ode Izer Nem tudo se ver, ouvir ou

Transcrição

ode Izer Nem tudo se ver, ouvir ou
Bet
ode
Nem tudo
se
•
•
ver, ouvir ou Izer
m músico me escreve contando que pertence a uma grande orquestra, mas não
tem prazer no trabalho por causa dos colegas. Não suporta o despotismo, a vaidade, a prepotência, a arrogância e a mania de
grandeza de alguns. O convívio com "egos inflados" é demasiadamente penoso, e ele me pergunta o que fazer.
Eu, que sempre faço a apologia do ato generoso da escuta, sugiro ao músico que faça ouvidos moucos. Lembro que ele tem o privilégio de
escutar os sons mais sutis e sabe ouvir o silêncio. Não precisa dar ouvidos ao que não interessa. Inclusive porque egos inflados estão em toda
parte e a luta contra eles não leva a nada. Evitar
a luta de prestígio é um bem que nós fazemos a
nós e aos outros.
Para viver, nem tudo nós podemos ver, escutar ou dizer. Isso é representado, desde a Antiguidade, pelos três macacos da sabedoria. Cada um
cobre uma parte diferente do rosto com as mãos.
O primeiro cobre os olhos, o segundo as orelhas
e o terceiro a boca. A representação é originária
U
A psicanalista e
escritora &tty MiIan
assina a coluna
consunõno Sentimental
em VEJA.com. Uma vez
por mês, ela publica
em VEJA um artigo
especialmente escrito
para a revista impressa
Seleção e cont
ão t mam a existência mais
fácil quando vêm do desejo vital de se opor às
forças do inconsciente que podem nos fazer mal~
92 112
OEJANErRO,
2011
I Wja
Acompanhe a coluna de Betty Milan em www.veja.com/bettymilan
da China. Foi introduzida no Japão, no século
VIII, por um monge budista. A máxima que ela
implica é "não ver, não ouvir e não dizer nada de
mau". Foi adotada por Gandhi, que levava sempre consigo os três macaquinhos, o cego, o surdo
e o mudo - Mizaru, Kikazaru e Iwazaru.
Eles ensinam a não enxergar tudo o que vemos, não escutar tudo o que ouvimos e não dizer tudo o que sabemos. Noutras palavras, ensinam a selecionar e a conter-se. Isso é decisivo
para uma atitude. construtiva, mas não é fácil.
Somos impelidos a focalizar o que nos prejudica - impelidos por um gozo masoquista ao
qual temos de nos opor continuamente. Só a
consciência disso permite não sair do caminho
em que a vida desabrocha.
Seleção e contenção tornam a existência
mais fácil. Desde que não sejam um efeito da
repressão, como na educação tradicional, e sim
do desejo do sujeito - um desejo vital de se
opor às forças do inconsciente que podem nos
fazer mal. Isso implica a humildade de aceitar
que o inconsciente existe e nós não somos donos de nós mesmos.
A ideia não é nova. Data da descoberta da
psicanálise por Freud, no fim do século XIX,
mas continua a ser ignorada porque é diffcil nos
livrarmos do ego. Sobretudo numa sociedade como a nossa, que tanto o valoriza, e que não condena a vaidade, a prepotência e a arrogância.
Pelo contrário, estimula-as para se perpetuar.