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Extinção
em massa
Nos oceanos o
tamanho importa
Os maiores animais marinhos
são os que
têm maior risco de desaparecerem
das
águas do planeta. É um padrão de extinção sem precedentes, avisam os cientistas que
analisaram o passado de moluscos e vertebrados recuando até há 445 milhões de anos
Andrea Cunha Freitas
ebaixo de água, os
maiores
animais
são os que correm
mais perigo de cxtinção, conclui um
estudo publicado
semana na
revista científica
Science. A ameaça,
diz uma equipa de
dos Estados Unidos, vem
cientistas
do homem, mais precisamente,
da pesca. O que está a acontecer
nos oceanos é muito diferente do
que se passou há milhões de anos,
constatam os autores do trabalho
que relaciona o nível de ameaça
com as características ecológicas
dos animais.
"Percebemos que a ameaça de
extinção nos oceanos modernos
está fortemente associada com o
tamanho do corpo dos animais",
refere Jonathan Payle, investigador
da Universidade de Stanford, na
Califórnia, no comunicado sobre o
estudo que analisou 2497 espécies
-
marinhas extintas e actuais
de fora
ficaram animais com menos de cinco
centímetros, difíceis de se encontrar
no registo fóssil. "Isto deve-se muito
provavelmente ao facto de as pessoas terem agora como alvo espécies
maiores para o consumo", acrescenta, realçando que o desaparecimento
destes animais seria devastador para
os ecossistemas marinhos.
O motor desta mudança inédita no
padrão de extinções no oceano está
nas tecnologias que nos levaram de
uma pesca limitada a zonas costeiras
até aos mares mais profundos, abordo de embarcações maiores e mais
preparadas
para a pesca a grande
escala. "Quando os humanos entram
num novo ecossistema, os maiores
animais são os que são mortos primeiro. Os sistemas marinhos foram
poupados até agora porque os humanos estiveram restritos a áreas costeias e não tinham a tecnologia para
pescar no oceano profundo numa
escala industrial",
nota Noel Heim,
outro dos autores do artigo.
"A baleia-azul
está em perigo de
devido
à
extinção
caça da baleia, o
atum-do-sul, muito usado no sushi,
está em perigo crítico de extinção.
O dugongo-de-steller,
parente do
manatim, foi levado à extinção no
século XVIII por causa da caça. Vivia
no Norte do oceano Pacífico", diz ao
PÚBLICO Andrew Bush, outro autor do estudo, da Universidade de
Connecticut.
Os cientistas analisaram a associação entre o nível de ameaça de
uma espécie e características como
o tamanho, em dois grandes grupos
-
de animais marinhos
os moluscos
e os vertebrados
nos últimos 500
anos. E compararam esta informação com o registo fóssil marinho
desde há 445 milhões de anos, com
uma atenção maior para os últimos
66 milhões de anos. O registo fóssil
mostra que no passado houve vários
momentos de extinção em massa. O
último terá ocorrido há 65 milhões
de anos, quando os dinossauros foram extintos, após a colisão de um
-
meteoro com a Terra.
Agora, mergulhamos na anunciada "sexta extinção". E a ameaça não
vem do espaço. Investigadores de várias áreas concordam que o responsável pela limpeza de espécies
ocorre a um ritmo assustador
- que
- é,
desta vez, o homem. Mas a época
em que vivemos é única, comparando com as extinções em massa que
ocorreram no passado, pelo impacto
que está a ter nas maiores criaturas
marinhas, revela este estudo.
Nos continentes o padrão tem sido
igual. "As extinções passadas, de origem humana, afectaram principalmente organismos grandes, estamos
a falar da extinção da megafauna,
principalmente mamíferos e aves,
que ocorreu há alguns milhares de
anos e que levou à extinção de 70
a 80% dos animais com mais de 35
quilos, os moas, os mamutes, os
grandes rinocerontes, por exemplo", explica ao PÚBLICO Miguel
na Universidade
na Rede de
Investigação em Biodiversidade e
Biologia Evolutiva.
"Usámos registos fósseis para
mostrar, de uma forma convincente
e concreta, que o que está a acontecer no oceano moderno é realmente
diferente do que aconteceu no passado", afirma Noel Heim. Os investigadores concluíram que animais
Araújo, professor
de Évora e investigador
com uma massa corporal dez vezes
maior, têm 13 vezes mais hipóteses
de serem extintos. Quanto maior,
pior. Os cálculos e cenários proposlevam a crer
tos pelos investigadores
que os efeitos da sexta extinção podem ultrapassar, em número de espécies e ritmo, o que aconteceu há
65 milhões de anos.
"Desde o princípio
dos anos
2000
importanque houve contribuições
tes em revistas como a Science e a
Nature, que descrevem o efeito do
que se chama 'fishingdown thefood
web' o que quer dizer que estamos
a pescar no sentido decrescente da
cadeia tronca. Pescávamos os grandes predadores, vamos passar aos in-
termédios e, qualquer dia, estamos
aí a apanhar alforrecas", refere ao
PÚBLICO Henrique Cabral director
do MARÉ (Centro de Ciências do Mar
e do Ambiente) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Um dos autores citados pelo investigador português é Daniel Pauly, um
biólogo marinho francês da Universidade de British Columbia, no Canadá, que tem publicado vários artigos
que mostram como os resultados da
pesca intensiva e o impacto no ambiente marinho são muito maiores
do que se pensava. Fora do radar das
estatísticas oficiais, denuncia Daniel
Pauly, faz-se uma pesca intensiva
sem limites ou remorsos que está a
destruir muitas espécies.
O leão-marinho-japonês
foi
(Zalophusjaponicus)
considerado extinto em 1994
fenómeno complexo
os resultados do novo estulo não surpreendem Henrique Ca)ral, que é especialista em ecologia
narinha. "Os peixes de maiores dinensões, como é o caso dos atuns
há muito que
: de alguns tubarões,
;stão ameaçados. Já para não falar
los mamíferos marinhos que em
çrande parte dos oceanos não são
pescados mas também são muito
afectados porque as suas presas são
alvo de pesca", diz, sublinhando que
que estão no topo das
cadeias troncas têm uma capacidade
os organismos
bastante limitada. E
exemplifica: "Um tubarão pode ter
apenas uma, duas, três crias por geração. Sendo que alguns tubarões
só conseguem reproduzir uma vez
porque demoram bastante tempo
a atingir a maturidade sexual, eles
têm de viver 40 anos para chegar
pela primeira vez a um evento reprodutivo. E com a pressão da pesca, a
alteração dos ambientes marinhos e
a poluição, começa a ser difícil".
Infelizmente, a pesca não é a única
mas apenas uma das ameaças, defende o cientista: "É muito difícil distinguir o efeito isolado de pressões.
Não conseguimos saber o efeito da
pesca só, e o efeito das alterações
climáticas, e o da poluição. Eles apade reprodução
recem todos juntos. Na nossa costa
temos todos esses factores. O que
se diz muitas vezes em artigos talvez um bocado apocalípticos é que
de efeitos negativos
poderão levar à extinção de algumas
espécies". Um apocalipse que, aliás,
pode acontecer em breve. "Nos arti-
a salvo. O que hoje temos
cada vez mais evidência é
que não é assim. Alguns
ecossistemas
são úni-
sobre estes assuntos há duas ou três décadas nem
se falava em prazos. Dizia-se apenas
'atenção, estas espécies estão a diminuir'. Agora, há artigos que tentam
projectar isso no tempo e que nos falam de desaparecimento e extinção
em décadas, poucas décadas".
Para Douglas McCauley, outro dos
autores do estudo, as alterações climáticas poderão tornar-se no maior
problemas de todos. "Se não fizer-
limitados e
Uma
frágeis.
pequena alteração,
estas sinergias
gos que se publicavam
mos nada em relação às alterações
climáticas o fim desta história das
extinções pode ser um pouco diferente. As alterações climáticas podem
até tornar-se no maior responsável
das extinções", disse o investigador,
da Universidade da
Califórnia,
ao PÚ-
BLICO.
Possivelmente
te-
mos andado pouco
atentos ao que se
passa debaixo de
água, concentrando as atenções no que temos em terra firme, mais próximo
de nós. "Durante décadas ou séculos houve uma ideia de
que o oceano é gigantesco e é impossível
o homem ir a todos
os lados no oceano
e, por isso, ele estava
cos, bastante
mesmo que seja remota, desse ambiente devido ao homem pode ter
efeitos significativos,
que começam
agora a estar documentados e que
diz Henrique
desconhecíamos",
Cabral. Miguel Araújo acredita na
"resiliência do sistema oceano".
Mas até a um certo ponto: "Quando se dão mudanças neste sistema,
elas são bruscas e têm repercussões em todo o sistema terrestre e
planetário."
A real percepção
do que está a
acontecer nos oceanos está a vir ao
de cima. Mas, falta a incontornável questão: ainda vamos a tempo
de mudar alguma coisa? Jonathan
Payne responde que sim. "Não podemos fazer muito para reverter
as tendências do aquecimento dos
oceanos e da acidificação, que são
duas ameaças reais que têm de ser
encaradas. Mas podemos mudar as
ameaças relacionadas com a forma
como caçamos e pescamos. As populações de peixes têm a capacidade de recuperar muito mais rapidamente que a química dos oceanos
ou do clima. Com decisões de gestão apropriadas ao nível nacional e
internacional, podemos dar a volta
a isto relativamente rápido".