Crianças e adolescentes sem cuidados parentais na

Transcrição

Crianças e adolescentes sem cuidados parentais na
DOCUMENTO DE DIVULGAÇÃO LATINO-AMERICANO
Crianças e adolescentes
sem cuidados parentais
na América Latina
Contextos, causas e consequências
da privação do direito à
convivência familiar e comunitária
Um documento:
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Na América Latina milhares de crianças e
adolescentes carecem de cuidados parentais,
por não terem assegurada a condição básica
do desenvolvimento infantil: há de se pertencer
a um grupo que seja capaz de reconhecê-los em
sua singularidade, e ao mesmo tempo oferecerlhes afeto, respeitando e garantindo todos os
seus direitos.
Por isso esperamos que esta informação sobre
América Latina sirva àqueles que, desde
diferentes setores, são atores chaves na
visibilização, sensibilização e implementação de
respostas adequadas a tal problemática, e que
mesmo com suas limitações, contribua ao
conhecimento, à reflexão e concretização de
melhores opções de cuidado para o exercício
efetivo do direito a viver em família e
comunidade.
Apresentação
“…É preciso esforçar-se continuamente para
responder às condições de uma sociedade em constante
mudança e aceitar novos desafios pelo em estar das
crianças”.
Hermann Gmeiner
As crianças e adolescentes que por diversas
razões vivem sem o cuidado de seus pais ou os que estão
em risco de perdê-lo, são os mais expostos à pobreza,
discriminação e exclusão, fatores que, por outro lado,
podem torná-los mais vulneráveis ao abuso, exploração e
ao abandono.
Através desta publicação tentamos tornar visível a
realidade na qual vivem milhares de crianças e
adolescentes na América Latina e, desta forma, mostrar ás
diferentes organizações, instituições, governos e à
sociedade civil a situação dos mesmos.
Esperamos que a informação produzida seja uma
contribuição para o debate e inclusão do tema na agenda e,
assim, promover a construção de boas práticas e políticas
públicas que melhorem o bem-estar e possibilidade de
desenvolvimento de crianças e adolescentes sem cuidado
parental e/ou em risco de perdê-lo.
Este trabalho nos permite contar com uma
ferramenta e oportunidade de advogar pela promoção e
defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Conhecer
sua situação nos compromete a trabalhar por maiores
oportunidades, por melhorar as práticas e a legislação
relacionada e por maiores recursos para sua adequada
aplicação.
Os atuais esforços de Aldeias Infantis SOS estão
focados na conquista do objetivo estratégico de que um
milhão de crianças e adolescentes possa crescer em uma
família que os cuide. Isto requer focalizar os recursos e
desenvolver programas em lugares onde haja maior
necessidade e nas áreas onde se alcance maior impacto.
Investigar e analisar a situação da infância na América
Latina constitui um instrumento e um compromisso para
definir áreas de ação, e é nossa base para a tomada de
decisões.
Esta publicação também reforça o princípio de
cooperação e nossa convicção de que este caminho não é
possível percorrer sozinhos; senão que é aliados com os
estados, as diferentes organizações e a sociedade civil,
além dos próprios envolvidos e comunidades, que
conseguiremos obter um impacto maior. Tanto Aldeias
Infantis SOS como Relaf, compartilhamos uma mesma
visão no que se refere ao direito de crianças e
adolescentes a crescer em uma família e promover
soluções que respeitem este direito.
Aldeias Infantis SOS tem o compromisso de
aprofundar os esforços de investigação e análise e
esperamos que no futuro possamos contar com os estados
e outras organizações para aprofundar na temática e que
este informe se fortaleça e enriqueça continuamente.
Atenciosamente,
Heinrich Mueller
Secretário Geral Adjunto para América Latina e o Caribe
Aldeias Infantis SOS Internacional
Introdução
Na América Latina, milhares de crianças e
adolescentes carecem de cuidados parentais ao não ter
garantida a condição básica do desenvolvimento infantil: a
pertença a um grupo que seja capaz de reconhecê-los em
sua singularidade, ao mesmo tempo em que ofereça-lhes
afeto e respeite e satisfaça todos seus direitos.
Este documento se baseia no relatório latinoamericano Situação da infância sem cuidado parental ou
em risco de perdê-lo na América Latina. Contextos, causas
e respostas [1], o qual foi produzido a partir dos relatórios de
13 países da região. Os relatórios citados foram realizados
pela organização internacional Aldeias Infantis SOS para
conhecer a realidade das crianças sem cuidado parental ou
em situação de vulnerabilidade, que constitui seu campo
específico de ação, naqueles países onde esta
organização tem suas sedes.
As Aldeias Infantis SOS América latina e Relaf Rede Latino-americana de Acolhimento Familiar decidiram realizar o relatório mencionado no parágrafo
anterior, para o qual se utilizou como fonte a informação
proporcionada pelos investigadores dos diferentes países,
o que permitiu obter um panorama regional sobre a
questão. Ambas organizações definiram, em conjunto,
tanto os objetivos assim como as variáveis de estudo a
serem consideradas.
Assim que os propósitos foram definidos, a Relaf
constituiu uma equipe interdisciplinar que analisou, de
maneira crítica, o conjunto dos relatórios nacionais. A
equipe foi constituída por uma antropóloga, uma socióloga,
uma assistente social e uma licenciada em comunicação
social. Todas as integrantes da equipe, assim como sua
coordenadora, possuem experiência acadêmica em
investigação e em direitos da infância. Por outro lado,
contou-se com uma assistente, que é estudante avançada
de antropologia.
A informação obtida foi complementada com
bibliografia específica, assim como com uma descrição dos
avanços conquistados no campo das políticas públicas
destinadas às crianças, adolescentes e famílias em
situação de vulnerabilidade. (Para quem desejar ampliar a
informação contida neste documento, recomendamos a
leitura do relatório latino-americano.
Situação da infância sem cuidado parental ou em
risco de perdê-lo na América Latina. Ali encontrarão a fonte
completa, bem como os anexos de interesse: "Resumo de
bibliografias" e "Compromissos em eventos
internacionais").
Os técnicos responsáveis pelos relatórios
nacionais contam com uma reconhecida experiência em
investigação, pertencem a diferentes disciplinas e
aplicaram uma metodologia variada: recopilação da
informação estatística das fontes disponíveis em seus
países; grupos focais com "pessoas chaves"; entrevistas
com tomadores de decisões, crianças, famílias, etc. Os
resultados da tarefa empreendida é de grande relevância
se considerarmos a falta de informação sistematizada
sobre a questão.
Os países relevados foram: Brasil, Chile, Colômbia
Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México,
1 - Relatório completo disponível em espanhol em www.relaf.org
Nicarágua, Paraguai, República Dominicana e Venezuela.
Uma vez finalizada a versão preliminar do
mencionado relatório latino-americano, expertos
internacionais analisaram o material e realizaram
contribuições para sua melhoria. Seu generoso e
comprometido trabalho permitiu ajustar alguns dos
aspectos trabalhados. Dessa maneira foi incorporado a
este documento as contribuições de Rosa Maria Ortiz,
membro do Comitê dos Direitos da Criança das Nações
Unidas; Erica Brasil, investigadora da Universidade de
Nottingham, Inglaterra; Christina Baglietto e Cécile Maurin,
do Centro Internacional de Referência do Serviço Social
Internacional; Maria Eugenia Villarreal, de ECPAT - End
Child Prostitution, Child Pornography and Traficking of
Children for Sexual Purposes para América Latina, e
especialistas da área de advocacia de Aldeias Infantis
SOS.
É necessário enfatizar que, a respeito das muitas
variáveis que se pretendia analisar, há uma ausência total
de dados tanto oficiais como de organizações acadêmicas
ou organizações dedicadas à proteção de direitos da
infância em boa parte da região. Por esta razão pode ser
observado no relatório latino-americano assim como neste
documento, a falta de informação chave em alguns dos 13
países estudados. No entanto, e tendo sempre como pano
de fundo a situação de crianças e adolescentes latinoamericanos, deve considerar-se como um grande avanço
o que foi obtido: um panorama geral sobre a vigência de um
dos direitos fundamentais, o direito de contar com cuidados
parentais, uma das dimensões básicas do direito à
convivência familiar e comunitária.
É nosso desejo que este documento sirva como
fonte de informação, tanto para quem está relacionado ao
cuidado alternativo de crianças e adolescentes como para
quem, desde diferentes setores, são atores chaves para
dar visibilidade, sensibilizar e na implementação de
respostas adequadas: os meios de comunicação e a
sociedade em seu conjunto.
Esperamos que, mesmo com suas limitações,
contribua ao conhecimento, à reflexão e à prática de
melhores opções de cuidado para a efetivação do direito a
viver em família e comunidade.
Buenos Aires, abril de 2010.
Matilde Luna
I . Por que, na América Latina, há crianças e
adolescentes que perderam o cuidado de seus pais?
Os motivos da falta de cuidado parental são
múltiplos, variados e complexos, assim como o são as
conseqüências dessa situação para a vida dessas crianças
[2].
Para identificar as causas que geram a perda do
cuidado parental nas crianças
e adolescentes é
necessário remeter-nos às principais problemáticas
políticas, econômicas, sociais e culturais dos países da
região Desse modo podemos agrupar as causas dentro
dos seguintes conjuntos de problemáticas: políticas, tais
como conflitos bélicos e as migrações forçadas por
situações dessa índole; econômicas, que geram também
outro tipo de migração, assim como provocam numerosas
situações de vulnerabilidade familiar tais como a falta de
acesso à saúde, educação e moradia, desnutrição de
adultos e crianças. Situações, que por outro lado, estão
intimamente vinculadas às problemáticas sociais e
culturais como violência familiar, adições, trabalho infantil e
exploração sexual comercial, às quais se somam situações
de discriminação diante da incapacidade e da origem
étnica da população.
As crianças e adolescentes que atualmente não
dispõem de cuidado parental fazem parte, com
anterioridade, de um grupo em situação de risco. A
informação sistematizada e resumida aqui em seus tópicos
principais demonstra que existem numerosas e
identificáveis causas para a perda de cuidados parentais,
através das quais pode estabelecer-se qual é a população
de crianças e adolescentes que estão em risco de perder
tais cuidados ao estarem submetidas a este flagelo.
Primeiro veremos o contexto das causas para, em seguida,
enumerá-las e descrevê-las.
1. Relação entre a falta de cuidados e a situação de
pobreza.
América Latina é um continente que se caracteriza
por uma profunda desigualdade econômica e social,
tanto entre os países como no interior de cada um deles,
disparidade que se incrementou nas últimas décadas.
Outra característica que identifica a região é o grande
número de pessoas que vivem na linha de pobreza,
superando em média 30% da população total (ver mapa no
final do capítulo 1).
A pobreza e a desigualdade são identificadas
como as principais causas de perda ou risco de perda de
cuidados parentais na população infanto-juvenil. Nesse
ponto é imprescindível compreender que apesar da
pobreza ser identificada como causa principal da
problemática estudada, isso não permite estabelecer uma
relação linear entre crianças e adolescentes pobres e
aqueles carentes de cuidado parental.
A relação entre pobreza e falta de cuidado parental
é mais dinâmica e complexa. Não só as crianças pobres
que estão expostas à perda ou risco de perda de cuidados
parentais. Problemáticas como HIV, adições e violência
intra-familiar não são exclusivas de setores pobres,
embora nestes setores sejam mais visíveis. Entre outros
2 - Quando falamos crianças, nos referimos a crianças e adolescentes. Ver glosário.
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motivos, porque seus integrantes recorrem aos
mecanismos estatais para conseguir algum tipo de ajuda
que lhes permita sair de tais situações. No caso dos setores
não pobres, o acesso a ajudas profissionais, tanto de
saúde como de educação, realiza-se através de canais
particulares; razão pela qual não estão incluídos nas
estatísticas que o Estado realiza sobre estas situações, a
partir de dados provenientes das instituições públicas.
Da mesma forma, é importante destacar que os
setores pobres das sociedades latino-americanas
padecem de mais problemas sociais por estar vinculados
às enormes dificuldades que enfrentam para acessar os
serviços públicos que os Estados deveriam garantir a toda
a população, como educação, saúde, habitação e trabalho.
Todas as situações problemáticas vinculadas ao
risco de perda do cuidado parental se repetem quando
analisamos as causas da perda já consumada, o que nos
leva a destacar a necessidade de estudá-las pensando em
medidas de prevenção, proteção e fortalecimento familiar
que evitem o estado de vulnerabilidade que significa para a
infância carecer de cuidados parentais.
2. Identificação de causas e condições às quais
padecem crianças e adolescentes sem cuidado
parental.
Concentração demográfica nas regiões suburbanas
» Nas grandes cidades da América Latina, as regiões
precariamente urbanizadas são denominadas como “villa
miseria”, “bairros”, “favelas”, “pueblos jóvenes”.
“assentamentos urbanos”, entre outros.
Na análise da região observa-se que as zonas
rurais são as que apresentam maiores índices de pobreza
extrema de maneira absoluta. Esta situação gera
migrações internas, das zonas rurais às grandes cidades,
onde se formam “anéis” em torno das capitais ou cidades
importantes, onde se assenta um grande número de
famílias.
Esta migração do campo à cidade se deve a busca
de subsistência, uma vez que nos setores suburbanos
existe maior possibilidade de acesso a algum tipo de
moradia, estabelecimentos escolares, centros de saúde e,
sobretudo, há maiores possibilidades de obter empregos
temporários, informais, assim como diversas estratégias
de sobrevivência. Nesta dinâmica dos grandes
conglomerados suburbanos vivem tanto adultos como
crianças e adolescentes.
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Este fenômeno traz consigo outras problemáticas,
próprias da superlotação, tais como novas doenças,
adições, conflitos com as forças de segurança ou militares,
dependendo de cada país, por sua condição de “ilegais” ou
“usurpadores de terrenos ou espaços públicos”, etc.
Nestas migrações internas e adversas condições
de convivência, acontecem freqüentes separações de
crianças e adolescentes de sua família de origem.
Dificuldade no acesso à saúde. A marca do HIV/AIDS
» Equador: entre 2002 e 2008 estima-se que o número total
de pessoas com HIV/AIDS supera
9.270 pessoas
(homens: 5.972; mulheres: 3.298), das quais 212 são
meninas e 258 meninos, que representam 2,29% e 2,78%,
respectivamente [3]
» Os países da região onde há maior número de morte de
adultos por HIV/AIDS são os mais pobres em termos
absolutos: Haiti, Nicarágua e Guatemala.
O HIV/AIDS é causa de perda de cuidados
parentais e, ao mesmo tempo, uma das características das
crianças e adolescentes que perderam o cuidado de seus
pais por ser portadores do vírus. Ou seja, esta causa tem
duas dimensões: os adultos doentes de HIV/AIDS, que não
podem cuidar de suas crianças e adolescentes, e as
próprias crianças e adolescentes infectados com esta
doença, situação que é crescente e difícil de visibilizar na
região.
O HIV/AIDS é uma das principias causas de
orfandade de crianças e adolescentes da região, embora
se trate de uma doença que pode ser controlada quando
se garante o acesso aos centros de saúde e medicamentos
necessários.
Crianças e adolescentes órfãos
» Colômbia: segundo o relatório de 2005, seriam 835.410
crianças e adolescentes órfãos.
Devido às dificuldades encontradas para seu relevamento,
considera-se que a cifra é maior.
» Honduras: tem um total de 190.982 órfãos a nível
nacional. Dos quais, são órfãos de pai e mãe 9.489 (5%);
órfãos de mãe 51.357 (26,9%) e órfãos de pai 130.135
(68,1%) . Das crianças e adolescentes órfãos, 52,8%
moram na área rural e 47,2 % na área urbana.
» México: estima-se que há 1.600.000 crianças e
adolescentes órfãos e que pelo menos 40 mil têm como
causa o HIV/AIDS.
» Venezuela: possui 480.000 crianças e adolescentes
órfãos.
» República Dominicana: superam 120.500 as crianças
e adolescentes órfãos.
A orfandade é causa de perda de cuidados
parentais. Um grande número de crianças e adolescentes
alojados em instituições é órfão e não lhes é restituído o
direitos de viver em família quando perdem a própria.
No entanto, em muitas situações de perda de
cuidados parentais são as próprias famílias extensas e
3 - Todos os dados deste documento foram extraídos do Relatório Latino-americano.
Situação da Infância sem Cuidado Parental ou em Risco de Perdê-lo na América
Latina. Contextos Causas e respostas. Para os interessados em acessar o relatório
completo, consultar www.relaf.org
comunidades às quais pertenciam as crianças e
adolescentes as que assumem o cuidado, assegurando
sua permanência nos grupos aos quais se encontravam
vinculada anteriormente.
A orfandade é uma problemática derivada de
outras, como a desnutrição e a subalimentação, as
doenças e as dificuldades de acesso à saúde, as
catástrofes naturais, os conflitos armados de baixa
intensidade, como guerrilha e disputas geradas pelo
narcotráfico, que colocam em risco a vida das pessoas.
Como principal causa de orfandade, na maioria dos
países da América Latina, encontra-se o HIV/AIDS e as
situações de violência social, tanto em grupos antagônicos
como com as forças de segurança.
A vida em famílias mono parentais
» No Haiti, a formação de famílias mono parentais é
identificada pelos expertos como a principal causa de risco
para a perda de cuidados parentais. 32% (1.499.308) das
crianças e adolescentes estão em risco de perder
completamente o cuidado parental, e a maioria deles
pertence a uma família com um só genitor.
» No Paraguai , do total de crianças e adolescentes em
risco de perder o cuidado de seus pais, 25% vivem somente
com a mãe e 11% somente com o pai.
Esta é uma realidade fortemente vinculada à
problemática da saúde, enfrentamentos bélicos e/o
violência social, que põem em risco a vida dos adultos.
Soma-se a isso o desmembramento das famílias pelo
abandono por parte dos homens de seus lares conjugais.
Assinala-se que a ruptura dos vínculos está relacionada
tanto aos conflitos decorrentes do estresse que gera a
escassez de recursos econômicos, como às dificuldades no
desenvolvimento emocional, que impede de enfrentar as
situações de conflito entre os adultos, a compreensão dos
filhos adolescentes e oferecer o suporte necessário às
crianças, entre outros.
Junto ao mencionado, estão as problemáticas
vinculadas a questões de gênero, como é o mandato
“cultural” pelo qual “os filhos são responsabilidade das
mães”, que “devem” permanecer para cuidá-los, sob pena
de serem consideradas “inumanas” se não o fizeram,
adjetivo que não é utilizado no caso dos pais que não
assumem o cuidado de seus filhos.
A iniquidade de gênero tem muito peso na região,
persistindo sobre as mulheres uma sobrecarga a partir do
“mito do instinto maternal” e a legitimação do abandono e a
violência exercida pelos homens num contexto de forte
machismo.
As famílias mono parentais, formadas
principalmente por mulheres à frente do lar, são propensas
a situações de maior vulnerabilidade entre as crianças e
adolescentes, que costumam passar mais tempo sozinhos
em casa enquanto suas mães trabalham fora, assim como
padecem a escassez de ingressos na família, o qual requer,
em muitos casos, a mobilização dos mesmos em busca de
dinheiro, seja através de trabalhos precários, da
mendicância, ou de formas de exploração comercial,
inclusive a exploração sexual. Neste contexto , crianças e
adolescentes estão expostos a perder o cuidado de sua
família.
Gravidez na adolescência
» O relatório do Chile destaca que em torno de 23% das
mulheres que fazem pré-natal são adolescentes.
» No caso da Nicarágua representa 44,6% e em El
Salvador, as adolescentes grávidas constituem 124 de
cada mil.
A gravidez na adolescência na região é também
causa de perda do cuidado parental. Algumas das
situações relevadas nos países são: adolescentes como
chefes de família, situações de violência familiar como
conseqüência da gravidez, e abandono por parte das
adolescentes de suas casas em função da reprovação de
seus pais.
Segundo estudos sobre esta problemática, as
adolescentes de setores pobres têm maiores
possibilidades de engravidar por vários motivos: falta de
informação sobre métodos contraceptivos, falta de acesso
aos mesmos, falta de conhecimento sobre planificação
familiar, falta de contenção familiar, e falta de perspectiva
de futuro que não seja ligado à maternidade.
Em relação a este último ponto, tem-se observado
que as adolescentes que engravidam, em alguns casos,
desejaram sua gravidez, visto que é a única forma
consciente ou inconsciente na qual estas mulheres dão um
significado à sua existência, a partir do mandado da cultura
da maternidade.
Por outro lado, cabe destacar também que há
níveis cada vez mais altos de sexualidade precoce, assim
como de gravidez de crianças e adolescentes vinculadas à
violência e ao abuso.
É importante considerar este tema em toda sua
complexidade e diversidade: existe uma grande
quantidade de adolescentes grávidas que permanecem
em suas casas, com ou sem seus companheiros, e que são
acolhidas por suas famílias (pais, mães, avós, tios, etc.),
que acompanham este processo, e as integram ao grupo
de adultos e crianças que já moram nestas casas.
Aparece, então, a família e o grupo de pertença
novamente como um fator “protetor”, capaz de evitar que
estas adolescentes e seus filhos careçam de cuidados
parentais, o qual nos leva a considerar, mais uma vez, a
importância de atuar a favor destes grupos familiares
chamados “família extensa”.
Trabalho infantil e/ou exploração sexual e comercial
» No Chile é indicado que 238.187 crianças e adolescentes
entre 5 e 17 anos trabalham. Destes, 106.676 (44,9% do
total) o fazem em condições inaceitáveis (ex.: crianças de
11 anos ou menos, adolescentes de 12 a 14 anos que
abandonaram os estudos, adolescentes de 12 a 14 anos
que realizam trabalhos durante 14 horas ou mais por
semana), e 68.000 são menores de 15 anos. Um total de
88.428 (37,1%) crianças e adolescentes realizam
trabalhos em condições aceitáveis e 42.083 (17,6%)
realizam tarefas domésticas por, no mínimo, 21 horas
semanais, dos quais 85% são mulheres. Estas cifras,
muito significativas em relação à população total de
crianças e adolescentes do país, não contemplam o
número dos que trabalham e vivem nas ruas ou
instituições. Também não incluem a declaração “anônima”,
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para dar um nome, de parte das crianças e adolescentes
sobre as chamadas “piores forma de trabalho infantil”,
como são o comércio sexual e o tráfico de drogas.
Por outro lado, o trabalho agrícola de temporada é
desenvolvido por menores de idade, na maioria meninos,
de 5 a 14 anos (que totalizam 12.678 e representam 70,5%
do total dos envolvidos neste tipo de trabalho).
» Na Colômbia é preocupante: 14.887 crianças e
adolescentes aparecem como empregados domésticos.
Este fenômeno começa a ser encontrado desde os 5 anos
de idade.
» No México, estima-se que o número de vítimas de
exploração sexual e comercial supera os 80.000.
Uma porcentagem importante das crianças que
perderam ou estão em risco de perder o cuidado parental
está envolvida com alguma forma de trabalho ou
exploração infantil.
Este aspecto tem diversas dimensões que devem
ser consideradas. Nos setores mais pobres da população
estão fortemente vinculadas à necessidade de
subsistência, e como integrantes da família, as crianças
saem buscar alguma forma de subsistir diariamente.
No entanto, o trabalho infantil está naturalizado e
aceito como parte da economia familiar em certos setores
nos quais as situações são menos críticas: é o caso das
zonas rurais onde a maioria se concentra no trabalho
agropecuário, em ocupações como colheita, plantação,
venda de produtos agrícolas e cuidado de animais.
Também existe na região uma aceitação cultural
significativa sobre o trabalho doméstico dos menores de
idade, tanto no seio da própria família como em outras
casas.
A exploração infantil encobre um dramático
fenômeno delitivo: muitas vezes são os próprios pais que
“entregam” as crianças e adolescentes.
Dificuldades no acesso à educação
» Equador: do total de jovens de 13 a 18 anos, somente
24% está cursando ou termina o ensino fundamental, 25%
o ensino médio e 3,2% a universidade.
» Nicarágua: dos adolescentes entre 12 e 17 anos,
somente 4 de cada 10 tem acesso à escola.
A dificuldade para acessar a educação formal é
uma característica do grupo de crianças e adolescentes em
risco de perder o cuidado parental, assim como é a baixa
escolarização de seus pais. E também é causa de perda de
cuidados parentais, quando para freqüentar uma instituição
educativa as crianças e adolescentes devem migrar a
outras cidades onde há escolas e assim ficam sob o
cuidado de familiares distantes ou amigos da família.
No Paraguai se detectou que este é o principal
motivo pelo qual crianças e adolescentes vivem em casas
de outros parentes, ou inclusive não parentes..
A relação entre educação e perda do cuidado
parental será retomada com maior profundidade no
capítulo sobre direitos violados deste mesmo documento.
Uso de drogas, conflito com a lei, violência intra familiar,
abusos e paternidade irresponsável
» No México, em uma consulta realizada no ano de 2000
na qual participaram 4 milhões de crianças e adolescentes
entre 6 e 17 anos, 28% das crianças entre 6 e 9 anos
disseram que são tratadas com violência em suas famílias.
» Em El Salvador se identifica que o abuso infantil em suas
diversas expressões (físico, emocional ou sexual) é o
segundo motivo de ingresso de crianças e adolescentes a
centros de atenção, e representa 16,6% do total de casos
atendidos entre 2004 e 2006.
Estas problemáticas aqui agrupadas, com certa
freqüência se apresentam simultaneamente.
São fenômenos sociais muito complexos e
diversos, às vezes conectados entre si. A partir dos dados
registrados nas investigações dos países da América
Latina podemos ressaltar a necessidade de aprofundar na
violência familiar, suas causas e conseqüências, para
poder abarcar todas as variáveis que a compõem como
problemática. Para isso, agrupamos aqui, junto à violência
familiar, as categorias de uso de drogas, conflito com a lei,
abusos e paternidade irresponsável.
A paternidade irresponsável deve ser
contextualizada dentro dos lares onde convivem diversos
conflitos sociais e vinculares: dependência química (uso de
drogas e álcool), situações de conflito com a lei penal,
deterioro da saúde mental.
Em alguns países se descreveu também que as
famílias convivem em sociedades onde a violência policial
e política é manifesta.
Diante desta situação é imperioso não realizar
uma “demonização” dos setores pobres das sociedades
latino-americanas, e sim, pelo contrário, entender quais
são as condições de vida que os Estados não estão
garantindo aos seus cidadãos, que permitem, então,
situações extremas e cultivar, em seu lugar, uma estratégia
preventiva e não punitiva como primeira e, às vezes, única
resposta.
Adolescência e perda de cuidados parentais. Crianças e
adolescentes “chefes de família”
» Na Colômbia se verifica que, tal como assinala a
pesquisa nacional de demografia, ENDS, a proporção de
crianças que vivem com ambos os pais vai diminuindo à
medida que aumenta sua idade, ao mesmo tempo em que
aumenta os que vivem somente com um dos pais.
Por outro lado aumenta com a idade o número de crianças
órfãs. Enquanto que na faixa de 2 anos encontra-se 0,9%
de crianças órfãs, na faixa de 10 a 14 anos há 8,9% de
órfãos sobre o total da população dessa idade.
Finalmente a mencionada pesquisa assinala que um total
de 44.595 adolescentes são “chefes de família”, e desse
total, 76.278 foram identificados como “cônjuges do chefe
de família”, dos quais 3.147 têm menos de 14 anos.
A perda de cuidados parentais ocorre, com maior
freqüência, na faixa etária correspondente aos
adolescentes.
De forma recorrente nos países da América Latina
se descreve o fenômeno das crianças e adolescentes que
fogem de suas casas por serem vítimas de violência, maus
tratos e carência de condições básicas de sobrevivência.
Isto gera um importante número de crianças, sobretudo
entre 10 e 14 anos, que vão embora de suas casas e vivem
sem cuidados parentais, em muitos casos, em situação de
rua, e em outros, aglomerados em zonas suburbanas.
Muitos deles são pais em idade precoce, e reproduzem em
seus filhos sua própria situação de falta de acesso a
direitos..
No caso de adolescentes chefes de família, são
eles que assumem a responsabilidade de cuidar de
crianças, sejam elas irmãs menores, filhos ou outras
crianças com as quais estão vinculados.
As situações que levam os adolescentes a
converter-se em chefes de família são variadas: uma,
analisada anteriormente, é a gravidez na adolescência, o
que leva, em muitos casos, a formar uma família e
constituir-se assim em chefes de família a uma idade
precoce. Em outras ocasiões, os adolescentes se
constituem em chefes de família diante do abandono, morte
ou migração dos pais ou adultos com os quais convivem.
Catástrofes naturais
» O México ocupa o lugar número 12 no ranking mundial de
países propensos a sofrer catástrofes naturais: morreram
quase 10 mil pessoas de 1986 a 2006 devido às mesmas.
» No Haiti, o terremoto de 12 de Janeiro de 2010, lançou
uma cifra calculada em 200.000 mortos em sua cidade
capital, Porto Príncipe.
As catástrofes naturais criam condições adversas
para crianças e adolescentes em particular, pois são
vítimas fáceis de tráfico, e estão altamente expostos à
orfandade pelo falecimento ou perda de seus pais. Países
como Guatemala, México, Haiti, Chile e Peru sofreram
sucessivas catástrofes naturais das quais não se
recuperaram totalmente. E as condições de pobreza prévia
limitam a possibilidade de contar com uma infra-estrutura
capaz de assumir os cuidados em situação de emergência.
Como ficou demonstrado no Haiti, a cooperação
internacional pode estar sendo digitada por aliados
nacionais que apontam a aproveitar-se da situação de
caos e extrema necessidade que afeta as crianças e
adolescentes.
Migração
» O México registra grandes movimentos migratórios aos
Estados Unidos de mulheres, crianças e adolescentes,
sendo que os menores de idade, em muitos casos, viajam
sem seus familiares. Durante 2007,
35.543 deles
atravessaram a fronteira.
» Na Colômbia se calcula que 2.414.269 pessoas, das
quais 35,6% são menores de 17 anos, sofreram mudanças
forçadas de seus lugares de origem para outras regiões do
território nacional como conseqüência da violência armada
que sofre o país.
» A República Dominicana é tanto um país do qual
emigram muitos menores de idade, como também um país
receptor de migrações provenientes do Haiti, cuja
população, profundamente castigada por uma situação
social de extrema pobreza e a reiteração de desastres
naturais, move-se constantemente para o território
dominicano através da fronteira.
» Equador e Honduras registram um alto número de
crianças que têm seus pais no exterior e vivem do dinheiro
que os mesmos enviam. No caso de Honduras, 20% das
crianças que não moram com seus pais padecem esta
situação.
As pessoas migrantes sofrem condições adversas
nos países nos quais se inserem. A discriminação é uma
das mais importantes já que dificulta a plena integração. A
falta de documento de identidade os converte em “ilegais”,
razão pela qual acessam quase que exclusivamente
empregos secundários e não contam com acesso a
serviços públicos como saúde e educação.
A face econômica da problemática é outra das
condições adversas dos migrantes, que se percebe
claramente no envio de remessas àqueles integrantes da
família que ficam nos países de origem.
No entanto , em alguns países latino-americanos
estas causas são citadas como excludentes.
A maioria dos países latino-americanos foram
atravessados, em décadas recentes, por governos
ditatoriais de maior ou menor duração, e na década de 90,
por governos neoliberais que implementaram políticas de
ajuste econômico que aprofundaram exponencialmente os
níveis de pobreza e indigência, aumentando a má
distribuição da riqueza entre a população, o qual tem
impacto direto em crianças e adolescentes.
Por isso, embora a relação entre pobreza e falta de
cuidados não seja linear, é claramente identificável que as
famílias pobres estão em maior risco de padecer sua
desintegração como produto da luta pela sobrevivência e a
falta exercício de seus direitos humanos, sociais, culturais
e políticos.
Pobreza e indigência
A América Latina apresenta altos índices de
pobreza: 20,3% da população total são pobres e 12,9%
indigente,4 alcançando a milhares de crianças. O que
chega a níveis ainda mais altos se considerarmos o
fenômeno da “infantilização da pobreza”, que expressa
que a maioria dos pobres são crianças e adolescentes.
O índice mencionado no parágrafo anterior
corresponde à média entre os países da região; no caso de
Honduras, Nicarágua e Haiti, mais de 50% da população
está atualmente em situação de pobreza.
II. Quantos são e onde estão as crianças e
adolescentes sem cuidados parentais?
REFERÊNCIAS
0% A 20%
20% A 40%
40% A 60%
60% A 80%
Fonte: Panorama social da América Latina 2008, sobre a base de tabulações
especiais de pesquisas domiciliares dos respectivos países (CEPAL) [4].
A desigualdade e a pobreza são assinaladas pelos
investigadores dos 13 países como duas das causas
principias de perda do cuidado parental ou do risco de
perdê-lo, para crianças e adolescentes.
4 - CEPAL, Panorama social de América latina 2008.
10
Na América Latina existe um grande déficit de
dados e de informação confiável que permita conhecer a
situação e elaborar políticas sociais, seu seguimento e
avaliação.
Apesar deste déficit, nos estudos sistematizados
se evidencia “como ponta do iceberg” um grande número
de crianças e adolescentes que carecem de cuidados
parentais.
A problemática que hoje denominamos “crianças
sem cuidado parental ou em risco de perdê-lo” engloba
inúmeras situações nas quais, de maneira total ou parcial,
as crianças carecem de um referente adulto, que perdure
no tempo, que seja o vínculo para seu sustento e cuidado.
Assim como são diversas as causas da falta de cuidados
parentais, também o são as situações nas quais se
encontram as crianças e adolescentes que carecem
destes.
Muitos deles se encontram separados de seus
pais por medidas tomadas pelas autoridades da infância e
adolescência, e incluídos em um determinado tipo de
cuidado alternativo formal. Também podem estar em
cuidado alternativo de modo informal, em cujo caso
acontece um “acordo privado” entre os adultos que cedem
o cuidado e os que o assumem.
Quando é formal tem como objetivo a proteção da
criança/adolescente, e se opta pela separação para
resolver o problema que a motivou (cessar os maus tratos,
assumir a responsabilidade dos pais, etc) e para que a
criança retome a convivência com sua família de origem;
ou se decide por uma medida definitiva diferente (por
exemplo, a adoção).
No entanto, surge nas investigações que crianças
e adolescentes costumam permanecer indefinidamente
separados sem definirem-se medidas seguras, estáveis e
apropriadas.
Por outro lado, como se verá adiante, muitos deles
não estão incluídos em nenhum tipo de cuidado alternativo
informal ou formal: são as crianças e adolescentes em
situação de rua ou que se desempenham como “chefes de
família”.
Embora a falta de dados não dê conta da
quantidade real de crianças e adolescentes sem cuidado
parental, a informação disponível nos permite uma
aproximação quantitativa à problemática. Para isso,
oferecemos alguns exemplos [5].
» Na Colômbia, a terceira parte das crianças e
adolescentes vivem somente com um dos pais e mais de
1.100.000 não vive permanentemente com nenhum deles.
» No Equador estima-se que 8,65% das crianças e
adolescentes do país (490.383 crianças/adolescentes) não
vivem com seus pais.
» No México reportou-se um total de 412.456 crianças e
adolescentes privados de cuidado parental (1,09% da
população infanto-juvenil), embora este número possa ser
ainda maior, pois o Comitê de Direitos da Criança das
Nações Unidas fez observações ao Estado mexicano
sobre a falta de dados a respeito da quantidade de crianças
e adolescentes nessa situação.
» Na Nicarágua, segundo a última Pesquisa em
Demografia e Saúde (ENDESA), sobre uma população de
1.933.118 crianças e adolescentes, 676.591 (35%)
(menores de 15 anos, que vivem em áreas urbanas), não
vivem com o pai; 483.279 (25%) vivem somente com a
mãe, e 193.311 (10%) não vive com nenhum dos dois.
» No Paraguai, segundo o censo 2002, são 289.000 as
crianças e adolescentes que não vivem com seus pais, o
qual representa 12,12% da população infanto-juvenil total.
Outro dado do mesmo censo indica que 588.000 crianças e
adolescentes vivem em um lar cujo chefe não é seu pai
nem sua mãe. Dentro deles, 299.000 são netos do chefe da
casa, o qual não necessariamente implica que seu pai ou
mãe vivam sob o mesmo teto. E, além disso, 155.000 vivem
com outro familiar ou um não familiar, dos quais 11.000 são
filhos de empregadas domésticas, que vivem com suas
mães nas casas onde elas trabalham. Destes 11.0000,
1.300 têm entre 0 e 6 anos.
» O cenário é ainda mais crítico na República
Dominicana, país que reportou um total de 580.781
crianças e adolescentes menores de 15 anos privados de
cuidado parental para o ano de 2007, o qual representa
18,8% da população infanto-juvenil do país.
5 - Lembramos que todos os dados incluídos para ilustrar o que foi descrito neste
documento foram extraídos do Relatório Latino-americano. Situação da infância sem
cuidado parental ou em risco de perdê-lo na América Latina. Contextos, causas e
respostas. Para os interessados em acessar o relatório completo, consultar em
www.relaf.org
Quais são as características predominantes das
crianças e adolescentes sem cuidado parental?
As estatísticas indicam que há crianças e
adolescentes sem cuidado parental em todas as faixas
etárias, embora à medida que aumenta a idade aumenta
também a quantidade de crianças órfãs, em instituições ou
em situação de rua.
Em alguns países também se encontram alojados
em instituições crianças de grupos étnicos que sofrem
discriminação, tal como é o caso no Brasil dos afros
descendentes.
» A maior concentração de crianças e adolescentes sem
cuidado parental na Colômbia acontece em grupos etários
de 10 a 14 anos, que representam 11,2% da população
infanto-juvenil total. As crianças entre 5 e 9 anos sem
cuidado parental são 8,2% da população infanto-juvenil,
em seguida estão as crianças de 2 a 4 anos com 5,2% e,
por último,
1,6% de crianças sem cuidado parental
corresponde a menores de 2 anos. A respeito de sua
condição sócio-econômica, 9,8% das crianças e
adolescentes de nível mais baixo não convive com nenhum
dos pais, enquanto que em nível mais alto a cifra é de 5,7%.
» No Equador, 47,85% das crianças e adolescentes
privadas de cuidado parental tem entre 13 e 18 anos,
seguido por 41,79% que tem entre 5 e 12 anos e 10,36%
que tem de 0 a 4 anos de idade.
» Um estudo do Brasil do ano de 2004 revelou que uma
grande proporção de crianças e adolescentes alojados nas
instituições era negros, adolescentes e do sexo masculino.
Por outro lado, as pessoas que desejavam adotar, segundo
este estudo, preferiam meninas, bebês e brancas.
O uso inadequado do cuidado alternativo de crianças e
adolescentes
Como foi dito, as crianças e adolescentes podem
ser incluídos em algum tipo de cuidado alternativo formal,
seja nas múltiplas modalidades da institucionalização, seja
em acolhimento familiar.
Como mostram os exemplos ressaltados, embora
não excludentes, caracterizam-se como situações nas
quais há um mau uso do cuidado alternativo, ou seja, este
não responde a uma necessidade da criança nem foi
prevenida a separação de sua família de origem, tal como
se estabelece nos procedimentos previstos na Convenção
dos Direitos da Criança e nas recentemente aprovadas
Diretrizes das Nações Unidas sobre o cuidado alternativo
das crianças.
» Segundo os especialistas de Honduras, há uma
tendência das autoridades desse país à institucionalização
e acolhimento de crianças e adolescentes em programas
públicos e privados, e a sua separação dos vínculos
familiares por fatores que, a princípio, deveriam ter
recebido um tratamento preventivo e encaminhado a
responsabilizar os pais e não culpabilizar e vitimizar a
criança, tais como: má conduta, indisciplina, pobreza,
desavenças familiares, abandono do lar, entre outros. Além
disso, acrescentam que o recurso da institucionalização
pode estar baseado na ausência de programas de
prevenção de fatores de risco, de apoio às famílias, e
programas temporários de acolhimento, enquanto que o
caso particular é investigado e a medida definitiva é
avaliada pela autoridade competente.
» Na Nicarágua, a maioria das crianças e adolescentes
institucionalizados tem família e estão vinculados com ela,
pelo qual seu direito a viver em família e comunidade está
sendo violado.
As razões de sua institucionalização são variadas: as mães
dessas crianças e adolescentes cumprem longas jornadas
de trabalho que lhes impede estar em casa cuidando-os,
ou tiveram que migrar por falta de trabalho, ou decidiram
que seu filho/a viva na instituição para acessar a escola,
entre outras. A situação descrita mostra claramente a falta
de recursos para que as famílias possam tornar-se
responsáveis pelo cuidado de seus filhos.
» Especialistas da Colômbia ressaltam que muitas
crianças passam sua infância e completam a maioridade
em instituições de proteção, com tudo o que isto pode
significar em termos psicossociais, de construção de laços
afetivos e de capacidades para a vida que permitam sua
inclusão social.
» Especialistas do México assinalam que muitas crianças e
adolescentes encontram-se institucionalizados em
albergues ou centro de proteção especial e lares
substitutos de maneira indefinida, alguns sem os devidos
procedimentos nem garantia constitucional, atentando
substancialmente contra seus direitos humanos
elementares. As medidas de internação que aplica o
Ministério de Família , Adolescência e Infância (MIFAN)
devem ser transitórias, mas por falta de seguimento
tornam-se indefinidas e as crianças se tornam adultos nos
centros. A prolongada permanência das crianças e
adolescentes nos centros de internação sendo que a
maioria tem família, constitui um indicador de que não se
trabalhou com as famílias nem foram aplicadas medidas
alternativas à institucionalização.
USO INADEQUADO DO CUIDADO ALTERNATIVO DE CRIANÇAS
E ADOLESCENTES PRIVADOS DO CUIDADO PARENTAL
10
As medidas são
indefinidas quanto ao
tempo, por ausência de
seguimento e d
reintegração familiar.
São tomadas decisões
sem o devido processo
legal, violando o direito
a ser cuidado das
crianças e adolescentes,
entre outros.
Na prática os cuidados
alternativos não se
enquadram em uma
perspectiva de diretos, e
sim têm uma abordagem
assistencialista.
É freqüente que as
instituições se localizem
em lugares distantes da
família e da comunidade
das crianças.
Não se adotaram
medidas para prevenir e
evitar a separação (ajuda
à família de origem).
As causas de ingresso
são ilegítimas: a
pobreza e a orfandade
são as mais evidentes.
Número de crianças e adolescentes institucionalizados na América Latina. Por País.
MÉXICO [6]
29.310 crianças/adolescentes
vivendo em
703 instituições.
HONDURAS [6]
3.605 crianças/adolescentes em
instituições.
HAITÍ [6]
187.413 crianças/adolescentes
em instituições.
GUATEMALA [6]
5.600
crianças/adolescentes
em instituições.
REPÚBLICA DOMINICANA [6]
crianças/adolescentes menores de
15 anos estão institucionalizadas.
EL SALVADOR [6]
Para o ano 2006, 10.042
crianças/adolescentes
estavam em
instituições.
NICARAGUA [6]
2.967 crianças/adolescentes
institucionalizados
em um total de 88
centros.
COLÔMBIA [6]
Das 38.000 crianças/adolescentes maiores de
7 anos que estão sob medida de proteção,
25.000 estão institucionalizados.
EQUADOR
Segundo informa o INFA (governo) em maio
de 2010 há 3.000 crianças/adolescentes em
instituições não governamentais e 300 em
instituições governamentais.
PERU
3982 crianças/adolescentes
em instituições,
Segundo um relatório da
GIN (Iniciativa pelas
crianças) apresentado ao
CRC em 2005.
BOLÍVIA
10210
crianças/adolescentes
em Instituições,
segundo informou a
UNICEF em
Fevereiro de 2010.
CHILE
Segundo as estatísticas do SENAME
(governo) no primeiro trimestre de 2010,
há 12.229 crianças em instituições
por “proteção de direitos”.
VENEZUELA [6]
Para o ano 2007 são 1.544 as
crianças/adolescentes que vive em
entidades de atenção no país,
segundo cifras oficiais (este dado é
maior segundo organismos privados).
BRASIL [6]
50.576
crianças/adolescentes
estão em Instituições.
6
PARAGUAI
[6]
5.000 crianças
instituições.
5.000
niños enem
instituciones.
URUGUAI
Em 2010: nas instituições do governo
encontram-se alojados 1.189 e nas não
governamentais 2.084. Total: 3273
crianças/adolescentes.
ARGENTINA
Em 2005 o estudo “Privados de Liberdade” (INICEF /
Secretaria de Direitos Humanos) relevou um total de
17.063 crianças/adolescentes em 642 instituições
governamentais e não governamentais por causas
assistenciais.
6
TOTAL: O número de crianças/adolescentes em instituições do conjunto dos países assinalados é
de 374.308. Não é um número exato (entre outras questões, devido ao sub-registro), mas permite
uma aproximação quantitativa.
6 - Dados dos Relatórios Nacionais de Aldeias Infantis SOS.
Crianças e adolescentes institucionalizados
» UNICEF estima que 8 milhões de crianças e
adolescentes Em todo o mundo vivem em instituições
(Pinheiro, P.S., World Reporto n Violence against Children,
Nueva York, UNICEF, 2006).
Milhares de crianças e adolescentes da América
Latina fazem parte desses 8 milhões. A questão da
institucionalização adquire uma relevância particular pois
se apresenta como a principal resposta instituída frente à
privação de família por parte do Estado e das
organizações da sociedade civil.
As instituições são heterogêneas: desde aquelas
que, recriando os lares familiares, acolhem pequenos
grupos, até as ainda vigentes “macro instituições”, que
alojam centenas de crianças e adolescentes. Um caso
gravíssimo é o dos “berçários”: ainda existem na região
instituições que acolhem bebês, apesar da evidência do
dano que a falta de cuidados maternos produz nas crianças
na primeira infância, afetando o desenvolvimento da saúde
mental e física e deixando seqüelas permanentes.
Embora na maioria dos países iniciaram-se processos de
desinstitucionalização e de melhoramento das instituições,
ainda há as que acolhem centenas.
As investigações demonstraram que um grande
número de crianças e adolescentes nas instituições tem pai
e/ou mãe, que não contam com as capacidades e recursos
para assumir o cuidado. Há responsabilidades manifestas
no abandono vivido por estas famílias: a falta de apoio
desde as políticas públicas e a indiferença social que
“naturaliza” a separação do grupo de crianças e
adolescentes cada vez que são fechados
desnecessariamente nas instituições.
Existem características comuns às crianças e
adolescentes institucionalizados nos países latinoamericanos.
A maior porcentagem é adolescente. A região de
procedência preponderante é a urbana. A maioria das
crianças e adolescentes que estão institucionalizados vem
de famílias que estão em situação de pobreza.
Quanto ao sexo, as porcentagens são bastante parelhas,
embora em alguns casos haja uma preponderância de
meninas.
» No Haiti, 187.413 crianças e adolescentes, 4% do total da
população infanto-juvenil, estão em instituições, e são em
sua maioria meninos, chegando a uma proporção de 69%,
enquanto os 31% restantes corresponde a meninas [7]
» 72% das crianças e adolescentes institucionalizados no
México está em instituições não governamentais que
estabelecem acordos de cooperação com as unidades
nacionais e municipais encarregadas da infância. Desse
total de crianças e adolescentes, 58% são meninas e 42%
meninos. A respeito das idades, 23% têm entre 0 e 6 anos e
77% entre 7 e 17 anos. Somente 1,1% das crianças e
adolescentes institucionalizados têm algum tipo de
deficiência.
» Seguindo os princípios do Código da Infância da
7- Este dado do Haiti, incorporado ao Relatório latino-americano. Situação da
infância sem cuidado parental ou em risco de perdê-lo na América Latina. Contextos,
causas e respostas, são do ano de 2009, ou seja, prévio ao terremoto de janeiro de
2010.
10
Nicarágua, somente 41% das crianças e adolescentes em
instituições deveriam estar sob um cuidado alternativo,
enquanto o restante 59% não deveria estar. Estas crianças
e adolescentes institucionalizados, cujo direito de viver em
família e comunidade está sendo violado, têm família e
estão vinculados a ela. No entanto, a situação descrita
mostra claramente a falta de recursos para que as famílias
possam responsabilizar-se pelo cuidado de suas crianças
e adolescentes e a resposta estatal é a institucionalização.
» Segundo um estudo do UNICEF realizado no Paraguai
no ano de 2006, o principal motivo de ingresso em uma
instituição é o abandono por parte dos pais (15%),
orfandade (10%), pobreza extrema (10%), indigência (6%)
e maus tratos intra-familiar (7%). Um estudo qualitativo do
ano de 2009 da Secretaria da Infância e da ONG Corações
pela Infância, aplicou-se a uma amostra de 807 crianças e
adolescentes em 16 instituições. Deste conjunto, 18% têm
menos de 7 anos. Desses 18%, 23% não possuem certidão
de nascimento e somente com 13% se trabalha com suas
famílias de origem. 24% são suscetíveis para adoção e
com 58% deve-se iniciar trabalho de reintegração com a
família de origem.
Rumo à desinstitucionalização
Destaca-se que embora haja muito ainda por fazer,
vários países da região latino-americana iniciaram
processos para reverter o massivo e, em alguns casos,
desnecessário, ingresso às instituições. Alguns deles já
mostram resultados concretos. Alguns exemplos:
» O Chile está implantando políticas que promovam a
desinstitucionalização e evitem a separação das crianças e
adolescentes de suas famílias. Enquanto que em 1990
62% das crianças e adolescentes assistidos pelo Serviço
Nacional de Menores estavam em instituições, em 2005 tal
porcentagem caiu para 26,3%.
» O Brasil instituiu seu “Plano Nacional pelo direito à
convivência familiar e comunitária”, assim como linhas de
políticas públicas de apoio às famílias de origem.
» O Paraguai fechou seu centro governamental de
acolhimento de bebês optando pelo cuidado em
acolhimento familiar e a agilização dos trâmites de adoção
e reintegração às famílias de origem com crianças
menores de 3 anos.
» O Uruguai e o Brasil modificaram suas leis de adoção.
Entre outras mudanças, incluem a obrigatoriedade de
trabalhar com as famílias de origem e, no caso de decidirse pela adoção, a mesma deve ser agilizada. Isto restringe
a longa permanência nas instituições, sem definição “a
fundo” das situações das crianças e adolescentes. Além
disso, estabelecem-se registros, no caso do Brasil, para
dar visibilidade às crianças que estão em instituições e
podem ser adotadas e realizar a busca de famílias
adotivas.
Programas de acolhimento familiar
Os programas de acolhimento familiar preparados
pelos órgãos públicos ou as organizações da sociedade
civil possibilitam que uma criança/adolescente separada
de sua família possa ser incluída em outra pelo tempo que
seja necessário.
O acolhimento familiar é um tipo de cuidado
alternativo formal e é determinado por um órgão estatal
judicial ou administrativo que coloca a criança em
acolhimento em um ambiente familiar. Na América Latina é
muito estendida a prática do acolhimento familiar informal,
aquele que acontece dentro da própria família extensa ou
outros membros da comunidade sem a intervenção de
algum órgão estatal.
Embora, em linhas gerais, sejam escassos os
programas de acolhimento familiar, é reconhecido de
maneira crescente que são a resposta adequada quando
uma criança/adolescente deve ser separada
temporariamente de sua família de origem. Em termos
quantitativos, o desenvolvimento destes programas é
inferior ao da institucionalização, em geral há mais
crianças e adolescentes nesta modalidade. Mas em
termos qualitativos, o desenvolvimento de novos
programas é promissor.
Os programas de acolhimento que começaram a
ser implementados, em muitos casos, possuem um bom
enfoque de direitos da criança e do adolescente. Estes
modelos não deixam de lado a família de origem senão que
trabalham com ela, tanto na vinculação com a criança
como para ajudá-la a superar seus problemas e para
resguardar a identidade cultural e a história da
criança/adolescente, levando em conta sua opinião.
Estes novos programas superam o velho modelo
de “famílias substitutas” que eram desenvolvidos em
alguns países, nos quais a família de origem ficava
relegada e as crianças permaneciam durante anos nas
famílias substitutas.
Considerando esta situação contextual
oferecemos uma aproximação quantitativa das
crianças/adolescentes que estão sob esta modalidade de
cuidados na região, assim como a menção de alguns
programas:
» Colômbia: segundo o Relato sobre a situação dos
direitos de crianças e adolescentes na Colômbia 2008, das
38.000 crianças maiores de 7 anos que se encontram sob
medida de proteção, 14.000 são atendidas em
modalidade de meio sócio familiar, permanecem em suas
famílias de origem ou da comunidade com diversos apoios.
» Honduras: existe um programa estatal de acolhimento
familiar, que depende do Instituto Hondurenho da Infância
(IHNFA) e se denomina “Subprograma de Famílias
Solidárias”.
O mesmo funciona em 6 cidades embora com baixa
cobertura.
» República Dominicana: reportou, para 2007, um total de
457.081 (14,8%) crianças e adolescentes com menos de
15 anos cuidados por adultos que não são seus pais. Estas
crianças e adolescentes estão incluídos na modalidade
que se denomina “acolhimento familiar informal” ou
“acolhimento formal”.
» No Chile o programa Família de acolhida do SENAME,
executado através de ONGs tem, segundo as estatísticas
do primeiro trimestre do ano de 2010, em famílias de
acolhida 3.194 crianças e adolescentes enquanto que nas
instituições há 12.229. No ano de 2006 se alojaram em
família de acolhida 4.450 crianças e adolescentes e em
instituições 10.610.
» Venezuela: o Instituto Autônomo do Conselho Nacional
de Direitos de Crianças e Adolescentes (IDENA) reportou
que, desde o início do Programa de Famílias Substitutas,
foi garantido o direito a viver em família a 323 crianças
privadas de cuidado parental. Estabelece-se que, na
modalidade de colocação familiar, a “família substituta”
deve colaborar com os responsáveis do programa no
fortalecimento dos vínculos da criança/adolescente com
seus familiares. Na velha modalidade da colocação familiar
se permitiu que muitas crianças sujeitas a esta medida
permanecessem indefinidamente em um meio familiar
substituto, sem nenhum programa de apoio para trabalhar
com a família de origem, desvirtuando com isso o conceito,
a natureza e o alcance desta medida, e facilitando a figura
da adoção sem que haja mediação nos procedimentos de
caráter regular.
» Uruguai: 1.331 crianças e adolescentes encontram-se
no programa de acolhimento familiar da direção de Família
Alternativa. Nas instituições do governo encontram-se em
acolhimento institucional 1.189 e em instituições não
governamentais 2.084.
O programa de acolhimento está realizando esforços para
adequar suas práticas ao enfoque de direitos já que vem de
um velho programa de famílias substitutas.
» Peru: o programa de acolhimento implementado entre o
governo (INABIF) e uma ONG (Buckner Peru) incluiu em
famílias 16 crianças e adolescentes que se encontravam
em instituições e estavam desvinculados
totalmente de suas famílias de origem. A tarefa da equipe
de acolhimento tornou possível a reintegração com nove
famílias de origem. Em dois anos, a equipe realizou 25
reuniões na comunidade e houve 24 aparições nos meios
de comunicação para informar sobre o programa e assim
captar novas famílias.
Crianças em Aldeias Infantis SOS
O modelo das Aldeias Infantis SOS permite a
recriação da família em pequenos lares. As pessoas que
exercem o cuidado são preparadas profissionalmente. A
presença dessa organização em todos os países da
América Latina é significativa, o que se reflete nos números
de cinco países. Os exemplos extraídos das estatísticas
mostram um pouco o perfil das crianças e adolescentes, a
distribuição dispersa nos territórios nacionais das Aldeias e,
no caso particular da Venezuela, as famílias beneficiadas
pelos programas de fortalecimento familiar que também é
desenvolvido pela organização.
As Aldeias cumpriram um rol relevante em
situações de emergência. O caso da assistência às
crianças haitianas no terremoto de janeiro de 2010 é um
fato a destacar.
Por se tratar de uma instituição com várias
décadas e com presença global após a Segunda Guerra
Mundial, assim como outras organizações, encontra-se
reformulando suas práticas. Destaca-se como novidade a
criação de opções para trabalhar com as famílias de origem
e as comunidades.
» México: As Aldeias acolhem 659 menores de idade. 21%
têm entre 0 e 6 anos e 79% tem entre 7 e 17 anos.
» Guatemala : albergam 143 crianças e adolescentes.
Localizam-se em São Cristovão, Retalhuleu,
Quetzaltenango, Jocotán Chiquimula e São Jerônimo B.V.
» Colômbia: encontra-se em Bogotá, Floridablanca,
Ibagué, Rionegro e Cali. Albergam 608 crianças e
adolescentes. O grupo majoritário é adolescente (54%),
seguidos por 36% de crianças entre 6 e 12 anos, 5% de
crianças na primeira infância e 5% de jovens. 81% das
crianças e adolescentes viviam na zona urbana e os 19%
restante na zona rural. Das 608 crianças e adolescentes,
23 são afros colombianos e 8 são indígenas. Do total, 55%
têm entre 2 e 4 irmãos, 16% pertence a famílias numerosas
integradas por mais de 5 filhos e 15% tem somente um
irmão. Quanto à condição jurídica, 18% das crianças têm
parecer de disponibilidade para adoção.
» Honduras: nas Aldeias vivem 781 crianças e
adolescentes entre 2 e 18 anos. O grupo majoritário é
formado por crianças com idade entre 8 e 13 anos
(46,26%), seguidas pelo grupo de adolescentes que têm
entre 14 e 17 anos (41,04%), e após de jovens de 18 a 22
anos (12,69%).
» Venezuela: 370 crianças encontram-se em programa de
cuidado alternativo e 3.894 em programas de
fortalecimento familiar.
O acolhimento familiar “informal”
Quando a resposta é da própria comunidade. Fatores
protetores
Um fator protetor assinalado pelos especialistas
latino-americanos é o da cultura. Em alguns grupos
culturais é quase inexistente o abandono por parte dos
pais, e é nesses mesmos grupos culturais que as crianças
e adolescentes que não estão sob seu cuidado direto,
continuam vinculados a uma rede familiar extensa. Estas
situações se dão, principalmente, em comunidades
indígenas ou de afro descendentes.
Embora tanto a orfandade como o
descumprimento das responsabilidades parentais sejam
causa de perda da família, nem sempre estas situações
derivam na privação da mesma. Existe, em muitos casos,
uma recolocação das crianças em outras famílias, sejam
extensas ou das comunidades às quais pertencem.
Geram-se assim novos laços que permitem a contenção e
evitam o ingresso ao sistema de proteção instituído em
cada país.
Estes mecanismos são os fatores protetivos:
recursos da própria comunidade para diminuir a
vulnerabilidade à qual se encontram expostas as crianças
e adolescentes e assim alcançar, em muitos casos, ações
como a proteção e o cuidado das crianças através de redes
familiares extensas ou comunitárias..
Esta é uma resposta possível à falta de cuidados
parentais diferente à institucionalização e, se conta com a
retaguarda de políticas públicas tendentes a fortalecer
estes vínculos, pode ser uma resposta ótima à violação
desse direito, sendo que permite às crianças e
adolescentes permanecerem em seus lugares de origem.
O que constitui, por outro lado, a obrigação dessa
comunidade.
Crianças e adolescentes sem cuidado familiar nem
cuidado alternativo
10
Crianças e adolescentes em situação de rua
Na América Latina, milhares de crianças e
adolescentes vivem em situação de rua, ou seja, habitam
espaços públicos, subsistindo através de atividades como
a mendicância, o trabalho infantil ou a exploração em suas
diversas formas. Estas crianças e adolescentes, em muitos
casos, têm um lar de onde saíram em busca de
subsistência, e em muitos também não sabem regressar ao
mesmo, mas em muitos outros não o desejam porque não
podem fazê-lo pelas situações de violência que padeciam
ou porque estão “presos” em redes de exploração, inclusive
sexual.
Especialistas latino-americanos assinalam que o
incremento desta problemática foi associado às condições
de pobreza, desigualdade, violência e desintegração
familiar, e inclusive ao consumo de substâncias
psicoativas, situação sofrida por adolescentes e jovens
que, por uma ou outra razão, chegaram a ela, e em razão da
mesma foram expulsos de suas casas e não encontram
outra opção que a rua.
As crianças e adolescentes que vivem em situação
de rua talvez sejam os que padecem a violação da maior
quantidade de direitos, o que constitui um flagelo social na
América Latina, e é o resultado da co-responsabilidade
entre o Estado e a sociedade em geral, cada ator com sua
parcela específica de compromisso.
Os governos e ONGs criaram programas
específicos para assegurar mínimas condições de cuidado
das crianças e adolescentes mencionados, como no caso
de atividades de educação informal, alimentação, saúde,
etc.
» No Chile, segundo estatísticas de 2005, foram reportados
um total de 2.541 menores de idade em situação de rua.
Desse total, 63,4% são meninos e 36,6% são meninas. A
respeito das idades, a maioria (70%) tem entre 12 e 17
anos. Em 41% dos casos, as crianças e adolescentes
possuem ocupações no mercado informal, 12% praticam a
“vadiagem” e 7% à mendicância. Somente 14% das
crianças e adolescentes em situação de rua reportados
afirmam ter abandonado sua casa, portanto há uma imensa
maioria (86%) que tem vinculação com sua família de
origem.
» Na Colômbia, um relatório do UNICEF do ano de 2003
informa um número aproximado de 30.000 crianças e
adolescentes em situação de rua.
» Em Honduras, no ano de 2003, foi relatado a existência
de aproximadamente 20.000 crianças e adolescentes em
situação de rua nas principais cidades do país. Estas
crianças e adolescentes, afastados de suas casas, na
maioria dos casos mantêm vínculos com suas famílias.
43% se distanciaram de sua casa devido a situações de
maus-tratos, 18% por falta de carinho, 13% por trabalho e,
finalmente, 10% por consumo de drogas. Atualmente estão
funcionando cinco organizações registradas no IHNFA
(Instituto Hondurenho da Infância e da Família) que
atendem crianças e adolescentes em situação de rua:
quatro na região Centro Oriente (principalmente em
Tegucigalpa) e um centro fechado em São Pedro Sula.
» Um estudo recente mostra que, no México, a quantidade
de crianças e adolescentes em situação de rua ascenderia
um total de entre 94.000 e 114.000 nas 100 cidades mais
importantes do país, entre as quais se destacam, as
regiões metropolitanas da Cidade do México, Guadalajara,
Monterrey, Tijuana e Ciudad Juárez. Por outro lado,
segundo o relatório das 100 cidades, o principal fator de
risco que leva crianças e adolescentes a afastar-se de
casa e permanecerem longas horas, ou inclusive dias, na
rua é a situação de maus tratos.
» Na Venezuela, as cifras oficiais do Instituto Nacional de
Estatística (INE) informavam, no ano de 1994,
aproximadamente 5.000 crianças e adolescentes em
situação de rua, alcançando a 9.000 no ano de 1998. Hoje,
os últimos dados oficiais disponíveis informam um total de
900 crianças e adolescentes em situação de rua, dos quais
53% encontram-se na rua e 41,1% “são de rua” (no
relatório nacional define-se esta categoria como “crianças
e adolescentes sem pais ou responsáveis”). Entre as
causas que explicam por que se encontram na rua, as três
primeiras estão associadas a problemas econômicos,
maus-tratos familiares e consumo de drogas.
» No Paraguai, segundo a base de dados da UNICEF de
2006, um dos motivos de ingresso em uma instituição é a
situação de rua vivida pelas crianças e adolescentes, e
representa 11% dos ingressos em instituições.
Crianças e adolescentes “chefes de família”
» Equador: 53% das crianças e adolescentes (261.318)
vivem com os avós, 16% (77.355) com outros parentes e
6% (27.447) com irmãos. 2,3% (11.435) se auto-definem
como chefes de família e, destes, 65,29% (7.466) são
homens e 34,71% (3.969) são mulheres.
» Colômbia: 44.595 adolescentes foram identificados
como “chefes de família”, a maioria deles têm entre 16 e 17
anos de idade (64%), mas há também um número
significativo entre 14 e 15 anos (que representam 31%), e
existe um incrível 5% de adolescentes “chefes de família”
que tem apenas 12 ou 13 anos. Situação semelhante se
verifica também entre os 76.278 adolescentes que são
cônjuges do “chefe de família”, dos quais 3.147 têm menos
de 14 anos.
Este fenômeno se dá como conseqüência de
situações familiares que culminam com o afastamento e
abandono das crianças/adolescentes por parte dos pais
(por motivos vários e complexos, em geral vinculados a
dificuldades econômicas extremas ou violência intrafamiliar), ou devido à orfandade por falecimentos dos
progenitores. Em muitos casos, a casa fica a cargo dos
irmãos maiores ou de adolescentes que se agrupam por
laço de afinidade.
A discussão global desse tema, no marco das
Diretrizes das Nações Unidas sobre o cuidado alternativos
das crianças e adolescentes, leva a orientar sobre a
provisão de apoio a estes lares, desde as políticas
públicas, através de programas de ajuda.
III. Quais são as violações de direitos às quais estão
expostas crianças e adolescentes sem cuidado
parental?
Direitos violados
A convenção sobre os Direitos da Criança,
ratificada por todos os países da América Latina, enumera
os direitos com os quais contam todas as crianças, sem
distinção alguma. No entanto, as crianças e adolescentes
que estão em risco de perder o cuidado parental e aqueles
que o perderam sofrem sistemáticas violações a todos os
seus direitos. Não só a falta de cumprimento do direito
fundamental a viver em família senão de outros igualmente
fundamentais, alguns dos quais enumeramos e
descrevemos resumidamente.
Direito à convivência familiar e comunitária
Em todos os países há crianças e adolescentes
cujo direito a viver em família e comunidade é violado. Este
é, sem dúvida, o direito fundamental, pois é a partir do viver
em família que se devem cumprir todos os outros direitos
fundamentais, como receber educação, alimentação,
vestimenta, conseguir o desenvolvimento de sua
autonomia, entre outros. E a falta de família, como vimos, é
conseqüência de situações de vulnerabilidade extrema
A falsa opção de “que vivam em instituições antes
que em famílias que os maltratam” costuma encerrar um
debate pendente. É muito o que se deve refletir, e ao
mesmo tempo fazer, para desterrar estes dilemas vividos
por aqueles que trabalham nas instituições que devem
proteger as crianças.
É verdade que muitas vezes se fecham por falta de
outras opções, mas isto não é adequado para ninguém.
O diagnóstico refletido neste documento mostra a
escassez de medidas alternativas de prevenção à
separação familiar, orientando e fortalecendo as famílias
em seu rol de responsáveis pelo cuidado de seus filhos. A
institucionalização é a principal resposta instituída diante
da falta de cuidado parental. Principalmente quanto à
quantidade de instituições e crianças/adolescentes
incluídas nelas com respeito a outras opções de cuidado, o
qual se constitui em obstáculo no desenho das políticas
públicas para o cumprimento do direito à família, e em
cenário de violação de direitos para muitas crianças e
adolescentes latino-americanos.
» Guatemala : os especialistas consideram que a violação
de direitos das crianças e adolescentes sem família
encontra-se associada à pobreza e extrema pobreza, à
falta de oportunidade de emprego dos pais para cumprir
com suas responsabilidades, à ausência de programas de
educação para a paternidade responsável e a prevenção
ou atenção às adições dos adultos, à falta de planificação
familiar.
» Brasil : segundo o Sistema de Informação sobre Infância
e Adolescência do Ministério de Desenvolvimento, de
839.598 situações de violação de direitos contabilizados de
janeiro de 1999 a junho de 2008, 48,1% correspondia à
violação ao direito à convivência familiar e comunitária.
Alguns cuidadores reconhecem que adotam como critério o
seguinte dilema: às vezes, a situação familiar é de tal
violência que é preferível que as crianças vivam em
instituições antes que no seio familiar.
» Uma advogada do Chile dá seu testemunho:
“… criar-se fora de um contexto familiar vai trazer
conseqüências a todos como país. Sinto que se não
contribuirmos, colaborarmos, ajudarmos para que as
crianças estejam com suas famílias, e que estas famílias
sejam efetivas na garantia dos direitos das crianças (estou
falando desde a lógica de minha profissão, como
advogada; não sou psicóloga), vamos gerar novas
violações de direitos nestas crianças, que vão aparecer
mais adiante. Pois vamos ter adultos que não vão ser
integrados nem íntegros em sua forma de ser, em sua
forma de vincular-se e relacionar-se com seu entorno. Se
não nos dedicarmos, e mais do que nos preocuparmos, nos
ocuparmos para que os direitos da infância, além de serem
reconhecidos, sejam garantidos… “
» Uma criança da Colômbia nos diz: “O Bem Estar Familiar
é um lugar onde colocam crianças de rua; fiquei em um
internato três anos em La Mesa, fiquei sozinho, sem o meu
irmão, não me sentia bem… Lá, batiam em algumas
crianças e não nos davam amor. Os que nos cuidavam nos
tratavam mal”.
Direito à não discriminação
É um denominador comum da maioria das
crianças/adolescentes latino-americanos privados do
cuidado parental, que estão vivendo em instituições ou em
situação de rua, sofrer discriminação em diversos âmbitos
como a escola, os centros de saúde e a comunidade em
geral.
A violação desse direito está rodeada de
preconceitos que influenciam o tratamento que recebem as
crianças sem família. No caso daqueles que vivem em
instituições, ocorre o isolamento e a falta de integração.
Ainda há muitas instituições que oferecem saúde,
educação e recreação “intramuros”. Isso cria uma forte
dependência da criança em relação à organização/
instituição, a qual se vê caracterizada por um marcado
isolamento.
É possível sintetizar a situação em relação ao
direito à não discriminação de crianças e adolescentes na
América Latina, a partir do que foi colocado no relatório do
México:
q
Existe um tratamento desigual e estigmatizante da
infância de rua e institucionalizada.
q
Esta população é excluída do sistema educativo e
de saúde, de espaços de recreação, cultura e participação.
q
Existe uma discriminação tutelar, como uma
constante nas instituições governamentais e não
governamentais.
q
A infância discriminada é reconhecida como objeto
de atenção, sem capacidade de escuta ou participação.
q
Nos processos de adoção, aparece todo tipo de
discriminação: por deficiências, defeitos físicos, traços
indígenas, ou simplesmente por ser maior de três anos.
Direito à identidade
O direito à identidade é violado em muitas das
crianças/adolescentes privados de família. Tem diferentes
dimensões: o resguardo da história, o respeito pelas
origens, a preservação da cultura, o poder contar com
10
documentos de identificação.
Os centros destinados ao acolhimento de crianças
e adolescentes, muitas vezes estão localizados longe
de seu lugar de origem. Isto provoca que a inclusão nas
instituições implique em mudança de colégio, de amigos,
de bairro e estar longe, portanto, de sua família e
comunidade. Desse modo, a reconstrução dos laços
familiares é dificultada, o que perpetua a permanência das
crianças e adolescentes nas instituições e gera a perda de
sua historicidade em família e comunidade.
É extrema também a violação desse direito para as
crianças e adolescentes que ingressam sem o devido
registro oficial, fato agravado por estarem
sem
documentos.
» Especialistas da Colômbia dizem que as crianças não
conseguem descobrir sua identidade, nem têm intimidade,
ficam isolados e lhes é negado direitos como educação,
acesso à cultura, reconhecimento do lugar de origem.
» Especialistas de Honduras advertem sobre a imposição
de padrões culturais e/ou religiosos em determinados
centros ou instituições, diferentes aos que a
criança/adolescente praticou em sua família de origem. Isto
se deve à existência, no país, de um alto número de
organizações de caráter religioso que administram alguns
destes. A “brecha” cultural é abismal e ainda mais grave é a
pouca importância que se dá ao direito à identidade cultural
como um direito humano fundamental.
Direito à liberdade
A regra 11.b das Regras de Beijing, um instrumento
das Nações Unidas que estabelece orientações para
garantir os direitos de crianças e adolescentes, define que
a inclusão em estabelecimentos dos quais não possa sair
por vontade própria é “privação de liberdade”. Este critério
é aplicável a muitas das instituições nas quais vivem
crianças e adolescentes que padeceram privações por
maus-tratos, pobreza, orfandade, situação de rua. Entram
nestes lugares de modo involuntário, não têm outros
lugares onde morar, suas redes familiares estão quebradas
e carecem de autonomia e recursos que lhes permitam
fazer algo próprio.
» Em El Salvador, os especialistas destacam que o país
conta com uma política pública em torno da problemática
que privilegia um sistema baseado mais na doutrina da
situação irregular que na proteção integral. Isto faz com que
a internação seja praticada com milhares de crianças e
adolescentes.
» uma criança de uma pequena instituição privada da
Colômbia fala de sua passagem por uma grande
instituição de governo: “somos mais livres aqui, em ICBF
não há espaços para sair, para conhecer outras pessoas”.
Direito à participação
A conclusão generalizada dos especialistas dos 13 países
latino-americanos estudados, é que a opinião das crianças
e adolescentes não é considerada. Não se constroem para
as crianças privadas de família espaços nem canais de
participação cidadã conforme as leis internacionais
vigentes. Desse modo, não são ouvidas pelos órgãos
competentes quando se tomam decisões sobre sua
situação.
Acontece a mesma coisa nas instituições onde
vivem. Em algumas ocasiões se propicia um espaço para
serem escutados, mas depois suas opiniões não são
consideradas. Isso provoca que não se vejam como
sujeitos com capacidades e opinião própria, o que muitas
vezes os leva a não denunciar situações de violação de
direitos em função do medo, desconhecimento, baixa autoestima ou insegurança.
» Segundo especialistas da Colômbia: “Se nos detivermos
na participação, estes (crianças e adolescentes) não são
levados em conta porque as relações de poder que se
estabelecem nas instituições não dão espaço para escutálos; por outro lado, quando crescem em modalidades onde
há uma mãe substituta que cuida um grupo de crianças, é
difícil personalizar e criar laços com eles para que se sintam
em família.
» De acordo com especialistas do México: “Em particular,
as crianças e adolescentes sem cuidado parental têm
anulado seu direito à participação, são as instituições e os
juízes que, de maneira sistemática, decidem sobre seu
destino”.
Direito à saúde e direito à educação
A falta de cuidados parentais afeta negativamente
o acesso à educação e à saúde das crianças e
adolescentes. Para aqueles que estão privados do cuidado
de algum de seus pais, é difícil a frequência sistemática à
escola e a atenção de sua saúde. Por exemplo, há
situações nas quais as crianças e adolescentes não
recebem atendimento médico se as pessoas que os
acompanham não seus pais biológicos. Não são levados
em conta, para estas circunstâncias, os laços de
parentesco que possam ter outras pessoas como tios,
avós, etc.
Outrossim, os benefícios sociais, em sua grande
maioria, não permitem a inscrição de crianças e
adolescentes que não possuam um vínculo biológico com o
titular do benefício. Somente em algumas, isto é possível
certificando o vínculo através da guarda legal, o que leva a
judicializar os vínculos de cuidado em lugar de contar com
mecanismos mais ágeis para os casos nos quais há
recursos de benefícios sociais.
» Investigações da Colômbia demonstram que a
porcentagem de crianças que não freqüentam a escola
varia segundo a presença dos pais na casa. Quando um ou
ambos os pais já faleceram, as porcentagens de
ausentismo escolar chegam até 27% ou 20%
respectivamente, duplicando a porcentagem observada
quando ambos os pais estão presentes na casa, que é
11,4%. Acrescentam que as razões da ausência escolar se
relacionam, em primeiro lugar, com a falta de recursos
econômicos e a necessidade das crianças trabalharem.
Quando ambos os pais já faleceram estas restrições
afetam 95% das crianças e adolescentes..
» Saúde: estatísticas também da Colômbia demonstram
que a falta dos pais é um fator altamente associado a
condições de risco para a saúde das crianças devido à falta
de acesso aos serviços de saúde. Dois de cada três
crianças cujos pais faleceram (61,3%) não contam com
afiliação a nenhum sistema de saúde, enquanto que, se
ambos os pais convivem, esta porcentagem se reduz
quase pela metade (37,6%).
IV. Quem são (somos) os responsáveis? O que
faremos?
Responsabilidade do Estado
ações pontuais de atenção. Resta a interrogação de até
onde podemos chegar a afetar esta família, afetá-la
positivamente. Mas sim, há um trabalho a nível nacional”
» Na República Dominicana é denunciada a freqüente
falta de capacitação, supervisão e acompanhamento de
quem exerce o cuidado direto de crianças e adolescentes.
» Uma criança colombiana denuncia: “eu não sei para que
levam as crianças a Bem-estar Familiar, uma senhora tinha
oito filhos, chegou a polícia com Bem-estar Familiar e fez
perguntas a eles, e Bem-estar levou as crianças”.
Os Estados são os principais responsáveis de
velar e garantir o efetivo cumprimento dos direitos de todas
as crianças e adolescentes.
Cumprir com a responsabilidade tem três
dimensões centrais: fortalecer a sociedade e as famílias
para que e respeitem e façam cumprir os direitos das
crianças e adolescentes; exercer o controle sobre os
órgãos e as instituições relacionadas com a infância no
respeito e cumprimento dos direitos universais, e criar
ações de política pública propícias para restituir os direitos
violados.
Os três poderes do Estado (o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário) têm responsabilidades e papéis
específicos com relação à infância. Por outro lado, em
todos os países deve-se cumprir o principio da
descentralização para que a aproximação às crianças e às
famílias seja regional: as autoridades próximas devem
acolher e conter
todos, particularmente os mais
vulneráveis, com políticas ativas.
É assim como o Estado se mostra responsável por
ação ou omissão: as investigações nos diferentes países
dão conta dessa realidade, muitas vezes contraditória, já
que desde o próprio Estado se produzem tanto fatos
inovadores, que podem proteger com eficácia, como fatos
que são francamente violadores.
Em cada país, o governo nacional a cargo do
Poder Executivo é quem deve desenhar as políticas
públicas necessárias para o cumprimento de direitos, para
o qual cada um criou um Plano Nacional de Ação para a
Infância. Mas, além disso, deve realizar programas
concretos de prevenção e assistência para que as crianças
possam viver em família. O Poder Legislativo tem a
responsabilidade de sancionar leis acordes à Convenção
dos Direitos da Criança e demais tratados de direitos
humanos, assim como aprovar o orçamento necessário
para desenvolver as políticas para a infância. Por último, o
Poder Judiciário deve respeitar os direitos das crianças e
adolescentes envolvidos em processos judiciais, assim
como condenar quem viole os direitos da infância.
Todos devem assegurar mecanismos de
exigibilidade, através dos quais as crianças e adolescentes
possam ser protegidos quando estiverem ameaçados ou
quando seus direitos forem violados.
Na região, os avanços legislativos foram
importantes, não só o reconhecimento das crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos, senão também na
valorização da família como o lugar mais propício para o
crescimento dos mesmos. No entanto, em muitos casos,
estes inegáveis avanços não foram ainda acompanhados
por planos, programas e projetos que ponham em prática
os avanços legais.
Alguns depoimentos recolhidos nas investigações
refletem isto:
Responsabilidade da sociedade civil: as organizações não
governamentais
» Segundo um funcionário público da Colômbia, “o
Instituto Colombiano de Bem-estar Familiar a nível
nacional está impulsionando todo um trabalho com a
família, mas na prática os programas voltam a ficar sem
Da análise das instituições públicas e privadas dos
países da América Latina se infere que os principais
entraves para a garantia dos direitos existem porque ainda
se continua vivendo uma “cultura tutelar”. Ou seja, as
10
As políticas neoliberais que se agudizam na
década de 90 em toda a região fizeram com a proteção da
infância fosse “privatizada” para organizações não
governamentais. Por um lado estava o abandono do
Estado de seu papel protetor, e por outro podiam encontrarse políticas de “terceirização” mediante as quais os
Estados derivavam escassos fundos para que as ONGs se
organizassem na assistência direta.
Isso provocou que exista hoje uma multiplicidade
de instituições e casa que foram criadas sem controle
algum nem orientações estatais. Mas, ao mesmo tempo,
aquelas que obedecem aos parâmetros do Estado se vêem
com uma enorme responsabilidade e sem a suficiente
ajuda econômica nem a capacitação oficial. Segundo os
especialistas, prevalece a concepção de ver as crianças e
adolescentes como objetos de proteção, sem capacidade
de participar e tomar decisões nos assuntos que os afetam.
Por esta razão é que as crianças/adolescentes não
encontram sentido nas intervenções a respeito de suas
vidas. Esta dificuldade se apresenta também, segundo os
relatórios, nas ONGs e na sociedade em geral, o que
dificulta a geração de espaços propícios para que as
crianças e adolescentes exerçam seus direitos.
Os obstáculos do Estado são múltiplos: falta de
convocatória e participação real da sociedade para exercer
o seu papel de co-responsabilidade; escassez dos
orçamentos destinados às áreas da infância; dificuldades
em instituir, habilitar e manter instituições independentes
que possam ser os executores.
Em resumo, falta de decisão política ampla.
Como síntese, tomamos as reflexões de um
especialista do Paraguai:
» "O artigo 54 da Constituição Nacional estabelece que a
família, a sociedade e o Estado têm a obrigação de garantir
à criança e adolescente seu desenvolvimento harmônico e
íntegro, assim como o exercício pleno de seus direitos”. E
continua a reflexão ressaltando que “no entanto, a ordem
dessa trilogia de garantias, de conformidade ao disposto na
própria lei suprema em relação à proteção da família, assim
como nas disposições da Convenção dos Direitos da
Criança e o Código da Infância e Adolescência, pressupõe
que a família recebeu a devida proteção por parte do
Estado para cumprir com seu papel”.
dificuldades para exercer uma política de promoção e
proteção de direitos não só se deve a dificuldades,
negligências ou negativas dos governos em implementar
políticas sob um novo paradigma, senão também porque a
sociedade civil, os indivíduos e as instituições que a
compõe se relacionam entre si e com as crianças e
adolescentes ainda de modo autoritário, sem exercer o
diálogo, e considerando as crianças/adolescentes mais
como “propriedades” que como sujeitos autônomos em
desenvolvimento. Assim, as velhas práticas permanecem
enraizadas e naturalizadas nas sociedades latinoamericanas.
» Definindo o papel das ONGs, um especialista do México
acentua um dos papéis da sociedade civil: “Vigiar o
cumprimento dos Direitos da Infância por parte do Estado
e, se necessário, denunciar casos de abuso dentro das
instituições”.
As ONGs assumem um papel protagonista na
implementação de políticas que velam pelos direitos das
crianças e adolescentes, assumindo uma dupla
responsabilidade, como parte da sociedade e também
como delegados do Estado, ao atuar por conta e ordem do
mesmo em algumas ocasiões, ou inclusive assumir o papel
de delinear políticas públicas para a população infantojuvenil.
Por outro lado, as organizações também fazem
parte de uma sociedade carregada de representações
ligadas ao paradigma do patronato, razão pela qual com
frequência operam com critérios nem sempre adequados
ao enfoque de direitos.
Responsabilidade das famílias
» Em Honduras se estabelece que a “proteção da infância
é responsabilidade da sociedade em seu conjunto, mas
seu cuidado direto corresponde aos pais ou seus
representantes legais, e na falta deles, ao Estado” (artigo
83, Código da Infância e Adolescência).
» Especialistas de El Salvador reconhecem que existe o
exercício irresponsável de maternidades e paternidades,
para além das causas pelas quais isto acontece.
» Na Guatemala se reconhece que deveria se desenvolver
o recurso de “escola para pais” a fim de preparar e
acompanhar os pais e mães no exercício de seu papel.
Tal como foi desenvolvido antes, é necessário
compreender o papel de cada ator em inter-relação e como
co-responsável: a família, a sociedade e o Estado.
Não podemos falar da responsabilidade dos pais
sem entender previamente a do Estado, mas será
indispensável entender que pais e mães têm
responsabilidade direta e específica sobre o cuidado das
crianças. Nesse sentido ganha relevância a necessidade
de identificar a problemática pontual das crianças e
adolescentes que perderam ou estão em risco de perder o
cuidado de seus pais, que, como vimos, sofrem uma
violação de direitos ainda mais aguda que outras crianças
de seu grupo ou comunidade que sim recebem este
cuidado. As crianças e adolescentes têm direito de viver no
seio de sua família, grupo ampliado ou comunidade de
pertença, e este é um direito que deve ser garantido por
todos os adultos que fazem parte destes grupos sociais. De
tal maneira, por exemplo, uma das causas identificadas
como de risco para a perda do cuidado parental é a
chamada “paternidade irresponsável”. Tal é o caso de El
Salvador onde se encontra a negligência dos pais como
uma das causas da falta de cuidado das crianças e, por
conseguinte se responsabiliza os mesmos, de forma
direta, pela violação do direito que têm as crianças e
adolescentes de ter e crescer em família, em um marco de
afeto, contenção e cuidado, como condições necessárias
para seu desenvolvimento integral.
Dentro do papel específico que tem a família
encontra-se o que foi descrito no relatório da Nicarágua
como espaços de “coesão afetiva”, que consiste no afeto
que necessita uma criança para crescer. É o que
proporciona de maneira singular a família na qual nasceu e
à qual pertence. No caso de que esta não esteja em
condições, outra família pode fazê-lo, assim como a
comunidade da qual faz parte.
Um recurso interessante é o da escola para pais
que, com um formato democrático e participativo,
acompanha e prepara os adultos para exercer seu papel,
demonstrando que se deve percorrer um longo caminho
para passarem de progenitores e progenitoras a pais e
mães.
Responsabilidade dos organismos internacionais
A responsabilidade diante das crianças e
adolescentes sem cuidado parental recai também nos
organismos internacionais, entre eles, OIT-IPEC, UNICEF,
PNUD, Alto Comissionado das Nações Unidas para os
Direitos Humanos.
Cada um, desde sua área de abordagem
específica, tem a responsabilidade de controlar os Estados
nacionais e de promover políticas de efetivo cumprimento
dos direitos das crianças e adolescentes. Vários dos
relatórios ressaltam como um obstáculo para a garantia
dos direitos do grupo meta, a falta de trabalhos focalizados
nas crianças sem cuidado parental ou em risco de perdê-lo,
de parte dos organismos internacionais. Outro obstáculo
mencionado é a escassa incidência de tais organismos
sobre as políticas nacionais. Isto se relaciona com o baixo
nível de exigibilidade que possuem os tratados
internacionais como a CDN, o que possibilita que as
recomendações realizadas pelo Comitê dos Direitos da
Criança das Nações Unidas sejam levadas em conta ou
não, sem nenhum tipo de sanções para o governo em
questão.
Responsabilidade dos doadores
Os doadores nacionais e internacionais que
provêem de recursos econômicos as organizações e
projetos que operam na América Latina, têm também
incidência nas ações sobre crianças e adolescentes sem
cuidados parentais.
Os requisitos para obter o apoio econômico muitas
vezes marcam quais são os aspectos que conseguem
comover e fazer com que indivíduos e organizações com
recursos realizem contribuições. Aqueles que estão no
âmbito do “marketing social” enunciam com claridade que
é mais provável conseguir apoio econômico para situações
paliativas, mostrando imagens de “crianças sozinhas”,
sem família, para as quais é necessário abrir mais
instituições, do que conseguir apoio econômico para
projetos que busquem a promoção da autonomia das
famílias de origem.
Ainda é muito forte a visão da beneficência, a
caridade, a legitimação do “isolamento” do conjunto social
daqueles que têm problemas, acima da ajuda para a
integração, a autonomia e a autogestão e auto-realização
de quem pertence a grupos vulneráveis, como as crianças
e adolescentes sem cuidado parental e os adultos que não
estão em condições de assumir suas responsabilidades
maternas, paternas e comunitárias.
Devido à importância de que a criança exerça seu
direito a viver em família e comunidade, deve-se explorar e
estimular o desenvolvimento do que denominamos “fatores
protetivos”.
Os fatores protetivos podem ser: individuais,
estudados recentemente no revitalizado campo da
resiliência; familiares, valorizados no campo do
desenvolvimento infantil, da prevenção de maus-tratos e
na pediatria particularmente e, sócios culturais.
No trabalho social com famílias é muito importante
ter esta perspectiva toda vez que se deve apostar no
desenvolvimento de suas capacidades para assumir a
criação e a proteção integral de seus filhos. Para que esta
tarefa dê bons resultados, deve-se ter disponíveis os
recursos necessários, tanto humanos como profissionais.
Surgem neste documento fatores protetivos do tipo
coletivo, particularmente as práticas culturais detalhadas a
seguir.
Sobre crianças de povos indígenas
Conclusões e recomendações provisórias
Incluímos aqui algumas conclusões e
recomendações “provisórias”. Esperamos que, à medida
que este documento latino-americano seja difundido e
repensado pelos leitores, surjam novas conclusões e
recomendações sobre o tema que nos ocupa.
Além das equipes de trabalho, foram incluídas aqui
recomendações realizadas pelos especialistas que
participaram na fase de validação do relatório latinoamericano completo.
Conhecer para intervir na prevenção e restituição do
direito à família
Uma das conclusões centrais é a carência de
informação em aspectos chaves da problemática descrita,
tanto a nível qualitativo como quantitativo. Por esta razão
esperamos que este documento seja uma contribuição ao
conhecimento geral da questão e, a partir dos déficits
detectados, abram-se linhas de investigação.
Instamos às autoridades públicas latinoamericanas da infância a destinar recursos apropriados e
suficientes; aos investigadores dos centros acadêmicos da
região a que sejam sensíveis e se dediquem a este tema, e
aos organismos de cooperação internacional para que
derivem recursos para a geração de conhecimento
independente neste campo que permita incluir, de maneira
integral, todos os aspectos nos quais se deve trabalhar
para a restituição dos direitos das crianças e adolescentes.
Sobre fatores protetivos
10
Deve aprofundar-se mais neste aspecto para a
recuperação das práticas de cuidado comunitário das
crianças, exercidas pelos povos indígenas para seu
aproveitamento no marco das políticas públicas.
Por exemplo, a “circulação de crianças” descrita
pelos antropólogos envolve, de alguma maneira, uma
prática comunitária que se constitui em um fator protetivo.
No entanto, é adequado destacar o desafio existente na
região em relação ao fortalecimento dessas experiências
comunitárias, tendo ao mesmo tempo mecanismos de
políticas sociais que possam acompanhar e supervisar
ditas práticas, a fim de evitar violações de direitos dentro
das mesmas. A este respeito, Erica Brasil destaca que “no
caso do Brasil, as práticas descritas como circulação de
crianças não podem ser sempre apresentadas como
fatores protetivos para a perda/risco de perda de cuidados
parentais, já que, em algumas ocasiões, também podem
encobrir outras problemáticas como trabalho infantil
doméstico (especialmente meninas que vivem em casas
de parentes ou conhecidos, e deixam de freqüentar a
escola) abusos físicos, psicológicos ou sexuais, etc.”.
Dessa forma, embora em sua grande maioria estas
práticas informais possam ser descritas como fatores
protetivos, podem também encobrir fatores de risco, que é
necessário controlar.
Neste aspecto, também Rosa Maria Ortiz nos
alerta sobre a necessidade de distinguir as tradições das
“práticas culturais perniciosas”, definidas como aquelas
práticas tradicionais que violam direitos. Com esta
distinção espera-se salvaguardar direitos culturais.
Surge dos depoimentos recolhidos nos relatórios
nacionais que, para a planificação da política pública nesta
matéria, não se consideraram as diferenças culturais entre
os povos indígenas e outras minorias étnicas, com pautas
generalizadas nas respectivas sociedades nacionais em
relação ao cuidado das crianças e adolescentes.
Aprofudar o conhecimento destes aspectos entre
os diversos grupos étnicos que habitam nossa região e
incorporá-los como variável a ser considerada, tanto na
hora de identificar riscos de perda dos cuidados familiares,
ou como fatores protetivos em relação ao problema
constitui, segundo entendemos, uma tarefa pendente.
Sobre as problemáticas relacionadas com a perda de
cuidados parentais
Entendemos que as principais problemáticas dos
países da região, pobreza e desigualdade, constituem-se
em causas indiscutíveis das violações de direitos das
crianças e adolescentes, entre os quais se encontra o
exercício do direito à família e, dentro do mesmo, o de
receber cuidados parentais.
Por outro lado, as crianças e adolescentes que já
sofrem esta falta são vítimas, em muitos casos, de mais
violações aos seus direitos.
A causa “pobreza” se correlaciona com outras de
índole individual ou familiar, tais como doenças, atributos
de determinados grupos em situação de vulnerabilidade
(migrantes, descendentes de povos indígenas), etc.
Embora não seja possível fazer uma análise
“contrafactual” (ou seja, após os fatos terem ocorrido), cabe
perguntar-se: quantas das famílias em situação de pobreza
que não puderam assumir o cuidado de seus filhos teriam
podido fazê-lo, se contassem com condições sócioeconômicas e de redes de ajuda?
Não é possível focalizar alguma das causas
separadametne se não se tem antes uma visão geral do
problema. E, evidentemente, o cenário geral é o da pobreza
e da desigualdade.
Se nos introduzimos, então, nas causas
separadas, a migração foi detectada nas investigações
como uma das situações que podem causar privação do
cuidado parental. Como fica claro, a migração dos adultos
resulta na falta de responsáveis da casa. Seria importante,
então, ampliar as linhas de investigação na região para a
“migração de temporada”, tanto de crianças/adolescentes
como de adultos, e a “infância migrante”.
É muito relevante e ainda não devidamente
dimensionado, a circulação de crianças “não
acompanhadas”.
Destacamos a contribuição de Christina Baglietto e
Cécile Maurin (SSI/CIR): “Entre os fatores adicionais que
podem contribuir para incrementar o risco de separação
familiar, poderia ser mencionada uma certa cultura de
vitimização da família (assistencialismo, apoio pontual e
não em seu processo de autonomia e crescimento), a
cultura do tabu em vários países da região e do medo social
de aceitar a necessidade de busca de apoio, assim como a
separação famliar como resultado do divórcio (não está
diretamente vinculado a este contexto, mas há um
crescente número de divórcios na região razão pela qual as
crianças são institucionalizadas, devido a que os pais estão
em conflito, o que cria altos níveis de alienação parental e a
solução das autoridades tem sido de afastar a
criança/adolescente de ambos os pais)”.
Sobre as crianças/adolescentes, seus contextos e o
cumprimento de seus direitos
É importante relacionar as principais problemáticas dos
países com as principais causas de violações de direitos
das crianças e, particularmente, com o objeto desse
trabalho: as crianças/adolescentes privados ou em
risco de perder o cuidado parental.
Nesse sentido, a busca de resolução às
problemáticas que originam a violação dos direitos das
crianças e adolescentes na América Latina e, entre elas, a
falta de cuidado parental, deve acontecer no campo das
políticas sociais públicas que cada governo implementa em
seu país, em função de resolver o flagelo da fome e a
iniqüidade que caracterizam os países da região.
Neste ponto é importante retormar o que foi dito
sobre a situação de abandono em relação a que seu
principal elemento protetivo seria a reestruturação da
própria família, entendida como família ampliada,
inclusive tratando-se de amigos, padrinhos ou laços não
consangüíneos. Levar em conta isto nos permitirá entender
que os programas sociais destinados a proteger as
crianças da situação de perda de cuidados parentais
deverão focalizar-se fortemente no fortalecimento destes
núcleos familiares que poderiam preservá-los.
Surge do estudo que as adolescentes grávidas e
pertencentes a grupos sociais pobres sofrem a violação de
seus direitos, situação que se estende quase
imediatamente aos próprios filhos.
Crianças e adolescentes em instituições
Uma questão preocupante evidenciada nos
depoimentos das crianças e adolescentes, especialistas e
cuidadores, recolhidos nos relatórios nacionais é a
violação de direitos fundamentais a qual se vêem
submetidas crianças e adolescentes
institucionalizados.
Deve-se acender “luzes vermelhas” sobre o que
descrevemos no relatório latino-americano sobre direitos
violados. Começando com a violação do direito à
convivência familiar e comunitária, os depoimentos de
especialistas e crianças acusam a violação do direito à
liberdade, do direito à expressão e participação, o direito à
intimidade, do direito à educação, entre outros [8].
Descreve-se crianças e adolescentes
institucionalizados como afetados por: um sentimento
profundo de solidão; sentimentos de incompreensão;
isolamento da sociedade em geral; desapego; incerteza
quanto ao seu futuro por não saber quem vai apoiá-lo,
proteger, acompanhar; sentimentos de rejeição; baixa
auto-estima.
É indispensável avançar efetivamente sobre a
criação de alternativas de cuidado familiar, assim como
realizar um amplo processo de desinstitucionalização de
milhares de crianças e adolescentes, que hoje se
encontram na América Latina submetidos à privação de
direitos ao mesmo tempo em que sofrem os sentimentos
descritos. A soma das cifras consignadas neste Documento
como “a ponta do iceberg” totaliza aproximadamente
373.116 crianças e adolescentes em instituições da
América Latina.
Crianças e adolescentes órfãos
Uma questão muito particular e relevante também
é a enorme quantidade de crianças e adolescentes
órfãos que estão institucionalizados. Como podemos
explicar que haja crianças e adolescentes vivendo em
instituições de todo tipo, se perderam seus pais
8 - Para aprofundar neste aspecto, consultar o relatório latino-americano citado em
páginas anteriores, parte 6, “Principais violações aos dereitos das crianças e
adolescentes sem cuidado parental”, em www.relaf.org
definitivamente? Não caberia, nestes casos, a adoção, ou
seja, a provisão de uma família definitiva?
Compreende-se que este universo de crianças e
adolescentes órfãos envolva alguns que, por diversas
razões, não poderão ser adotados imediatamente. Mas
não se pode aceitar sua revitimização quanto vieram,
primeiro falecer seus pais e/ou mães, e agora se vêem
privados definitivamente do direito a viver em família e
integrar-se à comunidade. Na descrição destas crianças e
adolescentes (ver parte 6 do relatório latino-americano já
citado), diz-se que padecem “efeitos psicológicos pela
morte dos pais” e “baixa auto- estima”.
Urge implementar a adoção e o acolhimento
como resposta, segundo cada caso, extremando os
esforços para incluir em famílias a maior quantidade
possível destas crianças, e considerando o cuidado
baseado em família para as crianças pequenas e as
modalidades de convivência grupal com apoio para os
adolescentes.
Sobre os responsáveis
Resulta evidente, a partir deste relatório, que as
crianças e adolescentes privados do cuidado parental ou
em risco de perdê-lo são um setor da população infanto
juvenil que sofre repetidas violações. Por carecer desse
cuidado básico afetivo e de contenção que oferecem os
núcleos familiares, principalmente nos primeiros anos de
vida, entendemos que esta problemática deve ser
considerada de forma específica pelas instituições do
governo e da sociedade civil que têm responsabilidades
diretas no cuidado das crianças e adolescentes e na
garantia de todos seus direitos.
Assim, os Estados Latino-americanos devem
reconhecer esta problemática específica e de grande peso
dentro das sociedades da região, para planificar políticas
públicas de fortalecimento familiar, em primeiro lugar, o que
inclui reconhecer as famílias mono parentais, as famílias
ampliadas e as diversas formas que atualmente tomam
estes grupos básicos de convivência. Os Estado devem
compreender que é primordial evitar que as crianças e
adolescentes continuem perdendo os cuidados parentais,
e que aqueles que já perderam requerem um cuidado
particular, e também dever ter como premissa a
manutenção ou a reinserção em sua comunidade de
origem.
Ameaças de retrocessos e avanços provisórios
É importante estarmos atentos para que os
avanços conquistados na região na promoção do direito à
convivência familiar e comunitária não sejam
desestimulados por retrocessos que levem à
implementação de políticas tutelares. Tal é o caso, por
exemplo, da “Cidade das Crianças”, na Guatemala, um
conjunto de edifícios recém construidos para albergar
centenas de crianças sem cuidado parental.
Da mesma forma, como exemplo de retrocesso,
assinalamos a vigência e a recente polêmica sobre o
“Preventorio Pérez Araníbar”, uma instituição da cidade de
Lima, Peru, que tem capacidade para albergar 650
crianças e adolescentes. A polêmica acontenteceu devido
às declarações do bispo que a dirige, que reclamou ao
10
Estado “encher as 650 camas, já que só tinha 300 crianças
e adolescentes”. O Estado concordou em derivar e
outorgar recursos, até chegar ao número de crianças
reclamado [9].
Na região, os avanços legislativos foram
importantes, não só no/reconhecimento das crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos, senão também na
valorização da família de origem. No entanto, em muitos
casos, estes inegáveis avanços não foram acompanhados
por planos, programas e projetos que ponham em prática
as conquistas legais. Causadores desta situação podem
ser a falta de decisão política, orçamentos cotados para
esta áreas de política pública e/ou falta de capacidade
técnica.
A descentralização dos programas joga um papel
fundamental no que se refere ao alcance de maiores
níveis de acessibilidade dos benefícios e, por tanto, a
ampliação da cobertura do sistema. Resulta importante,
então, colocar especial atenção na difusão das ações,
devido a que muitas vezes o limitado acesso aos
programas deve-se à falta de estratégias de comunicação
e ao consequente desconhecimento da existência dos
potenciais beneficiários de cada programa (que são as
famílias e as crianças e adolescentes).
Sobre os organismos de cooperação internacional
Resulta fundamental destacar a necessidade de
investigações e estudos comparativos, a nível latinoamericano, que analisem os diversos aspectos ligados ao
risco de perder o cuidado parental.
Em um continente tão grande e diverso, marcado
por profundas desigualdades, a complexa tarefa de
investigação requer, sem dúvida, o apoio tanto financeiro
como técnico da cooperação internacional. Embora seja
necessário reforçar a idéia de que os recursos materiais e
humanos a se mobilizarem devem ser da América Latina.
Como pode ver-se no relatório latino-americano já
mencionado, não é que não existam recursos, senão que
estão mal distribuídos e, no caso da política social pública,
em algumas ocasiões estão mal aplicados.
Da mesma forma, os centros de investigação
acadêmica da nossa região estão dotados de pessoas
altamente capacitadas e muitas delas são sensíveis às
temáticas que devem aprofundar-se.
Finalmente, apesar de não ser mencionado nos 13
relatórios sistematizados (fonte do relatório latinoamericano), é de destacar o importante papel que estão
chamadas a cumprir as Instituições Independentes de
Direitos Humanos em cada uma das nações, em relação à
proteção dos direitos das crianças e adolescentes e à
promoção e vigilância da aplicação da CDC (Convenção
dos Direitos da Criança), tal como estabelece a
Observação Geral número 2 do Comitê dos Direitos da
Criança das Nações Unidas.
Fortalecer estes organismos nacionais onde foi
conseguido implantá-los, e implantar onde ainda não foi
possível, é, sem dúvida alguma, um grande desafio na
região.
9 - http://elcomercio.pe/noticia/444584/puericultorio-tiene-300-camasvaciasley-le-impide-acoger-ninos-pobres_1 (Consulta 16 de março de 2010)
http://elcomercio.pe/noticia/444759/puericultorio-perez-aranibaratenderaal-maximo-su-capacidad-desde-proximo-lunes (Consulta 20 de março de 2010)
Glossário [10]
Acolhimento familiar: é um tipo de cuidado
baseado na família, que inclui a criança/adolescente para
seu cuidado, sem alterar significativamente a rotina
familiar. A família continua com sua dinâmica e estrutura
cotidiana responsabilizando-se, pelo tempo que seja
necessário, pela proteção integral da criança/adolescente.
Pode ser formal ou informal (ver cuidado alternativo).
Cuidado alternativo: A falta de cuidado da mãe e
pai biológicos, contudo, não remete necessariamente a
uma criança sem cuidado. Pode ser que o cuidado seja
exercido adequadamente por outros membros da família
extensa e/ou comunidade. Nos referimos, então a
crianças/adolescentes em cuidado alternativo, que é um
arranjo formal ou informal através do qual a criança é
cuidada fora da casa de seus pais, tanto como resultado da
decisão de uma autoridade judicial, administrativa ou
qualquer organismo devidamente reconhecido, como por
iniciativa da criança/adolescente, seus pais ou seus
cuidadores primários, ou como resultado da ação
espontânea de um cuidador na ausência de seus pais. Isto
inclui acolhimento informal da família ou pessoas alheias à
família, colocação em instituições formais de acolhimento,
outras formas de colocação em instituições (ver
instituição), centro de passagens em situações de
emergência, outros centros de cuidado institucional de
curto e longo prazo (incluindo casa de acolhimento grupal e
colocações para que as crianças/adolescentes vivam
independentes dos adultos cuidadores mas sob
supervisão). O cuidado alternativo pode ser:
- formal: qualquer acolhimento em um meio
familiar que tenha sido ordenado por uma autoridade
judicial ou administrativa competente, assim como
qualquer cuidado em um meio institucional, incluindo
centros privados, como resultado ou não de medidas
administrativas ou judicias.
- informal: qualquer colocação/inclusão de
caráter privado em um meio familiar; no qual a
criança/adolescente é cuidada por um período indefinido
por parentes ou amigos (acolhimento informal) ou por
outros em seu próprio nome e direito, pela iniciativa da
criança/adolescente, seus pais ou outra pessoa, sem que
esta colocação tenha sido ordenada por uma autoridade
judicial ou administrativa ou qualquer organismo
devidamente acreditado.
O campo de ação do cuidado alternativo não inclui
crianças/adolescentes que estão privados de sua
liberdade por decisão de uma autoridade judicial ou
administrativa por ser acusados de ter infringido a lei, e cuja
situação é tratada pelas Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça de Menores e as
Regras para a Proteção dos Menores Privados de
Liberdade. Também não se extende a casos nos quais as
crianças/adolescentes tenham sido adotados (mas sim se
aplica aos cuidados pré-adotivos) ou nos que há uma
colocação informal se a criança/adolescente fica por
10 - Para este glossário, nos baseamos nos documentos: Diretrizes de Cuidados
Alternativos à Criança (ONU), e UNICEF e Serviço Social Internacional. Melhorar a
proteção das crianças privadas do cuidado de seus pais: a necessidade de regras
internacionais. (Documento de trabalho conjunto, agosto de 2004.)
vontade própria com seus parentes ou amigos por um
período limitado, com fins recreativos e por razões que não
estão ligadas à incapacidade dos pais de prover cuidado
adequado.
Lares encabeçados por crianças/
adolescentes: Existem muitos exemplos de situações nas
quais as crianças/adolescentes criaram espontaneamente
seus próprios “lares” após a morte de seus pais. Estes lares
costumam ser constituidos por crianças/adolescentes de
uma mesma família, onde o primogênito assume a
responsabilidade pelo bem-estar de seus irmãos, embora
se conheçam outras formas (a união de crianças/
adolescentes de uma família com crianças/adolescentes
de outras famílias, ou inclusive um grupo de crianças/
adolescentes sem parentesco algum entre si). Observouse que estes lares se formam por situações de emergência,
como a violência política, as catástrofes naturais, o HIVAIDS, mas podem estabelecer-se por outras razões.
Cuidado parental adequado: situação na qual as
necessidades físicas, emocionais, intelectuais e sociais
básicas da criança/adolescente são satisfeitas por seus
cuidadores e a criança/adolescente pode desenvolver-se
de acordo com seu potencial. O cuidado parental adequado
vai além da ausência de abuso, abandono ou exploração, e
implica que a criança tenha suficientes cuidados e recursos
para desenvolver-se saudavelmente.
Isto implica, por exemplo, que a criança vive no
seio de uma família, com um cuidador primário, conta com
proteção e cuidados adequados, acesso à educação e
assistência sanitária. As crianças/adolescentes que vivem
abaixo da linha de pobreza, os que moram ou trabalham na
rua, assim como os que estão em risco de ser excluídos de
suas famílias ou que vivem situações de abuso, exploração
ou abandono, são avaliados como vítimas de cuidado
parental inadequado.
Cuidados baseados em família: um tipo de
cuidado que implica que a criança viva com outra família
que não é a biológica. O termo engloba o acolhimento
familiar, os lares encabeçados por crianças/adolescentes e
a adoção.
O cuidado em uma casa para atendimento de
grupo pequeno ficaria fora dessa definição, embora às
vezes não considere a distinção entre “acolhimento” e o
cuidado em uma instituição grupal (institucional).
Família: grupo de indivíduos que pertencem a uma
mesma descendência, seja ou não um vínculo de primeiro
grau. Entendemos a família como o núcleo menor de
pertença, constituído por laços significativos, inclusive
quando não existam nele a figura da mãe e/ou do pai.
Institucionalização: inclusão em residências
institucionais.
Instituição: residência a cargo de pessoas
responsáveis pelo cuidado. Esta concepção inclui um
amplo espectro de espaços que vão desde os orfanatos,
que geralmente incluem um número importante de
“internos”, as casas lares, pequenas instituições com um
formato que pretende recriar uma família, acolhendo um
pequeno número de crianças e adolescentes que tem
como responsáveis figuras estáveis. Nas casas lares, os
cuidadores convivem em tempo completo com as
crianças/adolescentes.
Nas Diretrizes de Cuidados Alternativos à Criança
(ONU), define-se o cuidado residencial como aquele
oferecido em qualquer contexto de cuidado grupal não
baseado em família.
Crianças privadas de cuidado parental: todas
as crianças que não vivem com pelo menos um de seus
pais, por qualquer causa e sem importar as circunstâncias.
As crianças que não têm cuidado parental e se
encontram fora de seu país de residência habitual ou que
são vítimas de situações de emergência podem ser
designados “não acompanhados ou separados”.
Crianças: em prol de realizar uma leitura mais
fluida em alguns parágrafos deste documento se utiliza o
termo “crianças” que engloba crianças e adolescentes
menores de 18 anos.
A publicação original foi realizada pelo Projeto Relaf, Red
Latino-americana de Acogimiento Familiar, através de um
acordo de cooperação com Aldeas Infantiles SOS
internacional. É permitida a reprodução total ou parcial,
citando a fonte. Buenos Aires, Argentina, junho de 2010.
Com o apoio de SKN. Kinderpostzegels.
Do original:
DOCUMENTO DE DIVULGACION LATINOAMERICANO
Niños, niñas y adolescentes sin cuidados parentales en
América latina. Contextos, causas y consecuencias de la
privación del derecho a la convivencia familiar y comunitaria.
Tradução para o português: Roseli Schuster
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