Fibras metálicas para reforço de betão

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Fibras metálicas para reforço de betão
Fibras metálicas para reforço de betão
O concreto reforçado com fibras nada mais é que um compósito constituído de duas
fases - a matriz e as fibras. As propriedades deste compósito são determinadas pela
interação entre as propriedades da matriz e das próprias fibras.
A utilização de compósitos já tem uma vasta aplicação em diversos segmentos, e
vem experimentando grande expansão também na construção civil, com algumas
aplicações já consagradas como as telhas de fibrocimento, painéis de vedação
vertical, placas de plásticos reforçados com fibras de vidro, e em estruturas de
concreto de túneis, de pisos industriais e pavimentos rígidos.
As fibras podem ser sintéticas e orgânicas (polipropileno ou carbono), sintéticas e
inorgânicas (aço ou vidro), naturais e orgânicas (celulose) ou naturais e inorgânicas (asbesto ou amianto).
Fibras de aço
As fibras de aço podem ser obtidas a partir de diferentes processos de produção, havendo três tipos
produzidos e comercializados no Brasil atualmente:
- Fibras de aço produzidas a partir da sobra da produção de lã de aço, cortadas com comprimentos
variando entre 25 e 60 mm (1" e 2 ¼"), sendo conformadas longitudinalmente de modo a obter um perfil
ondulado. Hoje, salvo encomendas especiais para obras de grande porte, os fabricantes têm disponibilizado
este tipo de fibra somente com comprimento de 38 mm e diâmetro equivalente (diâmetro da circunferência
com área equivalente à seção transversal da fibra) de 1,05 mm. São as fibras de aço de menor preço e
desempenho, porém dependendo dos preços de mercado das armaduras convencionais (telas soldadas e
barras de aço) e dos outros tipos de fibras, podem constituir uma solução de excelente relação custobenefício, o que viabiliza seu uso mesmo em dosagens bem maiores;
- Fibras de aço produzidas a partir do corte de chapas de aço (convencional ou inóx), resultando em seção
transversal retangular, tendo suas extremidades conformadas para obtenção de ancoragem em gancho.
Normalmente, apresentam preço e desempenho maiores que as fibras onduladas, porém menores que as
fibras de trefiladas;
- Fibras de aço de arame trefilado, produzidas a partir da trefilação (encruamento) do fio-máquina até a
obtenção de fios com diâmetros entre 0,55 a 1,05 mm e comprimentos entre 30 e 66 mm (dimensões
disponíveis no Brasil), com ganchos conformados nas extremidades ou totalmente onduladas. Resultado da
trefilação progressiva do arame (redução do diâmetro inicial de aproximadamente 6 mm para menos de 1
mm), obtém fios de elevada resistência (> 1.000 MPa). Este tipo de fibra pode ser produzido com aço de
alto teor de carbono o que resulta em fios com resistências ainda maiores (> 1.700 MPa), possibilitando
seu emprego em concretos de elevada resistência. Existem ainda, fibras especiais de arame trefilado
produzidas com diâmetros inferiores a 0,16 mm e comprimentos da ordem de 10 a 15 mm, utilizadas para
reforço de concreto de elevadíssima resistência (> 100 MPa). Este último tipo de fibra não é fabricado
atualmente no Brasil. As fibras de aço de arame trefilado lideram as vendas no Brasil e no mundo;
A adição de fibras de aço (classificadas como fibras de alto módulo) ao concreto inibe e dificulta a
propagação das fissuras, devido ao seu alto módulo de deformação, resultando em uma grande capacidade
de redistribuição de esforços e controle de fissuração do concreto, mesmo em dosagens baixas.
Com a incorporação de fibras, o concreto perde sua característica de material marcadamente frágil. Isto
ocorre pelo fato da fibra servir como ponte de transferência de tensões pelas fissuras, minimizando a
concentração de tensões nas extremidades das mesmas. Disto decorre uma grande redução da velocidade
de propagação das fissuras no concreto que passa a ter um comportamento pseudo-dúctil, ou seja,
apresenta certa capacidade portante pós-fissuração.
Quase que na totalidade dos casos práticos, na execução de pisos e pavimentos de concreto, o teor de
fibras de aço empregado situa-se abaixo do volume crítico, teor este que corresponde ao volume de fibras
no qual o compósito manteria a mesma capacidade portante após a ruptura da matriz, sendo que para
dosagens maiores que este volume crítico, o compósito continua aceitando níveis crescentes de
carregamentos. O volume crítico de fibras, para o caso das fibras metálicas, situa-se em torno de 1% (~ 78
kg/m³).
Porém, com as dosagens normalmente empregadas (abaixo do volume crítico) a principal contribuição das
fibras se dará no comportamento pós-fissuração da matriz, pois serão responsáveis pela redução da
propagação das fissuras e pelo aumento da tenacidade, que representa o trabalho dissipado no material até
certo nível de deflexão. O valor do módulo de ruptura não é alterado com a incorporação de fibras nestes
teores em relação ao concreto sem fibras, contudo, há uma enorme mudança nas características quanto as
deformações após a primeira fissura.
Da verificação de que o desempenho do compósito é fortemente influenciado pelo posicionamento
(inclinação) das fibras em relação ao sentido da tensão principal de tração, surge a recomendação prática
de que a fibra deve ter um comprimento igual ou superior ao dobro da dimensão máxima característica do
agregado, pois nestas dimensões o alinhamento das fibras em relação à fissura é facilitado, permitindo que
as mesmas atuem com mais eficiência na transferência de tensões nas fissuras. Daí vem a explicação
para as antigas recomendações do ACI (1993) em limitar a dimensão máxima característica do agregado
em 19 mm, nos concretos reforçados com fibras de aço. Ensaios comparando o desempenho de concretos
com brita 1 somente e britas 1 e 2, indicaram que, para relação água-cimento constante, as resistências à
compressão foram bastante parecidas; já quanto a resistência à tração na flexão e a tenacidade, os
concretos com brita 1 apresentaram desempenho superior.
Para verificação e controle de tenacidade do concreto com fibras, dentre os diversos ensaios propostos,
duas metodologias são normalmente aplicadas, a da ASTM C1018 (1994) e a JSCE-SF4 (1984). Apesar de
haver diversas metodologias em fase desenvolvimento e aprimoramento, o acervo técnico existente até o
momento, com o histórico de resultados de ensaios de laboratório e de campo e que servem de referência
para a elaboração de projetos, foram obtidos empregando-se as duas metodologias já citadas (ASTM e
JSCE). Os programas de dimensionamento de pisos e pavimentos, bem como a maioria das fichas
técnicas dos fabricantes nacionais, ainda trazem medidas da tenacidade caracterizada pelos parâmetros
determinados nestes dois ensaios (corpos-de-prova prismáticos).
No entanto, os ensaios de tração na flexão em prismas têm todos uma grande limitação: não possibilitam a
avaliação comparativa de desempenho entre os concretos reforçados com fibras e aqueles reforçados com
telas metálicas. Para este tipo de comparação devem ser realizados ensaios em placas.
As propriedades mecânicas do concreto reforçado com fibras de aço são influenciadas por diversos
parâmetros, incluindo o tipo e dosagem de fibras, fator de forma (aspect ratio) e o comprimento da fibra,
resistência da matriz e a dimensão máxima característica do agregado. O fator de forma da fibra tem
grande importância na alteração das características do concreto, tanto no estado endurecido, onde
normalmente quanto maior o fator de forma maior o desempenho, como quanto no estado fresco, onde
quanto maior o fator de forma, maior será o impacto adverso na trabalhabilidade. A retração e a fluência
não são afetadas pela adição das fibras, porém constituem importante instrumento de controle de
fissuração, quando do aparecimento de tensões de tração impostas pela retração restringida.
- A influência do fator de forma e do teor de fibra no desempenho do compósito (tenacidade) pode ser
ilustrada pelo gráfico abaixo, com a melhoria da performance com o incremento nos valores destes dois
parâmetros (maior fator de forma e aumento da dosagem:
Figura 1 (acima) - Influência do fator de forma (l/d) da fibra de aço no desempenho do compósito, para uma
mesma matriz (concreto fck = 30 MPa) e fibras com o mesmo comprimento (l = 60 mm) - fonte N.V.Bekaet
S.A.
- Mantendo-se constante o fator de forma e a resistência da
matriz, o desempenho do compósito é ligeiramente aumentado
pelo aumento no comprimento das fibras:
Figura 2 (ao lado) - Influência do comprimento(l) da fibra de
aço no desempenho do compósito, para uma mesma matriz
(concreto fck = 30 MPa) e fibras com o mesmo fator de forma
(l/d = 60) - fonte N.V.Bekaet S.A.
- A melhoria da qualidade da matriz, medida pelo aumento da
sua resistência mecânica, proporciona aumento no
desempenho do concreto com relação à tenacidade, o que
pode ser justificado pela melhoria na aderência entre fibra e
matriz o que aumento a resistência ao arrancamento da fibra.
Este efeito é válido somente para uma faixa de resistência da
matriz, uma vez que, para fibras longas e em baixo teor, e em
concretos de elevada resistência, a carga necessária para o
arrancamento da fibra é tão grande que pode levar à ruptura
de algumas fibras, reduzindo o desempenho pós-fissuração
(Figueiredo, 2000):
Figura 3 (abaixo) - Influência da qualidade da matriz (caracterizada pela resistência do concreto) no
desempenho do compósito, para uma fibra de fator de forma igual a 80 (l/g = 80) e dosagem de 30 kg/m³ fonte N.V.Bekaet S.A.
Em virtude da queda de desempenho dos compósitos constituídos de matriz de elevada resistência e de
fibras de aço convencionais, principalmente no caso de emprego de fibras longas e em baixas dosagens,
foram criadas as fibras de aço com alto teor de carbono (maior resistência do aço) que apresentam
desempenho nitidamente maior em relação as fibras convencionais nestas condições.
A adição das fibras de aço normalmente é realizada, na central de concreto, através do espalhamento do
material na esteira de agregados (subida simultânea de agregados e fibras). Apesar de possível a adição
das fibras na obra, é sempre preferível a adição na central de concreto, permitindo uma mistura por um
tempo prolongado durante o percurso do caminhão até a obra. Este espalhamento deve ser efetuado de
forma cuidadosa a fim de se evitar a formação de ouriços, que são bolas formadas pela aglomeração de
fibras e da fração mais fina dos agregados e cimento. Uma vez formados os ouriços, mesmo uma mistura
energética é incapaz de separar o material. Os ouriços podem representar um risco de entupimento da
tubulação das bombas de concreto ou dos mangotes de projeção nos casos de concreto projetado.
Fibras com fatores de forma mais elevados apresentam maior tendência de embolamento (formação de
ouriços). O fornecimento de fibras coladas em pentes tem por objetivo reduzir a ocorrência de ouriços, uma
vez que a dispersão das fibras na mistura ocorre em duas fases subseqüentes: primeiro os pentes são
dispersos no concreto pelo processo de mistura, e posteriomente, a cola em contato com a água de
amassamento é dissolvida e as fibras são separadas de forma mais homogênea.
As fibras de aço com fatores de forma acima de 60 apresentam maiores riscos de embolamento, sendo
normalmente fornecidas em pentes. Entretanto, pode-se encontrar no mercado, fibras de aço com fator de
forma igual 75 e fornecidas soltas. A mistura é possível de ser realizada sem a formação excessiva de
ouriços, mas exige atenção e cuidados redobrados no lançamento das fibras na esteira de agregados na
central de concreto.
Algumas fibras são fornecidas, sejam soltas ou coladas, em embalagens
hidrossolúveis, podendo ser adicionadas diretamente no caminhão-betoneira
com o concreto já pré-misturado, tanto na central como na obra. Neste caso,
o lançamento das fibras deve respeitar uma velocidade máxima de 2 sacos
por minuto, além de uma mistura final por mais 5 minutos no mínimo, após o
término do lançamento das fibras. Apesar de este procedimento ser
amplamente utilizado na Europa, no Brasil são raras as experiências de
mistura das fibras desta forma, justificado pelo receio de embolamento excessivo.
Alguns profissionais ainda questionam se é possível a obtenção de uma adequada homogeneidade, com
relação à dispersão das fibras, nos concretos reforçados com fibras de aço. Pode-se afirmar com toda
segurança que, se os equipamentos de mistura (caminhões-betoneira, no caso das centrais dosadoras)
proporcionam adequada homogeneidade ao concreto sem fibras, certamente conduzirão a uma mistura
com qualidade (uniformidade) do concreto com fibras. O que acontece com certa freqüência infelizmente,
que alguns caminhões-betoneira apresentam condições inadequadas, com lâminas quebradas e/ou
desgastadas e excesso de concreto colado às mesmas, e produzem misturas com grande diferença de
consistência entre o início e o final da carga. Nas concretagens de pisos industriais, esta situação pode ser
notada pelo grande número de obras com problemas de pega diferenciada do concreto, resultado
principalmente, da falta de qualidade na mistura do concreto.
Outro problema associado ao uso de fibras de aço e comumente questionado no mercado é a ocorrência de
afloramento das fibras que apontam na superfície durante e após os trabalhos de desempeno mecânico.
Este problema não gera nada além de um desconforto do ponto estético, visto que as fibras apontadas na
superfície são incapazes de produzir a perfuração de pneus de empilhadeiras e carretas, e ainda porque a
corrosão destas fibras é também incapaz de conduzir ao destacamento da argamassa de cobrimento, pelo
reduzido diâmetro das fibras, produzindo apenas pequenos pontos de ferrugem na superfície do piso ou
pavimento. Logo, a avaliação do problema é uma questão somente estética e não funcional.
Obviamente, que dependendo da expectativa e da necessidade do cliente, o aspecto estético passa a ter
um peso também importante na aceitação do piso. Do mesmo modo, é certo que houve diversas obras com
problemas de afloramento excessivo de fibras.
Porém, todos estes comentários são válidos para desmistificar a polêmica em torno do problema,
colocando-o sem exagero nas suas reais amplitudes e conseqüências. Outro mito na execução dos pisos
industriais é a obrigatoriedade da execução de aspersão de agregados (salgamento) sobre o concreto
fresco nos concretos reforçados com fibras de aço. Logicamente que o salgamento auxilia na redução
acentuada do afloramento das fibras, mas seu uso deve ser justificado pela questão de durabilidade do piso
(aumento da resistência à abrasão), sendo, portanto, benéfico para o piso, seja ele armado, reforçado com
fibras ou protendido.
A possibilidade de ocorrência do afloramento de fibras está associada a algumas características do
concreto, procedimentos executivos e ao tipo e dosagem das fibras de aço. Traços com teor de argamassa
superior a 50% e abatimento superior a 100 mm, contribuem para minimizar a incidência do problema.
Grande parcela do problema pode ser eliminada por uma execução cuidadosa, com a utilização de
ferramentas, equipamentos e procedimentos adequados. Por último, o tipo e a dosagem das fibras
influenciam no risco de afloramento. A execução de pisos ou pavimentos de concreto reforçado com fibras
de aço de fator de forma igual a 80 e dosagem de 40 kg/m³, por exemplo, é muito mais trabalhosa e difícil
que a execução com fibras de baixo fator de forma (l/d < 50) e dosagens baixas (15 a 25 kg/m³).
Texto: Eng° Marcel Aranha Chodounsky da Trima Engenharia e Consultoria Ltda.
Publicado originalmente na revista Pisos Industriais/Cortesia, obedecendo à norma culta do portugês no
Brasil.
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