, para bellum” 53 traduz de maneira clara a essência desta questão: “... para defender, precisamos estar prontos para atacar a qualquer tempo” (LUTTWAK, 2001, p. 4). Os estudos da Paz e da Guerra evidenciam a natureza belicosa da humanidade e a necessidade entre o perfeito equilíbrio entre povo, governo e forças armadas. Sendo a guerra, a continuação da política por outros meios, infere-se que o político e o estrategista tem, por assim dizer, a obrigação de planejar suas ações de forma a estar preparado para a não linearidade dos conflitos, o “fog” da guerra (CLAUSEWITZ, 1996), potencializando a capacidade do Estado por meio do objetivo nacional mor: a vitória. _____________ 53 “Se queres a paz, prepara-te para a guerra” (tradução livre). 37 2.3 “FORMULANDO” O PODER 5.1 Considerações iniciais As forças que conduzem à tomada de decisão e às discussões que envolvem o poder vêm sendo alvo de vários estudos, sendo que, atualmente, a complexidade destaca-se como inexorável marca das agendas dos tomadores de decisão para os desafios que se apresentam, tanto no cenário global, quanto nas agendas regionais e locais. Em um primeiro momento desta pesquisa, verificaram-se distintas visões e teorias que explicam as dinâmicas do sistema internacional, bem como a grande variedade conceitual que enseja o constructo poder. De tal multiplicidade emerge a evidência de que sua composição contará com parcelas distintas, complexamente inter-relacionadas. Como equacionar tais fatores; quais as variáveis que os compõe e como impactam o resultado final; quais seus pressupostos internos e externos; todos são questionamentos básicos que inquietam os planejadores e tomadores de decisão dos Estados, uma vez que se entende que o incremento de poder de uma nação lhe trará vantagens na condução de sua política internacional, com a consequente facilidade na consecução de seus objetivos nacionais. Seja em meio à anarquia e ao conflito constante, seja na construção de uma sociedade internacional harmoniosa, pacífica e interdependente, o papel dos Estados dependerá, não apenas de suas capacidades inatas, mas daquelas que forem construídas eficientemente. Identificar deficiências e saná-las, potencializar pontos fortes; tais ações exigem, cada vez mais, que o planejamento político e estratégico da Nação esteja amparado por processos metodológicos claros e precisos. Neste capítulo, procurar-se-á estudar diversas tentativas de elaboração de fórmulas e modelos representativos do poder nacional. Optou-se por uma sequência cronológica, de forma a visualizar a evolução de seus fatores e variáveis componentes através de diferentes períodos da historiografia mundial. Antes, porém, focou-se os conceitos de racionalidade limitada e escolha racional, destacando a importância de modelos como facilitadores do planejamento político-estratégico estatal. 38 5.2 Planejamento político-estratégico, racionalidade limitada e escolha racional Nesta proposta, retoma-se uma conhecida abordagem: o conceito de racionalidade limitada e escolha racional como ponto de partida para o processo de tomada de decisão, planejamento político estratégico e elaboração de políticas públicas. Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública. Trata-se de campo de estudo ainda em franco processo de maturação e fortalecimento de bases teórico-conceituais. Isto se deve, acima de tudo, ao próprio processo de transformação do Estado através da historiografia, seja ela moderna ou contemporânea, ou ainda em decorrência de acomodações das interações entre os diversos atores envolvidos no processo político. Mead (1995)54 a traduziu como sendo um ramo da análise política que estuda o governo sob a ótica de questões públicas relevantes. Peters (1986)55 traz à tona a reflexão acerca de quais as estratégias a adotar e seus respectivos efeitos esperados, descrevendo política pública como sendo o conjunto de ações governamentais que incidem diretamente, ou por delegação, e que interferem no dia-a-dia da sociedade como um todo. A política pública, portanto, pode ser considerada como o campo do conhecimento que materializa as ações de governo, analisando seu desempenho e propondo mudanças de curso quando necessário. No que tange a sua formulação, são vários os fatores que condicionam o processo decisório político-estratégico, impactando o gerenciamento dos escassos meios governamentais. Segundo Kingdon (2003)56, determinado tema passa a integrar a agenda governamental a partir da interação de três fluxos: dos problemas, das alternativas e político. No primeiro, busca-se a identificação de situações com potencial para tornarem-se um problema, bem como seu dinamismo rumo a constituírem-se em problemas propriamente ditos, que pode advir de crise ou mudança de percepções (dos políticos, dos cidadãos, dos técnicos, etc). Fica assim _____________ 54 MEAD, L. M. “Public Policy: Vision, Potential, Limits”, Policy Currents, Fevereiro: 1-4. 1995. PETERS, B. G. “Review: Understanding Governance: Policy Networks, Governance, Reflexivity and Accountability by R. W. Rhodes”, Public Administration, 76: 408-509. 1998. 56 PETERS, B. G. “Review: Understanding Governance: Policy Networks, Governance, Reflexivity and Accountability by R. W. Rhodes”, Public Administration 76: 408-509. 1998. 55 39 explícito o grau de subjetividade a que o processo decisório fica sujeito, oscilando dentro do múltiplo espectro de percepção dos elementos envolvidos. No fluxo das alternativas, consideram-se as ideias à disposição, seja dentro da estrutura estatal, seja na sociedade propriamente dita, que podem servir como ponto de partida para um processo de depuração de alternativas viáveis. Mais uma vez, a subjetividade desponta como característica inerente ao processo, uma vez que a aceitação de determinada ideia depende do contínuo alargamento seu debate consensual. O fluxo político, por sua vez, integra a opinião pública e as forças políticas propriamente ditas em um jogo de custo-benefício da inserção (ou não) de determinadas questões (problemas) e suas respectivas respostas (alternativas) no debate público com maior ou menor grau de oportunidade. A formulação das políticas adviria, portanto, a partir da convergência dos três fluxos nos momentos de crise: existência de um problema, a identificação de uma resposta aceitável, cujo custo-benefício demande implementação imediata. Outra teoria que discorre sobre o processo de formação das políticas públicas é a do equilíbrio pontuado, de Baumgartner e Jones (1993)57, segundo a qual, a construção da política se dá em níveis progressivos, a partir dos quais, determinado tema passa por um processo de depuração, aceitação e conformação nas esferas técnicas, sociais e políticas. O levantamento das políticas necessárias, desse modo, ocorre não só em função dos problemas sociais, mas também a partir da compreensão e consenso de todos os vetores envolvidos no processo. Os autores destacam que ambientes onde há preponderância de elementos técnicos no processo decisório, evidenciam-se transformações mais lentas, graduais e incrementais, impactadas pelo equilíbrio do sistema decisório. Por outro lado, em estruturas com maior espaço para o debate amplo, destaca-se a incerteza, advinda da preponderância da busca pelo consenso e do “jogo político” sobre a racionalidade processual. Os parâmetros comportamentais dos agentes envolvidos, em todas as instâncias, variam da razão ao custo da imagem política, imprimindo maior ou menor continuidade de temas na agenda pública. O ciclo da formação da política pública seria, em síntese: levantamento, testes e descartes de ideias; fortalecimento e _____________ BAUGARTNER, Frank; JONES, Bryan. Agendas and Instability in American Politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. 57 40 difusão das alternativas selecionadas; perda de espaço destas alternativas na agenda. Lowi (1972)58, referindo-se a todo o processo, explicita que a política pública faz a política, ou seja, cada tipo encontra receptividade ou rejeição e a disputa por sua implementação passa necessariamente por diferentes arenas. O autor aponta para a existência de quatro formatos básicos: distributiva, regulatórias, redistributivas e as constitutivas; cada uma amalgamando grupos de veto ou apoio no seio de determinado sistema político. As distributivas dizem respeito às decisões governamentais que privilegiam grupos e/ou regiões específicas, em detrimento do todo. As regulatórias atuam de forma mais abrangente e visível, impactando a burocracia, os políticos e os grupos de interesse. As redistributivas, de caráter mais universalista, atuam no sentido contrário das primeiras; impondo perdas reais e de curto prazo a certos grupos, e ganhos incertos e de longo prazo a outros. O último tipo, as constitutivas, refere-se a procedimentos voltados para regular a criação e o funcionamento das estruturas de autoridade e das próprias autoridades. Seja qual for a forma de Política Pública, é fato que gerará controvérsias entre diferentes grupos e apoios diferenciados, sendo sua gênese, implementação e consolidação pontos sensíveis na condução da Política Nacional. Da ambiência de estudos de políticas públicas na América do Norte, surge o conceito de racionalidade limitada, no qual Simon (1957)59 afirma que a racionalidade dos decisores é limitada, refutando a ideia de onisciência do policy maker. Este atua, selecionando e ordenando alternativas maximizadoras de resultados, limitado pelo processamento heurístico60 da mente humana. Logo, sua capacidade em reconhecer, buscar e selecionar informações é restrita. O autor destaca que tal falta de onisciência deve-se, acima de tudo, a “falhas no conhecimento das alternativas, incerteza a respeito de eventos exógenos relevantes e inabilidade no cálculo de suas consequências.” (SIMON, 1980, p.42)61. _____________ 58 LOWI, Theodor. “Four Systems of Policy, Politics, and Choice”. Public Administration Review, 32: 298-310. 1972. 59 SIMON, H. Administrative behavior. New York: Macmillan, 1957. 60 Por método heurístico entende-se aquele que realiza pesquisa de quantificação aproximada em torno de certo objetivo, ou seja, algoritmos que apresentam soluções sem limites formais de qualidade x tempo. 61 SIMON, H. A. Racionalidade do processo decisório em empresas. Rio de Janeiro: Multipl. v. 1, n. 1, 1980. 41 Afinal, como as pessoas tomam suas decisões na prática? Como definem suas políticas e estratégias diante de cenários complexos, conflitos de valores, carência de informações, insuficiência cognitiva e multiplicidade comportamental? Simon (1947)62 apresenta um modelo de processo decisório composto por três fases macro, permeadas por um ininterrupto processo revisional (feedback). A primeira é a fase de inteligência ou investigação, na qual ocorre o reconhecimento do ambiente, levantando-se e concatenando dados que indiquem problemas e oportunidades, destacando-se as variáveis concernentes à situação. Na segunda, desempenho ou concepção, dá-se a criação, o desenvolvimento e a análise das prováveis linhas de ação. Nela o agente decisor define com clareza o problema, construindo e analisando as alternativas ao seu dispor conforme sua exequibilidade. A terceira fase é a da escolha: após o levantamento das alternativas aplicáveis e a análise do maior número de informações disponíveis, seleciona-se aquela que melhor atenderá ao objetivo final desejado. Ao longo de todo o processo, fases já ultrapassadas podem ser resgatadas devido a eventos inopinados, caracterizando o que o autor denominou de “feedback”. Após este ciclo inicial, seguem-se a implantação, a monitoração e a revisão, onde a opção escolhida nas fases anteriores é implantada, tendo seus efeitos sobre a nova situação analisados e acompanhados e, ao final, fruto das observações do monitoramento, fazem-se as alterações e adaptações necessárias ao aprimoramento gerencial. O processo decisório, portanto, é caracterizado pela constante inovação, complexidade e possibilidades múltiplas. Os tomadores de decisão deparam-se com problemas estratégicos, cuja formulação, identificação do problema e critério de avaliação e julgamento não se encontram, na maioria das vezes, de forma clara e evidente (MINTZBERG, RAISINGHANI e THEORET, 1976)63. A incerteza e a ambiguidade são traços marcantes no processo e, para superá-los, planejadores acabam por alterar suas percepções do ambiente, criando modelos simplificados da realidade de forma a proporcionarem melhores condições para a tomada de decisão. _____________ 62 SIMON, H. A. Adminstrative behavior: a study of decision-making processes in administrative organization. New York: MacMillan, 1947. 63 MINTZBERG, Henry; RAISINGHANI, Duru; THEORET, Andre. “The structure of'unstructured'decision processes”. Administrative science quarterly, v. 21, n. 2, 1976. 42 Michel (1973)64 atesta que processos de simplificação com objetivo de identificar problemas e formular soluções promovem estabilidade nas estratégias organizacionais, assegurando consistência às políticas a serem buscadas no longo prazo. O autor prossegue, afirmando que as simplificações, durante a fase da monitoração, conduzem a resultados mais promissores, uma vez que aumentam o nível de confiança e de comprometimento dos tomadores de decisão. Snidal (2002)65, com relação a modelos que expliquem os resultados das interações individuais e coletivas de um sistema, ressalta a importância do conceito da rational choice (escolha racional). O autor a define como uma abordagem metodológica, fundada, inicialmente, em pressupostos teóricos acerca das relações internacionais, cujo objetivo precípuo é descrever, por meio de teorias e modelos, o inter-relacionamento entre os diversos atores. Estes, tanto podem compreender apenas os Estados, como nas tradições “neo” das relações internacionais, como também outros agentes como organizações não governamentais, grupos étnicoreligiosos, etc, marcando a amplitude conceitual inerente a esta metodologia. O autor prossegue, destacando que a “escolha racional” é uma avaliação da maneira que determinados elementos possam coexistir uns com os outros enquanto estabelecem sequências e relações causais entre si. Observa, ainda, que tal metodologia possui grande afinidade com o emprego de modelos (teóricos ou não) e fórmulas matemáticas para representação dos argumentos teóricos estudados, amenizando as limitações impostas pelas incertezas e subjetividades do processo de tomada da decisão. Fica notório que as equações representativas do poder nacional constituem-se em métodos atuais e eficazes na tentativa de sistematizar as interações existentes entre os atores da arena global. Isso se verifica facilmente pelo considerável número de autores que, desde tempos remotos buscaram apresentar fórmulas que melhor representassem o poder nacional dos Estados. Buscar-se-á, a seguir, apresentar apenas algumas dessas equações, a fim de ilustrar a importância do tema para os estudos da Política e da Estratégia. _____________ 64 MICHEL, D. On Learning to Plan and Planning to Learn. San Francisco: Josscy-Bass, 1973. SNIDAL, Duncan. “Rational choice and international relations”. Handbook of international relations, v. 73, p. 74-76, 2002. 65 43 5.3 Modelos e fórmulas de avaliação do poder nacional Modelos e fórmulas voltados à mensuração das capacidades de uma nação, povo, não é privilégio dos estrategistas modernos, mas retrocede por milênios, dos dias atuais até a Idade Antiga66. Este estudo inicia, apresentando um dos modelos mais antigos de mensuração e avaliação estratégica do poder nacional, constante do tradicional compêndio A arte da guerra, de Sun Tzu (1996)67. A obra, de mais de dois mil anos de existência, inicia com o autor atestando a importância, para o Estado, de se dominar a “arte da guerra”, sendo isto condição basilar para sua segurança e até mesmo sobrevivência. A “arte da guerra” dos governantes e estrategistas chineses (militares ou não) consistia em uma metodologia de análise de risco, buscando prever cenários de risco, calcular o custo-benefício das ações e planejar possíveis soluções a cenários desfavoráveis. Sun Tzu descreve cinco fatores responsáveis por influenciar diretamente a vitória ou a derrota. Grosso modo, pode-se traduzir o modelo estratégico de Sun Tzu, a capacidade (ou poder) de uma nação para a guerra, na seguinte formulação: Poder nacional (vitória na guerra) = Lm + C + T + L + Met & Discpl Lm – Lei moral C – Céu T – Terra L – Líder Met & Discpl - Método e disciplina _____________ 66 Compreende o período da História que vai, aproximadamente, de 4000 a.C até 476 d.C (queda do Império Romano do Ocidente). 67 TZU, Sun. A Arte da Guerra. Coleção Leitura. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996. 44 A lei moral (dao) diz respeito à autoridade do governante; sua trajetória e fora moral capaz de amalgamar os súditos em tornos de uma causa. Trata-se, portanto, de uma liderança política, sustentada por princípios e valores inspirados pelo soberano, por seu exemplo pessoal, fazendo com que o povo siga seus desígnios acima de sua própria vida. O céu (tian) remete às condições físicas como o dia, a noite, as condições atmosféricas e as estações. A terra (di) refere-se a distâncias, ao relevo e à soberania. O líder (jiang) aponta para o chefe militar, o general, e sua cadeia de comando. Não apenas para suas qualidades técnicas e profissionais, mas também suas virtudes como sabedoria, sinceridade, benevolência, coragem e retidão. Por fim, no último fator, método e disciplina, Sun Tzu enquadrou o adequado ordenamento das Forças, a manutenção das estradas de suprimento, o controle dos gastos e a disciplina militar. Dessa forma, os estrategistas chineses ponderavam os cinco fatores, calculando o peso relativo de cada oponente, como ação crucial à conquista da prevalência sobre eles. O autor reforça a importância de tal método de mensuração afirmando: O general que vence uma batalha fez muitos cálculos no seu templo, antes de ser travado o combate. O general que perde uma batalha fez poucos cálculos antes. Então, fazer muitos cálculos conduz à vitória e poucos à derrota; até onde mais, levará a falta de cálculo! É graças a esse ponto que podemos prever quem, provavelmente, vencerá ou perderá. (SUN TZU, 68 1996, p. 20) . No modelo de Sun Tzu, fica notório a existência tanto de fatores objetivos como dos subjetivos, evidenciando, desde tempos remotos a capacidade e a importância da inclusão de variáveis poder/capacidade nacional. não-empíricas na construção Condições climáticas, de modelos de distâncias e topografia, por exemplo, interagem simultaneamente com valores volitivos como autoridade moral, eficácia militar e habilidade estratégica dos generais. Para os chineses da antiguidade, a importância do cálculo relacionava-se às vantagens comparativas que se teria em relação ao oponente, a partir do momento em que permitia vislumbrar cenários e acumular fatores vantajosos em relação às fraquezas dos adversários. Um líder eficaz deve considerar o conjunto de vantagens e desvantagens inerentes a cada situação, entre cada contendor, tornando-se, _____________ 68 TZU, Sun. A Arte da Guerra. Coleção Leitura. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996. 45 dessa forma, capaz de implementar planos voltados à plena consecução de seus objetivos. A arte da guerra deveria também ser flexível, pois a natureza dos fatores, das estratégicas e táticas está em constante mutação, em um quadro de desordem e caos. Não há conjuntos de variáveis ou condições que permaneçam imutáveis, tornando-se fundamentais planejamentos flexíveis e mensurações continuadas. Após a breve descrição do modelo proposto por Sun Tzu, destaca-se a formulação proposta por Johann Peter Süßmilch em 1741. Segundo Hwang (2008)69, ela destaca-se por ter sido uma das primeiras equações de poder que incorporou características peculiares do avanço da estatística. Em “Die göttliche Ordnung”70, o autor germânico afirmou que a reputação, a segurança e o pode de um país estão diretamente relacionados à sua população. A relação habitante x dimensão é fundamental para a prevalência de A sobre B. Hwang explicitou que o pensamento de Süßmilch poderia, portanto, ser resumido na seguinte fórmula: Poder nacional = Pop x Denspop ou Poder nacional = Pop x Pop Terras habitáveis Pop – população Denspop – densidade populacional Nos fundamentos dessa teoria, tem-se o conceito de que elevada densidade populacional indicava elevado grau de desenvolvimento. Ainda, considerou-se como premissa básica a ideia de que vazios demográficos seriam atrativos para conquista, devido à dispersão do povo e dos meios de defesa (SÜßMILCH, 1941 apud HWANG, 2008, p.5). Süßmilch observou também que grandes territórios implicavam maior número de fronteiras interestatais, o que se constituiria em maior potencial de conflitos. Além disso, reforçou que, em um país pequeno com elevada população, ações e _____________ 69 HWANG, Karl. “New Thinking in Measuring National Power. In: WISC,(World International Studies Committee)” 2nd Global International Studies Conference, Ljubljana, Slovenia. 2008. p. 23-26. 70 “A ordem divina” (tradução do autor); obra de Süßmilch (1741) - que trata as questões demográficas sob o conflito da visão intelectual e religiosa. 46 estratégias seriam implementadas com muito mais efetividade do que naqueles de grande extensão e com poucos habitantes. Faz-se mister destacar que, apesar de valorizar diretamente a questão populacional x territorial, o autor considerava, ainda que de forma indireta e implícita, a importância de valores intangíveis como fatores impactantes do poder de um povo. Grandes adensamentos de pessoas facilitariam, portanto, a preservação de costumes e virtudes de determinado grupo, como a bravura e a disciplina (HÖHN, 2011)71. Ferdinand Friedensburg está entre alguns poucos autores pós-Süßmilch (1741 – 1960), que teve sua teoria de formulação do poder sistematicamente explicitada. Friedensburg deixou a mineração para buscar uma formação acadêmica multidisciplinar, construindo seu cohecimento nas áreas do direito, da ciência política e geologia. Chegou a ocupar altos cargos na burocracia alemã, mas, após seu fracasso na tentativa de se eleger para o parlamento, passou a dedicar-se à pesquisa científica. Em seu livro Die mineralischen Bodenschätze als weltpolitische und militärische Machtfaktoren72 (1936), apresentou sua formula do poder, que continha, intrinsecamente, suas experiências da Primeira Guerra Mundial. Seu contato com a “guerra total” 73 fê-lo refletir acerca da importância da dimensão econômica da guerra, tão importante para a sua sustentação a longo prazo. Os Estados poderiam enfrentar situações de crise, em que dependeriam, única e exclusivamente, de seus próprios recursos. Nesse sentido, alegava que o valor da matéria prima em tempos de paz, determinado pela “oferta e procura”, incompatibilizava-se com seu real valor em tempos de guerra, onde sua obtenção dava-se “a qualquer custo”. Assim, considerando impreciso concentrar-se nos valores da produção nacional de matéria prima em tempo de paz, Friedensburg criou um índex (índex total = 100) baseado na quantidade de matéria prima necessária para o suprimento militar nas operações, conforme exemplificado na tabela abaixo: _____________ 71 Höhn, Karl. 2011. "Four Early Attempts to Develop Power Formulas (1741−1955)." Stosunki Międzynarodowe–International Relations 44 (3-4). Available at: http://powermetrics.bplaced.net/earlyformulas.pdf 72 Matérias Primas como Fatores de Poder Político e Militar (tradução do autor). 73 A teoria da “guerra total”, dentre outros aspectos, estabelecia que todos os recursos disponíveis de uma Nação devem ser considerados no “esforço de Guerra” (HÖHN, 2011). 47 Tabela 1. Relação de pesos estabelecida por Friedensburg Matéria prima Peso Carvão 40 Petróleo 20 Ferro 15 Cobre, chumbo, manganês e 4 componentes de enxofre Zinco, alumínio e níquel 2 Estanho e metais de liga de aço 1 Mercúrio e antimônio Fonte: o autor 0,5 74 A partir desses pesos, Friedensburg calculou o grau de auto-sustentação em termos de capacidade logística: 100 significava plena autononia; 0, total dependência externa. Uma vez determinados os índices de auto-sustentação de cada ator, o autor propôs a multiplicação do valor por sua população, segundo a equação abaixo: Poder militar = suprimento de matéria-prima x população Höhn (2011) multiplicou os índices de auto-sustentação calculados à época por Friedensburg pela população dos respectivos países (em 1936), chegando ao seguinte resultado: Tabela 2. Poder militar dos países em 1936 _____________ 74 Baseado em F. Friedensburg, Die Mineralischen Bodenschätze als weltpolitische und militärische Machtfaktoren, Stuttgart (1936, p.182, apud HÖHN, 2011, p. 285) 48 PAÍS ÍNDICE DE POPULAÇÃO PODER MILITAR AUTOSUSTENTAÇÃO Russia 80 172.800.000 13.824.000.000 Estados Unidos 90 127.520.000 11.476.800.000 Alemanha 62 67.190.000 4.165.780.000 Japão 43 69.450.000 2.986.350.000 Reino Unido 55 50.140.000 2.757.700.000 França 48 41.975.000 2.014.800.000 Itália 19 42.500.000 807.500.000 Tchecoslováquia 48 15.155.000 727.440.000 Bélgica-Luxemburgo 32 8.597.000 275.104.000 Fonte: o autor 75 Outro trabalho em torno de modelos representativos de poder foi o de John Quincy Stewart, astrofísico americano. Stewart passou a se interessar pelas ciências sociais, pautando seus estudos pela aplicação dos conceitos da astrofísica aos fenômenos sociais nelas. A partir do conceito de “gravitação demográfica” 76 e sob forte influência da Geopolítica, fez as seguintes proposições: a influência aumenta com o número de pessoas; a influência diminui com a distância. Assim, apresentou a seguinte formulação: População potencial = = ∑ = + + …+ 77 A população potencial em determinado ponto “i” é o somatório de “n” populações “P” com acesso a “i”, dividido por suas distâncias “d” até este ponto. O conceito de população potencial refere-se à distância média de determinado grupo _____________ 75 Baseado em F. Friedensburg, Die Mineralischen Bodenschätze als weltpolitische und militärische Machtfaktoren, Stuttgart (1936, p.182, apud HÖHN, 2011, p. 286). 76 Demographic gravitation (tradução do autor) – aplicação do conceito de gravitação física ao comportamento demográfico. 77 Disponível em http://www.answers.com/topic/population-potential. 49 de pessoas até certo ponto. Stewart, entretanto, considera mais realista considerar a densidade populacional, devido à abrangência e alcance da influência de uma população além do seu entorno (HÖHN, 2011). Em seu paper “Natural Law Factors in United States Foreign Policy”, de 1954, Stewart acrescentou os seguintes fatores à sua fórmula: “massa social”, Kilowatt-hora e bytes de informação78. O primeiro seria a tonelagem de material de determinado distrito que teria sido movimentado ou fabricado com propósitos sociais. Höhn (2011) explicita que há dúvidas acerca da disponibilidade de dados disponíveis para a mensuração da “massa social”, mas destaca que foi utilizada como meio de enfatizar os diferentes níveis de evolução tecnológica entre populações distintas. Kilowatt-hora e bytes de informação também visavam à inclusão de variáveis pertinentes à “era da computação”, já iniciada. A nova fórmula passou a ter a seguinte conformação: Influência = “massa social” / distância ou Política potencial = tecnologia x população / distância O modelo proposto por Stewart incorporou fortemente os preceitos da Geopolítica, afirmando que o poder dos países varia conforme sua localização. Por esse raciocínio, a influência alemã sobre a Dinamarca é superior se comparada à Nova Zelândia (HÖHN, 2011). Este autor reforça que o impacto do poder de uma Nação diminui quando a distância entre esta e a Nação impactada aumenta. Portanto, nem todas as Nações estarão sob a mesma pressão resultante do poder nacional de outros. Höhn destaca também as conclusões de Alexander Supan, muito similarmente à Stewart, propôs um coeficiente de pressão de forma a calcular a quantidade de pressão externa atuando sobre determinado país. Segundo ele: Coeficiente de Pressão = população / população total dos vizinhos79 _____________ 78 J.Q. Stewart, Natural Law Factors in United States Foreign Policy, “Social Science” 1954, Vol. 29, NO 3, p.130. 79 Supan (1922 apud HÖHN, 2011) afirmava que alguns poderiam preferir utilizar o tamanho das forces armadas ao invés de população, pura e simples. 50 Philip Quincy Wright, cientista político americano, publicou, em 1955, “O estudo das Relações Internacionais” 80 , no qual destacou a existência de quatro métodos para o estudo das Relações Internacionais: histórico-descritivo, analíticoracional, prático-sintético e matemático-estatístico. Para ele, o mundo seria um campo de condições, valores, ideais, atitudes, tudo em um fluxo dinâmico, que a todo instante exerce determinado grau de influência sobre as ações dos indivíduos, organizações e nações (WRIGHT, 1955, apud HÖHN, 2011). Prosseguindo em sua análise, Wright também fez distinção entre os campos geográfico e analítico. O primeiro, objetivo, trata dos acontecimentos reais no tempo e espaço; o segundo, subjetivo, engloba a o contínuo e influenciável processo de escolhas, decisões e ações. Prossegue, ainda, destacando a existência de duas dimensões: a dos valores e a das capacidades do sistema. As tendências, em cada sistema, seriam representadas por vetores, cujos movimentos indicariam estabilidade ou instabilidade. Trata-se de “[...] visão orgânica das Relações Internacionais, com ênfase no inter-relacionamento de coisas e eventos. [...]” 81 (RUMMEL, 1975, p.62)82. Ao tratar especificamente acerca do poder, Wright (1955) destaca que o ordenamento do poder dos países depende de seu perfil belicoso, potencial militar, moral nacional e reputação internacional. O primeiro, de vital importância no início dos quadros conflituosos, compreende capacidade de liderança militar, estadomaior, forças mobilizadas, material militar (terrestre, naval e aero) e bases. Passado o momento inicial de beligerância, o potencial militar passa a assumir papel de destaque, englobando recursos naturais, população, riqueza, inventividade e ciência. A longo prazo, tem-se a moral nacional ocupando posição destacada, sendo influenciada pela efetividade do governo, níveis de educação e liderança nacional. _____________ 80 WRIGHT, Q. The Study of International Relations, New York 1955 (tradução do autor). 81 “It is an organic view of international relations emphasizing the interrelations of things and events.” (Tradução do autor). 82 RUMMEL, R.J. “Understanding Conflict and War”, Vol. 1: The Dynamic Psychological Field, New York, 1975, p. 60. 51 Por fim, a reputação internacional, diretamente afetada pelos outros fatores, impactará na capacidade de efetivar alianças e na obtenção de apoio global. Longe de adotar uma posição realista, na qual os Estados dependeriam, mormente, de suas capacidades militares e econômicas, Wright defendeu sua autopreservação por meio da incorporação dos preceitos do direito internacional e do reforço das organizações internacionais, destacando a importância do último fator apresentado - reputação internacional – na conformação do poder das nações. O autor definiu seis dimensões de valores e seis dimensões de capacidades. Uma delas, “força-fraqueza” é definida pelo potencial militar, de acordo com a seguinte fórmula: Potencial militar = população x produção secundária de energia83 Contemporâneo de Wright, 1956, Klaus Knorr era economista e cientista político, tendo dentre seus objetos de estudo as transformações inseridas no interrelacionamento dos Estados após o início da era nuclear. Para ele, o modelo de conflito das I e II Guerras Mundiais estavam ultrapassados e, portanto, os policy makers deveriam voltar-se para novos paradigmas políticos-estratégicos. O conflito de massas, de longa duração e extremamente dependente do potencial mobilizável, fora substituído por engajamentos limitados no espaço e tempo, com alvos e objetivos pré-selecionados e bem definidos. Knorr defendeu o conceito de potencial econômico de guerra, destacando sua grande utilidade como ferramenta útil de análise político-estratégica. Segundo o ponto de vista tradicional, potencial econômico de guerra seria a capacidade de constituir forças militares e sua sustentação logística durante o tempo de guerra, ampliando o poder de combate existente em tempos de paz. Seu emprego como ferramenta de análise dava-se de duas formas: (a) preditivo, por meio do qual se constitui em meio de apoio para se avaliar o poder militar dos diversos países; e (b) manipulativo, auxiliando na escolha de políticas voltadas ao incremento do poder militar de determinado Estado (KNORR, 1957)84. _____________ 83 Energia secundária pode ser entendida, grosso modo, como o consumo de energia ou produção de eletricidade (HÖHN, 2011, p. 290). 84 KNORR, Klaus. “The Concept of Economic Potential for War”. World Politics, v. 10, n. 1, p. 49-62, 1957. 52 Entretanto, o próprio autor destaca como imperiosa a atualização conceitual, fruto da evolução da natureza dos conflitos já mencionada. O termo “potencial de guerra”, portanto, deveria ser substituído por “potencial militar” ou “potencial de defesa”, ampliando o espectro militar, que abrange desde a manutenção status quo militar do tempo de paz, passando por ações de polícia e conflitos limitados, até ilimitados conflitos nucleares. O autor define, assim, potencial militar como a capacidade de um país de desviar recursos para a defesa na paz ou na guerra (KNORR, 1957), sendo representado pela seguinte equação teórica: Potencial Militar = Eco + Adm + Vtde Eco – Capacidade econômica Adm – Competência administrativa Vtde – Vontade O fator “capacidade econômica” engloba também aspectos tecnológicos, entrada de mão de obra e outros recursos produtivos. Knorr ressalta que, mesmo na guerra, uma Nação não é capaz de desviar todos os seus recursos para o sustentar a beligerância. A proporção segundo a qual os fatores econômicos serão redirecionados para a defesa dependerá, basicamente, da estrutura de produção pré-existente (recursos naturais, trabalho, capital e tecnologia) e da vontade nacional de desviar os recursos para o fim belicoso. Nesse contexto, o fator “vontade” se autodefine, referindo-se ao preço a ser pago com o contingenciamento de recursos para o incremento do poder militar; não apenas no campo financeiro, mas com impactos diretos no consumo, lazer, conforto, segurança e outros. Independentemente do grau de “vontade” para o dispêndio de recursos, o resultado do poder militar dependerá diretamente da “Competência administrativa” daquele Estado no tratamento dos meios à disposição. Na prática, não basta que um país consiga ter um orçamento de defesa vultosa, mas que consiga gastá-lo com eficiência e eficácia. 53 German (1960)85 destaca que o poder de uma nação deve ser objeto de grande cuidado e atenção por parte de seus líderes, uma vez que os resultados das rivalidades globais impactam bilhões de vidas, irrevogavelmente, a curto, médio e longo prazo. O autor destaca que os tradicionais fatores componentes do poder nacional, outrora decisivos no jogo de forças do tabuleiro internacional, deram lugar a outros, tão importantes quanto, para onde a atenção dos planejadores e decisores dos Estados deveria, assim, voltar-se nesse novo momento. Ao lado de capacidades como efetivos, eficiência e dispositivo de Forças, armamento nuclear; economia, variáveis ideacionais e influência política renovavam seu papel, tornando-se cruciais para a “nova” conformação do poder. A prevalência de um Estado sobre os demais passava a depender de muito mais aspectos do que simplesmente das decisões diplomáticas e militares. O autor selecionou quatro dimensões básicas, buscando elencar fatores e variáveis interdependentes, cuja soma, representasse o poder nacional estimado. German destacou que as dificuldades para a obtenção de dados precisos e objetivos, muitas vezes, conduzem a simplificações teóricas, com consequente perda de rigor estatístico. A seleção dos fatores e suas variáveis, além se sua real relevância na composição do poder de uma nação, também considerou a facilidade de obtenção de dados e sua precisão estatística, buscando-se eliminar ao máximo as distorções, na medida do possível. As dimensões escolhidas foram: economia nacional, território, população e poder militar. Seu modelo pode ser descrito da seguinte forma: Poder = N × (T + P + E+ M ) T: função de território e uso de território; P: função de mão-de-obra, uso da mão-de-obra; E: função de economia nacional; M: função de poder militar convencional; N: 2 se possui armas nucleares e 1 se não as possui. _____________ 85 GERMAN, F. Clifford. “A tentative evaluation of world power”. Journal of Conflict Resolution, p. 138-144, 1960. 54 Com relação ao território, o autor assevera que é incontestável a importância da área absoluta. Acrescenta afirmando que seu potencial seria ampliado de acordo com espaços disponíveis para dispersão, para manobras e, principalmente, pela existência de comunicações adequadas. Grandes vazios espaciais, completamente isolados, seriam, portanto, meras áreas passivas, irrelevantes para a potencialização das capacidades estatais. Sua base de cálculo foi a área do país em milhares de quilômetros quadrados, divididos por 5, 10 ou 20, de acordo com uma escala de densidade populacional. Ainda, dividida por 1/3, 1/2 ou 2/3, dependendo da qualidade das comunicações internas, avaliadas pela proporção estradas de ferro (milhagem)/área. A população deveria ser considerada em termos de mão-de-obra ativa86 e disponível. Destes, considerava-se apenas aqueles cuja produção de alimentos do país era capaz de alimentar. No caso de excedente alimentar, adicionava-se um virtual número populacional referente a esse superávit. Ainda, German destacava que a moral de um povo, representada por índices de corrupção, apatia, pobreza, e outros, também impactavam diretamente o fator população. Nesse sentido, o total da população ativa poderia ser alterado de até 50%, conforme fosse o grau, positivo ou negativo, da moral do povo. Outros dados levados em consideração na análise do fator população eram o consumo de energia anual por cabeça da população ativa (no caso específico, medido em toneladas de carvão ou equivalente) e o número de trabalhadores fabris, que eram contabilizados cinco vezes a mais que os outros. No caso do fator econômico, dever-se-ia considerar as seguintes variáveis: a produção de aço e de carvão, ambos medidas em tonelagens métricas por ano (milhões); produção de linhita e petróleo bruto; capacidade hidroelétrica. Além destes, o autor coloca índices de superávit ou déficit de alguns produtos que eram considerados no cômputo da equação: aço, petróleo, minerais e produtos de engenharia. O autor reforçava que a soma dos três fatores apresentados (território, população e economia) representavam as contribuições físicas, humanas e de recursos de um país para a composição de seu poder nacional, sendo a parcela que pode, usualmente ser avaliada e medida, nos tempos de paz e normalidade, evidenciando pontos fortes ou fraquezas, equilíbrios ou desequilíbrios. Entretanto, o _____________ 86 Somente aquelas pessoas com a idade entre 15 e sessenta anos (GERMAN, 1960, p. 3) 55 poder de um Estado só estará completo com o fator militar, indispensável para a defesa dos interesses na nação em tempos de crise. Na equação de German, as capacidades militares foram divididas de duas maneiras: as convencionais e a nuclear. No primeiro caso, o efetivo de tropas em milhões deveria ser multiplicado por dez e somado ao total da população não militar. No caso do armamento nuclear fica evidente sua importância como multiplicador do poder total de um Estado. Países possuidores de armas nucleares teriam a soma total dos outros fatores multiplicados por dois. Outros autores deste período, como A.F.K. Organski (1958)87, Charles Hitche Roland McKean (1960)88, consideraram o PNB (Produto Nacional Bruto) como fator primordial na conformação do poder dos Estados, sendo base ao incremento de outros campos. Sua proposta de modelo representativo do poder nacional é: Poder = PNB = PIB + NI – NO PNB: Produto Nacional Bruto PIB: Produto Interno Bruto NI: Renda estrangeira gasta no país NO: Renda nacional gasta no exterior Inis Claude (1962)89 e Karl Deutsch (1968)90 prosseguem na linha dos pesquisadores acima, que apresentaram modelos simplificados do poder nacional. Ambos centram seus estudos nas Forças Armadas, apresentando variáveis diretamente relacionadas com suas capacidades: efetivos, material de emprego militar, liderança, capacidade de mobilização, etc. _____________ 87 ORGANSKI, A.F.K., World Politics, New York: Knopf, 1958. HITCH, Charles; MCKEAN, Roland . The Economics of Defense in the Nuclear Age. Cambridge: Harvard University Press, 1960. 88 89 CLAUDE, Inis L.. Power and International Relations, New York: Random House, 1962. 90 DEUTSCH, Karl W.The Analysis of International Relations. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1968. 56 Poder = Ʃ FFAA FFAA: variáveis militares Bruce Russett (1968)91 e Oskar Morganstern et. al. (1973)92, por outro lado, focaram a avaliação do poder nos fatores energéticos. Neste ponto, resgatam conceitos teóricos prévios que atribuem ao consumo de matérias-primas, em geral, e energia, em particular, elevada importância para a construção das teorias prévias, como as de O poder de um país estaria relacionado a seu consumo de energia., centra a sua análise no consumo total de combustível e eletricidade, indicadores também adotados: = + Comb: Consumo de combustível Elet:Consumo de eletricidade Alcock e Newcombe (1965)93 entendem que as Relações Internacionais, uma vez, ciência, necessitam buscar e aprimorar métodos quantitativos para avaliar e medir uma de suas variáveis mais tradicionais: o poder nacional. Entretanto, para os autores é imperiosa a separação e distinção entre o poder percebido e o poder real; poder subjetivo e poder objetivo. Metodologicamente, foi aplicado um questionário a trinta e oito indivíduos canadenses, selecionados de forma heterogênea, mas equilibrada, entre adultos, estudantes, homens, mulheres. As idades variavam de 15 a 61, sendo a media 29 anos; o tempo de educação médio era de 14 anos. O questionário buscava o ordenamento de 122 países, segundo a percepção dos integrantes da pesquisa em relação ao seu poder. Os 10 primeiros mais poderosos seriam avaliados separadamente, e os demais, em quatro grupos (cada um contendo 28 países) em _____________ 91 RUSSETT, Bruce M., “Is There a Long-Run Trend Towards Concentration in the International System?” Comparative Political Studies, Vol. 1, 1968. 92 93 MORGANSTERN, Oskar, et al.. Long Term Projections of Political and Military Power. Cambridge: Ballinger, 1973. ALCOCK, Norman. Z.; NEWCOMBE, Alan G. “The Perception of National Power”. Journal of Conflict Resolution, V. 4. 1965. 57 ordem decrescente de poder. A partir daí, foram pontuadas da seguinte maneira: de 1 a 10, dentro do primeiro grupo; 24,5, no segundo; 52,5, terceiro; 80,5, no quarto; e 108,5, no último, produzindo um ordenamento, conforme a percepção do universo/amostra pesquisado. Para determinar os fatores levados em consideração pelos indivíduos pesquisados para ordenar os países de acordo com seu poder, bem como determinar a equação que melhor reproduziria os resultados da pesquisa, realizaram-se, passo a passo, regressões lineares múltiplas. selecionaram-se variáveis independentes, tendo por base Para tanto, quatro critérios: independência, universalidade, relevância e precisão. Ao final, obtiveram-se duas equações capazes de representar o ordenamento obtido na pesquisa original, a saber: = − , + ", # $ + ", %# &'()$ + ", "* +()$ e = #, % − ", "# $ + ", # &' Pop - População PNB - Produto Nacional Bruto PNBcap - Produto Nacional Bruto per capta Acap – Densidade populacional Fucks94, em 1965, desenvolveu um método para mensurar o poder relativo entre Nações por meio de fatores quantificáveis. Valendo-se de métodos estatísticos e matemáticos, o professor alemão afirmou que o poder de um Estado poderia ser medido a partir da seguinte equação: = ( ) + (. ) _____________ 94 MICHAELS, Daniel W. "Formulas for Power: A Review of Formeln zur Macht." Book review. The Professional Geographer 18 (5), 305−310,1966. 58 E: Produção energética P: População S: Produção de aço Singer e Small (1972)95 elaboraram uma fórmula baseada na média da soma da população total, da população urbana, da produção de aço, da produção de combustível e / ou carvão, dos gastos militares e do efetivo das Forças Armadas: = $/ + $0 + )ç + ( + 12)3 3 + 44++ 56 $/ - População total - População urbana $0 )ç ( - Produção de aço - Produção de combustível 12)3 3 44++ - Gastos militares 56 - Efetivo das Forças Armadas Ferris96, em 1973, estudou as alterações concernentes ao incremento do poder estatal comparando seis fatores entre 1850 a 1966: território, população total, receitas governamentais, gastos com defesa, valor do comércio internacional e tamanho das Forças Armadas. Sua equação foi expressa da seguinte forma: Poder = A + P + RGov + Gdef + FFAA A - Área P - População total _____________ 95 96 SINGER, J. David; SMALL, Melvin. The Wages of War, 1816-1965: A Statistical Handbook.. John Wiley New York, 1972. FERRIS, Wayne H. The Power Capabilities of Nation-States: International Conflict and War. Lexington: Lexington Books, 1973. 59 RGov - Receitas governamentais Gdef - Gastos com defesa Cint - Valor do comércio internacional FFAA - Tamanho das Forças Armadas Richard (1975)97 propõe área, população, produção de aço, efetivo das Forças Armadas e número de mísseis transcontinentais, compondo a fórmula abaixo: Poder Nacional = A + Pop + Paço + FFAAEftv + Mis A - Área Poder Area Pop - População Paço - Produção de aço FFAAEftv - Efetivo das Forças Armadas Mis - Nr de mísseis transcontinentais Cline (1975)98 explicita a seguinte formulação cratológica99: Poder = (C + E + M) × (S + W) C - massa crítica = população + território E - capacidade econômica M - capacidade militar S - coeficiente de Estratégia nacional W - vontade nacional Em sua íntegra, a equação acima fundou-se no “núcleo duro” dos fatores componentes do poder nacional: os meios econômicos (e neste contexto inclui-se a população e o território; mão-de-obra/mercado consumidor, recursos disponíveis) e os militares. Identifica-se, também, uma parcela de caráter qualitativo, cuja definição _____________ 97 RICHARD, M. Modern Political Geography. Mac Millan Education: London and Hong Kong, 1975. CLINE, Ray S. World power assessment: a calculus of strategic drift. Boulder, Colorado: Westview Press, 1975 99 Cratologia é o estudo científico do poder e de suas dinâmicas atreladas à área internacional (CASTRO, 2012, p 163). 98 60 das variáveis evidencia avaliações com considerável grau de subjetividade (vontade nacional). Cline ressaltou a importância da fórmula como meio de se identificar a situação do Estado (no caso, os Estados Unidos) em termos de equilíbrio de forças, desvendando ameaças e oportunidades que se apresentavam no sistema internacional à época. O autor reforça que a tentativa de quantificação é eficaz em se medir o poder percebido pelos governos, muitas vezes influenciados por conceitos e doutrinas populares, o que os afasta do poder real. Percepções são voláteis, implicando, assim, em constantes atualizações na medida do poder calculado. Com relação aos fatores componentes da fórmula, Cline denominou “massa crítica” a soma das variáveis população e território. Para o primeiro, elaborou-se uma lista de ordem decrescente dos Estados mais populosos, atribuindo pontuações por faixas de habitantes. Para o território, similarmente, estabeleceu pontuações, levando-se em consideração a área, a localização geográfica e as potencialidades de cada país. No caso da capacidade econômica, o autor destacou os aspectos renda (Produto Nacional Bruto), energia, minerais estratégicos, capacidade industrial, capacidade alimentar e comércio internacional; na militar, balanço estratégico, capacidades para o combate e bônus por desempenho. Com relação No fator vontade nacional, de alto valor subjetivo, Cline destacou, como variáveis a serem consideradas, o nível da integração nacional (cultural e territorial), a força da liderança nacional e a coerência entre a estratégia e o interesse nacional. Beckman (1984)100 inseriu em sua equação uma variável qualitativa, a estabilidade política, relacionando-a com fatores tradicionais como o econômico, representado pelo autor pela percentagem na produção de aço mundial; e o populacional. A fórmula resultante foi: = +ç × ( $ × 3 ) Aço - Percentagem na produção mundial de aço Pop - Percentagem da população mundial _____________ 100 BECKMAN, Peter. World Politics in the Twentieth Century. Prentice-Hall. Englewood Cliffs, NJ, 1984. 61 EstbPol - Estabilidade política Chang (2004)101, seguindo os passos de Cline, Singer e Small, propôs três modelos para avaliar o poder: Modelo1: = &' × &' 9: ;) "" Modelo 2: = 1)33) ( í ;() + $ 1)33) ( í ;() = $ ; ; $ × 9: ;) ( :ô ;( = ; ;;) = ( :ô ;( + $ "" + Á ) ) 9: ;) ;;) × "" &' × "" &' 9: ;) 12)3 12)3 Á ; 3 3 9: ;) × "" Modelo 3 =1 × : : 2 ()$ 2 ()$ 9: ;) PNB - Produto Nacional Bruto Pop - População Mgastos - Gastos militares _____________ 101 CHANG, Chin-Lung. A Measure of National Power. Conference Paper. The National University of Malaysia, Bangi, Fev. 2004. 62 Energcap: Consumo de energia per capita Chang avalia comparativamente os resultados da aplicação dos três modelos, entre si, e com os obtidos pelo constructo de Cline, concluindo que o Modelo 2 evidencia melhores resultados, seja em termos teóricos, seja em aplicações estratégicas. Sem a pretensão de fornecer uma equação ou um sistema de pesos e de pontuações, Tellis et. al. (2000, pp. 35-51)102 identificam três dimensões de análise do PN. A primeira refere-se aos ‘recursos nacionais’, o que um país necessita para alcançar um nível de desenvolvimento econômico que o permita dominar os ciclos de inovação na economia mundial e aumentar seu poder hegemônico por meio da construção de Forças Armadas altamente sofisticadas, preparadas e eficientes. Assim, é preciso avaliar os ‘recursos humanos’ de uma nação, ‘capital disponível’, ‘recursos físicos’ (geografia, território, recursos naturais), ‘empreendimento’ e ‘tecnologia’. A segunda diz respeito à ‘performance nacional’: restrições externas, capacidade infra-estrutural (que inclui análise institucional e da legitimidade governamental) e ideational resources (comprometimento da população com a obtenção de riqueza e poder para seu país). São os mecanismos que permitem transformar seus recursos (latent power) em instrumentos tangíveis de poder (usable power). Esta dimensão é introduzida para tentar identificar como é a relação de um Estado com sua sociedade e como esse relacionamento afeta o PN. Trata-se de inferir três aspectos fundamentais para o poder de um Estado: A capacidade de para discernir que tipo de produção sócio-técnica é mais apropriado para aumentar seu poder face os desafios da competitividade internacional; A capacidade de desenvolver os recursos mais apropriados para dominar os ciclos de inovação e os processos da política internacional e; A capacidade de transformar os recursos existentes em instrumentos efetivos para assegurar os resultados desejados no âmbito econômico e militar. _____________ 102 TELLIS, Ashley J. Measuring National Power in the Post-Industrial Age. Rand Corporation, 2000. 63 A terceira dimensão – ‘capacidade militar’ – busca identificar os sinais manifestos do poder através da proficiência em combate das Forças Armadas. Segundo os autores, esta é a mais importante manifestação do poder estatal. A análise da ‘capacidade militar’ adota a mesma divisão em três dimensões (D). Os recursos estratégicos D1(orçamento militar, infra-estrutura, instituições, indústria de defesa, efetivo, etc.) são transformados em D2 (dimensão da performance – natureza da doutrina militar, relações civil-militares, capacidade de inovação, restrições e desafios externos) tendo como resultado a aptidão em combate D3 : D1 = RH + CD + RF + E + T D2 = RE + CI + RI D3 = FFAA D1, D2, D3 - Dimensões 1, 2 e 3 RH - Recursos humanos CD - Capital disponível RF - Recursos físico/geográficos E - Empreendimento T - Tecnologia RE - Restrições externas CI - Capacidade infra-estrutural RI - Recursos ideacionais FFAA - Proficiência em combate das Forças Armadas O enfoque de Tellis et. al. (2000), embora abrangente e bem fundamentado, é ainda centrado em aspectos tradicionais de poder. As variáveis políticas supracitadas são avaliadas como indicadores da capacidade de um Estado de mobilizar e transformar seus recursos em poder militar. A identificação do Poder Efetivo com a “military capacity” tropeça na questão levantada por Boudon e 64 Bourricaud (1989, apud TELLIS et. al., 2000, passim) e por Baldwin (2002)103 acerca da importância do contexto – negociações meio-ambientais, econômicas, de segurança. Para Keohane e Nye (2001)104, avanços tecnológicos, economia e política estão intimamente conectados e não há um âmbito que prevaleça sobre os demais. Hwang (2008)105 procura atribuir pesos diferenciados aos fatores que considera integrantes do PN. Então, estipula que o ‘tamanho da economia’, a ‘expectativa de vida’, ‘educação’ e ‘integridade’ (índice de corrupção) respondem por 6,25% da fórmula de PN cada um; ‘os gastos militares’ e a ‘produção de armas’, por 12,50% cada; e a ‘produção energética’ e ‘armas nucleares’ por 25% cada. O seu Integrated State Power (ISP) revela, ademais, em que medida o poder do país está concentrado ou balanceadamente distribuído nesses diversos fatores, considerando o equilíbrio o melhor resultado: Poder = 0,25En+0,25AN+0,125GM+0,125PA+0,0625Ec+0,0625EV+0,0625Ed+0,625Int EN - Produção energética NA - Armas nucleares GM - Gastos militares PA - Produção de armas Ec - Tamanho da Economia EV - Expectativa de vida Ed - Educação Int - Integridade (Índice de corrupção) _____________ 103 BALDWIN, David A. “Power and International Relations”. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas and SIMMONS, Beth A. (editors) Handbook of International Relations. USA: SAGE, 2002, pp. 177-191. 104 KEOHANE, Robert Owen; NYE, Joseph S. Power and interdependence. New York: Longman, 2001. 105 HWANG, Karl. “New Thinking in Measuring National Power”. In: WISC,(World International Studies Committee) 2nd Global International Studies Conference, Ljubljana, Slovenia. 2008. p. 23-26. 65 As iniciativas orientais tiveram um começo mais tardio, contudo sua contribuição teórica nas últimas décadas é abundante. A China, desde 1987, vem desenvolvendo ampla pesquisa sobre a medição do PN, destacando-se o índice de Comprehensive National Power (CNP), da Chinese Academy of Social Sciences (CASS), posteriormente modificado por Hu Angang e Men Honghua (2002) e por Huang Shuofeng, da Chinese Academy of Military Science (AMS). A tendência chinesa parece ser de inclusão de elementos de soft power (fatores culturais, tecnológicos, entre outros) e de um número cada vez maior de variáveis. Hu e Men usam vinte e três índices, A CASS tem como base sessenta e quatro fatores e a AMS utiliza, além dos indicadores principais, vinte e nove variáveis secundárias e mais de cem terciárias. O National Security Council Secretariat, da Índia, elaborou o National Security Index (NSI), primeiramente publicado em 2002 e com periodicidade aproximadamente anual. O NSI é constantemente revisado, tanto em termos metodológicos quanto em termos de fontes para os dados. Em 2007, o ‘poder econômico’ correspondia a 25% da fórmula final; a ‘capacidade de defesa’, 25%; a ‘segurança energética’, 20%; o ‘poder tecnológico’, 15%; e a ‘população efetiva’, 15%. Poder (NSI) = 0,25PE + 025CD + 0,20SE + 0,15PT + 0,15Pop NSI - National Security Index PE - Poder econômico CD - Capacidade de defesa SE - Segurança energética PT - Poder tecnológico; Pop - População efetiva Arvind Virmani (2005)106 é o criador do Índice de Virmani 1 de Poder Atual (VIP1) e do Índice de Virmani 2 de Poder Potencial (VIP2). Segundo esse autor, o PN tem dois componentes: 1) o poder potencial que depende do seu poderio econômico e da sua capacidade tecnológica, e 2) a capacidade militar que _____________ VIRMANI, Arvind. VIP2: “A Simple Measure of a Nation’s (Natural) Global Power”. Indian Council For Research On International Economic Relations. Índia, 2005. 106 66 compreende seu aparato de defesa e o domínio de tecnologias consideradas estratégicas para o atingimento de superioridade militar. Juntos esses componentes definem o Poder Atual. A base do PN é, na realidade, a robustez econômica do país. A capacidade econômica, ou poderio econômico relativo dos países é, normalmente, avaliado através da comparação do Produto Interno Bruto-PIB de cada um deles, medido levando em consideração a Paridade do Poder de Compra-PPC. Quanto às tecnologias, é feita a distinção entre as consideradas comerciais, de uso generalizado, e aquelas relacionadas com emprego bélico, sendo estratégicas e criticas para o Poder Atual. Virmani propõem e utiliza o PIB per capita, calculado considerando a PPC, como a capacidade tecnológica geral de uma economia. Ele justifica que este é o mais simples e melhor índice disponível de capacidade tecnológica geral de uma economia, uma vez que há uma alta correlação (mas não perfeita) do PIB per capita com a capacidade tecnológica dos países. Segundo Virmani, o Poder Potencial Nacional - PPN é dado pelo produto: PPN = (PIB)(PIB/Pop)α onde 0 ≤ α ≤ 1 O Índice de Virmani de Poder Potencial VIP2 de um país é dado pelo seu NPP conforme definido acima, mensurando em relação ao do país de maior valor (considerado como 100%), sendo neste caso, o valor atual dos Estados Unidos. VIP2 = (PIB/PIBEUA)×[( PIB/Pop) ÷ (PIB/Pop)EUA]α 0≤α≤1 O Índice de Poder Atual VIP1 é definido como uma função do Poder Potencial VIP2 e dos ativos estratégicos Ks (tecnologias, habilidades e equipamento para a defesa), estes sendo ponderados em relação aos ativos estratégicos de maior valor, ou seja, novamente, àqueles dos Estados Unidos (benchmark). VP1 = (VP2)1-σ × (Ks/KsEUA )σ Kts = Єt Et / pt – δKt-1s PPN - Poder Potencial Nacional onde 0 < σ < 1 67 VIP2 - Índice de Virmani de Poder Potencial PIB - Produto Interno Bruto(PPC) Pop - População VIP1 - Índice de Virmani de Poder Atual KS - Estoque de tecnologias estratégicas Ͼ - Parâmetro de eficiência T - Tempo E - Custo da tecnologia P - Deflator do preço da tecnologia δ: Taxa de depreciação do estoque de tecnologias Virmani ainda afirma que ambição e determinação, a vontade de poder, tem um papel fundamental na transformação de poder potencial em pode atual. Dois atributos positivos desse trabalho são o grande número de indicadores pesquisados (87) e o fato de incluir aspectos normalmente alheios às medições prévias como o astro-espacial (número de satélites militares em órbita, número total de satélites em órbita, etc.) e o transnacional (percentagem da população nascida no exterior, participação no Conselho de Segurança da ONU e em outras organizações internacionais, número de turistas estrangeiros, etc.). Já sob a influência da complexidade contemporânea, Hazfenia (2008)107 procurou afastar-se do enfoque realista tradicional, incorporando, em sua formula, variáveis que reforçam a importância do culturalismo, das idiossincrasias étnicas, religiosas e socioculturais na conformação das novas estruturas do poder mundial, chegando à seguinte proposta: P = fator político + fator econômico + fator cultural + fator social + fator militar + fator territorial + fator científico-tecnológico + fator transnacional e fator aeroespacial. Metodologicamente, Hazfenia baseou-se em estudos prévios acerca da mensuração do poder nacional, procurando aperfeiçoá-los. Para isso, selecionou variáveis existentes em 28 modelos teóricos representativos do poder nacional, além daquelas sugeridas em entrevistas e questionários, em um total de 280. Após o _____________ 107 HAFEZNIA, Mohammad Reza et al. Presentation a New Model to Measure National Power of the Countries. Journal of Applied Sciences, v. 8, p. 230-240, 2008 68 devido tratamento dos dados, relacionou 87 variáveis, distribuídas pelos nove fatores acima elencados. Se para outros, por exemplo, bastava um largo território, grande população e seus vastos recursos econômicos para potencializar as capacidades de determinada unidade política; na concepção de Hazfenia, o mesmo Estado, com graves assimetrias e instabilidades sociais de diversas ordens (problemas de saneamento básico crônico, baixo nível de escolaridade, conflitos religiosos, etc) teria seu poder relativo diminuído. Hafeznia, 2008, chegou a uma “equação” do poder que contem nove fatores principais a serem considerados como os que mais interferem nessa mensuração. O pesquisador destaca a qualidade de seu trabalho em relação a trabalhos prévios, fruto da busca por maior precisão metodológica na obtenção dos dados: A new model is presented to measure national Power; it is much better than the previous models. Paying attention to all the aspects of the national power (economical, social, cultural, political, military, astro-space, territorial, scientific and technological and transnational), paying attention to the usage of 87 factors, stressing the usage of new and strategically compatible variables to the current time are some of the benefits of this model. Para Hafeznia, o poder nacional de um Estado pode ser expresso pela seguinte expressão: P=f (E+S+C+P+M+AS+T+STT) E – fator econômico S – fator social C – fator cultural P – fator político M – fator militar AS – fator aeroespacial T – fator transnacional STT – fator científico-tecnológico Pode-se inferir que poder é medido em função de nove aspectos (econômico; social; cultural; político; militar; aeroespacial; científico-tecnológico e transnacional). 69 A diferença deste modelo para os outros é que cada um dos aspectos é analisado separadamente, por meio de uma série de variáveis relativas a cada aspecto, levantadas previamente. Ao final, obtém-se uma pontuação geral, somando-se a pontuação de cada um, e ordena-se os países em diferentes níveis de Poder, do 1º ao 5º. No 1º, aparece, isolado, os Estados-Unidos; O Brasil e a Índia encontram-se no 3º. A despeito das críticas (normais no processo evolutivo do conhecimento) aos estudos que visam a encontrar uma fórmula capaz de medir o poder nacional, notase que se trata de uma linha de pesquisa atual e que segue buscando soluções e aperfeiçoamentos. Se, hoje, ainda não há um consenso em torno da escolha dos aspectos/fatores que melhor representam o poder de um Estado, é reconhecida a importância da tradução desse conceito intangível, em dados relativamente objetivos, capazes de orientar os caminhos e aperfeiçoar processos ligados ao incremento do poder relativo da cada país. 5.4 Considerações finais O estudo do poder é basilar para melhor compreender os fluxos e as dinâmicas da política internacional. Em última análise, poder-se-ia afirmar que se trata da análise das capacidades para realizar a guerra, ou para evitá-la, se considerarmos a imposição da vontade ou a dissuasão. Desse estudo dependem os países para conduzirem-se em meio às peculiaridades do convívio global. Ao longo deste capítulo buscou-se o aprofundamento acerca das diversas teorias existentes sobre fórmulas e modelos representativos do poder nacional. Em um primeiro momento, retomaram-se os conceitos de racionalidade limitada e escolha racional e, após, estudou-se algumas das principais equações e modelos do poder nacional dos Estados, apresentando-os em uma sequência cronológica. Viu-se que a capacidade racional dos indivíduos é limitada, uma vez que lhes faltam a totalidades de informações, bem como o processamento destas informações é deficiente. O planejador, portanto, não é onisciente, tendo que operar dentro de um ambiente pleno de complexidades e incertezas. Diante desse cenário, a escolha racional pode ser vista como uma importante ferramenta para as limitações da capacidade do decisor, uma vez que busca explicar os resultados das interações – individuais ou coletivas - de um sistema. Como abordagem 70 metodológica, a escolha racional busca descrever e exemplificar o interrelacionamento dos diversos atores das relações internacionais por meio de modelos teóricos e fórmulas matemáticas, constituindo-se em instrumento eficaz e atual na tentativa de sistematizar e analisar as interações dos atores globais. Isto se confirma facilmente pelo considerável número de autores que, desde tempos remotos buscaram apresentar fórmulas que melhor representassem o poder nacional dos Estados por meio de fórmulas e equações que simplificassem e sistematizassem a realidade da política internacional de determinado período. São modelos capazes de reduzir a complexidade (imprevisibilidade x racionalidade limitada) inerente ao processo de tomada de decisão estratégica e apoiar o planejamento de longo prazo. Ao longo desta revisão bibliográfica, foi analisado um total de 27 modelos / fórmulas relacionadas à mensuração do poder dos Estados em um recorte temporal que vai desde a antiguidade até o presente. Verificou-se que os três fatores que mais se repetem são capacidade econômica, capacidade militar e população. Em uma segunda ordem de grandeza, tem-se território e recursos naturais. C&T e aspectos sociais começam a surgir com maior frequência a partir da década de 1990, tornando-se presentes na maioria das equações desde este período. Em seguida, surgem as variáveis relacionadas à política, aspectos culturais, capacidade energética, com uma frequência aproximada de 15%; e capacidade administrativa, posse de armamento nuclear, estratégia e vontade nacional com 11%. Seja qual for a equação, faz-se mister destacar que a seleção de seus fatores componentes e suas dinâmicas relacionais refletem a complexidade inerente à conformação do poder. Este é tanto um constructo quanto um elemento relacional. Neste sentido, os fatores integrantes de sua composição devem ser entendidos como simplificações que buscam captar um determinado momento de um sistema, o qual é composto por elementos internos, domésticos, e externos, associados ao denominado sistema internacional. Assim sendo, tem-se que as fórmulas tentam informar o posicionamento relativo de cada ator dentro de uma escala, em apoio ao processo decisório e de planejamento. Verifica-se, por fim, que a interdisciplinaridade necessária ao alargamento da visão conceitual de poder, integrando geopolítica, ciência política, 71 relações internacionais, estratégia e ciências militares, marca o grau de complexidade concernente ao tema. 3 REFERENCIAL METODOLÓGICO 3.1 EPISTEMOLOGIA Entende-se por epistemologia como a teoria responsável pela validação do conhecimento científico produzido, descortinando sua origem e natureza. A base epistemológica é, portanto, vital para a relevância do conhecimento produzido. Kuhn (1970) aponta para o caráter dinâmico do processo de aquisição do conhecimento e a sua prevalência sobre a estrutura lógica da pesquisa científica, negando que o progresso científico se dê por pura e simples acumulação. O autor, introduzindo o conceito de paradigma, explicita a liberdade da busca pelo conhecimento, pela qual cada disciplina científica é livre para buscar soluções aos seus problemas por meio de pressupostos epistemológicos próprios, jargões específicos e experimentos comuns. Prega, ainda, a inexistência de um modelo único de paradigma de pesquisa nas ciências humanas e sociais. Nesse sentido, o pós-positivismo desponta como meio de reduzir os desequilíbrios advindos da rigidez do empirismo positivista. Este modelo teve e tem grande influência nas ciências militares. Havia o predomínio da abordagem quantitativa, onde imperava o controle das variáveis de determinado fenômeno, assumindo que havia entre elas relações lineares de causa e efeito. Cientes da falibilidade dos mecanismos sensoriais e intelectivos do homem, o paradigma pós-positivista reforça a importância do “multiplismo crítico”, pela introdução de métodos qualitativos, desenvolvendo pesquisas em ambientes mais naturais, livres de controles extremos de variáveis. Ao final, busca-se resultados mais próximos da realidade por meio do uso da maior variedade de fontes possível (ALVEZ-MAZZOTI, 1996). As ciências militares, norteadas pelos pensamento de Kuhn e pela defesa da não-linearidade da interação entre variáveis, demandam paradigma de pesquisa próprio. Segundo com Guba (1990), torna-se primordial a legitimação de métodos alternativos de produção de conhecimento, uma vez que estes são respaldados por 72 paradigmas depositários de crenças basilares, norteadores da investigação disciplinada. Sob o enfoque de Kuhn (1970) e dos pensadores pós-positivistas, a proposta do presente trabalho é a adoção do paradigma da complexidade, segundo o qual, um determinado resultado é consequência da tentativa da reorganização de um sistema em entropia pela ação desordenada de diversos componentes que interagem entre si. Diferente do sistema internacional pós 2ª guerra mundial, a realidade contemporânea é marcada por relações de assimetrias e incertezas. Entre os tradicionais atores do tabuleiro global, despontam novos agentes e novas ameaças, que interferem no ajustamento da nova ordem pós-guerra fria. Assim, a busca uma revisão teórica das formulações do poder à luz do paradigma da complexidade permite o estudo das novas dinâmicas que atuam sobre o constructo poder, resultado da interação fatores atinentes a diversas áreas do conhecimento. Optou-se, portanto, por um paradigma que priorize uma visão acadêmica plural nos processos de aquisição cognitiva, de maneira a atender às demandas da atual visão de mundo que se descortina. 3.2 METODOLOGIA 3.2.1 Suposições No início do projeto, foi proposto o seguinte problema: Qual o modelo teórico que melhor representaria o poder nacional na atual conjuntura internacional? Sobre suposições, Vergara (2010, p. 21) afirma que “são a antecipação da resposta ao problema. A investigação é realizada de modo que possa confirmar ou, ao contrário, refutar a suposição”. Sob o escopo do acima apresentado, formulou-se a seguinte suposição: o poder nacional brasileiro pode ser expresso a partir de modelo teórico, que contemple as especificidades do cenário internacional contemporâneo. 73 3.2.2 Variáveis Em uma primeira fase da pesquisa, partindo-se de um marco teórico inicial, observa-se que o poder nacional compõe-se de certa de variedade de fatores, conforme o marco teórico estudado. Ao longo da revisão bibliográfica, e, posteriormente, na fase de coleta de dados, buscar-se-á levantar aqueles que mais se adaptam ao caso brasileiro na presente conjuntura global, que comporão o conjunto de dados avaliados nesta tese. Do exposto acima, e sob a perspectiva de Neves e Domingues (2007), pode-se considerar como variável dependente o poder nacional; e como independentes, os fatores a serem levantados como componentes de sua formulação. 3.2.3 Delimitação do Estudo Vergara (2010) assevera que não se pode empreender análises totais de determinada realidade, fruto de seu caráter extremamente complexo. Assim, deve-se buscar estudar apenas parte dela, como forma de superar as dificuldades inerentes à dinamicidade a que está sujeito o todo. O processo de delimitação do tema, portanto, ocorre quando se dá sob os aspectos assunto, geográfico e temporal (LAKATOS, 2010). Do exposto, o tema será delimitado quanto ao assunto: - investigação acerca dos fatores que compõe o poder nacional brasileiro; e - pesquisa sobre a interação desses fatores entre si e a medida de sua interferência no todo. Quanto ao quesito geográfico: - a pesquisa restringir-se-á ao espaço brasileiro em sua totalidade e sua inserção no SI contemporâneo. Quanto ao recorte temporal: 74 - será considerado o período vai do início da década de 1990 até os dias atuais. 3.2.4 Relevância do Estudo Como já observado, vive-se, hoje, momento de grandes incertezas e exponenciais mudanças na conformação do poder mundial. Neste contexto, Keohane (1984), versando sobre a importância da flexibilidade e rapidez da tomada de decisão política diante da imprevisibilidade internacional, assevera: “O caráter imprevisível dos acontecimentos da política mundial fazem com que seja prudente manter-se em uma posição de mudança política como resposta as novas informações.” Nesse sentido, o presente trabalho contribui para a otimização do planejamento político-estratégico do poder nacional e sua capacidade de adaptabilidade e versatilidade ao cenário de complexidade e de mudanças instaurado. Um modelo que represente a composição do poder brasileiro propiciará aos gestores do País ferramenta hábil ao estudo das transformações necessárias a cada tempo. Além disso, a elaboração deste modelo coopera com o incremento da produção científica voltada aos estudos estratégicos, ampliando o arcabouço teórico que fundamenta o processo decisivo político-estratégico em assuntos desta natureza, assegurando continuidade e previsibilidade na alocação de recursos, servindo de ferramenta importante na elaboração de políticas públicas e fundamental para o respaldo das decisões adotadas perante a sociedade civil, que passa a desempenhar, cada vez mais, papel mais ativo nas ações do Governo. O caráter de ineditismo da referida abordagem é outro ponto que destaca sua relevância. Nas investigações de produção científica no âmbito nacional e internacional, são poucos os trabalhos cuja abordagem esteja alinhada ao que se propõe nesta pesquisa. Portanto, verifica-se que o assunto faz parte da agenda acadêmica atual, embora ainda com certas limitações - principalmente em âmbito nacional – havendo lacunas do conhecimento a serem estudadas e discutidas. 3.3 TIPO DE PESQUISA E COLETA DOS DADOS 75 Segundo Vergara (2003), as pesquisas dividem-se quanto aos fins e meios (Vergara, 2003). Quanto aos meios, a pesquisa será bibliográfica, documental e de campo. Será bibliográfica e documental, pois se consubstanciará como complemento teórico ao estudo do poder nacional. Realizar-se-á rigorosa revisão bibliográfica, valendo-se de livros, revistas, teses, artigos científicos e documentos pertinentes ao objeto de análise. Será de campo porque se verifica a necessidade de coletar dados relevantes para perscrutar e melhor compreender a problemática do presente projeto. No concernente aos fins, entende-se este estudo como descritivo e metodológico. Descritivo, pois permitirá descrever as características dos fatores inerentes à conformação do poder, de forma a estabelecer sua pertinência (ou não) com a atual realidade do sistema internacional. Será metodológico, porque, além da captação da realidade entre as variáveis, permitirá mostrar um modelo contemporâneo de representação do poder nacional. O estudo adotará abordagem qualiquantitativa. A parte qualitativa visa à compreensão do constructo e a quantitativa tem por foco a explicação, fundando-se em medidas e cálculos mensurativos (COSTA e COSTA, 2001; CRESWELL, 2010). A pesquisa se dividirá em quatro fases: duas no Brasil e duas no exterior, conforme o quadro abaixo: 76 FASE II FASE I FASE III Pesquisa Pesquisa Pesquisa Qualitativa Quantitativa Qualitativa Dados: Fórmulas existentes Dados: questionário Técnica: Anal Contd Dados: entrevista Técnica: Anal Fatorial Técnica: Anal Contd Anl, Discussão, Ajuste Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Anl, Discussão, Ajuste Modelo 5 FASE IV Pesquisa Quantitativa Dados: fontes documentais (estudo de caso) Técnica: Regressão Múltipla Modelo Final Modelo Final Figura 1 – Modelo geral de pesquisa Fonte: o autor. 3.3.1 1ª Fase A primeira fase do trabalho, realizada no País, encontra-se em fase final de execução, empregando abordagem qualitativa e tendo como objetivo precípuo apresentar um modelo teórico que represente o poder nacional, contendo os fatores que melhor espelhem as peculiaridades do atual cenário global. Para isso, realizouse uma ampla revisão teórica acerca de teorias existentes, que buscaram elaborar modelos (matemáticos ou não) representativos do poder dos países. Além desse 77 estudo, procurou-se, paralelamente, analisar as peculiaridades da política internacional, sob enfoques diversos, de forma a captar suas nuances e sua correlação entre a busca pelo incremento do poder dos Estados. Por fim, e em curso, busca-se um aprofundamento acerca do complexo conceito de poder, sob a ótica de diferentes áreas do saber: filosofia e ciência política; economia; geopolítica; relações internacionais, ciências militares e C&T. Após, será realizada uma análise de conteúdo, tendo como dados todas as fórmulas e modelos teóricos da literatura revisitada. Da análise de conteúdo, buscar-se-á extrair os fatores mais relevantes à constituição do poder nacional ao longo do universo pesquisado. Após isso, tais fatores serão correlacionados com os aspectos teóricos pertinentes à evolução do sistema internacional e seus variados paradigmas. Da mesma forma, buscar-se-á correlacionar os fatores encontrados com os aspectos e nuances das definições de poder estudadas. A partir deste estudo, chegar-se-á uma um modelo primário que contenha os fatores integrantes do poder nacional, em tese. FASE I Pesquisa Qualitativa Dados: Fórmulas existentes Técnica: Anal Contd Modelo 1 Figura 2 – 1ª Fase Fonte: o autor. 78 3.3.2 2ª Fase Em uma segunda fase, ainda no País, se adotará abordagem quantitativa, com a realização de pesquisa de campo, a fim de coletar os dados necessários para se chegar a um segundo conjunto de fatores integrantes do poder nacional. Para a coleta de dados, será aplicado um questionário com perguntas abertas e fechadas aos integrantes contidos na amostra. Para a seleção do universo de pesquisa, estabeleceram-se os seguintes critérios: alunos de programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) de ciência política e relações internacionais, integrantes de programas com avaliação 3 ou superior pelas CAPES. Para isso, realizou-se uma pesquisa na página “cursos recomendados/reconhecidos” 108 , por área de avaliação (ciência política e relações internacionais). A opção por estas áreas deu-se por sua ligação direta com o tema desta pesquisa. O construto poder, suas nuances e complexidades, é estudado por ambas. A escolha de alunos de mestrado e doutorado visou à obtenção de um universo de respondentes com base teórica e conceitual, bem como grau de maturidade, compatíveis e suficientes com os objetivos deste estudo. De um universo de programas e cursos de pós-graduação (quadro 1), foram retirados os mestrados profissionais, por se entender que apresentariam limitações aos aspectos buscados, bem como o programa de cartografia social e política da Amazônia, por considerá-lo fora da linha desta pesquisa (de maneira direta). GRANDE ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS ÁREA: CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA CARTOGRAFIA SOCIAL E POLÍTICA DA AMAZÔNIA IES UF NOTA MD F UEMA MA 3 - CIÊNCIA POLÍTICA UNB DF 5 5 - CIÊNCIA POLÍTICA UFMG CIÊNCIA POLÍTICA UFF MG 7 7 RJ _____________ 108 - http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados - (acesso em 14/06/2014). 4 4 - 79 CIÊNCIA POLÍTICA UFRGS RS 5 5 - CIÊNCIA POLÍTICA USP SP 7 7 - CIÊNCIA POLÍTICA UNICAMP SP 5 5 - CIÊNCIA POLÍTICA UFG GO 4 - - CIÊNCIA POLÍTICA UFPA PA 3 - - CIÊNCIA POLÍTICA UFPE PE 6 6 - CIÊNCIA POLÍTICA FUFPI PI 3 - CIÊNCIA POLÍTICA UFPR PR 4 4 - - CIÊNCIA POLÍTICA UERJ RJ 6 6 - CIÊNCIA POLÍTICA UFPEL RS 3 - CIENCIA POLITICA UFSCAR SP 4 4 - CIÊNCIAS AEROESPACIAIS UNIFA RJ - - 4 CIÊNCIAS MILITARES ECEME RJ 3 - - UNIEURO DF 3 - - ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA DEFESA E DA SEGURANÇA UFRJ RJ 4 4 - UFF RJ 3 - ESTUDOS ESTRATÉGICOS INTERNACIONAIS UFRGS RS 4 4 - EGN RJ - - 3 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E VIOLÊNCIA - - ESTUDOS MARÍTIMOS GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SEGURANÇA SOCIAL INTEGRAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA AMÉRICA LATINA - ICAL UFRB BA - - 3 UNILA PR 3 - PODER LEGISLATIVO CEFOR DF - - 3 POLÍTICAS PÚBLICAS UFPE PE - - 4 POLÍTICAS PÚBLICAS UEM PR - - 3 POLÍTICAS PÚBLICAS UFABC SP 3 - - RELAÇÕES INTERNACIONAIS UFBA BA 3 - - RELAÇÕES INTERNACIONAIS UNB DF 6 6 - RELAÇOES INTERNACIONAIS UEPB PB 4 - - - RELAÇÕES INTERNACIONAIS UERJ RJ 4 - RELAÇÕES INTERNACIONAIS PUC-RIO RJ 6 6 - RELAÇÕES INTERNACIONAIS UFSC SC 3 - - RELAÇÕES INTERNACIONAIS USP SP 4 4 RELAÇÕES INTERNACIONAIS (UNESP - UNICAMP PUC-SP) UNESP/MAR SP 5 5 RELAÇÕES INTERNACIONAIS: POLÍTICA INTERNACIONAL PUC/MG MG 5 5 Quadro 1: Relação de cursos de pós-graduação recomendados e reconhecidos pela CAPES (ciência política e relações internacionais). 109 Fonte: SNPG _____________ 109 Disponível em: http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarIes&cod igoArea=70900000&descricaoArea=&descricaoAreaConhecimento=CI%CANCIA+POL%CDTICA&des cricaoAreaAvaliacao=CI%CANCIA+POL%CDTICA+E+RELA%C7%D5ES+INTERNACIONAIS# - data de atualização: 05/06/2014. M: mestrado; D: doutorado; F: mestrado profissional 80 Após retirados os cursos descritos, buscou-se na plataforma sucupira110 o quantitativo de discentes (mestrado e doutorado) de cada um dos cursos, contabilizando-os no quadro abaixo: UNIVERSO DE PESQUISA IES Doutotado Mestrado TOTAL UNB (C. Pol) 33 40 73 UFMG (C. Pol) 50 47 97 UFF (C. Pol) 50 49 99 UFRGS (C. Pol) 47 49 96 USP (C. Pol) 48 50 98 UNICAMP (C. Pol) 49 34 83 UFG (C. Pol) 0 26 26 UFPA (C. Pol) 0 48 48 UFPE (C. Pol) 39 37 76 FUFPI (C. Pol) 0 40 40 UFPR (C. Pol) 10 50 60 UFERJ (C. Pol) 49 32 81 UFPEL(C. Pol) 0 36 36 UFSCAR (C. Pol) 46 45 91 ECEME (C. Mil) 11 16 27 UFRJ (Ec Pol Int) UFF (Estd Estrg Def & Seg) 31 24 55 0 42 42 UFRGS (Estd Estrg Int) 39 31 70 UNILA (ICAL) 0 0 0 UFABC (Pol Pub) 0 0 0 UFBA (Rel Int) 0 11 11 UNB (Rel Int) 41 47 88 0 49 49 UEPB (Rel Int) UERJ (Rel Int) 0 49 49 31 49 80 0 33 33 USP (Rel Int) 39 40 79 UNESP/MAR (Rel Int) 28 36 64 PUC - MG (Rel Int: Pol Int) 17 40 57 PUC-RIO (Rel Int) UFSC (Rel Int) TOTAL 658 1050 1708 Quadro 2 – Universo total de pesquisa. Fonte: o autor (com base dos dados constantes do quadro 1 e plataforma sucupira) _____________ 110 Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/discente/listaDiscente.jsf (acessado em 14/06/2014). 81 Obteve-se, dessa forma, um universo de 1708 respondentes, cujas percepções serão levantadas por meio de questionários estruturados tipo survey, de perguntas fechadas. Para se obter um nível de confiança de 95%, entende-se que será necessária uma amostra de pelo menos 314 indivíduos111. Realizar-se-á um pré-teste com a finalidade fornecer subsídios para o aprimoramento do questionário. Durante sua realização, serão avaliados, basicamente, os seguintes aspectos: clareza da formulação das perguntas, adequação e suficiência das opções de resposta, clareza das instruções, adequação da sequência e diagramação, tempo de preenchimento. Para a realização do préteste será considerado o universo dos discentes do programa de pós-graduação de Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Tal escolha baseou-se fundamentalmente pela facilidade de acesso aos indivíduos (27). FASE II Pesquisa Quantitativa Dados: questionário Técnica: Anal Fatorial Anl, Discussão, Ajuste Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Figura 3 – 2ª Fase Fonte: o autor. _____________ 111 SANTOS, Glauber Eduardo de Oliveira. Cálculo amostral: calculadora on-line. Disponível em: <http://www.calculoamostral.vai.la>. Acesso em: [data do acesso]. 82 Os dados serão analisados, por meio de uma análise fatorial, empregando-se o programa SPSS (Statistical Package for the Social Science). O objetivo precípuo será definir a estrutura inerente entre as variáveis em análise, suas inter-relações (correlações), definindo, assim, aqueles conjuntos de variáveis que podem ser agrupados em fatores representantes de dimensões dentro dos dados (HAIR et al, 2009)112. Como resultado, espera-se obter uma segunda proposta de um segundo modelo representativo do poder. Após, realizar-se-á um estudo comparativo entre os dois modelos encontrados (o primeiro, pela análise de conteúdo e o segundo, pela análise fatorial), buscando-se aproximações e afastamentos, de forma a se chegar a uma 3ª proposta, agora ajustada e incorporando as duas pesquisas anteriores. 3.3.3 3ª Fase Realizada no exterior, particularmente nos Estados Unidos da América, esta etapa adotará a abordagem qualitativa. Nela buscar-se-á captar a percepção de acadêmicos especialistas acerca dos fatores que melhor representam o poder nacional na atual conformação do cenário internacional. Para tanto, serão realizadas entrevistas semi-estruturadas. O universo dos entrevistados será detalhado a posteriori, assim como o rol dos respondentes, sendo a ordem das entrevistas determinada por sorteio. Primariamente, pretende-se obter o corpo de dados de um rol composto por acadêmicos especialistas, definidos posteriormente, em coordenação com o professor Peter Feaver, Diretor do Triangle Institute for Security Studies da Duke University. O número de entrevistas dependerá do ponto de saturação, ou seja, até o momento em que não se agregue nenhum fato novo ao conhecimento pesquisado. As entrevistas serão degravadas e submetidas ao programa de análise de dados Qualitative Data Analysis & Research Software – ATLAS.ti, de forma a se chegar a um novo modelo representativo do poder (4º ), agora, sob a ótica norte-americana. Em seguida, os 3º e 4º modelos serão analisados comparativamente, buscando-se aproximações e afastamentos, de forma a se chegar a um 5º modelo a partir dessa interação. _____________ 112 HAIR, Joseph F. et al. Análise Multivariada de dados. 6a Ed. Porto Alegre: Bookman, 2009. 83 FASE III Pesquisa Qua litativa Dados: entrevista Técnica: Anal Contd Modelo 4 Modelo 3 Anl, Discussão, Ajuste Modelo 5 Figura 4 – 3ª Fase Fonte: o autor. 3.3.4 4ª Fase Ainda no exterior e depois obtido o 5º modelo, se partirá para a tentativa de verificar o peso relativo de cada fator componente. Para tanto, se empregará, novamente, abordagem quantitativa, por meio de tabulação e tratamento estatístico por meio do software SPSS. Aqui se pretende realizar um estudo de caso, selecionando um grupo de países para se testar o modelo e determinar os pesos relativos de seus fatores. Para a escolha do universo de países, utilizou-se como critério aqueles pertencentes ao ambiente regional e o entorno estratégico do Brasil113 e os Estados Unidos. A escolha deveu-se, primordialmente, pelo grau de importância destes países para a política e a estratégia nacionais, corroboradas pelo texto da Política Nacional de Defesa. Ainda, destaca-se a posição dos Estados Unidos como potência mundial e seu grande intercâmbio com o País. _____________ 113 Segundo a Política Nacional de Defesa, a América do Sul é o ambiente regional no qual o Brasil se insere. O entorno estratégico inclui o Atlântico Sul, compreendendo os países lindeiros da África, e a região do Caribe. 84 Após selecionado o universo, serão coletados os dados correspondentes às variáveis do modelo 5, de forma a se obter os subsídios para a regressão múltipla. Tais dados serão coletados de fontes oficiais, que melhor se adequarem ao estudo em tela, sendo pesquisados por ocasião do início da quarta fase. Obtidos os dados acima, estes serão inseridos no modelo: Y = a1A +b1b + c1C +d1D + ...n1N + Ɛ para a realização da regressão múltipla. Adotar-se-á uma abordagem confirmatória, na qual as variáveis independentes pretende-se que sejam exatamente especificadas, tendo-se o controle do processo de seleção das variáveis, realizado nas fases anteriores da pesquisa. Ao final, espera-se obter o modelo definitivo desta pesquisa, que contenha os fatores que melhor espelhem a composição do poder nacional na atualidade, bem como seu peso relativo em relação a este constructo. FASE IV Modelo 5 Pesquisa Quantitativa Dados: fontes documentais (estudo de caso) Técnica: Regr essão Múltipla Modelo Final Figura 5 – 4ª Fase Fonte: o autor 85 3.4 UNIVERSO E AMOSTRA Vergara (2009) conceitua universo como o agrupamento de elementos possuidores de peculiaridades elegidas como objeto de estudo. Como amostra, Lakatos e Marconi (2010) entendem a parcela convenientemente selecionada do universo. O universo de pesquisa, na 2ª fase, pretende-se que represente os substratos, sendo composto por discentes dos programas de pós-graduação de ciência política, ciências militares e relações internacionais com grau 3 ou superior de avaliação da CAPES. Para a 3ª fase, no exterior, o universo será composto por acadêmicos especialistas, a serem definidos posteriormente, em coordenação com o professor Peter Feaver, Diretor do Triangle Institute for Security Studies da Duke University. Quanto à amostragem, para a 2ª fase, será utilizada a classificação de Lakatos (2000b). Uma determinada quantidade de integrantes do universo será submetida à pesquisa, e, conforme exposto, a amostra será selecionada seguindo o método de amostragem probabilística, garantindo uma margem de erro de cerca de 5% e um nível de significância de cerca de 90%. (HAIR et al., 2009) Este critério para a formação das variáveis tem por finalidade evitar distorções na composição da amostra, dando maior abrangência, tanto regional quanto de escalão. Ao mesmo tempo, tal método visa evitar que um mesmo indivíduo pertença a dois ou mais estratos ao mesmo tempo. Da mesma forma, o critério da proporcionalidade será verificado, de modo que as amostras sejam escolhidas de forma aleatoriamente simples e retiradas proporcionalmente da população contida em cada estrato. (HAIR et al., 2009) 3.5 COLETA DE DADOS Esta pesquisa coletará os dados por meio das pesquisas bibliográfica e documental em livros, revistas, teses referentes ao tema pesquisado, artigos científicos e documentos. Estas pesquisas serão conduzidas nas bibliotecas das escolas militares e civis localizadas no município do Rio de Janeiro, RJ. Complementarmente, serão adquiridos livros no comércio, além da consulta na rede 86 mundial de computadores, pois, conforme afirma Vergara (2003), os dados obtidos devem ser expostos para quem lê o projeto de pesquisa. Após esta fase qualitativa, será iniciada a fase quantitativa, com o pré-teste, o qual usará as variáveis da fase anterior para montar um questionário com perguntas abertas e fechadas será aplicado aos integrantes contidos na amostra. Este questionário será validado por especialistas na área, a fim de comprovar sua confiabilidade por meio da validação facial, também conhecido como validação aparente (FREITAS et al, 2000). Neste questionário será utilizada uma pesquisa de Survey por meio de questionários estruturados com escala Likert, constituída de cinco alternativas de resposta para as perguntas fechadas, o qual será realizado de forma presencial. Estes questionários de pré-teste serão realizados com os indivíduos da amostra (alunos do PPG / ECEME), a fim de verificar a consistência interna dos construtos elencados e sua variância por meio do Alfa de Cronbach, a qual deve ser superior a 0,7 para ser um constructo excelente e abrangente. Após esta resolução, os quesitos serão analisados com o objetivo de verificar se todas as perguntas foram respondidas adequadamente e também se há qualquer inadequação do questionário, enquanto instrumento de coleta de dados. Após, prosseguirá com uma pesquisa de campo, em nova fase qualitativa, a fim de levantar as variáveis até o ponto de saturação, para posteriormente, comparar com as variáveis levantadas na parte teórica e quantitativa. As entrevistas a serem realizadas serão semi-estruturadas, e, após a sua conclusão serão sequenciadas e analisadas de acordo com o método de análise de conteúdo. Na fase final, realizar-se-á uma regressão múltipla para a determinação dos pesos dos fatores integrantes do modelo final. Para tanto, os dados serão coletados por meio de análise de documentos oficiais disponíveis, que contenham as informações necessárias acerca dos fatores elencados na fase anterior. 3.6 TRATAMENTO DOS DADOS Os dados coletados na pesquisa de campo receberão o tratamento qualiquantitativo, de acordo com os quesitos formulados. Na fase qualitativa, serão 87 usadas entrevistas com perguntas abertas. Nas fases quantitativas, serão usados questionários fechados, por meio de pesquisa Survey, semi-estruturados, na escala Likert, constituída de cinco alternativas de resposta, as quais serão submetidas a processos estatísticos, a fim de se projetar uma fotografia real dos indicadores que compõem as variáveis levantadas. A confiabilidade do pré-teste será estabelecido com a técnica do Alfa de Cronbach, por meio do programa SPSS, a fim de estabelecer a consistência do referido constructo, seguindo o padrão de questionário fechadas, citado anteriormente. Posteriormente, após estabelecido a confiabilidade dos itens do questionário (2ª fase), será realizada uma análise fatorial para sobre o resultado das amostras, estabelecendo as relações entre as variáveis e o problema desta pesquisa, inferindo o grau de pertinência e causalidade entre as variáveis. Na 3ª fase, os dados coletados nas entrevistas serão analisados por meio de análise de conteúdo, empregando o software Atlas.ti. Para a 4ª fase, após realizada o teste de confiabilidade supracitado, realizar-se-á um estudo de caso, empregando regressões múltiplas, a fim de se identificar o peso relativo de cada fator. No estudo em questão, será possível precisar qual o comportamento das variáveis latentes, em relação ao constructo poder, objeto da pesquisa com uma mínima margem de erro, clarificando sua pertinência e estabelecendo o grau de relação entre as mesmas, até chegar a uma fórmula que expresse esta correlação entre as variáveis. 3.7 LIMITAÇÕES DO MÉTODO Uma das críticas ao método dedutivo, segundo Marconi e Lakatos (2000) , “é a de que a dedutibilidade não só não é condição suficiente de explicação, mas também não é condição necessária, pois muitas as explicações que não tem qualquer lei como premissa”. Logo, as teorias que regem a relação entre as variáveis podem não ser suficientes para explicar o constructo poder. Mesmo assim, acreditase que o aprofundamento da pesquisa será suficiente para corrigir uma possível distorção dessa ordem. 88 O método estatístico por permitir obter, de conjuntos complexos, representações simples e constatar se essas verificações simplificadas têm relação entre si, apresenta uma grande limitação que é a possibilidade de escolha de forma incorreta das amostras. Para minimizar esse problema, a obtenção da amostra seguirá rigidamente os critérios que a metodologia impõe. Além disso, as seguintes limitações: a) dificuldade de comunicação entre entrevistado e entrevistador; b) incompreensão do significado das perguntas formuladas; c) possibilidade do entrevistado sofrer influência por parte do questionador; d) falta de disposição do entrevistado em fornecer informações necessárias; e) retenção de dados importantes, com receio de revelação da identidade do entrevistado; f) pequeno grau de controle por parte do entrevistador dos métodos de coleta de dados; g) a entrevista ocupa muito tempo, depende da disponibilidade das pessoas e é difícil de ser realizada; h) não disponibilidade ou difícil acesso a documentação de interesse; e i) baixo índice de retorno dos questionários enviados. 89 90 4 CRONOGRAMA Quadro 3 – cronograma do projeto de pesquisa ATIVIDADES 1. Elaboração e revisão do projeto de pesquisa 2. Entrega do projeto de pesquisa – inicial e revisto 3. Levantamento e seleção da bibliografia 4. Aprovação do projeto de pesquisa 5. Pesquisa bibliográfica e documental 6. Análise e consolidação dos dados bibliográficos 7. Análise dos dados da Pesquisa 8. Incorporação dos dados obtidos à tese 9. Elaboração preliminar da Tese 10. Préqualificação 11. Entrega de Artigos Científicos 12. Montagem das bancas Elaboração final e revisão da tese 13. Depósito da tese 14. Apresentação da tese Fonte: o autor 2013 Mar Abr 2014 2015 Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Mar Abr Jun Jul Set Out Dez Jan Fev X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Mar Mai Jun Jul Ago Out X X X X X X X 30% 40% 50% 60% 70% 80% X X X X X X 91 5 REFERÊNCIAS AGRICOLA BETHLEM. Evolução do pensamento estratégico no Brasil: texto e casos. Editora Atlas, 2003. ALSINA JÚNIOR, João Paulo Soares. Política externa e poder militar no Brasil: universos paralelos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. "O debate atual sobre os paradigmas de pesquisa em educação." Cadernos de Pesquisa 96 (1996): 15-23. AMORIM, Celso. 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