Artigos de Reviso para Abril 2006, Neuroatual

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Artigos de Reviso para Abril 2006, Neuroatual
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NeuroAtual
Volume 3, número 3, 2007
NEUROLOGIA GERAL
Dr. Osvaldo M. Takayanagui
“Ice-on-eyes”, a simple test for myasthenia gravis presenting with ocular symptoms.
Reddy AR et al. Pract Neurol, 7: 109, 2007.
A queda palpebral e diplopia são sintomas freqüentes na miastenia gravis, ocorrendo em
50% a 70% dos casos e as queixas podem permanecer puramente oculares em 20% dos
pacientes.
Os autores apresentam um teste simples – “ice-on-eyes” – que pode ser utilizado nos
pacientes com ptose por possível miastenia gravis. A simplicidade do teste permite que
seja empregado no serviço de atendimento primário. Diferentemente do teste do tensilon
não há qualquer risco e, ao contrário do pesquisa de anticorpos contra o receptor da
antiacetilcolina, o resultado é imediato.
O teste consiste na colocação de gelo (entre 0 e 4º C, inserido numa luva de
procedimentos) sobre as pálpebras fechadas por 2 minutos. O resultado é considerado
positivo para o diagnóstico de miastenia se a abertura palpebral for maior que 2mm., isto é,
melhora da ptose em mais de 2 mm. Recomenda-se a tomada de fotos antes e após o teste
para uma mensuração mais precisa.
A utilidade deste teste no diagnóstico de miastenia gravis ocular se deve à sensibilidade de
90-95% e especificidade de 100%. A tabela a seguir mostra os níveis de sensibilidade e de
especificidade e as desvantagens dos testes comumente utilizados no diagnóstico de
miastenia com sintomas oculares.
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Sensibilidade (%)
Especificidade
Desvantagens
(%)
Teste do tensilon
EMG de fibra única
80-90
80-90
100
86
Monitorização cardíaca obrigatória
Requer
equipamento
e
pessoal
especializados
Anticorpos AchR
55
100
Alta taxa de resultados falso negativos
na miastenia ocular
Teste do repouso
“Ice-on-eyes”
50
100
Alta taxa de resultados falso negativos
90-95
100
Pode ser menos sensível na ptose
completa
As vantagens do teste são, além dos níveis elevados de sensibilidade e de especificidade, a
natureza não invasiva, rapidez, segurança, facilidade na execução, conforto ao paciente e
dispensa de equipamentos sofisticados e de profissionais especializados.
Levando em consideração essa vantagens, os autores consideram este teste como o de
escolha no diagnóstico de miastenia gravis com sintomas oculares.
Surgery versus prolonged conservative treatment for sciatica. Peul WC et al. N Engl J
Med, 356: 2245, 2007.
A ciática é caracterizada por dor irradiada numa área do membro inferior inervada por uma
raiz da coluna lombar ou sacral; por vezes, é associada a déficits sensitivos e motores. A
incidência anual nos países ocidentais é estimada em 5 casos/1.000 adultos. A história
natural da ciática é favorável, com resolução da dor irradiada dentro de 8 semanas na
maioria dos pacientes. O consenso internacional é de que a cirurgia deva ser indicada
apenas na persistência dos sintomas após um período de tratamento clínico. Não há,
contudo, consenso por quanto tempo o tratamento conservador deva ser tentado antes da
intervenção cirúrgica.
Os autores conduziram um estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado, incluindo
pacientes com quadro de ciática há 6 a 12 semanas para determinar se a estratégia de
cirurgia precoce propiciaria melhor desfecho durante o primeiro ano em relação à conduta
conservadora, e com seguimento adicional de 6 meses após a intervenção cirúrgica
daqueles que não haviam apresentado melhora. Os critérios de seleção foram: indivíduos
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entre 18 e 65 anos, confirmação radiológica de hérnia de disco e diagnóstico de síndrome
radicular lombosacra incapacitante por 6 a 12 semanas. Os critérios de exclusão foram:
síndrome da cauda eqüina, paralisia ou força muscular insuficiente para vencer a
gravidade, espondilolistese, estenose de canal, cirurgia prévia da coluna e gravidez. Uma
hora antes da randomização os pacientes foram reavaliados e aqueles que tinham
apresentado melhora dos sintomas foram também excluídos.
Os pacientes foram avaliados por meio do Questionário de Incapacidade de Roland para
Ciática, uma escala analisando incapacidade funcional, dor no membro inferior e
percepção da recuperação global, nos momentos 2, 4, 8, 12, 26, 38 e 52 semanas.
Foram incluídos 283 pacientes, sendo 141 submetidos a cirurgia precoce e 142 ao
tratamento clínico. Do último grupo, 55 (39%) tiveram que ser operados durante o primeiro
ano, após uma mediana de 14,6 semanas, pela persistência de dor acentuada. Dos que
foram submetidos a cirurgia precoce, 3,2% tiveram que ser re-operados pela recorrência de
ciática. As complicações ocorreram em 1,6% de todos os casos operados.
Após a intervenção cirúrgica precoce, o quadro de dor lombar e de irradiação diminuiu
rapidamente, enquanto os pacientes tratados clinicamente apresentaram melhora mais lenta
da dor. Entretanto, a avaliação após um ano mostrou resultados positivos praticamente
idênticos nos dois grupos.
Concluem os autores que embora o alívio dos sintomas tenha sido duas vezes mais rápido
nos pacientes submetidos à cirurgia precoce, os dois tipos de tratamento apresentaram
resultados semelhantes ao final de um ano de seguimento.
Why old people fall (and how to stop them). Voermans NC et al. Pract Neurol, 7: 158,
2007.
As quedas representam um problema frequente e perigoso nas pessoas idosas. São
consideradas como sendo intratáveis, mas isto configura uma perspectiva excessivamente
pessimista. Com o incremento da expectativa de vida, nós seremos confrontados cada vez
mais com esses eventos nas próximas décadas. Esta revisão aponta o significado clínico
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das quedas nos idosos e procura delinear as estratégias de conduta. Os elementos cardeais
dessas estratégias são: avaliar se o paciente realmente cai; classificar a natureza das
quedas; identificar as causas e os fatores associados às quedas; individualizar o tratamento
de acordo com os fatores identificados e preveni-las.
Por que as quedas são importantes?
As quedas nos idosos representam um sério problema de saúde, pelo profundo prejuízo da
qualidade de vida das vítimas, assim como do sistema público de saúde por causa da
enorme repercussão econômica associada às quedas e aos traumas a elas associados. O
risco de queda aumenta com a idade: cerca de 1/3 dos indivíduos acima de 65 anos
apresentam queda pelo menos uma vez ao ano e 50% deles episódios adicionais. Além da
idade, os maiores fatores de risco são quedas prévias, sexo feminino, doença neurológica
concomitante, residir em asilos, medo de quedas recorrentes e ingestão habitual de bebidas
alcoólicas. As quedas são importantes pois podem acarretar graves traumatismos e 25%
dos indivíduos que caem necessitam de atendimento médico. As fraturas de fêmur são
freqüentes, assim como as complicações advindas da imobilidade, incluindo osteoporose,
que por sua vez aumenta o risco de fraturas em quedas futuras, desidratação relacionada a
incapacidade de se levantar sozinho, escaras de decúbito, rabdomiólise, hipotermia e
pneumonia, todos potencialmente fatais. Como conseqüência natural, a qualidade de vida
dos idosos que caem é acentuadamente comprometida. As quedas recorrentes podem
reduzir a expectativa de vida, ou diretamente (p. ex. hematoma subdural após trauma
cranioencefálico) ou indiretamente por complicações da queda.
Aspectos clínicos da queda
Muitos médicos consideram a queda um fenômeno inerente ao processo do
envelhecimento. Entretanto, 20% dos indivíduos idosos apresentam uma marcha
absolutamente normal e não caem, indicando que os distúrbios do equilíbrio e da marcha
não são fenômenos inevitáveis na idade avançada. De fato, as quedas devem ser sempre
consideradas patológicas necessitando a identificação de alguma doença subjacente ou
fator de risco. Desta forma, a avaliação clínica é de fundamental importância, com
questionamento dos antecedentes pessoais, características ambientais da moradia, uso de
sedativos ou de medicamentos predisponentes.
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O exame físico deve incluir a avaliação cuidadosa do equilíbrio e da marcha,
preferencialmente empregando testes funcionais direcionados às atividades rotineiras. A
tabela a seguir aponta alguns dos itens importantes do exame físico.
Tabela – Itens importantes no exame físico de idosos com relato de quedas
Fatores de
Exame cardiovascular e das articulações
risco
Hipotensão ortostática
Cognição
Visão
Testes vestibulares
Força muscular
Sensibilidade profunda dos membros inferiores
Marcha e
Equilíbrio estático
equilíbrio
Teste de retropulsão
Habilidades funcionais: marcha, girar enquanto caminha, levantar-se da cadeira, descer da
cama, pegar objetos do chão, subir escadas, passar por passagens estreitas
Habilidades múltiplas: falar enquanto caminha, carregar um objeto, combinação de falar e
carregar um objeto
Testes quantificáveis: distância percorrida em 6 minutos, sentar e levantar, levantar da cama
e caminhar, equilíbrio numa perna
Além destas, os autores apresentam outras provas específicas, cujos detalhes são
disponíveis nas referências bibliográficas.
A Ressonância Magnética deve ser realizada nos casos de quedas cujas causas não foram
esclarecidas, principalmente para detecção de doenças tratáveis, como hidrocefalia. Outros
exames devem ser individualizados às suspeitas levantadas; na possibilidade da queda ter
sido precedida por perda transitória da consciência deve-se avaliar: eletrólitos, glicemia,
ECG com monitorização por 24 horas, EEG, massagem do seio carotídeo e tilt test.
Prevenção de quedas - fatores intrínsicos e extrínsicos
O próximo passo é a identificação de fatores intrínsicos (relacionados ao paciente) e/ou
extrínsicos (ambiente), facilitando a ocorrência de quedas para o planejamento da
prevenção.
Os fatores intrínsicos incluem: força muscular, função das articulações, cognição,
orientação visioespacial, visão, propriocepção, equilíbrio estático e dinâmico, marcha,
doenças subjacentes (p. ex. tonturas por labirintopatia, urgência miccional por infecção
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urinária, diabete mellitus que pode envolver vários fatores como polineuropatia,
retinopatia, hipoglicemia), medicação, consumo de álcool. Nesses casos, tentar adequar a
conduta como tratar a doença básica, limitar medicação, fisioterapia, terapia ocupacional,
etc.
Os fatores extrínsicos incluem: tipo de calçado, assoalho (carpete solto, pisos lisos e
escorregadios), iluminação, presença de animais de estimação (cão e gato), trânsito,
escadas.
A prevenção de quedas deve envolver uma ação multidisciplinar integrando médico
(neurologista ou geriatra), fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e enfermeira especializada.
Walking sticks and frames for patients with neurological disorders. Elmamoun M et
al. Pract Neurol 7: 24, 2007.
Nós começamos a engatinhar sobre 4 membros e, quando assumimos a postura ereta,
progredimos para apenas 2. Por vezes podemos usar 3 membros (adicionando uma bengala
aos nossos 2 membros) ou mesmo 6 (andador). Muitas condições neurológicas afetam a
mobilidade e o equilíbrio e o uso desses acessórios pode restabelecer a confiança dos
pacientes. Podem compensar paresias, aliviar dores, corrigir a postura e a marcha,
aumentar a distância percorrida e garantir maior segurança.
Bengalas
As bengalas têm sido utilizadas há séculos como armas e como sinal de status, assim como
um acessório para mobilidade. Em geral, devem ser consideradas para aqueles com
dificuldade na movimentação.
Acidente vascular cerebral (AVC)
A avaliação precoce após o AVC pelo fisioterapeuta é muito importante. Alguns pacientes
desenvolvem padrões anormais de marcha caso empregue métodos ou acessórios
inadequados. Uma bengala pode melhorar o equilíbrio estático, o equilíbrio e reduzir
desvios posturais. Num estudo de 30 pacientes com AVC e 20 controles, os pacientes
foram divididos em uso de nenhuma bengala, de bengala convencional e da bengala com 4
pontos (tetrápode) em seqüência aleatória. A bengala de 4 pontos foi considerada a melhor
na redução de distorções de postura; permitiu também que os pacientes transmitissem seu
peso, mais que no tipo convencional de bengala. Entretanto, a bengala de 4 pés não se
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mostrou mais vantajosa na melhora do equilíbrio dinâmico e foi considerada de uso mais
difícil nas escadas.
Esclerose múltipla
Em 15 anos de evolução, cerca de 50% dos pacientes com esclerose múltipla necessitam
assistência na marcha. Entretanto, poucos usam bengalas, que poderiam auxiliar aqueles
apresentando fraqueza ou ataxia.
Neuropatia periférica
A bengala, eventualmente associada a órteses, reduz o risco de queda nos pacientes com
neuropatia periférica.
Doença de Parkinson
A bengala é raramente utilizada por pacientes com doença de Parkinson, pois tendem a
reter a bengala no solo ao invés de usá-la, podendo até agravar a dificuldade na marcha.
Hidrocefalia de pressão normal
Posicionar uma bengala em frente do pé, num ângulo reto ao paciente, pode ser útil para
iniciar o andar e aumentar a distância da marcha em indivíduos com dificuldades em
desencadear o processo de caminhar (hidrocefalia de pressão normal, assim como na
doença de Parkinson). De fato, esta técnica simples é útil no diagnóstico de apraxia de
marcha que caracteriza hidrocefalia de pressão normal.
Comprometimento visual
Os idosos com perda visual tendem a usar bengalas mais que aqueles com visão normal. A
bengala branca é um sinal amplamente reconhecido de que o portador é cego; a adição de
faixas vermelhas informa que a pessoa é também surda.
Outras condições
A bengala é útil numa multiplicidade de condições neurológicas como na pólio, paraplegia,
estenose de canal medular, distrofia muscular, paralisia cerebral, doença do neurônio
motor, etc.
Como analisar a bengala
Empunhadura
A empunhadura tradicional, do tipo curvo, não segue o formato anatômico da mão. Sua
popularidade se deve ao aspecto tradicional (muitas bengalas são herdadas de gerações
passadas) e para ser pendurado no antebraço quando o indivíduo abre uma porta. A
empunhadura reta é a preferível, especialmente com o formato dos dedos.
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Corpo da bengala
Deve ser suficientemente resistente para apoiar o peso do paciente. Procure irregularidades
ao longo do eixo da madeira. A madeira é leve, mas seu comprimento é fixo; a bengala de
alumínio permite encurtar ou esticar.
A ponta
A ponta de borracha reduz o risco da bengala escorregar em superfícies lisas ou molhadas.
O melhor desenho da superfície da borracha é de curvas concêntricas.
O comprimento da bengala
O comprimento ideal de uma bengala é a distância entre a cintura e o chão, com o
indivíduo calçando sapatos normais e com cotovelo fletido a 15º.
Qual lado?
Muitas pessoas seguram a bengala na mão dominante ou homolateralmente ao lado
parético. Entretanto, a última situação acarreta um padrão anormal de marcha e é muito
melhor usar a bengala na mão oposta, permitindo o padrão recíproco da marcha em que o
braço direito balança para frente simultaneamente que a perna esquerda.
Uma ou duas bengalas?
A maioria das pessoas usa uma única bengala. Entretanto, o uso de duas pode ser
considerada quando houver fraqueza das pernas ou desvio lateral. Duas bengalas
aumentam a base de sustentação sendo útil, por exemplo, nos indivíduos passando
gradualmente de andador para bengala.
Andador
Os primeiros andadores foram modificações de cadeiras com braços. Posteriormente, o
assento foi removido e os braços serviram para apoiar o indivíduo e o acessório empurrado.
Com o tempo, a madeira que compunha o material foi substituída por aço e, finalmente,
por alumínio. Enquanto a bengala é usada por pacientes com comprometimento moderado,
o andador tende a ser usado por aqueles com equilíbrio deficiente ou fraqueza geral ou nos
membros inferiores. Pode ser usado por indivíduos de qualquer faixa etária, mas seu uso
aumenta com a idade. Um estudo longitudinal mostrou que a freqüência de idosos
utilizando andadores ou cadeiras de roda é de 20% aos 70 anos, 50% aos 76 anos, 74% aos
85 anos e 92% aos 90 anos.
Utilidade do andador
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O andador poupa esforços das pernas do usuário: permite transferir cerca de 64% do peso
para os braços (bengala poupa cerca de 25%). A redistribuição do peso das pernas para os
braços pode reduzir a dor dos membros inferiores. Além disso, melhora o desempenho da
marcha propiciando estabilidade e confiança ao usuário. Entretanto, o andador impõe um
padrão artificial do caminhar: “pára-anda-pára”. Em contraposição, o andador com rodas
possibilita um caminhar muito mais fluido (mas pode ser desastroso para pacientes com
marcha festinante). As desvantagens são: dificuldade de manobrar, inutilidade em subir
escadas e produção de um padrão lento e pouco natural da marcha.
Tipos de andador
4 extremidades sem rodas
Este andador, também denominado de Zimmer, é leve, feito de alumínio e rígido. É
utilizado mais comumente dentro de casa. Sua base bastante ampla garante estabilidade ao
paciente. Pode ser um auxílio transitório como passagem para o uso de bengalas ou de
caráter permanente em doenças neurológicas progressivas.
4 extremidades e 2 rodas
Um andador com 2 rodas é o acessório de escolha nos casos em que o equilíbrio é o
principal problema, pois fornece segurança na marcha em linha reta.
4 extremidades, 4 rodas
Este andador não precisa ser levantado do solo, propiciando um padrão de marcha mais
fluido e contínuo. Entretanto, é naturalmente menos estável que o andador convencional
sem rodas.
3 extremidades e 3 rodas
O andador triangular, denominado “Delta”, é caracterizado pela roda dianteira que gira e as
traseiras unidirecionais. É facilmente manobrável e pode ser rodado e, por isso, propicia
melhor desempenho na marcha que os demais andadores. Por outro lado, é menos estável.
É certamente o melhor tipo de andador para pacientes com parkinsonismo.
Quando indicar um andador
O andador pode ser útil para os pacientes com dificuldades no equilíbrio, em ficar de pé
(levantar-se da cadeira ou da cama) e na marcha. Sua maior vantagem é assegurar
estabilidade para o apoio e garantia de segurança. Em geral, os andadores não são
indicados para pacientes com doença de Parkinson, pois estes serão forçados a andar no
padrão “anda-pára-anda”, isto é, efetuar o que lhe é mais difícil (o início da marcha). Por
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outro lado, os que apresentam festinação podem achar que os andadores com rodas correm,
causando perda do controle. Assim, os andadores devem ser indicados para pessoas com
pouca mobilidade ou para aquelas com comprometimento visual ou para os indivíduos
idosos frágeis morando sozinhos.
Os neurologistas podem não ter tempo, interesse ou conhecimento para examinar a bengala
ou o andador que seu paciente está utilizando. Solicitar a orientação do fisioterapeuta é
sempre importante, mas, de qualquer modo, os profissionais devem ter alguns
conhecimentos básicos para poder verificar a adequação do acessório e de suas
características, como peso, altura, empunhadura, benefício funcional, etc.
Acute disseminated encephalomyelitis: an acute hit against the brain. Menge T et al.
Curr Opin Neurol, 20: 247, 2007.
Nesta revisão, os autores discutem possível etiologia, características clínicas, diagnóstico e
tratamento da encefalomielite disseminada aguda (ADEM). A ADEM é uma doença
desmielinizante autoimune para ou pós-infecciosa do SNC. É considerada moléstia
monofásica, com associação temporal entre o evento febril e o início do quadro
neurológico, cuja latência é de 7 a 14 dias. A maior incidência ocorre na infância, embora
possa afetar adultos.
O quadro inicial compreende sintomas inespecíficos como cefaléia, febre e letargia com
surgimento gradual de sinais neurológicos e comprometimento cognitivo. O LCR deve ser
realizado para exclusão de meningencefalite infecciosa aguda. Pelo fato da esclerose
múltipla ser o diagnóstico diferencial mais importante, muitos estudos têm procurado
identificar as manifestações neurológicas específicas da ADEM. Entretanto, nenhuma
característica clínica permite esta distinção. Alguns sintomas direcionam para ADEM pela
maior freqüência. A combinação de distúrbios da consciência ou do comportamento e
déficits neurológicos multifocais, especialmente em íntima relação a uma infecção deve
levantar a suspeita de ADEM. De forma similar, os exames complementares podem
contribuir nessa distinção, embora nenhum parâmetro isolado seja específico de ADEM. A
presença de Bandas Oligoclonais, característica da esclerose múltipla, varia na ADEM de
0% a 58%, com mediana de 12,5%. Esta anormalidade é de caráter apenas transitório,
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contrastando com a esclerose múltipla, o que sugere que o antígeno causador da doença é
expresso somente transitoriamente dentro e fora do SNC. A ressonância magnética é o
exame mais amplamente utilizado nessa distinção pela presença de processo
desmielinizante disseminado do SNC. A presença simultânea de lesões antigas e de
alterações que reforçam e de outras sem reforço de gadolinium reflete a ocorrência prévia
de atividade inflamatória e desmielinizante. A disseminação no tempo é forte indicativo de
esclerose múltipla. A ressonância de controle após um intervalo mínimo de 6 meses pode
ser também útil na diferenciação. Na ADEM as lesões devem ter desaparecido ou
permanecido inalteradas, mas o surgimento de novas lesões é altamente sugestivo de
esclerose múltipla. A tabela 1 sintetiza os critérios de distinção de ADEM de doenças
desmielinizantes do SNC, principalmente a esclerose múltipla.
Tabela 1- Achados preditivos de ADEM e doenças desmielinizantes recorrentes tais como
esclerose múltipla da infância
ADEM
Doenças desmielinizantes de repetição na infância
Idade
Criança (mediana 6,5 anos)
Adolescente (mediana 14,2 anos)
Quadro
Infecção/vacinação prévia
Monossintomático
clínico
Cefaléia, febre, letargia
- sinais piramidais
Encefalopatia (distúrbio da consciência ou
- neurite óptica
do comportamento) em combinação com
- envolvimento do tronco encefálico
quadro polissintomático (ataxia,
- mielite transversa
envolvimento do tronco encefálico, sinais
piramidais)
LCR
RM
Bandas oligoclonais em 12,5%
Síntese intratecal de IgG
Transitoriedade das bandas
Persistência de bandas oligoclonais
Lesão extensa
Lesões bem definidas
Lesões mal definidas e confluentes
Lesões perpendiculares ao corpo caloso
Lesões bilaterais de subst. cinzenta
Lesões periventriculares
profunda (p. ex. tálamo, núcleos da base)
Lesões prévias
Edema perilesional e efeito de massa
Ausência de atividade desmielinizante
prévia
RM
Persistência ou resolução das
controle
anormalidades; inexistência de novas
lesões
Disseminação no tempo e no espaço
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A tabela 2 apresenta o diagnóstico diferencial de ADEM.
Tabela 2- Diagnóstico diferencial de ADEM
Evento patogênico
Diagnóstico diferencial
Infecção
Meningencefalite viral, bacteriana ou parasitária
Encefalopatia pelo HIV
- encefalite subaguda pelo HIV
- leucoencefalopatia multifocal progressiva
Inflamação por autoimunidade
Esclerose múltipla
Neurosarcoidose
Doença de Behçet
Doença vascular
Síndrome do anticorpo fosfolípide
Angeíte primária do SNC
Vasculite secundária (p. ex. Lupus)
Efeito de massa
Neoplasia
Metástase
Encefalopatia genética
Encefalopatias mitocondriais
- MELAS
- Adrenoleucodistrofia
Tratamento e prognóstico
Pela inexistência de ensaios clínicos controlados, a corticoterapia endovenosa em altas
doses é amplamente aceita como tratamento de primeira escolha. O esquema inicial
consiste na administração de metilprednisolona endovenosa 3-5g, seguida de prednisolona
oral por 3-6 semanas. Outros tipos de tratamento têm também sido empregados:
plasmaferese, imunoglobulina endovenosa em altas doses, mitoxantrona e ciclofosfamida.
Estes devem ser considerados tratamentos alternativos para os casos refratários à
corticoterapia ou para aqueles com contra-indicação absoluta aos corticosteróides.
A recuperação completa ocorre em 50-75% dos casos e a freqüência de seqüelas menores
varia de 70-90%. A taxa de letalidade, contudo, pode atingir níveis elevados de até 5% dos
casos. O período de recuperação varia de 1 a 6 meses. O prognóstico desfavorável está
associado ao início abrupto, gravidade do quadro neurológico e refratariedade à
corticoterapia.
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Neurologic complications of gastric bypass surgery for morbid obesity. Juhasz-Ponsine
K et al. Neurology, 68: 1843, 2007.
A obesidade nos Estados Unidos da América atinge proporções pandêmicas com mais de
63 milhões de adultos obesos (índice de massa corpórea ≥ 30) e com 10,5 milhões
apresentando obesidade mórbida (índice de massa corpórea ≥ 40). O impacto dessa
situação na sociedade é enorme por causa da morbidade e mortalidade associadas, com
uma estimativa de gastos médicos de US$75 bilhões em 2003. O tratamento cirúrgico, ao
contrário do convencional, propicia resultados dramáticos e duradouros. Em 2003, foram
realizadas 103.000 cirurgias bariátricas naquele país. Este tipo de intervenção promove
inegavelmente uma perda de peso considerável e persistente, por causa da ingestão
limitada de alimentos combinada com quadro de má-absorção intestinal. Dos vários tipos
de cirurgia, o bypass gastrojejunal com restrição gástrica é o procedimento mais
freqüentemente realizado. Entretanto, esta cirurgia não é isenta de complicações e,
excetuando às relacionadas ao procedimento, as neurológicas são consideráveis,
freqüentemente limitantes e irreversíveis. Um estudo constatou complicações neurológicas
em 5% dos casos. Um estudo retrospectivo mais recente sobre neuropatia periférica após
cirurgia bariátrica evidenciou uma prevalência de 16%, embora os autores tivessem
incluído mononeuropatias menores tais como meralgia parestésica e síndrome do túnel do
carpo.
Os autores do presente trabalho descrevem 26 pacientes do Departamento de
Neurologia da Universidade de Arkansas que apresentaram condições neurológicas
incapacitantes atribuídas à cirurgia bariátrica. A prevalência de complicações neurológicas
não pôde ser obtida pelo desconhecimento do número total de cirurgias bariátricas
realizadas. A casuística foi constituída por 3 homens e 23 mulheres, com idade média de
42,2 anos e com perda média de 61,1 kg. O intervalo entre a cirurgia e o início dos
sintomas neurológicos variou de 4 semanas a 18 anos (média 6,6 anos).
As complicações neurológicas, baseadas nos quadros mais incapacitantes,
abrangeram diversas regiões do sistema nervoso, desde o córtex cerebral até os nervos
periféricos. Os autores agruparam em 5 categorias diagnósticas de acordo com a
localização
anatômica:
encefalopatia,
polirradiculoneuropatia e polineuropatia.
neuropatia
óptica,
mielopatia,
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A encefalopatia com polirradiculoneuropatia aguda correu em duas mulheres, 4 semanas
após a cirurgia, com vômitos e perda acentuada do peso. Elas estavam confusas, ansiosas,
não cooperativas e com incontinência urinária; tinham também mialgia dolorosa grave,
fraqueza das extremidades inferiores de predomínio proximal. Ambas apresentavam
hiporreflexia nos membros superiores e arreflexia nos inferiores, diminuição das
sensibilidades vibratória, proprioceptiva e dolorosa nos membros inferiores. Não
conseguiam caminhar por paresia, ataxia sensitiva e dor. Nenhuma delas apresentava
anormalidades específicas nos exames laboratoriais ou na neuroimagem. Com o tratamento
instituído, compreendendo aumento da ingestão calórica e suplementação de tiamina,
houve melhora gradual da condição mental, mas a ataxia persistiu no seguimento de 2 e 12
meses.
A neuropatia óptica unilateral ocorreu agudamente 1,5 e 3 anos após a cirurgia bariátrica
em duas mulheres, de 48 e 25 anos de idade, não fumantes. A única anormalidade
laboratorial era deficiência de vitamina B12 em ambas. Uma delas melhorou com a
suplementação parenteral da vitamina; a outra, tratada com metilprednisolona 1g/dia, pela
suspeita de esclerose múltipla, não apresentou recuperação, assim como após a
administração de vitamina B12, iniciada 4 meses após a cirurgia.
A mielopatia foi o comprometimento mais freqüente (12 casos) e os sintomas tiveram
início uma década após a cirurgia, de topografia póstero-lateral, com ataxia de marcha,
paraparesia espástica, hiperreflexia, sinal de Babinski, comprometimento da sensibilidade
profunda e urgência ou incontinência urinária. A RM mostrou hipersinal em T2 da porção
póstero-lateral da medula e da substância branca do cérebro. Os exames laboratoriais
evidenciaram diminuição de vitamina B12 no soro em 5 dos 12 casos e deficiência de
vitamina E em 2 dos 7 casos testados. A polineuropatia axonal motora distal foi constatada
em 5 de 10 pacientes nos estudos eletrofisiológicos. Todos foram tratados com correção de
suas deficiências nutricionais com suplementação oral ou parenteral e orientados a
aumentar a ingestão calórica. Apesar da melhora clínica na evolução, a maioria persistiu
com incapacidades, particularmente na marcha atáxica.
A polirradiculoneuropatia aguda, lembrando superficialmente a síndrome de Guillain
Barré, foi observada em 5 casos. Dois outros pacientes apresentaram também
encefalopatia. Seis desses pacientes desenvolveram a síndrome similar a Guillain Barré em
3 meses e outro 2 anos após a cirurgia bariátrica. Todos relataram dor nos pés ou nas costas
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com parestesias inicialmente nos pés, de caráter ascendente. A fraqueza nos membros
inferiores surgiu em horas ou dias após o início das parestesias e os pacientes ficaram
restritos ao leito dentro de uma semana. O LCR foi normal em 2 casos. A EMG e a
condução nervosa mostraram polirradiculoneuropatia axonal motora e sensitiva, mais
acentuada nos membros inferiores. Nenhum paciente evidenciou qualquer deficiência
nutricional específica. No entanto, a perda de peso foi pronunciada (média 38,3 ± 14,6 kg)
precedendo o início do quadro. Todos os pacientes apresentaram melhora e conseguiram
recuperar a capacidade de deambular com o aumento da ingestão calórica, mas 5 deles
ficaram como seqüelas ataxia de marcha moderada e paresia distal.
A polineuropatia foi o diagnóstico primário em 5 casos, de início tardio, de caráter
lentamente progressivo, após uma média de 9 anos da cirurgia. Os pacientes apresentaram
parestesia dolorosa distal e simétrica, hipoestesia termoalgésica com distribuição em bota.
A deficiência de vitamina B12 foi observada em 3 pacientes e de vitamina B1 em outro.
Somente 2 dos 5 casos apresentaram melhora com suplementação vitamínica.
A prevalência de complicações neurológicas da cirurgia bariátrica varia, na literatura, de
5% a 16%, envolvendo diversas regiões do sistema nervoso e freqüentemente de forma
combinada. Os médicos que cuidam dos pacientes após a cirurgia bariátrica devem estar
atentos às complicações neurológicas advindas da perda acentuada e rápida de peso, e à
administração de suplementos vitamínicos e de minerais, especialmente de vitamina B12 e
de cobre. Deve-se ressaltar, ainda, que essas complicações podem ocorrer agudamente ou
décadas após a cirurgia.
Lyme neuroborreliosis: infection, immunity, and inflammation. Pachner AR et al.
Lancet Neurol 6: 544, 2007.
A neuroborreliose designa o envolvimento neurológico da infecção pelo espiroqueta
Borrelia borgdorferi resultante da picada de carrapatos infectados. O quadro neurológico
surge, na maioria das vezes, poucas semanas ou meses após a contaminação. A instalação é
habitualmente subaguda com pleocitose no LCR, predomininantemente linfomonocitária, e
neuropatia craniana que envolve freqüentemente o VII nervo. Alguns clínicos consideram
conveniente a distinção entre neuroborreliose aguda e tardia. A primeira é mais
17
inflamatória, com meningite, neurite craniana e radiculite, enquanto a forma tardia, que
pode seguir a artrite, pode se apresentar como encefalopatia ou neuropatia periférica.
O diagnóstico é fundamentado idealmente pela demonstração do patógeno causal no LCR
por meio da cultura ou PCR ou, então, por PCR ou histologia de tecidos de animais
infectados experimentalmente. A detecção pela cultura do LCR ocorre em apenas 5% dos
casos; o PCR tem uma sensibilidade maior, chegando a 40% nos pacientes com meningite.
Infelizmente, o espiroqueta é um organismo primariamente tecidual e não perdura por
longo período no sangue ou no LCR. Assim, sua demonstração não é prática no processo
de investigação clínica de rotina e o diagnóstico deve se basear na combinação de história,
exame clínico, análise de rotina do LCR e detecção de anticorpos no soro e no LCR.
Diferenças entre neuroborreliose americana e européia
Características clínicas
Americana
Européia
Subespécies de Borrelia
B. burgdorferi
B. garinii, B. afzelli
% de neuroborreliose
< 10%
> 35%
Eritema migrans
Comum
Incomum
Radiculite dolorosa
Rara (< 10%)
Comum (> 50%)
Meningite asséptica
Maioria
Minoria
Nervos cranianos
VII
VII e outros
Acrodermatite atrófica
Nunca
Não rara
Artrite
Comum
Quase nunca
Encefalomielorradiculite
Muito rara (< 0,1%)
Mais freqüente (<3%)
Produção intratecal de anticorpos
Minoria
Comum (> 50%)
História
Os fatores críticos são a geografia e a exposição aos carrapatos, como viagens a áreas
endêmicas, não sendo obrigatório, contudo, o relato da picada pelo fato desta poder passar
desapercebida.
Eritema migrans
O eritema migrans, achado característico da doença, é uma área de eritema maior que 5 cm
de diâmetro, comumente crescente e pruriginosa. Esta área avermelhada circular ou oval
que se expande centrifugamente é causada pela movimentação do espiroqueta sob a pele. A
ocorrência de eritema migrans na borreliose nos Estados Unidos é muito freqüente (94%),
ao contrário da infecção na Europa (58%).
18
Quadro clínico
A neuroborreliose americana quase sempre se inicia como uma meningite subaguda,
associada ou não à paralisia facial dentro de algumas semanas ou poucos meses da
infecção ou do eritema migrans, com cefaléia, mal estar, mialgia ou fadiga. Os pacientes
apresentam sintomas cognitivos leves, mas sem síndromes cerebrais graves. Embora os
sintomas radiculares possam estar presentes, a radiculite dolorosa é infreqüente. Em
contrapartida, a neuroborreliose européia começa com a síndrome de Bannwarth, com
radiculite dolorosa, presente em 86% dos casos. Naturalmente não é um quadro
patognomônico de neuroborreliose e os neurologistas europeus devem estar cientes de que
nem todos os quadros de radiculite dolorosa são causados por espiroquetas. A dor da
síndrome de Bannwarth é freqüentemente crônica, perdurando por semanas ou meses após
a infecção inicial; pode ser acentuada, descrita como lancinante, piorando à noite. Por
vezes é denominada meningoradiculite linfocitária, pois é acompanhada de pleocitose
linfocitária no LCR.
Sinais
Não há anormalidades absolutamente específicas da neuroborreliose. Alguns pacientes
apresentam paralisia facial que, nas áreas endêmicas, é altamente suspeita da doença. O
exame dermatológico deve ser realizado, na busca de eritema migrans. A combinação de
cefaléia, paralisia facial e de eritema migrans em áreas endêmicas é suficiente para o
diagnóstico clínico. Infelizmente, no momento da consulta, o eritema migrans não está
mais presente e a confirmação diagnóstica deve se basear na pesquisa de anticorpos para
espiroquetas no soro e no LCR.
Exames laboratoriais
O padrão ouro para o diagnóstico laboratorial de infecções bacterianas é a identificação do
patógeno. Infelizmente, na neuroborreliose, assim como na neurossífilis, a sensibilidade da
cultura e do PCR é muito baixa. A neuroborreliose surge quando já existe uma forte
resposta imunológica contra o espiroqueta, resultando em títulos elevados de anticorpos
específicos contra B. borgdorferi no soro e no LCR. Na neuroborreliose européia, o índice
de anticorpos superior a 1, configurando produção intratecal, é amplamente utilizado no
auxilio diagnóstico. O LCR revela pleocitose linfomonocitária e hiperproteinorraquia
consistentes com um processo inflamatório. A neuroimagem geralmente é de pouco valor,
exceto para exclusão de outros processos neurológicos. Nos Estados Unidos, o índice de
19
anticorpos não é comumente utilizado, possivelmente por falta de estudos mais
aprofundados. O trabalho de Steere et al. mostrou que a sensibilidade do índice de
anticorpos na neuroborreliose americana não é tão sensível quanto à européia.
Exame em duas etapas
A borreliose americana é causada por linhagens relativamente homogêneas de B.
burgdorferi em relação à européia, onde há importante heterogeneidade de linhagens do
agente. Em 1994, o CDC recomendou a realização inicial de ELISA e, se este for positivo,
o western blotting. A combinação dos 2 testes tem sido validado tanto nas pesquisas
formais como na prática clínica. Esta estratégia apresenta, contudo, algumas limitações:
não é tão sensível nas fases precoces da borreliose e não diferencia infecção ativa da
exposição prévia. Como a neuroborreliose ocorre semanas ou meses após a infecção
inicial, a combinação de exames é de qualquer modo muito útil no diagnóstico. Na Europa,
pela heterogeneidade de linhagens de B. burgdorferi, a combinação ELISA-blotting é
menos confiável e o índice de anticorpos continua sendo a base para o diagnóstico
laboratorial da doença.
Tratamento
A história natural e o prognóstico da neuroborreliose dos casos não tratados são
desconhecidos, mas provavelmente a infecção pode ser resolvida sem tratamento.
Entretanto, a antibioticoterapia deve acelerar o desaparecimento da infecção e dos sintomas
e prevenir o desenvolvimento de manifestações tardias da doença como a artrite e a
acrodermatite atrófica crônica. O tratamento de escolha é a cefalosporina endovenosa, tais
como a ceftriaxona (1-2 g duas vezes/dia), ou penicilina G (20 milhões de unidades/dia)
por 2 a 4 semanas. Um estudo europeu mostrou que a doxiciclina por via oral (200 mg/dia,
por 14 dias) foi tão eficaz quanto os antibióticos endovenosos. A antibioticoterapia é
habitualmente eficaz e as seqüelas persistem predominantemente nos pacientes com
comprometimento acentuado do nervo facial ou de raízes nervosas antes do tratamento.
Contudo, têm ocorrido falhas tanto com doxiciclina como com ceftriaxona, devendo esses
casos serem tratados com antibióticos alternativos.
A doença de Lyme é um processo altamente inflamatório em muitos casos e vários
sintomas são decorrentes mais da magnitude da resposta imunológica que da carga do
agente infeccioso. Assim, o tratamento inclui o uso de drogas antiinflamatórias não
hormonais. Os corticosteróides não são recomendados exceto nos casos de persistência de
20
sintomas após a antibioticoterapia e refratariedade às drogas antiinflamatórias não
hormonais.
Treatment of nervous system Lyme disease (an evidence-based review). Report of the
Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology. Halperin JJ et
al. Neurology 69: 1, 2007.
Há controvérsias e incertezas quanto ao melhor tratamento da neuroborreliose. Nos
Estados Unidos, o envolvimento neurológico da doença de Lyme é geralmente tratado com
antibióticos parenterais, embora vários estudos europeus tenham evidenciado eficácia
similar com a doxiciclina por via oral, uma droga que alcança concentrações adequadas no
sistema nervoso. A duração do tratamento varia amplamente, com diferentes esquemas de
até 4 semanas, apesar da falta de dados consubstanciando o prolongamento por mais de 2
semanas. Alguns médicos utilizam combinações de antibióticos por muitos meses, sem
embasamento deste tipo de indicação. Finalmente, não está claro quais síndromes são
conseqüentes à infecção do sistema nervoso e quais são pós-infecciosas.
The Quality Standard Subcommittee, da Academia Americana de Neurologia, composto
por especialistas americanos e europeus, analisou as publicações existentes com o objetivo
de preparar uma revisão sobre as evidências existentes.
A neuroborreliose consiste em a) tríade (parcial ou total) de meningite, neurite craniana e
radiculoneurite (conhecida na Europa como síndrome de Garin-Bujadoux-Bannwarth); b)
inflamação do parênquima cerebral ou medular; c) radiculoneuropatia leve com quadro
predominantemente de neuropatia periférica sensitiva distal; ou d) encefalopatia (alteração
da função cognitiva de gravidade variável, com ou sem infecção no cérebro). A maioria
dos estudos tem focalizado a apresentação da tríade (item a) cujo diagnóstico e tratamento
são de avaliação mais simples.
O envolvimento parenquimatoso é mais raro e os estudos de tratamento são mais
anedóticos (classe IV). Similarmente, somente alguns poucos estudos pequenos avaliaram
as apresentações dos itens c e d, todos de classe III ou IV.
Uma entidade distinta, a síndrome pós-Lyme ocorre em pacientes que, mesmo após
tratamento considerado eficaz, continuam a apresentar sintomas crônicos residuais,
21
incluindo um ou mais dos seguintes elementos: dor músculo-esquelética (sem artrite;
fibromialgia-símile), fadiga, e sintomas “neuropsiquiátricos” (comprometimento da
memória ou da cognição, irritabilidade, distúrbios do sono, depressão, cefaléia ou
parestesias, na ausência de evidências clinicas e laboratoriais de envolvimento focal ou
inflamatório do SNC ou periférico).
Os membros do Comitê selecionaram 37 artigos e concluíram que a infecção, tanto em
adultos como em crianças, responde bem à administração de penicilina, ceftriaxona,
cefotaxima e doxiciclina (recomendação nível B). Embora a maioria dos estudos tenha
empregado o uso parenteral, vários ensaios europeus apóiam a administração oral de
doxiciclina em adultos com meningite, neurite craniana e radiculite (recomendação nível
B), reservando a via parenteral aos casos de envolvimento parenquimatoso, outros quadros
graves ou refratariedade ao esquema oral. O número de crianças (≥ 8 anos) arroladas nos
estudos criteriosos de esquemas comparativos entre as vias oral e parenteral é pequeno,
dificultando a obtenção de conclusões definitivas. Entretanto, os dados disponíveis indicam
que os resultados sejam comparáveis aos de adultos. Entretanto, não há evidências
indicativas de que a antibioticoterapia prolongada possa ter algum efeito benéfico na
síndrome pós-Lyme (nível A).
Fatal encephalopathy after an isolated overdose of cocaine. Kondziella D et al. J Neurol
Neurosurg Psychiatry 78: 437, 2007.
A lesão cerebral induzida por cocaína pode ser dividida em efeitos neurotóxicos primários,
causando encefalopatia tóxica, efeitos secundários ao comprometimento do fluxo
sanguíneo cerebral (acidente cerebrovascular isquêmico ou hemorrágico, vasculite cerebral
e vasoespasmo) e efeitos terciários devidos à hipóxia resultante do colapso
cardiopulmonar.
A leucoencefalopatia tóxica afeta principalmente tratos da substância branca envolvidos na
função cerebral superior, acarretando desde comprometimento da personalidade, déficit de
atenção e da memória até demência, coma e morte cerebral. Esta é a primeira descrição de
encefalopatia associada a cocaína com evolução fatal num paciente que não havia
22
consumido esta droga previamente, documentada por espectroscopia por ressonância
magnética.
Um jovem de 21 anos que tinha tido episódios recorrentes de depressão foi encontrado
num quarto de hotel em coma profundo e com marcas de injeção na veia cubital. A seu
lado havia uma seringa e 14 pacotes vazios com traços de pó branco que foi identificado
posteriormente como sendo cocaína.
Na admissão hospitalar estava inconsciente, entubado, com reflexos de tronco encefálico
preservados, hiperreflexia bilateral, moderada hipertonia, cutâneo plantar em flexão. Os
exames laboratoriais evidenciavam acidose metabólica, aumento das enzimas hepáticas,
rabdomiólise, leucocitose, aumento de creatinina e hipercalemia. O exame toxicológico foi
positivo apenas para cocaína. A tomografia sem contraste foi normal, assim como a
ressonância magnética. A ressonância com espectroscopia, realizada no 21º dia, revelou na
substância branca N-acetil aspartato <10% e creatina < 20% dos valores normais,
indicativos de agressão neuroaxonal acentuada e perda da integridade tecidual e
consistentes com acentuada encefalopatia tóxica e desmielinização. Na substância cinzenta,
N-acetil aspartato atingiu 40% dos valores normais, indicando também comprometimento
da função neuronal. A creatina estava reduzida em 80% e mioinositol em 66% dos valores
de referência.
No 24º dia de internação, o paciente faleceu por pneumonia sem ter recuperado a
consciência. A autopsia mostrou acentuada leucoencefalopatia com importante
desmielinização e liquefação da substância branca cerebral. Entretanto, o córtex, cerebelo e
o hipocampo estavam relativamente intactos, tanto no exame macroscópico como no
histológico.
Child neurology: a separate and necessary discipline. (Editorial) Ferriero et al. Nature
Clin Pract Neurol 3: 1, 2007.
Embora a Neurologia Infantil seja considerada uma nova disciplina, sua origem remonta ao
período de 1600. À medida que as especialidades de Neurologia e de Pediatria se
desenvolveram como disciplinas distintas nos séculos 1700 e 1800, emergiu a sub-
23
especialidade de Neurologia Infantil. Em 1969, houve a instituição formal da certificação
da especialidade “Neurologia com Competência Especial em Neurologia Infantil”.
Houve, recentemente, uma explosão de conhecimentos sobre doenças afetando recémnascidos e crianças. A identificação de genes tem permitido o reconhecimento precoce e
tratamento, com redução substancial de morbidade e de mortalidade. As síndromes
epilépticas que afetam particularmente as crianças têm recebido atenção cada vez maior,
incluindo a identificação de genes a elas associados, e um grande interesse nos tratamentos
tais como a dieta cetogênica e cirurgia de epilepsias refratárias.
O recente desenvolvimento da neuroimagem, especialmente da ressonância fetal, tem
contribuído para a rápida expansão de conhecimentos no campo da Neurologia Infantil. A
caracterização dos achados de ressonância, possibilitado o diagnóstico pré-natal de doenças
genéticas e o reconhecimento intra-útero de moléstias letais ou incapacitantes, tem inserido
esses profissionais na arena obstétrica, com novas demandas de consultoria. Estão também
envolvidos com perinatologistas e geneticistas nas atividades de aconselhamento, com
intensivistas em unidades de tratamento intensivo neonatal no atendimento de hipóxia
cerebral, traumatismo craniano, assim como de crianças com neoplasias e infecções do
SNC.
Os avanços no diagnóstico e tratamento de doenças neurocognitivas, tais como autismo,
síndrome de Tourette, distúrbios do desenvolvimento da linguagem e déficit de atenção
têm representado novos desafios no treinamento tradicional da Neurologia Infantil. Apesar
dos programas de formação tentem se adequar ao crescente desenvolvimento dos
conhecimentos dessas áreas, o número de especialistas permanece inadequado à demanda.
A sub-especialidade não é bem conhecida pela maioria dos estudantes de medicina e é
fundamental que haja a exposição precoce dessa área aos alunos por meio, por exemplo, do
Programa de Verão dos Estudantes de Medicina instituído pela Sociedade de Neurologia
Infantil e pela Fundação de Neurologia Infantil.
Parkinson’s disease and driving ability. Singh R et al. J Neurol Neurosurg Psychiatry
78: 363, 2007.
Os pacientes com doença de Parkinson podem encontrar dificuldades em efetuar
movimentos rápidos, multi-seqüenciais ou simultâneos em resposta a obstáculos; podem
24
apresentar comprometimento da atenção, da concentração ou de percepção, além de
sonolência diurna relacionada a medicamentos. Nos casos leves, a condução de veículos
pode não ser prejudicada, mas é potencialmente perigosa nos casos mais graves. Por outro
lado, dirigir veículos é um componente essencial para a independência e autonomia do
idoso e restringir a condução de veículos pode resultar em isolamento social e depressão.
Este trabalho teve como objetivo a avaliação da capacidade de dirigir veículos de 154
indivíduos com doença de Parkinson encaminhados para um Serviço de Avaliação da
Capacidade de Condução na Escócia. Foram utilizados vários testes clínicos, tempo de
reação e avaliação prática de direção na rua.
A maioria dos casos era capaz de continuar a dirigir, embora 46 indivíduos necessitassem
de transmissão automática e outros 10 de adaptações do carro. As características mais
importantes na determinação da habilidade e segurança na direção de veículos foram:
gravidade da doença (estágio 3 de Hoehm e Yahr), tempo de reação, comorbidades e
desempenho no teste prático de condução na rua.
Concluem os autores que a maioria dos pacientes apresenta condições seguras de dirigir,
embora muitos requeiram modificações do carro ou de transmissão automática. A
combinação de testes clínicos com avaliação prática de direção na rua permite determinar a
capacidade do paciente de conduzir veículos com segurança.
A neurological MRI menagerie. Schott JM. Pract Neurol 7: 186, 2007.
O desenvolvimento da neuroimagem propiciou a detecção de anormalidades que lembram
algumas figuras animais. O artigo apresenta as imagens de ressonância magnética de:
a) sinal do beija-flor ou do pingüim e do Mickey Mouse na Paralisia supranuclear
progressiva;
b) a face do urso Panda na doença de Wilson;
c) o olho de tigre da neurodegeneração associada ao pantotenato kinase;
d) sinal do elefante na doença de Alzheimer;
e) pele de leopardo ou de tigre nas leucodistrofias e
f) glioma em borboleta.
25
Comentários: Não nos atrevemos a incluir as imagens no NeuroAtual, pois certamente
estão protegidas por direitos autorais. Por isso, sugerimos o acesso ao artigo original que
contém figuras magníficas e indescritíveis (literalmente falando).
Are women really more talkative than men? Mehl MR et al. Science 317: 82, 2007.
As diferenças no comportamento de falar têm sido motivo de grande interesse público e
científico. O estereótipo da tagarelice feminina está profundamente enraizado no ocidente e
é considerado um fato científico. A neuropsiquiatra Brizendine relatou, em 2006, que as
mulheres falam em torno de 20.000 palavras por dia, enquanto que os homens 7.000 por
dia. No entanto, nenhum estudo registrou sistematicamente a conversação natural de um
número grande de pessoas, por um longo período de tempo.
Os autores realizaram um estudo com o registro da fala através de um equipamento de
registro de voz ativado eletronicamente. O aparelho foi programado para gravar 30
segundos a cada 12,5 minutos. Foram incluídos 396 estudantes universitários (210
mulheres e 186 homens), de 5 grupos dos Estados Unidos e um 6º do México.
As mulheres falaram uma média de 16.215 palavras e os homens 15.669, não havendo,
portanto, diferença importante entre os sexos.
Concluem os autores que o estereótipo amplamente aceito sobre a tagarelice feminina é
infundado.
Neurology in Holy Scripture. Budrys V. Eur J Neurol 14: e1, 2007.
A Bíblia Sagrada, um dos maiores monumentos escritos da história da humanidade,
constitui a base dos códigos morais e descreve a essência do homem como um indivíduo
social. Este artigo discute possíveis doenças neurológicas na Bíblia, incluindo epilepsia,
doenças neuromusculares, distúrbios da fala, doenças psicogênicas, trauma craniano e
hemorragia subaracnóide.
26
NEUROLOGIA COGNITIVA E DO ENVELHECIMENTO
Dr Rogério Gomes Beato
Dr Paulo Caramelli
Effect of rivastigmine on delay to diagnosis of Alzheimer`s disease from mild
cognitive impairment: the InDDEx study. Feldman HH et al. Lancet Neurol 6: 501,
2007.
Este artigo teve como objetivo avaliar o efeito da rivastigmina na conversão de
pacientes com transtorno cognitivo leve em doença de Alzheimer (DA) e no nível de
declínio cognitivo.
O estudo foi duplo-cego, randomizado, controlado com placebo e teve duração de
48 meses. Todos os pacientes preencheram os critérios diagnósticos para transtorno
cognitivo leve. Para participar do estudo todos os indivíduos obtiveram escore = 0,5 na
escala CDR e escore inferior a nove no teste de memória da Universidade de Nova York
(evocação tardia de um parágrafo). As variáveis de eficácia primária foram o tempo
decorrido até o diagnóstico clínico de doença de Alzheimer e alteração no desempenho de
uma bateria de testes cognitivos.
Participaram do estudo 1018 pacientes, 508 no grupo da rivastigmina e 510 no
grupo placebo. No grupo da rivastigmina 17,3% dos pacientes progrediram para DA,
enquanto no grupo placebo a progressão foi de 21,4% [hazard ratio 0,85 (IC 95% de 0,64 a
1,12), p = 0,225]. Também não foi verificada diferença significativa entre os dois grupos
em relação à mudança de desempenho nos testes cognitivos [z = - 0,10 (IC 95% de -0,63 a
0,44), p = 0,726]. Observou-se a presença de efeitos colaterais considerados graves em 141
(27,9%) pacientes no grupo da rivastigmina e em 155 (30,5%) pacientes no grupo placebo.
Efeitos colaterais de todos os tipos foram relatados em 483 (95,6%) indivíduos no grupo da
rivastigmina e em 472 (92,7%) indivíduos no grupo placebo. Os efeitos colaterais mais
freqüentes como náuseas, vômitos, diarréia, e tonteira foram duas vezes mais freqüentes no
grupo da rivastigmina em comparação ao grupo placebo.
Os autores concluíram que não houve benefício significativo do uso da rivastigmina
para se evitar a progressão de transtorno cognitivo leve para DA ou sobre a função
27
cognitiva dos pacientes em 4 anos. Outra observação foi que o nível de progressão de
transtorno cognitivo leve para DA foi menor que o previsto nos dois grupos. Apesar de não
ter demonstrado eficácia, o tratamento com a medicação foi considerado seguro.
Comentário
Trata-se de um estudo multicêntrico que envolveu inicialmente 1018 participantes,
recrutados em 65 centros de 14 países. Consideramos importante ressaltar algumas
limitações que foram discutidas pelos autores. Os critérios de inclusão adotados (apenas
CDR = 0,5 e escore inferior a nove no teste de memória da Universidade de Nova York)
possibilitaram provavelmente que um grupo heterogêneo de pacientes fosse incluído no
estudo. Os pacientes com transtorno cognitivo leve e sintomas depressivos foram
excluídos. Em alguns trabalhos foi observado que sintomas depressivos são comuns em
pacientes com transtorno cognitivo leve que evoluíram para DA. Deve-se mencionar
também que a taxa de conversão pra DA foi apenas de 5% ao ano durante os quatro anos
da realização do trabalho. E finalmente, por questão de tolerabilidade, a dose média de
rivastigmina usada pelos participantes foi 6mg por dia.
Patients rating of cognitive ability – Using the AD8, a Brief Informant Interview, as a
Self-rating Tool to Detect Dementia. Galvin JE et al. Arch Neurol 64: 725, 2007.
A escala AD8 foi validada para discriminar indivíduos com demência de indivíduos
sem demência utilizando as informações dos acompanhantes. O objetivo deste estudo foi
testar, utilizando a AD8, a capacidade dos pacientes de avaliarem suas próprias habilidades
cognitivas.
A AD8 foi aplicada em 325 pacientes e em seus acompanhantes e suas respostas
comparadas. Todos os participantes deste trabalho eram seguidos no estudo longitudinal da
Escola de Medicina de Washington e foram avaliados entre abril e dezembro de 2005. A
avaliação incluiu também a CDR, o Mini-Exame do Estado mental, a Escala de Blessed
Reduzida, a história clínica e o exame neurológico.
28
A idade média dos pacientes foi 72,8 anos enquanto a idade média dos
acompanhantes foi 66,4 anos. Os resultados mostram que houve correlação entre o escore
da CDR e os escores da AD8 dos pacientes (ρ = 0,34, P < 0,001) e dos acompanhantes (ρ
= 0,75, P < 0,001). Verificou-se correlação adequada entre os escores da AD8 dos
pacientes e dos acompanhantes (coeficiente de correlação intraclasse = 0,53; IC 95%, 0,41
– 0,62). Os escores dos pacientes se correlacionaram com queixas subjetivas de
dificuldades de memória (ρ = 0,047, P < 0,001) mas não com as estimativas da duração dos
sintomas. A área da curva ROC para a AD8 dos acompanhantes foi 0,89 (IC 95% de 0,86 a
0,93) e para a AD8 dos pacientes 0,78 (IC 95% de 0,68 a 0,78), o que sugere que a AD8
apresenta uma capacidade boa a excelente para discriminar indivíduos com CDR 0 de
indivíduos com CDR 0,5 ou maior.
Os autores concluíram que a AD8, além de diferenciar indivíduos dementes de
indivíduos sem demência quando respondida por um informante, é também capaz de
diferenciar indivíduos dementes de indivíduos sem demência mesmo quando autoaplicada. Entretanto, sua utilidade quando auto-aplicada é mais evidente em pacientes com
menor comprometimento cognitivo. Assim, na ausência de um informante, a AD8 pode ser
usada para se conhecer melhor o estado cognitivo dos pacientes.
Comentário
A entrevista com os acompanhantes fornece em geral indícios mais confiáveis do
comprometimento cognitivo dos pacientes. Entretanto, em visitas de rotina de curta
duração, como nos check-ups anuais, o paciente pode comparecer à consulta sozinho e a
avaliação para detecção de demência não é realizada. Assim, a utilização de uma escala
como a AD8 parece ser útil como screening de demência no caso de ausência de um
informante. É preciso ressaltar que esse estudo apresenta algumas limitações como a
avaliação apenas de pacientes de raça branca e de língua inglesa, o que pode limitar a
generalização dos resultados. Outro aspecto a ser mencionado é que a capacidade de autoaplicação da AD8 pode estar comprometida em pacientes com sintomas depressivos, sendo
necessário verificar a presença de transtorno de humor associado.
29
NEUROIMUNOLOGIA
Dr. Marcos Moreira
Multiple sclerosis: the environment and causation. Giovannoni G, Ebers G. Curr Opin
Neurol, 20: 261,2007.
A esclerose múltipla (EM) é considerada uma doença imunomediada complexa e
multifatorial por muitos pesquisadores. Embora a sua causa seja desconhecida, a maioria
dos estudos sugere que a interação de fatores genéticos e ambientais levam à lesão tecidual
através de mecanismos autoimunes.
Dois estudos genômicos amplos, um realizado em famílias do norte da Europa e o
outro em famílias canadenses e finlandesas confirmaram a associação da EM com os alelos
DRB1 e DQB da região dos antígenos leucocitários humanos (HLA) classe II, os quais
fazem
parte
do
complexo
principal
de
histocompatibilidade
(MHC).
Estudos
epidemiológicos genéticos em famílias não encontraram traços de transmissibilidade nãogenética. Este achado reforça a influência de fatores ambientais no risco da EM.
Diversos fatores ambientais têm sido descritos como fatores de risco para a EM. A
taxa de EM tem crescido, principalmente em mulheres, e este crescimento tem sido
associado à exposição a algum evento durante a infância e adolescência.
Estudos de migração, gradientes geográficos e altas taxas de discordância em
gêmeos idênticos indicam que o fator ambiental exerce influência significante no
desenvolvimento da esclerose múltipla. Estudos de migração revelam que indivíduos que
migraram, antes da adolescência (até os 15 anos), de uma área do globo para outra estarão
expostos ao nível de risco equivalente ao da área para qual migraram. Indivíduos que
migraram após a adolescência carregam com eles a incidência da área de onde migraram.
Países como Israel e África do Sul apresentam uma incidência muito maior que a esperada
baseando-se em suas latitudes. Isto se deve presumivelmente devido aos altos índices de
imigração de europeus de primeira geração.
Dois fatores associados são reconhecidos como potenciais responsáveis pela ligação
entre a geografia, em especial a latitude, e a incidência de EM são a exposição solar e o
nível de vitamina D. Dados experimentais e epidemiológicos sugerem que altos níveis de
30
vitamina D diminuem o risco de EM. Um estudo prospectivo tipo coorte, evidenciou que a
suplementação com vitamina D foi associada com 40% de redução no risco de
desenvolvimento de EM, no entanto, a quantidade ingerida de vitaminas foi insuficiente
para causar grandes alterações nos níveis de vitamina D. Estudos populacionais de
profilaxia fase II e III estão sendo desenhados para definir o papel do metabolismo da
vitamina D na esclerose múltipla.
Em relação aos hábitos de vida, uma revisão recente sobre tabagismo, consumo de
álcool, uso de drogas ilícitas, uso de contraceptivos orais e fatores dietéticos apontou
apenas o tabagismo como fator de risco para EM quando praticado antes do início da
doença. Em uma meta-análise retrospectiva, analisando o fato de nunca ter fumado com o
tabagismo, estimou um risco relativo para desenvolvimento de EM de 1,51 (IC 95% de
1,24-1,83; p<0,0001).
Relatos de agentes infecciosos como possíveis causadores de EM continuam
aparecendo regularmente na literatura. Os principais agente etiológicos apontados são o
vírus Epstein-Barr (EBV), o herpes vírus humano tipo 6, o retrovírus humano endógeno
associado à EM (HERV) e a Chlamydia pneumoniae. No entanto, o EBV é o único agente
com evidências patológicas e epidemiológicas que sugerem um papel na patogênese da
EM. A associação da infecção pelo EBV com a EM pode ser causal ou simplesmente um
epifenômeno necessário no início da doença. A observação de que o EBV tem sido
associado com outras doenças autoimunes, além da EM, sugere que ele possa ser um
importante desencadeador inespecífico para a cascata autoimune.
Natural history of multiple sclerosis: risk factors and prognostic indicators. Vukusic
S, Confavreux C. Curr Opin Neurol,20: 269, 2007.
Prognóstico continua sendo para o paciente e o neurologista, um dos maiores
desafios na esclerose múltipla (EM). Técnicas modernas para análise de sobrevivência
permitiram considerar não somente pacientes que atingiram determinados endpoints (morte
ou mais freqüentemente, incapacidade irreversível), mas também pacientes que
permanecem vivos ou sem incapacidade no momento da última visita.
31
A evolução da EM é bem descrita entre grupos de pacientes e os resultados são
consistentes entre os estudos em todo mundo. Portanto, o tempo médio para atingir o
EDSS 4 (deambulação limitada sem ajuda ou consegue deambular sem apoio por 500
metros), EDSS 6 (deambula com apoio unilateral ou menos que 100 metros sem apoio) e o
EDSS 7 (habilidade para andar por 10 metros sem descanso) são 8, 20 e 30 anos
respectivamente. Por outro lado, o prognóstico individual permanece perigoso, e nem os
dados clínicos, imagens convencionais por ressonância magnética e nem marcadores
biológicos são atualmente úteis para um caso específico.
Entre os vários fatores prognósticos, as características dos surtos nos primeiros anos
de doença e o aparecimento da fase progressiva da doença, são os mais confiáveis. De um
lado, está bem estabelecido que a evolução para uma incapacidade irreversível,
independente do escore do EDSS, é mais longa em pacientes com um início recorrenteremitente, comparado com pacientes com início progressivo. A transição da fase
recorrente-remitente para secundariamente progressiva é também associada com uma
evolução pior. Do outro lado, fatores relacionados com o surto, como um início
monossintomático, com uma neurite óptica, uma recuperação completa, um intervalo de
tempo longo entre o primeiro e o segundo surto e um baixo número de surtos nos primeiros
anos, têm sido consistentemente associados com um prognóstico melhor.
No entanto, estes conceitos têm sido debatidos em trabalhos recentes publicados
por diferentes equipes. Estes trabalhos questionaram, com relação ao prognóstico, a relação
entre surtos e progressão da doença. O estudo de Kremenchutzky e cols (London, Ontário,
Canadá) concluiu que a fase progressiva na EM pode ser um processo degenerativo idadedependente e ser independente do número de surtos anteriores. Uma vez iniciada a fase
progressiva, sua taxa é independente da história clínica pregressa.
Interessantemente, Confavreux e Vukusic encontraram conclusões similares a partir
de uma outra perspectiva. Considerando que todos os estudos anteriores focalizaram
somente a avaliação do período de tempo para atingir determinados graus de incapacidade
e não as idades nas quais os pacientes atingiram os seus graus de incapacidade, e que o
início das fases recorrente-remitente e progressiva tem sido repetidamente demonstrado ser
correlacionado com a idade, estes autores decidiram comparar as idades nas quais os
pacientes atingiram sua incapacidade de acordo com seu curso clínico no momento do
estudo. Eles analisaram 1844 pacientes do banco de dados de Lyon (França), um coorte
32
histórico seguido desde 1976. A originalidade deste estudo foi demonstrar pela primeira
vez que o curso inicial da doença não influencia substancialmente a idade do paciente nos
diferentes graus de incapacidade estudados (EDSS 4, 6 e 7).
Confavreux e cols demonstraram que outro fator clínico é fortemente associado
com o curso temporal da incapacidade: a idade de início da EM. É aceito que o início da
doença em uma idade mais precoce é relacionado com uma progressão de doença mais
lenta e a um prognóstico melhor. Na série de Lyon, uma idade muito precoce de início da
EM e sexo masculino (e não os sintomas iniciais), foram associados com uma idade mais
precoce nos graus de incapacidade analisados. Outros estudos apresentaram resultados
semelhantes. Os autores concluem que um início de doença numa idade muito precoce não
deve ser considerado um fator de bom prognóstico. A dissociação epidemiológica e clínica
entre surtos e acúmulo de incapacidade a longo prazo não é contraditória com uma
influência a curto prazo dos surtos durante o curso da EM.
Conclusão: De modo geral, a evolução e prognóstico da EM estão bem
estabelecidas em grandes séries de história natural. Descrições recentes enfatizam o fato de
que fenótipos clínicos podem estar correlacionados com a idade e minimizam o papel dos
surtos no acúmulo da incapacidade a longo prazo. Contudo, além da aparente
homogeneidade global no curso clínico da doença, existe ainda um lugar para uma
heterogeneidade inter-individual muito grande, a qual é a razão para que o perfil individual
permaneça imprevisível.
33
CEFALÉIA
Drª. Célia Aparecida de Paula Roesler
Patients’ preference for migrane preventine therapy. Peres MFP et al. Headache 47:
540, 2007.
Primeiro estudo que investiga as preferências dos pacientes no tratamento preventivo da
migrânea, realizado nos EUA e no Brasil, com 125 pacientes selecionados de cada país.
Os pacientes foram questionados quanto ao grau de importância dado aos seguintes
aspectos do tratamento preventivo da dor de cabeça: eficácia, velocidade de ação, despesas,
tipo de tratamento e freqüência de dosagem.
Eles também avaliaram 12 cenários clínicos diferentes que simulavam, cada um, 2
tratamentos preventivos hipotéticos em que o paciente deveria escolher entre 2 produtos, A
e B. Cada produto apresentava uma taxa de eficácia (50, 75 ou 100%), eventos adversos
presentes (ganho de peso, dificuldade de concentração e/ou fadiga) e freqüência da
dosagem (1 vez a cada 3 meses, 1 vez por dia ou 2 vezes por dia).
Em ambos os países, os pacientes consideraram eficácia (72%) como o fator mais
importante, seguido de velocidade de ação (12%), ausência de eventos adversos (6%),
despesas (3%), formulação da terapia (3%), tipo de tratamento (prescrição/tratamento)
(2%) e dosagem. Na análise dos tratamentos preventivos os pacientes preferiam optar por
taxas de eficácia altas, menos eventos adversos e menor dosagem.
34
Low-dose topiramate versus lamotrigine in migrane prophylaxis (the Lotolamp
Study). Gupta P. et al. Headache 47: 402, 2007.
O objetivo desse estudo foi definir a eficácia e segurança do topiramato e da lamotrigina na
profilaxia de pacientes com migrâneas freqüentes e a comparação de cada um e de
placebos.
Acredita-se que a migrânea é uma desordem resultante de uma hiperexcitabilidade
neuronal e por isso está sendo estudado o uso de drogas antiepiléticas na profilaxia dessa
patologia. Estudos recentes inclusive sugerem que o topiramato pode modular o sistema
trigêmino-vascular, que também tem um papel importante na patogênese da migrânea. O
topiramato possui diversos mecanismos de ação, incluindo o bloqueio de canais de sódio e
aumento da inibição do receptor mediado por GABA.
Lamotrigina bloqueia os canais de sódio voltagem-sensitivos, levando a uma inibição de
liberação neuronal de glutamato. A liberação de glutamato pode ser essencial na
propagação de depressão cortical, o que muitos acreditam ser a chave central para o início
dos ataques de migrânea.
Os pacientes que se submeteram ao estudo tomaram a medicação designada a eles por 1
mês, seguido por uma “limpeza” de 7 dias e então 1 mês tomando o placebo. Foram então
submetidos mais uma vez aos 7 dias de limpeza, seguido do uso da medicação do outro
agente ativo, limpeza novamente e então placebo.
A freqüência , severidade e sintomas de todas as dores de cabeças ou auras foram
registrados por cada paciente num diário, que era então transcrito para a ficha clínica do
paciente em cada visita clínica, no final de cada mês.
Foi concluído que a baixa dosagem de topiramato (50mg/dia) é um melhor agente
profilático da migrânea episódica quando comparado com a baixa dosagem de lamotrigina
(50mg/dia), reduzindo a intensidade da dor de cabeça em 50% na maioria dos casos.
35
Lamotrigina também se mostra benéfica no tratamento das dores de cabeça, mas estudos
mais longos devem ser realizados.
36
DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR/ ELA
Dr. Mário Emílio Teixeira Dourado Júnior
A randomized controlled trial of resistance exercise in individuals with ALS. Dal
Bello-Haas V et al. Neurology 8: 2003, 2007.
A reabilitação, motora e respiratória, assume um papel importante no contexto da
ELA. Trata-se de um conjunto de recursos utilizados para minimizar o impacto de
condições incapacitantes e ajudar pessoas com deficiência a alcançarem autonomia e
participação. Entretanto, a atividade física nos indivíduos com ELA é tema de debate.
Exercícios prolongados ou excessivos poderiam levar à fadiga ou até maior degeneração
do neurônio motor e vários estudos epidemiológicos mostram associação da ELA com
atividade física extenuante (maratonista, jogador de futebol). Por outro lado, a indução de
hipertrofia muscular através de fatores de crescimento ou hormônio do crescimento
aumenta a sobrevida de modelos animais com ELA.
Pesquisadores do Canadá e EUA realizaram um estudo controlado sobre o efeito do
exercício nos pacientes com ELA na fase inicial. O estudo foi randomizado, um grupo
recebia um programa de exercícios de resistência mais exercícios de alongamentos (n=13)
e outro grupo, controle, se submeteu a exercícios de alongamentos (n=14), realizados uma
vez por dia, em diferentes grupos musculares das extremidades superiores e inferiores, em
casa e sob a supervisão de fisioterapeutas. Os exercícios de resistência eram
individualizados segundo a tolerância e limitações do paciente. Os indivíduos foram
avaliados mensalmente por 6 meses. O objetivo era determinar a mudança funcional global
após 6 meses através da escala funcional ASLFR. Também se analisou a fadiga e a
qualidade de vida.
A técnica utilizada para realizar os exercícios de resistência era o teste de repetição
máxima (RM). Ou seja, para cada paciente e para cada grupo muscular estudado era
encontrada a carga máxima para realizar seis repetições (6-RM). Os pacientes foram
instruídos para realizar 5 repetições de 6-RM, 5 repetições de 75% de 6-RM e 5 repetições
de 50% de 6-RM para cada grupo muscular diariamente.
37
Os exercícios de alongamentos constavam em sessões de 30 segundos e repetidos
cinco vezes em cada grupo muscular.
Aos 6 meses de estudo, permaneceram e foram analisados 8 pacientes no grupo
teste e 10 no grupo controle. O grupo teste teve pontuação significantemente mais elevada
na escala funcional ALSFRS (33.8 ± 4.7 X 28.1 ± 4.8; p=0.02) e melhor pontuação na
escala de qualidade de vida (21.1 ± 7.6 X 14.0 ± 3.9; p=0.02). A pontuação da escala de
fadiga foi similar em ambos os grupos após 6 meses do estudo. Não houve aceleração no
declínio na força muscular no grupo teste.
Uma das limitações do estudo foi o pequeno tamanho da amostra. Outra foi a não
utilização de estudos eletrofiológicos para monitorar possível perda neuronal ou lesão
muscular, como por exemplo, a estimativa do número de unidades motoras. Houve
dificuldade para aderência ao programa (30% de abandono).
Segundo os autores, o exercício de resistência moderada e não fatigante pode
melhorar a função, aumentar temporariamente a força e diminuir o efeito da atrofia por
desuso, especialmente na fase inicial da doença.
Acute action of aminophylline in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Berto
MC et al. Acta Neurol Scand 115: 301, 2007.
A aminofilina é um produto resultante da combinação da teofilina e
etilenodiamina. Ademais da função broncodilatadora, a aminofilina e a teofilina
apresentam efeitos positivos na musculatura diafragmática e evitando fatiga muscular. Na
ELA, a fraqueza da musculatura respiratória e a insuficiência ventilatória acontecem de
forma lenta e progressiva, mas agudizações podem acontecer.
Pesquisadores dos departamentos de Pneumologia e Neurologia da Escola Paulista
de Medica (UNIFESP) estudaram o efeito agudo da administração de aminofilina nos
pacientes com ELA. O estudo foi randomizado, duplo-cego e cruzado com placebo.
Todos os 25 pacientes com ELA receberam 240mg de aminofilina e 10ml de
placebo diluídos em 250ml de soro fisiológico a 0.9% ambos administrados em 30 minutos
38
e em 72 horas de intervalo. Cinco pacientes com ELA apresentavam envolvimento de
início bulbar.
Os parâmetros analisados antes e após a administração da aminofilina e do placebo
foram: capacidade vital forçada, pressão inspiratória máxima, pressão inspiratória mínima,
ventilação voluntária máxima, endurance muscular respiratório e força manual.
Houve melhora da força manual e da ventilação ventilatória máxima após
administração de aminofilina (p=0.05 e p=0.02, respectivamente). O endurance da
musculatura respiratória melhorou após administração de aminofilina (p=0.07). Também
existiu correlação positiva entre CVF e PI e VVM e PI após uso de aminofilina. Esses
dados indicam que os pacientes apresentam melhora na capacidade de realizar trabalhos
submáximos por períodos prolongados (“endurance” da musculatura respiratória). Não
houve melhora das pressões inspiratória e expiratória. Os níveis de aminofilina variaram de
5.3 a 10.5 ug⁄ml.
Os resultados obtidos no trabalho são similares aos observados com a utilização da
aminofilina em pessoas normais ou com DPOC. Como conclusão do trabalho, a
aminofilina apresenta melhora do endurance muscular respiratório na ELA. Também,
apresenta ação na musculatura periférica melhorando a força manual.
Increased incidence of deep venous thrombosis in ALS. Qureshi M M et al. Neurology
68:76, 2007.
A história natural da ELA com fraqueza e atrofia das pernas levando a diminuição
da atividade muscular e conseqüente facilitação da congestão vascular, a redução da
ingestão líquida na ELA bulbar provocando desidratação, a hipoxemia acarretando lesão
no endotélio vascular e relaxamento das paredes dos vasos, todos são motivos para o
desenvolvimento de trombose venosa profunda. Entretanto, a incidência de TVP na ELA é
subestimada.
Qureshi e col estudaram a incidência de TVP em 700 indivíduos com ELA entre os
anos de 1998 a 2004 que participaram de trials com topiramato, creatina e celexoxib.
39
Foram excluídos os pacientes que tomaram topiramato porque havia maior incidência de
TVP (6% X 1% dos placebos)
A incidência anual de TVP em ELA foi de 2.7%. Esse resultado é mais elevado do
que da população geral e de pacientes hospitalizados; e similar aos dos indivíduos com 65
a 69 anos. Nos indivíduos com ELA a TVP era mais freqüente naqueles com pior escala
funcional, menor capacidade vital e menor força nas pernas, sugerindo associação com
imobilidade e diminuição da função pulmonar. Aproximadamente 50% dos casos eram
assintomáticos e tromboembolismo pulmonar aconteceu em 1.6% dos indivíduos. Os
autores alertam para o risco de TEP nos pacientes com ELA.
Numa carta, publicada na Neurology (2007;68:2046-2047), Fumiharu Kimura,
Osaka, Japan, comenta o trabalho de Qureshi e at e relata um paciente com ELA, 61 anos,
que desenvolveu uma insuficiência respiratória aguda por TEP que poderia ser confundida
com a insuficiência ventilatória que ocorre com a progressão da ELA. Para o autor, a chave
do diagnóstico de TEP foi a presença de hipoxemia (PO2 59.7), hipocapnéia (PCO2 24.8) e
aumento da diferença de oxigênio alveolar-arterial, padrão não observado na fase terminal
da ELA. O caso tinha sido publicado na Neuromuscular Disorders 2006;16:204-207
(Wheelchair economy class syndrome in amyotrophic lateral sclerosis).
Este paciente trabalhava 8 horas por dia, sentado na sua pequena cadeira de rodas.
O dopller revelou trombose na veia poplítea direita, sugerindo que a compressão da veia
poplítea foi uma complicação desse tipo de cadeira de rodas que limita os movimentos
articulares. O mecanismo da estase venosa nos indivíduos que utilizam essas cadeiras de
rodas é similar à síndrome da classe econômica (TVP nos indivíduos que realizam vôos de
longa distância).
Segundo Kimura et al, para prevenção de TVP nos pacientes com doenças
neuromusculares incluindo a ELA, especialmente nos cadeirantes, são necessários
exercícios nas pernas, passivos ou ativos, boa hidratação e correta posição de sentar na
cadeira de rodas. Quando sentado, a posição do joelho deve ser inferior a da articulação do
quadril, assim há redução na congestão venosa nos membros inferiores.
Devemos ficar alerta da presença de TEP como causa tratável de insuficiência
ventilatória aguda (hipoxemia e hipocapnéia) num paciente com ELA.
40
Astrocytes expressing ALS-linked mutated SOD1 release factors selectively toxic to
motor neurons. Nagai M et al. Nat Neurosci 10: 615, 2007.
Non–cell autonomous effect of glia on motor neurons in an embryonic stem cell–based
ALS model. Di Giorgio FP et al. Nat Neurosci 10:608, 2007.
Fugindo do propósito do nosso boletim (Neuroatual) que é conter resumos dos
artigos atuais de utilização prática para os neurologistas do Brasil não me contive para,
pelo menos, citar dois artigos publicados recentemente na Nature e que foi tema de dois
editoriais, um na própria Nature Neuroscience (2007:10:535-537) e outro na Science
(2007;316:353).
São estudos básicos com neurônio motor e astrócitos derivados de células
embrionárias portadores da mutação da SOD1. Realmente a leitura dos artigos é pesada,
especialmente a metodologia e os resultados, entretanto os novos conhecimentos obtidos
pelos pesquisadores podem, num futuro próximo, serem transportados para a nossa prática
diária.
Brevemente, os estudos revelaram que a mutação da SOD1 tem seu efeito tóxico no
astrócito e não no neurônio motor, ou seja, é o astrócito que mata o neurônio motor. Mais
ainda, os pesquisadores identificaram um fator solúvel produzido pelo astrócito como o
responsável da morte do neurônio motor.
A caracterização desse fator tóxico terá inúmeras implicações clínicas, por
exemplo, marcador biológico para o diagnóstico precoce, monitorar tratamento,
possibilidade de novas estratégias terapêuticas, etc. Espera-se que essas descobertas sejam
válidas para a ELA esporádica.
41
MOLÉSTIAS NEUROMUSCULARES
Dra. Márcia Cruz
Genetics of inclusion-body myositis. M.Needham et al. Muscle & Nerve 35: 549, 2007.
A forma esporádica de miosite por corpos de inclusão é considerada a miopatia adquirida
mais comum em pacientes acima dos 50 anos, de origem caucasiana.
De forma característica causa fraqueza seletiva dos flexores do antebraço e do quadríceps,
com comprometimento mais tardio distal de MMII, proximal dos MMSS, e da musculatura
faríngea causando disfagia.
Quanto aos aspectos histopatológicos chama a atenção um componente inflamatório
intramuscular onde predominam as células T do tipo CD8, e a expressão aumentada dos
antígenos de complexo de histocompatibilidade (MHC) de classe I.
Também há evidência de mitocondriopatia com deficiência de citocromo C oxidase e
presença ragged red fibers, assim como existe componente degenerativo com formação de
vacúolos e inclusões tubofilamentares e eosinofílicas nas células musculares. As inclusões
protéicas são feitas de beta amilóide e proteína precursora de amilóide, pela Tau
fosforilada, alfa 1 anti quimotripsina, alfa sinucleína, proteína priônica e apolipoproteína E
(proteínas tipo Alzheimer).
As pesquisas mais recentes apontaram para a importância dos componentes inflamatório e
degenerativo na gênese do processo, mas não se sabe ainda exatamente como interagem.
Sabe-se haver interação entre a expressão de citocinas pró-inflamatórias e a produção
aumentada de beta amilóide, mas não se conhece ainda definitivamente o mecanismo.
Vários são os fatores genéticos que podem contribuir para o surgimento e progressão da
miosite por corpos de inclusão, principalmente algumas combinações de alelos ligados ao
MHC em algumas populações, levando à maior susceptibilidade para a doença. Estes
fatores interagem com fatores ambientais (provavelmente virais) e ligados ao
envelhecimento.
A forma familiar é rara e ligada aos antígenos HLA principalmente DR3.
42
Já a forma hereditária pode ser de herança autossômica dominante ou recessiva e a
importância da compreensão dos genes envolvidos e de sua patogênese tem contribuído
para melhor conhecimento da patogênese da forma esporádica que é mais comum.
As formas autossômicas recessivas podem estar ligadas ao gene GNE (N acetil
glucosamina epimerase (cromossoma 9p13) que causa redução da atividade da enzima
GNE e alteração do metabolismo do ácido siálico. Nestas formas o início é precoce, não há
processo inflamatório e não há expressão aumentada dos antígenos do MHC I. As formas
autossômicas dominantes podem ser ligadas a mutações no gene MHC IIa (myosin heavy
chain) (cromossoma 17p 13) ou no gene VPC (cromossoma 9p13p12). Nesta última forma
existe associação com Doença de Paget.
Esta revisão exatamente sumariza o estado atual do conhecimento da contribuição da
susceptibilidade genética no desenvolvimento da forma esporádica, assim como explora a
genética das formas hereditárias e familiares.
A importância da melhor compreensão destes mecanismos vem do fato de ser esta uma
condição de difícil tratamento, que só poderá ser otimizado na medida que for melhor
compreendida.
43
NEUROGENÉTICA
Dr. Renato Puppi Munhoz
The neuronal sortilin-related receptor SORL1 is genetically associated with
Alzheimer disease. Rogaeva E et al. Nat Genet 39:168, 2007.
A associação entre o gene neuronal sortilin-related receptor (SORL1) e a doença de
Alzheimer (DA) de início tardio, publicada da Nature Genetics, dá ainda mais importância
ao papel do amilóide na patogênese desta doença.
Este estudo foi publicado pelo grupo da Universidade de Toronto e demonstrou o
papel deste gene na manipulação intracelular da proteína precursora do amilóide (PPA) da
membrana celular. As proteínas amilóides que ajudam a formar as placas típicas da
patologia da AD são um produto da quebra da PPA. Esta quebra pode gerar tanto
fragmentos inócuos e solúveis quanto fragmentos “tóxicos”, insolúveis e capazes de formar
placas. Um estudo anterior publicado no Archives of Neurology em 2004 já havia
demonstrado que os níveis de SORL1 estão anormalmente baixos no tecido cerebral da
DA. Por outro lado, quanto maior forem os níveis de SORL1, mais PPA será metabolizado
pela via que leva à formação de fragmentos inócuos. Assim, o papel da SORL1 seria o de
selecionar e/ou facilitar esta via mais adequada. Por este motivo, a relação entre este gene e
a patologia da AD tem implicações muito significtativas: por exemplo, a elevação da
expressão do SORL1 pode reduzir a formação de amilóide, logo a manipulação da
expressão deste gene pode ser uma das grandes linhas de pesquisa nos próximos anos.
Variations in the APP gene promoter region and risk of Alzheimer disease. GuyantMaréchal L et al. Neurology 68:684, 2007.
O gene da proteína precursora do amilóide (PPA), com papel bem definido em
raros casos de demência de Alzheimer (DA) de início precoce e herança autossômica
dominante, pode representar mais do que uma causa monogênica desta forma de demência.
O estudo de Guyant-Maréchal e cols fez a análise genética de 5 polimorfismos num grupo
44
de 427 pacientes com DA e 472 controles encontrando uma associação entre uma destas
mutações em ponto rs463946 (-3102 G/C) e a ocorrência da DA. Desta forma o gene da
PPA provavelmente tem um papel como fator predisponente para DA, encorajando a
análise de outros polimorfismos neste gene em populações de origens étnicas diferentes da
Francesa estudada por este grupo.
45
DOPPLER TRANSCRANIANO
Dra. Viviane Flumignan Zétola
Dr. Marcos C. Lange
The Stroke Outcomes and Neuroimaging of Intracranial Atherosclerosis
(SONIA) Trial. Feldmann et al. Neurology, 68: 2099, 2007.
Ambos exames, o Doppler transcraniano (DTC) e Angioressonância (ARM), podem
identificar doença aterosclerosclerótica intracraniana, mas ainda não foram validados em
relação ao padrão-ouro a arteriografia digital (AD). Para o estudo WASID (Warfarin
Aspirin Symptomatic Intracranial Disease) foi necessária a realização de AD para
identificação de estenose intracraniana, e permitiu para o seu seguimento prospectivo a
utilização de DTC e ARM. O objetivo do projeto SONIA (Stroke Outcomes and
Neuroimaging of Intracranial Atherosclerosis) foi definir os padrões de anormalidades no
estudo combinado DTC/ARM a partir da identificação de estenose intracraniana de
grandes artérias pela AD, entre 50 e 99%.
Resultados: 407 pacientes em 46 centros localizados no EUA foram avaliados. Definiu-se
os valores de corte para os testes não invasivos para avaliação prospectiva. Para o DTC o
valor preditivo positivo (VPP) e o valor preditivo negativo (VPN) 36% (95% CI:27 a 46) e
86%(95% CI:81 a 89) respectivamente. Para o exame de ARM o valor definido foi VPP
59% (95% CI:54 a 65) e VPN 91% (95% CI:89 a 93). Para os valores de corte modificados
com objetivo de maximizar ao máximo o VPP, os valores foram para o DTC: VPP 50%
(95% CI:36 a 64) e VPN 85%(95% CI:81 a 88); e para a ARM: VPP 66% (95% CI:58 a
73) e VPN 87% (95% CI:85 a 89).
Conclusões: tanto o DTC e ARM identificaram estenoses entre 50 e 99% de grandes
artérias intracranianas com VPN substancial. O SONIA permitiu que a associação de ARM
e DTC exclua a presença de estenose de grandes vasos intracranianos. Os achados
anormais nos exames de DTC/ARM necessitam confirmação com AD para melhor
identificação e quantificação da estenose intracraniana.
Comentários:
O estudo SONIA apresentou importante resultado prático para os neurologistas que lidam
com doenças cerebrovasculares pois permitiu um avanço na pesquisa etiológica do AVC
46
isquêmico. A estenose das principais artérias intracranianas pode ser excluída com exames
não-invasivos, cuja combinação de DTC e ARM pode ser considerado como screening
para lesões entre 50 a 99% nas artérias cerebrais média, carótida cavernosa, vertebrais e
basilar, permanecendo a necessidade de confirmação com angiografia digital para casos
positivos.
Prevalence of asymptomatic intracranial atherosclerosis in high-risk patients. Wong
et al. Neurology, 68: 2035, 2007
Este estudo avaliou com Doppler Transcraniano (DTC) 3057 pacientes com pelo menos
um fator de risco vascular (hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia) e sem doença
cerebrovascular prévia com o objetivo de identificar estenose de artéria cerebral média
(ACM) em uma população oriental.
Resultados: 12,6% dos pacientes estudados apresentaram sinais de estenose de ACM pelo
DTC. Os principais fatores associados com este achado foram a idade, a presença de
hipertensão, diabetes e dislipidemia, sendo que o achado de estenose foi mais freqüente nos
pacientes com maior número de fatores de risco associados: 7,2% na presença de um fator,
10,6% com dois fatores, 20,4% com três fatores e 29,6% com quatro fatores associados.
Conclusão: estenose assintomática de ACM é comum em pacientes com fatores de risco
vasculares.
Comentários: o estudo demonstra alta prevalência de estenose intracraniana na ACM em
pacientes com fatores de risco vasculares em uma população oriental. É possível que estes
achados não possam ser extrapolados para outras populações visto que essa é uma doença
de prevalência racial. No Brasil, contudo, devemos considerar a mistura racial e considerar
esse screening em pacientes sem etilogia definida. Embora esse estudo não objetivou
análise clínica e prognostica, outros artigos demonstram claramente que pacientes
portadores de estenoses sintomáticas intracranianas apresentam altos índices de recorrência
de AVC. O advento do DTC propicia uma investigação sem invasibilidade e com baixo
custo, abrindo fronteiras para o diagnóstico e conseqüente terapêutica específica.
47