Rui Veloso em entrevista

Transcrição

Rui Veloso em entrevista
talvez a revista mais
doce da madeira
CRÓNICA
Sonhos
de Verão
P. 2
O VIAJANTE
Ir até... Berlim
açucar 20 | Este suplemento não pode ser vendido separadamente do JM | design açucar - ricardo tadeu barros | ilustração capa - JM
P. 3
FELIZ COM MENOS
Caminhar,
uma terapia
P. 12
Rui Veloso em entrevista
«Preciso de espaço
e silêncio»
fundada 2015
a
2 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016
o coração na boca
sonhos de Verão
q
Cruzo olhares
com as pessoas e CRÓNICA
pergunto-me Patrícia Lencastre
como se estarão a [email protected]
sentir. Penso nas www.shortstoryblog.com
suas lutas e em
como, por detrás
dos sorrisos de
cada um de nós,
se esconde uma
luta, ou muitas.
Todos temos as
nossas. Carregamos pesos que escondemos atrás
de desculpas e
sorrisos.
uando fecho os olhos, toda
eu sou memórias. Na penumbra quase consigo vêlas, coladas, uma a uma na
construção do que sou. Ou
me tornei. Mas também
sou sonhos. Sonhos sobre
o dia de amanhã ou do seguinte. Um sorriso dos
meus filhos, uma conquista. Uma partilha dos amigos, alguma vitória. Como
se o passado e o futuro se
conjugassem para me ajudar a dar um passo de cada
vez nisto a que chamamos
de presente.
O céu cada dia mais azul e
o tempo mais quente que
se sente na pele faz com
que os meus pensamentos
se tornem mais leves. As
memórias ganham contornos menos duros como se
sobressaíssem as mais felizes e claras. As mais escuras ficam para outros dias.
Os sonhos, esses, parecem
mais próximos, como se
os conseguisse alcançar
apenas com o esforço de
estender os braços para os
agarrar.
Analisado friamente, tudo
isto aparenta ser irracional. Ou será mesmo. Mas
de racional as memórias e
sonhos não têm, muito
provavelmente, assim tanto. Acontece-me, muitas
vezes, ir na rua a sorrir. Sozinha. Ou com os meus
pensamentos. Cruzo olhares com as pessoas e pergunto-me como se estarão
a sentir. Penso nas suas lu-
tas e em como, por detrás
dos sorrisos de cada um de
nós, se esconde uma luta,
ou muitas. Todos temos as
nossas. Carregamos pesos
que escondemos atrás de
desculpas e sorrisos. Nunca sabemos que luta travam aqueles que sorriem
nas capas das revistas ou
nas fotografias das redes
sociais. Ou os pensamentos
e desafios de quem nos
atende num qualquer estabelecimento ou serviço.
Muitas vezes penso nisso
enquanto espero que me
atendam no banco. Observo o senhor, de olhar baixo,
educado, e imagino as suas
histórias. Para que luta
partirá depois de despir
aquela capa? Porque cada
um de nós tem a sua.
Mas hoje, toda eu sou sonhos. E memórias
claras. a
a
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o viajante
berlim
Diogo Correia Pinto
[email protected]
Tinha um certo preconceito, relativamente a alemães,
mas conhecer Berlim ajudou a que essa ideia pacóvia
formada por lugares-comuns se desvanecesse inteiramente.
o
s professores dividem os
anos em letivos e não civis, em agosto de 2014
tive um longo réveillon a
fazer aquilo que mais gosto na vida, viajar. Há uns
bons anos, nos tempos
em que estudava no Porto, tive um professor que
me disse que as viagens
nos tornavam mais tolerantes. Nesse ano em particular, precisava desse
remédio em sobredosagem. Tinha sido um ano
extremamente fatigante,
o primeiro em que fui trabalhar a tempo inteiro
para o Conservatório -Escola das Artes da Madeira
no Curso Profissional de
Teatro. Novas tarefas, várias disciplinas, uma dinâmica de escola diferente, levaram a que eu acabasse o ano exausto.
Embora tivesse curiosidade relativamente a Berlim, não estava nas nossas prioridades, minhas e
da minha namorada. Havia anos que a cidade era
um hype e sendo eu aves-
so a modas, não estava
nas minhas previsões ir
lá. Lembro -me que a escolha da Alemanha, porque também fomos a outras cidades, teve a ver
com o preço dos bilhetes
de avião. Inacreditavelmente, uma viagem da
Madeira para Lisboa era
mais cara, do que para
várias cidades estrangeiras. Por outro lado, admito também, que tinha um
certo preconceito, relativamente a alemães, mas
conhecer Berlim, ajudou a
que essa ideia pacóvia formada por lugares-comuns
se desvanecesse inteiramente.
Provavelmente, não existe
cidade no mundo que tenha passado por situações
tão extremadas, violentas,
durante o século XX. Por
diversas vezes, o mundo
convergiu impetuosamen-
te para aquele ponto. A
ascensão do nazismo que
projetava fazer dela a capital do império, a destruição na 2ª Guerra
Mundial pelos bombardeamentos dos aliados, o
abominável muro de Berlim, sendo ele a expressão
mais inequívoca da Cortina de Ferro na Guerra
Fria, a Reunificação da
Alemanha, são alguns dos
momentos que marca-
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ram de forma indelével a
história recente do mundo, sentindo-se este acontecimentos pelas ruas da
cidade, num pulsar muito
singular, de uma certa
violência silenciosa e
adormecida, reprimida,
que num instante pode
acordar.
Fiz o itinerário turístico:
Portas de Brandemburgo,
Palácio do Reichstag,
Checkpoint Charlie e Alexanderplatz.
Detive-me no Memorial
do Holocausto , blocos de
pedra, a várias alturas,
constroem uma mega escultura monocromática.
Vazio é talvez a palavra
que melhor define a sensação com que fiquei ao
deambular pela obra.
Fui também ao Estádio
Olímpico, onde a Leni
Riefenstahl realizou, a par
com o Triunfo da Vontade, um dos filmes propaganda nazi, Olympia. Uti-
lizou, nas filmagens dos
Jogos Olímpicos de 1936,
técnicas de cinema avançadas para época, tornando a realizadora numa
das mais inventivas de
sempre. Contraditório, a
moral condena-a, o cinema respeita-a. Viveu uma
vida longa com o fantasma de ser acusada de ter
colaborado conscientemente com o regime Nazi.
Por vezes saía do roteiro,
sentava-me num café, em
Berlim são maravilhosos,
numa rua secundária e ficava a ver as pessoas a
passar.
Gosto de ser surpreendido pelo acaso e deixar-me
contaminar pela vibração
da cidade.
O tempo correu sofregamente, impossibilitando
um olhar mais repousado, mais humano. Não
deu para sair fora do cartão postal, mas deu para
sentir que há outra cidade
a
debaixo das imagens
emolduradas do sightseeing, habitadas de clichês, de wursts e de arte
urbana. Há um movimento vertiginoso de (re)construção permanente, com
os eu espaço, o seu tempo
e a sua história, que nunca senti noutra cidade.
Espero voltar um dia e
sair um pouco mais fora
do sinal da Tv Tower. a
a
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«Às vezes, não é fácil ser eu»
Não há
português que
não saiba de
cor, pelo
menos, um
punhado das
suas canções.
De “Chico Fininho” a “pai
do rock”, Rui
Veloso diz que
a música lhe
proporcionou
um prazer
ímpar, mas
extremamente
individual.
Um sentimento que só
quem compõe
compreenderá. E se a felicidade são
momentos,
Rui Veloso
conhece o seu ENTREVISTA
sabor, mas há Susana de Figueiredo
um outro lado [email protected]
que nos revela.
O da perda e o
da solidão por
detrás do
palco e dos
aplausos.
©Martim Leitão
Rui Veloso
r
ui Veloso continua no modo
de pausa anunciado há uns
anos. Parou por desencanto
com o seu país, e a desilusão persiste. Com a política,
com as empresas, com a
música. Para o cantor, o pop
está morto, e a música mais
não é do que um replicar de
modelos, sem novidade
nem pulsar, em que a fama
destronou o talento.
Hoje, faz apenas os concertos que quer e raramente
aceita dar entrevistas. Diz
ansiar por espaço e silêncio,
depois de 35 anos de uma
vida «voraz». Parar, «ainda
mais», não o angustia. Considera que, num país como
Portugal, até já durou bastante.
As suas canções esgravatamnos a alma [recordo-me de
ter chorado a ouvir algumas
delas]. O que é que isto diz
sobre a sua música?
Não há muita explicação
para isso. Tem a ver com o
nosso interior, com aquilo
que conhecemos pouco. Há
músicas minhas que até a
mim me fazem chorar, ainda hoje [risos], como “Fado
Pessoano” ou “Bem-vinda
sejas Maria”.
Já completou 35 anos de carreira, uma carreira de inquestionável sucesso. Será
este [o sucesso] um dos caminhos para a felicidade?
O sucesso é ótimo, porque
vem de pessoas que ouvem
a minha música. Quanto à
felicidade, depende do
Rui Veloso atuou
com a Orquestra
Clássica da
Madeira, na Praça
do Povo, num
concerto
comemorativo
do Dia da Região,
no passado
dia 1 de julho.
No dia anterior,
a Açúcar falou
com o músico
no hotel The Vine,
no Funchal.
a
©Martim Leitão
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a
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Há pouco tempo, entrevistei o Ivan Lins. E dizia-me
ele que a música que compõe é uma extensão dele.
No seu caso, também funciona desta forma? O público conhece o Rui Veloso
através da sua música?
Eu conheço bem o Ivan, e
não há dúvida nenhuma
de que ele se mostra através da música que faz.
Sim, comigo acontece o
mesmo, a minha música
diz bastante daquilo que
eu sou, é uma maneira de
eu passar para os outros
uma parte de mim.
Não há português que não
saiba de cor uma boa parte
das suas músicas. Há algo
que lhe permita intuir que
uma canção se vai tornar
um êxito.
Não, nem isso me passa
pela cabeça.
E o que torna uma música
imortal?
Não sei bem… Uma canção
resulta sempre daquilo que
vamos assimilando da vida,
musicalmente e não só, deriva também das relações que
mantemos com as pessoas.
É evidente que há muitos
compositores que são imortais, e eu não me importava
nada de figurar no meio deles [risos].
E acha que não figura?
Honestamente, acho que
não.
Se a sua mãe não tivesse levado aquela cassete à Valentim de Carvalho, o próprio Rui teria, mais tarde
ou mais cedo, tomado a ini-
©Martim Leitão
conceito que temos desta…
Traz alguns bons momentos, sim, mas, definitivamente não traz a felicidade.
Por outro lado, é importante percebermos que a fama
é uma coisa e o sucesso é
outra. Há muita gente famosa que não faz rigorosamente nada. O sucesso é diferente, prova que há uma ligação entre aquilo que eu faço
e as pessoas, por isso, o sucesso é sempre positivo, já a
fama é sempre negativa.
que alguém que era tão “pequenino”, que vivia no Porto, poderia sonhar equiparar-se a eles?
Mas não reconhecia o seu
talento para a música?
Não, de maneira nenhuma.
E hoje?
Também não. Acho que tenho uma voz diferente, porém com algumas limitações, fiz algumas coisas
boas… Também porque as
letras do Carlos Tê eram
boas, inspiravam-me.
A separação do Carlos Tê foi
dolorosa?
Foi. Considerei a atitude
dele uma [pausa]…
ciativa de mostrar o seu trabalho a uma editora?
Não, não teria. Nem sequer
equacionava essa hipótese,
porque, naquela altura [eu
tinha 21 anos, a idade do
meu filho Manuel], não havia indústria, não havia massa crítica…
E onde costumava tocar nessa época?
Era muito reservado, tocava
em casa, num bar ou outro.
Eu estava só a começar e
achava que não tinha grande coisa para mostrar.
Achava o Rui…
Não, não tinha mesmo [risos], provavelmente saía um
bocado do registo normal,
na época [é preciso ver que
também havia pouca gente
a tocar], depois, mais tarde,
começou a ouvir-se que havia um tipo no Porto que tocava umas coisas, mas o
grande empurrão foi dado
pela minha mãe.
No fundo, a sua mãe teve
essa convicção que a si lhe
faltava…
Ela foi tirar dúvidas, junto
de quem de direito, da Valentim de Carvalho, que era
o expoente máximo da indústria musical. Queria que
lhe dissessem se aquilo que
eu fazia, efetivamente, prestava ou não.[ela achava que
sim] e, sobretudo, estava
«O talento
não é palpável,
não se mede,
e os meus
standards
eram elevados,
achava que
nunca atingiria
a qualidade
dos músicos
que eu
admirava (…)»
muitíssimo preocupada
com o meu futuro, porque
eu não estudava, só queria
saber da música [risos].
O Rui só soube desse “empurrão” da sua mãe muito
mais tarde. Como reagiu?
É verdade, só soube depois
de ter assinado contrato
com a editora. Aliás, eles estavam proibidos pela minha
mãe de mencionar o nome
dela. Os produtores da Valentim de Carvalho contactaram-me por intermédio de
uma cantora do Porto, “traga-nos cá uma cassette”, disseram-me. Então, selecionei
uns temas que eu achava
que tinham mais graça [cla-
ro que eram os temas que
eles já tinham ouvido na outra cassete].
Depois, mandaram-me esperar, lá em Lisboa, e eu por
lá fiquei, em casa de uns
tios. Realmente… Podia ter
desconfiado, mas achei tudo
normal [risos].
E quando lhe disseram que
estavam interessados em
gravar um disco seu, ficou
surpreendido?
Fiquei. Até porque as músicas que eu tinha gravado na
cassete eram em inglês,
“Chico Fininho”, que eu me
lembre, era a única cantada
em português.
Porque é que cantava em inglês?
Porque em português não se
aprendia nada [risos], as minhas referências vinham todas de fora. Ouvia muita
música negra, The Doors…
Nos primeiros anos, padecia de uma grande insegurança, chegou a dizer que
sentia pânico de estar em
palco, de enfrentar a plateia. De onde vinha este
sentimento? Não estava
seguro do seu talento?
O talento não é palpável,
não se mede, e os meus
standards eram elevados,
achava que nunca atingiria
a qualidade dos músicos
que eu admirava. Como é
Traição?
Sim. Senti-me, de facto,
atraiçoado. Custou-me, porque já estava habituado a
trabalhar com ele. Mas, claro que nestas coisas há sempre dois lados, provavelmente também tomei algumas atitudes erradas, mas,
se assim foi, gostava que ele
mo tivesse dito, cara a cara.
Este tipo de relações funciona um pouco como os casamentos, as pessoas têm de
falar.
Ele nunca lhe deu explicações?
Não, nunca. Mas apercebime da negação que havia da
parte dele, não estava para
aí virado… Acho que, a dada
altura, deixou de querer viver debaixo da minha sombra. Ele escrevia, mas eu é
que cantava, fazia os arranjos, ia para a estrada… Ou
seja, ele escrevia e eu fazia o
resto. Certamente, ele lá
terá as suas razões, mas essas cada vez me interessam
menos.
Nunca mais voltaram
a falar?
Não. Perdemos o contacto
há cerca de dez anos.
Não era raro o Rui falar do
Tê nas entrevistas que dava.
Recordo-me de uma em que
disse algo de uma profundidade tocante: “O Carlos,
mais do que a parte que
a
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Há tempos, dei por mim a
pensar que quase não existem mulheres letristas. Porque será?
É um facto. Talvez seja porque preferem ir às compras
[risos]; elas não têm aquele
desígnio de fazer algo para
os homens, fazem muito
mais a favor umas das outras, enquanto nós ficamos
em casa a sonhar com elas,
daí a minha música ser tão
ligada ao universo feminino.
O que é mais importante, a
letra ou a música?
A letra sem a música não
sai de uma sala, a poesia,
por muito boa que seja,
não tem esse poder que a
música tem de encantar as
pessoas com apenas duas
notas.
Mas a música, por si só,
também pode ser uma forma de poesia.
Sim, talvez, com muita matemática à mistura [risos]
Há uns anos atrás, anunciou uma pausa na sua vida
artística por se sentir desiludido com a situação do
país, em geral, incluindo a
maneira como a música
passou a ser encarada. Continua em modo de pausa?
Continuo, e gostava de parar mais ainda. Quero
imenso viajar, dar umas
voltas a esse mundo, conhecer outros povos, outras
culturas, coisas que tenho
visto na National Geographic e no Odisseia. Quero fazer tudo isso enquanto estou bem fisicamente.
Percebo alguma urgência
nesse seu desejo de fuga.
Sinto mesmo essa urgência,
preciso de sair de Portugal,
desta “coisa” que nos consome diariamente, neste lugar
onde temos de pagar tudo,
só falta pagarmos o ar que
respiramos. É um mundo
sem rei nem roque…
Continua, então, desiludido
com Portugal e com a música que, por cá, se faz?
Sem dúvida. No que respeita à música, há uma vulgarização dos artistas que me
desagrada muito. Custa-me
ver artistas de segunda que
se armam em artistas de
primeira grandeza, os cantores cujas vozes são cheias
de efeitos, as imitadoras de
Amy Winehouse, etc.
Vivemos numa sociedade
em que a música pop, que
era o motor da indústria
musical, deixou de existir.
Aquele pulsar interior de
antigamente deixou de existir para dar lugar a uma réplica de modelos.
«Os meus pais
têm muito
gosto no meu
sucesso.
Mas, não lhes
desejaria a vida
que eu tive…
Esta foi uma
das coisas
que lhes
passou um
pouco ao lado,
o meu
dia-a-dia,
o outro lado
do sucesso»
Fala de uma generalizada
falta de talento e originalidade que, contudo, convence e vende.
Sim, está tudo muito mau,
perdeu-se o critério, a honra, os valores foram colocados debaixo do tapete, e há
uma vitória lenta, porém
inexorável, da mediocrida©Martim Leitão
me completa, é a parte que
me falta”…
Pois… Já ele, pouco falava
de mim nas entrevistas, e
depois de nos separarmos
acho que até se recusa a
fazê-lo. Mas, sim, o que disse era verdade, tenho pena
de não escrever como ele,
dava-me jeito [risos].
de, não apenas na música,
mas em tudo, na política,
nas empresas… Por isso é
que eu quero sair daqui.
Eu sei que esta não é uma
realidade exclusiva de
Portugal, o mundo está,
todo ele, muito desagradável, mas, como se trata do
meu país, custa-me… Então, vou viajar e concentrar-me naquilo que resta
de agradável.
O que levará as pessoas a
consumir essa música «de
segunda»?
É essa a música impingida
pelas rádios e televisões.
As pessoas só comem lagosta se tiverem acesso à
lagosta, senão comem chicharro [risos].
E ainda haverá espaço para
a novidade?
Já não há novidade nenhuma, a não ser a que continuo a encontrar nas obras
do passado. Mas esta nova
geração não quer ouvir os
mestres, acha que a música
nasceu agora, com ela. É
uma geração que vai aos
festivais de música [eventos
que se tornaram autênticos
supermercados de música,
são como eucaliptos, secam
tudo à sua volta], muitas vezes, sem sequer saber quem
lá vai estar a tocar. Os jovens vão a estes festivais
apenas pelo ambiente, para
beberem uns copos, para se
encontrarem uns com os
outros, no fundo, para fazerem parte da “tribo”.
Eu fui sempre o contrário
disso, nunca quis pertencer
a tribos, sempre fui do contra [já a minha mãe o dizia].É a minha vantagem
enquanto músico. Sou virulento [risos].
Acha que os portugueses,
em geral, pensam pouco
pela própria cabeça, por temerem essa exclusão do
grupo?
Acho que sim, há muita carneirada.
Sente que, nesta fase da sua
vida, tem, finalmente, “todo
o tempo do mundo”, como
diz a música?
Hoje, tenho outra liberdade, posso dar-me ao luxo de
fazer só os concertos que
quero, porque, felizmente,
tanto eu como os meus músicos ganhamos bem.
Deve ser complicado viver
durante tantos anos a alta
velocidade e intensidade…
É, bastante. A minha vida
foi muito voraz, estive [e
ainda estou, embora menos] constantemente debaixo da lupa, mesmo não aparecendo em festas e sendo
super privado [atualmente,
é raríssimo dar entrevistas],
a minha vida sempre esteve
muito exposta.
Já tem pouca paciência
para as entrevistas?
Confesso que já não tenho
muita pachorra, até porque
acho que não tenho muito
para dizer…
O que lhe faz falta neste
momento?
Tranquilidade, silêncio
e espaço.
Que relação tem um músico
com o silêncio?
O silêncio é precisamente a
figura mais importante da
música, a pausa, o espaço
entre as notas. Se assim não
fosse, a música era só ruído.
As pessoas, às vezes, não
têm essa noção.
E no silêncio pode acontecer o quê?
Tudo o que tem a ver com o
pensamento. Este não se
ouve, não tem decibéis. O
silêncio pode inspirar qualquer coisa.
Não o angustia um pouco
este tom de despedida [da
vida artística]?
Não. Eu já durei muitos
anos, em Portugal até nem
é normal atingir esta longevidade na carreira artística.
Agora, posso dar-me ao
luxo de fazer aquilo que me
apetece, por exemplo, gostava de ir viver para um sítio ainda mais remoto [Rui
Veloso vive perto de Sintra].
Se formos para o Alentejo,
para o Interior, há sítios
onde ainda podemos viver
a
O que lhe deu a música de
mais importante, ao longo
destes 35 anos?
Muitos momentos de enorme prazer, um prazer um
pouco egoísta, porque é exclusivamente meu, é físico,
e não posso partilhá-lo com
ninguém. É um gozo que
nasce de situações muito íntimas… Só quem é músico e
compõe percebe este prazer
de ver nascer algo a partir
do nada e sobreviver disso.
É um sentimento vivido
para dentro.
Sim, é só para dentro. E
vem do canto, da audição,
da execução… É muito especial.
E o prazer de estar em palco, ainda resiste?
Gosto muito da interação
com o público, mas também gosto de estar em sítios
onde ninguém me conhece,
onde sou apenas mais uma
pedra da calçada.
[Mas, felizmente, eu sou conhecido por aquilo que fiz,
pelo meu mérito].
Por detrás do palco, sofreu
perdas?
Inevitavelmente. Uma delas
foi a família. A minha vida
foi sempre um pouco ao
contrário. Aos fins-de-semana e nas férias dos miúdos
era quando eu tinha de tocar. E como sempre tive
equipas grandes, não podia
dar-me ao luxo de deitar
concertos fora…
«As minhas
canções já não
são minhas,
são das pessoas. Elas que
lhes façam o
que quiserem
[risos]»
A sua família sentiu que tinha de o dividir com o público…
Sim, sentiu. O isolamento
vem juntamente com o sucesso. Há tantos artistas que
sofreram com isso, Michael
Jackson, Marilyn Monroe…
Uma imagem comum é o
palco cheio de gente e quando o pano cai, a casa vazia, a
solidão.
Se pudesse voltar atrás, faria as coisas de maneira diferente?
É difícil responder… Algumas, se calhar, faria, mas
não vale a pena pensar nisso, não adianta nada.
Mas a sua família tem, seguramente, muito orgulho em si…
Sim, tem. Eu sou boa pessoa, e é isso que realmente
conta, não basta ser um
bom músico, é importante
ser boa pessoa.
©Martim Leitão
sem sermos tão escrutinados. É um lugar desse género que procuro.
SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 9
«Tenho uma boa
relação com os
meus filhos, a
que eu pude
construir [do lado
materno, nem
sempre houve
a compreensão
necessária], no
meio de tantos
imponderáveis
que a minha vida
teve»
O que é que sonha para os
seus filhos?
Não sonho nada de especial… E quando sonho com
eles, vejo-os pequeninos.
Continuam a ser pequeninos, para si?
Não, mas tenho imensas
saudades de eles serem pequenos.
Do que é que tem mais saudades?
De eles serem pequeninos,
de pegar neles ao colo… Eu
peguei-lhes muito pouco. Já
há 20 anos que não pego
num filho ao colo [sempre
gostei muito de crianças].
Quando me separei, só estava com eles de quinze em
quinze dias, umas horinhas
ao fim de semana…
Isso foi violento para si?
Foi, muito.
A perceção que tenho é que
o Rui era um homem de família, queria muito sê-lo, e,
de certa maneira, foi obrigado a abandonar esse seu
lado. Estarei certa?
Sim, tem razão, queria muito isso. Há quem consiga, eu
não consegui.
Ser eu, às vezes, não é fácil.
O que quer dizer com isso?
Quero dizer que sou só eu,
não posso ser outro, não
me consigo desdobrar
noutros…
Ultrapassados aqueles
seus primeiros medos de
que já falámos, as inseguranças, hoje, quais são os
seus medos?
Os únicos medos que tenho prendem-se com os
meus filhos, e o confronto
com o fim faz-me pensar
mais nisso.
Como é a relação com os
seus filhos?
Tenho uma boa relação
com eles, a que eu pude
construir [do lado materno, nem sempre houve a
compreensão necessária]
no meio de tantos impon-
deráveis que a minha vida
teve.
Nunca tive um horário
“nine to five”, fins-de-semana, férias no mês de agosto… Eu não podia deixar de
dar concertos para ir de férias, mas claro que as pessoas com uma vida dita normal têm dificuldade em
“encaixar” isto [eu também
não sou perfeito].
E os seus pais, sempre
o apoiaram?
Sempre. Os meus pais têm
muito gosto no meu sucesso. Mas, não lhes desejaria a
vida que eu tive… Esta foi
uma das coisas que lhes
passou um pouco ao lado, o
meu dia-a-dia, o outro lado
do sucesso.
O Porto será sempre o “Porto Sentido”?
Claro! Gosto muito do Por-
to. Mas o que faz o Porto
são os portuenses, como o
que faz a Madeira são os
madeirenses. Os sítios podem ser muito bonitos, mas
o que conta mesmo são as
pessoas.
E os ilhéus são muito parecidos com a malta do Porto,
são brutos quando têm de
ser, são hospitaleiros, gostam de conviver.
Não é por acaso que os madeirenses sempre se deram
muito bem com os portuenses, há afinidades, até porque o Porto é um pouco
uma ilha em relação a Lisboa. Lisboa secundariza
tudo o resto.
Que destino gostaria que tivessem as suas canções?
As minhas canções já não
são minhas, são das pessoas. Elas que lhes façam o
que quiserem [risos]. a
a
10 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016
horas vagas
Sandra Sousa
http://estrelasnocolo.wordpress.com
A
s Raparigas Esquecidas, de Sara
Blaeder – a rainha dinamarquesa do thriller –, é um livro
surpreendente e cativante. A autora, com uma
grande mestria, soube intercalar o crime com a
vida pessoal da detetive
Virgílio Jesus
[email protected]
P
oderosa história verídica sobre o impacto da guerra,
Testemunho de Juventude é um retrato fidedigno sobre o crescimento
da jovem Vera Brittain,
uma enfermeira reconhecidissima no Reino Unido,
por ter contado a sua experiência num livro de memórias, do qual o filme se
inspira. Protagonizado por
S
pielberg está de regresso ao género
que o tornou o
nome de peso na
indústria mainstream de
Hollywood. Próximo ao
que foi feito em E.T. - O
Extraterrestre e em As
Aventuras de Tintin, o
realizador retoma o universo familiar através da
história de uma rapariga
que é raptada por um gi-
[livro, filme, música]
livro
As Raparigas Esquecidas
Louise Rick, que enfrenta
um novo desafio profissional, já que está num
novo departamento e com
um novo colega. Apesar
das iniciais inseguranças,
ambos acabam dando-se
bem e fazem um bom trabalho. Quando aparece o
corpo de uma mulher no
meio de uma floresta, estes levam a cabo uma investigação para descobrir
quem é a mulher e o porquê de ela estar morta.
Quando descobrem que
esta estava internada
numa instituição para
doentes mentais, a investigação toma um novo
televisão & cinema
Sara Blaeder
rumo e outros contornos
mais brutos e marcantes
para o leitor. Vários segredos terríveis e macabros
são descobertos e o leitor
é agraciado com uma descrição algo pormenorizada e gráfica. O final do livro é perturbador. a
Alicia Vikander, atriz de A
Rapariga Dinamarquesa,
este drama biográfico insiste no mundo de esperanças de uma juventude
que tem de lidar com a
perda de amigos e familiares, num dos períodos
mais negros do século XX.
Com efeito, Vikander nunca convenceu tanto, naquele que é o seu melhor desempenho. Ao explorar as
diversas facetas de uma
mulher pacifista, e também feminista, que contrariou dogmas impostos pela
sociedade da época, a atriz
parece apelar a uma mesma atitude nos dias de
hoje. Aplausos, ainda, para
o realizador, que pouco se
importa com os bombardeios e mais com as consequências desenfreadas de
uma guerra que modificaria o mapa geopolítico da
Europa. a
gante, extremamente gentil, uma vez que não come
cereais (seres) humanos,
como os restantes gigantes. Baseado na obra
Roald Dahl, é difícil não
ser levado, emocionalmente, pelo universo de
magia, numa surpreendente primeira colaboração de Spielberg com a
Disney. O enredo, mesmo
assim, parece voltado para
um público jovem, sem a
seriedade de outros projetos do cineasta. Prima sobretudo pela fotografia de
Janusz Kaminski, na pautada mobilidade de câmara, pela banda-sonora
classicista de John Williams e pela interpretação
de Rylance, que após vencer o Óscar, revela o porquê de ser um ator a ter
em conta. a
música
Por E.F.
A
Kaytranada ou
então Louis Celestin, é
produtor/DJ/músico do momento. O seu
álbum de estreia, intitulado 99.9%, fará furor nas
pistas este verão, com a
música eletrónica da altura, leve, divertida, colorida
(basta reparar na capa do
mesmo para perceber
isso), e acima de tudo “cat-
Kaytranada – 99.9% de aprovação
chy”. Com uma constelação de estrelas a fazer parte do alinhamento, Craig
David, Vic Mensa, AlunaGeorge, BADBADNOTGOOD, e por aí fora, as
músicas vão sendo compiladas, uma sobre a outra,
da mesma maneira que os
copos de cervejas nas esplanadas, de forma atural
e prazerosa.
“Lite Spots”, assume-se
como a aposta mais sólida
para a estação mais quente do ano, não contasse
com a sample “Pontos de
Luz” de Gal Costa, bebendo, lá está, ritmos ao nosso Brasil. Mas não é só
nesse porto que a viagem
em busca de sonoridades
marca presença, Louis Celestin, haitiano radicado
no Canadá, mostra as batidas caribenhas do Haiti
durante o percurso de
99.9%, sendo disso exemplo disso o que está vincado na faixa “Leave me Alone”, que conta com a colaboração de Shay Lia.
99.9% apresenta semelhanças com o álbum de
estreia de Disclosure, Settle, no sentido de ser algo
novo e fresco para uma altura do ano em que queremos e bebemos disso. a
Testemunho
de Juventude
TV Cine 1
Sábado, 9 de Julho — 21h30
Realizado por: James Kent
Elenco: Alicia Vikander, Kit Harrington, Taron Egerton e
Colin Morgan
Género: Biografia
O Amigo
Gigante
(nos cinemas)
Realizado por: Steven Spielberg
Elenco: Mark Rylance, Ruby Barnhill, Penelope
Wilton e Jemaine Clement
Género: Família, Aventura
a
SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 11
na moda
Popeline
Laura Capontes
lauracapontes@[email protected]
ndi.com; mala: Za
vestido: modaopera
n Klein na Prof
sapatilhas: Calvi
ra;
look total: Zara
foto © Laura Capontes
é
o tecido do momento, feito de algodão, seda, lã ou
misturas sintéticas, a popeline é especialmente
lisa e acetinada. É um tecido muito confortável,
durável, flexível e arejado, o que se torna ótimo
para esta época. A popeline pode se apresentar
num tecido mais ou menos leve, variando entre o
mais fino e mais compacto, ou com alguma textura, é um tecido que encaixa muito bem em diversos looks, abrangendo os
mais práticos e desportivos e também, perfeitamente, os mais femininos
e sofisticados. Bem conjugada, a popeline pode
mesmo ser a peça-chave
de um look, dando um ar
sofisticado, cuidado, trendy, moderno, sempre
aliado ao conforto e à leveza que esta estação nos
pede.
body e
calças: tods.com;
om;
p.c
ho
ps
To
:
mules
r.com
mala: net-a-porte
dálias:
vestido: mango; san
H&M; mala: Zara
Os looks integrais são uma
boa opção, apenas tenha
em atenção, para não criar
demasiado volume nas zonas onde queremos mais
definição, no entanto, este
tecido conjuga-se facilmente com outros tipos de
top: Zara;
saia: net-a-porter;
la: mango
ma
M;
H&
sandálias:
calções e top:
;
net-a-porter.com
cunha: Zara; mala:
accessorize.com
tecido, será tudo uma
questão de estilo e gosto
pessoal.
Saias, calças, camisas, tops
e vestidos em popeline invadiram as lojas e as opções são muitas, com padrão, às riscas, de uma só
ncept.com; calções
camisa: n-duo-co
rter.com
-po
t-a
ne
as:
rin
e sab
ra;
Vestido e mala: Za
resa.com
the
my
s:
lha
ati
sap
cor, com folhos ou liso,
torna-se impossível não
adicionar este tipo de tecido às nossas escolhas.
A popeline caracteriza-se,
ainda, pela sua versatilidade, o que facilita a adaptação deste tecido aos mais
diversos estilos e até tendências. É o tecido eleito
para o Verão, por isso,
aproveite a época dos saldos para investir nesta
grande tendência e incorporá-la nos seus outfits.
Inspire-se nos looks! a
a
12 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016
feliz com menos
Caminhar,
uma terapia
Débora G. Pereira
www.simplesmentenatural.com
U
m pé à frente do
outro, já estamos a voltar
para trás, quase, quase a chegar. Sintome cansada, porém ainda há tempo para mais
umas gargalhadas e uma
última fotografia ao pé
de uma árvore centenária. Daqui a pouco vamos
almoçar entre amigos.
Que delícia, que excelente maneira de passar o
tempo! Foi assim que
terminou a minha última caminhada, cansada,
mas ao mesmo tempo
com as energias renovadas, numa dualidade que
só quem experiencia
consegue compreender.
Não pagámos pela experiência de aproximadamente quatro horas e o
almoço, com ingredientes comprados previamente no supermercado,
ficou por uns trocos a
cada um.
Uma das maneiras mais
simples e económicas de
usufruir de bons momentos na natureza e de
estar com amigos, são as
caminhadas pela nossa
ilha. Além de beneficiar
o nosso corpo fisicamente, alimenta a nossa
alma numa terapia conjunta em que a liberdade, a natureza, a vitalidade e a boa disposição são
as palavras-chave. Nada
como estar rodeado dos
elementos mais básicos
da natureza, em profun-
da comunhão com os
sons envolventes, e nada
como estar entre amigos
e rir por tudo e por nada.
É dessas pequenas coisas
que se alimenta a nossa
memória, são esses pequenos momentos gratuitos rodeados de gente boa
que nos dizem que tudo
está como devia estar.
Embora à primeira vista
as montanhas possam parecer extremamente íngremes e pouco atraentes
para alguns, a verdade é
que há trilhos para todos
os gostos e com diferentes níveis de dificuldade.
Alguns trilhos têm um
desnível bastante acentuado, outros nem tanto,
alguns são mais “secos”,
digamos assim, outros
acompanham linhas de
água, havendo possibilidade de dar uns mergu-
lhos gelados. Há,
ainda, trilhos com
muita vegetação e outros a descoberto. Os que
mais gosto são aqueles
mais sarapintados com
pequenas flores silvestres
e regados com belas cascatas frescas e cheias de
vida. Estes passeios são,
de facto, uma terapia
para o nosso espírito e estão abertos a qualquer
um que se queira deleitar
com estas pequenas maravilhas que nos fazem
ver que menos é mais,
muito mais. Na passada
semana, ao longo do nosso passeio de amigos, encontrámos inúmeros grupos com pessoas de diferentes idades e condição
física, com idosos e crianças pequenas inclusive.
E hoje não posso terminar sem dar um beijinho
muito especial a uma leitora assídua, a D. Lurdes,
que na semana passada
me deu um grande abraço e disse que adorava os
meus textos e os lia sempre. E porque neste texto
se fala também de amizade, hoje é um dia de
festa, uma festa que não
é minha, mas que será
vivida e festejada como
se fosse. Aos meus amigos Cristina e Rúben, as
maiores felicidades do
mundo. Uma semana
muito feliz a todos e não
se esqueçam de marcar
aquele passeio com os
amigos e com a natureza
como pano de fundo. a
saúde
Medicamentos e o Sol
Bruno Olim
Farmacêutico
[email protected]
M
edicamentos e
o SolMuitos
medicamentos que utilizamos habitualmente, sejam eles não sujeitos a
receita ou prescritos pelo
médico, encerram em si
o potencial de causar
reacções de fotossensibilidade, ou seja das molé-
culas reagirem com a radiação emitida pelo sol
causando problemas cutâneos de maior ou menor severidade.
Estas manifestações cutâneas podem ser divididas
em 2 grupos:
Fotoalergia, a qual resulta,
na maior parte das vezes,
por medicamentos aplicados topicamente na pele
(cremes, pomadas), podendo, no entanto, resultar da toma, via oral, rectal ou injectável de medicamentos. Resulta da alteração estrutural causada
pela radiação solar, a qual
origina uma resposta imunológica, com produção
de anticorpos.
A fototoxicidade, é a afecção mais comum, de elevada incidência, resulta
da toma oral, injectável
rectal ou tópica, e resulta
da agressão por libertação de energia da molécula, com danos possíveis a
curto e longo prazo, com
sintomatologia semelhante à de uma queimadura
solar, com vermelhidão,
inflamação e bolhas, a
qual se manifesta minutos a poucas horas após
exposição, e apenas na
área exposta ao sol.
Medicamentos mais comuns fotossensibilizantes:
Ansiolíticos (Alprazolam,
Clorodiazepóxido), anti-
bióticos (quinolonas – Ciprofloxacina, Levofloxacina, sulfonamidas-Cotrimoxazol, tetraciclinasMinociclina e Doxiciclina), antidepressivos (antidepressivos tricíclicos Amitriptilina), antifúngicos orais (Griseofulvina,
Terbinafina, Voriconazol),
antidiabéticos orais (sulfonilureias-Gliclazida),
antimaláricos (Cloroquina, Quinina), antipsicóticos (Fenotiazinas-Clorpromazina), medicamentos
quimioterapêuticos (Dacarbazina, Fluorouracilo,
Metotrexato, Vinblastina),
diuréticos (Furosemida,
tiazidas – Hidroclorotiazida, Indapamida), medica-
mentos orais para o acne
(Isotretinoína), medicamentos do foro cardíaco
(Amiodarona, Quinidina,
Enalapril, Diltiazem, Nifedipina), anti-inflamatórios (Piroxicam, Meloxicam, Cetoprofeno, Ibuprofeno, Naproxeno, Celecoxib), medicamentos
para o colesterol (Sinvastatina, Fluvastatina, Atorvastatina, Lovastatina,
Pravastatina, antihistaminicos (difenidramina),
etc…
Estas moléculas encerram em si o potencial fotossensibilizante, no entanto, nem todos os indivíduos experimentam
esta reação. a
a
SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 13
feliz com mais
O verão voltou… Ou como é bom
comer e beber com calor
SideDish Moustache
[email protected]
G
ostaria de dizer
que a crónica
desta edição foi
escrita debaixo
de uma palmeira, refastelado a apanhar sombra
(o meu verão favorito),
com o mar aos meus pés
e um mojito nas minhas
mãos, mas infelizmente
tal não é verdade. Como
poderá imaginar, caro
leitor, o verão já por cá
anda (apesar de não parecer) e para assinalar
tal feito dedicaremos
este espaço às maravilhas da estação que invoca pele à mostra, torcicolos, problemas conjugais,
churrascos, geladinhas
(gelados e cervejas, óbvio), saladas, sangrias,
cocktails e acima de tudo
sol e calor.
Com o calor a apertar é
habitual ocorrer uma diminuição na vontade de
comer, pelo menos deste
vosso amigo. O recurso a
algo leve é a alternativa
aos pratos pesados - sim,
quase que fico vegetariano, atenção, o quase é a
palavra-chave nesta frase
– optando por saladas
que contenham os legumes de época, alfaces, tomates, beterrabas, cenouras, pepinos, curgetes, pimentos, rúculas,
etc. Claro que um bife de
frango grelhado fica bem
para acompanhar, assim
como uma lata de atum,
nada diz verão como
uma lata de atum. Por falar em enlatados, fica a
dica, há muitos enlatados, experimente até encontrar o que prefere e
não fique simplesmente
pelo habitual, irá, de certeza, surpreender-se.
Verão é também sinónimo de praia, e a tendência de levar uma fruta de
modo a satisfazer o apetite que nos assola, ao
mesmo tempo que o sol
nos assa, é grande. Claro
que se pudéssemos escolher, provavelmente, preferíamos comer algo
mais consistente que fruta, mas o mito da paragem de digestão faz com
que o “algo leve”, entre
mergulhos e banhos tórridos de sol, seja sinónimo da maçã que caiu na
cabeça de Newton - não é
por acaso que a lei da
gravidade foi dada a co-
nhecer em julho de 1687,
claro que história da
maçã é mito, mas o resto
é uma coincidência engraçada. Para quem quiser dispensar a maçã,
com medo que esta caia
na cabeça, tem sempre
como companheiras de
banho ameixas, alperces,
figos, pêssegos, claro que
a melancia é hipótese assim como cerejas e amoras, contudo, sejamos
sinceros, não serão dos
mais práticos.
Porém, apesar de a crónica estar a ser envolta no
lado “light” da questão,
temos sempre, para os
amantes da carne, o
grande churrasco. Nada
diz verão como um churrasco rodeado de amigos
e cerveja pela noite dentro. Começar ao final do
Nada diz verão
como um
churrasco rodeado
de amigos
e cerveja pela
noite dentro.
Começar ao final
do dia, ao lusco
fusco, na hora
dourada da fotografia...
dia, ao lusco fusco, na
hora dourada da fotografia, fazer o braseiro
acompanhado de um
mojito, caipirinha, margarita ou cuba livre, mudando, à medida que a
carne começa a assar e a
rodar sobre o espeto,
para a cerveja ou sangria… A salada, já feita, a
fazer par com a magnífica carne, suculenta como
deve ser, com a gordura
derretida a escorrer pelo
espeto ou pela grelha,
um pedaço de pão para
absorver o precioso néctar dos deuses.
Depois, já de barriga
cheia, o regresso aos mojitos, para acompanhar a
salada de fruta, sobre o
céu estrelado dos meses
veraneantes, sabendo
que no próximo dia a ressaca valerá a pena.. a
a
14 | açúcar | SÁB 9 JUL 2016
mais açúcar
Tarte de tangerina
ingredientes
ingredientes
Creme de tangerina:
3 ovos
150g de sumo de tangerina
150g de açúcar
1 folha de gelatina
180g de manteiga
Sablée:
modo de preparação
Joana Gonçalves
Chef Pasteleira - Eleven, Lisboa
[email protected]
Levar os ovos, sumo de tangerina e açúcar ao lume mexendo
sempre até engrossar. Retirar do
lume e adicionar a gelatina hidratada. Deixar arrefecer ligeiramente e juntar a manteiga. Colocar num saco de pasteleiro e refrigerar durante a noite. a
250g de farinha
125g de manteiga
125g de açúcar
1 vagem
de baunilha
1 ovo
modo de preparação
Amassar todos os ingredientes. Formar uma
bola, envolver em película aderente e refrigerar
durante 2 horas ou durante a noite. Estender a
massa com cerca de
2mm de espessura. Cortar rectângulos de massa
e enrolar em tubos metálicos, (moldes de
canoli)untados com gordura. Levar a forno préaquecido a 180º durante
cerca de 15 minutos. a
Banoffee
ingredientes
Crumble:
50g de manteiga 50g de farinha
50g de açúcar Fudge:
100g de manteiga
100g de açúcar mascavado 370g de leite
condensado (1 lata) 20cl de natas batidas
4 bananas
raspas de chocolate modo de preparação
Para o crumble, amassar
todos os ingredientes
com a ponta dos dedos
até formar uma areia
grossa. Colocar sobre um
tabuleiro forrado a papel
vegetal. Levar a forno préaquecido a 180º durante
cerca de 15 minutos.
Para o fudge, levar o açúcar ao lume com a manteiga. Juntar o leite condensado e mexer sempre
É uma CASA ITALIAna pois com certeza!
N
O Funchal está
bem servido de
restaurantes italianos, aliás, não
há lugar algum no mundo
em que estes não sejam os
reis no reino da restauração étnica. Penso mesmo
que a maior exportação italiana é o seu conceito de
restauração e as famosas
pizzas. Apesar dos muitos
restaurantes italianos existentes há um em particular
que automaticamente me
vem à cabeça quando penso em pizzas e pastas. A
Casa Italia. Se me pergunta-
rem qual a razão da minha
preferência não tenho
como fugir de lugares comuns como a qualidade
das pizzas, sim elas querem-se bem fininhas e não,
não é preciso colocarem
tudo o que têm no stock
em cima da pizza para esta
ser ou parecer melhor. A
qualidade da base, a cozedura e, finalmente, a proporcionalidade dos ingredientes que compõe as pizzas são a chave de uma boa
pizza, e a Casa Italia temna. Para além da variedade
das pizzas constantes na
carta, esta casa oferece
sempre uma pizza do dia e
fazem-na, também, em formato de meia pizza com salada. Esta é uma opção,
para mim que sou purista
algo exótica, mas reconheço que para quem pretender enganar a consciência
que não consumiu integralmente não sei quantas calorias com uma pizza inteira
se satisfaça com meia pizza
e a outra meia de… salada.
Ai povo enganado. Para
além das pizzas, fininhas,
bem cozidas e com ingredientes em proporções
até engrossar ligeiramente.
Colocar o fudge em taças,
colocar a banana em rodelas. Cobrir com as natas batidas e finalizar
com o crumble e as raspas de chocolate. a
António Janela
equilibradas não posso deixar de destacar a qualidade
das massas, ao que me dizem feitas na casa, em que
destaco o penne amatriciana, optimo molho de tomate na sua base e massa verdadeiramente al dente. A
juntar a isto tudo, o que já
não é pouco, este restaurante tem uma equipa simpatiquíssima e eficiente a
que se junta uma política
de preços verdadeiramente
popular, daí o sucesso que
tem junto de famílias inteiras que se vê miúde a encherem esta casa, sobretu-
do nos Sábados ao almoço.
Não tenho dúvidas que o
facto de estar sempre cheio
de madeirenses e turistas
não é alheio o conjunto de
qualidades que reconheço a
este sítio. Cá está mais um
restaurante que por ser
bom tem clientes de cá e de
fora ou não ficasse situado
na zona turística, na Rua do
Gorgulho, na descida para o
Lido, à direita. a
a
SÁB 9 JUL 2016 | açúcar | 15
boca doce
1
Três características da sua
personalidade que melhor
a definem?
Positivas, humildade, alegria e criatividade. Negativas, humm… Sou teimosa,
mas não me custa voltar
atrás se achar que errei.
2
A crítica mais construtiva
que já lhe fizeram? E a mais
injusta ou absurda?
Para mim as críticas são
sempre uma oportunidade
para fazer melhor. Ouço-as
todas e procuro fazer melhor a cada desafio. Sou
muito exigente comigo e
faço muitas atividades com
grande exposição (aulas,
teatro, radio), pelo que estou habituada a lidar com
as opiniões dos outros.
Quando uma crítica é injusta, analiso-a e se não encontrar nada de construtivo, registo e sigo em frente.
3
A decisão mais importante
que teve de tomar?
As que mais me marcaram
prendem-se com abandonar projetos, pessoas ou situações em áreas que me
realizam. Se estou numa situação que me causa insatisfação prefiro retirar-me e
aguardar que portas mais
realizadoras se abram, tanto a nível pessoal como profissional.
4
A sua dúvida mais
persistente?
Durante muito tempo prendiam-se com o “sentido da
vida”, o que move as
pessoas, o que as faz serem
capazes do melhor e do
pior. Hoje entendo que a humanidade tem a cada geração os seus desafios, a ver
vamos o que fazemos do
nosso tempo.
Celina Pereira
5
Atriz e professora
Que opinião tem dos
madeirenses que
escondem o sotaque?
As pessoas devem procurar ser elas próprias. As
exigências profissionais,
por exemplo na rádio e no
teatro, podem exigir um
maior trabalho da voz e
não há mal nenhum nisso. Não creio que seja o sotaque o que define uma
pessoa.
Um arrependimento?
Se voltasse atrás, com a
maturidade que hoje tenho,
evitava algumas situações,
mas não me arrependo de
nada. Tudo o que vivi serviu para ser o que sou hoje
e estou satisfeita comigo.
14
6
Um ato de coragem?
Ser um professor sério e
responsável hoje em dia é
um grande ato de coragem, procuro fazer o meu
melhor. Abraçar a poesia e
o teatro e acreditar que
com elas posso ajudar a
construir uma sociedade
melhor.
7
Uma atitude imperdoável?
Não me lembro de nenhuma. Gosto mais do perdão,
leva-me sempre ao
caminho certo. Gosto muito de analisar as situações
e agir de modo a que me
sinta bem, mesmo que tenha de tomar decisões difíceis. Perdoar é diferente de
aceitar.
8
A companhia ideal para
uma conversa metafísica?
Tantas. Adoro literatura,
teatro, dança, pintura, escultura, tudo me conduz
ao conhecimento da essência das coisas. Existem
inúmeras pessoas com
quem teria o maior gosto
de conversar sobre a metafisica da vida.
13
9
Qual é a sua maior
extravagância?
As mais marcantes: viajar
e gerir as finanças para
poder ver espetáculos, em
especial de teatro e dança.
10
Quem são os seus heróis
na vida real?
Todos os que procuram fazer uma sociedade melhor,
mais justa e mais instruída. Tenho heróis familiares, amigos, professores,
atores, encenadores, escritores, músicos…
11
Uma doce memória
da infância?
Subir às cerejeiras, no Jardim da Serra, para comer
cerejas com pão.
12
O que distingue um madeirense de um continental
(além do sotaque)?
Nada. Há madeirenses
com maior e menor abertura social e cultural e no
continente passa-se o mesmo. Creio que num sítio e
noutro há uma elite cultural que vai em busca e uma
grande fatia da população
que não se formou o suficiente para estar motivada
para a fruição das diversas
artes.
Que expressões
madeirenses usa com
mais frequência?
Não tenho grande sotaque. Só me apercebo das
expressões madeirenses
que utilizo quando estou
com amigos do continente
e brincam comigo. Mas
claro que é frequente usar
termos como “bilhardice”
e muitas vezes “pareço um
bicho de pêssego”.
15
A quem gostaria de pagar
uma poncha?
Para já ao Fernando Heitor que foi o encenador da
peça de teatro Youkaliuma ilha, a peça comemorativa dos 40 anos do TEF.
16
5 Segredos da Ilha…
Local: Mudas- Museu de
Arte Contemporânea
Hotel: Hotel Quinta da
Serra – Jardim da Serra
Restaurante: Estalagem
da Ponta do Sol
Atividade ao ar livre: Para
fruir a natureza as levadas e o exercício físico a
promenade entre o Lido e
a praia Formosa.
Loja: Livraria Esperança.

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