fundação oswaldo cruz - Portal de Teses e Dissertações
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ESTRESSE NO TRABALHO, PROBLEMAS DE SAÚDE E INTERRUPÇÃO DE ATIVIDADES COTIDIANAS: ASSOCIAÇÃO NO ESTUDO PRÓ-SAÚDE. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da ENSP / FIOCRUZ MESTRANDO: Luis Eduardo Teixeira de Macedo ORIENTADORES : Profª Valeska Andreozzi Profª Dora Chor 2 Esta tese é dedicada à Martha, à Susi, ao Nicolau e ao Pedro, por despertarem em mim a vontade de ser uma pessoa melhor. 2 3 AGRADECIMENTOS Às Professoras Dora Chor e Valeska Andreozzi, minhas orientadoras, pela maneira competente e dedicada com que conduziram essa passagem e iluminaram esse caminho, minha gratidão, respeito e carinho. Aos Professores Eduardo Faerstein, Guilherme Werneck, Cláudia Lopes e a toda a equipe do Estudo Pró-Saúde, do qual tive a honra e o privilégio de participar. Aos Professores da ENSP, pelos conhecimentos passados e pelo exemplo de conduta ética e de dedicação ao ensino e à pesquisa. Aos meus colegas de mestrado, pelas angustias compartilhadas e pelas superações. Aos meus pais, irmãos e amigos, por tudo. 3 4 TUDO É QUESTÃO DE VER QUE A VIDA É MAIOR QUE O FATO A FORÇA É MAIOR QUE O ATO E A SEMENTE REPOUSA NO FRUTO COMO O SENTIDO NO TATO TUDO CONTÉM O SER ASSIM COMO O SER CONTÉM TUDO CONTINENTE E CONTEÚDO FUNDIDOS NUM SÓ MISTÉRIO QUE DE REPENTE É SÉRIO DE REPENTE É CARICATO Do livro: “Manual do Herói (ou a filosofia chinesa na cozinha)”, de Sônia Hirsch 4 5 RESUMO Nas últimas décadas a sociedade tem assistido a um aumento no volume de informações disponíveis, a uma renovação tecnológica acelerada e a um aumento na complexidade das tarefas laborativas. Sendo assim, é importante entendermos melhor o modo como a saúde pode ser afetada quando as condições psicossociais de trabalho são predominantemente adversas. O presente estudo avalia a associação entre estresse no trabalho e interrupção de atividades habituais devido a problemas de saúde, no âmbito do Estudo Pró-Saúde, que consiste no acompanhamento de uma coorte de funcionários técnico-administrativos de uma universidade no Rio de Janeiro. Os dados foram obtidos a partir da aplicação de um questionário no ano de 2001. Segundo McEwen (1998), existe plausibilidade na hipótese de que o estresse seja, direta ou indiretamente, responsável por doenças ou sintomas inespecíficos que poderiam justificar a interrupção de atividades diárias. A prevalência de alto desgaste e também de interrupção das atividades habituais por motivo de doença foi maior entre as mulheres do que entre os homens: 15,9% vs. 11,6% e 26,3% vs. 18,2%, respectivamente. No entanto, ajustando-se por idade, os homens em atividades com alto desgaste apresentaram prevalência da interrupção das atividades habituais duas vezes maior (RP:2,06; IC95%: 1,54-2,76) do que aqueles cujas atividades não foram classificadas nessa categoria (baixo desgaste; ativo; passivo). Entre as mulheres, a prevalência do desfecho foi 1,45 vezes maior (IC95%: 1,17-1,79). As razões de prevalência variaram pouco (menos que 3%) ao incluirmos as possíveis variáveis de confusão: doença crônica, no caso dos homens; escolaridade e ocupação, no caso das mulheres. A exceção foram os transtornos mentais comuns, cuja inclusão no modelo diminuiu a força de associação de 2,06 para 1,69 (IC95%: 1,282,24) no caso dos homens, e de 1,45 para 1,23 (IC95%: 0,99-1,51) entre as mulheres.Segundo metodologia descrita por Szklo & Nieto (2000), estimamos que, nessa população, a RP subestime o RR em 21% no caso dos homens e em 13% nas mulheres. Os mecanismos mediadores entre o estresse e a interrupção podem ser múltiplos e, nesse sentido, os transtornos mentais comuns poderiam ser compreendidos como variável interveniente, e não como variável de confusão. Palavras chaves: estresse no trabalho, epidemiologia social, incapacidades. 5 6 ABSTRACT In the last decades the society has been watching an increase in the amount of the available information, the accelerating technologic renew and an increase in the complexity of the labour tasks. Thus, it is important for us to understand better the way how the health can be affected whem the psichosocial labour conditions are adverse. The present sudy evaluate the association between job stress and interruption of daily activities due to health problems in the Pró-Saúde Study, which consists in following a cohort of non-faculty civil servants working at university campuses in Rio de Janeiro.The data were obtained from an survey applied in 2001. According to McEwen (1998), there is plausibility in the hypothesis that stress is, directly or indirectly, responsible for diseases or ilnesses that could justify an interruption of daily activities. The prevalence of high distress and also of interruption of daily activities due to diseases reasons was larger in women than in men: 15,9% vs. 11,6% and 26,3% vs. 18,2%, respectively. Adjusting, however, by age, the men with highly distressful activities presented prevalence of interruption of daily activities two times larger (PR:2,06; CI 95%:1,54-2,76) than those whose activities were not classified in this category (low distress; actives and passives). Among women, the prevalence of the outcome was 1,45 times larger (CI 95%:1,17-1,79). The prevalence ratios varied little (less than 3%) when including the possible confusion variables: chronic diseases, in the case of men, education and occupation, in the case of womem. The exception were the common mental disorders, which inclusion in the model reduced the strength of association from 2,06 to 1,69 (CI 95%:1,28-2,24) in the case of men, and from 1,45 to 1,23 (CI 95%:0,99-1,51) among women. According to described metodology by Szklo & Nieto (2000), we estimate that in this population the pevalence ratio underestimate the relative risk in 21% in the case of men, and in 13% in the case of women. The mediating mecanisms between job stress and the interruption of daily activities can be multiple and in this sense, the common mental disorders could be comprehended as an intermediate variable, instead of a confusion variable. Key words: job stress; social epidemiology; restricted activity days 6 7 SUMÁRIO 1.INTRODUÇAO 1.1. A Epidemiologia Social 1.2. O Estresse 1.3. O Ambiente de trabalho 1.4. A restrição de atividades diárias 1.5. O Absenteísmo 1.7. Associações estudadas à partir do estresse no trabalho 2.OBJETIVOS 2.1. Objetivo Geral 2.2. Objetivos específicos 3.MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. População e delineamento do estudo 3.2. Tradução e versão dos instrumentos 3.3. Avaliação da qualidade do instrumento 3.4. Aspectos éticos 3.5. Análise dos dados 4.ARTIGO 4.1. Introdução 4.2. Métodos 4.3. Resultados 4.4. Discussão Página 8 9 11 14 15 16 19 19 20 21 22 24 24 26 28 31 33 4.5.Referências Bibliográficas 5.CONCLUSÃO 6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7.ANEXO I 41 45 47 55 8.ANEXO II 9.ANEXO III 56 57 7 8 1. INTRODUÇÃO 1.1. A Epidemiologia Social: Diferenças na morbidade e na mortalidade, entre as diferentes classes sociais, têm sido observadas desde o século dezessete, quando estudiosos já atentavam para os potenciais prejuízos à saúde causados pela pobreza, habitação inadequada e ambiente de trabalho insalubre. Villerme e Virchow, no século dezenove e, posteriormente, o movimento da Saúde Pública, transcorrido nos Estados Unidos e na Inglaterra do século dezenove e início do século vinte, confirmariam estas preocupações. No mundo contemporâneo somos mais saudáveis e vivemos mais do que antigamente, mas o crescimento econômico, por si só, tem uma relação ambivalente com a saúde populacional (Szreter, 2003). Para atingirmos os níveis de saúde populacional da atualidade, uma quantidade de riqueza econômica substancial foi acumulada, mas vários outros fatores de natureza política, ideológica, social e cultural também foram necessários para a conversão desta riqueza em melhores condições de saúde. Muitas vezes, o próprio produto que gera riqueza é prejudicial à saúde, ou o processo produtivo resulta em poluentes ambientais, ou o modo de organização do trabalho no ciclo produção/comercialização é insalubre. O resultado é um paradoxo entre melhora das condições de vida e manutenção das desigualdades de saúde. Neste contexto, a chamada epidemiologia social encontrou um terreno fértil para o seu desenvolvimento, com o objetivo de identificar exposições sócio-ambientais que influenciam grande variedade de desfechos, tanto no âmbito da saúde física quanto mental (Berkman & Kawachi, 2000). Na tentativa de entender melhor os determinantes das desigualdades em saúde, dois aspectos mereceram atenção especial dos estudiosos da epidemiologia social. O primeiro se refere ao tempo de latência entre exposições e desfechos. É provável que homicídios, suicídios e violências sejam mais sensíveis às situações sociais correntes, enquanto câncer de estômago e acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos, por exemplo, o sejam às condições sociais do passado. E sendo assim, para uma compreensão mais acurada da saúde populacional, será preciso entender melhor os determinantes das trajetórias históricas de cada desfecho em particular (Lynch & Smith, 2003). O segundo aspecto advém das idéias de Geoffrey Rose (1992), que observou que a maior parte dos casos de muitos agravos tem origem na população de baixo risco, e que médias populacionais mais altas ou mais baixas de 8 9 uma medida de saúde, são explicadas por um deslocamento em bloco dos valores referentes a populações inteiras, e não pela presença de muitos indivíduos com valores muito altos ou muito baixos, respectivamente. O estudo dos determinantes sociais de doença expande a compreensão alcançada pelo modelo biomédico tradicional, na medida em que considera como determinantes os fatores não biológicos, tais como raça/etnia, ocupação, interação social, estrutura comunitária, nível sócio-econômico, e estresse no trabalho, entre outros. Se estudar as interações biológico-sociais se faz necessário quando nos ocupamos das doenças agudas, esta necessidade se torna essencial quando tratamos dos modelos mais complexos de causalidade das doenças crônicas (Siegler & Epstein, 2003). Acredita-se que a grande maioria das doenças, assim como o estado funcional das pessoas e a sua sensação de bem estar, sejam fortemente afetadas pelo mundo social que os cerca (Berkman & Kawachi, 2000). Avaliar a relevância destes fatores significa tentar compreender a doença dentro do contexto das pessoas que sofrem dela. Marmot (2003) observa que, apesar da importância do aspecto financeiro, precisamos ir além das medidas de renda para entender a relação entre posição social e saúde. Isto é especialmente importante quando se trata de populações acima da linha de pobreza e da privação absoluta, como no caso do Estudo Whitehall (estudo de uma coorte de funcionários públicos civis da Inglaterra) e também do Estudo Pró-Saúde. 1.2. O Estresse: Estresse é um aportuguesamento da palavra inglesa stress, que, segundo McEwen & Lasley (2002), é simplesmente uma forma encurtada de distress (sofrimento; estar em estado de perigo ou dificuldade), e que pode ser compreendido como uma força de tensão, força exercida sobre um corpo que tende a deformar-se, pressão que a vida exerce sobre os indivíduos, ou o desgaste decorrente do enfrentamento de situações adversas. As reações de um organismo ao estresse foram primeiramente identificadas por Selye, e denominadas “síndrome de adaptação geral”. Sua pesquisa foi publicada no periódico Nature, de 4 de Julho de 1936, como uma nota de 74 linhas intitulada “Uma síndrome produzida por diversos agentes nocivos”. O pesquisador havia notado que 9 10 úlceras estomacais, aumento das glândulas adrenais e atrofia de partes do sistema linfático ocorriam em decorrência de uma variedade de estímulos não relacionados (calor repentino, dor, exercícios físicos extenuantes, injeções de formol, etc...). Experiências estressantes podem advir de determinados eventos de vida, como doença, morte de ente querido, falências, desemprego e separações. Tanto a forma aguda de estresse quanto a crônica (aborrecimentos cotidianos) podem ser prejudiciais à saúde. A estimulação do sistema nervoso autônomo simpático e do eixo hipotálamoputuitária-adrenal parecem ter uma importância fisiopatológica crucial neste processo. Os efeitos do estresse crônico podem ser exacerbados pelo uso do tabaco, álcool, dietas hiperlipídicas e hipercalóricas e sedentarismo (McEwen, 1998). Dois fatores são determinantes das respostas às situações potencialmente estressoras: a forma como a pessoa percebe a situação e o estado geral de sua saúde. No entanto, a reação do organismo ao estresse é necessária para sua proteção, produzindo energia, oxigênio, força muscular, resistência à dor e acuidade mental necessárias para a luta ou para a fuga da situação ameaçadora. São reações com propósitos de curto prazo, que serão prejudiciais quando persistirem. Evoluindo na compreensão deste processo, surge na década de 80 o termo alostase, para se referir a um estado estável de saúde, mantido na vigência de variações orgânicas temporárias. A freqüência cardíaca, a freqüência respiratória, a concentração de glicose no sangue e a quantidade de energia armazenada como gordura, são algumas das características físicas que compõem o equilíbrio alostático e que sofrem alterações em um organismo sob estresse, devendo retornar ao normal quando cessarem os estímulos. Entretanto, cada vez mais, as situações que deflagram o estresse são aquelas para as quais nem a fuga nem a luta são opções possíveis – trabalhar para um chefe dominador, por exemplo. Nessas situações, a reação ao estresse não nos ajuda a solucioná-lo. Assim, alterações orgânicas que deveriam ser temporárias se perpetuam, o sistema organizado para nos proteger começa a causar desgaste, e a doença se estabelece. Este mecanismo tem sido chamado de carga alostática. De fato, especialistas vêm associando o estresse à hipertensão arterial, dislipidemias, aterosclerose, imunodepressão, doenças auto-imunes, colites, ulceras digestivas, asma, fibromialgia, depressão, ansiedade, fadiga crônica, déficit de memória e, até mesmo, atrofia de dendritos de neurônios piramidais do hipocampo (McEwen & Lasley, 2002). Quantificar a carga alostática, um grande desafio, tem sido feito através das seguintes análises de parâmetros metabólicos e cardiovasculares: pressão arterial 10 11 sistólica, dosagem do cortisol e das catecolaminas urinárias, dosagens séricas da hemoglobina glicosilada, do perfil lipídico e do sulfato de dehidroepiandrosterona e medida da relação cintura-quadril (McEwen, 1998). Estresse prolongado ou repetido pode prejudicar a função do cérebro, especialmente no hipocampo, onde encontramos alta concentração de receptores do cortisol. O efeito agudo sobre o sistema imune está na dependência da secreção adrenal, e permanece por 3 a 5 dias. Os linfócitos de memória são acionados e, se a memória remete a algum patógeno ou célula tumoral, o resultado será benéfico. Se, ao contrário, a memória for a de uma resposta auto-imune ou alérgica, então o estresse poderá exacerbar o estado patológico. Quando a carga alostática aumenta devido a episódios sucessivos de estresse, as consequências serão outras. A resposta de hipersensibilidade retardada será substancialmente inibida, ao invés de estimulada, resultando na supressão da imunidade celular e predispondo o organismo a infecções. Outra situação possível se dá quando a secreção de cortisona não se eleva na vigência do estresse, deixando de exercer seu papel regulador na secreção das citocinas inflamatórias, podendo vir a causar fibromialgia e fadiga crônica nos adultos ou dermatites atópicas nas crianças (McEwen,1998). Frankenhaeuser (1989) diz que a resposta endócrina refletiria o impacto causado pelo ambiente psicossocial no indivíduo e serviria como alerta para uma situação de risco. Kunz-Ebrecht et al. (2004), avaliando alguns homens e mulheres que participaram da coorte do Estudo Whitehall II, encontraram elevação de cortisol plasmático em mulheres de baixo nível sócio-econômico que experimentaram alta demanda psicológica no trabalho, e níveis hormonais inversamente relacionados ao controle no grupo masculino. 1.3. O Ambiente de Trabalho: Atualmente vivemos em um mundo onde grandes mudanças acontecem, em um ritmo cada vez mais acelerado, inclusive nas condições de trabalho. Nas sociedades ocidentais modernas, a demanda para o trabalho físico vem diminuindo, enquanto a demanda psicossocial aumenta devido à maior complexidade das tarefas que se 11 12 apresentam (Theorell,2000). A Medicina Ocupacional, hoje em dia, já não se preocupa exclusivamente com exposições físicas nocivas, dispensando atenção também às questões sociais e comportamentais do ambiente de trabalho. Sendo assim, é importante entendermos melhor o modo como a saúde pode ser afetada quando as condições psicossociais de trabalho são predominantemente adversas. A obtenção das informações necessárias a esta investigação pode ser feita através da formulação de perguntas específicas sobre determinadas ocupações, quando o objetivo é planejar intervenções, mas não possibilita a comparação de informações entre ocupações distintas. Uma alternativa a essa estratégia tem sido a investigação de características genéricas do trabalho, comuns a todas as ocupações, tais como demanda, controle e apoio social (Landisbergis, 2000). Demanda psicológica se refere à sobrecarga de trabalho, ao grau de dificuldade para a execução de tarefas, ao tempo disponível e ao ritmo empreendido para tal, assim como à presença de exigências contraditórias ou discordantes; controle se refere à autonomia sobre a própria conduta, à motivação advinda da possibilidade de ser criativo e de usar, desenvolver ou adquirir habilidades; apoio social se refere aos níveis globais de interação social disponíveis no trabalho. Quando a investigação for feita em mais de um ponto no tempo, o diagnóstico das adversidades psicossociais do ambiente de trabalho produz uma estimação da carga total de exposição que ocorre ao longo de toda a carreira dos indivíduos (Theorell,1996). A sobrecarga e o tempo de trabalho, inicialmente, foram os aspectos responsabilizados pelos maiores danos em geral. Mas, durante a década de 60, um importante estudo prospectivo mostrou incidência maior de infarto do miocárdio em trabalhadores menos qualificados do que entre aqueles que ocupavam postos mais elevados na hierarquia de grandes empresas (Theorell, 2000). Estes achados geraram hipóteses de que o estresse psicossocial poderia não ser primariamente um problema daqueles com grandes responsabilidades, como até então se acreditava. No entanto, para que se pudesse entender melhor essa associação, era preciso desenvolver instrumentos que avaliassem de forma sensível esta relação. Foi feita uma hipótese, então, na Universidade de Michigan (E.U.A.), em 1966, de que o estresse é grande quando existe uma discordância entre as habilidades do indivíduo e a demanda do trabalho – modelo da adequação pessoa-ambiente. Posteriormente, em 1979, com 12 13 base em dados de três inquéritos sobre qualidade do trabalho (1969, 1972 e 1977) e na classificação ocupacional do Censo Americano (1970), Karasek descreveu um modelo bidimensional de avaliação de estresse ocupacional, considerando demanda psicológica e controle (Landsbergis & Theorell, 2000). O modelo aborda o modo de organização do trabalho, mas não avalia as habilidades individuais de adaptação às tarefas laborativas (Theorell, 2000). Em 1988, Johnson & Hall introduziram uma terceira dimensão ao modelo, o apoio social, que supostamente modifica o impacto das situações estressoras. Neste momento também foi introduzido o termo isostrain, se referindo a situações onde altas demandas psicológicas, baixo controle e baixo apoio social estivessem presentes simultaneamente. O modelo de demanda-controle-apoio social possui dois pressupostos. O primeiro é o de que o maior desgaste ocorre nas conjunturas de maior demanda psicológica e menor controle. O segundo se refere ao fato de que o aprendizado e desenvolvimento de novas habilidades necessárias para lidar com situações estressoras se dá na presença de demanda, controle e apoio social altos, onde estão os trabalhadores ativos (Jonge et al.,2000). As quatro situações que poderiam ocorrer, então, no ambiente psicossocial do trabalho, seriam as seguintes: alta demanda e baixo controle (= alto desgaste); baixa demanda e alto controle (= baixo desgaste); alta demanda e alto controle (= trabalhadores ativos, com desgaste baixo intermediário); e baixa demanda e baixo controle (= trabalhadores passivos, com desgaste alto intermediário) (Theorel , 2000) . No ano de 1996, Siegrist elaborou outro modelo para avaliação do estresse no trabalho, que considerava a relação entre os esforços dispendidos e as recompensas alcançadas pelo trabalhador. Diferentemente do modelo de Karasek, aqui é possível avaliar a capacidade individual de adaptação ao ambiente psicossocial do trabalho. No modelo de avaliação de estresse ocupacional que considera esforços dispendidos e recompensas alcançadas (Siegrist,1996), esforço extrínseco foi caracterizado como aquele exigido para a superação da demanda externa, e esforço intrínseco o que era dispendido para satisfazer as expectativas do próprio trabalhador. Recompensa era uma medida composta por aspectos financeiros, de auto-estima e de controle social. Mudanças no ambiente de trabalho vem sendo propostas e tentadas, visando aumentar o apoio social e incrementar o controle. Tais intervenções são planejadas 13 14 diferentemente conforme o subgrupo de trabalhador (ativo, passivo, alto desgaste e baixo desgaste), e a repercussão tem se mostrado diferente em cada grupo. Tem sido observado também que o próprio processo de mudanças no modo de trabalho tem sido, por si só, motivo de estresse em alguns trabalhadores (Theorell,1996). 1.4. A restrição de atividades diárias O desfecho do nosso estudo se refere à restrição de atividades diárias por motivo de saúde, e foi definido na seguinte pergunta: “Nas últimas duas semanas, você ficou impedido(a) de realizar alguma de suas atividades habituais (por exemplo, trabalho, estudo, lazer ou tarefas domésticas) por algum problema de saúde que você teve ou tem?”. Em estudos que buscam avaliar desfecho semelhante, a medida do “número de dias de atividade restrita” é utilizada. Conforme definição do Inquérito Americano de Saúde de 1984 (Riess, 1984), este conceito se refere ao dia em que o indivíduo passa metade do tempo acamado, interrompendo atividades escolares e laborativas, assim como qualquer outra atividade usual, por motivo de saúde. O número de dias de atividade restrita no período de um ano é uma medida de saúde física, da sensação de bem estar e do estado funcional físico e social (Korosok.et.al., 1992; Patrick, 1988). Dados provenientes do “Washington State Behavioral Risk Factor Surveillance System” de 1998, um inquérito por telefone com adultos não institucionalizados, de 18 anos ou mais, selecionados aleatoriamente, encontrou relação inversa entre número de dias de atividades restritas e renda. Uma porcentagem maior de mulheres (13,4%) do que de homens (10,1%) relatou pelo menos 3 dias de atividades restritas por motivos de saúde. A relação observada com os níveis de educação e idade não foram consistentes. Não encontramos referências a estudos da associação entre restrição de atividades e estresse no trabalho, ambiente de trabalho ou estresse psicossocial. É importante observar que nossa pergunta não define qual foi a atividade interrompida, mas que a mesma capta o absenteísmo. 14 15 1.5. Absenteísmo: Dentre todas as atividades que são interrompidas por motivo de saúde, merecem destaque aquelas relacionadas ao trabalho, pois este ocupa grande parte do tempo na vida do empregado. Não existe unanimidade de que o absenteísmo devido a problemas de saúde seja um indicador de morbidade confiável. Uma visão preconceituosa tem sido a de que possa ser um tipo de comportamento culturalmente determinado, influenciado pela insatisfação do profissional com o trabalho ou pela permissividade de leis trabalhistas. É evidente a necessidade de melhor compreensão do seu significado. Mas, se o absenteísmo por problemas de saúde for, de fato, um indicador de saúde, o conhecimento de seus preditores propiciará estratégias de prevenção que terão profundo impacto econômico (Marmot et al.,1995). Peter & Siegrist (1997), teorizaram sobre dois tipos de comportamento de adequação a desafios, na vigência de pouco controle. Um comportamento ativo, de enfrentamento das situações, com ativação predominante do eixo do sistema nervoso simpático–medula adrenal, e predisposição para as moléstias cardiovasculares. Outro, passivo, onde a adequação envolveria recuo e comportamento evasivo, ativando principalmente o eixo pituitária–córtex adrenal, e que se associaria ao humor depressivo, imunossupressão e predisposição ao absenteísmo. Broadhead et al.(1990) observaram associação entre depressão e sintomas depressivos com dias de incapacidade e de absenteísmo. Comparados aos indivíduos assintomáticos, pessoas com depressão maior tiveram risco 5 vezes maior (IC95%:1,64–13,88) de apresentar dias de incapacidade, e pessoas com depressão menor e distúrbios do humor, 1,6 vezes maior (IC95%:1,00–2,40). Kivimäki et al.(2003), estudando o absenteísmo devido a problemas de saúde no Estudo Whitehall II, conclui que esta é uma condição que prediz a mortalidade tão bem ou melhor do que indicadores já estabelecidos, como saúde auto-referida, morbidade psiquiátrica menor e presença de doenças crônicas ou de incapacidades. A razão de riscos entre homens que tiveram mais de cinco ausências, justificadas com atestado médico, em um período de dez anos, e homens que não tiveram ausência justificada no mesmo período, chegou a 4,77 (IC95%: 3,31–6,88), mesmo ajustando-se para a presença de doença cardíaca, hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemias. O autor observa que o absenteísmo por problemas de saúde pode capturar indicadores de morbidade que não se refletem nas 15 16 medidas de saúde usualmente disponíveis, e que também poderia refletir fatores de risco distais para mortalidade, como por exemplo, o estresse no trabalho. De uma maneira geral, quanto mais longa (>7 dias) a ausência ao trabalho, maior a relação do absenteísmo com problemas de saúde. Ausências curtas não excluem a possibilidade desta relação, mas nesses casos a associação tende a ser menos intensa (Marmot et al., 1995). Os autores sugerem que o absenteísmo seja estudado como uma medida integrada do funcionamento físico, psicológico e social. 1.6. Associações estudadas a partir do estresse no trabalho: A associação entre o estresse no trabalho e as doenças cardiovasculares vêm sendo estudada desde a década de 60. No entanto, os resultados encontrados não são consistentes. Uma revisão feita por Schnall et al. (1994) apresenta associações estatisticamente significativas entre a dimensão controle e desfechos cardiovasculares em 18, dentre 25 estudos. A associação com a dimensão demanda foi encontrada em apenas 8 deles. Kivimäki et al. (2002), investigando a mortalidade cardiovascular em estudo de coorte prospectivo entre trabalhadores industriais na Finlândia, encontrou risco de mortalidade 2,2 vezes maior (IC95%: 1,2–4,2) entre as pessoas submetidas a altas demandas e baixo controle no ambiente de trabalho, em relação aos seus colegas com baixo estresse ocupacional. Landsbergis et al. (2003) encontrou evidências de que a relação entre estresse no trabalho e hipertensão arterial é maior entre homens de menor status sócio-econômico. Lee et al.(2002), em estudo de uma coorte de enfermeiras norte-americanas (Nurse’s Study), onde mais de 35000 mulheres vêm sendo acompanhadas, não encontrou evidências de relação com doença coronariana. Cheng et al. (2000), avaliando o efeito cumulativo do estresse no trabalho através do modelo de Karasek, estudado em dois pontos do tempo, encontraram associação positiva com declínio na capacidade de executar uma variedade de atividades e tarefas cotidianas que requerem esforço físico. A intensidade da relação foi tão forte quanto a associada ao tabagismo ou ao sedentarismo. Trabalhando com o mesmo instrumento de aferição de qualidade de vida relacionada à saúde, Lerner et al.(1994) encontraram, para os grupos passivo e de baixo desgaste, uma chance 60 a 80% maior de apresentar mais vitalidade e melhor funcionamento físico e social, 16 17 quando comparado ao de alto desgaste (OR: 1,80; IC95%: 1,19-2,72), que apresentava ainda o dobro da chance de saúde mental empobrecida (OR: 2,25; IC95%: 1,59-3,19). Ibrahim et al. (2001), estudaram a associação entre estresse no trabalho e saúde auto referida em homens e mulheres no inquérito nacional de saúde populacional no Canadá em 1994/95, e encontraram uma chance até 80% maior de referir saúde pobre ou boa, ao invés de muito boa ou ótima, na presença de estresse no trabalho (OR:1,79;IC95%:1,32-2,43). Josephson et al. (1997), estudando a ocorrência de sintomas músculo esqueléticos no pescoço, ombros e coluna vertebral, entre enfermeiros de um hospital na Suécia, estimou razão de taxas igual a 1,7 (IC95%:1,2-2,4) de vir a ser um caso, no grupo exposto a alto estresse no trabalho em relação aos demais. Stansfield et al. (2000), no relatório sobre os resultados do estudo Whitehall II, descrevem o seguinte: associação entre dependência alcoólica e baixo controle, principalmente entre mulheres; alta demanda esteve associada com aumento marcante do risco para transtornos mentais comuns em ambos os sexos (OR: 2,02; IC95%: 1,52,6), enquanto o apoio social apresentava efeito protetor. Piores condições de saúde mental geral, que funciona como um índice de bem estar, apresentavam-se fortemente associadas ao baixo controle (OR: 1,53; IC95%: 1,2-1,9). Risco maior de prejuízo ao funcionamento social esteve associado às altas demandas, principalmente entre mulheres (OR: 1,75; IC95%: 1,3-2,4). Lerner et al. (1994), observaram que a diminuição da sensação de bem estar ou da capacidade funcional podem preceder, seguir ou ser independentes da existência de morbidade. Ao trabalharmos com impedimentos à realização de atividades habituais decorrentes de problemas de saúde, sem identificar os motivos, suspeitamos que o problema de saúde encontra-se dentro de um espectro clínico amplo, que abrange desde a simples diminuição da sensação de bem estar até a incapacidade funcional, podendo captar que “algo não vai bem” mesmo que não tenham sido identificadas comorbidades. No Brasil, Araújo et al. (2003), estudando aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos menores (DPM) entre trabalhadores de enfermagem em Salvador, Bahia, encontraram nítido gradiente tipo dose-resposta na associação positiva entre demanda psicológica e DPM, e associação negativa entre controle sobre o trabalho e DPM. A prevalência de DPM foi mais elevada (RP = 2,6; IC95%: 1,81 – 3,75) no quadrante de alta demanda e baixo controle (alto desgaste), quando comparado às profissionais em trabalho de baixa demanda e alto controle (baixo desgaste). Delcor et 17 18 al. (2004), estudando condições de trabalho e saúde em professores, basearam-se no Job Content Questionnaire modificado. Além destes, na literatura nacional, encontramos três trabalhos que investigaram estresse no trabalho, mas nenhum deles utilizou o modelo demanda-controle-apoio social. O primeiro investigou estresse no trabalho e qualidade de vida em magistrados (Lipp&Tanganelli, 2002); o segundo, repercuções do trabalho na saúde de analistas de sistemas (Rocha&Debert-Ribeiro, 2001); e, por último, o efeito do estresse ambiental na pressão arterial durante a jornada de trabalho (Rocha et al., 2002). A partir dos dados coletados no Estudo Pró-Saúde, pesquisadores estão avaliando associações do estresse no trabalho, com base no modelo de Karasek, com contusão ou distensão muscular resultantes de acidentes de trabalho típicos e com hipertensão arterial em mulheres. O fato de estarmos trabalhando com o modelo de estresse ocupacional de Karasek é bastante motivador, visto que poucos pesquisadores se debruçaram sobre o tema no Brasil, sobretudo valendo-se deste instrumento. Existe atualmente no mundo uma grande demanda por pesquisas que contribuam para a compreensão das desigualdades de saúde e dos mecanismos interpostos entre os determinantes sociais e psíquicos e os desfechos que traduzem esta desigualdade. Esperamos poder acrescentar alguma colaboração neste sentido. 18 19 2. OBJETIVOS: 2.1. Objetivo Geral: Investigar a associação entre estresse no trabalho e impedimentos à realização de atividades habituais devido a problemas de saúde. 2.2. Objetivos Específicos: a) Descrever as características sócio-demográficas da população estudada b) Investigar a associação entre os quadrantes propostos por Karasek, e a interrupção das atividades habituais por problemas de saúde, nas últimas duas semanas antes da pesquisa. c) Investigar a associação principal segundo sexo, idade, escolaridade e renda. d) Investigar a associação principal segundo ocupação e turno de trabalho. e) Investigar a associação principal segundo a presença de doenças crônicas, transtornos mentais comuns e consumo de bebidas alcoólicas. f) Investigar a associação principal segundo o tempo de duração da interrupção e a necessidade de atendimento médico para o problema de saúde responsável pela interrupção. 19 20 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. População e delineamento do estudo Esta investigação se insere no Estudo Pró-Saúde, que consiste no acompanhamento de uma coorte de funcionários técnico-administrativos do quadro efetivo de uma universidade no Rio de Janeiro, que responderam aos questionários das Fases 1(1999) e 2(2001) da coleta de dados. A Fase 2 foi voltada para a avaliação de desfechos em estudo e também para a complementação de dados de base. Além do preenchimento do questionário, houve aferição de peso e altura em ambas as fases e da pressão arterial e circunferência da cintura na Fase 2. Nessas análises serão incluídos apenas os funcionários participantes das Fases 1 e 2. Tanto as questões referentes à exposição quanto a questão referente ao desfecho, estavam contidas apenas no questionário da Fase 2. A enumeração da população-alvo foi realizada a partir de um banco de dados fornecido pela Superintendência de Recursos Humanos da universidade, além de listagens fornecidas pelo órgão responsável pela elaboração da folha de pagamentos e de listagens fornecidas pelas diversas unidades e setores. Com a combinação dessas três fontes de informação, e após a confirmação da lotação de cada funcionário, a universidade foi mapeada e setorizada de acordo com a conveniência operacional do trabalho de campo. Na primeira fase de coleta de dados, todos os 4448 funcionários foram convidados a participar, excluindo-se apenas aqueles aposentados ou cedidos a outras instituições. Nesta fase, 4030 (91%) participantes foram incluídos, e na fase 2, 3574 (80%) funcionários participaram. As análises apresentadas neste artigo são baseadas em 3252 funcionários que participaram de ambas as coletas e que tinham até 70 anos de idade. Destes, foram excluídos aqueles com dados faltantes em qualquer dos itens da escala de medida de estresse no trabalho, ou na pergunta a respeito de interrupção de atividades habituais por motivo de doença, ou nas covariáveis renda, escolaridade, ocupação, trabalho em regime de plantão noturno, relato de diagnóstico de doença crônica, consumo de bebidas alcoólicas ou na escala de medida de transtornos mentais comuns, resultando em 2343 pessoas (1030 homens e 1313 mulheres). O treinamento dos aplicadores foi constituído por sessões de apresentação e discussão dos objetivos da pesquisa, enfatizando-se a importância da adesão do conjunto dos funcionários. Estas sessões foram seguidas da simulação de situações 20 21 possíveis no trabalho de campo. Todos os procedimentos adotados durante o treinamento, bem como os materiais utilizados, foram precedidos por uma ampla revisão da literatura nacional e internacional, visando identificar as técnicas e equipamentos mais apropriados. Para o treinamento da aferição das medidas antropométricas (peso, altura e circunferência de cintura) foi desenvolvido um manual específico para a padronização das técnicas (Habitch, 1974). Para o treinamento das aferições de pressão arterial, a técnica utilizada foi aquela preconizada pelo British Medical Journal (BMJ) que disponibiliza, inclusive, um CD-ROM para fins de treinamento. As coletas de dados da Fase 1, que foi conduzida entre agosto e outubro de 1999, e da Fase 2, entre outubro e dezembro de 2001, ocorreram em auditórios de cada uma das unidades da universidade, durante o horário de trabalho, após intenso trabalho de divulgação do estudo. A aplicação dos questionários foi feita com o auxílio de aplicadores treinados, supervisores de campo e um coordenador de campo. As atividades de supervisão incluíram a observação in loco da atuação dos aplicadores, distribuição e controle do material, e revisão de todos os questionários respondidos. Alunos de pós-graduação e bolsistas de iniciação científica participaram na organização do trabalho de campo, agendamento da aplicação do questionário, entrada de dados, e operações de “rescaldo” (aplicação do questionário a funcionários faltantes, de férias, licença médica ou licença-maternidade). Após a coleta de dados, procedeu-se à etapa de revisão de todos os questionários. A digitação dos dados foi realizada de forma duplicada e independente. 3.2. Tradução e versão dos instrumentos: O modelo de Karasek foi operacionalizado inicialmente através do “Job Content Questionaire”, com 49 questões, na forma auto-preenchível. Tores Theörell desenvolveu, posteriormente, versão resumida com 17 questões. Constitui-se de cinco perguntas fechadas relativas à demanda, seis ao controle e outras seis referentes ao apoio social (Alves et al.,2004). A versão resumida foi a escala adaptada para o nosso idioma e utilizada no questionário da segunda coleta de dados do Estudo Pró-Saúde. Buscando alcançar a maior equivalência possível entre instrumentos aplicados em idiomas diferentes (o original em inglês e sua tradução para o português), foi realizado 21 22 um processo de tradução e versão (forward and backtranslation) (Herdman et al.,1997) dos instrumentos utilizados para avaliação de estresse no trabalho no âmbito do Estudo Pró-Saúde (Alves et al.,2004). Este processo consistiu de três traduções independentes do original, em inglês, para o português, avaliadas por dois pesquisadores, e da versão, outra vez para o inglês (backtranslation) por outro tradutor. A última versão, em inglês, foi comparada ao original por cinco epidemiologistas com pleno domínio sobre os dois idiomas (painel de peritos), que consideraram equivalentes as duas formas em inglês, dessa forma aprovando o uso das questões traduzidas para o português (Alves et al., 2004). 3.3. Avaliação da qualidade do instrumento: Diversos pré-testes foram realizados, envolvendo cerca de 150 voluntários, nas fases 1 e 2, com perfil social e funcional semelhante ao da população-alvo. Assim, funcionários técnico-administrativos da Fundação Oswaldo Cruz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, preencheram quatro versões de todo o questionário nas duas fases da pesquisa. Após a aplicação desses pré-testes, foram analisadas a compreensão das perguntas formuladas, e também a distribuição das respostas por categorias de sexo e escolaridade (Faerstein et al., 1999). O estudo piloto da Fase 1, que serviu como a primeira etapa do estudo de confiabilidade teste-reteste, foi realizado no mês de julho de 1999, com 200 funcionários administrativos contratados, mas não efetivos da universidade, por apresentarem perfil social e funcional semelhante ao perfil dos funcionários. O estudo de confiabilidade (teste-reteste) foi realizado com os mesmos funcionários (192 que responderam ao questionário na segunda aplicação), duas semanas após a primeira etapa. O estudo piloto da Fase 2 foi realizado em agosto de 2001 entre 100 funcionários contratados, com as mesmas características das da Fase 1. Com os dados do estudo de confiabilidade teste reteste, estimaram-se os coeficientes de correlação intra-classe das dimensões de estresse no trabalho obtidos na população como um todo e especificado por sexo (Quadro 1). Os maiores valores foram observados entre homens, nas dimensões demanda e controle: 0,91 ( IC95%: 0,84-0,95). 22 23 Em uma sub-divisão da dimensão controle, que se refere à autoridade para tomada de decisão, observou-se os coeficientes mais baixos: 0,64 na população total (IC95%: 0,490,74) e 0,56 entre as mulheres ( IC95%:0,33-0,73). Quadro 1 Fonte:Alves et al.,2004. Para a verificação da consistência interna da escala de estresse no trabalho, procedeu-se ao cálculo do Coeficiente Alpha de Cronbach. Os menores coeficientes foram estimados para a dimensão controle, sub-dimensão discernimento intelectual, mas assim mesmo são maiores ou iguais a 0,55, indicando boa consistência interna do instrumento. Quadro 2 23 24 Fonte: Alves et al.,2004 A confiabilidade da pergunta sobre interrupção de atividades habituais foi investigada, estimando-se o coeficiente de kappa = 0,73 (IC95%=0,71-0,75). 3.4. Aspectos éticos: A Pesquisa não envolve riscos físicos, sociais ou legais aos participantes, embora dados a respeito de questões consideradas delicadas sejam coletados (consumo de bebida alcoólica, uso de medicamentos, diagnóstico de doenças, entre outros). Os questionários foram identificados através de numeração cuja ligação ao nome do funcionário é de conhecimento exclusivo da coordenação da pesquisa. Os dados têm sido analisados somente de forma agregada, garantindo-se que os nomes dos participantes bem como sua associação com qualquer informação coletada, não faça parte de relatórios ou artigos científicos que venham a ser divulgados. A participação na Pesquisa é voluntária, esclarecendo-se aos funcionários que nenhum tipo de penalidade é aplicada aos que não desejarem participar. Após esclarecimentos sobre a pesquisa, a assinatura de Consentimento Informado para Participação em Pesquisa Científica foi solicitada em ambas as etapas. 3.5. Análise dos dados: Inicialmente procedeu-se à análise univariada dos dados, cujo resultado é apresentado na tabela 1 do artigo (página 38), que descreve as características sociais e demográficas da população estudada, assim como destaca a presença ou ausência de doenças crônicas e de transtornos mentais comuns, o nível de consumo de bebidas alcoólicas e a distribuição da população nos quadrantes de estresse no trabalho e também conforme a interrupção ou não das atividades habituais por motivo de saúde. A seguir foram realizadas as análises bivariadas, para fins de verificação de associação entre a exposição- alto desgaste devido ao estresse no trabalho- e o desfechointerrupção das atividades cotidianas por motivo de saúde- com cada uma das 24 25 covariáveis estudadas (sexo, idade, escolaridade, renda, ocupação, plantão noturno, doença crônica, transtornos mentais comuns e consumo de bebidas álcoolicas). Utilizamos o teste qui quadrado para verificar se as associações encontradas apresentavam significância estatística (p<0,10), valendo-nos deste critério para a seleção das possíveis variáveis de confusão. Aquelas associadas tanto à exposição quanto ao desfecho, foram testadas nos modelos multivariados. Exceção foi a variável idade, que não esteve associada nem à exposição nem ao desfecho, tanto nos homens quanto nas mulheres, mas que entrou nos modelos multivariados devido à sua importância na caracterização demográfica de qualquer população. A medida de associação utilizada foi a razão de prevalência, que foi calculada separadamente para os homens e para as mulheres devido à diferença entre a força de associação observada nos dois grupos. Dada a variável resposta ser dicotômica (interromper ou não as atividades habituais), procedeu-se às análises multivariadas valendo-se dos modelos lineares generalizados, assumindo uma distribuição binomial e função de ligação logarítimica (Sknov et al., 1998). Inicialmente as razões de prevalência e seus respectivos intervalos de 95% de confiança foram obtidas num modelo que continha apenas as variáveis exposição e desfecho. Posteriormente acrescentamos, uma de cada vez, a variável idade, os indicadores de posição sócioeconômica (escolaridade, renda e ocupação) e, em seguida, consumo de álcool, relato de diagnóstico de doença crônica e transtornos mentais comuns. Foram mantidas no modelo as covariáveis que alteraram a associação principal entre estresse no trabalho e interrupção das atividades habituais em pelo menos 10%. 25 26 4. ARTIGO: ESTRESSE NO TRABALHO, PROBLEMAS DE SAÚDE E INTERRUPÇÃO DE ATIVIDADES COTIDIANAS: ASSOCIAÇÃO NO ESTUDO PRÓ-SAÚDE. 4.1. Introdução A reação do organismo ao estresse visa sua proteção, produzindo energia, força muscular, resistência à dor e acuidade mental necessárias para a luta ou para a fuga da situação ameaçadora. Algumas das características físicas que compõem o chamado “equilíbrio alostático” como a freqüência cardíaca, freqüência respiratória, concentração de glicose no sangue e quantidade de energia armazenada como gordura, sofrem alterações em um organismo sob estresse, devendo retornar ao normal quando cessam os estímulos. São reações com propósitos de curto prazo, que, no caso de se perpetuarem, podem causar desgaste e doença. Este mecanismo de perpetuação da reação do organismo tem sido chamado de “sobrecarga alostática” e, segundo McEwen & Lasley (2002), seria uma possível explicação para a associação entre o estresse e a aterosclerose, as doenças auto-imunes e a depressão, entre outros agravos. Diversas dimensões da vida contemporânea têm apresentado mudanças em curto período de tempo, incluindo-se os métodos, as relações e o ambiente de trabalho (Theorell,2000). Nos Estados Unidos, queixas relativas à saúde têm sido mais freqüentemente associadas a problemas no trabalho do que a qualquer outro aspecto da vida, incluindo-se problemas financeiros ou familiares. Naquele país, um quarto dos trabalhadores percebem sua ocupação como o primeiro agente causador de estresse em suas vidas (National Institute for Occupational Safety and Health, 2004). Em 1979, Robert Karasek concebeu modelo segundo o qual o estresse no trabalho é composto por duas dimensões: demandas psicológicas e controle. Demandas psicológicas se referem à sobrecarga de trabalho, ao grau de dificuldade para a execução de tarefas, ao tempo disponível e ao ritmo empreendido para tal, assim como à presença de exigências contraditórias ou discordantes. O controle se refere à autonomia sobre as próprias tarefas, à motivação advinda da possibilidade de ser criativo e de usar, desenvolver e adquirir novas habilidades. Baseando-se nessas duas dimensões, Karasek propôs uma escala de avaliação do estresse percebido no trabalho (Karasek&Theorell,1990), posteriormente reduzida por 26 27 Tores Theörell (Theorell et al.,1988), com o objetivo de investigar seu impacto na saúde. Segundo este modelo, pontos de corte nos escores de demanda e controle geram quatro situações possíveis: alta demanda e baixo controle (alto desgaste); baixa demanda e alto controle (baixo desgaste); alta demanda e alto controle (trabalhos ativos, com desgaste baixo intermediário); e baixa demanda e baixo controle (trabalhos passivos, com desgaste alto intermediário) (Theorell, 2000). Ainda segundo esse modelo, o grupo de alto desgaste seria o de maior risco para os desfechos de saúde. A associação entre estresse no trabalho e desfechos relacionados às doenças cardiovasculares está entre as mais freqüentemente investigadas. Alguns estudos (Kivimaki et al.,2002; Kuper & Marmot, 2003), mas não todos (Eaker et al.,2004; Lee et al.,2002), estimaram maior incidência e/ou mortalidade por doença coronariana em trabalhadores com tarefas classificadas como de alto desgaste, em comparação com aqueles que desempenhavam funções classificadas como de menor estresse no trabalho. Outros desfechos também foram investigados, como por exemplo a auto-avaliação do estado de saúde (Ibrahim et al., 2001), depressão (Broadhead et al.,1990) e absenteísmo (Peter & Siegrist,1997;Kivimäki et al.,2003). No Brasil, Araújo et al. (2003), estudando distúrbios psíquicos menores (DPM), entre trabalhadoras de enfermagem em Salvador, Bahia, estimaram nítido gradiente tipo dose-resposta na associação positiva entre demandas psicológicas e DPM, e ainda associação negativa entre controle sobre o trabalho e DPM. A prevalência de DPM foi mais elevada (RP:2,6;IC95%:1,81;3,75) nas participantes cujas tarefas foram classificadas como de alto desgaste, quando comparadas às profissionais com ocupações de baixo desgaste. As associações entre estresse no trabalho e desfechos relacionados à vitalidade e ao desempenho de atividades habituais -incluindo-se as laborais- têm sido pouco estudadas, e não temos conhecimento de investigações dessa natureza no Brasil. Cheng et al. (2000), analisando dados do Nurses’ Health Study (E.U.A), encontraram associação positiva com o declínio da capacidade de executar uma variedade de atividades e tarefas cotidianas que requerem esforço físico. Lerner et al. (1994) estimaram maior chance de vitalidade e melhor funcionamento físico e social nos grupos classificados como desempenhando atividades laborais com menores níveis de estresse (os ativos e os de baixo desgaste), quando comparados com o grupo com tarefas de alto desgaste. 27 28 No mundo contemporâneo existe grande demanda por pesquisas que contribuam para a compreensão do impacto das desigualdades sociais na saúde, bem como dos mecanismos através dos quais este impacto acontece, incluindo-se o estresse no trabalho. Ao investigarmos, como desfecho, a interrupção de atividades habituais decorrentes de problemas de saúde, buscamos captar a capacidade funcional, do ponto de vista físico, social e emocional, cuja diminuição pode preceder, seguir ou ser independente da existência de doença percebida ou diagnosticada. Este trabalho pretende colaborar no aprofundamento da compreensão desses mecanismos, ao investigar a hipótese de que indivíduos que desempenham tarefas classificadas como de alto desgaste devido ao estresse no trabalho apresentem maior freqüência de interrupção das atividades habituais como trabalho, estudo, lazer ou tarefas domésticas. 4.2.Métodos Participantes Esta investigação se insere no Estudo Pró-Saúde, que consiste no acompanhamento de uma coorte de funcionários técnico-administrativos do quadro efetivo de uma universidade no Rio de Janeiro. Na primeira fase de coleta de dados (1999), todos os 4448 funcionários foram convidados a participar, excluindo-se apenas aqueles aposentados ou cedidos a outras instituições. Nesta fase, 4030 (91%) participantes foram incluídos, e na fase 2 (2001), 3574 (80%) funcionários participaram do estudo. As análises apresentadas neste artigo são baseadas em 3252 funcionários que participaram de ambas as coletas e que tinham até 70 anos de idade. Destes, foram excluídos aqueles com dados faltantes em qualquer dos itens da escala de medida de estresse no trabalho, ou na pergunta a respeito de interrupção de atividades habituais por motivo de doença, ou nas covariáveis renda, escolaridade, ocupação, trabalho em regime de plantão noturno, relato de diagnóstico de doença crônica, consumo de bebidas alcoólicas ou na escala de medida de transtornos mentais comuns, resultando em 2343 pessoas (1030 homens e 1313 mulheres). Medidas 28 29 Em ambas as etapas de coleta de dados os participantes responderam a questionários auto-preenchíveis, e tiveram peso e altura (ambas as fases), pressão arterial e circunferência da cintura (Fase 2) aferidos. Tanto as questões referentes à exposição quanto a pergunta referente ao desfecho aqui avaliados foram incluídas apenas no questionário da Fase 2 de coleta de dados. A exposição − estresse no trabalho − foi avaliada através da versão Sueca reduzida da escala elaborada por Robert Karasek, baseada no modelo demanda/controle. Esta escala foi traduzida e adaptada para o português no âmbito do Estudo Pró-Saúde, com a concordância do autor, Töres Theorell, por meio de comunicação pessoal (Alves et al.,2004). Quanto ao desfecho, foi avaliado através da pergunta: “Nas últimas duas semanas, você ficou impedido(a) de realizar alguma de suas atividades habituais (por exemplo, trabalho, estudo, lazer ou tarefas domésticas) por algum problema de saúde que você teve ou tem?”, que poderia ser respondida afirmativa ou negativamente. No caso afirmativo, perguntou-se a respeito da busca de algum tipo de assistência médica visando tratamento, e também sobre a duração (número de dias) da interrupção das atividades habituais. Após diversas etapas de pré-teste, o estudo de confiabilidade teste-reteste da Fase 2 foi realizado em agosto de 2001, com 94 funcionários contratados, mas não efetivos da universidade, por apresentarem perfil social e funcional semelhante ao perfil dos participantes. A confiabilidade da pergunta sobre interrupção de atividades habituais foi estimada em 0,73 (IC95%=0,71-0,75) (coeficiente de kappa). A confiabilidade das dimensões do estresse no trabalho foi avaliada através dos coeficientes de correlação intra-classe, obtendo-se 0,88 para demanda (IC95%: 0,820,92) e 0,87 para controle (IC95%: 0,80-0,91). Quanto à consistência interna, estimouse Coeficientes Alpha de Cronbach igual a 0,72 para demanda e 0,63 para controle (Alves et al.,2004). A escala de aferição do estresse no trabalho continha cinco questões avaliando demanda, seis, controle, e outras seis para a abordagem do apoio social. As opções de resposta para as dimensões demanda e controle foram apresentadas como uma escala tipo Likert (1-4), indo de “frequentemente” até “nunca/quase nunca”. 29 30 O estresse no trabalho foi analisado de acordo com os quadrantes propostos por Karasek (1979), definidos segundo as medianas. Assim, o grupo com baixo controle foi aquele com escore menor do que 17; alto controle: maior ou igual a 17; baixa demanda: menor ou igual a 14; e alta demanda: maior do que 14. Outras características analisadas foram: idade; raça (obtida através da categorização de pergunta aberta “Na sua opinião, qual a sua cor ou raça?”, onde o participante poderia registrar qualquer termo); escolaridade (fundamental= até 1´grau completo; médio= 2´ grau completo; e universitário); renda mensal domiciliar per capita em salários mínimos; classe ocupacional, de acordo com a classificação de EriksonGoldthorpe-Portocarrero (1993), que considera a natureza/conteúdo da ocupação e atribui um status de emprego capaz de refletir as relações sociais no trabalho (empregador; autônomo; empregado; supervisor), resultando, no caso do Estudo PróSaúde, nas categorias dos profissionais, trabalhadores com rotina manual e trabalhadores com rotina não manual; trabalho em regime de plantão noturno (categorizado em “sim” ou “não”, e no período de tempo acumulado: nunca; menos de 1 ano; 1 a 5 anos e mais de 5 anos); presença de doença crônica (“sim” ou “não” de acordo com o relato de uma ou mais das seguintes condições: hipertensão arterial; diabetes mellitus; doença pulmonar obstrutiva crônica e afecções reumáticas crônicas); consumo de bebidas alcoólicas, através da pergunta: “Nas últimas duas semanas, você consumiu algum tipo de bebida alcoólica?”, complementada pela investigação da periodicidade e da quantidade consumida, resultando em: nenhum consumo; baixo consumo (bebeu 1 a 7 doses de bebida alcoólica em um único dia; ou bebeu 1 a 4 doses em 2 a 5 dias; ou apenas 1 dose em 6 a 9 dias); consumo moderado (bebeu 8 ou mais doses em um único dia; ou bebeu 5 a 10 doses em 2 a 5 dias; ou 2 a 7 doses em 6 a 9 dias; ou apenas 1 dose em 10 ou mais dias); e alto consumo (mais de 10 doses em 2 a 5 dias; ou 8 ou mais doses em 6 a 9 dias; ou 2 ou mais doses em 10 a 13 dias; ou 2 ou mais doses todos os dias). A classificação de presença ou ausência de transtornos mentais comuns foi realizada por meio da análise das respostas à versão abreviada do General Health Questionnaire, em português, considerando-se positivos aqueles que responderam afirmativamente a pelo menos três das doze perguntas que compõem o instrumento (Lopes et al.,2003). Análise de dados 30 31 Inicialmente procedeu-se à análise univariada das características sóciodemográficas da população estudada, como também da exposição, do desfecho e demais covariáveis . A seguir foram realizadas análises bivariadas e estratificadas, para fins de verificação de associação entre alto desgaste devido ao estresse no trabalho e interrupção das atividades habituais com cada uma das covariáveis estudadas (sexo, idade, escolaridade, renda, ocupação, plantão noturno, doença crônica, transtornos mentais comuns e consumo de bebidas álcoolicas). Utilizamos o teste qui quadrado para verificar se as associações encontradas tinham significância estatística (p<0,10), valendo-nos deste critério para a seleção das possíveis variáveis de confusão. Aquelas associadas tanto à exposição quanto ao desfecho, foram testadas nos modelos multivariados. A variável idade foi exceção a esse critério pois não esteve associada à exposição nem ao desfecho, tanto nos homens quanto nas mulheres. Mesmo assim optou-se por incluí-la nos modelos multivariados devido a sua influência na grande maioria dos fenômenos relacionados à saúde. A medida de associação utilizada foi a razão de prevalência, estimada separadamente para homens e mulheres devido à diferença da magnitude da associação nos dois grupos. Dado o caráter dicotômico da variável resposta (interromper ou não interromper atividades habituais), procedeu-se às análises multivariadas valendo-se dos modelos lineares generalizados, assumindo uma distribuição binomial e função de ligação logarítimica (Sknov et al.,1998). Inicialmente as razões de prevalência e seus respectivos intervalos de 95% confiança foram estimados em um modelo que continha apenas as variáveis exposição e desfecho. Posteriormente acrescentamos, uma de cada vez, a variável idade, os indicadores de posição sócio-econômica (escolaridade, renda e ocupação) e, em seguida, consumo de álcool, relato de diagnóstico de doença crônica e transtornos mentais comuns. Foram mantidas no modelo as covariáveis que alteraram a associação principal entre estresse no trabalho e interrupção das atividades habituais em pelo menos 10%. 4.3. Resultados As mulheres compunham a maior parte do grupo estudado, correspondendo a 56% do total (Tabela 1). Trata-se de uma população jovem, já que aproximadamente 70% 31 32 dos participantes tinha menos que 45 anos de idade, sendo as mulheres um pouco mais velhas do que os homens. A maior parcela da população apresentava nível universitário, sendo a proporção de mulheres com nível superior completo maior do que a de homens. As mulheres também apresentavam maior renda domiciliar per capita. A grande maioria dos funcionários foi classificada como tendo ocupação de rotina não manual. Em torno de 27% das mulheres trabalhavam em regime de plantão noturno há mais de um ano, em comparação a 20% dos homens. A proporção de participantes que relatou diagnóstico médico de doença crônica foi um pouco menor entre os homens, que, por sua vez, apresentaram maior consumo de bebidas alcoólicas. A prevalência de alto desgaste e também de interrupção das atividades habituais por motivo de doença foi maior entre as mulheres do que entre os homens: 15,9% vs. 11,6% e 26,3% vs. 18,2%, respectivamente no caso da exposição e do desfecho. Na Tabela 2 apresentamos as prevalências da exposição (alto desgaste devido ao estresse no trabalho) segundo as categorias das covariáveis. A prevalência de alto desgaste não variou significativamente com a idade e, entre as mulheres, variou de forma inversa com a escolaridade. Assim, 21,9% dentre 209 participantes em atividades de alto desgaste apresentavam o ensino fundamental ou menor nível de escolaridade, sendo essa proporção de 18,9% e 12,4% entre aqueles com ensino médio e universitário, respectivamente (p<0,05). A mesma tendência foi observada em relação à renda mensal domiciliar per capita. Entre os homens, não se observou diferença importante na prevalência de alto desgaste segundo escolaridade ou renda. Homens e mulheres classificados como trabalhadores manuais apresentaram maior proporção de alto desgaste do que aqueles com ocupação de rotina não manual que, por sua vez, apresentaram maior prevalência da exposição do que os profissionais. Em relação aos transtornos mentais comuns, a prevalência de alto desgaste foi significativamente maior entre os participantes classificados como positivos comparados aos negativos, tanto entre os homens (17,4% vs. 9,4%) quanto entre as mulheres (23,4% vs. 11,3%). Não se observaram diferenças na prevalência de alto desgaste entre aqueles que procuraram e os que não procuraram assistência médica em função da interrupção das atividades habituais, nem tampouco entre os participantes que interromperam atividades habituais por mais de sete dias comparados com aqueles que as interromperam por menor período de tempo (ANEXO III). 32 33 A prevalência de interrupção das atividades habituais não variou de forma importante entre as categorias de escolaridade, em ambos os sexos (Tabela 2). Entre os homens, variou de forma inversa com a renda (p<0,05). Entre as mulheres, as trabalhadoras com rotina não manual apresentaram a maior prevalência do desfecho, bem como observou-se gradiente positivo entre o tempo de trabalho em regime de plantão noturno e a prevalência do desfecho. Em ambos os sexos, a prevalência foi maior entre aqueles que relataram doença crônica, comparados aos que não as relataram (diferenças não significativas), assim como entre aqueles classificados como positivos para os transtornos mentais comuns (TMC). Dentre estes, 37,6% apresentaram o desfecho, comparados a 15,2% daqueles classificados como negativos para TMC (p<0,05). Na Tabela 3 encontram-se os resultados das análises multivariadas. Ajustando-se por idade, os homens em atividades com alto desgaste apresentaram prevalência da interrupção das atividades habituais duas vezes maior (RP:2,06;IC95%:1,54-2,76) do que aqueles cujas atividades não foram classificadas nessa categoria (baixo desgaste; ativo; passivo). Entre as mulheres, a prevalência do desfecho foi 1,45 vezes maior (IC95%:1,17-1,79). As razões de prevalência variaram pouco (menos que 3%) ao incluirmos as possíveis variáveis de confusão: doença crônica, no caso dos homens; escolaridade e ocupação, no caso das mulheres. A exceção foram os TMC, cuja inclusão no modelo diminuiu a força de associação de 2,06 para 1,69 (IC95%:1,28;2,24) no caso dos homens, e de 1,45 para 1,23 (IC95%:0,99;1,51) entre as mulheres. 4.4. Discussão Na população masculina desse estudo, o estresse no trabalho (atividades percebidas como de alto desgaste) dobrou a prevalência de interrupção das atividades habituais por motivo de doença. Entre as mulheres, esse aumento foi estimado em 45%. Após ajuste por transtornos mentais comuns, a prevalência foi 69% maior entre homens, e 23% maior entre as mulheres. A fim de identificar estudos a respeito da associação investigada, realizamos revisão não sistemática da literatura no Index Medicus on line da Biblioteca Nacional Americana de Medicina (Medline) e na Scientific Eletronic Library (Scielo), além de buscar referências em livros texto especializados, e em conversas com especialistas. 33 34 Uma vez que não foi possível encontrar investigações sobre a associação em estudo, comparamos nossos resultados com pesquisas cujos desfechos mais se aproximaram daquele analisado nesse trabalho. De acordo com o resultados de algumas investigações (Cheng et al.,2000; Lerner et al.,1994; Josephson et al.,1997; Stansfield et al.,2000), o estresse no trabalho e suas dimensões, demanda e controle, estão associados a diversos desfechos que representam interrupção de atividades habituais (ex: absenteísmo) ou que podem constituir suas causas. No Estudo Whitehall II, de funcionários públicos ingleses, o risco de absenteísmo por motivo de saúde foi 50% menor nos indivíduos classificados como exercendo atividades com altos níveis de controle no trabalho, quando comparados aos funcionários com baixo controle (RR:0,50;IC95%:0,47-0,54) (North et al.,1996). Na mesma população, Stansfield et al. (2000) relataram a existência de associações entre as dimensões do estresse no trabalho e diversas condições que devem ser levadas em consideração ao se investigar o risco de absenteísmo e interrupção de outras atividades habituais. Por exemplo, comparados aos participantes com altos níveis de controle no trabalho, aqueles com baixo controle apresentaram maior risco de dependência alcoólica, especialmente entre as mulheres (OR:1,46;IC95%:0,9-2,4); altos níveis de demanda dobraram o risco de transtornos mentais comuns em ambos os sexos (OR:2,02;IC95%:1,5-2,6), e, entre as mulheres, elevaram o risco de declínio da capacidade funcional social (OR:1,75; IC95%:1,3-2,4). Cheng et al. (2000), avaliando uma coorte de enfermeiras americanas, encontraram associação positiva entre estresse no trabalho e declínio na capacidade funcional física, com intensidade comparável àquelas estimadas com o tabagismo ou com o sedentarismo. Na mesma coorte, Lerner et al.(1994) estimaram, para o grupo de baixo desgaste, chance 80% maior de apresentar mais vitalidade e melhor funcionamento físico (OR:1,80;IC95%:1,19-2,72) e 68% maior de apresentar melhor funcionamento social (OR:1,68;IC95%:1,15-2,44), do que o grupo de alto desgaste. Josephson et al. (1997), estudando a ocorrência de sintomas músculo esqueléticos no pescoço, ombros e coluna vertebral, entre enfermeiros de um hospital na Suécia, estimou razão de taxas 70% maior (RR:1,70; IC95%:1,2-2,4) no grupo exposto ao alto desgaste no trabalho quando comparado aos demais. Apesar da importância do absenteísmo, que foi apontado como forte preditor de mortalidade e como marcador de morbidade mais sensível do que as medidas de saúde usualmente disponíveis (Kivimäki et al., 2003), uma das limitações desse estudo refere34 35 se à pergunta que avaliou o desfecho (“Nas últimas duas semanas, você ficou impedido(a) de realizar alguma de suas atividades habituais (por exemplo, trabalho, estudo, lazer ou tarefas domésticas) por algum problema de saúde que você teve ou tem ?”). Essa pergunta não discriminou qual das atividades habituais foi interrompida, o que limita a comparabilidade com os estudos sobre o absenteísmo, tema mais freqüentemente investigado no âmbito da interrupção de atividades habituais. Na etapa de elaboração do questionário, essa limitação foi identificada, optando-se por manter essa formulação a fim de minimizar o risco de informações incorretas a respeito da ausência do trabalho, por se tratar de uma coorte de trabalhadores. Além de investigarem o absentismo isoladamente, estudos sobre o tema têm utilizado o conceito de “dias de atividade restrita” considerada como medida de saúde física, do estado funcional e da sensação de bem estar (Korosok et al,1992). Conforme definição do Inquérito Americano de Saúde de 1984 (Riess, 1984.), este conceito se refere ao dia em que o indivíduo passa metade do tempo acamado, interrompendo atividades escolares e laborativas, assim como qualquer outra atividade usual, por motivo de saúde. Patrick (1988) ampliou este conceito, acrescentando um significado de capacidade funcional social. No caso do Estudo Pró-Saúde, não restringimos a interrupção das atividades habituais aos episódios relativamente mais graves, por terem mantido o indivíduo acamado, optando-se por captar maior número de eventos devidos a episódios de doença leve ou mesmo mal-estar, aos quais o estresse no trabalho pode estar associado. Confirmando essa hipótese, Fernandes et al.(1999), em inquérito de saúde realizado na Espanha, estimaram prevalências de atividades restritas, nos 15 dias que antecederam à entrevista, de 8,9% entre homens e de 3,4% entre mulheres, bem menores do que aquelas encontradas em nossa população - 18,2% e 26,3%, entre homens e mulheres, respectivamente. Outra limitação, não específica desse estudo, mas que diz respeito ao conjunto de investigações sobre os efeitos do estresse no trabalho, refere-se às várias formas com que diferentes autores vêm analisando as medidas de estresse no trabalho. Os escores de controle e de demanda permitem que essas dimensões sejam analisadas separadamente, relação (razão como variáveis contínuas ou demanda/controle). Além categóricas, ou ainda segundo sua disso, conforme postula Karasek (www.uml.edu/Dept/WE/people/faculty/karasek.htm), as duas dimensões devem ser categorizadas em alto e baixo controle, e alta e baixa demanda, dando origem aos quatro quadrantes. Optamos por trabalhar com os quadrantes, por ser uma forma de análise 35 36 bastante utilizada, favorecendo assim futuras comparações. Depois dessa decisão, passamos a considerar qual seria o melhor ponto de corte dos escores de demanda e controle para constituição dos quadrantes. Mesmo conscientes de que os escores são originados em escala discreta, e não contínua, optamos pelo uso da mediana já que esta tem sido a medida mais comumente utilizada, o que facilita comparações com a literatura disponível. Além disso, quando comparamos nossos resultados com aqueles que seriam obtidos caso tivéssemos escolhido a média como ponto de corte, observamos que, apesar de não haver diferenças importantes, a escolha da mediana restringiu mais o grupo de alta demanda, considerado de risco, especialmente no caso das mulheres. As limitações apontadas não devem ter afetado as estimativas de associação. O motivo de termos trabalhado com o estresse no trabalho como alto desgaste versus outras categorias de desgaste foi a detecção de diferença estatísticamente significativa, através do teste qui-quadrado, entre as prevalências de interrupção das atividades habituais, nas quatro categorias de desgaste (alto desgaste; passivo; ativo e baixo desgaste). A comparação múltipla, feita através de modelos lineares generalizados (distribuição binomial e função de ligação logaritmica), mostrou significância apenas para as comparações com o grupo classificado como de alto desgaste, tanto entre homens quanto entre mulheres. Dois fatores precisaram ser avaliados antes de tomarmos a razão de prevalência como medida do risco relativo. Primeiro, era necessário que a exposição não estivesse associada à duração do desfecho. Quanto a esse ponto, nossas análises não mostraram correlação entre os escores de demanda ou controle e a duração da interrupção das atividades habituais. Em segundo lugar , como a prevalência do desfecho era alta (18,2% nos homens e 26,3% nas mulheres) e a razão de prevalência entre expostos e não expostos ao alto desgaste era positiva, concluímos que a razão de prevalência forneceu uma estimativa conservadora do risco relativo, já que o subestima. Segundo a metodologia descrita por Szklo & Nieto (2000), estimamos que, nessa população a RP subestima o RR em 21% no caso dos homens, e em 13% para as mulheres. Segundo McEwen (1998), existe plausibilidade na hipótese de que o estresse no trabalho seja direta ou indiretamente responsável por doenças ou sintomas inespecíficos. Esses eventos, então, causam a interrupção de atividades diárias. De fato, é possível conceber que indivíduos que se percebem como submetidos a sobrecarga de trabalho, executando tarefas com alto grau de dificuldade, na presença de exigências 36 37 contraditórias, com pouco tempo disponível para realizá-las, tendo pouca autonomia sobre suas decisões, e com poucas oportunidades de desenvolver novas habilidades, tornem-se, em alguma medida, menos saudáveis, mesmo que através de sintomas que não impliquem em diagnóstico médico, mas que afetem a qualidade de vida.. Os mecanismos mediadores entre o estresse e a interrupção podem ser múltiplos. Os transtornos mentais comuns, por exemplo, que, segundo nossos resultados apresentaram forte associação com a exposição e com o desfecho, podem ser compreendidos como variável interveniente ao invés de variável de confusão, já que é possível considerá-los como parte do caminho causal entre o estresse no trabalho e a interrupção das atividades habituais. Ao contrário das outras potenciais variáveis de confusão, essa foi a única característica que reduziu fortemente a razão de prevalência. Do ponto de vista da agenda de saúde pública, nossos resultados indicam a importância da pesquisa e de ações de saúde relativas ao estresse no trabalho, cujos efeitos ainda são pouco conhecidos no Brasil. É preciso melhor adequação entre o trabalhador e as tarefas com que ele se depara e, para tanto, é necessário conhecer suas potencialidades, dificuldades, dúvidas e expectativas. Além disso, é possível imaginar que menores níveis de estresse no trabalho podem facilitar a implementação de programas e a motivação pessoal para a mudança de comportamentos relacionados à saúde como o tabagismo, o consumo exagerado de bebidas alcoólicas e o sedentarismo. 37 38 Tabela 1 – Características sóciodemográficas dos funcionários técnico-administrativos de uma universidade no Estado do RJ. Estudo Pró-Saúde, 2001 HOMENS MULHERES TOTAL N % N % N % Sexo 1030 44,0 1313 56,0 2343 Idade < 35 anos 35 a 44 anos 45 a 54 anos > 54 anos 278 463 232 57 27,0 45,0 22,5 5,5 255 618 356 84 19,4 47,1 27,1 6,4 533 1081 588 141 22,7 46,2 25,1 6,0 Fundamental Médio Universitário 218 388 424 21,1 37,7 41,2 187 438 688 14,2 33,4 52,4 405 826 1112 17,2 35,3 47,5 Renda domiciliar per capita Até 3 salários mínimos 3 a 6 salários mínimos > 6 salários mínimos 435 353 242 42,2 34,3 23,5 399 495 419 30,4 37,7 31,9 834 848 661 35,6 36,2 28,2 Ocupação Profissionais Rotina não manual Rotina manual 283 607 140 27,5 58,9 13,6 359 908 46 27,3 69,2 3,5 642 1515 186 27,4 64,7 7,9 Plantão noturno Nunca < 1 ano 1 a 5 anos > 5 anos 791 37 74 128 76,8 3,6 7,2 12,4 896 69 144 204 68,2 5,3 11,0 15,5 1687 106 218 332 72,0 4,5 9,3 14,2 Doença crônica Sim Não 366 664 35,5 64,5 533 780 40,6 59,4 899 1444 38,4 61,6 Transtornos mentais comuns Sim Não Nenhum Baixo Moderado Alto 282 748 409 364 175 82 27,4 72,6 39,7 35,3 17,0 8,0 499 814 777 416 94 26 38,0 62,0 59,2 31,7 7,1 2,0 781 1562 1186 780 269 108 33,3 66,7 50,6 33,3 11,5 4,6 Estresse no trabalho Alto desgaste Baixo desgaste Ativo Passivo 119 304 225 382 11,6 29,5 21,8 37,1 209 320 338 446 15,9 24,4 25,7 34,0 328 624 563 828 14,0 26,6 24,0 35,4 18,2 81,8 345 968 26,3 73,7 532 1811 22,7 77,3 Escolaridade Interrupção das atividades habituais Sim 187 Não 843 38 39 Tabela 2– Prevalência de alto desgaste devido ao estresse no trabalho e de interrupção das atividades habituais devido a problemas de saúde, por sexo e covariáveis. Estudo Pró-Saúde,2001. ALTO DESGASTE Sexo Homens Mulheres Idade < 35 anos 35 a 44 a 45 a 54 a > 54 anos Escolaridade Fundamental Médio Universitário N 119 209 Homens N % % 11,6* 15,9 Mulheres N % 35 47 29 8 12,6 10,2 12,5 14,0 39 98 53 19 15,3 15,9 14,9 22,6 74 145 82 27 28 48 43 12,8 12,4 10,1 41 83 85 Renda domiciliar per capita Até 3 salários 56 12,9 mín. 3 a 6 salários 40 11,3 mín. > 6 salários mín. 23 9,5 Ocupação Profissionais 14 4,9* Rotina não 82 13,5 manual Rotina manual 23 16,4 Plantão noturno Nunca 97 12,3 < 1 ano 4 10,8 1 a 5 anos 6 8,1 > 5 anos 12 9,4 Doença crônica Sim 50 13,7 Não 69 10,4 Álcool Nenhum 48 11,7 Baixo 37 10,2 Moderado 26 14,9 Alto 8 9,8 Transtornos mentais comuns Sim 49 17,4* Não 70 9,4 INTERRUPÇÃO DAS ATIVIDADES HABITUAIS Total 1030 1313 Total N % N 187 345 Homens N % % 18,2* 26,3 Mulheres N % Total 1030 1313 Total N % 13,9 13,4 13,9 19,1 53 90 39 5 19,1 19,4 16,8 8,8 75 152 96 22 19,4 24,6 27,0 26,2 128 242 135 27 24,0 22,4 23,0 19,1 21,9* 69 18,9 131 12,4 128 17,0 15,9 11,5 39 73 75 17,9 18,8 17,7 50 132 163 26,7 30,1 23,7 89 205 238 22,0 24,8 21,4 94 23,6* 150 18,0 93 21,4* 110 27,6 203 24,3 75 15,2 115 13,6 59 16,7 138 27,9 197 23,2 40 9,5 63 9,5 35 14,5 97 23,2 132 20,0 35 162 9,7* 17,8 49 244 7,6 16,1 46 118 16,3 19,4 70 19,5* 116 264 29,1 382 18,1 25,2 12 26,1 35 18,8 23 16,4 11 34 18,3 143 10 29 27 16,0 14,5 20,1 13,2 240 14 35 39 14,2 13,2 16,1 11,7 139 9 15 24 17,6 24,3 20,3 18,8 219 24,4* 358 18 26,1 27 42 29,2 57 66 32,4 90 21,2 25,5 26,1 27,1 91 118 17,1 15,1 141 187 15,7 13,0 76 111 20,8 16,7 174 32,6* 250 171 21,9 282 27,8 19,5 128 65 15 1 16,5 15,6 16,0 3,8 176 102 41 9 14,8 13,1 15,2 8,3 73 62 35 17 17,8 17,0 20,0 20,7 207 109 20 9 280 171 55 26 23,6 21,9 20,4 24,1 117 23,4* 166 92 11,3 162 21,3 10,4 97 90 34,4* 197 39,5* 294 12,0 148 18,2 238 37,6 15,2 23,9 26,6 26,2 21,3 34,6 * : (p< 0,05) * : (p< 0,05) para o teste de tendência linear. 39 40 Tabela 3- Associação entre alto desgaste devido ao estresse no trabalho e interrupção de atividades habituais devido a problemas de saúde. Estudo Pró-Saúde, 2001. Modelos Razão de Prevalência* IC 95% Modelo 1 : estresse no trabalho 2,08 1,55-2,79 Modelo 2 : estresse no trabalho + idade 2,06 1,54-2,76 Modelo 3 : estresse no trabalho + idade + doença crônica 2,02 1,50-2,71 Modelo 4 : estresse no trabalho + idade + transtornos mentais comuns 1,69 1,28-2,24 Modelo 1 : estresse no trabalho 1,44 1,17-1,78 Modelo 2 : estresse no trabalho + idade 1,45 1,17-1,79 Modelo 3 : estresse no trabalho + idade +escolaridade 1,41 1,14-1,74 Modelo 4 : estresse no trabalho + idade + ocupação 1,40 1,14-1,73 Modelo 5 : estresse no trabalho + idade +escolaridade + ocupação 1,40 1,13-1,72 Modelo 6 : estresse no trabalho + idade + transtornos mentais comuns 1,23 0,99-1,51 Homens Mulheres *: Participantes com atividades classificadas como de alto desgaste comparados com aqueles em todas as outras categorias de estresse no trabalho (baixo desgaste; ativo) 40 41 5. 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Na realidade, os acontecimentos externos juntam-se ao desconforto de nossa própria reação para nos subjugar e exaurir nossa capacidade de enfrentamento, resultando em sobrecarga alostática, ou estresse total (McEwen&Lasley, 2002). Agentes estressores estão profusamente distribuídos no cotidiano moderno, e não existem razões para se excetuar o ambiente de trabalho, que assim como os modos de produção e as relações interpessoais, sofreu grandes mudanças em um curto período de tempo (Theorell,2000). Nos Estados Unidos, queixas relativas à saúde têm sido mais freqüentemente associadas aos problemas no trabalho do que a qualquer outro aspecto, incluindo-se problemas financeiros ou familiares. Naquele país, um quarto dos trabalhadores percebem sua ocupação como o primeiro agente causador de estresse em suas vidas (National Institute for Occupational Safety and Health, 2004). E existe plausibilidade nessa hipótese, de que o estresse no trabalho seja direta ou indiretamente responsável por doenças ou sintomas inespecíficos, inclusive provocando interrupção das atividades diárias (McEwen, 1998). Em decorrência da maior longevidade populacional e, consequentemente, da maior importância assumida pelas doenças crônicas não transmissíveis na composição da carga mundial de doenças, se faz necessária a difusão de pesquisas a respeito de agravos à saúde coletiva sem se referir de forma direta somente a morbidades específicas ou à mortalidade. Nesse sentido, a utilização de indicadores de qualidade de vida, de capacidade funcional física e social, do absenteísmo e a medida dos dias de incapacidade para a execução de atividades de rotina são exemplos de medidas que vêm sendo utilizadas. Na população masculina desse estudo, o estresse no trabalho (atividades percebidas como de alto desgaste) dobrou o risco de interrupção das atividades habituais por motivo de doença. Entre as mulheres, esse aumento foi estimado em 40%. Após ajuste por transtornos mentais comuns, a prevalência foi 69% maior entre homens, 45 46 e 23% maior entre as mulheres. Naquelas com menos nível de escolaridade, rotina manual no trabalho e menor renda, observamos as maiores prevalências do alto desgaste, quando comparadas às classificadas nos outros estratos dessas variáveis. Notamos que a associação foi mais intensa nos homens, a despeito da maior prevalência, tanto do alto desgaste quanto das interrupções, no grupo das mulheres. O risco relativo foi subestimado pela razão de prevalência em 21% nos homens e em 13% nas mulheres. Nossos resultados apontam para a necessidade de novas pesquisas sobre o tema, no Brasil e em outros países, para melhor compreender as relações entre posição social, estresse no trabalho e medidas de saúde que podem captar eventos anteriores ao diagnóstico clínico e/ou mortalidade. 46 47 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Alves,M.G.;Chor,D.;Faerstein,E.;Lopes,C.S.&Werneck,G.,2004. Versão resumida da “Job Stress Scale”: adaptação para o Português. Revista de Saúde Pública, 38(2):164171. Araújo, T.M.; Aquino, E; Menezes, G.; Santos, C.O. & Aguiar, L., 2003. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadores de enfermagem. Revista de Saúde Pública, 37(4):424-433. Berkman,L.F.& Kawachi,I., 2000 .A Historical Framework for Social Epidemiology. In: Social Epidemiology (Berkman, L. & Kawachi, I.), pp. 3-12. Oxford University Press. Broadhead, W.E.; Blazer,D.G.; George,L.K. & Tse,C.K., 1990. Depression, Disability Days, and Days lost from Work in a Prospective Epidemiologic Survey. The Journal of the American Medical Association, 264(19):2524–2528. Cheng, Y; Kawachi, I.; Coakley, E. H.; Scwartz, J.& Colditz, G., 2000. Association between psycosocial work characteristics and health functioning in American women: prospective study . 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ANEXO I A Escala de estresse no Trabalho: Fonte: Alves et al.,2004 Versão para o Português a) Com que freqüência você tem que fazer suas tarefas de trabalho com muita rapidez? b) Com que freqüência você tem que trabalhar intensamente (isto é, produzir muito em pouco tempo)? c) Seu trabalho exige demais de você? d) Você tem tempo suficiente para cumprir todas as tarefas de seu trabalho? e) O seu trabalho costuma apresentar exigências contraditórias ou discordantes? f) Você tem possibilidade de aprender coisas novas em seu trabalho? g) Seu trabalho exige muita habilidade ou conhecimentos especializados? h) Seu trabalho exige que você tome iniciativas? i) No seu trabalho, você tem que repetir muitas vezes as mesmas tarefas? j) Você pode escolher COMO fazer o seu trabalho? k) Você pode escolher O QUE fazer no seu trabalho? Opções de resposta de A até K: Freqüentemente; Às vezes; Raramente; Nunca ou quase nunca l) Existe um ambiente calmo e agradável onde trabalho? m) No trabalho, nos relacionamos bem uns com os outros? n) Eu posso contar com o apoio dos meus colegas de trabalho? o) Se eu não estiver num bom dia, meus colegas compreendem? p) No trabalho, eu me relaciono bem com meus chefes? q) Eu gosto de trabalhar com meus colegas? Opções de resposta de L até Q: Concordo totalmente; Concordo mais que discordo; Discordo mais que concordo; Discordo totalmente 55 56 8. ANEXO II 56 57 9. ANEXO III Tabela 1- Prevalências e razões de prevalência do alto desgaste devido ao estresse no trabalho segundo necessidade de assistência e duração da incapacidade, por sexo. Homens Prevalência Mulheres N Razão de Prevalência Razão de Prevalência N Prevalência Procurou assistência médica Sim 22,14% 31 1,27 (0,63-2,57) 0,78 (0,50-1,23) 53 20,07% Não 17,39% 8 1 1 20 25,64% Duração da interrupção da atividade ≤7 dias 20,87% 24 0,77 (0,41-1,46) 1,06 (0,59-1,88) 49 22,79% >7 dias 27,00% 10 1 1 11 21,57% 57