Neurosim - Ibercivis

Transcrição

Neurosim - Ibercivis
Boletim mensal Ibercivis
Maio 2011
Biografia
Neurosim
Uma imersão na
estrutura
molecular da
memoria
Javier Martínez
de Salazar
Entrevista
Em que consiste o projecto Neurosim?
O projecto Neurosim pretende avançar na área do conhecimento dos
mecanismos de acção dos neuropéptidos: cadeias de dois ou mais
aminoácidos que se diferenciam de outras proteínas pelo seu
comprimento e por se formarem no cérebro. Os neuropéptidos são, em
grande parte, responsáveis pela transmissão sináptica e são, portanto,
elementos chave nos processos bioquímicos que medeiam o
comportamento dos seres vivos mais evoluídos, incluindo o
comportamento humano.
Nasceu a 12 de Janeiro
de 1952 em Cádiz. É
doutorado em Ciências
Físicas pela Universidade
Autónoma de Madrid, e
actualmente é Professor
de Investigação no
Instituto de Estrutura da
Matéria do CSIC.
O número de proteínas para as quais se conhece a sequência de
aminoácidos é muito elevado. No entanto, ainda só foi possível
determinar a estrutura tridimensional ou terciária - responsável última da
sua função biológica - de uma pequena percentagem das mesmas. O
primeiro passo para alcançá-lo é identificar os estados tridimensionais
estáveis e capazes de formar proteínas a partir dos aminoácidos.
A ideia de partir de estruturas simples, como a do
aminoácido Alanina, até estrutura mais complexas
foi proposta por Javier Ramos, um dos
investigadores que melhor domina a arte da
simulação hierárquica. Na realidade, trata-se de
obter parâmetros à escala atomística e ir
aumentado progressivamente a complexidade do
sistema mantendo a capacidade de cálculo através
de uma técnica conhecida como “coarse grain”. O
passar de uma escala para a outra requer um
domínio bastante sofisticado dos algoritmos de
cálculo, mas por outro lado possibilita a
computação de um número crescente de átomos.
> Estabilidade relativa das conformações do dipéptido
da Alanina calculadas usando a plataforma Ibercivis.
A conformação Y é a nova conformação identificada
para o dipéptido Alanina, graças ao uso da Ibercivis.
Neurosim
- Neurosim
- Neurosim
- Neurosim
- Neurosim
- Neurosim
Entrevista
> Os neurónios libertam os neurotransmissores
que interagem selectivamente com receptores
proteicos. Tanto a libertação como a interacção
neuropéptido/receptor são responsáveis pela
regulação de diversos processos fisiológicos.
Figura adaptada de CNS & Neurological Disorders Drug Targets, 2006, 5, 135-145.
extraímos
informação
acerca
das
estruturas
moleculares mais estáveis dos péptidos - a menor
energia para manter a estrutura, maior estabilidade -,
e de como se desencadeiam as transições entre elas.
Que aplicações pode ter?
Pode ajudar na procura de novos fármacos
contra o Alzheimer?
Existem proteínas muito difíceis de analisar com as
técnicas actuais, como a cápside dos vírus, as
proteínas amilóides ou os neuropéptidos. Conhecer
os possíveis estados dos aminoácidos que as
compõem poderá ajudar-nos a compreender melhor
as suas estruturas terciárias, algo necessário se
pretendermos desenhar fármacos alvo que actuem
apenas sobre determinadas estruturas moleculares
potenciando ou mitigando a sua actividade.
Em que consiste o trabalho que recebem os
computadores ligados à Ibercivis?
Para determinar a estabilidade dos possíveis estados
que um aminoácido pode ter é necessário simulá-los
em meio aquoso, semelhante ao do corpo humano.
Cada computador ligado à Ibercivis fica encarregue
de realizar uma simulação de dinâmica molecular com
uma duração de alguns nanosegundos de um sistema
que consiste numa caixa tridimensional onde se
encontra uma determinada configuração molecular do
péptido rodeado por centenas de moléculas de água.
Quando os dados retornam dos
computadores do cidadãos para o projecto, o
que fazes com eles? São complementados
com algum tipo de trabalho experimental?
A enorme quantidade de dados procedentes dos
computadores dos voluntários é tratada através de
métodos estatísticos que os refinam e dos quais
Quanto tempo estimas que demoraria num
computador pessoal a realizar os cálculos
que já fizeste até agora?
Até à data foram realizadas cerca de 25.000
simulações com aproximadamente um dia de duração
cada uma, o que totalizaria 25.000 dias de cálculo, ou
seja 68 anos e meio de computação ininterrupta num
computador pessoal.
Como conheceste a Ibercivis?
O nosso grupo de investigação sempre esteve muito
interessado na tecnologia de computação distribuída,
uma vez que esta permite dividir uma grande tarefa
científica em múltiplas pequenas tarefas que podem
ser resolvidas em computadores mais pequenos. O
“alma mater” da nossa ligação à Ibercivis foi Victor
Cruz, cujos profundos conhecimentos em sistemas de
computação Grid serviram para convencer o resto do
grupo das vantagens do projecto.
O que é o melhor da Ibercivis?
O apoio técnico prestado tanto pelo pessoal
especializado do CSIC como da organização central
da plataforma na Universidade de Saragoça. Sem
eles, não teria sido possível avançar com todo o
processo de coordenação de tarefas e adaptação do
problema em torno de uma forma de computação tão
peculiar. De igual forma, é fantástico que os cidadãos
possam participar num projecto de investigação que
possa ajudar a fomentar o conhecimento e
desenvolvimento da Ciência. Isto permite uma
aproximação real do muitas vezes afastado mundo da
Ciência à sociedade. Parece-nos muito importante a
divulgação do conhecimento científico à sociedade,
que é quem nos apoia, e neste sentido a plataforma
Boletim mensal Ibercivis
Maio 2011
Entrevista
Ibercivis é única.
E do que menos gostas?
No início do projecto, em algumas ocasiões observavase uma certa instabilidade e falta de homogeneidade
na resposta. Alguns cálculos demoravam em continuar
a sua progressão ao não receber um resposta
adequada do computador voluntário. Este problema
de carácter pontual foi já resolvido recorrendo a
diversas tácticas.
Como surgir o teu interesse por esta área
científica? Como descreverias a tua carreira
científica?
O meu interesse pelos processos biofísicos remonta
ao início da minha carreira nos finais dos anos 70. De
facto, os meus primeiros anos de investigação foram
dedicados a estudar, através de difracção de raios X,
a estrutura das distorções das capas lipídicas que se
formam na presença de proteínas na membrana.
Infelizmente, o meu entusiasmo juvenil não foi capaz
de vencer as circunstâncias envolventes e o meu
trabalho derivou para as macromoléculas sintéticas. A
minha longa estadia em Bristol, no H.H. Wills Physics
Lab, que na altura estava na vanguarda dos
processos de cristalização de macromoléculas,
forneceu-me conhecimentos sólidos que se foram
desenvolvendo até aos inícios dos anos 90. É de
referir que o meu trabalho sempre esteve ligado à
transferência de conhecimentos. Os referenciais
tecnológicos que as grandes empresas proporcionam
são, no meu entender, um elemento chave na
condução de uma carreira de investigação, pelo
menos na área em que a desenvolvi. Fruto desta
convicção foi a colaboração com a Repsol através do
projecto GIDEM, que envolvia, no seu conjunto, uma
notável produção científica, uma equipa adequada de
investigadores e tecnólogos e uma transferência real
de conhecimentos; tudo isto, sem menosprezar as
receitas substanciais que reverteram para a
contabilidade do CSIC. Por estas razões podemos
sempre contar com o apoio da Presidência. No
entanto, o projecto não encaixava bem na dinâmica do
Centro de Físicas Miguel A. Catalán e em 2003, seis
anos depois do seu início, tivemos que abandonar o
projecto. No entanto, restou o núcleo do grupo
GIDEM, que foi capaz de se reunir e integrar no
Instituto de Estrutura da Matéria um conjunto de
investigadores extraordinariamente motivados e
capacitados para os trabalhos de investigação.
Precisamente deste grupo surgiu o actual BIOPHYM,
centrado na biofísica de sistemas macromoleculares,
no qual a sinergia dos diferentes membros da equipa
se expressa em toda a sua potência. Rafa, Victor,
Javi, Juanfran, Sonia, Teresa, Felipe, Sara, Yudith,
Grisel: todos somos necessários neste grupo.
Que dirias aos estudantes que pretendem
seguir uma carreira científica?
Que procurem bem o grupo em que vão iniciar a sua
carreira e que persigam os seus objectivos ao
máximo. As oportunidades só chegam quando se
persevera numa actividade e nos preparamos para
elas. Que acreditem em si mesmos e que confiem nos
outros. Ah, e muito importante, que se afastem
daqueles que lhes querem construir muros às suas
aspirações.
Que dirias aos voluntários da Ibercivis?
.Que mantenham o seu apoio. É uma forma
importante de colaborar com as acções de
investigação que perseguem objectivos claramente
sociais.
> Fotos recentes do grupo BIOPHYM, autor dos trabalhos, à direita celebrando a aceitação do último
trabalho. Da esquerda para a direita: Javi, Sonia, Grisel, Yudith, Javier, Juanfran, Victor e Teresa (foto
à direita). Na foto da esquerda aparecem também Rafa, Felipe e Sara.
Neurosim
- Neurosim
- Neurosim
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Em profundidade
As proteínas são fundamentais para os seres vivos.
Praticamente todos os processos biológicos dependem
da presença ou actividade deste tipo de moléculas, cuja
função num organismo é determinada pela sua
estrutura molecular. As proteínas são constituídas por
aminoácidos, que são moléculas compostas por poucos
átomos. Nas proteínas, os aminoácidos encadeiam uns
atrás dos outros segundo uma determinada sequência
que está codificada nos genes. Esta sequência é
composta por um número variável de aminoácidos
(desde umas centenas até várias dezenas de milhares)
e recebe o nome de estrutura primária da proteína.
> Os aminoácidos são as
moléculas fundamentais
com as quais são
construídas as proteínas.
Na fotografia, Linus
Pauling prémio Nobel da
Química em 1954 pelo
seu modelo de a-hélice
fundamental na função
que desenvolvem as
proteínas. Também se
pode ver uma estrutura
que se assemelha a como
as proteínas formam
hélices.
Esta sequência de aminoácidos dobra-se de uma
determinada maneira e forma a estrutura tridimensional
(3D) da proteína. Na estrutura 3D podem reconhecer-se
algumas subestruturas ou motivos mais comuns nas
proteínas - α hélices, cadeias β, voltas, etc - constituídos
por um número pequeno de aminoácidos. Este conjunto
de motivos constitui a denominada estrutura secundária
da proteína.
As diferentes estruturas enrolam-se entre si e formam a
estrutura terciária da proteína, responsável última pela
sua função biológica. O número de proteína cuja
> Dipéptido de
alanina e
definição dos
ângulos que
determinam a
sua conformação.
sequência de aminoácidos se conhece é muito
elevado (alcança os vários milhões). No entanto, com
os métodos experimentais existente hoje em dia
(difracção de raios X, ressonância magnética nuclear,
microscopia electrónica, etc.) foi apenas possível
determinar a estrutura terciária de uma pequena
percentagem dessas proteínas. Dado que a natureza
dos aminoácidos que compõem uma proteína e a sua
sequência predeterminam a estrutura final da
proteína, um dos objectivos mais importantes da
Ciência moderna é conseguir prever a estrutura 3D
de uma proteína a partir da sequência de
aminoácidos.
Para fazer luz sobre o processo de construção das
proteínas, investigadores do Instituto de Estrutura da
Matéria do CSIC analisam as propriedades estruturais
dos aminoácidos e de pequenos péptidos
(sequências de umas dezenas de aminoácidos)
conhecidos como neuropéptidos. Estes actuam no
cérebro e no Sistema Nervoso e intervêm nos
mecanismos nervosos da aprendizagem e da
memória. De acordo com a disposição dos átomos,
existem muitas estruturas (ou conformações)
possíveis para cada aminoácido. A conformação mais
provável de um aminoácido é aquela na qual a
energia associada à união dos átomos é menor. O
método utilizado para calcular a energia de cada
conformação consiste em simular o movimento da
molécula do aminoácido em meio aquoso.
A informação obtida a partir das simulações permite
criar a denominada paisagem energética da estrutura
de cada aminoácido, o que é de indubitável interessa
na hora de dar o passo seguinte: reconstruir a
estrutura de polipéptidos e proteínas.
> a) Neuropéptido pancreático (PP): regula as secreções do pâncreas; b) Neuropéptido Y (NPY): relacionado com a memória, a
aprendizagem e a epilepsia. Ambos contêm 36 aminoácidos e
pertencem à família de neuropéptidos Y. No entanto apresentam
diferentes afinidades pelas diferentes classes de receptores
neuropeptídicos Y presentes nas membranas sinápticas. Isto devese à diferente estabilidade das conformações que podem adoptar,
tal como se observar na figura. Os aminoácidos de Alanina estão
representados como bolas de Van der Waals.