Rui Veloso em entrevista
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Rui Veloso em entrevista
talvez a revista mais doce da madeira CRÓNICA Sonhos de Verão P. 2 O VIAJANTE Ir até... Berlim açucar 20 | Este suplemento não pode ser vendido separadamente do JM | design açucar - ricardo tadeu barros | ilustração capa - JM P. 3 FELIZ COM MENOS Caminhar, uma terapia P. 12 Rui Veloso em entrevista «Preciso de espaço e silêncio» fundada 2015 a 2 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016 o coração na boca sonhos de Verão q Cruzo olhares com as pessoas e CRÓNICA pergunto-me Patrícia Lencastre como se estarão a [email protected] sentir. Penso nas www.shortstoryblog.com suas lutas e em como, por detrás dos sorrisos de cada um de nós, se esconde uma luta, ou muitas. Todos temos as nossas. Carregamos pesos que escondemos atrás de desculpas e sorrisos. uando fecho os olhos, toda eu sou memórias. Na penumbra quase consigo vêlas, coladas, uma a uma na construção do que sou. Ou me tornei. Mas também sou sonhos. Sonhos sobre o dia de amanhã ou do seguinte. Um sorriso dos meus filhos, uma conquista. Uma partilha dos amigos, alguma vitória. Como se o passado e o futuro se conjugassem para me ajudar a dar um passo de cada vez nisto a que chamamos de presente. O céu cada dia mais azul e o tempo mais quente que se sente na pele faz com que os meus pensamentos se tornem mais leves. As memórias ganham contornos menos duros como se sobressaíssem as mais felizes e claras. As mais escuras ficam para outros dias. Os sonhos, esses, parecem mais próximos, como se os conseguisse alcançar apenas com o esforço de estender os braços para os agarrar. Analisado friamente, tudo isto aparenta ser irracional. Ou será mesmo. Mas de racional as memórias e sonhos não têm, muito provavelmente, assim tanto. Acontece-me, muitas vezes, ir na rua a sorrir. Sozinha. Ou com os meus pensamentos. Cruzo olhares com as pessoas e pergunto-me como se estarão a sentir. Penso nas suas lu- tas e em como, por detrás dos sorrisos de cada um de nós, se esconde uma luta, ou muitas. Todos temos as nossas. Carregamos pesos que escondemos atrás de desculpas e sorrisos. Nunca sabemos que luta travam aqueles que sorriem nas capas das revistas ou nas fotografias das redes sociais. Ou os pensamentos e desafios de quem nos atende num qualquer estabelecimento ou serviço. Muitas vezes penso nisso enquanto espero que me atendam no banco. Observo o senhor, de olhar baixo, educado, e imagino as suas histórias. Para que luta partirá depois de despir aquela capa? Porque cada um de nós tem a sua. Mas hoje, toda eu sou sonhos. E memórias claras. a a SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 3 o viajante berlim Diogo Correia Pinto [email protected] Tinha um certo preconceito, relativamente a alemães, mas conhecer Berlim ajudou a que essa ideia pacóvia formada por lugares-comuns se desvanecesse inteiramente. o s professores dividem os anos em letivos e não civis, em agosto de 2014 tive um longo réveillon a fazer aquilo que mais gosto na vida, viajar. Há uns bons anos, nos tempos em que estudava no Porto, tive um professor que me disse que as viagens nos tornavam mais tolerantes. Nesse ano em particular, precisava desse remédio em sobredosagem. Tinha sido um ano extremamente fatigante, o primeiro em que fui trabalhar a tempo inteiro para o Conservatório -Escola das Artes da Madeira no Curso Profissional de Teatro. Novas tarefas, várias disciplinas, uma dinâmica de escola diferente, levaram a que eu acabasse o ano exausto. Embora tivesse curiosidade relativamente a Berlim, não estava nas nossas prioridades, minhas e da minha namorada. Havia anos que a cidade era um hype e sendo eu aves- so a modas, não estava nas minhas previsões ir lá. Lembro -me que a escolha da Alemanha, porque também fomos a outras cidades, teve a ver com o preço dos bilhetes de avião. Inacreditavelmente, uma viagem da Madeira para Lisboa era mais cara, do que para várias cidades estrangeiras. Por outro lado, admito também, que tinha um certo preconceito, relativamente a alemães, mas conhecer Berlim, ajudou a que essa ideia pacóvia formada por lugares-comuns se desvanecesse inteiramente. Provavelmente, não existe cidade no mundo que tenha passado por situações tão extremadas, violentas, durante o século XX. Por diversas vezes, o mundo convergiu impetuosamen- te para aquele ponto. A ascensão do nazismo que projetava fazer dela a capital do império, a destruição na 2ª Guerra Mundial pelos bombardeamentos dos aliados, o abominável muro de Berlim, sendo ele a expressão mais inequívoca da Cortina de Ferro na Guerra Fria, a Reunificação da Alemanha, são alguns dos momentos que marca- 4 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016 ram de forma indelével a história recente do mundo, sentindo-se este acontecimentos pelas ruas da cidade, num pulsar muito singular, de uma certa violência silenciosa e adormecida, reprimida, que num instante pode acordar. Fiz o itinerário turístico: Portas de Brandemburgo, Palácio do Reichstag, Checkpoint Charlie e Alexanderplatz. Detive-me no Memorial do Holocausto , blocos de pedra, a várias alturas, constroem uma mega escultura monocromática. Vazio é talvez a palavra que melhor define a sensação com que fiquei ao deambular pela obra. Fui também ao Estádio Olímpico, onde a Leni Riefenstahl realizou, a par com o Triunfo da Vontade, um dos filmes propaganda nazi, Olympia. Uti- lizou, nas filmagens dos Jogos Olímpicos de 1936, técnicas de cinema avançadas para época, tornando a realizadora numa das mais inventivas de sempre. Contraditório, a moral condena-a, o cinema respeita-a. Viveu uma vida longa com o fantasma de ser acusada de ter colaborado conscientemente com o regime Nazi. Por vezes saía do roteiro, sentava-me num café, em Berlim são maravilhosos, numa rua secundária e ficava a ver as pessoas a passar. Gosto de ser surpreendido pelo acaso e deixar-me contaminar pela vibração da cidade. O tempo correu sofregamente, impossibilitando um olhar mais repousado, mais humano. Não deu para sair fora do cartão postal, mas deu para sentir que há outra cidade a debaixo das imagens emolduradas do sightseeing, habitadas de clichês, de wursts e de arte urbana. Há um movimento vertiginoso de (re)construção permanente, com os eu espaço, o seu tempo e a sua história, que nunca senti noutra cidade. Espero voltar um dia e sair um pouco mais fora do sinal da Tv Tower. a a SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 5 «Às vezes, não é fácil ser eu» Não há português que não saiba de cor, pelo menos, um punhado das suas canções. De “Chico Fininho” a “pai do rock”, Rui Veloso diz que a música lhe proporcionou um prazer ímpar, mas extremamente individual. Um sentimento que só quem compõe compreenderá. E se a felicidade são momentos, Rui Veloso conhece o seu ENTREVISTA sabor, mas há Susana de Figueiredo um outro lado [email protected] que nos revela. O da perda e o da solidão por detrás do palco e dos aplausos. ©Martim Leitão Rui Veloso r ui Veloso continua no modo de pausa anunciado há uns anos. Parou por desencanto com o seu país, e a desilusão persiste. Com a política, com as empresas, com a música. Para o cantor, o pop está morto, e a música mais não é do que um replicar de modelos, sem novidade nem pulsar, em que a fama destronou o talento. Hoje, faz apenas os concertos que quer e raramente aceita dar entrevistas. Diz ansiar por espaço e silêncio, depois de 35 anos de uma vida «voraz». Parar, «ainda mais», não o angustia. Considera que, num país como Portugal, até já durou bastante. As suas canções esgravatamnos a alma [recordo-me de ter chorado a ouvir algumas delas]. O que é que isto diz sobre a sua música? Não há muita explicação para isso. Tem a ver com o nosso interior, com aquilo que conhecemos pouco. Há músicas minhas que até a mim me fazem chorar, ainda hoje [risos], como “Fado Pessoano” ou “Bem-vinda sejas Maria”. Já completou 35 anos de carreira, uma carreira de inquestionável sucesso. Será este [o sucesso] um dos caminhos para a felicidade? O sucesso é ótimo, porque vem de pessoas que ouvem a minha música. Quanto à felicidade, depende do Rui Veloso atuou com a Orquestra Clássica da Madeira, na Praça do Povo, num concerto comemorativo do Dia da Região, no passado dia 1 de julho. No dia anterior, a Açúcar falou com o músico no hotel The Vine, no Funchal. a ©Martim Leitão 6 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016 a SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 7 Há pouco tempo, entrevistei o Ivan Lins. E dizia-me ele que a música que compõe é uma extensão dele. No seu caso, também funciona desta forma? O público conhece o Rui Veloso através da sua música? Eu conheço bem o Ivan, e não há dúvida nenhuma de que ele se mostra através da música que faz. Sim, comigo acontece o mesmo, a minha música diz bastante daquilo que eu sou, é uma maneira de eu passar para os outros uma parte de mim. Não há português que não saiba de cor uma boa parte das suas músicas. Há algo que lhe permita intuir que uma canção se vai tornar um êxito. Não, nem isso me passa pela cabeça. E o que torna uma música imortal? Não sei bem… Uma canção resulta sempre daquilo que vamos assimilando da vida, musicalmente e não só, deriva também das relações que mantemos com as pessoas. É evidente que há muitos compositores que são imortais, e eu não me importava nada de figurar no meio deles [risos]. E acha que não figura? Honestamente, acho que não. Se a sua mãe não tivesse levado aquela cassete à Valentim de Carvalho, o próprio Rui teria, mais tarde ou mais cedo, tomado a ini- ©Martim Leitão conceito que temos desta… Traz alguns bons momentos, sim, mas, definitivamente não traz a felicidade. Por outro lado, é importante percebermos que a fama é uma coisa e o sucesso é outra. Há muita gente famosa que não faz rigorosamente nada. O sucesso é diferente, prova que há uma ligação entre aquilo que eu faço e as pessoas, por isso, o sucesso é sempre positivo, já a fama é sempre negativa. que alguém que era tão “pequenino”, que vivia no Porto, poderia sonhar equiparar-se a eles? Mas não reconhecia o seu talento para a música? Não, de maneira nenhuma. E hoje? Também não. Acho que tenho uma voz diferente, porém com algumas limitações, fiz algumas coisas boas… Também porque as letras do Carlos Tê eram boas, inspiravam-me. A separação do Carlos Tê foi dolorosa? Foi. Considerei a atitude dele uma [pausa]… ciativa de mostrar o seu trabalho a uma editora? Não, não teria. Nem sequer equacionava essa hipótese, porque, naquela altura [eu tinha 21 anos, a idade do meu filho Manuel], não havia indústria, não havia massa crítica… E onde costumava tocar nessa época? Era muito reservado, tocava em casa, num bar ou outro. Eu estava só a começar e achava que não tinha grande coisa para mostrar. Achava o Rui… Não, não tinha mesmo [risos], provavelmente saía um bocado do registo normal, na época [é preciso ver que também havia pouca gente a tocar], depois, mais tarde, começou a ouvir-se que havia um tipo no Porto que tocava umas coisas, mas o grande empurrão foi dado pela minha mãe. No fundo, a sua mãe teve essa convicção que a si lhe faltava… Ela foi tirar dúvidas, junto de quem de direito, da Valentim de Carvalho, que era o expoente máximo da indústria musical. Queria que lhe dissessem se aquilo que eu fazia, efetivamente, prestava ou não.[ela achava que sim] e, sobretudo, estava «O talento não é palpável, não se mede, e os meus standards eram elevados, achava que nunca atingiria a qualidade dos músicos que eu admirava (…)» muitíssimo preocupada com o meu futuro, porque eu não estudava, só queria saber da música [risos]. O Rui só soube desse “empurrão” da sua mãe muito mais tarde. Como reagiu? É verdade, só soube depois de ter assinado contrato com a editora. Aliás, eles estavam proibidos pela minha mãe de mencionar o nome dela. Os produtores da Valentim de Carvalho contactaram-me por intermédio de uma cantora do Porto, “traga-nos cá uma cassette”, disseram-me. Então, selecionei uns temas que eu achava que tinham mais graça [cla- ro que eram os temas que eles já tinham ouvido na outra cassete]. Depois, mandaram-me esperar, lá em Lisboa, e eu por lá fiquei, em casa de uns tios. Realmente… Podia ter desconfiado, mas achei tudo normal [risos]. E quando lhe disseram que estavam interessados em gravar um disco seu, ficou surpreendido? Fiquei. Até porque as músicas que eu tinha gravado na cassete eram em inglês, “Chico Fininho”, que eu me lembre, era a única cantada em português. Porque é que cantava em inglês? Porque em português não se aprendia nada [risos], as minhas referências vinham todas de fora. Ouvia muita música negra, The Doors… Nos primeiros anos, padecia de uma grande insegurança, chegou a dizer que sentia pânico de estar em palco, de enfrentar a plateia. De onde vinha este sentimento? Não estava seguro do seu talento? O talento não é palpável, não se mede, e os meus standards eram elevados, achava que nunca atingiria a qualidade dos músicos que eu admirava. Como é Traição? Sim. Senti-me, de facto, atraiçoado. Custou-me, porque já estava habituado a trabalhar com ele. Mas, claro que nestas coisas há sempre dois lados, provavelmente também tomei algumas atitudes erradas, mas, se assim foi, gostava que ele mo tivesse dito, cara a cara. Este tipo de relações funciona um pouco como os casamentos, as pessoas têm de falar. Ele nunca lhe deu explicações? Não, nunca. Mas apercebime da negação que havia da parte dele, não estava para aí virado… Acho que, a dada altura, deixou de querer viver debaixo da minha sombra. Ele escrevia, mas eu é que cantava, fazia os arranjos, ia para a estrada… Ou seja, ele escrevia e eu fazia o resto. Certamente, ele lá terá as suas razões, mas essas cada vez me interessam menos. Nunca mais voltaram a falar? Não. Perdemos o contacto há cerca de dez anos. Não era raro o Rui falar do Tê nas entrevistas que dava. Recordo-me de uma em que disse algo de uma profundidade tocante: “O Carlos, mais do que a parte que a 8 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016 Há tempos, dei por mim a pensar que quase não existem mulheres letristas. Porque será? É um facto. Talvez seja porque preferem ir às compras [risos]; elas não têm aquele desígnio de fazer algo para os homens, fazem muito mais a favor umas das outras, enquanto nós ficamos em casa a sonhar com elas, daí a minha música ser tão ligada ao universo feminino. O que é mais importante, a letra ou a música? A letra sem a música não sai de uma sala, a poesia, por muito boa que seja, não tem esse poder que a música tem de encantar as pessoas com apenas duas notas. Mas a música, por si só, também pode ser uma forma de poesia. Sim, talvez, com muita matemática à mistura [risos] Há uns anos atrás, anunciou uma pausa na sua vida artística por se sentir desiludido com a situação do país, em geral, incluindo a maneira como a música passou a ser encarada. Continua em modo de pausa? Continuo, e gostava de parar mais ainda. Quero imenso viajar, dar umas voltas a esse mundo, conhecer outros povos, outras culturas, coisas que tenho visto na National Geographic e no Odisseia. Quero fazer tudo isso enquanto estou bem fisicamente. Percebo alguma urgência nesse seu desejo de fuga. Sinto mesmo essa urgência, preciso de sair de Portugal, desta “coisa” que nos consome diariamente, neste lugar onde temos de pagar tudo, só falta pagarmos o ar que respiramos. É um mundo sem rei nem roque… Continua, então, desiludido com Portugal e com a música que, por cá, se faz? Sem dúvida. No que respeita à música, há uma vulgarização dos artistas que me desagrada muito. Custa-me ver artistas de segunda que se armam em artistas de primeira grandeza, os cantores cujas vozes são cheias de efeitos, as imitadoras de Amy Winehouse, etc. Vivemos numa sociedade em que a música pop, que era o motor da indústria musical, deixou de existir. Aquele pulsar interior de antigamente deixou de existir para dar lugar a uma réplica de modelos. «Os meus pais têm muito gosto no meu sucesso. Mas, não lhes desejaria a vida que eu tive… Esta foi uma das coisas que lhes passou um pouco ao lado, o meu dia-a-dia, o outro lado do sucesso» Fala de uma generalizada falta de talento e originalidade que, contudo, convence e vende. Sim, está tudo muito mau, perdeu-se o critério, a honra, os valores foram colocados debaixo do tapete, e há uma vitória lenta, porém inexorável, da mediocrida©Martim Leitão me completa, é a parte que me falta”… Pois… Já ele, pouco falava de mim nas entrevistas, e depois de nos separarmos acho que até se recusa a fazê-lo. Mas, sim, o que disse era verdade, tenho pena de não escrever como ele, dava-me jeito [risos]. de, não apenas na música, mas em tudo, na política, nas empresas… Por isso é que eu quero sair daqui. Eu sei que esta não é uma realidade exclusiva de Portugal, o mundo está, todo ele, muito desagradável, mas, como se trata do meu país, custa-me… Então, vou viajar e concentrar-me naquilo que resta de agradável. O que levará as pessoas a consumir essa música «de segunda»? É essa a música impingida pelas rádios e televisões. As pessoas só comem lagosta se tiverem acesso à lagosta, senão comem chicharro [risos]. E ainda haverá espaço para a novidade? Já não há novidade nenhuma, a não ser a que continuo a encontrar nas obras do passado. Mas esta nova geração não quer ouvir os mestres, acha que a música nasceu agora, com ela. É uma geração que vai aos festivais de música [eventos que se tornaram autênticos supermercados de música, são como eucaliptos, secam tudo à sua volta], muitas vezes, sem sequer saber quem lá vai estar a tocar. Os jovens vão a estes festivais apenas pelo ambiente, para beberem uns copos, para se encontrarem uns com os outros, no fundo, para fazerem parte da “tribo”. Eu fui sempre o contrário disso, nunca quis pertencer a tribos, sempre fui do contra [já a minha mãe o dizia].É a minha vantagem enquanto músico. Sou virulento [risos]. Acha que os portugueses, em geral, pensam pouco pela própria cabeça, por temerem essa exclusão do grupo? Acho que sim, há muita carneirada. Sente que, nesta fase da sua vida, tem, finalmente, “todo o tempo do mundo”, como diz a música? Hoje, tenho outra liberdade, posso dar-me ao luxo de fazer só os concertos que quero, porque, felizmente, tanto eu como os meus músicos ganhamos bem. Deve ser complicado viver durante tantos anos a alta velocidade e intensidade… É, bastante. A minha vida foi muito voraz, estive [e ainda estou, embora menos] constantemente debaixo da lupa, mesmo não aparecendo em festas e sendo super privado [atualmente, é raríssimo dar entrevistas], a minha vida sempre esteve muito exposta. Já tem pouca paciência para as entrevistas? Confesso que já não tenho muita pachorra, até porque acho que não tenho muito para dizer… O que lhe faz falta neste momento? Tranquilidade, silêncio e espaço. Que relação tem um músico com o silêncio? O silêncio é precisamente a figura mais importante da música, a pausa, o espaço entre as notas. Se assim não fosse, a música era só ruído. As pessoas, às vezes, não têm essa noção. E no silêncio pode acontecer o quê? Tudo o que tem a ver com o pensamento. Este não se ouve, não tem decibéis. O silêncio pode inspirar qualquer coisa. Não o angustia um pouco este tom de despedida [da vida artística]? Não. Eu já durei muitos anos, em Portugal até nem é normal atingir esta longevidade na carreira artística. Agora, posso dar-me ao luxo de fazer aquilo que me apetece, por exemplo, gostava de ir viver para um sítio ainda mais remoto [Rui Veloso vive perto de Sintra]. Se formos para o Alentejo, para o Interior, há sítios onde ainda podemos viver a O que lhe deu a música de mais importante, ao longo destes 35 anos? Muitos momentos de enorme prazer, um prazer um pouco egoísta, porque é exclusivamente meu, é físico, e não posso partilhá-lo com ninguém. É um gozo que nasce de situações muito íntimas… Só quem é músico e compõe percebe este prazer de ver nascer algo a partir do nada e sobreviver disso. É um sentimento vivido para dentro. Sim, é só para dentro. E vem do canto, da audição, da execução… É muito especial. E o prazer de estar em palco, ainda resiste? Gosto muito da interação com o público, mas também gosto de estar em sítios onde ninguém me conhece, onde sou apenas mais uma pedra da calçada. [Mas, felizmente, eu sou conhecido por aquilo que fiz, pelo meu mérito]. Por detrás do palco, sofreu perdas? Inevitavelmente. Uma delas foi a família. A minha vida foi sempre um pouco ao contrário. Aos fins-de-semana e nas férias dos miúdos era quando eu tinha de tocar. E como sempre tive equipas grandes, não podia dar-me ao luxo de deitar concertos fora… «As minhas canções já não são minhas, são das pessoas. Elas que lhes façam o que quiserem [risos]» A sua família sentiu que tinha de o dividir com o público… Sim, sentiu. O isolamento vem juntamente com o sucesso. Há tantos artistas que sofreram com isso, Michael Jackson, Marilyn Monroe… Uma imagem comum é o palco cheio de gente e quando o pano cai, a casa vazia, a solidão. Se pudesse voltar atrás, faria as coisas de maneira diferente? É difícil responder… Algumas, se calhar, faria, mas não vale a pena pensar nisso, não adianta nada. Mas a sua família tem, seguramente, muito orgulho em si… Sim, tem. Eu sou boa pessoa, e é isso que realmente conta, não basta ser um bom músico, é importante ser boa pessoa. ©Martim Leitão sem sermos tão escrutinados. É um lugar desse género que procuro. SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 9 «Tenho uma boa relação com os meus filhos, a que eu pude construir [do lado materno, nem sempre houve a compreensão necessária], no meio de tantos imponderáveis que a minha vida teve» O que é que sonha para os seus filhos? Não sonho nada de especial… E quando sonho com eles, vejo-os pequeninos. Continuam a ser pequeninos, para si? Não, mas tenho imensas saudades de eles serem pequenos. Do que é que tem mais saudades? De eles serem pequeninos, de pegar neles ao colo… Eu peguei-lhes muito pouco. Já há 20 anos que não pego num filho ao colo [sempre gostei muito de crianças]. Quando me separei, só estava com eles de quinze em quinze dias, umas horinhas ao fim de semana… Isso foi violento para si? Foi, muito. A perceção que tenho é que o Rui era um homem de família, queria muito sê-lo, e, de certa maneira, foi obrigado a abandonar esse seu lado. Estarei certa? Sim, tem razão, queria muito isso. Há quem consiga, eu não consegui. Ser eu, às vezes, não é fácil. O que quer dizer com isso? Quero dizer que sou só eu, não posso ser outro, não me consigo desdobrar noutros… Ultrapassados aqueles seus primeiros medos de que já falámos, as inseguranças, hoje, quais são os seus medos? Os únicos medos que tenho prendem-se com os meus filhos, e o confronto com o fim faz-me pensar mais nisso. Como é a relação com os seus filhos? Tenho uma boa relação com eles, a que eu pude construir [do lado materno, nem sempre houve a compreensão necessária] no meio de tantos impon- deráveis que a minha vida teve. Nunca tive um horário “nine to five”, fins-de-semana, férias no mês de agosto… Eu não podia deixar de dar concertos para ir de férias, mas claro que as pessoas com uma vida dita normal têm dificuldade em “encaixar” isto [eu também não sou perfeito]. E os seus pais, sempre o apoiaram? Sempre. Os meus pais têm muito gosto no meu sucesso. Mas, não lhes desejaria a vida que eu tive… Esta foi uma das coisas que lhes passou um pouco ao lado, o meu dia-a-dia, o outro lado do sucesso. O Porto será sempre o “Porto Sentido”? Claro! Gosto muito do Por- to. Mas o que faz o Porto são os portuenses, como o que faz a Madeira são os madeirenses. Os sítios podem ser muito bonitos, mas o que conta mesmo são as pessoas. E os ilhéus são muito parecidos com a malta do Porto, são brutos quando têm de ser, são hospitaleiros, gostam de conviver. Não é por acaso que os madeirenses sempre se deram muito bem com os portuenses, há afinidades, até porque o Porto é um pouco uma ilha em relação a Lisboa. Lisboa secundariza tudo o resto. Que destino gostaria que tivessem as suas canções? As minhas canções já não são minhas, são das pessoas. Elas que lhes façam o que quiserem [risos]. a a 10 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016 horas vagas Sandra Sousa http://estrelasnocolo.wordpress.com A s Raparigas Esquecidas, de Sara Blaeder – a rainha dinamarquesa do thriller –, é um livro surpreendente e cativante. A autora, com uma grande mestria, soube intercalar o crime com a vida pessoal da detetive Virgílio Jesus [email protected] P oderosa história verídica sobre o impacto da guerra, Testemunho de Juventude é um retrato fidedigno sobre o crescimento da jovem Vera Brittain, uma enfermeira reconhecidissima no Reino Unido, por ter contado a sua experiência num livro de memórias, do qual o filme se inspira. Protagonizado por S pielberg está de regresso ao género que o tornou o nome de peso na indústria mainstream de Hollywood. Próximo ao que foi feito em E.T. - O Extraterrestre e em As Aventuras de Tintin, o realizador retoma o universo familiar através da história de uma rapariga que é raptada por um gi- [livro, filme, música] livro As Raparigas Esquecidas Louise Rick, que enfrenta um novo desafio profissional, já que está num novo departamento e com um novo colega. Apesar das iniciais inseguranças, ambos acabam dando-se bem e fazem um bom trabalho. Quando aparece o corpo de uma mulher no meio de uma floresta, estes levam a cabo uma investigação para descobrir quem é a mulher e o porquê de ela estar morta. Quando descobrem que esta estava internada numa instituição para doentes mentais, a investigação toma um novo televisão & cinema Sara Blaeder rumo e outros contornos mais brutos e marcantes para o leitor. Vários segredos terríveis e macabros são descobertos e o leitor é agraciado com uma descrição algo pormenorizada e gráfica. O final do livro é perturbador. a Alicia Vikander, atriz de A Rapariga Dinamarquesa, este drama biográfico insiste no mundo de esperanças de uma juventude que tem de lidar com a perda de amigos e familiares, num dos períodos mais negros do século XX. Com efeito, Vikander nunca convenceu tanto, naquele que é o seu melhor desempenho. Ao explorar as diversas facetas de uma mulher pacifista, e também feminista, que contrariou dogmas impostos pela sociedade da época, a atriz parece apelar a uma mesma atitude nos dias de hoje. Aplausos, ainda, para o realizador, que pouco se importa com os bombardeios e mais com as consequências desenfreadas de uma guerra que modificaria o mapa geopolítico da Europa. a gante, extremamente gentil, uma vez que não come cereais (seres) humanos, como os restantes gigantes. Baseado na obra Roald Dahl, é difícil não ser levado, emocionalmente, pelo universo de magia, numa surpreendente primeira colaboração de Spielberg com a Disney. O enredo, mesmo assim, parece voltado para um público jovem, sem a seriedade de outros projetos do cineasta. Prima sobretudo pela fotografia de Janusz Kaminski, na pautada mobilidade de câmara, pela banda-sonora classicista de John Williams e pela interpretação de Rylance, que após vencer o Óscar, revela o porquê de ser um ator a ter em conta. a música Por E.F. A Kaytranada ou então Louis Celestin, é produtor/DJ/músico do momento. O seu álbum de estreia, intitulado 99.9%, fará furor nas pistas este verão, com a música eletrónica da altura, leve, divertida, colorida (basta reparar na capa do mesmo para perceber isso), e acima de tudo “cat- Kaytranada – 99.9% de aprovação chy”. Com uma constelação de estrelas a fazer parte do alinhamento, Craig David, Vic Mensa, AlunaGeorge, BADBADNOTGOOD, e por aí fora, as músicas vão sendo compiladas, uma sobre a outra, da mesma maneira que os copos de cervejas nas esplanadas, de forma atural e prazerosa. “Lite Spots”, assume-se como a aposta mais sólida para a estação mais quente do ano, não contasse com a sample “Pontos de Luz” de Gal Costa, bebendo, lá está, ritmos ao nosso Brasil. Mas não é só nesse porto que a viagem em busca de sonoridades marca presença, Louis Celestin, haitiano radicado no Canadá, mostra as batidas caribenhas do Haiti durante o percurso de 99.9%, sendo disso exemplo disso o que está vincado na faixa “Leave me Alone”, que conta com a colaboração de Shay Lia. 99.9% apresenta semelhanças com o álbum de estreia de Disclosure, Settle, no sentido de ser algo novo e fresco para uma altura do ano em que queremos e bebemos disso. a Testemunho de Juventude TV Cine 1 Sábado, 9 de Julho — 21h30 Realizado por: James Kent Elenco: Alicia Vikander, Kit Harrington, Taron Egerton e Colin Morgan Género: Biografia O Amigo Gigante (nos cinemas) Realizado por: Steven Spielberg Elenco: Mark Rylance, Ruby Barnhill, Penelope Wilton e Jemaine Clement Género: Família, Aventura a SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 11 na moda Popeline Laura Capontes lauracapontes@[email protected] ndi.com; mala: Za vestido: modaopera n Klein na Prof sapatilhas: Calvi ra; look total: Zara foto © Laura Capontes é o tecido do momento, feito de algodão, seda, lã ou misturas sintéticas, a popeline é especialmente lisa e acetinada. É um tecido muito confortável, durável, flexível e arejado, o que se torna ótimo para esta época. A popeline pode se apresentar num tecido mais ou menos leve, variando entre o mais fino e mais compacto, ou com alguma textura, é um tecido que encaixa muito bem em diversos looks, abrangendo os mais práticos e desportivos e também, perfeitamente, os mais femininos e sofisticados. Bem conjugada, a popeline pode mesmo ser a peça-chave de um look, dando um ar sofisticado, cuidado, trendy, moderno, sempre aliado ao conforto e à leveza que esta estação nos pede. body e calças: tods.com; om; p.c ho ps To : mules r.com mala: net-a-porte dálias: vestido: mango; san H&M; mala: Zara Os looks integrais são uma boa opção, apenas tenha em atenção, para não criar demasiado volume nas zonas onde queremos mais definição, no entanto, este tecido conjuga-se facilmente com outros tipos de top: Zara; saia: net-a-porter; la: mango ma M; H& sandálias: calções e top: ; net-a-porter.com cunha: Zara; mala: accessorize.com tecido, será tudo uma questão de estilo e gosto pessoal. Saias, calças, camisas, tops e vestidos em popeline invadiram as lojas e as opções são muitas, com padrão, às riscas, de uma só ncept.com; calções camisa: n-duo-co rter.com -po t-a ne as: rin e sab ra; Vestido e mala: Za resa.com the my s: lha ati sap cor, com folhos ou liso, torna-se impossível não adicionar este tipo de tecido às nossas escolhas. A popeline caracteriza-se, ainda, pela sua versatilidade, o que facilita a adaptação deste tecido aos mais diversos estilos e até tendências. É o tecido eleito para o Verão, por isso, aproveite a época dos saldos para investir nesta grande tendência e incorporá-la nos seus outfits. Inspire-se nos looks! a a 12 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016 feliz com menos Caminhar, uma terapia Débora G. Pereira www.simplesmentenatural.com U m pé à frente do outro, já estamos a voltar para trás, quase, quase a chegar. Sintome cansada, porém ainda há tempo para mais umas gargalhadas e uma última fotografia ao pé de uma árvore centenária. Daqui a pouco vamos almoçar entre amigos. Que delícia, que excelente maneira de passar o tempo! Foi assim que terminou a minha última caminhada, cansada, mas ao mesmo tempo com as energias renovadas, numa dualidade que só quem experiencia consegue compreender. Não pagámos pela experiência de aproximadamente quatro horas e o almoço, com ingredientes comprados previamente no supermercado, ficou por uns trocos a cada um. Uma das maneiras mais simples e económicas de usufruir de bons momentos na natureza e de estar com amigos, são as caminhadas pela nossa ilha. Além de beneficiar o nosso corpo fisicamente, alimenta a nossa alma numa terapia conjunta em que a liberdade, a natureza, a vitalidade e a boa disposição são as palavras-chave. Nada como estar rodeado dos elementos mais básicos da natureza, em profun- da comunhão com os sons envolventes, e nada como estar entre amigos e rir por tudo e por nada. É dessas pequenas coisas que se alimenta a nossa memória, são esses pequenos momentos gratuitos rodeados de gente boa que nos dizem que tudo está como devia estar. Embora à primeira vista as montanhas possam parecer extremamente íngremes e pouco atraentes para alguns, a verdade é que há trilhos para todos os gostos e com diferentes níveis de dificuldade. Alguns trilhos têm um desnível bastante acentuado, outros nem tanto, alguns são mais “secos”, digamos assim, outros acompanham linhas de água, havendo possibilidade de dar uns mergu- lhos gelados. Há, ainda, trilhos com muita vegetação e outros a descoberto. Os que mais gosto são aqueles mais sarapintados com pequenas flores silvestres e regados com belas cascatas frescas e cheias de vida. Estes passeios são, de facto, uma terapia para o nosso espírito e estão abertos a qualquer um que se queira deleitar com estas pequenas maravilhas que nos fazem ver que menos é mais, muito mais. Na passada semana, ao longo do nosso passeio de amigos, encontrámos inúmeros grupos com pessoas de diferentes idades e condição física, com idosos e crianças pequenas inclusive. E hoje não posso terminar sem dar um beijinho muito especial a uma leitora assídua, a D. Lurdes, que na semana passada me deu um grande abraço e disse que adorava os meus textos e os lia sempre. E porque neste texto se fala também de amizade, hoje é um dia de festa, uma festa que não é minha, mas que será vivida e festejada como se fosse. Aos meus amigos Cristina e Rúben, as maiores felicidades do mundo. Uma semana muito feliz a todos e não se esqueçam de marcar aquele passeio com os amigos e com a natureza como pano de fundo. a saúde Medicamentos e o Sol Bruno Olim Farmacêutico [email protected] M edicamentos e o SolMuitos medicamentos que utilizamos habitualmente, sejam eles não sujeitos a receita ou prescritos pelo médico, encerram em si o potencial de causar reacções de fotossensibilidade, ou seja das molé- culas reagirem com a radiação emitida pelo sol causando problemas cutâneos de maior ou menor severidade. Estas manifestações cutâneas podem ser divididas em 2 grupos: Fotoalergia, a qual resulta, na maior parte das vezes, por medicamentos aplicados topicamente na pele (cremes, pomadas), podendo, no entanto, resultar da toma, via oral, rectal ou injectável de medicamentos. Resulta da alteração estrutural causada pela radiação solar, a qual origina uma resposta imunológica, com produção de anticorpos. A fototoxicidade, é a afecção mais comum, de elevada incidência, resulta da toma oral, injectável rectal ou tópica, e resulta da agressão por libertação de energia da molécula, com danos possíveis a curto e longo prazo, com sintomatologia semelhante à de uma queimadura solar, com vermelhidão, inflamação e bolhas, a qual se manifesta minutos a poucas horas após exposição, e apenas na área exposta ao sol. Medicamentos mais comuns fotossensibilizantes: Ansiolíticos (Alprazolam, Clorodiazepóxido), anti- bióticos (quinolonas – Ciprofloxacina, Levofloxacina, sulfonamidas-Cotrimoxazol, tetraciclinasMinociclina e Doxiciclina), antidepressivos (antidepressivos tricíclicos Amitriptilina), antifúngicos orais (Griseofulvina, Terbinafina, Voriconazol), antidiabéticos orais (sulfonilureias-Gliclazida), antimaláricos (Cloroquina, Quinina), antipsicóticos (Fenotiazinas-Clorpromazina), medicamentos quimioterapêuticos (Dacarbazina, Fluorouracilo, Metotrexato, Vinblastina), diuréticos (Furosemida, tiazidas – Hidroclorotiazida, Indapamida), medica- mentos orais para o acne (Isotretinoína), medicamentos do foro cardíaco (Amiodarona, Quinidina, Enalapril, Diltiazem, Nifedipina), anti-inflamatórios (Piroxicam, Meloxicam, Cetoprofeno, Ibuprofeno, Naproxeno, Celecoxib), medicamentos para o colesterol (Sinvastatina, Fluvastatina, Atorvastatina, Lovastatina, Pravastatina, antihistaminicos (difenidramina), etc… Estas moléculas encerram em si o potencial fotossensibilizante, no entanto, nem todos os indivíduos experimentam esta reação. a a SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 13 feliz com mais O verão voltou… Ou como é bom comer e beber com calor SideDish Moustache [email protected] G ostaria de dizer que a crónica desta edição foi escrita debaixo de uma palmeira, refastelado a apanhar sombra (o meu verão favorito), com o mar aos meus pés e um mojito nas minhas mãos, mas infelizmente tal não é verdade. Como poderá imaginar, caro leitor, o verão já por cá anda (apesar de não parecer) e para assinalar tal feito dedicaremos este espaço às maravilhas da estação que invoca pele à mostra, torcicolos, problemas conjugais, churrascos, geladinhas (gelados e cervejas, óbvio), saladas, sangrias, cocktails e acima de tudo sol e calor. Com o calor a apertar é habitual ocorrer uma diminuição na vontade de comer, pelo menos deste vosso amigo. O recurso a algo leve é a alternativa aos pratos pesados - sim, quase que fico vegetariano, atenção, o quase é a palavra-chave nesta frase – optando por saladas que contenham os legumes de época, alfaces, tomates, beterrabas, cenouras, pepinos, curgetes, pimentos, rúculas, etc. Claro que um bife de frango grelhado fica bem para acompanhar, assim como uma lata de atum, nada diz verão como uma lata de atum. Por falar em enlatados, fica a dica, há muitos enlatados, experimente até encontrar o que prefere e não fique simplesmente pelo habitual, irá, de certeza, surpreender-se. Verão é também sinónimo de praia, e a tendência de levar uma fruta de modo a satisfazer o apetite que nos assola, ao mesmo tempo que o sol nos assa, é grande. Claro que se pudéssemos escolher, provavelmente, preferíamos comer algo mais consistente que fruta, mas o mito da paragem de digestão faz com que o “algo leve”, entre mergulhos e banhos tórridos de sol, seja sinónimo da maçã que caiu na cabeça de Newton - não é por acaso que a lei da gravidade foi dada a co- nhecer em julho de 1687, claro que história da maçã é mito, mas o resto é uma coincidência engraçada. Para quem quiser dispensar a maçã, com medo que esta caia na cabeça, tem sempre como companheiras de banho ameixas, alperces, figos, pêssegos, claro que a melancia é hipótese assim como cerejas e amoras, contudo, sejamos sinceros, não serão dos mais práticos. Porém, apesar de a crónica estar a ser envolta no lado “light” da questão, temos sempre, para os amantes da carne, o grande churrasco. Nada diz verão como um churrasco rodeado de amigos e cerveja pela noite dentro. Começar ao final do Nada diz verão como um churrasco rodeado de amigos e cerveja pela noite dentro. Começar ao final do dia, ao lusco fusco, na hora dourada da fotografia... dia, ao lusco fusco, na hora dourada da fotografia, fazer o braseiro acompanhado de um mojito, caipirinha, margarita ou cuba livre, mudando, à medida que a carne começa a assar e a rodar sobre o espeto, para a cerveja ou sangria… A salada, já feita, a fazer par com a magnífica carne, suculenta como deve ser, com a gordura derretida a escorrer pelo espeto ou pela grelha, um pedaço de pão para absorver o precioso néctar dos deuses. Depois, já de barriga cheia, o regresso aos mojitos, para acompanhar a salada de fruta, sobre o céu estrelado dos meses veraneantes, sabendo que no próximo dia a ressaca valerá a pena.. a a 14 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016 mais açúcar Tarte de tangerina ingredientes ingredientes Creme de tangerina: 3 ovos 150g de sumo de tangerina 150g de açúcar 1 folha de gelatina 180g de manteiga Sablée: modo de preparação Joana Gonçalves Chef Pasteleira - Eleven, Lisboa [email protected] Levar os ovos, sumo de tangerina e açúcar ao lume mexendo sempre até engrossar. Retirar do lume e adicionar a gelatina hidratada. Deixar arrefecer ligeiramente e juntar a manteiga. Colocar num saco de pasteleiro e refrigerar durante a noite. a 250g de farinha 125g de manteiga 125g de açúcar 1 vagem de baunilha 1 ovo modo de preparação Amassar todos os ingredientes. Formar uma bola, envolver em película aderente e refrigerar durante 2 horas ou durante a noite. Estender a massa com cerca de 2mm de espessura. Cortar rectângulos de massa e enrolar em tubos metálicos, (moldes de canoli)untados com gordura. Levar a forno préaquecido a 180º durante cerca de 15 minutos. a Banoffee ingredientes Crumble: 50g de manteiga 50g de farinha 50g de açúcar Fudge: 100g de manteiga 100g de açúcar mascavado 370g de leite condensado (1 lata) 20cl de natas batidas 4 bananas raspas de chocolate modo de preparação Para o crumble, amassar todos os ingredientes com a ponta dos dedos até formar uma areia grossa. Colocar sobre um tabuleiro forrado a papel vegetal. Levar a forno préaquecido a 180º durante cerca de 15 minutos. Para o fudge, levar o açúcar ao lume com a manteiga. Juntar o leite condensado e mexer sempre É uma CASA ITALIAna pois com certeza! N O Funchal está bem servido de restaurantes italianos, aliás, não há lugar algum no mundo em que estes não sejam os reis no reino da restauração étnica. Penso mesmo que a maior exportação italiana é o seu conceito de restauração e as famosas pizzas. Apesar dos muitos restaurantes italianos existentes há um em particular que automaticamente me vem à cabeça quando penso em pizzas e pastas. A Casa Italia. Se me pergunta- rem qual a razão da minha preferência não tenho como fugir de lugares comuns como a qualidade das pizzas, sim elas querem-se bem fininhas e não, não é preciso colocarem tudo o que têm no stock em cima da pizza para esta ser ou parecer melhor. A qualidade da base, a cozedura e, finalmente, a proporcionalidade dos ingredientes que compõe as pizzas são a chave de uma boa pizza, e a Casa Italia temna. Para além da variedade das pizzas constantes na carta, esta casa oferece sempre uma pizza do dia e fazem-na, também, em formato de meia pizza com salada. Esta é uma opção, para mim que sou purista algo exótica, mas reconheço que para quem pretender enganar a consciência que não consumiu integralmente não sei quantas calorias com uma pizza inteira se satisfaça com meia pizza e a outra meia de… salada. Ai povo enganado. Para além das pizzas, fininhas, bem cozidas e com ingredientes em proporções até engrossar ligeiramente. Colocar o fudge em taças, colocar a banana em rodelas. Cobrir com as natas batidas e finalizar com o crumble e as raspas de chocolate. a António Janela equilibradas não posso deixar de destacar a qualidade das massas, ao que me dizem feitas na casa, em que destaco o penne amatriciana, optimo molho de tomate na sua base e massa verdadeiramente al dente. A juntar a isto tudo, o que já não é pouco, este restaurante tem uma equipa simpatiquíssima e eficiente a que se junta uma política de preços verdadeiramente popular, daí o sucesso que tem junto de famílias inteiras que se vê miúde a encherem esta casa, sobretu- do nos Sábados ao almoço. Não tenho dúvidas que o facto de estar sempre cheio de madeirenses e turistas não é alheio o conjunto de qualidades que reconheço a este sítio. Cá está mais um restaurante que por ser bom tem clientes de cá e de fora ou não ficasse situado na zona turística, na Rua do Gorgulho, na descida para o Lido, à direita. a a SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 15 boca doce 1 Três características da sua personalidade que melhor a definem? Positivas, humildade, alegria e criatividade. Negativas, humm… Sou teimosa, mas não me custa voltar atrás se achar que errei. 2 A crítica mais construtiva que já lhe fizeram? E a mais injusta ou absurda? Para mim as críticas são sempre uma oportunidade para fazer melhor. Ouço-as todas e procuro fazer melhor a cada desafio. Sou muito exigente comigo e faço muitas atividades com grande exposição (aulas, teatro, radio), pelo que estou habituada a lidar com as opiniões dos outros. Quando uma crítica é injusta, analiso-a e se não encontrar nada de construtivo, registo e sigo em frente. 3 A decisão mais importante que teve de tomar? As que mais me marcaram prendem-se com abandonar projetos, pessoas ou situações em áreas que me realizam. Se estou numa situação que me causa insatisfação prefiro retirar-me e aguardar que portas mais realizadoras se abram, tanto a nível pessoal como profissional. 4 A sua dúvida mais persistente? Durante muito tempo prendiam-se com o “sentido da vida”, o que move as pessoas, o que as faz serem capazes do melhor e do pior. Hoje entendo que a humanidade tem a cada geração os seus desafios, a ver vamos o que fazemos do nosso tempo. Celina Pereira 5 Atriz e professora Que opinião tem dos madeirenses que escondem o sotaque? As pessoas devem procurar ser elas próprias. As exigências profissionais, por exemplo na rádio e no teatro, podem exigir um maior trabalho da voz e não há mal nenhum nisso. Não creio que seja o sotaque o que define uma pessoa. Um arrependimento? Se voltasse atrás, com a maturidade que hoje tenho, evitava algumas situações, mas não me arrependo de nada. Tudo o que vivi serviu para ser o que sou hoje e estou satisfeita comigo. 14 6 Um ato de coragem? Ser um professor sério e responsável hoje em dia é um grande ato de coragem, procuro fazer o meu melhor. Abraçar a poesia e o teatro e acreditar que com elas posso ajudar a construir uma sociedade melhor. 7 Uma atitude imperdoável? Não me lembro de nenhuma. Gosto mais do perdão, leva-me sempre ao caminho certo. Gosto muito de analisar as situações e agir de modo a que me sinta bem, mesmo que tenha de tomar decisões difíceis. Perdoar é diferente de aceitar. 8 A companhia ideal para uma conversa metafísica? Tantas. Adoro literatura, teatro, dança, pintura, escultura, tudo me conduz ao conhecimento da essência das coisas. Existem inúmeras pessoas com quem teria o maior gosto de conversar sobre a metafisica da vida. 13 9 Qual é a sua maior extravagância? As mais marcantes: viajar e gerir as finanças para poder ver espetáculos, em especial de teatro e dança. 10 Quem são os seus heróis na vida real? Todos os que procuram fazer uma sociedade melhor, mais justa e mais instruída. Tenho heróis familiares, amigos, professores, atores, encenadores, escritores, músicos… 11 Uma doce memória da infância? Subir às cerejeiras, no Jardim da Serra, para comer cerejas com pão. 12 O que distingue um madeirense de um continental (além do sotaque)? Nada. Há madeirenses com maior e menor abertura social e cultural e no continente passa-se o mesmo. Creio que num sítio e noutro há uma elite cultural que vai em busca e uma grande fatia da população que não se formou o suficiente para estar motivada para a fruição das diversas artes. Que expressões madeirenses usa com mais frequência? Não tenho grande sotaque. Só me apercebo das expressões madeirenses que utilizo quando estou com amigos do continente e brincam comigo. Mas claro que é frequente usar termos como “bilhardice” e muitas vezes “pareço um bicho de pêssego”. 15 A quem gostaria de pagar uma poncha? Para já ao Fernando Heitor que foi o encenador da peça de teatro Youkaliuma ilha, a peça comemorativa dos 40 anos do TEF. 16 5 Segredos da Ilha… Local: Mudas- Museu de Arte Contemporânea Hotel: Hotel Quinta da Serra – Jardim da Serra Restaurante: Estalagem da Ponta do Sol Atividade ao ar livre: Para fruir a natureza as levadas e o exercício físico a promenade entre o Lido e a praia Formosa. Loja: Livraria Esperança.
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